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A redução de proparoxítonas no português popular do Brasil: estudo com base em dados do Atlas lingüístico do Paraná (ALPR). Vandersí Sant’Ana Castro Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) [email protected] Résumée: Il s’agit d’une étude à propos d’un phénomène du portugais populaire brésilien, à savoir, la réduction de mots proparoxytons. À partir des données de l’Atlas lingüístico do Paraná (Aguilera 1994), nous analysons l’occurrence du phénomène en ce qui concerne sa fréquence, sa distribution géographique et les procedés employés pour sa réalisation dans cet État brésilien. Mots-clés: portugais populaire brésilien; proparoxytons; atlas linguistique Resumo: Trata-se de um estudo sobre a redução de proparoxítonas no português popular do Brasil, com base em dados do Atlas lingüístico do Paraná (Aguilera 1994). Analisa-se a ocorrência do fenômeno, na área em questão, no que diz respeito a sua freqüência, seu alcance diatópico e os processos utilizados em sua realização. Palavras-chave: português popular brasileiro; proparoxítonas; atlas lingüístico. Introdução O processo de redução de proparoxítonas a paroxítonas foi historicamente atestado na passagem do latim para o português – cf. calidu > caldo; littera > letra; viride > verde; apicula > abelha (Coutinho 1974; Câmara Jr. 1976). Essa foi a evolução natural das formas proparoxítonas, observada já no latim vulgar – cf. oculus > oclus; altera > altra; socerus > socrus (Coutinho 1974). Tanto assim que, como enfatiza Câmara Jr. (1976: 35), “os vocábulos portugueses de acentuação na antepenúltima sílaba raramente provêm da evolução no latim vulgar”. A presença de proparoxítonas em nosso léxico, continua o autor, “decorre do empréstimo em massa de palavras do latim clássico, que se processou em português, especialmente a partir do séc. XVI; entre elas vieram palavras gregas que o latim clássico tinha adotado e adaptado à sua estrutura. Mais tarde houve empréstimos diretos do português ao grego clássico com a tendência a acentuá- los com o princípio geral da prosódia latina. Também aumentaram o número de esdrúxulos os empréstimos ao italiano pela língua literária portuguesa, a partir do séc. XVI, pois em italiano não houve a supressão românica da penúltima sílaba átona dos esdrúxulos latinos”. As proparoxítonas que temos hoje vieram, portanto, sobretudo por via erudita, e são, em nossa língua, “um tanto marginais”, na expressão de Câmara Jr. (1976: 35). ESTUDOS LINGÜÍSTICOS, São Paulo, 37 (2): 113-121, maio-ago. 2008 113

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A redução de proparoxítonas no português popular do Brasil: estudo com base em dados do Atlas lingüístico do Paraná

(ALPR).

Vandersí Sant’Ana Castro

Instituto de Estudos da Linguagem – Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

[email protected]

Résumée: Il s’agit d’une étude à propos d’un phénomène du portugais populaire brésilien, à savoir, la réduction de mots proparoxytons. À partir des données de l’Atlas lingüístico do Paraná (Aguilera 1994), nous analysons l’occurrence du phénomène en ce qui concerne sa fréquence, sa distribution géographique et les procedés employés pour sa réalisation dans cet État brésilien.

Mots-clés: portugais populaire brésilien; proparoxytons; atlas linguistique

Resumo: Trata-se de um estudo sobre a redução de proparoxítonas no português popular do Brasil, com base em dados do Atlas lingüístico do Paraná (Aguilera 1994). Analisa-se a ocorrência do fenômeno, na área em questão, no que diz respeito a sua freqüência, seu alcance diatópico e os processos utilizados em sua realização.

Palavras-chave: português popular brasileiro; proparoxítonas; atlas lingüístico.

Introdução O processo de redução de proparoxítonas a paroxítonas foi historicamente atestado na passagem do latim para o português – cf. calidu > caldo; littera > letra; viride > verde; apicula > abelha (Coutinho 1974; Câmara Jr. 1976). Essa foi a evolução natural das formas proparoxítonas, observada já no latim vulgar – cf. oculus > oclus; altera > altra; socerus > socrus (Coutinho 1974). Tanto assim que, como enfatiza Câmara Jr. (1976: 35), “os vocábulos portugueses de acentuação na antepenúltima sílaba raramente provêm da evolução no latim vulgar”. A presença de proparoxítonas em nosso léxico, continua o autor, “decorre do empréstimo em massa de palavras do latim clássico, que se processou em português, especialmente a partir do séc. XVI; entre elas vieram palavras gregas que o latim clássico tinha adotado e adaptado à sua estrutura. Mais tarde houve empréstimos diretos do português ao grego clássico com a tendência a acentuá-los com o princípio geral da prosódia latina. Também aumentaram o número de esdrúxulos os empréstimos ao italiano pela língua literária portuguesa, a partir do séc. XVI, pois em italiano não houve a supressão românica da penúltima sílaba átona dos esdrúxulos latinos”. As proparoxítonas que temos hoje vieram, portanto, sobretudo por via erudita, e são, em nossa língua, “um tanto marginais”, na expressão de Câmara Jr. (1976: 35).

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Ora, o processo de redução de proparoxítonas verificado na história do português (e que foi a deriva natural da língua) continua, todavia, ativo na nossa linguagem popular, agindo sobre as proparoxítonas que entraram tardiamente em nosso léxico, como atestam diversos autores que se dedicaram ao estudo de variedades regionais do português popular (Amaral 1920; Nascentes 1923; Marroquim 1934) ou fizeram apresentações gerais sobre nossa língua popular (Elia 1975; Câmara Jr. 1970, 1976; Castilho 1992). Um material propício para verificar a ocorrência do processo no português popular de hoje pode ser encontrado nos atlas lingüísticos regionais brasileiros (Rossi 1963; Ribeiro et alii 1977; Aragão & Menezes 1984; Ferreira et alii 1987; Aguilera 1994; Cardoso 2005), que documentam a linguagem usada por falantes com pouca ou nenhuma escolaridade. Nesta apresentação, justamente, focalizarei algumas cartas do Atlas lingüístico do Paraná - ALPR (Aguilera 1994), que reúnem dados pertinentes ao tema. Com base na análise desse material, procurarei: a) mostrar a freqüência do uso e o alcance geográfico da redução de proparoxítonas a paroxítonas no Paraná; b) descrever os variados processos de redução utilizados pelos informantes paranaenses; c) verificar em que medida os processos atestados nos dados correspondem às descrições propostas na literatura pertinente ou permitem complementá-las. A redução de proparoxítonas a paroxítonas no Paraná O ALPR traz oito cartas relevantes para o estudo da redução da proparoxítona a paroxítona: árvore (carta 104), amígdalas (105), estômago (106), relâmpago (107), útero (108), eucalipto (125), eclipse (152) e glândula (155). Inicialmente cabe justificar a inclusão de eclipse e eucalipto nesse conjunto de dados. Aparentemente paroxítonas, como sugere sua grafia, essas palavras apresentam, em posição postônica, uma seqüência de consoantes (oclusiva + oclusiva - p t - , no caso de eucalipto; e oclusiva + fricativa – p s -, no caso de eclipse), seqüência que, efetivamente, costuma se desfazer pela ocorrência de um /i/ epentético, que se torna núcleo de uma nova sílaba. Dessa forma, essas palavras, na verdade, tornam-se proparoxítonas – eclípise, eucalípito. Câmara Jr. já chamou a atenção para esse fato. Sobre os vocábulos de origem erudita que apresentam, na escrita, seqüências consonantais como as que ocorrem nos dois casos em questão, o autor observa que “na realidade há entre uma e outra consoante a intercalação de uma vogal, que não parece poder ser fonemicamente desprezada, apesar da tendência a reduzir a sua emissão no registro formal da língua culta.” (Câmara Jr. 1970: 47). Justifica-se, assim, a consideração de eclipse e eucalipto ao lado das autênticas proparoxítonas examinadas (árvore, amígdalas, estômago, relâmpago, útero, glândula). Analisando essas oito cartas do ALPR, pude constatar a presença de realizações paroxítonas e proparoxítonas conforme os índices que figuram no quadro apresentado a seguir.

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Nº de LOCALIDADES CARTA total com paroxítonas com proparoxítonas

104 - árvore 65 61 (93%) 28 (43%) 108 - útero 57 54 (94%) 9 (15%) 125 - eucalipto 64 59 (92%) 18 (28%) 152 - eclipse 64 63 (98%) 5 (7%) 105 - amígdalas 25 16 (64%) 12 (48%) 107 - relâmpago 55 47 (85%) 26 (47%) 155 - glândula 51 34 (66%) 32 (62%) 106 - estômago 64 28 (43%) 58 (90%)

QUADRO I - ALPR : redução de proparoxítonas

O quadro acima indica o nº da carta, a palavra em questão, e, para cada palavra, o nº

total de localidades em que a palavra foi registrada; o nº de localidades em que houve registro de realização paroxítona (e a porcentagem correspondente); o nº de localidades em que se atestou realização proparoxítona (e a porcentagem correspondente).

Assim, árvore ocorreu em 65 localidades (ou seja, todas as localidades estudadas no atlas). Em 61 delas (93%) foram atestadas realizações paroxítonas (ex.: arve, arvre, auve). Em 28 das localidades (43%), foram registradas realizações proparoxítonas (ex.: árvore, áuvore). (Como em várias localidades ocorrem os dois tipos de realização – paroxítona e proparoxítona -, a soma das porcentagens (paroxítona + proparoxítona) é superior a 100%, bem como a soma das localidades correspondentes é superior ao número total das localidades em que a palavra ocorre. Essa observação se aplica aos índices de todas as palavras estudadas.) O que se constata, portanto, é que a redução de proparoxítonas a paroxítonas tem presença notória e importante nos dados, como mostram os índices do quadro apresentado: a realização paroxítona, de um modo geral, é sempre mais ampla (isto é, é registrada em um maior número de localidades) que a ocorrência da realização proparoxítona, mostrando-se nitidamente predominante no caso de árvore, útero, eucalipto e eclipse. Há três casos em que não se registra a presença predominante das paroxítonas e eles merecem uma explicação. Trata-se de amígdalas, glândula e estômago. Na realização de amígdalas e glândula, variantes proparoxítonas e paroxítonas ocorrem de forma mais equilibrada. Sobre essas palavras pode-se observar que: amígdalas é pouco registrada – só ocorre em 25 das 65 localidades do ALPR. Pode-se deduzir que se trata de uma palavra pouco familiar aos informantes. A pouca familiaridade da palavra poderia explicar também a ocorrência de variantes mais inesperadas, atestadas no desempenho dos informantes, como: [az»midula], [a»migola], [»miglas], [a»miwda], [a»mi)gwa].

Na realização de glândula também se registra a ocorrência equilibrada de variantes paroxítonas e proparoxítonas. Embora de distribuição mais ampla que amígdalas, glândula também não é uma palavra de uso cotidiano, o que poderia explicar a presença mais significativa de variantes que preservam a realização proparoxítona, atestada em 62% das localidades.

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Com relação a estômago, predominam as realizações proparoxítonas – é a única palavra do corpus em que isso ocorre. A explicação poderia ser uma atuação contrária do mesmo fator apresentado em referência a amígdalas e glândula. É justamente a familiaridade da palavra (observe-se que foi atestada em 64 das 65 localidades do ALPR) que contribuiria para sua fixação na forma proparoxítona.

Um outro aspecto a ser considerado nos dados é o alcance geográfico ou diatópico das ocorrências paroxítonas. Os índices do quadro já comentado evidenciam que a redução da proparoxítona é atestada em grande extensão do Paraná, o que pode ser inferido pelo número de localidades em que o processo é registrado: em relação a eclipse, ocorrem realizações paroxítonas em 63 localidades (quase a totalidade das 65 localidades estudadas no atlas); quanto a árvore, as realizações paroxítonas ocorrem em 61 localidades; para eucalipto, o registro é feito em 59 localidades; e quanto a útero, as paroxítonas são atestadas em 54 localidades.

Constata-se que as realizações paroxítonas são observadas em todo o território paranaense, como se pode verificar na carta apresentada em anexo (de Castro 2006), em que os dados das oito cartas analisadas são considerados em conjunto. Estão indicadas nessa carta todas as localidades em que houve registro de uma ou mais de uma realização paroxítona. Como se pode ver, a redução da proparoxítona foi atestada em todas as 65 localidades estudadas no ALPR. A carta também registra as realizações proparoxítonas atestadas entre os informantes paranaenses. Como se pode verificar, a distribuição das proparoxítonas também é ampla – só na localidade 40 (Guaraniaçu) não se registrou nenhuma realização proparoxítona para nenhuma das palavras do corpus. Em vista disso, pode-se concluir que o fator geográfico não parece ser definitivo na alternância, o que já era de se esperar, dado que a redução de proparoxítona tem sido reconhecido como um traço geral (e não regional) do português popular brasileiro.

Considerando carta a carta os dados referentes às diferentes palavras estudadas, constatou-se que, de um modo geral, predominam as formas paroxítonas (só na realização de estômago a situação se inverte, e em amígdala e eclipse há equilíbrio na alternância paroxítona/proparoxítona), o que parece apontar a expansão do processo de redução da proparoxítona no Paraná, ou, no mínimo, o vigor com que o processo se apresenta. As diferenças observadas entre as cartas, no que se refere à ocorrência maior ou menor de um ou outro tipo de realização poderiam ser associadas ao item lexical em questão – assim, estômago favoreceria a manutenção da proparoxítona, como procurei explicar anteriormente. Outras variáveis poderiam ser relevantes na alternância paroxítona/proparoxítona, como o grau de escolaridade e o gênero do informante. O exame da primeira variável fica de certa forma prejudicado nos dados do ALPR por duas razões: a) não há grandes diferenças entre os informantes quanto ao grau de escolaridade, que varia entre analfabetismo / Mobral / primário incompleto / primário completo; b) não há uma distribuição equilibrada dos informantes entre os diferentes

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graus de escolaridade – 77 informantes (mais da metade, portanto) são analfabetos; 13 cursaram o Mobral; 39 têm o primário incompleto; e 1 tem o primário completo. Mesmo com essas ressalvas, em caráter exploratório, procurei verificar, em referência a útero (carta 108), quais informantes teriam realizado as poucas ocorrências proparoxítonas, e quais teriam realizado as formas paroxítonas. Foram encontrados os seguintes índices:

PAROXÍTONAS PROPAROXÍTONAS ESCOLARIDADE nº de informantes nº de informantes

analfabetos 48 3 Mobral 7 1 primário incompleto 24 6 primário completo _ 1

QUADRO II – ALPR: redução de proparoxítonas e escolaridade (carta 108: útero)

O que se pode observar nesse quadro é que tanto analfabetos como falantes com Mobral ou primário incompleto realizam útero como paroxítona ou como proparoxítona. É fato que, entre os que usam realizações paroxítonas, são mais numerosos os analfabetos, mas deve-se lembrar que os informantes com essa característica constituem mais da metade do total de informantes. Por outro lado, entre os que usam realizações proparoxítonas, inclui-se o único informante que tem primário completo, e os que têm primário incompleto são mais numerosos que os analfabetos. Os dados não permitem, porém, conclusões seguras, tendo em vista o desequilíbrio no número de representantes de cada grau de escolaridade – são, todavia, sugestivos e apontam para uma direção de pesquisa que parece promissora. Considerando o gênero do informante, procurei analisar a mesma carta (108 – útero), observando quais falantes teriam realizado a palavra como paroxítona ou como proparoxítona. Foi possível constatar os seguintes índices:

GÊNERO PAROXÍTONAS nº de informantes

PROPAROXÍTONAS nº de informantes

feminino 38 6 masculino 41 5

QUADRO III – ALPR: redução de proparoxítonas e gênero (carta 108: útero)

Os números não mostram grandes diferenças entre os dois gêneros e não permitem conclusões precisas. Observa-se uma mínima superioridade das mulheres no uso das formas de prestígio (proparoxítonas), e um número ligeiramente menor no uso das formas estigmatizadas (paroxítonas), o que se harmoniza com constatações de pesquisas anteriores que apontam maior adesão de falantes do sexo feminino às formas de prestígio. A consideração do conjunto dos dados a partir dessa variável talvez leve a resultados mais consistentes, tarefa a ser feita na continuidade deste estudo. Os processos de redução utilizados

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Nos dados analisados, a redução das proparoxítonas se realiza através de processos variados, a seguir identificados e exemplificados: a) síncope da penúltima vogal da palavra: [»a”vRe, »utRu, a»midla]; b) síncope da penúltima vogal e da consoante seguinte: [»a”vi, »awvi, e»kRipe, »utu, re»lA)po, »gRA)da, is»to)mo, is»tA)mu]; c) síncope da consoante da última sílaba: [»utiw, ka»lipiw]; d) queda da última sílaba: [»ute, ka»lipi]; e) apócope da vogal átona final: [»uteR, »utRe, »kRipis]; f) síncope da penúltima vogal e da consoante precedente: [is»to)go, is»tA)go]; g) queda da penúltima sílaba: [ka»lito, »gRA)na].

Nem todos os processos acima arrolados têm sido mencionados nas descrições da redução da proparoxítona no português popular brasileiro. Em geral, enfatiza-se a síncope da penúltima vogal ou se fazem menções mais genéricas à perda de segmentos postônicos. Amaral (1982: 49), por exemplo, em sua descrição do dialeto caipira, constata, em referência às proparoxítonas, “a tendência (...) a suprimir a vogal da penúltima sílaba ou mesmo toda esta, fazendo grave o vocábulo”. Cita como exemplos: ridico = ridículo, cosca = cócega, legite = legítimo, musga = música. Deve-se observar que entre os próprios exemplos dados pelo autor, ridico e legite ilustram um processo diferente dos que são descritos (no caso dos dois vocábulos, com a vogal da penúltima sílaba cai também a consoante seguinte). Elia (1975) também só menciona a queda da vogal postônica. Câmara Jr. (1970: 55) faz uma referência genérica à “supressão de um segmento postônico”. Castilho (1992: 248) menciona a “queda da vogal átona postônica, acompanhada ou não de outros elementos fonéticos”. Neste sentido, a identificação dos processos ilustrados nos dados do ALPR pode contribuir para tornar mais precisa a descrição da redução da proparoxítona no português popular brasileiro. Considerações finais O exame dos dados pertinentes do Atlas lingüístico do Paraná (Aguilera 1994) mostrou a ampla ocorrência do processo de redução da proparoxítona no português popular falado nessa área do território brasileiro, tanto em termos diatópicos (o processo é atestado em todas as localidades estudadas no ALPR), como em termos da freqüência do uso (em relação a cada palavra, a ocorrência das formas paroxítonas é, em geral, predominante). As realizações proparoxítonas são também atestadas em praticamente toda a extensão do Estado (só não ocorrem em uma localidade), mas, tipicamente, sempre em desvantagem em relação às realizações reduzidas. O fator geográfico, como se pode concluir, não se mostra definitivo nessa alternância. Em caráter exploratório, foram consideradas, em relação à carta 108 – útero, as variáveis grau de escolaridade e sexo dos informantes em correlação com o tipo de

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realização atestado – proparoxítona ou paroxítona. Quanto à primeira variável, não havendo uma distribuição equilibrada dos informantes entre os diferentes níveis de instrução contemplados, não foi possível chegar a conclusões seguras, sugerindo, todavia, os índices encontrados que se trata de direção relevante para pesquisa. Em referência ao sexo do informante, os índices encontrados não assinalam diferenças nítidas no desempenho de falantes de sexo diferente, apontando apenas uma leve superioridade das mulheres na adesão a formas de prestígio (proparoxítonas), mas um adensamento dos dados com o exame de todas as cartas poderá levar a resultados mais consistentes. A consideração dos dados tendo em vista a maneira como os informantes levam a cabo a redução da proparoxítona mostrou o uso de uma grande variedade de processos, alguns dos quais têm escapado à descrição da literatura pertinente. Quero com isso, e para finalizar, acentuar a importância de se buscar nos dados dos nossos atlas lingüísticos regionais elementos para a descrição do português brasileiro. A riqueza desses materiais nem sempre tem sido devidamente explorada pelos estudiosos da língua. Referências bibliográficas AGUILERA, V. de A. Atlas lingüístico do Paraná Curitiba: Imprensa Oficial do

Estado, 1994.

AMARAL, A. O dialeto caipira: gramática, vocabulário. 4ª ed., São Paulo: Hucitec/INL, 1982 (1ª ed. de 1920).

ARAGÃO, M. do S. S. de & MENEZES, C. P.B. de . Atlas lingüístico da Paraíba. Brasília: UFPB/CNPq, Coordenação Editorial, 2v., 1984.

CÂMARA Jr., J. M. Estrutura da língua portuguesa. Petrópolis: Vozes, 1970.

_____. História e estrutura da língua portuguesa. 2ª ed., Rio de Janeiro: Padrão, 1976.

CARDOSO, S. A. M. Atlas lingüístico de Sergipe – II. Salvador: EDUFBA, 2005.

CASTILHO, A. T. de. O português do Brasil. In: ILARI, R. Lingüística românica.

São Paulo: Ática, 1992, p. 237-269.

CASTRO, V. S. A resistência de traços do dialeto caipira: estudo com base em atlas lingüísticos regionais brasileiros. Tese (Doutorado em Lingüística) – Instituto de Estudos da Linguagem, Universidade Estadual de Campinas, 2006.

COUTINHO, I. de L. Pontos de gramática histórica. 6ª ed. rev., Rio de Janeiro: 1974.

ELIA, S. Ensaios de filologia e lingüística. 2ª ed., Rio de Janeiro: Grifo/MEC, 1975.

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FERREIRA, C. et alii . Atlas lingüístico de Sergipe. Salvador: EDUFBA/FUNDESC,

1987.

MARROQUIM, M. A língua do nordeste. 2ª ed., São Paulo: Edit. Nacional, 1945. (1ª ed. 1934).

NASCENTES, A. O linguajar carioca. 2ª ed. ref., Rio de Janeiro: Organização Simões, 1953 (1ª ed. 1923).

RIBEIRO, J. et alii. Esboço d e um atlas lingüístico de Minas Gerais. Rio de Janeiro:

MEC/ Casa de Rui Barbosa/UFJF, 1977.

ROSSI, N. Atlas prévio dos falares baianos. Rio de Janeiro: MEC/INL, 1963.

Anexo

Carta XXV (Castro 2006)

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realizações paroxítonas realizações proparoxítonas

PARANÁ

CARTA XXV

árvore, amígdalas, estômago, relâmpago, útero, eucalipto, eclipse, glândula

REDUÇÃO DE PROPAROXÍTONA

(cf. cartas 104 – 108, 125, 152, 155 do

ALPR)

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