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A REGÊNCIA ATUAL DOS CONTRATOS DE ARRENDAMENTO RURAL DO
AGRONEGÓCIO PELO ESTATUTO DA TERRA
THE CURRENT REGIME OF AGRIBUSINESS RURAL TENANCY
AGREEMENTS BY THE LAND STATUTE
Manoel Martins Parreira Neto1
RESUMO: O presente artigo visa, a partir de uma leitura econômica do Estatuto da
Terra, se valendo do método dedutivo, defenderque a regência atual dos contratos de
arrendamento rural do agronegócio é ainda feita pelo Estatuto da Terra, mesmo que as
partes gozem de condições técnicas e econômicas consolidadas. A questão central aqui
tratada é a discordância da decisão no REsp nº 1.447.082/TO, que afastou direitos
previstos no Estatuto das empresas do agronegócio.Defende-seque aregência do
arrendamento pelo Estatuto da Terra tem termo final preciso,a aprovação do novo
Código Comercial (PLS nº 487/2013), que provavelmente revogaráo Estatuto da Terra
no que tange a regulamentação dos contratos agrários que façam parte do agronegócio.
Porfim, são apresentadas e analisadas algumas das inovações trazidas pelo novo Código
Comercial.
Palavras-chave: Direito Agrário; Direito do Agronegócio; Contrato de Arrendamento;
Regência atual pelo Estatuto da Terra; Novo Código Comercial.
ABSTRACT: This article aims, from an economic reading of the Land Statute, using
the deductive method, to defend that the current regency of agribusiness rural lease
contracts is still made by the Land Statute, even if the parties enjoy technical
conditionsand economic indicators.The central issue addressed here is the disagreement
of the decision in REsp nº 1,447,082 / TO, which removed rights provided for in the
Statute of agribusiness companies.It is defended that the lease of the Land Statute has a
precise final term, the approval of the new Commercial Code (PLS nº 487/2013), which
will repeal the Land Statute regarding the regulation of agrarian contracts that are part
of agribusiness.Finally, some of the innovations brought by the new Commercial Code
are presented and analyzed.
Keywords: Agrarian Law; Agribusiness Law; Lease Agreement.Current Regency by
the Land Statute; New Commercial Code.
A agricultura brasileira, sobretudo, nos últimos trinta anos, vivencia um processo
de contínua integração com a atividade industrial. A partir de tal ligação verifica-se o
fortalecimento de uma categoria especial de natureza econômico-jurídica denominada
agronegócio.
1 Advogado graduado pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo
(FDRP/USP), tendo também cursado a Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás
(FD/UFG). Atuante na área de Direito Agrário.
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O agronegócio, em sua essência, é fruto da coordenação das diversas fases que a
envolvem a produção, o financiamento, a industrialização e a comercialização de
produtos agropecuários. Outras atividades podem ser adicionadas ao conceito, partindo
da ideia de que o agronegócio vai desde a organização do aparato produtivo até a
entrega do produto ao consumidor final.
Segundo Buranello (2011, p. 35), pode-se dizer que a industrialização da
agricultura corresponde à fase mais "evoluída" da modernização e, por sua vez, envolve
a ideia de que a agricultura acaba se transformando num complexo de produção,
industrialização e comercialização. Dentro desse contexto de modernização, os
contratos agrários são chamados a coordenar essa integração entre diferentes setores
econômicos e fases da produção, o que é feito, em especial, pelos contratos típicos de
arrendamento e parceria rurais.
A discussão em torno do surgimento de um novo ramo do Direito, a partir do
Direito Comercial, o Direito do Agronegócio, coloca em evidência certa tensão entre o
que seria, propriamente, regido pelo já tradicional Direito Agrário e o que seria da
competência daquele novo ramo.
A questão é relevante, pois visa esclarecer as relações existentes entre o Direito
Agrário e o agronegócio, como categoria econômico-jurídica ampla que pretende
abarcar o campo da própria produção agrária.
O Direito Agrário, ao longo de sua história, vem desde 1922, buscando
alternativas metodológicas consistentes para conferir um tratamento científico que seja
ao mesmo tempo coerente, completo e orgânico. Nesse esforço, a empresa agrária
ascende como instituto primeiro e fundamental do Direito Agrário contemporâneo
(ZELEDÓN, 2015, p. 178). Na discussão sobre a consolidação do Direito do
Agronegócio não se deve perder de vista esse novo ambiente científico do Direito
Agrário, concebido, pioneiramente pelo mestre Antonio Carrozza, no seu intento, junto
com um grande conjunto de juristas, desde 1962, de se concretizar uma teoria geral para
este ramo do Direito.
O presente artigo visa, a partir das considerações já feitas, explorar qual seria a
regência atual do contrato de arrendamento no âmbito do agronegócio, partindo-se de
uma relação em tal contrato onde as partes sejam empresas que desfrutem de condição
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técnica e econômica fortalecidas. Para tal objetivo será exposto o caráter econômico do
Estatuto da Terra, sua regência tradicional do contrato de arrendamento rural,
defendendo-se uma interpretação atualizada com a realidade econômica em vigor. Em
seguida, será abordado o agronegócio e suas relações com o contrato de arrendamento
rural, defendendo-se que a regência atual deste contrato, ainda que as partes façam parte
da cadeia do agronegócio, é feita pelo Estatuto da Terra. Do mesmo modo, será
analisada, em linhas gerais, a contribuição do PLS 487/2013, para a consolidação do
Direito do Agronegócio como novo sub-ramo do Direito Comercial. Por fim, será
pontuado que a regência do Estatuto da Terra no que tange aos contratos agrários do
agronegócio tem termo final, o qual será a aprovação do referido PLS 487/2013 (projeto
do novo Código Comercial).
1 O ESTATUTO DA TERRA E SEU CARÁTER ECONÔMICO
A norma agrária fundamental do Brasil é a Lei nº 4.504, de 30 de novembro de
1964, denominada Estatuto da Terra. Sua gênese está associada à mudança ocorrida por
meio da Emenda Constitucional nº 10, de 9 de novembro de 1964, a qual procedeu à
alteração do art. 5º, XV, a, da Constituição Federal de 1946, inserindo na competência
da União legislar sobre Direito Agrário (BORGES, 1995, p. 13).
No entanto, na história constitucional brasileira, antes mesmo da referida EC,
havia previsão de competência da União, no art. 5º, XIX, c, da Constituição Federal de
1934, para legislar sobre normas fundamentais de direito rural. Neste momento, todavia,
tal matéria estava longe de ser, propriamente, o Direito Agrário tal qual conhecemos
hoje, uma vez que, segundo Buranello (2013, p. 42), tal direito rural era, em doutrina,
mero capítulo do Direito Civil.
Assim, falar em Direito Agrário é partir da EC nº 10/64 (BRASIL, 1964), que
lançou as bases para aprovação, em novembro do mesmo ano, do Estatuto da Terra.
Os objetivos fundamentais do Estatuto da Terra, tal qual como concebidos por
seu art. 1º, são a promoção da Política Agrícola e a execução da Reforma Agrária.
Como de especial interesse para o presente trabalho cabe colacionar a definição
de Política Agrícola, presente no art. 1º, § 2º, do Estatuto:
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§2º Entende-se por Política Agrícola o conjunto de providências de amparo à propriedade da terra, que se destinem a orientar, no interesse
da economia rural, as atividades agropecuárias, seja no sentido de
garantir-lhes o pleno emprego, seja no de harmonizá-las com o
processo de industrialização do país (BRASIL, 1964).
Do conceito ressalta-se que a intervenção estatal se reporta ao "interesse da
economia rural", no seu intuito de promover amparo à propriedade da terra. Do mesmo
modo, são extraídos os objetivos de "pleno emprego" e de harmonização com o
"processo de industrialização do país". Logo, uma forte carga econômica é evidenciada.
O intento central do Estatuto da Terra, visto desde a ótica de seu tempo, era
proporcionar a modernização dos processos agrícolas, com o objetivo de racionalizar a
produção e aumentá-la. É nesse sentido a definição da empresa rural, pelo art. 4º, VI, do
Estatuto, que a define como o empreendimento de pessoa física ou jurídica, pública ou
privada, que explore econômica e racionalmente imóvel rural, dentro de condição de
rendimento econômico da região em que se situe e que explore área mínima agricultável
do imóvel segundo padrões fixados, pública e previamente, pelo Poder Executivo.
Extrai-se deste conceito que a atividade rural tem como condão explorar de modo
econômico, mas também racional, a terra, o que expressa o delineamento da função
social desta mediante o aproveitamento racional e adequado, nos termos do inciso I, do
art. 186 da CRFB/88.
A legislação agrária brasileira, se estimula a produção, protege também a matriz
de onde ela emerge, que é a terra (BORGES, 1995, p. 87).
De fato, o Estatuto volta-se fortemente à Reforma Agrária, mas também coloca
como um de seus objetivos primordiais o "aumento da produtividade", conforme art. 1º,
§ 1º, do Estatuto da Terra. Assim, a execução da própria Reforma Agrária está atrelada
à uma perspectiva econômica que orienta o Poder Público a observar a função social
maior da propriedade como fonte geradora de riquezas para toda a nação.
Desse modo, é perfeitamente possível uma leitura econômica do Estatuto da
Terra, enxergando neste uma norma que veio em momento certo para dinamizar o setor
agrário brasileiro.
Mesmo no centro da Reforma Agrária, para Opitz (2012, p. 191), o produtor
pode e deve atacar, entrando na especulação e flutuação dos mercados importantes e
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grandes consumidores. Isso porque deve-se desenvolver o espírito capitalista, para que
se forme uma mentalidade nova, um patrimônio cultural que se alicerce em uma
economia de mercado e na liberdade da iniciativa privada, isso sem que se privilegie
demasiadamente o paternalismo estatal.
Segundo Buranello (2011, p. 26), há uma íntima relação de ação e reação
recíprocas entre Direito e Economia, de modo que se interagem dialeticamente, em um
processo complexo, constante e dinâmico.
O Brasil, na década de 60 do século passado, convivia com diversos problemas
de ordem social e econômica que foram base material para sua nova legislação agrária.
Zibetti e Querubini (2016, p. 7), apontam, dentre outros fatores, a problemática de
abastecimento ocasionada pela demanda de alimentos e matérias-primas, decorrentes do
crescimento da população urbana e da expansão industrial, em um contexto marcado
pela baixa produtividade da terra. Era necessário se proceder à uma nova legislação que
endereçasse estes problemas.
Não há como ocultar o fundo político de cunho internacional no contexto da
Guerra Fria, que também teve seu papel na criação do Estatuto da Terra. Com efeito, a
Convenção de Puntadel Este no Uruguai visava coibir o avanço das ideias comunistas
na América, para o que propôs programas de reforma agrária integral. Desta
Convenção, originou-se a Carta de Puntadel Este, de agosto de 1961, a qual segundo
Roberto Campos (apud Zibetti e Querubini, 2016, p. 9), "buscava um balanceamento
entre a preocupação de produtividade e o conceito de justiça social".
Tais preocupações, de um lado, produtividade, e do outro, justiça social, formam
um quadro onde o interesse público, o caráter publicístico do Direito Agrário se
expressa. Entretanto, deve ser lembrado que no Estatuto da Terra normas de caráter
privatista convivem ao lado de normas de Direito Público, o que leva o Direito Agrário
a estar no meio do caminho entre o Direito Público e o Direito Privado (TRENTINI,
2012, p. 2).
Segundo Paulo Torminn Borges (1995, p. 159), "para que a propriedade privada
se compatibilize com a justiça social, exige-se dela que cumpra a sua função social".
Nesta equação agrária, depreende-se que o denominador comum entre justiça social e a
produtividade é, de fato, a função social da propriedade, a qual é concretizada quando se
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produz bem (GUT >= 80% e GEE >= 100%), se respeita o meio ambiente, se busca o
bem-estar dos proprietários e trabalhadores, e, por fim, quando são observadas as
normas que regem as justas relações de trabalho.
No entendimento de Opitz (2012, p. 204), função social da propriedade trata-se
mais de uma questão econômica e jurídica, isto é, do Direito regrando as leis naturais da
Economia. Tomando por base o entendimento acima expresso, da função social da
propriedade como denominador comum da justiça social e produtividade, vemos que a
leitura econômica do Estatuto da Terra se reforça, o que rende frutos para uma visão
concreta e dinâmica deste diploma, como forma de atualizá-lo ao contexto econômico-
social contemporâneo.
2 A DISCIPLINA DOS CONTRATOS AGRÁRIOS TÍPICOS
Em seu art. 92, o Estatuto da Terra (BRASIL, 1964), prevê os contratos básicos
que regerão o uso ou a posse temporária da terra: arrendamento rural ou parceria
agrícola, pecuária e agro-industrial. In verbis:
Art. 92. A posse ou uso temporário da terra serão exercidos em virtude
de contrato expresso ou tácito, estabelecido entre o proprietário e os que nela exercem atividade agrícola ou pecuária, sob forma de
arrendamento rural, de parceria agrícola, pecuária, agro-industrial e
extrativa, nos termos desta Lei (BRASIL, 1964).
Segundo Antonino Moura Borges (2013, p. 32), o termo "posse" e "uso
temporário" tem como condão significar simplesmente que o objeto do contrato, seja
arrendamento, seja parceria, é a posse precária da gleba rural, ou seja, "o vinculum iuris
inerente ao contrato, que garante a utilização da mesma gleba rural para obter os frutos,
que são realmente o proveito ou a utilidade que evidentemente retiram da terra".
Em especial, no arrendamento, a posse é elemento integrante do contrato, pois
há, também, incidência, por força da similitude com a locação de coisa, do art. 566 do
Código Civil de 2002, o qual prescreve:
Art. 566. O locador é obrigado: I - a entregar ao locatário a coisa
alugada, com suas pertenças, em estado de servir ao uso a que se
destina, e a mantê-la nesse estado, pelo tempo do contrato, salvo
cláusula expressa em contrário (BRASIL, 2002).
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A definição de parceria rural está no Estatuto, em seu art. 96, § 1º, bem como no
Decreto nº 59.566/66, no art. 4º, falando, ambos, da cessão apenas do uso do imóvel
rural.
De especial importância para o presente trabalho, o arrendamento rural não vem
conceituado pelo Estatuto da Terra, que se limita a dar-lhe feição de contrato
fundamental na sistemática do uso ou posse temporária da terra, visto que, no texto da
lei, diversos direitos, como o de preferência na alienação do imóvel (art. 92, §§ 3º e 4º),
são conferidos ao arrendatário, e não, expressamente, ao parceiro-outorgado.
O Decreto nº 59.566, de 14 de novembro de 1966, regulando o Estatuto da Terra
no que tange aos contratos agrários, definiu arrendamento, em seu art. 3 º, prevendo que
este é o contrato pelo qual se cede o uso e gozo do imóvel rural, com o objetivo de nele
ser exercida atividade de exploração agrícola, pecuária, agro-industrial, extrativa ou
mista. Nota-se que seu objetivo é amplo, o que o aproxima da mentalidade do
agronegócio, como será abordado adiante.
A definição acima exarada fala em cessão do "uso e gozo" do imóvel rural, ao
passo que o Estatuto da Terra, no art. 92, fala em "posse ou uso". Daí surge o
questionamento, onde se situaria o conceito de posse no arrendamento?
Para Opitz (2012, p. 275), a resposta é no sentido de se compreender que o
Decreto, ao falar de gozo do imóvel, teria como intenção compreender também a figura
da posse. Nesse desiderato, o gozo deveria ser entendido como o efeito de gozar ou
desfrutar uma coisa, enquanto se tem a posse dela.
Como ressalta Torminn Borges (1995, p. 86), "não é grande o poder de
disposição das partes, a propósito de condições nos contratos agrários. Sua liberdade no
contratar é muito limitada".
Prova tal assertiva, o art. 2º do Decreto 59.566/66, que dispõe que todos os
contratos agrários reger-se-ão pelas normas do presente Regulamento, as quais serão de
obrigatória aplicação em todo o território nacional e irrenunciáveis os direitos e
vantagens nelas instituídos. Como sucedâneo lógico deste princípio publicístico,
continua o parágrafo único, do mesmo artigo, estabelecendo que qualquer estipulação
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contratual que contrarie as normas estabelecidas neste artigo, será nula de pleno direito
e de nenhum efeito.
Nota-se que a liberdade da autonomia da vontade sofre graves restrições a partir
do Regulamento.
Entretanto, segundo Opitz (2012, p. 35), nota-se, ainda, no Estatuto da Terra
grande dose de autonomia da vontade dos contratantes. Isso porque houve um fluxo
forte das doutrinas dos economistas manchesterianos, os quais foram os "gigantes" da
defesa da liberdade econômica e da não intervenção do Estado no livre jogo dos
interesses individuais.
Em substância, a regência do contrato de arrendamento rural é feita, a partir da
ótica do Estatuto da Terra, pelo art. 95, que estabelece diversos princípios como: prazos
vinculados à colheita (I); prazo mínimo de 3 anos (II); direito de preferência à
renovação (IV); retomada do imóvel (V); subarrendamento (VI); indenização por
benfeitorias (VIII); condições obrigatórias que constarão do contrato (XI); teto do
arrendamento (XII), e, por fim, preferência de acesso à terra por parte do arrendatário,
mesmo em face da Reforma Agrária (XIII).
O Decreto 59.566/66, na sua função precípua de dar fiel cumprimento à lei,
esmiuçando os princípios acima apontados, em seu capítulo II, Dos Contratos:
Essencias e Fundamentos, trata de regras mais específicas, que se dividem na seção I, a
qual aborda, em linhas gerais, tanto a parceria como o arrendamento, determinando as
cláusulas obrigatórias para ambos os contratos (art. 12), ao lado das cláusulas
ambientais e de proteção social e econômica, previstas no art. 13 e seus sete incisos. Do
mesmo modo, a seção II em questão prevê que será admitida, nos contratos agrários,
qualquer que seja seu valor e forma, a prova testemunhal (art. 14). O art. 15, por sua
vez, estabelece que a alienação do imóvel ou instituição de ônus reais não interrompe os
contratos agrários.
A seção II do capítulo II do Decreto nº 59.566/66 trata, detidamente, do
arrendamento e suas modalidades, reiterando vários dos princípios do art. 95 do
Estatuto da Terra. Em especial, esta seção trata do preço e do pagamento do
arrendamento (art. 19); do direito de preferência na renovação do contrato (art. 22); da
questão da partilha do imóvel arrendado por efeito de sucessão hereditária e o exercício
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do direito de preferência à renovação por parte do arrendatário (art. 23). Igualmente,
traz o Regulamento as hipóteses de extinção do arrendamento, no art. 26, dentre as
quais se situa, inciso VI, a força maior, que impossibilite a execução do contrato. Por
fim, ficam estabelecidas as causas de despejo no art. 32.
Conclui-se que a regência do arrendamento rural na legislação agrária é vasta e
específica, evidenciando diversas normas de ordem pública.
O caráter publicístico das normas cogentes deve ser encarado sob o viés da
proteção da função social da propriedade. Como já disposto linhas acima, na "equação
agrária", sob a justiça social e a produtividade está o denominador comum da função
social da propriedade.
Encerra-se este tópico, reiterando que a regência do contrato de arrendamento,
hoje, por se tratar de contrato agrário típico, está delineada pelo Estatuto da Terra e seu
Regulamento, não podendo se cogitar o afastamento destas normas, sob pena de ir
contra o fundo publicístico do Direito Agrário.
3 A DECISÃO NO RESP Nº 1.447.082/TO
De relatoria do Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, o REsp nº 1.447.082/TO
consistiu em uma virada paradigmática na jurisprudência consolidada do STJ, sendo a
ementa do julgado a seguinte:
RECURSOS ESPECIAIS. CIVIL. DIREITO AGRÁRIO. LOCAÇÃO DE PASTAGEM.CARACTERIZAÇÃO COMO
ARRENDAMENTO RURAL. INVERSÃO DO JULGADO.
ÓBICEDAS SÚMULAS 5 E 7/STJ. ALIENAÇÃO DO IMÓVEL A TERCEIROS. DIREITO DEPREFERÊNCIA. APLICAÇÃO DO
ESTATUTO DA TERRA EM FAVOR DE EMPRESARURAL DE
GRANDE PORTE. DESCABIMENTO. LIMITAÇÃO PREVISTA
NO ART. 38DO DECRETO 59.566/66. HARMONIZAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA FUNÇÃO SOCIALDA PROPRIEDADE E DA
JUSTIÇA SOCIAL. SOBRELEVO DO PRINCÍPIO DAJUSTIÇA
SOCIAL NO MICROSSISTEMA NORMATIVO DO ESTATUTO DA TERRA.APLICABILIDADE DAS NORMAS PROTETIVAS
EXCLUSIVAMENTE AO HOMEM DOCAMPO.
INAPLICABILIDADE A GRANDES EMPRESAS RURAIS.
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INEXISTÊNCIA DEPACTO DE PREFERÊNCIA. DIREITO DE
PREFERÊNCIA INEXISTENTE2.
Passou-se a adotar uma posição de forte caráter social do Estatuto da Terra, o
que afastaria sua incidência quando as partes forem empresas de grande porte, com
capacidade técnica e econômica consolidadas. Salientou-se, no corpo do voto do
Relator, que o decreto que regulamentou o Estatuto da Terra (Decreto 59.566/66)
estabeleceu que os benefícios nele previstos seriam restritos àqueles que explorem
atividade rural direta e pessoalmente (como o típico homem do campo), fazendo uso
eficiente e correto da terra.
Essa restrição está presente no art. 38 do Decreto em questão, que estabelece
uma série de requisitos para que o arrendatário ou parceiro-outorgado goze dos
benefícios estabelecidos, em especial, no inciso II, que a exploração da terra seja "direta
e pessoal, nos termos do art. 8º deste Regulamento estendido o conceito ao parceiro-
outorgado".
A decisão teve como ponto central o entendimento do Estatuto da Terra se tratar
de microssistema normativo, mas acabou por não lograr grande êxito nessa linha pois,
na própria obra citada na fundamentação (Responsabilidade civil no Código do
Consumidor e a defesa do fornecedor. 3 ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010), defende-se uma
certa abertura dos microssistemas. Dentro dessa abertura estaria a previsão, clara e
inequívoca, da empresa rural, nos termos do art. 4º, VI do Estatuto da Terra, como
sendo um dos sujeitos de direito no famigerado microssistema do Estatuto. 2 No caso concreto, havia controvérsia acerca do exercício do direito de preferência por arrendatário que
é empresa rural de grande porte e adotou-se uma interpretação do direito de preferência em sintonia
com os princípios que estruturam o microssistema normativo do Estatuto da Terra, especialmente os
princípios da função social da propriedade e da justiça social. Assim, entendeu-se pela proeminência do
princípio da justiça social no microssistema normativo do Estatuto da Terra. Quanto à restrição do art.
38, considerou-se ser de plena eficácia o enunciado normativo do Decreto 59.566/66, que restringiu a
aplicabilidade das normas protetivas do Estatuto da Terra exclusivamente a quem explore a terra
pessoal e diretamente, como típico homem do campo. Assim, haveria inaplicabilidade das normas
protetivas do Estatuto da Terra à grande empresa rural. Cabe salientar que havia previsão expressa no
contrato de que o locatário/arrendatário desocuparia o imóvel no prazo de 30 dias em caso de alienação.
Em sendo assim, haveria prevalência do princípio da autonomia privada, concretizada em seu consectário lógico consistente na força obrigatória dos contratos ("pacta sunt servanda"). Por fim,
julgou-se provido o Recurso Especial, e, por consequência, improcedente o pedido de preferência.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL nº 1.447.082/TO. Relator: Ministro Paulo
de Tarso Sanseverino. Brasília, DF, j. 10.05.2016. DJe 13.05.2016. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1511186&n
um_registro=201400780431&data=20160513&formato=PDF>. Acesso em: 09 mar. 2018.
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Por fim, o voto, que culminou no provimento do Recurso Especial, pela Terceira
Turma da Corte, por unanimidade, adotou a perspectiva de que vigoraria, nos casos de
empresas rurais, a autonomia da vontade entendida com base na tríplice dimensão:
liberdade contratual, a força obrigatória dos pactos e a relatividade dos contratos. A
aplicação de direitos positivados na legislação agrária estaria, assim, relegada a previsão
nos instrumentos particulares de contratação.
4 POR UMA INTERPRETAÇÃO ATUALIZADA DO ESTATUTO DA TERRA
Se hoje se alterou o polo dos arrendatários e parceiros-outorgados, também as
grandes extensões de terra sob domínio de determinada empresa agrária deixaram,
gradativamente, de ser improdutivas. Os números da economia do agronegócio provam
a pujança do setor que embala a balança comercial do País a partir de recordes sobre
recordes.
Segundo a doutrina civilista (GAGLIANO,FILHO, 2012, p. 109), a finalidade da
interpretação normativa é a de revelar o sentido da norma e fixar o seu alcance. Nesse
propósito, o intérprete pode se valer dos métodos literal, lógico, sistemático, histórico, e
finalístico ou teleológico.
Importante registrar o que dispõe o art. 5º da LINDB: “Na aplicação da lei, o juiz
atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum” (BRASIL, 2010).
Como bem ressalta Gagliano e Pamplona (2012, p. 110), "a interpretação
judicial, sempre com fundamento no já mencionado dispositivo (art. 5º da LINDB),
busca também atualizar o entendimento da lei, dando-lhe uma interpretação atual".
É dentro desta perspectiva atualizadora que propomos uma visão sobre o
Estatuto da Terra que reconheça a atuação de novos sujeitos de direito, como as
empresas do agronegócio, na contratação agrária, em especial, do arrendamento.
A relevância fundamental do princípio da função social da propriedade, a qual é
levada a extremos por estes sujeitos de direito, não pode sofrer o revés da violação dos
direitos garantidos na legislação agrarista com relação ao arrendamento, sob pena de
termos uma legislação que não se atualize, não compreendendo a importância de novas
realidades econômicas que surgem no desenrolar de nosso sistema econômico.
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5 O AGRONEGÓCIO COMO CATEGORIA JURÍDICO-ECONÔMICA
Neste ponto, visamos tratar da essência do agronegócio, propondo uma melhor
compreensão da amplitude de seu alcance.
Fala-se em agronegócio como categoria jurídica, uma vez que está presente à
exaustão na Doutrina (BURANELLO, 2013, p. 35), bem como está em vias de ser
positivado ordenamento próprio a partir do projeto do novo Código Comercial (PLS nº
487/2013).
Como categoria econômica é uma constatação da realidade sensível a formação
de complexas cadeias de produção, industrialização e distribuição de produtos
agropecuários.
Conforme Buranello (2013, p. 45), "a complexidade dos ordenamentos atuais
resulta na igual complexidade dos fatos, relações e problemas socioeconômicos que
vêm merecendo cuidadoso e abundante tratamento científico". O ramo do agronegócio é
expressão dessas novas complexidades.
No dizer de Fábio Ulhoa Coelho (apud BURANELLO, 2013, p. 15), o
agronegócio "atravessa" os três setores (primário, secundário e terciário), unindo
atividades agrícolas, industriais e de serviços. Fala-se no antes, dentro e depois da
porteira, como modo de expressar a amplitude do agronegócio.
A obra jurídica mais sistematizada sobre o assunto é o Manual do Direito do
Agronegócio de Renato Buranello (2013), obra a qual o presente artigo tem fundamento
especial. Do exame de tal obra, extraímos que o Direito do Agronegócio é um direito de
integração: visa tutelar as atividades coordenadas de natureza empresarial que se
desenvolvem ao longo da cadeia agroindustrial.
O agronegócio brasileiro é expressão perfeita do conceito de agribusiness,
cunhado, ainda em 1957, pelos professores da Universidade de Harvard, John Davis e
Ray Goldberg, que definem o agribusiness como:
[...] a soma das operações de produção e distribuição de suprimentos,
das operações de produção nas unidades agrícolas, do armazenamento,
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processamento e distribuição dos produtos agrícolas e itens produzidos a partir deles (DAVIS et GOLDBERG,1957, p. 156).
Tomando como ponto de partida o conceito americano, Buranello (2013, p. 35)
define, no contexto brasileiro, o agronegócio como sendo:
[...] o conjunto organizado de atividades econômicas que envolve todas as etapas compreendidas entre o fornecimento dos insumos para
a produção até a distribuição para consumo final de produtos,
subprodutos e resíduos de valor econômico relativos a alimentos, fibras naturais e bioenergia, também compreendidas as bolsas de
mercadorias e futuros e as formas próprias de financiamento.
Do conceito acima delineado, conclui-se ser o agronegócio uma categoria
jurídico-econômica completa. A tutela maior nesse futuro ramo do Direito é o da cadeia
agroindustrial, que constitui em conjunto com outros sistemas ou (CAI´s) o complexo
agroindustrial que é o agronegócio propriamente dito.
Dentro da ótica do agronegócio, situa-se a empresa agrária, instituto ordenador
da teoria geral do Direito Agrário contemporâneo (TRENTINI, 2012, p. 10). É aqui que
se encontra a tensão indicada na introdução deste artigo. É evidente que os ramos do
Direito Agrário e o futuro Direito do Agronegócio deverão se harmonizar no que tange
à regência de fenômenos que lhes são comuns, como é o caso da empresa agrária.
Nesse sentido, Zibetti e Querubini (2016, p. 22), entendem que na fase "dentro
da porteira", há incidência direta das normas de Direito Agrário quanto à regulação da
atividade agrária e imóvel agrário. Por sua vez, nos momentos "antes" e "depois da
porteira" preponderam as normas de Direito Agrário que regulam a Política Agrícola e a
chamada atividade agrária conexa, que abrange a comercialização, o beneficiamento, a
transformação e a alienação dos produtos agrários.
6. O CONTRATO DE ARRENDAMENTO RURAL E O AGRONEGÓCIO
Conforme acima exposto, o agronegócio é uma categoria jurídico-econômica
completa, abrangendo desde o financiamento, passando pela produção, industrialização,
até a entrega de produtos agropecuários ao consumidor final.
Tendo em vista o interesse econômico em se evitar a imobilização de recursos
financeiros na compra de imóveis rurais (BURANELLO et al., 2011, p. 774), a empresa
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do agronegócio, em geral integrada verticalmente, busca a celebração de contratos
agrários para uso e posse temporários da terra.
Apesar da predominância de contratos de parceria rural, sobretudo no âmbito do
setor sucroalcooleiro, ainda é relevante por parte de muitas empresas do agronegócio a
celebração de contratos de arrendamento rural.
Como dito linhas acima, o objetivo do contrato de arrendamento é amplo, o que
o aproxima da mentalidade própria do agronegócio. Isso porque este contrato agrário
não se presta somente à exploração agrícola, mas também pecuária, agroindustrial,
extrativa e mista, conforme o art. 3º do Regulamento do Estatuto da Terra (Decreto nº
59.566/66).
Dessa forma, nota-se uma grande aproximação do contrato de arrendamento para
com o agronegócio, de modo que a sua eleição por determinada empresa agrária como o
adequado contrato a ser celebrado, implica na regência atual do Estatuto da Terra,
situação que só se alterará a partir da promulgação do novo Código Comercial (PLS nº
487/2013), como a seguir será exposto.
7 A APROVAÇÃO DO NOVO CÓDIGO COMERCIAL (PLS Nº 487/2013):
TERMO FINAL DA REGÊNCIA DOS CONTRATOS DE ARRENDAMENTO
DO AGRONEGÓCIO PELO ESTATUTO DA TERRA
A posição central defendida neste artigo, segundo a qual, independentemente das
partes de determinado contrato agrário serem empresas do ramo do agronegócio,
aplicar-se-á à esta relação jurídica o Estatuto da Terra e seu Regulamento, é uma
situação transitória.
O PLS nº 487/2013 tem sua origem em anteprojeto de criação do novo Código
Comercial elaborada por uma Comissão de Juristas nomeada pelo Senado, cuja
presidência coube ao Ministro do STJ João Otávio de Noronha, e a relatoria-geral
aoprofessor Fábio Ulhoa Coelho.
O referido projeto foi apresentado pelo Senador Renan Calheiros em 22 de
novembro de 2013, e, segundo o professor Rogério Castro (2017, p. 7), é o grande
evento para a constituição definitiva do Direito do Agronegócio como novo sub-ramo
do Direito Comercial.
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O novo Código Comercial é um reclamo antigo visto o grande descompasso
entre a legislação mercantil vigente e o cenário econômico atual, lembrando-se que o
Código Comercial em vigor, Lei nº 556, data de 25 de junho de 1850, em que pese sua
Parte Primeira (Do Comércio em Geral) ter sido revogada pelo Código Civil de 2002.
Entretanto, continuam em vigência grande parte de suas disposições, em especial, o que
se refere ao comércio marítimo (Parte Segunda).
As matérias que o PLS nº 487/2013 se propõe a tratar são o Direito Societário, o
Direito Contratual Empresarial, o Direito Cambial, o Direito do Agronegócio, o Direito
Comercial Marítimo e o Direito Processual Empresarial, nos termos de seu art. 1º.
O art. 4º, parágrafo único do PLS, estabelece que "nenhum princípio, expresso
ou implícito, pode ser invocado para afastar a aplicação de qualquer disposição deste
Código ou da lei, ressalvada a hipótese de inconstitucionalidade". Tal dispositivo parece
refletir um enfraquecimento do caráter normativo dos princípios. De fato, ele faz a
ressalva quanto à inconstitucionalidade da lei, mas entendemos que a análise de
princípios deve se dar no mesmo momento e ambiente do exame da regra. Apesar disso,
devemos reconhecer que a regra traz mais segurança jurídica ao empresário do que o
princípio em geral.
A autonomia da vontade também é elevada a um alto grau no PLS nº 487/2013,
se tratando até mesmo de consistente restrição à intervenção judicial neste ramo do
Direito. Nesse contexto, há um certo risco dos art. 26 combinado com arts. 28 e 29 do
PLS serem declarados, futuramente, inconstitucionais, por força do princípio da
inafastabilidade (art. 5º, XXXV, da CRFB/88).
Os arts. 26 c/c 30 do PLS ressaltam o requisito subjetivo para incidência do
Direito do Agronegócio, que se dará apenas em relações interempresariais, com
empresas com capacidade econômica, composta de profissionais.
O art. 683 exclui, expressamente, como atividade do agronegócio a exploração
da terra ou de caráter extrativista em regime de economia familiar, por agricultor
familiar ou empreendedor familiar, nas quais não ocorra a comercialização da extração
da produção (CASTRO, 2017, p. 8). Entendimento esse que entendemos não ser o
melhor, tendo em vista que o fenômeno da empresarialidade agrária está presente, com
toda sua carga, também na agricultura familiar, o que leva, consequentemente, a se
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considerar como pertencente ao agronegócio tal agricultura, nos casos em que esta não
seja voltada, estritamente, à subsistência.
Há no PLS um livro específico para o Direito do Agronegócio, o Livro III, que
está dividido em três títulos que tratam, respectivamente, da atividade empresarial no
agronegócio, os contratos do agronegócio e os títulos de crédito do agronegócio.
De especial importância para este artigo, temos os arts. 689 a 709, que abordarão
os contratos do agronegócio, que se dividem em contratos agrários (arrendamento rural
e a parceria agrícola, pecuária, agroindustrial ou extrativista), contrato de integração
agroindustrial e contrato de depósito de produtos agropecuários.
Da leitura dos artigos 689 a 692 do PLS, referentes aos Contratos Agrários,
depreende-se que, no agronegócio, o contrato de arrendamento e de parceria passarão a
não ser mais regidos pelo Estatuto da Terra. Isso quando as partes do contrato
envolverem pessoas físicas ou jurídicas que fazem parte da cadeia do agronegócio, ou
seja, que tenham condição econômica e técnica suficiente para negociar e assumir
obrigações relativas às atividades que exercem (CASTRO, 2017, p. 10).
Assim, o Estatuto da Terra continuará a reger os contratos agrários quando as
partes não comporem a cadeia do agronegócio, ou seja, quando a exploração da terra se
der em regime de economia familiar, cujo objetivo não seja voltado, em sua essência,
para a comercialização da produção.
Fica, entretanto, ressalvada posição na Doutrina (ZIBETTI,QUERUBINI, 2016,
p. 21), segundo a qual na agricultura familiar também há o agronegócio, pois havendo
"dentro da porteira", há agronegócio. Entendimento esse que, expressamente, entra em
conflito com o PLS nº 487/2013.
Diante do exposto, a regência dos contratos agrários do agronegócio pelo
Estatuto da Terra tem termo final, que será quando da aprovação integral do texto do
PLS nº 487/2013, que promulgará o novo Código Comercial, regulando, de maneira
própria, os contratos agrários relacionados à cadeia do agronegócio.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
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O presente trabalho sustentou uma perspectiva econômica forte do Estatuto da
Terra, a par de seu caráter social muito acentuado por certa doutrina (ZIBETTI,
QUERUBINI, 2016, p. 15), do que é prova, sobretudo, a definição de Política Agrícola
e a inclusão, dentre os objetivos da Reforma Agrária "o aumento da produtividade".
Defendeu-se que a regência atual do contrato de arrendamento rural,
independentemente se no âmbito do agronegócio ou não, é feita pelo Estatuto da Terra,
o que demanda uma interpretação atualizada deste diploma.
O agronegócio foi trabalhado, conceitualmente, como uma categoria jurídico-
econômica em especial, que expressa uma complexidade perante a qual o Direito é
instado a adotar tratamento compatível à sua importância social e econômica.
Aproximou-se o contrato de arrendamento rural do agronegócio, visto a
amplitude que compreende este contrato e a mentalidade própria do agronegócio.
Por fim, tomando como base a leitura do professor Rogério Alessandre de
Oliveira Castro (2017), demonstrou-se que a posição central deste artigo é transitória,
pois a regência dos contratos agrários do agronegócio pelo Estatuto da Terra tem termo
final: a aprovação do novo Código Comercial (PLS nº 487/2013). Boas ou más notícias
para o produtor rural, só o tempo dirá.
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