A Reinvencao Dos Direitos Humanos Joaquin Herrera Flores

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A (RE)INVENÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS – JOAQUÍN

HERRERA FLORES

Eduardo Sens dos Santos

[email protected]

“Os direitos humanos começam com o café da manhã” (p. 104)

“O mundo é uma tarefa” (p. 110)

Data: 4.10.2009

Resumo: HERRERA FLORES, Joaquín. A (re)invenção dos direitos

humanos. Florianópolis : Fundação Boiteux, 2009. 231p.

As ideias iniciais já deixam bem clara a postura do autor em relação aos

direitos humanos, postura que logo se apresenta inovadora e revolucionária. Flores

defende a compreensão dos direitos humanos não como meras normas, bastantes em

si mesmas, mas como processos institucionais e sociais para a conquista daquilo

que entende ser o único elemento ético e político universal: a dignidade humana.

Os direitos humanos, assim compreendidos pelo autor, são um resultado das lutas

sociais pela dignidade, pelo elemento ético universal.

Num primeiro momento, já quando desenvolve sua teoria, Joaquín Flores

critica a postura tradicional de igualar direitos humanos às normas sobre

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direitos humanos. Não pretende, todavia, negar em absoluto as conquistas das

declarações que se seguiram à de 1948. o que demonstra é que os direitos humanos

são sobretudo um processo, um resultado de lutas, e, assim, não devem ser

compreendidos como algo posto ou imposto de cima para baixo, tanto é que ressalta

em mais de uma vez que são as ações sociais de baixo que geram a emancipação.

Esta parte inicial do livro já permite uma primeira conclusão: trata-se de livro

com funções de manifesto, uma obra política à altura de escritos como o de Marx e

Engels, um Manifesto dos Direitos Humanos.

Ao aprofundar um pouco mais, já nos capítulos seguintes, fica clara uma

idéia inovadora: a distinção entre direitos humanos e “bens” que precisam ser

alcançados para que se obtenham os direitos humanos. De nada adiantam

declarações de direitos sem que haja condições sociais, políticas, econômicas e

jurídicas para alcançar estes direitos. Não se confundem assim os direitos humanos

(que exigem a presença dos ‘bens’), com as normas positivadas sobre direitos

humanos. No máximo, as normas jurídicas são garantias jurídicas, mas nunca, a

priori, os direitos humanos em si mesmos.

Ainda sobre o caráter político da obra, uma categoria utilizada pelo autor é o

“empoderamento” das pessoas violadas em seus direitos humanos. Os direitos

humanos, ou seja, as normas e teorias sobre eles, existem para “empoderar”, para

dar poder às pessoas, dando-lhes um dos instrumentos necessários à obtenção

daqueles bens de que necessitam para alcançar vidas dignas. O tema ainda será

posteriormente aprofundado ao tratar da ontologia da potência.

Para uma perfeita compreensão dos direitos humanos, todavia, é preciso

compreendê-los em sua multicomplexidade cultural, empírica, jurídica,

científica, filosófica, política e econômica. Na ordem: a estreita relação entre os

atuais direitos humanos e o ocidente; a dependência de cada pessoa no processo de

obtenção de bens; a consciência de que as normas não criam direitos humanos por

si; a inviabilidade de um pensamento neutro; a contaminação do estudo dos direitos

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humanos de “contextos”; a consciência do que está por trás das instituições (voo de

Anteu); que o neoliberalismo trabalha para impedir que os direitos humanos sejam

praticados.

Especificamente em relação à complexidade filosófica, chama a atenção a

expressão a criada pelo autor, que demonstra de forma clara a necessidade de

contextualização da filosofia: “devemos contaminar os direitos humanos de

contextos”.

Para que se alcance efetivamente uma teoria realista e crítica dos direitos

humanos é preciso uma conjunção de fatores, expostos por Flores como condições:

a) uma visão realista, mas ao mesmo tempo otimista, que apresente caminhos para

as soluções; b) a utilização da linguagem como instrumento de combate, pela

conscientização; c) que a sociedade necessite dos direitos humanos, ou seja, que a

coletividade precise de direitos humanos e de uma visão alternativa de mundo para

sobreviver1; d) a fuga da hegemonia pela busca da exterioridade.

O papel da linguagem, aspecto interessante a ser destacado, encontra prática

no que se chama de “o politicamente correto”. Não apenas uma forma, mas uma

mudança de paradigmas, alertando, pela linguagem, que o mundo precisa mudar.

Exemplo é a quebra do paradigma “menorista” pelo da “proteção integral” no direito

da criança e do adolescente.

Nas práticas emancipadoras que exige a construção e reinvenção dos direitos

humanos, cita o autor alguns deveres básicos de cada agente social. Dentre os cinco

deveres, chama-se a atenção para o da responsabilidade, ou seja, de aceitação do

que ocorreu até então (desrespeitos aos direitos humanos) e de redistribuição, que,

em outras palavras, significa o dever de permitir a todos dignidade a partir da quebra

das oligarquias e monopólios dos bens. Em específico sobre a responsabilidade,

equipara-se a discussão aos escritos de Hannah Arendt sobre as responsabilidades no

pós-guerra.

1 Ponto confuso da obra. Não consigo compreender uma sociedade que “não precise” de direitos humanos, mesmo que já os tenha alcançado...

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Uma das premissas para que tudo isso ocorra é a necessidade de postular uma

outra globalização, que quebre os paradigmas do pensamento único e siga em

direção à consciência universal (Milton Santos). Para este objetivo o autor propõe

claramente uma visão antineoliberal, que em primeiro lugar parta de uma

perspectiva integradora dos direitos (social, político, econômico, cultural), passando

pela crítica ao paradoxo neoliberal da divisão do bolo para, finalmente, com as

práticas emancipadoras, alcançar o elemento ético universal: a dignidade humana.

Quando retoma o tema da necessidade de dar poder às pessoas na busca pelos

direitos humanos, Flores cunha outras duas expressões antagônicas mas igualmente

precisas: ontologia da potência e ontologia da passividade. Para o autor, é

necessário conferir à ação social a possibilidade de colocar em prática as

mudanças sociais, é necessário empoderar (dar poder), instigar, ao contrário da

ideologia atual, que prega a passividade, a abstenção e a inação.

Joaquín Flores prega também uma concepção integral dos direitos, que

considere os três direitos fundamentais para a obtenção do mínimo ético: direito à

integridade corporal (contra a tortura, por exemplo); direito à satisfação de

necessidades (sociais, econômicas, físicas, culturais); e os direitos de

reconhecimento (gênero, de etnia e de diferença).

A reinvenção dos direitos humanos exige também uma concepção

metodológica diferente, que, ao contrário do purismo tradicionalmente louvado

nesta área, apele conscientemente para uma filosofia ‘impura’, que considere

também fatores de ação, pluralidade e tempo, fugindo das fobias (ação, pluralidades

e tempo) em direção a uma metodologia relacional, holística e que leve em

consideração todos os objetos de uma determinada sociedade.

Para que os direitos humanos se desenvolvam é preciso denunciar

estratégias de reprodução das forças hegemônicas, que rechaçam as alternativas

e criam sistemas de garantais jurídicas da hegemonia. Outra necessidade é denunciar

as manipulações simbólicas de educação, mídia e cultura.

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A função social dos direitos humanos é lutar contra a banalização das

desigualdades. O conhecimento, assim, deve ser compreendido como um bem social

e protegido da privatização imposta pelo neoliberalismo.

Para ilustrar a teoria dos direitos humanos proposta, o autor usa a imagem de

um diamante ético, no centro do qual fica situada a dignidade humana. Com o

diamante e seus lados múltiplos pretende demonstrar a real complexidade dos

direitos humanos, que permita obter a ética da dignidade. O diamante gira, e

com isso demonstra-se que os direitos estão em constante movimento, relacionados

uns aos outros.

Dentre os principais conceitos do diamante estão os de disposições,

desenvolvimento, valores e narrações. Disposições são a consciência da posição

que se ocupa no processo de acesso aos bens que permitem ou impedem os

direitos humanos. Interessante neste ponto é notar que o desenvolvimento tanto

pode permitir quanto impedir os direitos humanos, tudo dependendo do sentido em

que seguirem. Os valores são os conceitos individuais e coletivos sobre algo, como,

por exemplo, a dignidade do trabalho, o valor do trabalho. Por fim, as narrações são

os modos com que se descreve o mundo, que podem ser hegemônicos e acríticos, ou

críticos e inclusivos (liberatórios).

Numa das camadas do diamante está situada a noção acerca do caráter

impuro dos direitos humanos. Nesta camada é que se encontra a posição de cada

indivíduos, que certamente tem uma visão diferente sobre direitos humanos

que é preciso ser considerada. A própria consciência desta “posição”, o que flores

chama de “disposição”, é aqui registrada. A necessidade de estar atento às narrações

decorre do fato de elas já adotarem, sempre, uma ou outra posição.