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UNIMAR - UNIVERSIDADE DE MARÍLIA PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO MARIA LÚCIA CÂNDIDO DA SILVA A RELAÇÃO DE CONSUMO NOS CONTRATOS DE PLANOS PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE MARÍLIA 2007

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UNIMAR - UNIVERSIDADE DE MARÍLIA PROGRAMA DE MESTRADO EM DIREITO

MARIA LÚCIA CÂNDIDO DA SILVA

A RELAÇÃO DE CONSUMO NOS CONTRATOS DE PLANOS

PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE

MARÍLIA 2007

1

MARIA LUCIA CANDIDO DA SILVA

A RELAÇÃO DE CONSUMO NOS CONTRATOS DE PLANOS PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília, como exigência parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito, sob orientação do Prof. Dr. Oscar Ivan Prux.

MARÍLIA 2007

2

Autora: MARIA LUCIA CÂNDIDO DA SILVA

Título: A RELAÇÃO DE CONSUMO NOS CONTRATOS DE PLANOS PRIVADOS DE

ASSISTÊNCIA À SAÚDE

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília, área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social, sob a orientação do Prof. Dr. Oscar Ivan Prux. Aprovado pela Banca Examinadora em ____/____/______

_________________________________________

Prof. Dr.Oscar Ivan Prux Orientador

__________________________________________ Profa. Dra. Maria de Fátima Ribeiro

__________________________________________ Profa. Dra. Soraya Regina Gasparetto Lunardi

3

Dedico este trabalho À Deus, pela sua força e fidelidade em todos os momentos da minha vida. Ao meu amigo Marcos Campos Dias Payão pela presença e incentivo nas horas difíceis. Ao meu filho Marcos Campos Dias Payão Junior, pelo encanto e pela alegria de viver. Aos meus pais pela oportunidade e confiança e amor proporcionados.

4

AGRADECIMENTOS Ao meu orientador, o eminente Professor Doutor Oscar Ivan Prux, pelo importante apoio oferecido, por quem tenho um profundo respeito e admiração pela postura ético-profissional, dedicação e seriedade nos doutos ensinamentos demonstrados nas orientações, sem as quais não seria possível a realização desta obra.

A Universidade de Marília – UNIMAR por oferecer esta grande oportunidade de qualificação profissional acadêmica.

A todos os meus professores, colegas, funcionários da Universidade e aqueles, que direta ou indiretamente, contribuíram para a realização deste trabalho.

5

“A sabedoria é demonstrada pelas suas ações” Mateus, Capítulo 11, versículo 19.

6

A RELAÇÃO DE CONSUMO NOS CONTRATOS DE PLANOS PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE

Resumo:

No presente trabalho, foram abordadas as relações de consumo nos contratos privados de assistência à saúde, dando enfoque especial para a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e a proteção jurídica dos usuários de planos de saúde frente às cláusulas contratuais abusivas inseridas nos contratos. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo, também, o exercício à saúde também à iniciativa privada, diante da permissão da Constituição Federal. Ficou demonstrado que antes da Lei de Planos de Saúde não havia regulamentação específica para regular os contratos de planos de saúde e mesmo após a edição da lei, as operadoras de planos de saúde, considerando a mais forte na relação contratual, vem praticando abusos em face aos usuários. Observou-se, ainda, a caracterização dos elementos da relação de consumo, ou seja, o usuário como consumidor, as operadoras como fornecedoras, a prestação de serviço à saúde e a destinação final, como elementos integrantes desta relação. Demonstrou-se, ainda, que conflito de lei no tempo deve ser superado pela aplicação do diálogo das fontes e ainda, por ser o Código de Defesa do Consumidor lei sobre direito e de cunho constitucional, devendo, sempre que houver presente um conflito de interesses do usuário e operadora de plano de saúde deve incidir as regras do Código de Defesa do Consumidor. Outrossim, foram analisados os aspectos da segurança jurídica dos contratos de planos de saúde, bem como os princípios da boa fé e função social dos contratos. Observou-se, ainda, que apesar da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor nos contratos privados de planos de saúde, os tribunais enfrentam diariamente situações temerárias e abusivas praticadas pelas operadoras de planos de saúde, que buscam tão somente o lucro e esquecem do objeto da relação contratual que é o direito à saúde e à vida.

Palavras-chave: Direito. Contrato. Relação de Consumo. Cláusulas.

7

THE CONSUME RELATIONSHIP IN PRIVATE PLANS CONTRACTS OF HEATH ASSISTANCE

Abstract

In this present work, the consume relationships in private plans contracts of health assistance were approached specially focusing the application of the “Código de Defesa do Consumidor” and the juridical protection of the users of health plans from abusive contractual clauses inserted in contracts. Health is right of all and obligation of the State, also guaranteeing, the activity of health to private initiative, according to the Federal Constitution. It was demonstrated that before the law of health plans there was not specific rules to regulate the health plans contracts and even after the law, the operators of health plans, considering the strongest part in contractual relationship, have practiced abuses related to the users. It’s still observed the characterization of the consume relationships elements, it means, the user as a customer, the operators as suppliers, service giving to health, and the final destination, as integrant elements of this relationship. It’s still demonstrated that the conflict of law in time must be overcome by application of the dialogue in sources and still, because the “Código de Defesa do Consumidor” is over right law and with constitutional purpose. It must, every time when there’s a conflict of interests between user and heath plan operator, happen the rules of the “Código de Defesa do Consumidor”. Equally, aspects of juridical security of health plans contracts were analyzed, as well as the principles of good faith and social function of the contracts. It was still observed that, despite the applicability of the “Código de Defesa do Consumidor” in private contracts of health plans, the court faces daily reckless and abusive situations practiced by health plans operators that only search profit and forget the object of the contractual relationship which is the right to health and life.

Keywords: right. contract. consume relation. clauses.

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LISTA DE ABREVIATURAS

AIDS – Síndrome da Deficiência Imunológica Adquirida

ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar

ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária

CAP – Caixa de Aposentadoria e Pensão

CAPUT – Capítulo

CDC – Código de Defesa do Consumidor

CID – Código Internacional de Doenças

CF – Constituição Federal

CONSU – Conselho de Saúde Suplementar

CTI – Centro de Terapia Intensiva

DESAS – Departamento de Saúde Suplementar

IDEC – Instituto de Defesa do Consumidor

INAMPS – Instituto Nacional de Assistênciamédica da Previdência Social

LOS – Lei Orgânica da Saúde

LPS – Lei dos Planos de Saúde

MP – Medidas Provisórias

OMS – Organização Mundial da Saúde

OPAS – Organização Pan-Americana de Saúde

PPAS – Planos Privados de Assistência a Saúde

PROCON – Proteção do Consumidor

SAS – Secretaria de Assistência à Saúde

STF – Supremo Tribunal Federal

SUS – Sistema Único de Saúde

SUSEP – Superintendência de Seguros Privados

UTI – Unidade de Terapia Intensiva

9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 12

l O DIREITO À SAÚDE 14

1.1 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DO DIREITO À SAÚDE 14

1.2 CONCEITO DE SAÚDE 19

1.3 SAÚDE PÚBLICA E SAÚDE PRIVADA 20

2 A REGULAMENTAÇÃO JURÍDICA AOS CONTRATOS DE

PLANOS PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE 23

2.1 SAÚDE COMPLEMENTAR E SUPLEMENTAR 28

2.2 DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR 36

2.3 CONCEITO DE CONTRATO DE PLANO PRIVADO DE

ASSISTÊNCIA À SAÚDE 38

2.4 REGIMES OU TIPOS DE CONTRATAÇÃO DE PLANO

PRIVADO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE 40

2.4.1 Plano Individual e Plano Familiar 41

2.4.2 Plano Coletivo por Adesão 41

2.4.3 Plano Coletivo Empresarial 42

2.5 ESPÉCIEIS DE PLANO PRIVADO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE

QUANTO AO TIPO DE COBERTURA ASSISTENCIAL 43

2.5.1 Plano Referência 44

2.5.2 Plano Ambulatorial 46

2.5.3 Plano Hospitalar sem Obstetrícia 48

2.5.4 Plano Hospitalar com Obstetrícia 49

2.5.5 Plano Odontológico 49

2.6 CARACTERÍSTICAS DOS CONTRATOS DE PLANOS

PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE 49

2.6.1 Características Específicas 49

2.6.2 Onerosidade 51

2.6.3 Sinalágma 51

2.6.4 Forma Especial 53

2.6.5 Longa Duração 54

10

2.6.6 Catividade 54

2.6.7 Prestação Aleatória 56

3 CONFLITO DE LEIS NO TEMPO E DO DIREITO ADQUIRIDO 57

3.1 CONFLITO DE LEIS NO TEMPO 57

3.2 DOS DIREITOS ADQUIRIDOS DOS USUÁRIOS DE PLANOS DE

SAÚDE 59

4 A RELAÇÃO DE CONSUMO NOS CONTRATOS DE

PLANOS PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA À SAUDE 66

4.1 CONCEITO DE RELAÇÃO DE CONSUMO 66

4.2 ELEMENTOS SUBJETIVOS DA RELAÇÃO DE CONSUMO:

FORNECEDOR E CONSUMIDOR 69

4.3 PRESTAÇÃO DE SERVIÇO 82

4.4 OS PLANOS DE SAÚDE COMO CONTRATOS DE

PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS 84

5 DA PROTEÇÃO CONTRATUAL DOS PLANOS PRIVADOS A ASSISTÊNCIA À SAÚDE 86

5.1 A AUTONOMIA DA VONTADE 86

5.2 DA FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS DE PLANOS

PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE 91

5.3 PRINCÍPIOS BÁSICOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 94

5.3.1 Princípio da Transparência 94

5.3.2 Princípio da Boa Fé 95

5.3.3 Princípio da Confiança 98

5.3.4 Princípio da Equidade 99

5.4 CONTRATO DE ADESÃO 99

5.5 AS CLÁUSULAS ABUSIVAS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR 102

5.6 CLÁUSULAS ABUSIVAS NOS CONTRATOS DE PLANOS

PRIVADOS DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE 109

5.6.1 Exclusão da Cobertura de Determinadas Enfermidades 109

5.6.2 Exclusão do uso de Medicamentos e Materiais Importados 113

5.6.3 Limitação de Internação Hospitalar 113

5.6.4 Exclusão de Doenças Preexistentes 115

11

5.6.5 Exclusão de Tratamentos e Procedimentos Cirúrgicos de Emagrecimento 118

5.6.6 Exclusão de Fornecimento de Medicamento para Tratamento Domiciliar 119

CONCLUSÃO 120

REFERÊNCIAS 128

12

INTRODUÇÃO

A saúde sempre foi uma preocupação do ser humano, uma vez que várias

civilizações foram dizimadas por epidemias e doenças. Tais fatos fizeram com que a

população, ao longo do tempo, por questão até mesmo de sobrevivência, ressaltasse a sua

importância, pois, caso contrário, a própria vida humana estaria comprometida.

A saúde é direito de todos e dever do Estado, e que deve ser garantido mediante

políticas sociais e econômicas que visem à produção do risco de doença e de outros agravos e

ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção e recuperação. Porém,

nem sempre o Estado é capaz de atender os serviços de saúde a contento da sociedade e neste

contexto, surgem as operadoras de planos privados de assistência à saúde para, nos termos da

lei, atenderem as necessidades de parte da população.

Como se deduz do próprio texto constitucional, já mencionado, “a saúde é um direito

de todos” e, portanto, tal dispositivo criou um ambiente favorável para a ampliação do

mercado aos operadores, dando oportunidade aos cidadãos de livremente aderirem a um plano

privado de assistência à saúde. Porém, esses contratos de massa muitas vezes trazem cláusulas

abusivas que ofendem os direitos dos usuários de planos de saúde.

Desta forma o objetivo deste estudo consiste em verificar se as relações contratuais

existentes entre as fornecedoras e usuários de planos privados de assistência à saúde são

relações de consumo e se há incidência do Código de Defesa do Consumidor, havendo ou não

lei específica que regula planos de saúde.

Para alcançar as respostas a essas indagações, o trabalho terá seu início marcado

pela análise do direito à saúde para formação de sua base, contendo apontamentos ao

desenvolvimento histórico do direito à saúde.

Em seguida, será efetivada análise da regulamentação jurídica aos contratos de

planos privados de assistência à saúde, enfocando a saúde complementar e saúde suplementar,

trazendo, ainda, alguns aspectos da Agência Nacional de Saúde Suplementar, autarquia

especial cuja finalidade é promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à

saúde, regulamentando as relações jurídicas entre as operadoras de plano de saúde e os

usuários.

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Augurando uma melhor compreensão e preparo no tratamento do tema, se discorrerá

sobre as especificidades dos contratos de planos privados de assistência à saúde, trazendo o

conceito e as espécies de planos existentes quanto ao regime de contratação e quanto ao tipo

de cobertura.

Considerando, ainda, a infinitas situações contratuais não regulamentadas por lei

específica, será tratado a respeito dos direitos adquiridos dos usuários de planos de saúde,

bem como a análise do conflito de leis no tempo, diante das divergências existentes entre a lei

específica e o Código de Defesa do Consumidor.

Com estas ponderações, ingressar-se-á no estudo da análise da relação de consumo

nos contratos privados de assistência à saúde, com a ressalva de que os pontos a serem

alinhavados em referido capítulo, os serão considerando a delimitação do tema proposto.

Nesse sentido, serão analisados o conceito da relação de consumo e seus elementos

subjetivos, fornecedor e consumidor, bem como seu objeto, ou seja, a prestação de serviço.

Por fim, abrir-se-á o capítulo da proteção contratual dos planos privados de

assistência à saúde, o qual, discorrerá brevemente a respeito dos princípios do Código de

Defesa do Consumidor, do contrato de adesão e das cláusulas abusivas.

Releva notar que neste último capítulo será abordada a aplicação prática do Código

de Defesa do Consumidor em várias situações contratuais entre as operadoras e usuários de

planos de saúde, intitulada como cláusulas abusivas em contratos de planos privados de

assistência à saúde.

Para a consecução dos fins almejados por este trabalho científico, será considerado o

método histórico dedutivo, partindo-se do geral para se chegar ao particular, objetivando-se

contribuir para o debate sobre o tema relação de consumo nos contratos de planos privados de

assistência à saúde.

14

l O DIREITO À SAÚDE

A sociedade brasileira, especialmente, durante a década de 1980, vem adquirindo a

consciência de seu direito à saúde. Ninguém tem dúvida de que o artigo 25 da Declaração

Universal dos Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas, ratificada pelo Brasil,

quando anunciou a saúde como uma das condições necessárias à vida digna, reconheceu o

direito humano fundamental à saúde.

O direito à saúde emerge do constitucionalismo contemporâneo inserido na categoria

dos direitos sociais. A Constituição de 1988 incorpora claramente esse caráter do direito à

saúde ao estabelecer, em seu artigo 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado,

garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e

de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção,

proteção e recuperação”.

Assim, o direito à saúde foi previsto como um direito público subjetivo às prestações

estatais, ao qual corresponde o dever dos Poderes Públicos desenvolverem as políticas que

venham a garantir esse direito.

1.1 DESENVOLVIMENTO HISTÓRICO DO DIREITO À SAÚDE

A busca à saúde sempre esteve presente na história da humanidade, por estar sempre

intimamente ligada a vida humana, mesmo porque, a existência do homem se condiciona a

um bom estado físico e mental. Entretanto, o conceito de saúde sofreu alterações ao longo do

tempo.

No início da civilização humana, saúde era sinônimo de ausência de doença, motivo

pelo qual, durante um longo período de tempo a busca pela saúde se resumia na simples cura

das moléstias e patologias que afligiam as pessoas. Nesse período, o único conhecimento

disponível para combater as doenças era proveniente da magia ou da religião; a cura estava

condicionada à ação das forças divinas, sobrenaturais ou transcendentais. Este pensamento era

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resultado de uma crença, de que as doenças eram castigos ou punições impostos aos homens

pelas divindades. Somente estas, portanto, poderiam livrá-los desses males.1

A análise científica do processo de cura, teve início por volta de 4.000 a.C., período

no qual, ocorreu o surgimento de pessoas com a função de curador de doenças, a que hoje

denominamos médicos. É na Grécia que a concepção místico-religiosa foi abandonada.

“Hipócrates foi o grande nome da medicina grega – na medicina que afastava a religião como

doenças.”2

O processo científico consistia em análises empíricas do problema e com o

desenvolvimento deste estudo, Hipócrates criou um novo conceito de doença. Segundo o

médico grego a doença era um problema natural e palpável estabelecendo que o tipo de vida

tinha uma influência muito grande na saúde das pessoas. A partir daí, a saúde deixou de ser a

ausência de males e passou a compreender uma gama de outros fatores como, por exemplo,

boas condições de vida e infra-estrutura sanitária.

No Império Romano a tradição grega permaneceu. A engenharia sanitária sofreu

grande avanço impulsionado pela demanda das cidades romanas, cuja população crescia

demasiadamente. No entanto, todo esse período científico sofreu grande retrocesso durante a

Idade Média, período em que a concepção mística voltou a prevalecer. Mas, diante da

ineficiência dos meios sobrenaturais de cura, e do caos provocado pela peste bubônica e

outras epidemias que dizimaram a população européia nesse período, aos poucos, a concepção

mística foi novamente abandonada.

Nos séculos XVII e XVIII, a saúde foi novamente analisada sob o pensamento

científico, mas o seu conceito ainda estava intimamente ligado a ausência de doenças. Pode-se

encontrar a origem de tal corrente nos trabalhos do filósofo francês Descartes3, que ao

identificar o corpo humano à máquina, acreditou poder descobrir a “causa da conservação da

saúde”, e como se observa, esse pensamento, representou um retrocesso se comparado ao

conceito desenvolvido por Hipócrates.

1 SCWARTZ, Germano. Direito à Saúde: Efetivação de uma Perspectiva Sistêmica. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2001. p. 28. 2 Ibidem, p. 29. 3 DESCARTES, René. Discurso sobre o Método. Rio de Janeiro: Simões, 1952. p. 17.

16

Naquela época, com advento da Revolução Industrial, a sociedade européia assistiu

ao surgimento de um movimento social que valorizava a acumulação de capitais. A saúde

passou a ter maior destaque, visto que o trabalhador doente comprometia o crescimento

industrial, já que ele ficava fora da linha de produção.

O crescente processo de industrialização exigia a utilização de um contingente maior

de mão-de-obra, e a doença, sem dúvida, comprometia o processo produtivo. Nesse sentido,

motivado por interesses econômicos, o Estado liberal, no campo da saúde, limitava-se ao

tratamento “curativo”, ou seja, o seu objetivo era unicamente curar os males que impediam o

trabalhador de comparecer ao trabalho. Resumia-se, portanto, unicamente na cura das doenças

que afligiam os trabalhadores, permanecendo o conceito de saúde a ausência de doença até o

século XIX.

O século XX foi marcado por transformações sociais e políticas, resultante de

conflitos internacionais, relativos a duas grandes guerras mundiais. A sociedade que

sobreviveu em 1944 sentiu a necessidade de promover um novo pacto. Tal pacto,

personificado nas ações da Organização das Nações Unidas, fomentou a Declaração Universal

dos Direitos do Homem, ao mesmo tempo em que, incentivou a criação de órgãos especiais

dedicados a garantia de alguns desses direitos considerados essenciais aos homens. A

concepção do Estado liberal cedeu lugar às idéias sociais. Se, outrora, apenas os trabalhadores

eram privilegiados com o acesso a saúde, nos dias atuais, surgiu a tese da saúde “preventiva”.

Segundo esta concepção, a saúde é um direito dos cidadãos.

Para esta teoria, ao contrário da tese “curativa”, o Estado deve garantir além da cura

da doença, uma infra-estrutura sanitária básica a fim de prevenir a ocorrência das doenças.

Assim, embora em seu bojo as duas teorias apresentam algumas diferenças, forçoso é

reconhecer, que ambas as teses adotam um único conceito de saúde, qual seja: a ausência de

doenças.

Contrariamente às teses citadas, a Organização Mundial de Saúde, no preâmbulo de

sua Constituição (1946), estabelece que: “saúde é o completo bem estar físico, mental e social

e não apenas a ausência de doenças”. Nesse sentido, ao Estado compete não apenas promover

a cura e a prevenção de doenças, mas promover o bem-estar físico, mental e social do

indivíduo, ou seja, além do aspecto “curativo” e “preventivo” surge uma nova discussão,

concebida como “promoção da saúde”.

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Neste ponto, foi retomada a concepção de saúde do grego Hipócrates, pois a

Organização Mundial da Saúde, em sua definição, reconhece que a saúde envolve o equilíbrio

entre o homem e o ambiente.

Apesar dos avanços citados, até meados do século XX, a saúde não era considerada

como um direito individual. O primeiro País a reconhecer esta dimensão foi a Itália, no ano de

1948. Até então, o direito a saúde era prestado pelo Estado visando fatores econômicos e a

recuperação do trabalhador para a linha de produção, não como um direito do cidadão.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada em 10 de dezembro de

1948, em seu artigo XI, consagra: “Toda pessoa tem direito a que sua saúde seja resguardada

por medidas sanitárias e sociais relativas à alimentação, roupas, habitação e cuidados médicos

correspondentes ao nível permitido pelos recursos públicos e os da coletividade”.4

O propósito da Declaração, como proclama o seu preâmbulo, é promover o

reconhecimento universal dos direitos humanos e das liberdades individuais. Os Estados

Membros das Nações Unidas, incluindo o Brasil, tem, assim, a obrigação de promover o

respeito e a observância dos direitos assegurados pela Conferência Internacional Americana.

A Declaração de 1948, ainda que não assuma a forma de Tratado Internacional,

apresenta força jurídica obrigatória e vinculante, na medida em que constitui a interpretação

autorizada da expressão “direitos humanos”. Ademais, essa questão é reforçada pelo fato de

que, na qualidade de um dos mais influentes instrumentos jurídicos e políticos do século XX,

ter se transformado, ao longo das décadas que se seguiram, a sua adoção, em direito

costumeiro internacional. Sobre a matéria, leciona Jorge Miranda:

O que resta saber é se o conteúdo da Declaração não pode ser desprendido dessa forma e situado noutra perspectiva. Parte da Doutrina contesta tal possibilidade, por não atribuir às clausulas da Declaração senão valor de recomendação. Outra, pelo contrário, vê nela um texto interpretativo da Carta, pelo que participaria de sua natureza e força jurídica. E ainda há aqueles perscrutam nas proposições da Declaração a tradução de princípios gerais de Direito.5

4 AMENDÔLA NETO, Vicente. Hábeas Corpus Tráfico de Entorpecente. Leme: Editora de Direito, 1996. p. 40. 5 MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. Rio de Janeiro: Coimbra, 1991. v. 4. p. 203.

18

Na esteira da Declaração Universal dos Direitos do Homem podem ser citados, como

por exemplo, alguns países signatários da Resolução, que atribuíram a saúde o status de

direito fundamental, e preleciona Germano Shwartz, a Espanhola, artigo 43; a de Portugal,

artigo 64 e a Constituição da Guatemala, artigos 93 a 100. Na contramão da história, a

Constituição Brasileira de 1967 não regulamentou o direito à saúde. A única referência à

saúde neste texto constitucional estava inserido no artigo 8º, inciso XIV, que delegava a

União a competência para estabelecer planos nacionais de educação e saúde, não lhe

atribuindo qualquer prerrogativa de direito fundamental.6

Mas a omissão constitucional não se deu por inércia dos pensadores da época, uma

vez que muitas vozes chamavam a atenção para a necessidade da positivação da saúde como

um direito fundamental do cidadão. Esse fato só ocorreu no final do século XX, por meio da

Constituição Federal de 1988. A esse respeito José Afonso da Silva7, escreveu: “é espantoso

como um bem extraordinariamente relevante à vida humana, só agora é elevado à condição de

direito fundamental do homem.”

E o direito à saúde na Constituição Federal Brasileira vigente, possui duas

características básicas: o seu reconhecimento como direito fundamental e a definição dos

princípios que regem a política pública de saúde. A saúde consta como um dos direitos sociais

previstos no artigo 6º, que abre o Capítulo II (Dos Direitos Sociais) do Título II (Dos Direitos

Fundamentais) da Lei Maior de 1988. Além disso, o “caput” do artigo 196 da Constituição

Federal define a saúde como direito de todos e dever do Estado8.

Muito embora os direitos fundamentais tenham sido originariamente concebidos

como oponíveis ao Estado, deve-se admitir que eles também incidem nas relações jurídicas

entre particulares. No campo do direito à saúde, esta noção impõe aos poderes públicos, a

obrigação de proteger a saúde no âmbito das relações privadas, devendo o legislador editar

leis adequadas para essa proteção.

6 SCHWARTZ, Germano. Direito à Saúde: Efetivação de uma Perspectiva Sistêmica. Porto Alegre: Livraria do

Advogado, 2001. p. 46. 7 SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 311. 8 Art. 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas

que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.

19

O conceito de saúde no texto constitucional está em harmonia com o atual conceito

de saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS), visto que, tanto consagra a dimensão

“curativa” e “preventiva”, como a “promoção” ao bem-estar pessoal e social do indivíduo.

Nesse sentido, dispõe o artigo 3º da Lei 8080/90 – Lei Orgânica da Saúde (LOS), que

regulamentou o dispositivo constitucional citado:

Art. 3º A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica do País. Parágrafo único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social.

Este é o breve histórico da saúde, desde a antiguidade até os dias atuais, e, pelo que

se conclui, sempre foi um tema muito discutido pela população, em razão de estar

intimamente ligada à própria sobrevivência da espécie humana.

1.2 CONCEITO DE SAÚDE

Na visão contemporânea e sua inter- relação com os planos de saúde o conceito de

saúde é mais do que simplesmente a ausência de doenças, envolvendo bem estar e qualidade

de vida. A definição adotada pela OMS é ocupada pela riquíssima concepção de bem-estar,

que transmite a idéia de pleno conforto e satisfação.

Somente com a reorganização internacional em meados do século XX e com a

criação da Organização Mundial de Saúde (OMS), em 1946, a saúde foi reconhecida como

um dos direitos fundamentais de todo ser humano, sem distinção de raça, religião, credo,

crença política, condição social ou econômica, e conceituada como completo bem-estar físico,

mental ou outros agravos.9

9 ROCHA, Júlio César de Sá da. Direito da Saúde. São Paulo: LTr, 1999. p. 43.

20

Esta concepção é a mais ampla, alcançando, além da integridade corporal e psíquica

da pessoa humana, sob o aspecto individual, também o bem-estar social. Assim, a saúde

pressupõe satisfação no relacionamento interpessoal.

Nessa conformidade, entendemos que a saúde não é somente a ausência de doença

física ou psíquica, mas também as condições de subsistência, moradia, alimentação e

educação, ou seja, de uma vida digna e com qualidade de vida.

Como se observa, é uma situação de difícil ocorrência no estágio atual de evolução

da humanidade, que efetivamente deseja o bem-estar físico, mental e social.

1.3 SAÚDE PÚBLICA E SAÚDE PRIVADA

No Brasil, durante a maior parte de sua história, a saúde esteve sob a

responsabilidade da própria população. Enquanto colônia de Portugal, a metrópole pouco se

interessou pela assistência à saúde dos residentes na colônia. Nessa época os serviços de

saúde eram prestados por entidades de caridade, leigos e religiosos.

A partir dos anos 20, o processo acelerado de urbanização e industrialização deu

origem a classe de trabalhadores urbanos. Estes, por sua vez, necessitaram de assistência

médica individual, capaz de ajudá-los na solução de sua necessidade de saúde. Diante das

reivindicações da classe trabalhadora, em 1923, o Estado editou a Lei Eloy Chaves, que

determinou a criação de uma Caixa de Aposentadoria e Pensão (CAP) em cada empresa de

estrada de ferro do país. Com os fundos dessa Caixa as empresas prestavam aos seus

empregados assistência médica, tendo surgido, a partir daí, o embrião da assistência privada

no Brasil.

Durante o século XX, a assistência à saúde no País se dividiu em duas fontes: de um

lado o Estado com o sistema sanitarista, responsável pelas atividades preventivas, tais como

campanhas de vacinações e programas de saneamento básico; do outro, a iniciativa privada,

com o sistema médico-assistencialista, que fornecia à classe trabalhadora uma assistência

individual, com atividades curativas, tais como: consultas, exames, hospitalizações e

21

cirurgias. Esses serviços eram prestados tanto por entidades privadas (CPAs) quanto por

órgãos públicos (Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social – INAMPS),

mas apenas os trabalhadores e a população, extremamente carente, tinham acesso a esses

serviços.

A Constituição de 1988 colocou fim a essa dicotomia instituindo o Sistema Único de

Saúde (SUS), por meio do qual toda a população, trabalhadores ou não, tem o direito à

assistência médica pública, integral e gratuita, pois, financiada pelo Estado. No entanto,

apesar de parecer contraditório, a partir da instituição do SUS, é que se aumentou o número

de empresas dedicadas as atividades no setor privado de assistência à saúde. O professor

Antônio Joaquim Fernandes Neto, a respeito do tema escreveu:

As naturais dificuldades para a implementação de um modelo ousado, e eqüitativo, como é o SUS, criaram um ambiente próprio para o desenvolvimento da operadora dos planos de saúde. Os trabalhadores, que tinham prioridade nos serviços, garantida pela simples identificação como contribuinte da previdência pública, passaram a concorrer com uma grande massa de pessoas excluídas e, pouco a pouco, foram sendo seduzidas pelas operadoras de planos de saúde.10

O aumento dos números das prestadoras de serviços na seara do plano de saúde

ocorreu em virtude de previsão legal, da própria Constituição de 1988, que disciplinou as duas

formas de assistência à saúde, a pública e a privada, conforme se depreende da análise do seu

art 197, abaixo:

Art 197: São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.

Assim, muito embora seja um dever do Estado, a própria Constituição Federal

permite que os serviços de assistência à saúde sejam executados, tanto pelo Estado, quanto

por pessoas de direito privado, razão pela qual, hoje, coexistem no Brasil o serviço público de

assistência à saúde, prestado pelo SUS e a assistência privada, prestada pelas operadoras de

planos de saúde. Nesta última hipótese a saúde é pública, mas no negócio é privado.

10 FERNANDES NETO, Antonio Joaquim. Plano de Saúde e Direito do Consumidor. Belo Horizone: Del Rey,

2002. p. 41.

22

O artigo 199 da Constituição Federal é ainda mais claro ao determinar que a

assistência à saúde é livre à iniciativa privada. Desta forma, esses serviços são prestados por

instituições de direito privado; enquanto que, os serviços públicos de saúde, custeados pelo

Estado, são prestados por instituições de direito público ou por instituições de direito privado,

contratados ou conveniados pelo SUS.

A Organização Pan-Americana de Saúde11 (OPAS), órgão da OMS publicou, no ano

de 1998, um relatório intitulado “A Saúde no Brasil”, no qual descreve:

O sistema de serviços de saúde brasileiro está formado por uma rede complexa de provedores e financiadores, que abarca os seguimentos público e privado. O segmento público engloba os provedores públicos de três níveis de governo, que no nível federal são o Ministério da Saúde (gestor nacional do SUS), os hospitais universitários do Ministério da Educação e os serviços das Forças Armadas. Os níveis estadual e municipal compreendem a rede de estabelecimentos próprios das respectivas instâncias. A cobertura dos serviços públicos de saúde complementados por serviços prestados pelas entidades privadas, contratadas pelo SUS, chega a 75% da população. O segundo exclusivamente privado compreende os serviços lucrativos pagos diretamente pelas pessoas e as instituições provedoras de planos e seguros privados.

Denota-se, portanto, que a iniciativa privada presta assistência à saúde de forma

complementar e suplementar. As instituições privadas, que participam do SUS são

denominadas de saúde complementar; enquanto que, a financiada diretamente pelo usuário

caracteriza o setor chamado de Saúde Suplementar.

11 OPAS/OMS - Organização Pan-Americana de Saúde. A Saúde no Brasil, Publicação Científica, n. 569, p. 31,

1998.

23

2 A REGULAMENTAÇÃO JURÍDICA AOS CONTRATOS DE PLANOS PRIVADOS

DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE

A compreensão da legislação e dos aspectos de sua regulação no Brasil não é tarefa

simples. Paralelamente ao Sistema Único de Saúde (SUS) tem-se a iniciativa privada onde

ambas oferecem serviços de assistência à população orientadas por objetivos aparentemente

inconciliáveis: de um lado, a universalidade e a gratuidade e, de outro, a discriminação das

pessoas, de serviços e de doenças, tudo visando o lucro, a vantagem econômica.

A partir da perspectiva indicada neste capítulo, serão analisados alguns aspectos das

normas que tem aplicabilidade aos contratos de plano de saúde. São elas: Constituição

Federal; Lei de Organização da Saúde (Lei 8080/90); Lei dos Planos e Seguro de Saúde (Lei

9656/98); Lei da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANSS).

A Constituição Federal traça as diretrizes do sistema nacional de assistência à saúde

e o direito à saúde é apontado em vários dispositivos, como por exemplo, nos arts. 6º; 7º,

XXII; 23, I; 24, II; 30, VII; 194; 196; 197; 199; 200, I a VIII; 227, § 1º, I; 212, § 4º. Mas,

destaca-se, no título VIII, da Constituição Federal, “Da Ordem Social”, Capítulo II, Seção II

“Da saúde”, arts. 196 a 199. O artigo 19612 impõe ao Estado o dever de prestar assistência de

forma ampla, igualitária, universal e a título gratuito.

O artigo 19713, por sua vez, classifica as ações e serviços de saúde como de

relevância pública, dispondo sobre a possibilidade de sua execução ser feita diretamente pelo

Poder público ou pela iniciativa privada, sob sua fiscalização e controle.

Analisando de forma mais detalhada o art 197 da Constituição Federal, Manoel

Gonçalves Ferreira Filho, afirma:

12 Art. 196: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas

que visem á redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”.

13 Art. 197: “São de relevância controle pública as ações e serviços de saúde cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.”

24

Em relação a estes serviços e ações, o texto prevê, por um lado, a edição de uma legislação que as regulamente, fiscalize e controle. E justifica essa edição pela acaciana afirmação da relevância púbica. Por outro, admite que as ações de saúde sejam prestadas por serviço instituído pelo Poder Público diretamente, ou por este indiretamente por meio de pessoas ou instituições conveniadas ou contratadas – os terceiros mencionados – ou por pessoas físicas, ou por pessoas jurídicas de direito privado. Não compreenderá este texto quem não tiver presente o fato de que, na Constituinte, uma corrente radical de esquerda pretendia a estatização integral da medicina... Em relação a isto é que se acabou de incluir no texto a parte final: a referência a pessoas físicas e jurídicas de direito privado como prestadores de ações de saúde não incluídas nos serviços públicos.14

Consoante dispositivo constitucional acima citado, resta inequívoco que o Estado,

embora tenha determinado que os serviços de saúde são de relevância pública, permitiu que

tais serviços fossem prestados por terceiros, pessoas físicas ou jurídicas de direito privado.

Brilhante conclusão aponta Mariângela Sarrubbo15:

Sob a ótica constitucional destaca-se, quanto às atividades a que está obrigado o Estado Brasileiro, o art. 197 da CF. A partir de sua análise pode-se afirmar que: a) no que compete ao dever de prestação direta de serviços de saúde, não foi capaz de superar as dificuldades crônicas do setor, oferecendo à população um serviço de baixa qualidade. Isto significa muito mais do que tratar pessoas doentes; inclui desde infra-estrutura de saneamento, habitação, imunizações, qualidade de alimentos e medicamentos, até lazer; b) em relação à necessidade de editar norma sobre regulamentação, fiscalização e controle dos serviços de saúde, foram necessários 10 anos para a edição de tal norma.16

A livre presença da iniciativa privada no mercado de saúde é amparada pelo art. 199

da Constituição Federal. A esse respeito escreveu Fabiana Ferron 17:

[...] de acordo com o seu § 1º, a participação deveria ser feita de forma complementar ao Sistema Único de Saúde – SUS, o que não foi capaz de superar dificuldades crônicas do setor, oferecendo à população um serviço de baixa qualidade. A iniciativa privada opera no setor justamente porque o sistema público, decadente e sem recursos, não tem como oferecer o que dele se espera.

14 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à Constituição Federal de 1988. 2. ed. São Paulo:

Saraiva, 1999. v. 2. p. 225. 15 In: MARQUES, Cláudia Lima et al. Saúde e Responsabilidade: Seguros e planos de assistência privada à

saúde. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 16. 16 Ibidem. p. 16. 17 FERRON, Fabiana. Planos Privados de Assistência à Saúde: Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998. São Paulo:

Universitária de Direito, 2001. p. 22.

25

O artigo 199 da Constituição Federal, nessa esteira, consagra:

Art 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. § 1º As instituições privadas participar de forma complementar do sistema de saúde, segundo diretrizes único deste poderão, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos. § 2º É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios e subvenções às instituições privadas com fins lucrativos.

O professor Luiz Fux, em abalizado estudo sobre o texto constitucional, a respeito do

assunto, destaca:

Sob esse enfoque é forçoso concluir que estatuída a responsabilidade pública quanto à saúde, a atividade subsidiária particular não é sucedâneo da ineficácia estatal, não podendo atribuir-se às entidades privadas deveres além do contrato, sob pena de gerar-se insustentável insegurança pública.18

A livre presença da iniciativa privada no mercado de saúde, como se vê, é amparada

pela Constituição Federal. Entretanto, de acordo com o parágrafo primeiro do artigo 199, a

participação deveria ser feita de forma complementar ao Sistema Único de Saúde, o que não

ocorre na prática, visto que o Estado não foi capaz de superar as dificuldades crônicas do

setor, oferecendo a população um serviço de baixa qualidade. A iniciativa privada opera no

setor justamente porque o sistema público, sem recursos financeiros suficientes, não tem

como oferecer serviços de assistência à saúde com qualidade à população.

Há, portanto, no atual cenário brasileiro os serviços públicos de saúde custeados pelo

Estado, prestados por instituições de direito público ou de direito privado, contratadas ou

conveniadas junto ao Sistema Único de Saúde, bem como os serviços de assistência privada à

saúde, custeados pelos particulares, prestados por instituições de direito privado.

A Lei 8.080/90, não cuida dos planos privados de assistência à saúde, mas a sua

análise neste capítulo é importante, uma vez que, além de representar um marco na construção

do direito à saúde no Brasil, serve como instrumento de interpretação da proliferação do

mercado privado de assistência à saúde, segundo o entendimento de alguns autores. Esse fato

ocorre justamente porque são notórias as deficiências do atendimento pelo SUS – Sistema

18 FUX, Luiz. Tutela de Urgência e Plano de Saúde. Rio de Janeiro: Espaço Jurídico, 2000. p. 61.

26

Único de Saúde, razão pela qual, como se verá adiante, a possibilidade do próprio órgão

público recorrer a iniciativa privada para complementar as necessidades da população, no

tocante ao atendimento à saúde.

Como visto alhures, a saúde é fundamental, porque é condição primeira para a

existência de qualquer outro direito. Daí o fato da Constituição Brasileira estabelecer que

saúde é direito de todos e dever do Estado. Estabelece o art. 2º, da Lei nº 8080/90: “A saúde é

um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis

ao seu pleno exercício.”

A Lei 8.080/90 criou o Sistema Único de Saúde que dispõe sobre condições para a

promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços

correspondentes e dá outras providências. A edição desta norma é conseqüência de previsão

inserida no art 198 da CF, que prescreve:

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistências; III – participação da comunidade. §1° O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.

Assim, o serviço prestado na rede pública deve primar pela universalização no

atendimento, pela integralidade na prestação dos serviços, bem como pela participação

comunitária. Da análise da legislação e em estrita obediência ao comando constitucional,

depreende-se que o acesso aos serviços de saúde passou a ser um direito fundamental do

cidadão, consubstanciado no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Para tanto, a Constituição Federal previu um Sistema Público de Atendimento à

Saúde da População, intitulado Sistema Único de Saúde, que é de responsabilidade do Estado,

mas facultando a prestação de serviços de saúde também à iniciativa privada.

27

Os serviços públicos de saúde, como dever do Estado, são ou devem ser garantidos

mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução do risco de doença e de outros

agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e

recuperação.

A constituição do SUS – Sistema Único de Saúde é prevista, no artigo 4º da Lei

nº 8080/90: “Art. 4º - O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e

instituições públicas federais, estaduais e municipais, da Administração Direita e Indireta e

das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sistema Único de Saúde – SUS.

O Sistema é financiado com recursos públicos União, Estados, Municípios e Distrito

Federal, sendo facultada à iniciativa privada a participação complementar, conforme

determina o § 2° do artigo 198 da Constituição Federal.

Assim, a Constituição Federal, no artigo 15919 e a Lei nº 8080/90, ao fixar os

parâmetros do Sistema de Saúde Pública, facultou que a assistência à saúde é livre à iniciativa

privada. Ou seja, sem participar do Sistema Único de Saúde, pode a iniciativa privada, mesmo

assim, prestar serviços de assistência à saúde. Entretanto, quando a entidade privada, com ou

sem fins lucrativos, participa do Sistema Único de Saúde, mediante contrato ou convênio, ela

o faz de forma complementar.

A interpretação sistemática da Constituição Federal e da Lei nº 8080/90 pode nos

levar as seguintes indagações: a) O Estado deve prestar serviços de saúde diretamente?

b) Quando a capacidade instalada nas unidades hospitalares do Estado for insuficiente, tais

serviços podem ser prestados por terceiros, ou seja, pela capacidade instalada de entes

privados, tendo preferência entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos? c) Pode prestar

tais serviços por meio de entidades com fins lucrativos, desde que estas se submetam às regras

do SUS, aqui também de forma complementar e para que o Estado possa, no atendimento da

saúde pública, utilizar-se também da capacidade instaladas destes entes privados?

Daí porque o art. 24 da Lei nº 8080/90, estabelece que: “quando as suas

disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma

19 Art. 199: “A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.”

28

determinada área, o Sistema Único de Saúde – SUS poderá recorrer aos serviços ofertados

pela iniciativa privada”.

Assim, o Sistema previu que estando otimizada e em pleno funcionamento a

capacidade das instalações públicas de prestação de serviços de saúde, mas sendo esta

insuficiente em determinada área, seria chamada para participar, de forma complementar, a

iniciativa privada.

Da análise do artigo 24 da Lei 8080/90 verifica-se que tanto a Constituição, como a

Lei nº 8080/90, pretenderam que a iniciativa privada, com ou sem fins lucrativos, ocupasse o

papel de simples coadjuvante do Poder Público. Só, excepcionalmente, quando patenteada a

insuficiência das disponibilidades estatais, é que seriam chamadas as entidades privadas para

a prestação de serviços de saúde no âmbito do SUS. E, mesmo assim, somente como atividade

complementar ao dever estatal, nunca para substituí-lo como vem ocorrendo em termos

práticos por intermédio das operadoras de planos de saúde.

2.1 SAÚDE COMPLEMENTAR E SUPLEMENTAR

Nos termos do art 199, § 1º, da CF, as instituições privadas poderão participar de

forma complementar ao Sistema Único de Saúde. Nesse sentido, as entidades privadas que

celebrarem contratos de direito público ou convênio com o Sistema Único de Saúde passam a

integrar o sistema público de saúde, razão pela qual se submetem aos princípios e diretrizes

que orientam o serviço público.

Assim, citando como exemplo, um hospital particular que celebra um contrato de

prestação de serviços com o SUS deverá prestar assistência, integral e gratuita, sendo

remunerado posteriormente pelo Poder Público. É definido como complementar, porque, a

participação das entidades privadas no SUS só acorrerá quando o sistema público não possuir

os meios para fazer frente às necessidades da população e, nestes casos, a participação dos

29

serviços privados será formalizada mediante contrato ou convênio, observadas as normas de

direito público, conforme determina o art.2420 da Lei 8.080/90.

A Lei 8080/90 no título e capítulo destinado aos serviços privados de assistência à

saúde, estabelece o seguinte:

Art. 20 - Os serviços privados de assistência à saúde caracterizam-se pela atuação, por iniciativa própria, de profissionais liberais, legalmente habilitados, e de pessoas jurídicas de direito privado na promoção, proteção e recuperação da saúde. Art. 21 - A assistência à saúde é livre à iniciativa privada. Art. 22 - Na prestação de serviços privados de assistência à saúde, serão observados os princípios éticos e as normas expedidas pelo órgão de direção do Sistema Único de Saúde - SUS quanto às condições para seu funcionamento. Art. 23 - É vedada a participação direta ou indireta de empresas ou de capitais estrangeiras na assistência à saúde, salvo através de doações de organismos internacionais vinculados à Organização das Nações Unidas, de entidades de cooperação técnica e de financiamento e empréstimos. § 1 - Em qualquer caso é obrigatória a autorização do órgão de direção nacional do Sistema Único de Saúde - SUS, submetendo-se a seu controle as atividades que forem desenvolvidas e os instrumentos que forem firmados. § 2 - Excetuam-se do disposto neste artigo os serviços de saúde mantidos, sem finalidade lucrativa, por empresas, para atendimento de seus empregados e dependentes, sem qualquer ônus para a seguridade social.

A saúde complementar, pelo que se depreende da análise dos dispositivos citados,

em que pese ser prestada por entidades privadas, o seu funcionamento está atrelado as

diretrizes e princípios do SUS e, portanto, rege-se por normas de direito público.

Por outro lado, a Constituição Federal, ao disciplinar a prestação dos serviços de

saúde garantiu a iniciativa privada a assistência à saúde, inclusive às empresas constituídas

sob finalidade lucrativa. Assim, além dos serviços públicos de saúde, a que todos têm direito

constitucionalmente garantidos de acordo com o art. 196, da Constituição Federal, o cidadão,

se quiser, poderá contratar, sob suas expensas, tratamento diferenciado daqueles colocados à

disposição pelo Estado, exceto para empresas estrangeiras, nos termos do § 3° do art. 198 da

Constituição Federal.

20 Art. 24: “Quando as suas disponibilidades forem insuficientes para garantir a cobertura assistencial à

população de uma determinada área, o Sistema Único de Saúde - SUS poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada. Parágrafo único. A participação complementar dos serviços privados será formalizada mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de direito público.”

30

Denota-se, pois, que a Constitucional Federal admite que pessoas físicas e jurídicas

de direito privado, tais como: hospitais, clínicas, operadoras de planos de saúde, prestem esses

serviços mediante contraprestação dos beneficiários. A assistência à saúde, não se constitui

monopólio do Estado. Entretanto, por se tratar de um direito fundamental de relevância

pública, quando prestada por entidade privada, estará sempre submetida ao controle do Poder

Público. Essa assistência à saúde exercida por entidades privadas, financiadas pelo

beneficiário, caracteriza o setor chamado de Saúde Suplementar.

Leonardo Vizeu Figueiredo 21 define saúde suplementar como:

[...] o regime participativo do particular nos serviços de saúde, concomitantemente com os serviços públicos prestados pelo Estado, sob forma opcional e facultativa ao respectivo beneficiário, com o fim de ampliar o leque de serviços à disposição do cidadão, seja para servir de aditamento ou para suprir as deficiências do serviço público.

Desta forma, a saúde suplementar pode ser entendida como o regime participativo do

particular nos serviços de saúde, concomitantemente com os serviços públicos prestados pelo

Estado, sob forma opcional e facultativa ao respectivo beneficiário, com o fim de ampliar o

leque de serviço à disposição do cidadão, seja para servir de aditamento ou para suprir as

deficiências do sistema público.

A participação da iniciativa privada no setor de saúde suplementar é exemplo típico

de atividade econômica, até porque se trata de atividade que não é desenvolvida pelo Estado,

diretamente ou através de concessão ou permissão, não sendo aplicável o disposto no artigo

17522 da Constituição Federal.

Concluindo, tanto a saúde complementar quanto a suplementar são prestadas por

entidades privadas, a complementar, entretanto, segue as mesmas diretrizes e princípios do

SUS; a suplementar, rege-se por princípios de direito privado.

21 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Curso de Direito de Saúde Suplementar. Manual Jurídico de Planos e

Seguros de Saúde. São Paulo: MP Editora, 2006. p. 120. 22 Art. 175. “Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão,

sempre através de licitação, a prestação dos serviços públicos.”

31

Os modelos privados de prestação suplementar de serviços da saúde são bastante

variados, em virtude da evolução econômica e social da sociedade brasileira e se deram por

parte de empresas públicas e privadas, com recursos próprios, trabalhistas e previdenciários.

No setor público, por exemplo, temos a implantação da Caixa de Assistência aos

funcionários do Banco do Brasil, atualmente conhecido pela denominação CASSI e, ainda,

merece destaque a organização de sistemas assistenciais destinados exclusivamente aos

funcionários estaduais desprotegidos pela Previdência Social, a partir de 1950.

No setor privado os sistemas assistenciais à saúde surgiram concomitantemente ao

processo de industrialização, e surgiram as categorias profissionais que se organizavam para

atender os profissionais da categoria.

Assim, o mercado de suplementação privada de saúde configurou inicialmente como

uma forma de prestação de serviços médicos destinados exclusivamente aos empregados e

servidores públicos como regimes próprios de previdência fechada.

Em meado de 1960, a assistência médica brasileira passou por profundas alterações,

começa a aparecer o que se convencionou chamar de Sistema Supletivo de Assistência

Médica integrado pelas Medicinas de Grupo, pelas Cooperativas Médicas, pelas Autogestões

de Assistência Médica em empresas públicas e privadas, pelo seguro-saúde e planos de saúde.

O sistema supletivo derivou de um permissivo da lei que instituiu a Previdência

Social, que possibilitava ao empregador optar por repassar parte do desconto devido à

Previdência para empresas privadas de Assistência Médica.

Medicina de grupo foi constituída sob forma empresarial, objetivando a captação de

lucro. No início, comercializavam somente planos coletivos junto às empresas privadas e

públicas, passando, a partir de 1980, a operar planos individuais e familiares, vendidos

diretamente aos consumidores. Caracterizam pela contratação de serviços médicos por parte

de terceiros, disponibilizam os serviços de saúde mediante credenciamento de médicos, de

hospitais, bem como de serviços auxiliares de diagnósticos e de terapêutica e sob forma de

contratos com os usuários.

32

As cooperativas médicas são regidas e organizadas segundo as leis do

cooperativismo (Lei n° 5.764/71), os médicos e outros profissionais da área da saúde atuam

como cooperados, sendo, simultaneamente, sócios da cooperativa e prestadores de serviço e

recebem pagamento proporcional ao tipo e ao volume do atendimento, acrescido de um valor

que procede do rateio do lucro final das unidades referentes à base territorial em que atuam.

As cooperativas se perfazem mediante relação jurídica contratual, na qual a vinculação dos

usuários se completa por meio de pré-pagamento a planos individuais, familiares e

empresariais.

A autogestão foi criada como programa de benefício ofertado em razão do vínculo

empregatício, na forma de salário indireto, de caráter assistencialista na área de saúde, restrito

apenas aos funcionários e dependentes dos empregadores, não sendo de livre comércio no

mercado.

Outra modalidade de entidade privada de assistência à saúde é o seguro-saúde que

garante aos segurados o reembolso de despesas dentro de uma tabela, permitindo a livre

escolha de médicos e hospitais. Não existiam profissionais ou estabelecimentos conveniados.

Neste sistema é emitida uma apólice de seguro que dá a cobertura nela especificada. O

seguro-saúde se dá por meio da intermediação financeira de uma entidade de cunho

securitário, que, embora não preste diretamente, assistência médico-hospitalar, cobre, nos

termos pactuados na apólice, o ônus financeiro pelo custo do atendimento e a normatização do

seguro-saúde, observadas as prescrições do Decreto-lei 73/66.

Com o surgimento e crescimento dos planos e seguros individuais, o cenário de

equilíbrio de mercado foi drasticamente alterado e com o advento da Lei 8.080/90, e com a

implantação do Sistema Único de Saúde em 1980, tanto o setor público quanto o privado

expandiram-se consideravelmente.

Diante da complexidade do mercado, da falta de conhecimento técnico sobre como o

mercado estaria operando com a popularização dos planos de saúde, bem como do aumento

crescente de reclamações dos usuários em face das entidades de assistência privada à saúde,

havia consenso quanto à necessidade de intervenção estatal sobre a atuação das operadoras de

planos de saúde.

33

A Lei n° 9.656, promulgada em 03.06.1998, alterada em alguns dispositivos pela

Medida Provisória n° 1.730-7, de 07.12.1998, e sucessivas reedições, sancionadas pelo

Presidente da República, regulamenta todos os planos e seguros de saúde, positiva,

finalmente, normas para o setor privado de planos e seguros saúde.

A atual lei tem amplo campo de incidência, alcançando todos os planos e seguros de

saúde que já operavam, bem como os que venham a operar no mercado de suplementação dos

serviços de saúde. Incide sobre os planos próprios de hospitais, autogestões, medicinas de

grupo, cooperativas em geral, administradoras, seguradoras, enfim, todas as entidades que

possuam planos com contraprestação pecuniária, independentemente de sua natureza jurídica

ou forma de comercialização, incluindo aquelas de administração de credenciamento ou de

atuação por custo operacional.

Leonardo Vizeu Figueiredo acentua que:

Todos os contratos de planos de saúde existentes no mercado, anteriores à Lei de Planos de Saúde, tiveram sua comercialização proibida no mercado, em que pese terem sua vigência assegurada. Com o marco regulador, os contratos firmados entre consumidores e operadoras de planos de saúde têm garantia de assistência a todas as doenças reconhecidas pela Organização Mundial de Saúde, além de impedimento às restrições de número de consultas e internações.23

A Lei 9.656/98 pretende disciplinar o universo das sociedades empresariais que

exploram os serviços de seguros-saúde, planos de saúde e assistência médica. Os objetivos da

legislação dos planos privados de saúde podem ser resumidos em seis pontos relevantes: o

primeiro, assegurar aos consumidores de planos privados de assistência à saúde cobertura

assistencial integral e regular as condições de acesso; o segundo, definir e controlar as

condições de ingresso, operação e saída das empresas e entidades que operam no setor; o

terceiro definir e implantar mecanismos de garantias assistências e financeiras que assegurem

a continuidade da prestação de serviços à saúde contratados pelos consumidores; o quarto, dar

transparência e garantir a integração do setor de saúde suplementar ao SUS e ao ressarcimento

dos gastos gerados por usuários de planos privados de assistência à saúde no sistema público;

o quinto, estabelecer mecanismos da abusividade de preços e o sexto, definir o sistema de

regulamentação, normatização e fiscalização do setor de saúde suplementar. 23 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Curso de Direito de Saúde Suplementar. Manual Jurídico de Planos e

Seguros de Saúde. São Paulo: MP Editora, 2006. p. 142.

34

Maury Ângelo Botessini e Mauro Machado, analisando o conteúdo da norma em

estudo, ensinam:

A lei avança para restringir e regulamentar relacionamento dos profissionais de saúde com pessoas jurídicas e entidades de autogestão inicialmente referidas como destinatárias da lei, quando afirma que ‘a manutenção de relacionamento de contratação, credenciamento ou referenciamento com número ilimitado de operadoras, sendo vedado às operadoras, independentes de sua natureza jurídica constitutiva, impor contratos de exclusividade ou de restrição à atividade profissional’ e entrega parte da fiscalização que toca à ANS a esses profissionais quando afirma que, ‘a partir de 3 de dezembro de 1999, os prestadores de serviço ou profissionais de saúde não poderão manter contrato, credenciamento ou referenciamento com operadoras que não tiveram registros para funcionamento e comercialização conforme previsto nesta Lei, sob pena de responsabilidade por atividade irregular’, a teor do parágrafo único do art. 18 da Lei 9.656/1.998.24

Desta forma, a referida lei objetivou coibir abusos e garantir ao beneficiário um

conjunto mínimo de serviços que deve ser posto à sua disposição. Assim, proibiu a operadora

de planos de saúde celebrar contratos de exclusividade e determinou a obrigatoriedade de seu

registro para funcionamento e comercialização, sob pena de responsabilização por atividade

irregular.

Do estudo da lei dos planos de saúde, observa-se que as operadoras que mantêm

sistemas de assistência à saúde devem ofertar plano ou seguro-referência que assegure

atendimento ambulatorial, hospitalar e obstétrico. O objetivo ao criar a obrigatoriedade de

ofertar o plano ou seguro-referência, foi o de impedir que as operadoras atuassem, tão-

somente, em seguimentos lucrativos.

Nesse plano ou seguro-referência, há cobertura em relação a todas as doenças

inseridas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados

com a Saúde da OMS, inclusive transtornos psiquiátricos, menos para os procedimentos

relacionados no art. 1025 da Lei 9656/98.

24 BOTESINI, Maury Ângelo; MACHADO, Mauro Conti. Leis dos Planos e Seguro de Saúde. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2005. p. 49. 25 Art. 10: “É instituído o plano ou seguro-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-

hospitalar-odontológica, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria ou centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças relacionadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto: I - tratamento clínico ou cirúrgico experimental;

35

A boa compreensão das causas que levaram o legislador a instituir o plano de

referência, verdadeiro plano básico, leva a conclusão de que existe uma gradação das

necessidades dos usuários dos planos privados de assistência à saúde, cada um deles com um

plano específico, adaptado para permitir acesso às redes que interessam a cada um desses

segmentos.

Assim, a Lei 9656/98, veda a existência de cláusula excludente de cobertura às

doenças constantes da classificação da OMS – Organização Mundial da Saúde e põe fim a

inúmeros conflitos decorrentes de cláusulas de exclusão de doenças, como a Aids.

Isso, contudo, não impede a existência de cláusula de exclusão de cobertura às

doenças preexistentes à data da contratação dos planos de saúde. Porém a lei, limitou a

validade temporal dessa cláusula a vinte e quatro meses após a vigência do contrato e

transferiu para a operadora o ônus de provar o conhecimento prévio, pelo beneficiário, da

doença.

A lei estabelece outros direitos aos titulares dos planos e seguros privados de

assistência à saúde, independente da cobertura contratada. A carência, isto é, o prazo mínimo

de tempo e prestações para usufruir dos serviços assegurados, não pode ultrapassar a trezentos

dias para partos e a cento e oitenta dias para os demais casos. Em situações de urgência e

emergência o prazo de carência é reduzido para vinte e quatro horas. É a própria norma que

define os casos de urgência como sendo os que implicarem risco imediato de vida ou de

lesões irreparáveis para o paciente e os casos de urgência como os resultantes de acidentes

pessoais ou de implicações no processo gestacional.

II - procedimentos clínicos ou cirúrgicos para fins estéticos, bem como órteses e próteses para o mesmo fim; III - inseminação artificial; IV - tratamento de rejuvenescimento ou de emagrecimento com finalidade estética; V - fornecimento de medicamentos importados não nacionalizados; VI - fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar; VII - fornecimento de próteses, órteses e seus acessórios não ligados ao ato cirúrgico; IX - tratamentos ilícitos ou antiéticos, assim definidos sob o aspecto médico, ou não reconhecidos pelas autoridades competentes; X - casos de cataclismos, guerras e comoções internas, quando declarados pela autoridade competente. § 1º. As exceções constantes dos incisos I a X serão objeto de regulamentação pelo CONSU. § 2º. As operadoras definidas nos incisos I e II do § 1º do art. 1º oferecerão, obrigatoriamente, a partir de 3 de dezembro de 1999, o plano ou seguro referência de que trata este artigo a todos os seus atuais e futuros consumidores. § 3º. Excluem-se da obrigatoriedade a que se refere o § 2º deste artigo as entidades ou empresas que mantêm sistemas de assistência à saúde pela modalidade de autogestão e as empresas que operem exclusivamente planos odontológicos. § 4º. A amplitude das coberturas, inclusive de transplantes e de procedimentos de alta complexidade, serão definidos por normas editadas pelo CONSU.”

36

A Lei 9.656/98 trouxe várias conquistas sociais, mas, em que pese adotar a

heterorregulação do Poder Público para o mercado, encontra-se mais voltado para um sistema

econômico-empresarial elitista do que para um modelo que prime pela utilização dos planos

como instrumento garantidor de acesso a saúde, temas que serão apontados no decorrer deste

trabalho.

2.2 DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR

A Lei de Planos de Saúde disciplinou uma série de regras, regulando tanto a relação

jurídica de direito privado entre o beneficiário e a operadora de planos de saúde quanto a

relação jurídica de direito público destas com o Estado. Neste contexto foi criada a Agência

Nacional de Saúde Suplementar (ANS) pela Lei 9.961, de 28 de janeiro de 2000.

A ANS é uma autarquia criada sob regime especial, sendo uma pessoa jurídica de

direito público integrante da Administração Indireta, cuja finalidade é promover a defesa e a

higidez do mercado de saúde suplementar.

Leonardo Vizeu Figueiredo acentua que:

É de ressaltar que, em 2004, em virtude da liminar concedida em sede de Medida Cautelar nos autos da ADIn n° 1.931-8/DF, diversos agentes do mercado aplicaram reajuste, nos contratos celebrados anteriormente à Lei de Planos de Saúde, na ordem de 80%. Diante de tal fato, a ANS em litisconsórcio ativo com a União e o Ministério Público Federal ajuizou Medida Cautelar preparatória de Ação Civil Pública, obtendo provimento liminar no sentido de limitar o reajuste ao percentual autorizado pelo ente regulador. Todavia, em 2005, a ANS celebrou termos de compromisso e de ajustamento de conduta com as referidas empresas, autorizando aumento percentual residual nos planos celebrados anteriormente à lei.26

A respeito da edição da lei, que criou a ANS, Leonardo Vizeu Figueiredo, esclarece:

[...] diante da alta complexidade da matéria, de necessidade de especialização da atividade reguladora, de se aliar a regulação econômica à social, bem como do expressivo aumento do número de consumidores de

26 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Curso de Direito de Saúde Suplementar. Manual Jurídico de Planos e

Seguros de Saúde. São Paulo: MP Editora, 2006. p. 148.

37

seguros e planos privados de assistência à saúde, foi necessário a criação de um ente próprio, voltado unicamente para este mercado de relevante interesse coletivo para a sociedade brasileira.27

Nessa linha de pensamento o autor conclui: “Destarte, foi concebida a Agência

Nacional de Saúde Suplementar, via Medida Provisória, reeditada pelas Medidas Provisórias

nºs 2.003-1 e 2.012, todas de 1.999, posteriormente convertida em lei nº 9.961/00”.28

As prioridades da ANS foram definidas a partir de um foco: a defesa dos interesses

dos idosos de planos de saúde oferecidos pelas empresas do setor, segundo as próprias

palavras do Diretor Presidente da ANS, Januário Montone, citado por Fabiana Ferron:

O usuário do sistema de saúde é o segmento mais vulnerável nesta relação – tem pouco controle sobre as variáveis chaves do seu relacionamento com as empresas do setor: não tem instrumentos de coibir os abusos que contra ele são cometidos, tem baixa capacidade de negociação por não estar institucionalmente articulado e pouco pode influir nas questões referentes à melhoria de qualidade do atendimento de saúde.29

A ANS encontra-se estruturada para executar as missões institucionais e suas

atribuições legais, devidamente elencadas nos artigos 1º a 4º da Lei 9.961/0030, bem como nos

termos de seu Regulamento Interno, Resolução Normativa nº 81/04, nos seguintes órgãos de

especialização, que são os seguintes: a) diretoria colegiada que é o órgão superior deliberativo

e decisório da ANS, tendo como principal atribuição, entre outras, atuar como última

instância recursal administrativa, desenvolver o planejamento estratégico da ANS para o

mercado, editando, inclusive, normatização específica para tanto; b) diretoria de

desenvolvimento setorial que é o órgão de direção da ANS encarregado de representar

interesses do Estado no processo de regulação. Compete, entre outras atribuições, coordenar

as atividades de integração de informações e ressarcimento ao SUS, adotar medidas

necessárias a estimular a competição no setor de planos privados de assistência à saúde,

27 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Curso de Direito de Saúde Suplementar. Manual Jurídico de Planos e

Seguros de Saúde. São Paulo: MP Editora, 2006. p. 148. 28 Ibidem, p. 148. 29 FERRON, Fabiana. Planos Privados de Assistência à Saúde: Lei nº 9.656, de 3 de Junho de 1998. São Paulo:

Universitária de Direito, 2001. p. 26. 30 Art 1º: “É criada a Agência Nacional de Saúde Complementar – ANS, autarquia sob regime especial,

vinculada ao Ministério da Saúde, com sede e foro na cidade do Rio de Janeiro – RJ, prazo de duração indeterminado e atuação e, todo o território nacional, como órgão de regulação, normatização, controle e fiscalização das atividades que garantam a assistência suplementar à saúde. Parágrafo Único. A natureza de autarquia especial conferida à ANS é caracterizada por autonomia administrativa, financeira, patrimonial e de gestão de recursos humanos, autonomia nas suas decisões técnicas e mandato fixo de seus dirigentes.”

38

incentivar a melhoria da qualidade de serviços de assistência à saúde complementar, pesquisar

e estudar formas de estímulos à competição no setor de planos privados de assistência à

saúde; c) diretoria de normas e habilitação das operadoras que é o órgão de direção ao qual

incumbe representar os interesses das entidades que operam no mercado de suplementação

privada dos serviços de saúde; d) diretoria de normas e habilitação de produtos que é o órgão

de direção encarregado de representar a segmentação dos operadores dos prestadores de

serviços médicos; e) diretoria de fiscalização que é o órgão de direção encarregado de

representar os interesses dos beneficiários dos planos privados de assistência à saúde, ou seja,

dos consumidores; competindo-lhe, entre outras atribuições, planejar, coordenar e controlar as

atividades de fiscalização do mercado de saúde suplementar; aplicar as penalidades pelo não

cumprimento da lei 9.656 e de sua regulamentação, no que concerne aos aspectos econômico-

financeiros das operadoras e aos aspectos assistências e preços do produto; por fim a diretoria

de gestão que é o órgão de direção responsável diretamente pela logística e infra-estrutura da

ANS, tendo como principal missão garantir a autonomia financeira do órgão.

2.3 CONCEITO DE CONTRATO DE PLANO PRIVADO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE

O legislador preocupado em regulamentar todas as atividades de financiamento

privado da saúde apresentou a seguinte definição do contrato de plano privado de assistência à

saúde, no Inciso I do art. 1º da LPS:

Plano Privado de Assistência à Saúde: prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais a preço pré ou pós-estabelecido, por prazo indeterminado, com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, assistência à saúde, pela faculdade de acesso e atendimento por profissionais ou serviços de saúde, livremente escolhidos, integrantes ou não de rede credenciada, contratada ou referenciada, a ser paga integral ou parcialmente às expensas da operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador, por conta e ordem do consumidor.

O presente trabalho tratará tão somente do contrato de plano de assistência à saúde,

apesar da Lei 9.656/98 cuidar também dos seguros de saúde.

Com o advento da Lei n° 10.185/01, as seguradoras de saúde passaram ao campo de

incidência da Lei de Planos de Saúde e, consequentemente, ao controle de ANS.

39

O contrato de plano privado de assistência à saúde pode ser conceituado como um

pacto celebrado entre a entidade e o usuário, no qual este se obriga ao pagamento de

contraprestação pecuniária e periódica, ao passo que aquele se obriga a disponibilizar o

atendimento em rede médica especializada, bem como arcar com o ônus financeiro, tão-

somente, nas hipóteses em que ocorram eventuais enfermidades contratualmente cobertas.

As administradoras de planos de saúde funcionam como intermediárias e gestoras.

Possuem função distributiva, alocando a cada usuário parte suficiente da receita capaz de

cobrir os riscos contratados. Possuem o caráter de mutualidade, no sentido de solidariedade,

dependendo da coletividade na constituição de um fundo, sem o qual não assumiriam os

riscos, que permite, simultaneamente, individualizar as relações com os usuários de planos

privados de assistência à saúde.

Os planos de saúde limitam o usuário do plano de saúde à utilização dos

profissionais e estabelecimentos credenciados pela operadora, envolvendo os contratos de pré-

pagamento e normatizado CONSU – Conselho de Saúde Suplementar, órgão colegiado do

Ministério da Saúde, com o auxílio da ANS com funções definidas na Lei 9656/98.

A grande relevância, pública e social, dos planos privados de assistência à saúde

motivou a criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar e, como já estudado, com a

finalidade de promover a defesa do interesse público na assistência suplementar à saúde,

regulando as atividades das operadoras setoriais.

A Lei 9656/98 transformou todas as empresas em operadoras de serviços de

assistência à saúde. Assim, dependendo do modo de organização das pessoas jurídicas

privadas, prestadoras de serviços de saúde, temos três tipos de fornecimento dos serviços de

saúde: planos privados fechados de assistência à saúde, planos abertos de assistência à saúde e

seguros privados de assistência à saúde.

Os planos fechados de assistência à saúde são autogeridos por empresa, grupo de

empresas, associações, sindicatos e entidades de classes profissionais, e destinam-se

exclusivamente a empregados ativos, aposentados, pensionistas e ex-empregados,

participantes de associações, sindicatos ou entidades de classes profissionais, bem como seus

respectivos parentes, consangüíneos e afins até o terceiro grau.

40

Os planos privados abertos de assistência à saúde podem ser ofertados por pessoas

jurídicas, que podem adotar qualquer forma jurídica de constituição.

Assim, o legislador houve por bem disciplinar os planos privados de assistência à

saúde, nos termos da Lei 9.656/98, cujo objetivo é coibir os abusos e garantir aos usuários um

conjunto mínimo de serviços que deve ser posto à sua disposição, obrigando, desta forma, as

operadoras de planos a ofertar e prestar um mínimo de serviços.

Tem-se que partir da premissa de que a saúde é uma questão social, não pode ser

tratada como um bem diferenciado porque estamos falando do direito à vida, direito e garantia

fundamental consagrado no artigo 5º da Constituição Federal31 e o exercício do comércio

nesta área deve estar atento a essas diferenças.

2.4 REGIMES OU TIPOS DE CONTRATAÇÃO DE PLANO PRIVADO DE

ASSISTÊNCIA À SAÚDE

O artigo 16, inciso VII, da Lei 9.656/98 estabelece que os contratos, regulamentos ou

condições gerais dos produtos oferecidos pelas operadoras de planos de saúde devem indicar

com clareza o regime ou tipo de contratação.

A Resolução Consu 14, de 04.11.1998, dispõe sobre a definição das modalidades de

planos ou seguros sob o regime de contratação individual ou coletiva, e regulamenta a

pertinência das coberturas às doenças e lesões preexistentes e a exigibilidade dos prazos de

carência nessas modalidades e assim discorre no artigo 1°:

Art. 1° Classifica para fins de contratação dos planos ou seguros de assistência à saúde a serem comercializados pelas operadoras, visando a aplicação das disposições contidas nos dispostos no art. 11, art. 12, inciso V, art. 13, art. 16 e art. 35-H da Lei 9.656/98, segmentando-os em: a) contratação individual ou familiar; b) contratação coletiva empresarial; e c) contratação coletiva por adesão.

31 Constituição Federal, artigo 5º “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,

garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida [...].”

41

2.4.1 Plano Individual e Plano Familiar

Plano individual é o contrato celebrado entre um indivíduo e uma operadora de

planos de saúde para prestação de serviços médicos ao titular do plano.

O artigo 2° da Consu 14, de 04.11.1998 conceitua: “Entende-se como planos ou

seguros de assistência à saúde de contratação individual, aqueles oferecidos no mercado para

a livre adesão de consumidores, pessoas físicas, com ou sem seu grupo familiar”.

Plano familiar é o contrato celebrado entre o titular e a operadora de planos de saúde

para prestação de serviços médicos ao titular e aos seus dependentes, para assistência e de

seus dependentes.

O parágrafo único do artigo 2° da resolução Consu 14 assim conceitua: “Parágrafo

único. Caracteriza-se o plano como familiar quando facultada ao contratante, pessoa física, a

inclusão de seus dependentes ou grupo familiar”.

Tanto o plano individual quanto o familiar é oferecido no mercado para a livre

adesão dos usuários.

2.4.2 Plano Coletivo por Adesão

Trata-se de plano opcional oferecido por uma pessoa jurídica, a qual congrega uma

determinada categoria, unida por vínculo empregatício, associativo ou sindical com o

contratante, aos seus respectivos membros. Neste caso, cada indivíduo tem o direito de livre

escolha para aderir ou não ao plano de assistência à saúde oferecido pela operadora. Pode ser:

a) com instância decisória: contrato coletivo em que o grupo de beneficiários nomeia uma ou

mais pessoas, diretoria, para representá-lo nas decisões a serem tomadas perante a operadora e

o plano; b) sem instância decisória: contrato coletivo em que as decisões a serem tomadas são

votadas por cada membro do grupo de beneficiários. Todo componente de grupo que compõe

um plano coletivo sem instância decisória tem direito a participar das deliberações a serem

tomadas, mediante sufrágio universal.

42

A resolução Consu 14, no artigo 4° assim determina:

Art. 4° Entende-se como plano ou seguro de assistência à saúde, de contratação coletiva, por adesão, aquele que embora oferecido por pessoa jurídica para massa delimitada de beneficiários, tem adesão apenas espontânea e opcional de funcionários, associados ou sindicalizados, com ou sem a opção de inclusão do grupo familiar ou dependente, conforme caracterizado no parágrafo único do art. 2°.

2.4.3 Plano Coletivo Empresarial

Contrato coletivo é o celebrado por determinada categoria profissional, em relações

derivadas do trabalho. Na área da saúde são considerados planos ou seguro de assistência à

saúde, de contratação coletiva empresarial, aqueles que oferecem cobertura à população

delimitada, e seus dependentes legais, vinculadas à pessoa jurídica mediante relação de

trabalho, associativa ou sindical. Sua adesão é automática, verificando-se a partir da data de

admissão no emprego ou filiação na entidade.

É o que estabelece o artigo 3º da Resolução Consu 14, de 04.11.1998:

Art. 3° Entende-se como planos ou seguros de assistência à saúde de contratação coletiva empresarial, aqueles que oferecem cobertura da atenção prestada à população delimitada e vinculada a pessoa jurídica. § 1° O vínculo referido poderá ser de caráter empregatício, associativo ou sindical. § 2° O contrato poderá prever a inclusão dos dependentes legais da massa populacional vinculada de que trata o parágrafo anterior. § 3° A adesão deverá ser automática na data da contratação do plano ou no ato da vinculação do consumidor à pessoa jurídica de que trata o caput, de modo a abranger a totalidade ou a maioria absoluta da massa populacional vinculada de que trata o § 1º deste artigo.

Nessa modalidade não há liberdade de adesão, sendo a entrada no plano de forma

compulsória a todos os membros da coletividade congregada pelo contratante.

Leonardo Vizeu Figueiredo observa que: “Os planos coletivos foram percussores e

inauguraram o setor de suplementação privada de serviços de saúde, sendo responsáveis,

ainda, por grande parte do atendimento da demanda do mercado”.32

32 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Curso de Direito de Saúde Suplementar. Manual Jurídico de Planos e

Seguros de Saúde. São Paulo: MP Editora, 2006. p. 187.

43

Esse plano de contratação coletiva, embora oferecido por pessoa jurídica para massa

delimitada de beneficiários, tem adesão apenas espontânea e opcional de inclusão do grupo

familiar ou dependentes.33

Subdividem-se em:

a) plano coletivo empresarial sem patrocinador: é aquele contratado por pessoa jurídica, em

que a contraprestação pecuniária seja integralmente paga pelo beneficiário diretamente à

operadora.

b) plano coletivo empresarial com patrocinador: é aquele em que a parcela da

contraprestação é suportada por uma entidade, que pode ser, por exemplo, o empregador.

2.5 ESPÉCIEIS DE PLANO PRIVADO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE QUANTO AO TIPO

DE COBERTURA ASSISTENCIAL

A cobertura assistencial é a denominação dada ao conjunto de direitos (tratamentos,

serviços, procedimentos médicos, hospitalares) a que o usuário faz jus pela contratação,

33 “Há que se pontuar algumas considerações a respeito do plano individual, familiar, coletivo por adesão e

coletivo empresarial ventilada no artigo 5° da Cons 14, de 04.11.1998: “Art. 5° A contratação de plano ou seguro de assistência à saúde nas segmentações definidas em conformidade com esta Resolução, no que se refere às coberturas de doenças preexistentes e aos períodos de carência, deverá observar as seguintes condições: I- N plano ou seguro de assistência à saúde sob o regime de contratação individual ou familiar, poderá haver cláusula de agravo ou cobertura parcial temporária, em caso de doenças ou lesões preexistentes, nos termos de Resolução específica, além de ser facultada a exigência de cumprimento de prazos de carência nos termos da Lei 9.656/98. II- No plano ou seguro de assistência à saúde sob o regime de contratação coletiva empresarial, com número de participantes maior ou igual que 50 (cinqüenta), não poderá haver cláusula de agravo ou cobertura parcial temporária, nos casos de doenças ou lesões preexistentes, nem será permitida a exigência de cumprimento de prazos de carência. III- No plano ou seguro de assistência à saúde sob o regime de contratação coletiva empresarial, com número de participantes menor que 50 (cinqüenta), poderá haver cláusula de agravo ou cobertura parcial temporária, em casos de doenças ou lesões preexistentes, nos termos de Resolução específica, porém não será permitida a exigência de cumprimento de prazos de carência. IV- No plano ou seguro de assistência à saúde sob o regime de contratação coletiva por adesão, com número de participantes maior ou igual que 50 (cinqüenta), não poderá haver cláusula de agravo ou cobertura parcial temporária, nos casos de doenças ou lesões preexistentes, nos termos de Resolução específica e poderá ser considerada a exigência de cumprimento de prazos de carência. V- No plano ou seguro de assistência à saúde sob o regime de contratação coletiva por adesão, com número de participantes menor que 50 (cinqüenta), poderá haver cláusula de agravo ou cobertura parcial temporária em casos de doenças ou lesões preexistentes, nos termos de Resolução específica, e a exigência de cumprimento de prazos de carência”.

44

individual ou coletivo, sendo obrigatório constar de forma clara no contrato a cobertura

assistencial que está sendo oferecida.

A lei não proíbe, contudo, a comercialização de planos com cobertura e

características superiores às do plano-referência, com aqueles com diferentes acomodações ou

com cobertura para procedimentos não-obrigatórios, como, por exemplo, as cirurgias

estéticas.

Existem dois tipos de cobertura:

a) integral do plano-referência;

b) integral por segmento (ambulatorial, hospitalar, hospitalar com obstetrícia ou

odontológico).

No exercício de suas atribuições, o CONSU regulamentou o artigo 12 da Lei

9.656/98 e para efeitos da resolução entende-se como segmentação cada um dos tipos de que

trata o artigo 12 da Lei 9.656/98 (artigo 2° da resolução).

2.5.1 Plano Referência

Instituído no artigo 10 da Lei 9.656/98, que a operadora de plano de saúde deve

oferecer, obrigatoriamente, aos consumidores um plano-referência, um padrão de assistência

médico-hospitalar que garante assistência nos segmentos ambulatorial, hospitalar e hospitalar

com obstetrícia em todo o território brasileiro, com padrão de acomodação em enfermaria.

Afirma Luiz Antonio Rizzatto Nunes:

Andou bem o legislador neste ponto. De fato, criando-se um modelo-padrão, é possível aos consumidores fazer opção mais consciente dentre as ofertas existentes, como da mesma forma poderão as entidades de defesa do consumidor e as autoridades públicas avaliar preços fixados, custos alegados e a qualidade dos serviços prestados, o que, evidentemente, também facilita a escolha do consumidor.34

34 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários à Lei Privada de Assistência à Saúde. São Paulo: Saraiva,

2000. p. 26.

45

Maury Angelo e Mauro Conti propõem a leitura do artigo 10 da Lei de Plano de

Saúde da seguinte forma:

É instituído o plano-referência de assistência à saúde – para tratamento – das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art.12 desta Lei. – O plano-referência deve ser oferecido – com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos e tratamentos com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar – segundo as normas e padrões de tais serviços – realizados exclusivamente no Brasil.35

São excluídos do plano tratamento clínico ou cirúrgico experimental; procedimentos

clínicos ou cirúrgicos para fins estéticos, bem como órteses e próteses para o mesmo fim;

inseminação artificial; tratamento de rejuvenescimento ou de emagrecimento com finalidade

estética; fornecimento de medicamentos para tratamento domiciliar; fornecimento de próteses,

órteses e seus acessórios não ligados ao ato cirúrgico.

O plano-referência é o produto que todas as operadores devem ofertar aos usuários

sob pena de não obterem registro para funcionamento, conforme relata § 2° do artigo 10 da

Lei 9.656/98.

A expressão “atuais” inserida no § 2° do artigo 10 da Lei 9.656/98 foi suspensa por

força da liminar deferida pelo Ministro Nelson Jobim em Ação Direta de

Inconstitucionalidade 1931/98, proposta pela Confederação Nacional da Saúde. Diante da

suspensão da vigência da expressão, as operadoras ficaram dispensadas da obrigatória oferta

do plano-referência.

O plano-referência não faz qualquer limitação para os atendimentos de urgência e

emergência, após 24 horas da contratação, mesmo que o usuário esteja cumprindo prazo de

carência, salvo nos casos de lesões ou doenças preexistentes, entendendo estas como

moléstias e enfermidades que o consumidor tenha ciência de ser portador no momento da

contratação.

35 BOTTESINI, Maury Angelo; MACHADO, Mauro Conti. Lei dos Planos e Seguros de Saúde. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2005. p. 76.

46

As operadoras poderão oferecer combinações diferentes, como: plano com cobertura

ambulatorial mais cobertura hospitalar com obstetrícia ou o plano com cobertura hospitalar

mais cobertura odontológica. Cabe ao consumidor escolher produto que oferecer mais

vantagens.

Nessa modalidade são proporcionadas as coberturas relacionadas para o plano com

cobertura ambulatorial somadas às previstas para o plano com cobertura hospitalar com

obstetrícia, constantes da legislação e do rol de procedimentos médicos.

É unânime o entendimento dos doutrinadores no sentido de que a intenção do

legislador, ao criar o plano-referência, foi a de oferecer uma modalidade básica que permitisse

clara visualização do preço e da quantidade de serviços, assegurando ao consumidor a

possibilidade de comparação e análise dos produtos oferecidos pelas operadoras dos planos de

saúde.

A formulação da política de saúde, a cargo do CONSU e da ANS, resultou a extensa

Resolução Consu 10, de 04.11.1998, que se reporta ao contido nos arts. 10 e 12 da Lei

9.656/98. Assim aduz o artigo l° desta resolução: “Art. 1° O Rol de Procedimentos Médicos,

anexo a esta Resolução, deverá ser utilizado como referência de cobertura pelas operadoras de

planos e seguros privados de assistência à saúde de que trata os arts. 10 e 12 da Lei 9.656/98.

O artigo 3° desta resolução determina: “As operadoras de planos e seguros privados

de assistência à saúde poderão, além do plano-referência, oferecer alternativamente os planos

ou seguro Ambulatorial, Hospitalar com Obstetrícia, Hospitalar sem Obstetrícia, Plano

Odontológico e suas combinações”.

2.5.2 Plano Ambulatorial

O artigo 4° da Resolução Consu 10, de 04.11.1998 determina:

Art. 4° O Plano Ambulatorial compreende os atendimentos realizados em consultórios ou ambulatório, definidos e listados no Rol de Procedimentos, não incluindo internação hospitalar ou procedimentos para fins de diagnóstico ou terapia que, embora prescindam de internação, demandem o

47

apoio de estrutura hospitalar por período superior a 12 (doze) horas, ou serviços como de recuperação pós-anestésica, UTI, CETIN e similares, observadas as seguintes exigências: I- cobertura de consultas médicas, em número ilimitado, em clínicas básicas e especializadas, inclusive obstétricas para pré-natal, reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina; II- Cobertura de serviços de apoio diagnóstico, tratamentos e demais procedimentos ambulatoriais, incluindo procedimentos cirúrgicos ambulatoriais, solicitando pelo médico assistente, mesmo quando realizados em ambiente hospitalar, desde que não caracteriza como internação conforme preceitua o caput deste artigo; III- cobertura de atendimentos caracterizados como de urgência e emergência que demandem atenção continuada, pelo período de até 12(doze) horas, conforme Resolução específica do Consu sobre os casos de urgência e emergência; IV- cobertura de remoção, após realizados os atendimentos classificados como urgência ou emergência, quando caracterizada pelo médico assistente a falta de recursos oferecidos pela unidade para a continuidade de atenção ao paciente ou pela necessidade de internação; V- cobertura para os seguintes procedimentos considerados especiais:

a) hemodiálise e diálise peritonial – CAPD; b) quimioterapia ambulaorial; c) radioterapia (megavoltagem, cobaltoteapia, cesioterapia, eletronterapia etc.); d) hemoterapia ambulatorial; e) cirurgias oftalmologias ambulatoriais. Parágrafo único. Para fins de aplicação do art. 10 da Lei 9.656/98, consideram excluídos: a) procedimentos diagnósticos e terapêutica em hemodinâmica; b) procedimentos que exijam forma de anestesia diversa da anestesia local, sedação ou bloqueio; c) quimioterapia intra-tecal ou as que demandem internação; d) radiomoldagens, radioimplantes e braquiterapia; e) nutrição enteral ou parenteral; f) embolizações e radiologia intervencionista.

Estão contidos nesta categoria de atendimento aqueles realizados em consultório

(consultas) ou ambulatório (procedimentos ambulatoriais), definidos e alistados no rol dos

procedimentos médicos, inclusive exames. Por ambulatorial entende-se o atendimento

(curativos, primeiros socorros, pequenas cirurgias, exames, etc.), a enfermos que podem se

locomover por meios próprios, sem a intervenção de terceiros. Este tipo de plano não cobre

internação hospitalar.

Por tantas exclusões é um plano mais barato, por isto esta forma de segmentação não

inclui internação e muitas vezes o paciente é transferido para rede pública.

48

2.5.3 Plano Hospitalar sem Obstetrícia

Outra opção de plano segmentado, que assegura ao usuário os atendimentos

realizados sob regime de internação hospitalar, isto é, atendimentos nos quais os enfermos

necessitam ser acomodados no nosocômio para tratamento efetivo ou apenas em observação.

E, por conseqüência, este plano não inclui cobertura ambulatorial, conforme regulamenta o

inciso II do artigo 12 da Lei 9.656/98.

O artigo 5° da Resolução Consu 10, de 04.11.1998, aduz:

Art. O Plano Hospitalar compreende os atendimentos em unidade hospitalar definidos na Lei 9.656/98, não incluindo atendimentos ambulatoriais para fins de diagnóstico, terapia ou recuperação, ressalvado o disposto no inciso II deste artigo e os atendimentos caracterizados como de urgência e emergência, conforme Resolução específica do Consu sobre urgência e emergência, observadas as seguintes exigências: I- cobertura de cirurgias odontológicas buco-maxilo-facial que necessitem de ambiente hospitalar; II- cobertura para os seguintes procedimentos considerados especiais cuja necessidade esteja relacionada a continuidade da assistência prestada a nível de internação hospitalar:

a) hemodiálise e diálise peritonial – CAPD; b) quimioterapia; c) radioterapia incluindo radiomoldagem, radioimplante e braquiterapia; d) hemoterapia; e) nutrição parenteral ou enteral; f) procedimentos diagnósticos e terapêuticos em hemodinâmica; g) embolizações e radiologia intervencionista; h) exames pré-anestésicos ou pré-cirúrgicos; i) fisioterapia; j) acompanhamento clínico no pós-operatório imediato e tardio dos pacientes submetidos a transplante de rim e córnea, exceto medicação de manutenção. Parágrafo único. Para fins de aplicação do art. 10 da Lei 9.656/98, consideram excluídos: a) tratamentos em clínicas de emagrecimento (exceto para tratamentos da obesidade mórbida), clínicas de repousa, estâncias hidrominerais, clínicas para acolhimento de idosos e internações eu não necessitem de cuidados médicos em ambiente hospitalar; b) transplantes à exceção de córnea e rim; c) consultas ambulatoriais e domiciliares; d) atendimento pré-natal quando não incluir a cobertura obstétrica”.

49

2.5.4 Plano Hospitalar com Obstetrícia

Compreende os atendimentos realizados durante internação hospitalar e os

procedimentos relativos ao pré-natal e à assistência ao parto. Regulamentado no inciso III do

artigo 12 da Lei 9.656/98, bem como no artigo 6° da Resolução Consu 10, de 04.11.1998, que

assim determina:

Art. 6° Plano Hospitalar incluindo atendimento obstétrico compreende toda a cobertura definida no art. 5° desta Resolução, acrescida dos procedimentos relativos ao pré-natal, da assistência ao parto, observadas as seguintes exigências: I- cobertura assistencial ao recém-nascido, filho natural ou adotivo do consumidor ou de seu dependente, durante os primeiros 30 (trinta dias) após o parto; II- opção de inscrição assegurada ao recém-nascido, filho natural ou adotivo do consumidor, no plano ou seguro como dependente, isento de cumprimento dos períodos de carência, desde que a inscrição ocorra no prazo máximo de 30 (trinta dias) do nascimento.

2.5.5 Plano Odontológico

Regulamentado no inciso IV do artigo 12 bem como no artigo 7° da Resolução

Consu 10, de 04.11.1998 ao determinar:

Art. 7° O Plano Odontológico, compreende todos os procedimentos realizados em consultório, incluindo Exame Clínico, Radiologia, Prevenção, Dentística, Endodontia, Periodontia e Cirurgia. Parágrafo único. Os procedimentos buco-maxilares e aqueles passíveis de realização em consultório, mas que, por imperativo clínico necessitem de internação hospitalar, estão cobertos, somente nos planos hospitalar e referência.

2.6 CARACTERÍSTICAS DOS CONTRATOS DE PLANOS PRIVADOS DE

ASSISTÊNCIA À SAÚDE

2.6.1 Características Específicas

O estudo dos planos de saúde revela que os serviços têm sido oferecidos sob diversas

formas. Não é tão simples definir um único tipo de contrato como sendo o principal.

50

Nos vários serviços que oferecem garantia de cobertura financeira de riscos de

assistência à saúde, Antônio Joaquim Fernandes Neto, fundamentado na norma, destaca as

seguintes características36:

a) Prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais – Estão sob a força da LPS tanto as empresas que prestam diretamente, de forma continuada, os serviços de assistência à saúde quanto as que se limitam a cobrir custos assistenciais. b) Preço pré ou pós-estabelecido – É indiferente que os preços dos serviços de assistência a saúde seja estabelecidos previamente ou durante o curso do contrato ou mesmo após a execução dos mesmos. c) Prazo indeterminado – As administradoras de planos privados de assistência à saúde estão obrigadas a firmar contratos por tempo indeterminado. É o que se extrai da interpretação dos arts. 1º, inc. I, 13, inc. I. O primeiro fala expressamente em “prazo indeterminado”. Já o art. 13 e seu inc. I estabelecem que os contratos têm “renovação automática a partir do vencimento do prazo inicial de vigência”, o qual será de um ano no mínimo. d) Garantia de Assistência à saúde – A finalidade dos contratos é sempre a cobertura de riscos de assistência à saúde. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, o conceito de saúde vai além da simples ausência de doenças e de outros agravos. Saúde é completo bem-estar , físico, mental e social. A referência à assistência médica, hospitalar e odontológica não reduz o objeto dos planos de assistência à saúde. e) Limite financeiro – Nos planos de saúde, a cobertura financeira de riscos de assistência à saúde não pode ser limitada, Submetem-se, porém, à lei alguns produtos que se diferenciam da atividade exclusivamente financeira por força do inc. I, que trata dos produtos equiparados a planos de assistência à saúde. Um bom exemplo são os produtos que oferecem apenas descontos nos preços dos serviços oferecidos pela rede credenciada ou referenciada. f) Acesso a profissionais e serviços – A assistência à saúde inclui tanto o acesso a profissionais liberais quanto aos diversos serviços de assistência médica, hospitalar e odontológica, entre outros. g) Liberdade de escolha – Reivindicada pelos consumidores e por profissionais liberais da área de saúde, a liberdade de escolha dos serviços encontra limitações na maioria dos contratos em face do oferecimento de rede credenciada, contratada ou referenciada. h) Pagamento – O pagamento pode ser feito integral ou particularmente pela operadora contratada, mediante reembolso ou pagamento direto ao prestador.

36 FERNANDES NETO, Antônio Joaquim. Plano de Saúde e Direito do Consumidor. Belo Horizonte: Del Rey,

2002. p. 130-131.

51

2.6.2 Onerosidade

Outra característica identificada pela doutrina nos contratos de planos de saúde é a

sua onerosidade. Concorrendo com o Sistema Único de Saúde, que deve prover gratuitamente

os serviços de assistência à saúde, as operadoras de planos de saúde são instituições de direito

privado e utilizam, para alcançar os seus objetivos, contratos onerosos nos quais o usuário, ou

alguém por ele, paga pelos serviços.

Onerosidade é o contrato que, necessariamente, envolve pagamento pecuniário,

sucessivo e mensal, de uma parte contratante à outra. O inadimplemento não autoriza a

suspensão ou a interrupção do atendimento, tampouco a rescisão unilateral, dos planos de

assistência à saúde, que somente poderá ocorrer mediante autorização expressa da ANS,

precedida do devido processo administrativo.

Mesmo nos casos em que o plano é empresarial, custeado totalmente pela empresa, o

contrato é oneroso. Nesses casos, não há sacrifício patrimonial do usuário, mas a empresa

patrocinadora paga à operadora de planos de saúde e, conforme a lição de Orlando Gomes37:

“que a vantagem seja do contraente ou de terceiro é irrevelante”. Acresce lembrar que o plano

de saúde, nesses casos, corresponde a um salário indireto, pois decorre do vínculo trabalhista.

A onerosidade tem reflexos na interpretação do contrato. Nos contratos gratuitos, os

benefícios sujeitam-se à interpretação estrita, não comportando que se extraía do texto mais

do que o sentido literal das palavras.

2.6.3 Sinalágma

Outro aspecto importante no estudo do negócio jurídico que vincula o usuário de

plano de saúde à operadora de plano de saúde é a correlação existente entre obrigações

assumidas por cada uma das partes, responsável pelo caráter sinalagmático do contrato.

37 GOMES, Orlando. Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 73.

52

Contratos sinalagmáticos, também chamados bilaterais ou de prestações correlatas,

são segundo Orlando Gomes38: “uma obrigação é a causa, a razão de ser, o pressuposto da

outra, verificando-se interdependência essencial entre as prestações”.

A obrigação do titular, que deve pagar mensalmente as prestações pecuniárias à

operadora de plano de saúde, corresponde à obrigação desta, de prover assistência à saúde nos

termos previstos no contrato.

Também deve haver correspondência entre o valor pago pelo titular e o serviços

oferecidos no plano de saúde. A lei determina que toda operadora ofereça o plano-referência,

mas permite que sejam vendidos os planos restritos nas modalidades ambulatorial, hospitalar

sem obstetrícia, hospitalar com obstetrícia e odontológico.

O valor da prestação individual fixada para cada beneficiário deve ser suficiente para

cobrir os riscos incluídos no contrato. Caso a prestação mensal do consumidor seja

insuficiente, os custos da operadora serão superiores à sua receita, levando-a à insolvência.

Em face da natureza dos bens protegidos pelo contrato de assistência à saúde (vida,

integridade corporal, psíquica), a jurisprudência apontou a ocorrência de abuso em algumas

cláusulas de suspensão de cobertura nos casos de inadimplemento, e as regras de julgamento

adotadas foram positivadas na regulamentação dos planos de saúde.

A proibição da recontagem de carências, pela LPS, art 13, parágrafo único, I, tem

origem a decisões judiciais que consideravam abusivas as cláusulas que estabeleciam a

reabertura de carências nos casos de inadimplemento por parte do contratante. Assim, por

exemplo, se o usuário de plano de saúde efetuasse com atraso o pagamento da prestação

devida à operadora do plano de saúde, seus direitos e benefícios ficariam suspensos por

período igual ao do atraso.

38 GOMES, Orlando. Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 71.

53

2.6.4 Forma Especial

No direito privado, a liberdade das formas é a regra. Basta o consentimento das

partes para que ocorra a formação do vínculo contratual. Excepcionalmente, nos casos

expressos em lei, a validade dos negócios jurídicos depende de forma especial. A forma

especial visa a ampliar a segurança das partes e, quando exigida, constitui requisito de

validade do contrato39.

No caso dos planos de saúde, o legislador optou pela forma especial fixando,

inclusive, algumas cláusulas e condições que obrigatoriamente devem ser inseridas nos

respectivos instrumentos. A leitura do texto da lei dos planos de saúde, no artigo 16, mostra

que se trata de contrato solene, concluído por escrito. Assim dispõe a Lei:

Art. 16. Dos contratos, regulamentos ou condições gerais dos planos e seguros tratados nesta Lei devem constar dispositivos que indiquem com clareza: I - as condições de admissão; II - o início da vigência; III - os períodos de carência para consultas, internações, procedimentos e exames; IV - as faixas etárias e os percentuais a que alude o caput do art. 15; V - as condições de perda da qualidade de beneficiário ou segurado; VI - os eventos cobertos e excluídos; VII - as modalidades do plano ou seguro:

a) individual; b) familiar; ou c) coletivo;

VIII - a franquia, os limites financeiros ou o percentual de co-participação do consumidor, contratualmente previstos nas despesas com assistência médica, hospitalar e odontológica; IX - os bônus, os descontos ou os agravamentos da contraprestação pecuniária; X - a área geográfica de abrangência do plano ou seguro; XI - os critérios de reajuste e revisão das contraprestações pecuniárias. XII - número do certificado de registro da operadora, emitido pela SUSEP. § 1º. A todo consumidor titular de plano individual ou familiar será obrigatoriamente entregue, quando de sua inscrição, cópia do contrato, do regulamento ou das condições gerais do plano ou seguro privado de assistência à saúde, além de material explicativo que descreva, em linguagem simples e precisa, todas as suas características, direitos e obrigações.

39 GOMES, Orlando. Contratos. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999. p. 77.

54

2.6.5 Longa Duração

O vínculo jurídico que se estabelece entre a operadora de plano de saúde e o usuário

é classificado como contrato de execução continuada, o qual se opõe ao contrato instantâneo,

cuja prestação pode ser realizada em um só instante.

Aquele que contrata um plano de saúde não o faz porque eventualmente está doente.

A maioria dos usuários goza de boa saúde no momento da celebração do contrato e sua

vontade é assim permanecer. O objetivo do contrato é a cobertura de riscos futuros com

assistência à saúde. Daí o interesse em que a relação contratual perdure por longos anos e, se

possível, toda a vida.

As administradoras de planos de assistência à saúde estão obrigadas a firmar

contratos por tempo indeterminado. A lei garante ao contratante o direito à renovação

automática a partir do vencimento do prazo inicial de vigência, o qual será de um ano, no

mínimo (LPS, art. 1340), razão pela qual são contratos cativos de longa duração.

2.6.6 Catividade

Entre as características dos contratos de planos de saúde inclui-se a catividade,

categoria identificada pela professora Cláudia Lima Marques41 entre os contratos de longa

duração. Há uma relação de dependência dos usuários em face da operadora de planos de

saúde.

Os serviços de assistência à saúde são cada vez mais caros e complexos, inacessíveis

à renda da maior parte dos indivíduos e famílias, que é obrigada a confiar nas promessas de

segurança contra riscos que a levou a contratar um plano de saúde.

40 Art. 13: “Os contratos de planos e seguros privados de assistência à saúde têm renovação automática a partir

do vencimento do prazo inicial de vigência, não cabendo a cobrança de taxas ou qualquer outro valor no ato da renovação.”

41 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O novo regime das relações contratuais. 4. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 79.

55

Estes contratos baseiam-se mais na confiança, no convívio reiterado, na manutenção

do potencial econômico e da qualidade dos serviços, pois trazem implícita a expectativa de

mudanças das condições sociais, econômicas e legais na sociedade nestes vários anos de

relação contratual. A satisfação da finalidade perseguida pelo titular e dependente, por

exemplo, (futura assistência médica para si e sua família) depende da continuação da relação

jurídica entre contratantes, de continuação da relação jurídica fonte das obrigações. A

capacidade de adaptação, de cooperação entre contratantes, de comunicação da relação

contratual é aqui essencial, básica42.

Eis que, o rápido desenvolvimento das chamadas “ciências da vida” tem provocado

grandes mudanças nos serviços de assistência à saúde, com impacto sobre os seus custos e

sobre as condições de vida. O desenvolvimento de novas práticas médicas, medicamentos e

sistemas de diagnóstico interferem na execução dos contratos de plano de saúde, exigindo

ajustes permanentes. Os custos podem cair, com a erradicação de algumas doenças, ou elevar-

se, com a necessidade de novos medicamentos.

Modifica-se igualmente o perfil dos grupos cobertos. O controle da natalidade e a

ampliação de vida provocam o crescimento da quantidade de idosos e a alteração na

proporção entre as diversas faixas etárias da coletividade coberta.

Não é simples para o usuário trocar de plano de saúde sem sofrer prejuízos

decorrentes da necessidade de cumprimento de novas carências. Os valores pagos não são

devolvidos nem podem ser levados para outro plano de saúde, mesmo que a utilização dos

serviços de saúde tenha sido mínima ou nem tenha chegado a ocorrer efetivamente.

Essa dependência do usuário em relação à operadora de plano de saúde é mais um

motivo a justificar a intervenção do Estado no financiamento privado da saúde. Os grandes

fundos, formados com a poupança de milhares de cidadãos, têm poder para impor sua vontade

àqueles que aderem a seus planos de saúde e responsabilidade social de prover a cobertura de

riscos aos mais caros bens da personalidade.

42 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O novo regime das relações

contratuais. 4. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 79.

56

2.6.7 Prestação Aleatória

As prestações onerosas são aleatórias ou comutativas. Contratos aleatórios são

aqueles “em que a extensão das prestações de uma ou de ambas as partes não é certa, porque

depende de acontecimentos delas ignorados43”. Na dogmática dos planos de saúde, um dos

aspectos mais enfatizados é o caráter aleatório do contrato, restrito à necessidade da prestação

ao usuário. Não há incerteza quanto à natureza e à qualidade da prestação, mas tão somente

quanto à sua necessidade.

Trata-se de obrigação de risco para a empresa, isto é, de probabilidade de perda

concomitante à probabilidade de lucro. Nos períodos em que o beneficiário não se valer dos

serviços à sua disposição, a margem de lucro será alta. Todavia, nos períodos de

sinistralidade, esta poderá ser reduzida, chegando até mesmo ao ponto da empresa registrar

prejuízo.

A preocupação com esse ponto decorre da crença generalizada de que os contratos de

planos de saúde são aleatórios, capaz de induzir em erro o intérprete da lei. Nesse sentido, a

afirmação taxativa de Arnaldo Rizzardo, que classifica os contratos de assistência à saúde

como essencialmente aleatórios porque “o ganho ou perda dos contratantes dependerá de

circunstâncias futuras e incertas44”

Não se pode dizer que o usuário do plano de saúde obtém “vantagem” quando fica

doente e utiliza os serviços de assistência à saúde. Tampouco há efetivo prejuízo para a

operadora de plano de saúde, que está obrigada a calcular corretamente o custo dos riscos

cobertos.

43 BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado. 4. ed. Rio de Janeiro:

Francisco Alves, 1934. v. 4. p. 293. 44 RIZZARDO, Arnaldo. Planos de assistência e seguros de saúde. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.

p. 19.

57

3 CONFLITO DE LEIS NO TEMPO E DO DIREITO ADQUIRIDO

3.1 CONFLITO DE LEIS NO TEMPO

Os planos de saúde por muitos anos permaneceram ausentes de regulamentação

especifica e os usuários viram-se durante este tempo beneficiados pelo Código de Defesa do

Consumidor. Com isso indagamos por qual lei o contrato de plano de saúde deve ser regulado,

pela lei específica, a Lei 9.658/98 ou pelas regras do Código de Defesa do Consumidor? Com

a entrada em vigor da lei de planos de saúde, que trata especificamente da matéria, como

ficam os contratos avençados antes e após à vigência da lei 9.656/98? Aplicando o Código de

Defesa do Consumidor, qual o fundamento utilizado pelo intérprete?

Tem-se que partir da premissa de que a saúde é uma questão social, não pode ser

tratada como um bem diferenciado porque estamos falando do direito à vida, direito e garantia

fundamental consagrado no artigo 5º da Constituição Federal 45 e o exercício do comércio

nesta área deve estar atento a essas diferenças.

Os tribunais têm partido da premissa de que saúde é um bem cuja defesa não se

confunde com a defesa da propriedade e aplicam as regras da teoria contratual do Código de

Defesa do Consumidor que permitem a revisão das cláusulas contratuais.46 A Lei 9.656/98

dispõe em seu artigo 3º que a regulamentação dos planos privados de assistência à saúde não

exclui, no que couber, a regulamentação das Leis 8.078/90 e a 8.080/90. Depreende-se, pois,

que o adquirente de um plano de saúde é tido como consumidor possibilitando a aplicação dos

princípios contidos no Código de Defesa do Consumidor como princípios gerais.

45 Art. 5º: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e

aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida [...]”. 46 Decisão do STJ pela aplicação do Código de Defesa do Consumidor: Resp. 267530/SP de 14.12.2000, Min.

Ruy “Plano de saúde – Centro Trasmontano – Internação – Hospital não conveniado. O reembolso das despesas efetuadas pela internação em hospital não conveniado, pelo valor equivalente ao que seria cobrado por outro da rede, pode ser admitido em casos especiais (inexistência de estabelecimento credenciado no local, recusa do hospital conveniado de receber o paciente, urgência da internação etc.), os quais não foram reconhecidos nas instâncias ordinárias. A operadora de serviços de assistência à saúde que presta serviços remunerados à população tem sua atividade regida pelo Código de Defesa do Consumidor, pouco importando o nome ou a natureza jurídica que adota. Recurso não conhecido”.

58

A regulamentação dos contratos de planos de saúde, Lei 9.656/98, não evita o

surgimento de certas práticas abusivas, conferindo ao consumidor a garantia conferida pela

aplicação dos princípios do Código de Defesa do Consumidor.

Os contratos de plano de saúde são contratos de longa duração por envolver por

longo período um fornecedor e um consumidor e isso faz com que sejam editadas várias leis

que possam regular o contrato.

Sérgio Cavalieri Filho47 entende que o Código de Defesa do Consumidor é lei de

sobredireito e aplica-se em todos os ramos do direito desde que exista a relação de consumo.

Entende, pois, que os contratos continuam regulamentados pelas normas e princípios que lhe

são próprios mas subordinados ao Código de Defesa do Consumidor se presente a relação de

consumo.

Assim, considerando que o Código de Defesa do Consumidor surgiu para gerir as

relações de consumo e ainda pelo fato de ter origem constitucional (art. 5º, inciso XXXII e

art.170, inciso V) tem-se que sua aplicabilidade é inquestionável desde que presente a relação

de consumo, mesmo que exista lei específica tratando da matéria.

Deve ficar consignado a vedação da aplicação do Código de Defesa do Consumidor

quando envolvam interesses exclusivos de fornecedores e outros agentes de mercado, que não

esteja englobado interesse do consumidor. Porém, nem sempre deve esperar a figura do

destinatário final para visualizar a presença do consumidor. Assim, não se pode restringir a

aplicação do Código de Defesa do Consumidor apenas nas relações de consumo strictu sensu

porque existem determinadas práticas de mercado que fazem parte de uma relação de

consumo lato sensu. Sob este enfoque denota-se que o Código de Defesa do Consumidor, no

artigo 1748, protege as vítimas dos acidentes de consumo e no artigo 2949 as pessoas expostas

às práticas comerciais, equiparando-as na condição de consumidores. Este assunto é tratado

com mais detalhes no próximo capítulo.

47 CAVALIERI FILHO, Sérgio. A responsabilidade do incorporador/construtor no código do consumidor.

Ajuris – Revista da Associação dos Magistrados do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 2, p. 431, 1998. 48 Art. 17: “Para os efeitos desta Secção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.” 49 Art. 29: “Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas

determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.”

59

Neste sentido sustenta Oscar Ivan Prux50:

Dessa forma, concluímos, ser inquestionável que o CDC é aplicável à todos os casos em que haja relação de consumo stricto sensu e, de lege ferenda, que, inclusive contando com o auxílio das demais normas que, direta ou indiretamente, protegem o consumidor, deve ser aplicado também aos casos envolvendo relação de consumo lato sensu, quando estiver em jogo e busque-se proteger interesse do consumidor.

Nelson Nery51 defende:

O Código de Defesa do Consumidor, por outro lado, é lei principiológica [...] Todas as demais leis que se destinarem, de forma específica, a regular determinado setor das relações de consumo deverão submeter-se aos preceitos gerais da lei principiológica, que é o Código de Defesa do Consumidor.

Isso significa que a regra de que a lei especial derroga a geral não prevalece tendo

em vista que o Código de Defesa do Consumidor é não é apenas lei geral das relações de

consumo mas, também, lei principiológica, subordinando todas leis que regulem algum setor

da relação de consumo, presentes ou futuras, ao Código de Defesa do Consumidor.

3.2 DOS DIREITOS ADQUIRIDOS DOS USUÁRIOS DE PLANOS DE SAÚDE

Com a entrada em vigor da Lei 9656, em 04 de janeiro de 1999, o mercado brasileiro

começou a viver momentos de incertezas e iniciou pelas operadoras de planos de saúde uma

forte pressão aos consumidores de planos individuais e em grupo a aderir ao novo sistema.

A questão que surge é a respeito dos contratos de planos de saúde avençados anterior

e posterior a entrada em vigor da Lei 9656/98.

50 PRUX, Oscar Ivan. A Proteção do Consumidor na Prestação de Serviços. Tese - Pontifícia Universitária

Católica de São Paulo, São Paulo, 2001. p. 116. 51 NERY JUNIOR, Nelson. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. 8. ed. São Paulo: Forense

Universitária, 2004. p. 498.

60

Cláudia Lima Marques discorre que:

Face a reiterada jurisprudência brasileira, indiscutível, pois, hoje que aos contratos de seguro e planos de saúde assinados antes da entrada em vigor da nova lei (e suas modificações) aplica-se somente o Código de Defesa do Consumidor e a legislação anterior especial aos seguros. A aplicação retroativa a estes contratos da nova Lei 9.656/98 somente poderá se dar por força do próprio Código de Defesa do Consumidor, em um verdadeiro diálogo de fontes, como especificou Erik Jayme.52

Diálogo das fontes significa a aplicação simultânea das normas em conflito, sob a luz

das normas constitucionais e dos direitos humanos. Todas as leis participam do contexto.

A pluralidade de leis nos traz a idéia de conflito de leis no tempo e a necessidade de

buscar a solução deste “conflito” com a prevalência de uma lei sobre a outra e a conseqüente

exclusão da outra do sistema (abrogação, derrogação, revogação).

Em primeira análise os critérios para resolver os conflitos de leis no tempo seriam a

anterioriedade, especialidade e hierarquia. Ocorre que a doutrina atual busca mais harmonizar

as normas do que a exclusão.

O artigo 7º53 do Código de Defesa do Consumidor incorpora a possibilidade de

assegurar os direitos tutelados em leis especiais. Cuida-se, na verdade, de um microssistema

jurídico, tendo em vista que convive com outras leis especiais já preexistentes e às posteriores

à lei.

Ademais, caso a lei de planos de saúde pretendesse revogar algum direito do

consumidor teria que fazê-lo expressamente, o que inocorre. Assim, para os contratos

anteriores vige o Código de Defesa do Consumidor e os contratos formados na vigência na lei

dos planos de saúde devem ser interpretados à luz da defesa do consumidor, ou seja, a favor

do consumidor (artigo 47 CDC). É o denominado diálogo das fontes citado por Erik Jayme,

52 MARQUES, Cláudia Lima. Saúde e Responsabilidade: seguros e planos de assistência privada à saúde. São

Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 118. 53 Art. 7º: “Os direitos previstos neste Código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções

internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competente, bem como dos que derive dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade. Parágrafo único. Tendo mais de uma autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo”.

61

evitando o conflito entre leis, sempre lembrando que o Código de Defesa do Consumidor tem

origem constitucional (artigos 5°, inciso XXXII e 170, inciso V, da CF), sendo, pois, direito

fundamental e na hipótese de conflito este deve prevalecer.

A aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos anteriores recebe

agora uma nova luz com a definição de abuso e cláusulas abusivas trazidas pela nova lei e esta

é utilizada indiretamente para facilitar a aplicação das normas já existentes do Código de

Defesa do Consumidor.

Surge a questão de que os contratos anteriores à lei de planos de saúde possuem a

garantia constitucional do ato jurídico perfeito e direito adquirido.

Segundo o art. 6°,§ 2°, da Lei de Introdução ao Código Civil, conceitua-se

“ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou”. A

dúvida consiste em saber quando o ato está consumado. Consuma-se com seus efeitos, ter se

exaurido ou com seu nascimento? Assim, os efeitos já praticados regem-se sob a ótica da lei

antiga e os a serem produzidos sob a regência da lei nova? No segundo aspecto, ou seja, do

nascimento do contrato, tanto a sua formação quanto os efeitos consumados ou futuros serão

regulamentados pela lei antiga?

Os contratos de planos de saúde são contratos de trato sucessivo, mas também

consensual e é no momento em que se constitui que as partes manifestam o acordo de

vontades. Assim, os efeitos dos contratos devem ser regulados pela lei da época que foi

celebrado, mesmo que seus efeitos são manifestados na vigência de lei nova, até porque

desequilibraria a relação contratual, afrontando os direitos dos consumidores.

Importante esclarecer que a lei 9.656/98 é objeto a ação direta de

inconstitucionalidade n. 1.931-8/DF, com pedido cautelar, perante o Supremo Tribunal

Federal, ajuizada pela Confederação Nacional da Saúde – Hospitais, Estabelecimentos e

Serviços – CNS, requerendo a inconstitucionalidade dos dispositivos do art. 35, E e art. 10,

§ 2° da lei 9.656/98 e de alguns outros, sustentando a ofensa ao princípio do devido processo

legal e aos arts. 196 e 199 da Constituição Federal.

62

Em liminar, o Ministro Nelson Jobin, suspendeu a vigência do art. 35-E, I a IV, § 1°,

I a V, e § 2°, bem como a expressão “atuais e”, do § 2° do art.10 da Lei 9.656/98, sob

fundamento de que estes dispositivos, que tratam das regras de adaptação dos contratos

firmados antes da vigência de qualquer uma das disposições da Lei 9.656/98, violam os

princípios do direito adquirido e ato jurídico perfeito.

Neste contexto, os contratos assinados antes da nova lei não podem ser modificados

pelas regras ora impostas, sob pena de violação aos princípios do direito adquirido e ao ato

jurídico perfeito. Assim, a imposição no § 2º do art. 10 da Lei 9.656/98, obrigando à

operadoras de planos privados de assistência à saúde, a partir de 3 de dezembro de 1999, a

submeter os atuais usuários, subscritores de contratos anteriores, ao plano-referência, bem

como novas regras impostas no art. 35 da Lei 9.656/98, violam o mandamento constitucional

impostos no art. 5°, inciso XXXVI da CF. A retroatividade determinada por esses artigos faz

incidir regras na nova lei sobre cláusulas contratuais preexistentes firmadas sobre o regime

legal anterior, onde afronta o direito adquirido das partes contratante, mesmo nos contratos de

trato sucessivo.

A matéria é muito controvertida, Leonardo Vizeu Figueiredo tem se posicionado de

forma diferente ao esclarecer:

[...] o contrato de plano privado de assistência à saúde é uma obrigação de prazo indeterminado e um trato sucessivo cujos efeitos jurídicos não se esgotam, avançando no tempo, estes devem adequar-se às atualizações legislativas, respeitando-se, tão-somente, os efeitos já produzidos sob a vigência das normas anteriores. 54

A batalha a respeito do tema é árdua, foi editada a Lei 10.850, em 25.03.2004,

atribuindo competências à Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS e fixando as

diretrizes a serem observadas na definição de normas e programas especiais de incentivo às

adaptação de contratos anteriores à Lei 9.656/98, visando dar enquadramento legal para a

adaptação aos contratos celebrados antes da lei de planos de saúde com base nas novas regras.

54 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Curso de Direito de Saúde Suplementar. Manual Jurídico de Planos e

Seguros de Saúde. São Paulo: MP Editora, 2006. p. 173.

63

Esta confusão tem travado uma grande batalha judicial. As operadoras esperam a

inércia dos usuários e esperam a resposta do Poder Judiciário, que muitas vezes leva anos para

proferir uma solução e com isto as operadoras se beneficiam.

Maury Angelo Bottesini e Mauro Conti Machado preceituam:

O que é possível concluir, por ora, é que as regras de adaptação de contratos, vindas com o artigo 35-E não têm vigência, que as normas da Lei 10.850, de 25.03.2004 não resolveram o problema da adaptação daqueles firmados antes da vigência da Lei 9.656/1998 e mesmo daqueles firmados durante a vigência de formatações provisórias dessa lei, a definitiva dada pela M. Provisória 2.177/44 de 24.08.2001, e que as normas do Código de Defesa do Consumidor são extremamente desfavoráveis para as empresas de planos e seguros privados de assistência à saúde55.

A realidade traz muitas injustiças e ilegalidades tendo vários contratos, pactuados

antes da Lei 9.656/98, foram adaptados às novas regras. De qualquer sorte, o Poder Judiciário,

enquanto discute a legalidade da cláusula contratual, tem que ter em vista é de que está

tutelando a vida do usuários.

Nesse sentido, nulas são as cláusulas contratuais que excluem essas doenças,

podendo eximir-se apenas nas doenças relacionadas no mesmo artigo, nos incisos I a X.

Assim, no que tange aos contratos de plano de saúde, celebrados anteriormente à Lei 9.656/98

permanecem, como já citado, na égide da Constituição Federal e do Código de Defesa do

Consumidor e as cláusulas abusivas também são nulas.

Nesse sentido se manifestou o Supremo Tribunal Federal, ao tratar do AgIn 465.276-

4, julgado em 19.08.2003. A sentença que foi confirmada pelo aresto impugnado aplicou o

Código de Defesa do Consumidor a contrato firmado em 03.03.1997, anterior à Lei 9.656/98,

com base na interpretação de cláusulas contratuais. A controvérsia encontra óbice na Súmula

STF 454, também não dá margem ao cabimento do extraordinário por ser indireta a alegação

de ofensa ao art. 5°, inciso XXXVI, sob o argumento de violação ao ato jurídico perfeito.

55 BOTTESINI, Maury Angelo; MACHADO, Mauro Conti. Lei dos Planos e Seguros de Saúde. São Paulo:

Revista dos Tribunais, 2005. p. 325.

64

Neste sentido transcreve parte do acórdão:

[...] Se pela nova lei as restrições, fora daquelas mencionadas, são abusivas, há que se aplicar nos contratos anteriores a ela os arts. 51, caput, e § 1°, II, do CDC e acolher o pleito do autor para condenar a ré a suportar o ônus do procedimento indicado por seu médico. Ressalte-se, por fim, que, se a cláusula é abusiva frente ao CDC, prejudicado fica o exame da tese levantada pela ré, de ausência de urgência no procedimento solicitado.

E os contratos anteriores à vigência do Código de Defesa do Consumidor? Diante da

conclusão acima o ato jurídico perfeito dá-se com a formação do contrato. Este entendimento

é absoluto? Como ficaria o direito adquirido?

Cláudia Lima Marques et al. muito bem ponderam a respeito:

Ao garantir aos consumidores a sua defesa pelo Estado criou na Constituição uma antinomia necessária em relação a muitas de suas próprias normas, flexibilizando-as, impondo em última análise uma interpretação relativa dos princípios em conflito, que não mais podem ser interpretados de forma absoluta ou estaríamos ignorando o texto constitucional. Em matéria de conflitos de leis no tempo, todos os casos merecem uma ponderação tópica e cautelosa, ainda mais se envolvem direitos dos mais fracos.56

Assim, deve haver um meio termo e havendo incompatibilidade entre os princípios

do artigo 170, inciso V, da Constituição Federal, ou seja, defesa do consumidor, livre

iniciativa e autonomia da vontade, deve-se fazer uma conciliação entre eles a fim de buscar a

proteção do mais fraco na relação contratual.

Partindo da premissa de que a lei especial nova não revoga tacitamente a lei geral

anterior, tem-se que a lei especial nova regula a relação de consumo especial no que dispõe e

o Código de Defesa do Consumidor continua a regulá-la de forma genérica e nos pontos

omissos. O art. 2º da LICC aduz que lei especial nova traz normas mais específicas das

anteriores, mas compatíveis com as já existentes.

A problemática maior existe se houver incompatibilidade entre as normas do Código

de Defesa do Consumidor (geral) com a lei especial (Lei dos planos de saúde). Esta lei traz o

espírito de compatibilizar suas normas com as do Código de Defesa do Consumidor de forma

56 MARQUES, Cláudia Lima et al. Saúde e Responsabilidade: seguros e planos de assistência privada à saúde.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 140.

65

expressa no art.3º da Lei 9.658 de 03.06.1998. Ocorre que no artigo 35-G da mesma lei está

determinado que aplicam-se subsidiariamente57 aos contratos entre usuários e operadoras de

produtos de que tratam o inciso I e § 1° desta Lei, as disposições da Lei 8.078/90.

Cláudia Lima Marques et al.58 discorre a respeito e diz que o art. 35-G da lei especial

não está dogmaticamente correto, pois determina que norma de hierarquia constitucional, que

é o CDC (art.48 ADCT/CF88), tenha apenas aplicação subsidiária às normas de hierarquia

infraconstitucional, que à Lei 9.656/98, o que dificulta a interpretação da lei e prejudica os

interesses dos consumidores que queria proteger.

Assim, aplica-se simultaneamente o Código de Defesa do Consumidor como a Lei

9.656/98 aos contratos novos, no que couber. Citemos como exemplo a aplicação cumulativa

uma situação de um contrato novo, um consumidor de planos de assistência à saúde seja

lesado por erro médico ou falta de atendimento em hospital credenciado pela operadora. A lei

nova silencia a respeito da responsabilidade da operadora, porém a CDC determina a

responsabilidade solidária de todos os fornecedores (art. 14 e § 4º e art. 20 do CDC).

57 Nesse sentido Maury Ângelo Bottesini e Mauro Conti Machado: “O art. 35-G faz com que os dispositivos do

CDC integrem a Lei 9.656/1998, de forma subsidiária, o que equivale afirmar a complementariedade entre esses diplomas legais, incidindo o CDC naquilo que não seja objeto de regulação específica pela Lei 9.656/98”, obra citada, p. 333.

58 MARQUES, Cláudia Lima et al. Saúde e Responsabilidade: seguros e planos de assistência privada à saúde. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 122.

66

4 A RELAÇÃO DE CONSUMO NOS CONTRATOS DE PLANOS PRIVADOS DE

ASSISTÊNCIA À SAUDE

4.1 CONCEITO DE RELAÇÃO DE CONSUMO

Diferentemente de outros países, o Brasil optou pela criação de um Código para

regular tão-somente as relações de consumo entre fornecedores e consumidores, o que acabou

dando origem ao Código de Defesa do Consumidor.

O Código de Defesa do Consumidor é considerado como uma lei de função social

que consiste em um conjunto sistemático e logicamente ordenado de normas jurídicas e

princípios com objetivo de proteger um grupo específico e especial de indivíduos

denominados de consumidores e estabelece os fundamentos sobre os quais se edifica a relação

jurídica de consumo, de modo que toda e qualquer relação de consumo deve submeter-se a

principiologia nele disposta.

Analisando a legislação anterior a 1988, percebe-se que alguns dispositivos legais

tratavam da proteção do consumidor de maneira indireta, como por exemplo, a Lei dos

Crimes contra a Economia popular, porém, não existia nada de sistemático. Assim, pode-se

dizer que o direito das relações de consumo no Brasil nasceu com a Constituição da República

de 1988 que trouxe algumas regras a respeito do tema.

De acordo com a disposição expressa do artigo 1º59 do Código de Defesa do

Consumidor, sua criação consiste na realização de um direito fundamental elencado na

Constituição da República em seu artigo 5º, inciso XXXII, que dispõe sobre a proteção do

Estado em face dos consumidores, também no artigo 17060 que trata da ordem econômica,

dando fundamental importância à defesa do consumidor, e ainda no artigo 48 do Ato das

59 Art. 1º: “O presente Código estabelece normas e proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e

interesse social, nos termos dos arts. 5º, inc. XXXII, 170, inc. V, da CF e art. 48 de suas Disposições Transitórias”.

60 Art. 170: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] V- defesa do consumidor”.

67

Disposições Constitucionais Transitórias61 que identificou o consumidor como um agente a

ser necessariamente protegido de forma especial, através da elaboração da uma lei tutelar em

forma de Código, que acabou sendo instituído pela Lei 8.078, de 12 de setembro de 1990, e

entrou em vigor na data de 11 de março de 1991, tendo, portanto, origem eminentemente

constitucional.

A lei 8.078/90 que deu origem ao Código de Defesa do Consumidor, segundo

Rizzatto Nunes62 ingressou no sistema jurídico de forma horizontal, atingindo toda e qualquer

relação jurídica na qual se possa identificar num pólo o consumidor, e em outro, o fornecedor

transacionando serviços.

O objeto de regulamentação pelo Código de Defesa do Consumidor é a relação de

consumo, assim entendida a relação jurídica que possui como sujeitos um consumidor e um

fornecedor, tendo como objeto, a aquisição de um produto ou a utilização de um serviço, e

buscando-se uma finalidade, que seja a compra de um produto ou a prestação de serviços,

como destinatário final.

Assim, é de substancial importância trazer o conceito de relação de consumo para

determinar o alcance da aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos

privados de planos de saúde, tendo em vista que existe lei específica, n. 9.656/98, que regula a

matéria.

Roberto Senise Lisboa63 define relação de consumo como “vínculo jurídico por meio

do qual se verifica a aquisição pelo consumidor, de um produto ou de um serviço, junto ao

fornecedor”.

Apenas a relação de consumo terá a incidência do Código de Defesa do Consumidor.

A relação de consumo tem como elementos o fornecedor, o consumidor, produto ou serviço e

destinação final do bem da vida. Assim, imprescindível se faz uma análise de cada

componente dessa relação.

61 Art. 48 – “O Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará

código de defesa do consumidor.” 62 NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. O Código de Defesa do Consumidor e os Planos de Saúde: o que importa

saber. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 12, n. 48, p. 85-88, out./dez. 2003. 63 LISBOA, Roberto Senise. Relação de Consumo e Proteção Jurídica do Consumidor no Direito Brasileiro.

São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999. p. 5.

68

A relação de consumo deve ser analisada, segundo Oscar Ivan Prux, em dois

prismas:

a) o primeiro, de abrangência restrita às relações onde estejam presentes, concretamente, um fornecedor e um fornecimento a consumidor destinatário final (adquirente ou utente). A estas chamaremos relações de consumo stricto sensu; b) o segundo deles, envolvendo todas as práticas de mercado que vão desembocar no consumo do produto ou serviço por parte de um destinatário final, apenas que com a inafastável cautela de que para considerar-se essas relações como de consumo em sentido amplo, deve estar sendo protegido direito de consumidor. Ausente esse pressuposto, essas relações serão comerciais ou civis, mas não de consumo, seja em que sentido for. A essas relações que formam o contexto amplo de práticas ou ações que convergem para o fornecimento a consumidor, chamaremos relações de consumo em sentido amplo ou lato sensu.64

Daí a necessidade deste estudo, pode-se dizer que os contratos de planos de saúde

envolvem relação civil ou de consumo? Daí a necessidade e a importância da conceituação e

abrangência da relação de consumo.

Roberto Senise Lisboa observa:65

É descabida, portanto, a aplicação da legislação consumerista às relações jurídicas que não se encontrarem dotadas dos elementos subjetivos (fornecedor e consumidor) e objetivos (produto ou serviço), que a relação de consumo deve necessariamente conter, por força dos arts. 2° e 3° da Lei 8.078/90.

No conceito de relação de consumo foi adotada a teoria da causa, tornando-se

obrigatório o estudo da aquisição ou utilização do produto ou serviço. A destinação final é a

causa que serve de motivo da parte, autorizando, pois, a aplicação do Código de Defesa do

Consumidor e as normas de direito civil poderão se aplicadas subsidiariamente.

64 PRUX, Oscar Ivan. A Proteção do Consumidor na Prestação de Serviços. Tese - Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, São Paulo, 2001. p. 90. 65 LISBOA, Roberto Senise. Relação de Consumo e Proteção Jurídica do Consumidor no Direito Brasileiro.

São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999. p. 5.

69

4.2 ELEMENTOS SUBJETIVOS DA RELAÇÃO DE CONSUMO: FORNECEDOR E

CONSUMIDOR

O artigo 3º “caput” do Código de Defesa do Consumidor traz o conceito legal de

fornecedor, dispondo:

Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

Trata-se de uma definição ampla, na qual o fornecedor, nada mais é do que aquele

sujeito que dentro da relação de consumo, coloca produtos e serviços à disposição do

consumidor.

Assim, o sistema de proteção do consumidor considera fornecedores, todos aqueles

que participam da cadeia de fornecimento de produtos e de serviços, não importando sua

relação direta ou indireta, contratual ou extracontratual com o consumidor, daí advém à

solidariedade entre os participantes da cadeia, consoante os artigos 1866, 2067 e 14 “caput”68

do Código de Defesa do Consumidor.

As operadoras de planos privado de assistência à saúde, são pessoas jurídicas de

direito privado, com liberdade em sua organização societária, prestando serviços próprios ou

por intermédio de terceiros, mediante contraprestações pecuniárias, que compreende a

prevenção e o tratamento de doenças, a manutenção e a reabilitação da saúde. Sendo assim,

66 Art. 18: “Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos

vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.”

67 Art. 20: “O fornecedor de serviços responde pelos vícios de qualidade que os tornem impróprios ao consumo ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade com as indicações constantes da oferta ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha: I - a reexecução dos serviços, sem custo adicional e quando cabível; II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; III - o abatimento proporcional do preço.”

68 Art. 14: “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.

70

típicas prestadoras de serviço na relação de assistência à saúde, a teor do artigo 3º69 do Código

de Defesa do Consumidor.

O “caput” do art. 1° da Lei n. 9.656/98 dispõe:

Submetem-se às disposições desta Lei as pessoas jurídicas de direito privado que operam planos ou seguros privados de assistência à saúde, sem prejuízo do cumprimento da legislação específica que rege a sua atividade adotando-se, para fins de aplicação das normas aqui estabelecidas, as seguintes definições: [...] II- Operadora de Plano de Assistência à Saúde: pessoa jurídica constituída sob a modalidade de sociedade civil ou comercial, cooperativa, ou entidade de autogestão, que opere produto, serviço ou contrato de que trata o inciso I deste artigo.

Tem-se que ter em vista que no conceito de fornecedor devem estar presentes a

habitualidade e o lucro. A habitualidade não significa permanência temporal, basta a intenção

de realizar vários prestações de serviços no mercado. Em relação aos contratos de planos

privados de assistência à saúde destaca-se que o fornecedor contrata o fornecimento do

serviço com o consumidor, porém, a efetiva prestação se dará por intermédio de um terceiro e

todos são tidos como fornecedores.

As operadoras de planos privados de assistência à saúde, com liberdade de forma

societária, se dedicam a captar e administrar recursos necessários ao custeio de atividades de

assistência à saúde do consumidor, e podem prestar o serviço diretamente ou podem funcionar

como organizadora do serviço de saúde, subcontratando ou delegando a terceiros a efetiva

prestação do serviço.

O inc. II do art. 1° da Lei 9.656/98 determina que as operadoras de planos de saúde

podem apresentar-se sob forma de sociedade civil ou comercial, cooperativa ou entidade de

autogestão. O § 2° aduz que incluem as cooperativas e as empresas que mantêm sistemas de

assistência à saúde, pela modalidade de autogestão ou de administração.

69 Art. 3º: “Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como

os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.”

71

A Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, em 27 de outubro de 2000,

publicou a RDC (Resolução da diretoria colegiada) n.39, que, entre outras disposições,

classifica as operadoras nas seguintes modalidades: administradora; cooperativa médica;

cooperativa odontológica (assunto não tratado no presente trabalho); autogestão; medicina de

grupo; odontologia de grupo (não tratado no presente trabalho); filantropia e seguradora

especializada.

As administradoras são empresas que administram planos ou serviços de assistência

à saúde, sendo que, no caso de administração de planos, são financiadas por operadora, não

assumindo o risco decorrente da operação desses planos e não possuindo rede própria,

credenciada ou referenciada, de serviços médico-hospitalares ou odontológicos.

As empresas de administração de planos representam uma forma de retenção do risco

de despesas médico-hospitalares pela entidade na qual os custos de administração são

minimizados pela terceirização.

As empresas de administração não compartilham riscos com as patrocinadoras. Elas

podem utilizar uma rede de provedores comum para o atendimento de várias empresas

clientes, que pode ser modulada para o atendimento de demandas específicas, como a

inclusão, exclusão destes ou daqueles médicos, laboratórios e hospitais.

Cooperativa médica são as sociedades de pessoas sem fins lucrativos, constituídas

conforme o disposto na Lei 5.764, de 16 de dezembro de 1971, que, além dos serviços

próprios cooperados, operam também os chamados convênios médico-hospitalares, com rede

própria (artigo 12 RDC n. 39).

Na concepção deste segmento, os médicos são ao mesmo tempo sócios e prestadores

de serviços, recebendo proporcionalmente à sua produção, por tipo e qualidade de

atendimento. Também participam do rateio de resultado positivo, apurado ao final de cada

exercício. A Unimed do Brasil representa a quase totalidade das cooperativas do mercado.

As cooperativas médicas muitas vezes alegam que não deveriam se submeter aos

preceitos reguladores da ANS, por tratar-se de cooperativas e regidas por lei própria. Porém,

não tem fundamento jurídico, uma vez que existe mais de um dispositivo expresso na Lei

72

n.9.656/98 submetendo as cooperativas à suas disposições e, por conseguinte ao seu poder de

polícia a teor do que dispõe os arts. 1°, II c/c seu § 2° da Lei 9.656/98.

Autogestão são as que operam serviços de assistência à saúde ou empresas que, por

intermédio de seu departamento de recursos humanos ou órgão assemelhado,

responsabilizam-se pelo plano privado de assistência à saúde destinado, exclusivamente, a

oferecer coberturas aos empregados ativos, aposentados, pensionistas ou ex-empregados, bem

como a seus respectivos grupos familiares definidos, limitado ao terceiro grau de parentesco

consangüíneo ou afim, de uma ou mais empresas, ou ainda a participantes de dependentes de

associações de pessoas físicas ou jurídicas, fundações, sindicatos, entidades de classes de

profissionais ou assemelhados (artigo 14 da RDC n.39).

É um sistema fechado com público específico, vinculado a entidades públicas ou

privadas, podendo ter personalidade jurídica própria ou operar a assistência à saúde através de

órgão interno daquelas. A autogestão em assistência à saúde de seus beneficiários, reduzindo

os gastos decorrentes com a intermediação das empresas de plano de saúde do mercado.

Autogestão patrocinada é aquela na qual uma empresa ou entidade assume a

responsabilidade do pagamento de parte da contraprestação pecuniária, para garantir

assistência à saúde a seus servidores ou empregadores e ao grupo familiar respectivo.

Autogestão não-patrocinada é aquela em que os funcionários ou empregadores arcam com

todas as despesas e responsabilidades do programa de assistência à saúde.

As autogestões podem ser formadas por caixa de assistência; associações e

sindicatos; fundações; departamento de RH das empresas; patrocínio de repartições públicas e

de empresas privadas e podem ser criadas por condomínios, cooperativas, empregados de

qualquer empresa, profissionais de classe, caixas de assistência, associações, etc.

As empresas de autogestão se caracterizam pela não-comercialização de planos e

seguros de saúde no mercado, ao contrário das medicinas de grupo, cooperativas médicas e

seguradoras. Na verdade, não trata apenas de assistência médica, faz parte de um rol de

benefícios, é salário indireto e sua sistemática financeira difere de um plano de pré-

pagamento, em que o contratante paga um valor antecipadamente e pressupõe-se que está

contratando cobertura e na autogestão está-se captando poupança, como sistema de repartição

73

simples. No caso do plano coletivo próprio da autogestão, quando for corolário da relação

trabalhista entre patrão e empregado, não segue tal sistemática, sendo fruto de acordos e

negociações sindicais, devidamente registrados da Delegacia Regional do Trabalho.

Filantropias são entidades sem fins lucrativos que operam planos privados de

assistência à saúde e tenham obtido certificado de entidade filantrópica junto ao Conselho

Nacional de Assistencial Social (CNAS) e declaração de utilidade pública federal junto ao

Ministério da Justiça ou declaração de utilidade pública estadual ou municipal junto aos

órgãos dos governos estaduais e municipais.

Medicina de grupo é a empresa ou entidade que opera planos privados de assistência

à saúde, excetuando-se aquelas classificadas nas modalidades de administradora, cooperativa

médica, autogestão e filantropia. São empresas privadas, com fins lucrativos, responsáveis

pelo atendimento de pessoas oriundas de planos patrocinados pelas empregadoras ou

individualmente escolhidos pelos consumidores. Os usuários têm acesso à rede própria e

credenciada, e o uso de serviços não credenciados é previsto nos planos mais aros, implicando

o ressarcimento dos gastos.

Há um pluralismo de definições para consumidor no direito brasileiro. Embora o

Código de Defesa do Consumidor traga em seu bojo o conceito de consumidor como se

observa do art. 2º caput70 desse estatuto, em outros dispositivos traz outras definições, figuras

equiparadas ao consumidor, fornecendo, assim, quatro formas de definição de consumidor em

seus artigos 2° “caput” e parágrafo único; 17 e 29.

A definição de consumidor utilizada pelo Código de Defesa do Consumidor, em seu

art. 2° caput, é muito genérica, podendo abranger inclusive uma empresa (pessoa jurídica) que

adquirir produtos ou serviços como destinatária final, ou seja, visando lucro na relação.

No parágrafo único do art. 2°, o CDC equipara a consumidor todas as pessoas que

tenham intervindo nas relações de consumo, ainda que não determináveis. Neste caso, tem-se

a coletividade de pessoas, que tenha intervindo na relação de consumo.

70 “Art. 2°: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como

destinatário final”. Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”.

74

No art. 17 do CDC 71, encontram-se outro tipo de consumidor, qual sejam, as vítimas

do evento danoso. São consideradas consumidoras as pessoas que, embora não tenham

adquirido o produto ou serviço, sofreram acidentes em razão da utilização destes. Trata-se de

quem, não sendo parte na contratação, tenha sido injustamente atingido por uma relação de

consumo.

Ainda tratando do conceito de consumidor, o art. 29 do CDC72 equipara a estes todas

as pessoas, ainda que indetermináveis, expostas às práticas comerciais abusivas de

fornecedores. Trata-se do consumidor potencial, que mesmo sem estar ostentando a condição

de adquirente ou usuário do serviço, é considerado como tal, tendo em vista de estar exposto à

alguma prática ilícita do fornecedor nos atos que esse último pratica no mercado nas tratativas

do processo de fornecimento de serviços.

Analisando todas essas figuras comparadas a consumidor, percebe-se que o Código

de Defesa do Consumidor revê uma especial preocupação com os interesses difusos, coletivos

ou individuais homogêneos, protegendo não só um consumidor individual, mas uma massa de

consumidores.

Nos contratos de planos privados de saúde pode existir a figura que contrata e a

figura que utiliza, na qualidade de dependente. Assim, nas modalidades de plano familiar;

coletivo por adesão ou empresarial existe a figura do dependente que na verdade não contrata

com a operadora do plano de saúde, onde figura como fornecedora, apenas é usuário desta

relação contratual. Neste contexto a operadora, dentro da relação de consumo, caracteriza-se

como fornecedora. O titular, contratante do plano de saúde, é o consumidor. E os

dependentes? São considerados consumidores?

Como analisado, consumidor é a pessoa que adquire ou utiliza produto ou serviço

como destinatária final. O consumidor pode ser aquele que figura na relação jurídica, o

contratante, ou o utente do produto ou serviço. Inquestionável, pois, que os dependentes do

plano de saúde caracterizam-se como consumidores.

71 “Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.” 72 “Art. 29. “Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas

determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”.

75

O professor Oscar Ivan Prux observa que:

É freqüente encontrar-se na doutrina que não se deve conceituar consumidor, já que isso pode deixar de fora e eventualmente prejudicar muito deles, uma vez que ao determinar um padrão genérico e limitado de enquadramento, nem sempre se estará agasalhando adequadamente a todos os consumidores, conforme as características peculiares à individualidade de cada um deles.73

O mercado apresenta uma variação de consumidor, tendo em vista que existe

consumidor rico e o consumidor-pobre; o consumidor instruído e o analfabeto; o que necessita

de tutela especial e o apto a auto-tutelar-se, derivando falsa a análise que o coloca num

mesmo nível.

O conceito de consumidor trazido no “caput” do art. 2° do CDC, conhecido como

“stricto sensu” traz algumas discussões. O consumidor pode ser pessoa física ou jurídica,

adquirente ou usuário do produto ou serviço, mas sempre como destinatário final. Assim, a

pessoa jurídica ou física pode adquirir o serviço para si ou para outra pessoa, que o utilizará,

como no caso dos contratos de planos privados de assistência à saúde. Importante destacar

que os serviços não circulam, mas isso não significa que eles sejam prestados sempre a

destinatário final, como no caso de um advogado que contrata um serviço de eletricista para

ser executado em sua residência e o mesmo advogado contrata um serviço de eletricista para

arrumar seu computador, equipamento utilizado para o desempenho de sua atividade

profissional. E nesta última hipótese o advogado é consumidor?

As divergências doutrinárias e jurisprudências sobre o tema, cingem-se à

interpretação da expressão “destinatário final”. Cláudia Lima Marques identifica duas

correntes doutrinárias, os finalistas e os maximalistas. Para os finalistas a interpretação do

conceito de consumidor se faz de forma restrita, delimitando que é a parte vulnerável. Cláudia

Lima preceitua:74

Destinatário final é aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa jurídica ou física. Logo, segundo esta interpretação teleológica, não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de produção, levá-lo para o escritório ou residência, é necessário ser

73 PRUX, Oscar Ivan. A Proteção do Consumidor na Prestação de Serviços. Tese - Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, São Paulo, 2001, p. 57. 74 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. São Paulo: RT, 2004.

p. 253.

76

destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluído no preço final do profissional que o adquiriu.

Outro defensor desta corrente é José Geraldo Brito Filomeno75 onde ensina:

[...] o conceito de consumidor adotado pelo Código foi exclusivamente de caráter econômico, ou seja, levando-se em consideração tão somente o personagem que no mercado de consumo adquire bens ou então contrata a prestação de serviços, como destinatário final, pressupondo que assim age com vistas ao atendimento de uma necessidade própria e não para o desenvolvimento de uma outra atividade negocial [...].

Deste modo, o consumidor seria apenas aquele que adquire o bem para utilizá-lo em

proveito próprio, satisfazendo uma necessidade pessoal, e não para revenda, ou então, para

acrescentá-lo à cadeia produtiva. Tal interpretação restringe a figura do consumidor de forma

que estaria inserido apenas o não profissional, sob o argumento de que o Código de Defesa do

Consumidor, tem por objetivo tutelar de maneira especial, um grupo da sociedade que é mais

vulnerável, e por este motivo, restringe seu campo de aplicação àqueles que necessitam de

proteção, para que lhes seja assegurado um nível maior de proteção.

Sob a influência da doutrina francesa, os chamados finalistas, acabaram adotando

uma posição mais branda, na qual o Judiciário, reconhecendo a vulnerabilidade de uma

pequena empresa ou profissional que adquiriu um produto ou serviço fora do seu ramo de

atuação poderá conceder a aplicação das normas especiais do Código de Defesa do

Consumidor analogicamente a estes profissionais.

Já a teoria maximalista, na visão de Cláudia Lima Marques76 conceitua o Código de

Defesa do Consumidor, como um regulamento do mercado de consumo brasileiro, e não

apenas como normas orientadas para proteger somente o consumidor não profissional. Para os

maximalistas, o Código de Defesa do Consumidor, seria um Código Geral que institui normas

e princípios para todos os agentes do mercado, devendo o artigo 2º do Código de Defesa do

75 FILOMENO, José Geraldo Brito. Disposições Gerais. In: GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código

Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2001. p. 25.

76 MARQUES, Cláudia Lima. Contrato no Código de Defesa do Consumidor. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 254.

77

Consumidor ser interpretado mais extensivamente possível, para que possa ser aplicado a um

número cada vez maior de relações de mercado. Segundo esta ótica, a definição do artigo 2º

seria puramente objetiva, não importando se a pessoa física ou jurídica tem ou não fim de

lucro quando adquire um produto ou utiliza um serviço, podendo figurar ora como fornecedor,

ora como consumidor. Destinatário final seria o destinatário fático do produto, basta retirar o

produto ou serviço do mercado.

Prevalece a inclusão das pessoas jurídicas como consumidoras, com a ressalva de

que, somente incluem-se aquelas que se encaixam como destinatárias finais dos produtos e

serviços que adquirem, e não os utilizando como insumos necessários ao desempenho de sua

atividade lucrativa. Assim a interpretação do Código de Defesa do Consumidor ao contemplar

a pessoa jurídica como consumidora, deve ser analisada a cada caso concreto.

Transportadas para as relações que se estabelecem a partir dos contratos de planos de

saúde, a interpretação maximalista levaria o aplicador da lei a concluir que as operadoras de

planos de saúde são “consumidoras” porque adquirem serviços dos hospitais; que os hospitais

são “consumidores” de equipamentos médicos; que os médicos são “consumidores” dos

serviços de apoio diagnóstico.

É fácil perceber os inconvenientes de uma interpretação tão aberta. Com o tempo,

não haveria qualquer distinção entre uma relação de consumo e qualquer outra relação de

mercado. Daí a opção finalista, como dito acima, contrária à ampliação do conceito de

consumidor. Em principio, sustenta-se, consumidor é apenas aquele que adquire ou utiliza um

produto para seu uso doméstico, particular. Assim, a pessoa jurídica só será considerada

consumidora em situações muito especiais. Deve comprovar sua vulnerabilidade e demonstrar

que figurou na relação jurídica como destinatária final.

Não é apenas aquele que contrata, adquirindo o produto o serviço, que tem direito à

proteção como consumidor. O Código de Defesa do Consumidor contém, além do conceito

geral, inserido no “caput” o art. 2°, três outras definições que contemplam as situações de

“consumidor equiparado” ou “terceiros contratuais”, inseridos no parágrafo único do artigo

2º, juntamente com os artigos 1777 e 2978 do Código de Defesa do Consumidor. Nem sempre

77 Art. 17: “Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.” Tal norma

é considerada a mais geral das normas de extensão, uma vez que equiparada ao consumidor, a coletividade de

78

o usuário de plano de saúde é o contratante, porque pode esta na situação de dependente, é o

terceiro, é o filho do titular. Têm-se, ainda, a figura do representante do consumidor, como no

caso de uma empresa que contrata um plano coletivo. Verifica-se que neste caso o

consumidor não foi o contratante.

Muitas pessoas, grupos ou profissionais, podem intervir nas relações de consumo, de

modo, a ocupar uma posição de vulnerabilidade, mesmo não preenchendo as características de

um consumidor stricto sensu, e podem ser atingidas ou prejudicadas pelas atividades dos

fornecedores no mercado.

O conceito geral de consumidor insere-se na tradicional definição de relação jurídica,

na qual são claramente identificados os sujeitos, o objeto e o vinculo. No contrato de massa,

como no contrato de plano de saúde, nem sempre é possível identificar os sujeitos da relação.

Há interesses difusos e coletivos, cujo sujeito é indeterminado ou indeterminável.

Em muitas situações, o interesse individual do consumidor opõe-se ao interesse

transindividual da coletividade de consumidores, presentes (determinados) e futuros

(indeterminados), de um plano de saúde. Suponha-se, por exemplo, que um consumidor

deseja submeter-se a uma série de exames, sofisticados e caros, para avaliar suas condições de

saúde, com custeio por um plano coletivo. Os exames são pagos e apresentam resultados

negativos, mas continuando com sintomas da suposta doença, o consumidor decide repetir os

exames, duas ou três vezes, visando confirmar o resultado dos exames realizados e a

administradora nega-se a autorizá-los.

Há, nesse caso, além do conflito entre a operadora e o consumidor, o interesse

transindividual da coletividade de consumidores. A falta de critério no controle dos gastos

implica custos que serão rateados por todos. Não há como individualizar, em um ou mais

consumidores, o interesse na boa administração dos recursos destinados ao custeio da saúde

do grupo presente e dos potenciais aderentes. Assim, a “coletividade de pessoas, ainda que

indetermináveis”, é equiparada a um sujeito de direitos.

pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo”. Trata-se de uma coletividade de consumidores que se encontram em uma situação na qual poderão usar ou consumir, estabelecendo uma relação atual ou potencial fática, a qual requer uma valoração jurídica a fim de protegê-lo para evitar ou reparar danos sofridos.”

78 Art. 29: “Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”.

79

A tutela jurisdicional cabe, nesse caso, aos legitimados do art. 8279 do Código de

Defesa do Consumidor, ou seja, ao Ministério Público, a União, os Estados, os Municípios e o

Distrito Federal; aos órgãos de defesa do consumidor e às associações legalmente constituídas

que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses do consumidor.

O art. 17 do CDC, diz que são equiparadas a consumidoras, no caso de acidentes de

consumo, “todas as vítimas do evento”. A regra vale apenas para as situações em que a

responsabilidade do fornecedor decorre do fato do produto ou do serviço, ou seja, quando a

atividade causa danos a terceiros.

As regras sobre acidentes de consumo têm como objetivo garantir a integridade

corporal das pessoas e servem para a implementação do direito básico à segurança. Os

produtos e serviços devem ser seguros, não expondo riscos a segurança do consumidor e, da

mesma forma, a coletividade. Decorre desse dever geral de segurança a regra que amplia o

conceito de consumidor a todas as vítimas do evento que provoca danos. Nesse caso protege-

se não só o consumidor direto, aquele que adquire o produto ou serviço, como qualquer

pessoa que é atingida pelo defeito.

O exemplo clássico é o da responsabilidade do fabricante de autopeças pelo agravo à

saúde do pedestre atropelado por automóvel devido a uma falha mecânica. Um terceiro, que

não mantém vínculo contratual com o fabricante do produto defeituoso, pode valer-se da

proteção especial como se consumidor fosse. Se os serviços prestados pela operadora de plano

de saúde causam danos a terceiros por não apresentar a segurança que deles se espera, os

prejudicados são equiparados a consumidores.

O art. 29 do CDC equipara a consumidor “todas as pessoas expostas” a práticas

comerciais. Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin80 acentuam: “[...] são estas os

79 Art. 82: “Para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:

I- o Ministério Público; II- a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal; III- as entidades e órgãos da Administração Pública, direta ou indireta, ainda que sem personalidade jurídica, especificamente destinados à defesa dos interesses e direitos protegidos por este código; IV- as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este código, dispensada a autorização assemblear. § 1° O requisito da pré-constituição pode ser dispensado pelo juiz, nas ações previstas nos arts. 91 e seguintes, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.”

80 GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Comentado pelos autores do Anteprojeto. 8. ed. atul. e ampl. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2005. p. 242.

80

procedimentos, mecanismos, métodos e técnicas utilizados pelos fornecedores para, mesmo

indiretamente, fomentar, manter, desenvolver e garantir a circulação de seus produtos e

serviços até o destinatário final”.

Compreende na prática comercial o marketing, os arquivos de consumo, as cobranças

de divida, a garantia contratual (art. 50 do CDC), serviços pós-venda (art. 21 do CDC), por

exemplo. As práticas comerciais massificadas, com utilização de sofisticados meios de

comunicação, alcançam simultaneamente uma enorme quantidade de pessoas e podem afetá-

las de maneira positiva. Não é incomum que determinada ação de um agente econômico se

revele nociva, causando danos.

Além da possibilidade da tutela coletiva oferecida pela regra que equipara a

consumidor a “coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas

relações de consumo”, é possível a ação de indivíduos ou grupos de indivíduos em relação à

conduta do fornecedor que comete abusos em suas práticas comerciais.

Tem-se, como exemplo, o prejuízo causado por mensagem publicitária enganosa ou

abusiva; omissão de informação relevante, antes, durante ou após a contratação; ato que

revele tratamento desigual ou discriminatório; exploração da fraqueza ou ignorância do

consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social.

No caso dos planos de saúde, a Lei 9.656/98, traz algumas categorias de consumidor

cujo direito é objeto de proteção diferenciada, como no caso do trabalhador demitido, do

aposentado, e do dependente ou terceiro beneficiário, pessoa que tem direito às prestações

definidas no contrato, mas não figura como titular no negócio jurídico que se estabelece com

a operadora de plano de saúde.

O Código Civil nos arts. 1.471 a 1.476 traz a figura do beneficiário no contrato de

seguro de vida. Há liberdade para que o segurado institua ou substitua o beneficiário e a

previsão de que na falta de sua indicação, o “seguro será pago aos herdeiros do segurado”.

Trata-se de uma forma especial de estipulação em favor de terceiro (arts. 1.098 a 1.100 do

CC), ao qual é outorgada a faculdade de também exigir do segurador o cumprimento da

obrigação.

81

A lei de planos de saúde é omissa e não traz o rol de dependentes. A doutrina

considera a possibilidade de inclusão de familiares nos contratos de planos de saúde como

dependentes conforme depreende o § 4° art. 22681 e § 6° do art. 22782 da Constituição

Federal, regulado nos contratos.

Nos contratos de planos de saúde, o consumidor é o beneficiário do plano que

mediante uma remuneração, será o destinatário do serviço prestado visando a preservação de

sua saúde, e desta feita, à luz do Código de Defesa do Consumidor é considerado vulnerável,

em face da presunção legal ditada pelo artigo 4º, inciso I 83 da lei 8.078/90, merecendo assim

um tratamento diferenciado. Nestes contratos, em especial, o consumidor não participa da

elaboração dos ajustes, que são pré-estabelecidos unilateralmente pelo fornecedor, sob a

forma de contrato de adesão cabendo ao consumidor apenas aderir ou não àquelas cláusulas

previamente estipuladas.

O exame das regras estabelecidas para o consumidor-trabalhador indica que

predominou o interesse das empresas na definição do regime diferenciado que caracteriza a

segmentação denominada “contratação coletiva empresarial” (art. 16, VII, “b” da Lei

9.656/98). Neste caso a vinculação do consumidor será automática, na data da contratação do

plano (para o trabalhador ativo) ou do ato de celebração do contrato de trabalho entre o

beneficiário e a empresa ou instituição que patrocina o plano (para os novos empregados).

Surge a questão no caso em que ocorre a extinção do vínculo jurídico entre o

consumidor-trabalhador e a instituição que patrocina a contratação coletiva empresarial, em

decorrência da demissão sem justa causa ou morte. O art. 30 da Lei 9.656/98 assegura ao

consumidor “o direito de manter sua condição de beneficiário, nas mesmas condições de

cobertura assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho”. A lei

determina que o trabalhador seja contribuinte total (§ 6° do art. 30), continue contribuindo

81 Art. 226: “[...]

§ 4° Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.”

82 Art. 227: “[...] § “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.”

83 Art. 4º: “A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo.”

82

para manutenção do plano, limitação de prazo conforme determina o inciso I e § 1° do art. 30

da lei e ainda, a admissão do consumidor titular em novo emprego é motivo para sua exclusão

do plano de saúde.

Durante o período em que permanece vinculado ao plano de saúde após sua

demissão, o consumidor fica proibido de inscrever novos dependentes. A lei garante a

cobertura apenas ao “grupo familiar inscrito quando da vigência do contrato de trabalho”

(§ 2° do art. 30 da Lei 9.656/98).

Quanto ao aposentado a lei 9.656/98, no art. 31, limita seu direito, uma vez que

somente aquele que contribui durante mais de dez anos para a manutenção do plano de saúde

é que terá direito a manter-se como beneficiário “nas mesmas condições de cobertura

assistencial de que gozava quando da vigência do contrato de trabalho” e o trabalhador que

contribui por tempo inferior a dez anos tem o direito limitado “à razão de um ano para cada

ano de contribuição” e em qualquer situação o aposentado é obrigado a assumir o pagamento

integral do plano.

Denota-se, pois, que o Código de Defesa do Consumidor, diferentemente do Código

Civil, todos consumidores equiparados figuram como parte na relação contratual, tendo em

vista que consumidor não é apenas aquele que contrata serviço de plano de saúde, mas aquele

que utiliza, intervém ou seja exposto a esse serviço. Assim, a eficácia contratual é mais ampla

do que a relação contratual civil e modifica a regra de que o contrato apenas faz lei entre as

partes.

4.3 PRESTAÇÃO DE SERVIÇO

Os objetos da relação de consumo são o produto e o serviço. Resta esclarecer que o

objeto do contrato de plano de saúde é a prestação de serviço, daí a necessidade de trazer

alguns aspectos do conceito de classificação de serviços.

O Código de Defesa do Consumidor define serviço no § 2° do art. 3°: “Serviço é

qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de

83

natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de

caráter trabalhista”.

Serviço pode ser caracterizado por diversos tipos de atividades, como a de cunho

material (transporte, jardinagem, reparações de produtos, etc.), financeira (seguro, bancária) e

intelectual (consulta médica, jurídica, etc).

Informa Oscar Ivan Prux:

[...] a atividade que constitui o serviço, pode em certas circunstâncias, restringir-se apenas a feitura do contrato e ao pagamento do preço, não se podendo notar nenhum outro labor durante a contratação, como no caso dos seguros ou planos privados de assistência à saúde, quando o consumidor não sofre sinistro ou doença durante o período de vigência do contrato.84

O Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90, em seu parágrafo 1°, do artigo 3°,

considera produto como sendo qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial que se

incorpora ao patrimônio do consumidor. No parágrafo 2° do mesmo artigo define serviço

como sendo qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração,

inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes de

caráter trabalhista.

Denota-se, pois, que a prestação de serviço é forma de fornecimento de serviço em

relação de consumo, ou seja, existe dever contratual entre o contratante e o contratado, uma

vez que não envolve prestação de serviço oriundo de relações trabalhista.

É oportuno esclarecer que existem situações de difícil visualização, não sabendo

exatamente se o que é fornecido significa um produto ou um serviço, porque muitas vezes

tem-se uma mistura de prestação de serviço com entrega do produto, como por exemplo, a

realização de um quadro e sua entrega ao consumidor; contrato bancário, planos privados de

assistência à saúde, etc.

É importante ter em vista a diferença entre prestação de produto e prestação de

serviço porque existem algumas diferenças legais no tratamento conferido a elas. Porém,

durante o presente trabalho haverá, por alguns momentos, a inclusão dos produtos.

84 PRUX, Oscar Ivan. A Proteção do Consumidor na Prestação de Serviços. Tese - Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, São Paulo, 2001. p. 66.

84

Cláudia Lima Marques esclarece que prestação de serviço:

[...] é o negócio jurídico que propiciar ao titular ou que envolver a prestação de um fazer economicamente relevante, de um ato ou de uma omissão útil e interessante no mercado de consumo, de uma atividade remunerada direta ou indiretamente, um fazer imaterial e principal, que pode ou não vir acompanhado ou complementado por um dar ou pela criação ou entrega de um bem imaterial acessório a este fazer principal, fazer que é em verdade a causa de contratar e a expectativa legítima do consumidor frente ao fornecedor. 85

Deve ficar claro que a prestação de serviço prescinde de uma atividade humana, uma

vez que a prestação de serviço é a atividade e o serviço o objeto.

Oscar Ivan Prux, traz um rico conceito ao esclarecer:

Assim, atualmente, para o Direito do Consumidor, pode-se afirmar que “serviço” deve ser conceituado como qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, e consistente em um fazer ou em dispor para o consumidor, presente ou remotamente, direitos de uso ou mesmo um asseguramento de um fazer futuro (como por exemplo: assumir os ônus de um evento danoso tipo de acidente ou doença). 86

Denota-se, pois, que o objeto do contrato de planos privados de assistência à saúde é

a prestação de serviço, ou seja, a operadora fornece, ao adquirente ou ao usuário, serviços

médicos, hospitalares, conforme o tipo de plano.

4.4 OS PLANOS DE SAÚDE COMO CONTRATOS DE PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS

No gênero prestação de serviços, que, da mesma forma, se integra diferentes figuras

ou modalidades, permite-se ao contratante a disposição de força de trabalho, intelectual ou

física, de outrem, mediante remuneração.

85 MARQUES, Cláudia Lima. Proposta de uma teoria geral dos serviços com base no Código de Defesa do

Consumidor. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 33, p. 82, jan./mar. 2000. 86 PRUX, Oscar Ivan. A Proteção do Consumidor na Prestação de Serviços. Tese - Pontifícia Universidade

Católica de São Paulo, São Paulo, 2001. p. 66.

85

Em todos os diferentes setores de serviços, a tônica é também a contratação mediante

adesão, compreendendo-se extenso elenco, e, com ou sem documentação escrita. Pode-se,

perfazer-se mediante ação pessoal, entrega da coisa e outros modos de contrato possíveis,

cumprindo ao usuário aderir às cláusulas e às condições que o fornecedor estipula, às vezes

em regimentos ou regulamentos, ou mesmo em normas internas de serviço, estando aí,

compreendidos os planos de assistência à saúde.

Em todas essas situações, há que se pôr em relevo também a necessidade de defesa

do aderente; assim, ao lado da proscrição de cláusulas, devem-se submeter à analise valorativa

própria, eventuais normas regulamentares ou de ordem interna que escapem aos limites da

autotutela.

86

5 DA PROTEÇÃO CONTRATUAL DOS PLANOS PRIVADOS A ASSISTÊNCIA À

SAÚDE

O direito do consumidor, como todos os outros ramos do direito, ampara-se em

princípios que auxiliam a interpretação e a aplicação da norma abstrata nos casos concretos.

Miguel Reale87 assevera que: “princípios são verdades fundamentais de um sistema de

conhecimento como tais admitidos, por terem sido evidentes ou por terem sido

comprovados.”

No mesmo sentido, Celso Bandeira de Mello88, leciona que: “a desatenção ao

princípio implica ofensa não apenas a um princípio mandamental obrigatório, mas em todo o

sistema dos comandos já que, em um sistema jurídico, as normas interagem e dificilmente são

concebidas isoladamente”.

O direito do consumidor, como ciência autônoma, reveste-se, como as demais áreas

do direito, de princípios de que lhe são próprios. Na área do consumidor, em especial, deve

ser observada com maior ênfase, uma vez que a norma visa a proteção do pólo mais fraco das

relações cotidianas, principalmente, no que diz respeito aos princípios contratuais e a proteção

do consumidor do plano de assistência à saúde.

5.1 A AUTONOMIA DA VONTADE

O Código Civil francês de 1804 sustentou, no início do século XIX, o poder absoluto

da propriedade e a intangibilidade dos contratos. O pacta sunt servanda teve prioridade, o

princípio reinante era de que a palavra empenhada deveria ser mantida. Era inconcebível que

os pactos assumidos com liberdade e entre iguais deixassem de ser cumpridos.

Dois fatos que modificaram a história da humanidade foram a Revolução Industrial

do ano de 1740, aproximadamente, e a Revolução Francesa de 1789. Em razão da revolução,

87 REALE, Miguel. O projeto do Código Civil. São Paulo: Saraiva: 1986. p. 37. 88 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Elementos de Direito Administrativo. São Paulo: Revista dos

Tribunais, 1984. p. 48.

87

os grandes capitais diminuíram e as relações entre patrões e empregados ficaram mais

equilibradas pelo jogo das livres convenções. Com isto, o contrato se constituiu em uma

garantia contra a exploração de um contratante por outro, porque tanto no plano social como

no plano econômico, a doutrina do direito natural respondeu às necessidades da vida em

comum.

Considerado como princípio o pacta sunt servanda surge seu corolário natural que é

a autonomia da vontade, colocada até como princípio geral de direito. Mas essa autonomia é

livre quando o mais fraco é posto diante do mais experiente? A parte nem sempre tem a

oportunidade de estudar o contrato antes de sua contratação, nem pode efetuar contraproposta.

Assim, a concepção clássica do contrato tem como base a consideração de que a contratação

se materializa exclusivamente pela vontade dos contratantes. Nem sempre a vontade real é

ventilada nos contratos, pode ocorrer um descompasso entre o ato volitivo, o íntimo e sua

exteriorização. Desta feita nem sempre o contrato não é formalizado com vontade real.

A autonomia da vontade, apesar de imprescindível para a formação do contrato, pode

ser limitada pelo dirigismo contratual; protecionismo social, o direito de consumo e os

contratos de adesão.

Discorre Antonio Jeová Santos:

A igualdade e a liberdade, tratadas de forma absoluta, são quimeras. Nenhuma pessoa é igual à outra, nem livre totalmente. Há sempre algum ponto que indica severas diferenças e a vida em comunidade exige seja coarctada a vastidão do que alguém pretende elaborar, cerceando a liberdade em prol da vida em comunidade89

Dirigismo contratual é um dos limites impostos na autonomia da vontade contratual

porque a intervenção estatal nas negociações econômicas faz com que o Estado-legislador e o

Estado-juiz sejam chamados permanentemente a modificar o que as partes contrataram para

encontrar o justo equilíbrio em dada situação e faz com que a autonomia da vontade tenha um

papel reduzido.

89 SANTOS, Antonio Jeová. Função Social do Contrato: Lesão e Imprevisão. 2. ed. São Paulo: Método, 2004. p. 40.

88

O Estado-legislador intervém muitas vezes na relação contratual com a sanção de leis

protetoras aos mais fracos, dos quais são exemplo aquelas que regulam a lei do inquilinato, ou

para aqueles desprovidos de poder de negociação, como são os consumidores quando estão

diante de operadoras de planos de saúde. Esses contratantes são presumidamente fracos, do

ponto de vista jurídico, tendo em vista que muitas vezes celebram contratos com cláusulas

predispostas, previamente redigidas e que ao consumidor só resta aderir, sem nenhuma

discussão.

O Estado-juiz também intervém quando o juiz efetua a revisão do contrato, seja

porque houve rompimento do equilíbrio contratual, ou anula cláusulas consideradas abusivas,

situações em que o juiz suprime totalmente o contrato ou parte dele ou ajusta seu conteúdo a

outro contrato. Esta alteração realizada pelo juiz altera substancialmente a vontade real das

partes ou de uma delas.

O protecionismo social está interligado ao dirigismo contratual. O Estado tem por

objetivo outorgar bem-estar aos membros da sociedade. Por conseguinte, corresponde à lei

imperativa proibir o mais forte de impor sua vontade sobre o mais fraco, que muitas vezes,

por razão econômica, não está preparado para entender e defender-se na negociação

contratual. Com isto o Estado se preocupa em editar leis que intervenham mais agudamente

nas relações interpessoais dos contratantes.

São condições na formação dos negócios jurídicos bilaterais a liberdade e igualdade

contratual. Porém, em grande parte existe igualdade jurídica e forte desigualdade econômica e

por isso, atualmente, se falam em solidariedade social, humanização do direito e probidade no

cumprimento do contrato, ou seja, “jogo limpo”.

A soberania do contrato não pode ser imposta ao consumidor e por conseguinte o

Código de Defesa do Consumidor traz todo um cortejo de arbítrios preventivos, tanto na fase

pré-contratual como na pós-contratual, para evitar que o desequilíbrio prevaleça. O direito de

informação é próprio do direito como todo, mas nas relações de consumo que o manter-se

informado de forma límpida e transparente encontrou grande difusão. A aceitação é

condicionada a certo prazo de reflexão, como as linda e encantadoras propagandas do plano

de saúde onde veiculam que a saída para o consumidor ter qualidade de vida e saúde

dependem da aquisição de um plano de saúde.

89

As operadoras de planos de saúde que detém o poder econômico, fixa todas as

condições para que exista o contrato, as cláusulas são predispostas e rígidas e ao contratante

cabe apenas aderir, assim esses contratos são formulados pela vontade única do fornecedor. A

doutrina admite o contrato de adesão, mas as partes têm que entender as cláusulas contratuais.

A onipotência da vontade nem sempre é tão forte assim, quando se dá diante da

exigência de que o contrato tenha objeto lícito; que o contratante seja capaz e que as

convenções não afetem a moral e os bons costumes.

Todo contrato deve respeito ao estilo de vida das pessoas, aos bons costumes e à

moral e, por isso, não pode afastar-se da ordem pública. As normas de ordem pública têm por

escopo abrandar o desequilíbrio entre o contratante economicamente forte, tecnicamente mais

preparado perante o consumidor economicamente menos favorecido.

O ato de contratar não deve se converter em abuso do direito, nem em

aproveitamento de um estado inferior da outra parte. Por isso, tanto o Código Civil como o

Código de Defesa do Consumidor estabelecem a revisão e nulidade do negócio jurídico

efetuado com a lesão e excessiva onerosidade (artigo 157 do Código Civil; artigos 6°, inciso

V; 39, V e 5l, IV todos do Código de Defesa do Consumidor) e o abuso de direito (artigo 187

do Código Civil) e que o negócio jurídico deve ser interpretado de acordo com a boa-fé.

Essas limitações da autonomia da vontade não impõem a falta de cumprimento dos

contratos. Aliás, o Brasil vive uma enxurrada de ações em que devedores inadimplentes

buscam apenas proteção do Poder Judiciário para continuar descumprindo os contratos.

Sustentam várias razões, umas relevantes outras não, nas ações de revisão de contratos.

Portanto, os institutos jurídicos devem ser aplicados dando-lhes a interpretação adequada.

Antonio Jeová Santos muito bem sustenta a respeito:

Neste ponto, o equilíbrio é fundamental. Nem o cego pacta sunt servanda, nem o franco e simples descumprimento sob qualquer pretexto. O respeito pela palavra empenhada continua sendo o fundamento moral da força vinculante do contrato. Mas essa força deve ser interpretada rebus sic stantibus, ou seja, desde que as circunstâncias que cobriam a formação e conclusão do contrato não tenham se modificado durante o período da sua execução e tenham se mantido inalteradas.90

90 SANTOS, Antonio Jeová. Função Social do Contrato: Lesão e Imprevisão. 2. ed. São Paulo: Método, 2004. p. 51.

90

No período de cumprimento do contrato podem surgir situações exteriores e

imprevisíveis e faz com que a prestações se torne extremamente exagerado, impossibilitando

o cumprimento do contrato. No início a relação contratual era equilibrada, depois pode

resultar economicamente mais desfavorável para uma das partes. Este fato superveniente deve

ser imprevisto de modo que coloque a parte afetada em situação de total impossibilidade de

cumprir o contrato. Se este desequilíbrio contratual não puder ser solucionado pelas partes,

cabe ao Poder Judiciário, no caso concreto, modificar o contrato.

Em relação aos contratos de planos privados de assistência à saúde o usuário

contratante é presumivelmente mais fraco diante às operadoras de planos de saúde

monopolizadora do produto. Junto a este fato têm-se que a contratação é feita com base em

cláusulas predispostas e a eventual impossibilidade de aquisição do serviço em qualidade

desejada.

A segurança jurídica da relação contratual, muitas vezes, tem sido a alegação das

operadoras de planos de saúde, sob a alegação de que o contrato faz lei entre as partes e uma

vez assinado, o seu conteúdo é imutável, podendo ser alterado apenas em situações

excepcionais, como, por exemplo, força maior, caso fortuito, morte.

O Código de Defesa do Consumidor trouxe vários avanços capazes de equibibrar a

força obrigatória dos contratos. Por exemplo, quando o contrato for excessivamente oneroso,

as partes podem requerer a revisão das cláusulas contratuais, conforme infere o art. 6°, inciso

V91. O conhecimento prévio do consumidor sobre o conteúdo do contrato é tão relevante que,

se não ocorrer, o contrato perde a força obrigatória, conforme diz o art. 4692. O art. 4993

determina que o contratante pode desistir do contrato, até sete dias depois da contratação

efetuada em seu domicílio ou por telefone. O art. 51 elenca um rol de cláusulas que podem ser

consideradas abusivas, o que nulifica a cláusula contratual, podendo requerer a resolução do

91 Art. 6°: “São direito básicos do consumidor:

[...] V- modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”.

92 Art. 46: “Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão o consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.”

93 Art. 49: “O consumidor pode desistir do contrato, de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.”

91

contrato e o pagamento dos prejuízos sofridos, conforme determina o artigo 5394. Outro

importante fator é destacar que o contrato deve ser celebrado de acordo com boa-fé, bem

como sua função social.

No próximo capítulo será tratado especificamente da função social do contrato; do

princípio da boa-fé e das cláusulas contratuais abusivas.

5.2 DA FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS DE PLANOS PRIVADOS DE

ASSISTÊNCIA À SAÚDE

Antes da edição da lei de planos de saúde, o mercado suplementar de serviços de

saúde, em que pesem serem serviços de utilidade pública, não possuía regulamentação

adequada, ainda que pese a posição de muitos doutrinadores que comungavam pela

inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor. Assim, como elucidado no item

anterior prevalecia o pacta sunt servanda nas relações contratuais estabelecidas entre as

operadoras de planos privados de assistência à saúde e os usuários.

Com o advento do Código de Defesa do Consumidor, bem como o atual Código

Civil, o direito privado passou por profundas mudanças, abandonando a concepção

individualista, impondo aos contratantes a liberdade de contratar em razão da função social

(art. 421/CC), com isso a função social do contrato procura evitar a imposições de cláusulas

danosas aos contratantes, em especial aos mais fracos na relação contratual.

A função social do contrato consiste em abordar a liberdade contratual em seus

reflexos sobre a sociedade, terceiros e não apenas no campo das relações entre as partes que o

estipulam, ou seja, os contratantes.

Assim, sem serem partes do contrato, terceiros têm de respeitar seus efeitos no meio

social, porque tal modalidade de negócio jurídico tem relevante papel na ordem econômica

indispensável ao desenvolvimento e aprimoramento da sociedade.

94 Art. 53: “Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem

como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.”

92

Reconhece-se, de longa data, que os contratantes embora livres para ajustar os

termos da convenção, deverão agir sempre dentro dos limites necessários para evitar que a

atuação negocial, se torne fonte de prejuízos injustos e indesejáveis a terceiros.

Humberto Theodoro Junior, em sua obra O Contrato e sua Função Social, ensina:

O Estado social, porém, não se alheia aos problemas que o abuso da iniciativa contratual pode gerar no meio social em que os efeitos da convenção privada irão repercutir. Se algum dano indevido a terceiro ou à coletividade for detectado, a autonomia contratual terá sido exercida de forma injurídica. Não poderá o resultado danoso prevalecer. Ou o contrato será invalidado ou o contratante nocivo responderá pela reparação do prejuízo acarretado aos terceiros.95

Sob, essa ótica, o contrato de planos de saúde se fundamenta no sistema de repartição

simples ou mutualismo. E se baseia na reunião de um grande número de expostos ao menos

riscos, possibilitando estabelecer o equilíbrio aproximado entre as prestações dos usuários e as

contraprestações das operadoras de planos de saúde. Assim, ocorrendo um sinistro este é

absorvido pela massa de consumidores.

A lógica do sistema não é uma opção da operadora, mas uma exigência do

funcionamento do próprio segmento econômico. Se, ao contrário da repartição simples, fosse

adotado o sistema da capitalização, os usuários de planos de saúde, quando da ocorrência de

um dano, somente poderiam gastar o que tivessem poupado.

Como a sua natureza é o sistema de repartição simples, no qual o custo do

atendimento de um de seus beneficiários é repartido com todos os integrantes da respectiva

carteira de clientes, tem-se que o objetivo do contrato é o de garantir o atendimento do

respectivo usuário, no caso de um eventual sinistro. Caso fosse o sistema de capitalização, os

usuários de planos de saúde, quando do sinistro, somente poderiam usufruir o que pagou.

O art. 1º da Lei 9.656/98 acentua que o contrato de plano privado de assistência à

saúde visa garantir a prestação continuada de serviços ou cobertura de custos assistenciais por

prazo indeterminado com a finalidade de garantir, sem limite financeiro, a assistência à saúde.

Este conceito reporta à função social do contrato que garante ao usuário o direito ao

95 THEODORO JUNIOR, Humberto. O Contrato e sua Função Social. Rio de Janeiro: Forense, 2003. p. 33.

93

atendimento médico no caso de sinistro e assegurando que o custo seja suportado pela

operadora.

O mesmo se diga à operadora de plano de saúde, tendo por função social assumir o

risco e o ônus financeiro dos procedimentos médicos de que seus beneficiários necessitam,

garantindo acesso à rede médica conforme tipo de contratação.

Assim, muito embora seja um instrumento de direito privado, sua característica

essencial é assegurar o atendimento e a qualidade da assistência à saúde, o que realça a

observância de sua função social.

Leonardo Vizeu Figueiredo, a respeito leciona que:

A função social do contrato de plano de assistência à saúde é garantir ao beneficiário, o qual contribui periodicamente para a formação e manutenção de um fundo pecuniário do plano, direito ao atendimento médico, nos caso de sinistralidade contratualmente coberta, assegurando, ainda, que o custo financeiro pelo procedimento prestado corra às expensas da respectiva operadora, a qual administra o referido fundo para tanto.96

Depreende-se, pois, que a função social do contrato de plano de assistência à saúde

passou a ser devidamente garantida, por uma norma cogente de ordem pública, inafastável

pela manifestação volitiva das partes, que incide sobre a relação jurídica contratual

(lei 9.656/98).

Concluindo, de uma forma ou de outra, o contrato desviado de sua função social não

ficará livre de uma sanção jurídica, pois sua prática transita pelo campo da ilicitude.

96 FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Curso de Direito de Saúde Suplementar. Manual Jurídico de Planos e

Seguros de Saúde. 2. ed. São Paulo: MP, 2006. p. 177.

94

5.3 PRINCÍPIOS BÁSICOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

5.3.1 Princípio da Transparência

O legislador, ao estabelecer o dever do fornecedor em informar ao consumidor os

dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação e conteúdo à mensagem, tratou do

princípio da veracidade, que concretiza um objetivo da transparência.

É inconcebível, no campo das relações de consumo, um ato negocial que não seja

compreendido desde seu nascimento, por falta de clareza, conforme ensina Josimar Santos

Rosa97, pois a capacidade de persuasão do fornecedor para com o consumidor, tendo por

referencial o produto ou o serviço, só contemplará o êxito desejado na relação de consumo se

aspectos inerentes a sua constituição forem bem explicitados.

A transparência implica o necessário respeito que deve existir entre consumidor e

fornecedor, aplicando-se, inclusive, na formação dos contratos regidos pela norma específica,

podendo ser invocada como fundamento à rescisão contratual, bem como, motivando

indenizações, em caso de agressão a este princípio basilar das relações de consumo.

O princípio da transparência está previsto no art. 4° do CDC e tem como objetivo

possibilitar uma aproximação e uma relação contratual mais clara e menos danosa entre

fornecedor e consumidor.

Claudia Lima Marques salienta:

[...] Como reflexos do princípio da transparência temos o novo dever de

informar o consumidor, seja através da oferta, clara e correta (leia-se aqui publicidade ou qualquer outra informação suficiente, art.30) sobre as qualidades do produto e as condições do contrato, sob pena de o fornecedor responder pela falha da informação (art. 20), ou ser forçado a cumprir a oferta nos termos em que foi feita (art. 35); seja através do próprio texto do contrato, pois, pelo art. 46, o contrato deve ser redigido de maneira clara, em especial os contratos pré-elaborados unilateralmente (art. 54, § 3°), devendo

97 ROSA, Josimar Santos. Relações de Consumo: A Defesa dos Interesses de Consumidores e Fornecedores.

São Paulo: Atlas, 1995. p. 105.

95

o fornecedor “dar oportunidade ao consumidor” conhecer o conteúdo das obrigações que assume, sob pena do contrato por decisão judicial não obrigar o consumidor, mesmo se devidamente formalizado.98

Desta feita, o dever de redação contratual clara visa assegurar a informação adequada

ao consumidor, impedindo que o fornecedor de serviços utilize-se de sua superioridade

econômica para confundir o consumidor e impor deveres que, se entendidos literalmente, não

haveriam sido assumidos.

5.3.2 Princípio da Boa Fé

A boa-fé é um princípio fundamental do Código de Defesa do Consumidor, devendo

ser respeitado nos termos do art. 4°, III. O princípio da boa-fé representa o valor da ética,

veracidade e correção dos contratantes, operando de diversas formas e em todos os momentos

do contrato, desde a sua negociação até sua execução.

Destaca-se que a boa-fé informa a nova ordem contratual em todo seu aspecto e fase.

O Código de Defesa do Consumidor foi o precursor da renovação da teoria geral dos

contratos, passando o sistema de contratos a ser interpretado não com núcleo no dogma da

vontade, mas na boa-fé objetiva. Esta é analisada conforme a vontade do homem médio,

sempre caberá ao julgador o dever de, em consulta aos seus próprios valores éticos e

comportamentais, manifestar-se caso a caso.

A boa-fé objetiva encerra o circuito da justiça contratual juntamente com os

princípios da transparência, confiança e equidade. A justiça contratual visava a livre

manifestação de vontade, nada mais sendo necessário para se impor a validade e a

obrigatoriedade dos efeitos contratuais.

O Código de Defesa do Consumidor a primeira lei a tratar da boa-fé objetiva que,

assim encontrou repercussão concreta no ordenamento contemporâneo brasileiro, não se

limitando à introdução do princípio no artigo 4º, inciso III (cláusula geral da boa-fé). Para

controlar o abuso contratual, no artigo 51, inciso IV, perfaz uma trajetória mais ampla, pois

98 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O novo regime das relações

contratuais. 4. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 599.

96

tipifica várias hipóteses legais de deveres que, se não tivessem sido previstos na lei, incluir-

se-iam, entretanto, no âmbito de concreção da boa-fé objetiva.

Os métodos atuais de “marketing” são utilizados para forçar psicologicamente a

aceitação do consumidor, que disporá do prazo de reflexão de sete dias, conforme dispõe o

artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor, para desfazer o negócio.

Há ainda a possibilidade de, ultrapassado este prazo, discutirem-se todos os abusos

constantes nestes contratos com base em vários artigos do Código de Defesa do Consumidor,

como, por exemplo, os artigos 6º, 46, 51, 54 e seus parágrafos que, aliás, nada mais são do

que a expressão tipificada da boa-fé objetiva e, por isso, resultam na efetiva proteção daqueles

que porventura possam ter sido lesados e não tenham usufruído do período de reflexão

estabelecido no artigo 49 do Código de Defesa do Consumidor.

Existem vários enunciados, tais como o contido no artigo 30, que trata do dever de

informação para oferta de produtos e serviços; os contidos nos artigos 9º, 12, 14, 31 e 52, que

versam sobre os deveres de lealdade e de probidade na publicidade; o contido no artigo 49,

que trata da possibilidade de o consumidor romper o vínculo obrigacional no período de sete

dias, o chamado período de reflexão, uma verdadeira inovação no campo do Direito, pois

concerne à possibilidade do desfazimento de um contrato formado entre pessoas capazes e

que têm disponibilidade de assumir negócios jurídicos desde que efetuados fora do

estabelecimento comercial, compreendida esta expressão de maneira ampliada, como se

verifica da leitura das decisões anexas.

E, por isso, hoje a tutela dos interesses dos consumidores no Brasil, definida no

Código de Defesa do Consumidor, restringiu os limites da autonomia privada quando

possibilitou a intervenção judicial no contrato, seja por meio da inserção de cláusulas

obrigatórias ou da proibição de cláusulas abusivas, em cuja função revela-se grande parte da

utilidade da aplicação do princípio da boa-fé objetiva.

Aqui, a boa-fé objetiva servirá para a interpretação integradora das cláusulas

contratuais e também para o reconhecimento dos deveres secundários, derivados diretamente

da boa-fé objetiva, independente da vontade manifestada pelas partes, para serem observados

97

antes, durante a fase de formação e no cumprimento da obrigação, bem como após a

execução, assim como nas obrigações decorrentes da lei.

As cláusulas gerais existem por autorização do próprio legislador, quando admite a

impossibilidade e, muitas vezes, a inconveniência de previsão legislativa casuística,

preferindo deixar em aberto para que a jurisprudência e a doutrina formulem os critérios mais

adequados para preenchê-las.

O legislador não pode prever todos os motivos, interesses e situações fáticas que

surgem envolvendo as circunstâncias da vida, que também ocorrem por meio de

desenvolvimentos futuros tanto da técnica como da existência social. Por isso, o legislador,

por meio das cláusulas gerais (como, por exemplo, aquela que, no Código de Defesa do

Consumidor, contempla o princípio da boa-fé objetiva), busca a preservação da norma.

Quando se fala em boa-fé, se fala, antes de qualquer outro aspecto, em informação

sobre o que está sendo contratado. É direito dos consumidores o acesso à informação, clara,

precisa e ostensiva, sobre os mais diversos aspectos do produto ou serviço que é objeto do

contrato que está sendo pactuado entre as partes.

Neste sentido, dispõe o artigo 31 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:

Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

A jurisprudência acentua:

PLANO DE SAÚDE - Ação Civil Pública. Contrato. Plano de saúde. Anulação de cláusulas lesivas ao consumidor. Pedido acolhido. “Hipótese em que, além da prova pericial favorável à pretensão, a publicidade não aponta qualquer exclusão ou restrição relativa a serviços de assistência médica e hospitalar. Essa oferta integra o contrato e obriga a contratada. Recurso improvido.”99

99 BRASIL. Tribunal de Justiça. 1ª Câm. – 001.762-4/9 – j. 28.05.1996 – Relator e Desembargador Gildo dos

Santos. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 23, p. 266.

98

5.3.3 Princípio da Confiança

O êxito no alcance dos objetivos propostos na via contratual depende da confiança

centrada no esboço das obrigações, que serão cumpridas reciprocamente pelas partes

contratantes de um plano de saúde, dentro do padrão mínimo regulado pela lei.

A teoria da confiança tem por objetivo a defesa das legítimas expectativas que

nascem entre os contratantes, quando pactuadas as obrigações que mutuamente são assumidas

criando entre ambos um vínculo contratual.

Os motivos da contratação, quando razoáveis e advindos da boa fé, integram a

relação contratual, protegendo as legítimas expectativas do consumidor.

Frise-se que a norma preocupou-se com o cumprimento do referido princípio a ponto

de determinar que o risco é de quem oferta e não daquele que se encontra adquirindo o

produto ou o serviço.

Aqui se encontra o fundamento da obrigatoriedade do cumprimento da oferta, que

deve ser obedecida pelo fornecedor, na forma da lei 8078/90. Aquele que faz determinado

anúncio, está por força de lei obrigado a cumpri-lo, em todos os seus termos.

Roberto Senise Lisboa100 salienta que, nos casos de publicidade, a veracidade dos

fatos nela descritos incumbe àquele que patrocina a propaganda, vedando-se à indução do

destinatário em erro (publicidade enganosa), ainda que através de conduta omissiva (art. 37, §

3º, da Lei 8.078/90) ou ainda a incitação pública a atos contrários à moral e aos bons

costumes (publicidade abusiva).

Na atual visão da oferta, cabe ao fornecedor provar que disse a verdade sobre dados

essenciais do que é ofertado e, ainda, a oferta deve ser em língua portuguesa e com

informações corretas, precisas e ostensivas, sendo crime desobedecer tal mandamento.

100 LISBOA, Roberto Senise. Contratos Difusos e Coletivos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 21.

99

5.3.4 Princípio da Equidade

A função deste importante princípio aplicável às relações de consumo, entre as

operadoras de planos de saúde e consumidores, consiste em equilibrar os pólos da relação

jurídica. Geralmente o consumidor encontra-se em situação desfavorável, desde a fase pré-

contratual com as propagandas ofertadas e de promessas de benefícios futuros para o seu bem

estar físico e mental.

O referido princípio, justifica, a inserção de dispositivos no Código de Defesa do

Consumidor, como o que determina que as cláusulas contratuais que limitem direitos nos

contratos de adesão sejam grifadas em destaque permitindo sua imediata compreensão ou,

ainda, que em caso de dubiedade no sentido ou conflito entre cláusulas, prevaleça a

interpretação mais benéfica ao consumidor.

Por fim, é evidente que a norma de ordem pública garante o equilíbrio nas relações

contratuais ante a evidente disparidade existente entre os dois pólos da relação jurídica de

consumo.

5.4 CONTRATO DE ADESÃO

Contratos de adesão são aqueles que não resultam do livre debate entre os

contratantes, as cláusulas são pré-constituídas unilateralmente pelo contratante mais forte,

cabendo à outra parte apenas aderir a essas cláusulas.

Forçoso é convir que a liberdade contratual e a livre manifestação de vontade, que

consubstanciam na autonomia de vontade, são princípios basilares do direito privado, e sobre

eles foram erguidos imprescindíveis institutos jurídicos, como o contrato.

As cláusulas predispostas somente penetrarão no mundo jurídico, e aí produzirão

efeitos, a partir do instante em que o aderente vier a consentir com as cláusulas contratuais

gerais, aceitando assim, o que fora preestabelecido.

100

Vê-se, de forma clara, que inexistem as negociações preliminares, típicas para a

elaboração de um contrato; a margem de negociação é mínima, limitada basicamente ao

preenchimento da qualificação pessoal e demais dados pertinentes ao aderente; raramente

pode-se vislumbrar uma demonstração de vontade do aderente que extrapole a mera adesão.

Assim, a regra da contratação dos planos de assistência à saúde é o da submissão das

pessoas a modelos, fórmulas, condições predeterminadas, impressas ou não, mas aceitas

globalmente e sem discussão, para que se possa obter o serviço almejado.

Tem-se, então, submetida à vontade individual, nas relações contratuais com os

fornecedores e os prestadores de serviço, ditames de cunho normativo, regulamentar, em

especial às cláusulas e às condições por eles, ou em regulamentos, pré-estipuladas, quebrando

assim as noções de igualdade e de equilíbrio no âmbito contratual.

E, portanto, essa modalidade contratual está inserida neste contexto e o sujeito de

direitos, que figura em um dos pólos da relação jurídica é chamado de consumidor, com

proteção específica, não deixando também de ser um usuário, expressão que serve para

indicar o titular do direito subjetivo público, oponível ao Estado, que tem direito à saúde, de

forma integral, universal e igualitária. Nas relações privadas, estabelecidas entre cada

indivíduo e as operadoras de planos de saúde, surge, então, a figura do consumidor.

Esta análise é importante, porque o status de consumidor é agasalhado de proteção

especial pelo sistema jurídico. A busca da igualdade concreta entre os sujeitos de direito

motiva o legislador a estabelecer categorias de pessoas que, por causa de sua situação

específica, sujeita-se a regime diferenciado. É o caso do consumidor, cuja vulnerabilidade é

presumida.

Como na maior parte dos contratos de consumo de massa, os planos de saúde

também são formalizados mediante a adesão da parte consumidora às cláusulas e condições

estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor. Não existe, como nos contratos paritários, a

possibilidade de discussão ou questionamento das regras por parte do consumidor.

101

Carlos Alberto Bittar101, amparado na conceituação de Messineo, define o contrato

de adesão, como: “Aquele em que as cláusulas são dispostas por um dos futuros contratantes

de maneira que o outro não possa modificá-las nem possa fazer outra coisa que aceita-las ou

rechaçá-las”.

Os contratos de adesão apontam em sua definição legal para dois pressupostos: a

definição unilateral do conteúdo do contrato e a impossibilidade de modificação das cláusulas

por parte do consumidor. Estabelece o “caput” do art 54, do CDC: “Contrato de adesão é

aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas

unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir

ou modificar o seu conteúdo”.

Os contratos de adesão são característicos da sociedade de massa, mas devem ser

exercidos de forma compatível com os princípios fundamentais da ordem econômica, dentro

os quais, estão as regras da defesa do consumidor, inserido no art. 170, V, da CF)102. Foram os

abusos praticados pela parte responsável pela elaboração do contrato que levaram o legislador

a ampliar os mecanismos de controle sobre o seu conteúdo.

O caráter relativo da liberdade contratual foi ampliado por meio da fixação de um rol

de cláusulas proibidas no Código de Defesa do Consumidor. O Estado intervém nos contratos

privados por intermédio de normas de ordem pública que vedam a utilização das cláusulas

que se subsumam as hipóteses previstas na lei. A principal forma de controle adotada foi a

ampliação das cláusulas proibidas, as denominadas “cláusulas abusivas”.

Uma cláusula abusiva poderá ser tida como abusiva quando se constitui num abuso

de direito (o predisponente das cláusulas contratuais, num contrato de adesão, tem o direito de

redigi-las previamente; mas comete abuso se, ao redigi-las, o faz de forma a causar dano ao

aderente). Também será considerada abusiva se fere a boa-fé objetiva, pois, segundo a

expectativa geral, de todas e quaisquer pessoas, há que haver equivalência em todas as trocas.

101 BITTAR, Carlos Alberto. Os contratos de adesão e o controle de cláusulas abusivas. São Paulo: Saraiva,

1991, p. 60. 102 Art. 170: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por

fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] V- defesa do consumidor.”

102

Presumir-se-á também abusiva a cláusula contratual quando ocorrer afronta aos bons

costumes, ou quando ela se desviar do fim social ou econômico que lhe fixa o direito103.

Assim, a discrepância entre a vontade do aderente e do ofertante devem ser

analisadas de forma a lastrear o posicionamento do exegeta, para poder interpretar de forma

coerente a real vontade motivadora do contrato de adesão.

Em nosso País, em razão da desigualdade existente entre a grande maioria dos

aderentes forçoso é convir que, o desconhecimento do aderente do conteúdo normativo chega

muito próximo da totalidade.

A adesão, comparado por muitos ao consentimento, deve ser analisada pelo

intérprete com cautela, quando a vontade manifestada colide com a vontade declarada; não

raras vezes em que a vontade se consubstancia na adesão, não existiria se o aderente tivesse

conhecimento das implicações do teor normativo que aceitara em bloco, confiando quase na

boa-fé do predisponente.

Concluindo, portanto, trata-se de uma das faces da chamada liberdade contratual,

que, além da fixação do conteúdo do contrato, abrange dois outros aspectos, também

limitados para as operadoras de planos de saúde: a liberdade de contratar ou não, e a liberdade

para escolher o parceiro contratual.

5.5 AS CLÁUSULAS ABUSIVAS NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Muitos dos casos submetidos a julgamento tratam de cláusulas de exclusão, redigidos

de forma a dificultar o entendimento do contrato. Outros demonstram a disparidade entre as

informações constantes de peças publicitárias e o efetivo conteúdo do contrato.

103 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Cláusulas abusivas nos contratos. Rio de Janeiro: Forense, 1993.

p. 127.

103

Arruda Alvim104, atento a essa questão, leciona: “[...] as cláusulas abusivas, uma vez

caracterizadas no plano contratual, implicarão nulidade das cláusulas nas quais se encontrem

vícios”

O tempo revelou, ainda, que os planos lucram com a doença e não se encontram

direcionados à efetiva promoção da saúde. Há, inclusive, os que deliberadamente se

organizaram para garantir o lucro daqueles que exploravam a desgraça alheia.

Não havia parâmetros para se saber quais seriam as obrigações de um plano de

saúde. Elas eram apregoadas pelo corretor, no afã de vender o produto, mas quando o

adquirente recorria a prestação dos serviços esbarrava numa série de dificuldades. Na

realidade, a grande maioria desses planos não cumpria absolutamente nada do prometido pelo

corretor. Vendia-se a ilusão de que, com um cartãozinho plástico emitido pela empresa

responsável pelo plano, o portador teria acesso a um melhor tratamento médico, sem precisar

passar pelas filas do SUS. Era uma fraude a mais cometida contra o consumidor, que acaba

sendo atendido no sistema público de saúde. Em decorrência, os custos continuaram recaindo

sobre o setor público, enquanto as receitas eram canalizadas para o setor privado105.

É evidente que a lei 9.656/98 diminuiu as práticas abusivas, no entanto, não

conseguiu exterminar do mercado as operadoras de planos de saúde, que visa o lucro fácil

com o propósito de lesar os consumidores.

O Código de Defesa do Consumidor cria novos direitos ao consumidor, um na fase

pré-contratual e outro após a formação do contrato. Assim, acentua-se que o reequilíbrio

contratual é verificado após a formação do contrato, o usuário do contrato de plano de saúde

já manifestou sua vontade, porém está em execução. As cláusulas abusivas surgem no Código

de Defesa do Consumidor, no art. 51, como instrumentos para restabelecer o reequilíbrio

contratual e fazer valer a expectativa do consumidor, tido como vulnerável nos contratos de

massa.

104 ALVIM, Arruda. Cláusulas Abusivas e seu Controle no Direito Brasileiro. Revista do Direito do

Consumidor, São Paulo, 1995. p. 40. 105 REHEM, Renílson. Os Planos de Saúde: questões e soluções. Estudos Avançados - USP, São Paulo, n. 35,

v. 13, jan./abr. 1999. p. 105.

104

O Código de Defesa do Consumidor não dispõe em seu bojo a definição de cláusulas

abusivas, possibilitando, desta forma, que uma cláusula tendo caráter abusivo, embora não

abrangida por eventual definição legal.

Na doutrina, recorre-se a definição concisa e precisa de cláusulas abusivas de

Fernando Noronha106, que ensina:

Essas cláusulas que reduzem unilateralmente as obrigações do predisponente e agravam as do aderente, criando entre elas uma situação de grave desequilibro, são as chamadas cláusulas abusivas. Podem ser conceituadas como sendo aquelas em que uma parte se aproveita de sua posição de superioridade para impor em seu benefício vantagens excessivas, que destroem a relação de equivalência objetiva pressuposta pelo princípio da justiça contratual (cláusulas abusivas em sentido estrito ou propriamente ditas), escondendo-se muitas vezes atrás de estipulações que defraudam os deveres de lealdade e colaboração pressupostos pela boa-fé (cláusula-surpresa). O resultado final será sempre uma situação de grave desequilibro entre os direitos e obrigações de uma e outra parte.

Desta maneira, o Código de Defesa do Consumidor, com o objetivo de harmonizar e

dar transparência às relações de consumo, trazer novos direitos aos consumidores e novos

deveres aos fornecedores, oferece o remédio jurídico para impedir e combater as chamadas

cláusulas abusivas.

O certo é que aquele que estipula as condições gerais do contrato, por força da

supremacia de sua posição, naturalmente está propenso a inserir cláusulas que transfiram a

maior parte dos riscos dos negócios para o aderente. Portanto, não é de se estranhar que

muitas das aludidas condições, por exemplo de um contrato de assistência à saúde, possuam

cláusulas abusivas.

O Código de Defesa do Consumidor, como já esclarecido, não definiu cláusulas

abusivas, tão somente indicou a abusividade em casos expressos, como por exemplo disposto

no art. 53, onde considera nulas as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações

pagas em benefício do credor, em razão do inadimplemento do consumidor; as hipóteses

elencadas no art 51, bem como deu margem à jurisprudência elencar outras situações. No

entanto, a análise do real interesse das partes na assinatura do contrato é fator primordial. A

106 NORONHA, Fernando. O Direito dos Contratos e seus Princípios Fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1994.

p. 248.

105

autonomia da vontade sempre considerada como prejudicada quando há vantagem excessiva

para uma das partes, causando desequilíbrio contratual.

A sanção às cláusulas abusivas, especificamente as trazidas nos arts. 51 e 53 do

CDC, é a imposição de nulidade absoluta, nos termos dos arts. 1°, tendo em vista que as

normas do Código de Defesa do Consumidor são de ordem pública e de origem

constitucional. Assim determina a jurisprudência107:

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CAUTELAR INOMINADA – MORTE DO REQUERENTE – HABILITAÇÃO PELO CÔNJUGE E HERDEIROS – PRESENÇA DE PRESSUPOSTO PROCESSUAL DE VALIDADE – PRELIMINAR REJEITADA – PLANO DE SAÚDE – INTERNAÇÃO EM UTI E SESSÕES DE FISIOTERAPIALIMITAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – DESEQUILÍBRIO NA RELAÇÃO CONTRATUAL – CONTRATO DE ADESÃO – INTERPRETAÇÃO FAVORÁVEL AO HIPOSSUFICIENTE – CLÁUSULAS ABUSIVAS – NULIDADE – INTELIGÊNCIA DA LEI Nº 8.078, DE 11.09.1990 – PACTA SUNT SERVANDA – INAPLICABILIDADE – FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA – EXISTÊNCIA – RECURSO IMPROVIDO – Falecendo o conveniado do plano de saúde no curso da lide, o processo deve prosseguir com a

107 Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – APC 70008785131 – 13ª C. Cív. – Relª Desª Angela Terezinha

de Oliveira Brito – J. 16.12.2004)JCDC.3 JCDC.3.2 JCDC.6 JCDC.6.V JCDC.52 JCDC.52.II JCDC.39 JCDC.39.V JCDC.51 JCDC.51.IV JCPC.128 - APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE FINANCIAMENTO GARANTIDO COM CLÁUSULA DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – INCIDÊNCIA DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – Sendo o crédito fornecido ao consumidor pessoa física para a sua utilização na aquisição de bens no mercado como destinatário final, o dinheiro funciona como produto, implicando o reconhecimento da instituição bancária como fornecedora para fins de aplicação do CDC, nos termos do art. 3º, § 2º, da Lei nº 8.078/90. Direito do consumidor à revisão contratual. O art. 6º, inciso V, da Lei nº 8.078/90 consagrou de forma pioneira o princípio da função social dos contratos, relativizando o rigor do pacta sunt servanda e permitindo ao consumidor a revisão do contrato em duas hipóteses: por abuso contemporâneo à contratação ou por onerosidade excessiva derivada de fato superveniente (teoria da imprevisão). Hipótese dos autos em que o desequilíbrio contratual já existia à época da contratação uma vez que o fornecedor inseriu unilateralmente nas cláusulas gerais do contrato de adesão obrigações claramente excessivas, a serem suportadas exclusivamente pelo consumidor. Taxa de juros remuneratórios. Ausente qualquer justificativa por parte do fornecedor para a imposição ao consumidor de taxa de juros excessiva como obrigação acessória em contrato de consumo, o restabelecimento do equilíbrio das obrigações exige a redução da taxa de juros remuneratórios fixada em contrato de adesão. Juros reduzidos para 12% (doze por cento) ao ano, com fundamento exclusivamente no disposto no art. 52, inciso II c/c os arts. 39, inciso V e 51, inciso IV, todos da Lei nº 8.078/90. Desnecessário examinar argumentos constitucionais sobre o tema. Capitalização de juros remuneratórios. Inexistindo previsão legal, é incabível a capitalização mensal de juros, em contrato de financiamento garantido com cláusula de alienação fiduciária. Atualização monetária. Fixado o IGP-M/FGV como Índice de Correção Monetária, eis que a jurisprudência indica ser o que melhor reflete a real perda inflacionária. TERMO INICIAL DA MORA – Estando sub judice a liquidez e, em via de conseqüência, a própria exigibilidade do crédito oriundo do contrato revisando, é de ser afastada com efeitos ex tunc a mora decorrente do inadimplemento de obrigações declaradas abusivas até que se apure o valor real do eventual débito ainda existente. Mostra-se incabível o exame das matérias ex officio pelo juízo ad quem, as quais não foram enfrentada pela sentença e nem foram objeto da apelação, no tocante à declaração de nulidade das cláusulas abusivas (comissão de permanência, multa moratória e repetição do indébito), configurando-se em julgamento extra petita, infringindo o disposto no artigo 128 do CPC. Mantida a antecipação de tutela. Apelação provida. Voto vencido em parte.

106

habilitação do cônjuge e respectivos herdeiros (CPC, art. 1060, I). O plano de saúde que se nega a prestar cobertura ao usuário pelo fato de ter expirado o prazo, inicialmente, previsto, levando-o à desinternação, embora doente e prescindindo de tratamento em uti ou em regime semi intensivo, contrariando ordem da equipe médica, esgarça a natureza do contrato de assistência médica que, ultima ratio, versa sobre direitos absolutos à saúde e à vida. As cláusulas inseridas em contrato de assistência médica que limitam a internação do conveniado ou de seu dependente em UTI, segundo a melhor jurisprudência, são nulas, posto que consideradas abusivas frente à Lei nº 8.078/90. As cláusulas que limitam a utilização de tratamento em UTI ou similar, bem como a realização das sessões de fisioterapia, impostas no contrato de adesão, devem ser interpretadas com reservas, ainda mais se criam vantagens excessivas à entidade prestadora do serviço. A necessidade de se continuar o tratamento em UTI ou em regime semi-intensivo, bem como realizar as sessões de fisioterapia, na pessoa de paciente conveniado, por si só configura o periculum in mora e o fumus boni iuris autorizadores da pretensão cautelar, que determina a cobertura das despesas pelo plano de assistência médica contratado. Admite-se que não mais vigora, na plena acepção da palavra, o velho princípio de que o contrato faz Lei entre as partes contratantes, ou que cada qual deve suportar os danos de sua incúria, se contratou mal. O princípio do pacta sunt servanda era a regra, oriunda do direito romano, como expressão da intangibilidade do contrato. Porém, como dogma contratual não mais subsiste. (TJMT – AC 44196/2002 – 3ª C.Cív. – Rel. Des. Orlando de Almeida Perri – J. 04.06.2003) JCPC.1060 JCPC.1060.I. (grifo nosso).

A cláusula é nula, mas o § 2º do art. 51 do CDC esclarece que a nulidade da cláusula

não invalida o contrato. Portanto, o caminho para que aponta é o da redução legal. O contrato

subsiste, mas depurado da cláusula inquinada. Mas a lei estabelece um limite, ou seja, o

contrato é inválido quando a supressão da cláusula, apesar dos esforços de integração,

importar ônus excessivo para qualquer das partes. Daqui decorre que, ocorrendo cláusula

nula, a primeira tarefa que se impõe é a de integrar o contrato, substituindo essa cláusula. Se

isso não for possível, ou se daí derivar em todo o caso ônus excessivo, então o contrato é

irremediavelmente nulo.

Assim, a nulidade de uma cláusula não invalida o contrato, exceto quando de sua

ausência, apesar de esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes. As

nulidades absolutas, como as do art. 51 do CDC, caracterizam-se por não serem sanáveis pelo

juiz, passando a relação contratual, naquele aspecto, a ser regida pela lei e é apenas

exemplificativa. Importante ressaltar que o inciso V do art. 6° do CDC insere como direito do

consumidor a modificação de cláusulas contratuais, possibilitando, neste sentido, ao juiz não

apenas aplicar a sanção de nulidade e também a possibilidade de modificar o conteúdo da

cláusula, sendo considerada como exceção à regra da nulidade ao possibilitar ao juiz a revisão

da cláusula. A jurisprudência é unânime neste sentido:

107

APELAÇÃO CÍVEL – CONSIGNATÓRIA C/C REVISIONAL DE CLÁUSULAS108 CONTRATUAIS – CUMULAÇÃO DE PEDIDOS – REVISÃO DE OFÍCIO – APLICAÇÃO DO CDC – JUROS – MULTA – COMISSÃO DE PERMANÊNCIA – 1. A antecipação de tutela é cabível no curso processual. Estando a divida sub judice, é indevida a inserção do nome do devedor nos órgãos de proteção ao crédito, a fim de se evitar prejuízos e constrangimentos. 2. A ação consignatória incidental é cabível pois que o valor depositado e condizente com o que se pleiteia na revisional de cláusulas. Antecedentes desta corte, placitado pela atual legislação civil. 3. Revisão de cláusulas contratuais. Admissibilidade. Inciso V do art. 6º do cód. Do consumidor, possibilidade até mesmo de ofício. 4. Comportável a revisão de cláusulas contratais, haja vista que o decadente princípio do pacta sunt servanda não é absoluto, sofrendo limitações de ordem constitucional e de normas infraconstitucionais, como no caso do inciso V do art. 6º da Lei nº 8.078/90, estatuto legal que se aplica às instituições financeiras. 5. Ainda que a Emenda Constitucional nº 40, de 29.05.03, tenha revogado o parágrafo 3º do artigo 192 da CF/88, a disposição de juros de 12% a.a ., continua prevalecente para os contratos pactuados antes desta data, com base ainda nas reiteradas jurisprudências desta corte. 6. Aplicável o INPC, que é o índice que melhor reflete a inflação e quanto à multa de 2% (dois por cento) resta conforme o permissivo legal. Indevida a comissão de permanência cumulada com a correção monetária. Apelação conhecida e provida. (TJGO – AC 78552-9/188 – 1ª C.Cív. – 1ª T. – Rel. Des. Vitor Barboza Lenza – DJGO 24.02.2005) JCDC.6 JCDC.6.V JCF.192 JCF.192.3

Dada a importância deste dispositivo no presente estudo, cita-se abaixo, o seu inteiro

teor:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I – impossibilitem, exoneram ou atenuam a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor-pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código; III - transfiram responsabilidades a terceiros; IV-estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; V - (VETADO); VI - estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor; VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem; VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor; IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor;

108 MATO GROSSO (Estado). Tribunal de Justiça do Mato Grosso. Acórdão 44196/2002 – 3ª Câmara Cível –

Relator Desembargador Orlando de Almeida Perri – J. 04.06.2003 - JCPC.1060.I.

108

X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral; XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor; XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor; XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração; XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais; XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor; XVI - possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias. § 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que: I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. § 2° A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes. § 3° (VETADO). § 4° É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes.

Cláudia Lima Marques, disserta que:

Segundo os arts. 51 e 53 do CDC, que são, neste caso, os artigos principais para nossa análise, ficam proibidas, sob pena de nulidade, três espécies de cláusulas: a.1) as que impossibilitem, exonerem, atenuem ou impliquem em renúncia dos novos direitos do consumidor instituídos pelo CDC; a.2) as que criem determinadas vantagens unilaterais ao fornecedor; a.3) as chamadas cláusulas “surpresa” (apesar do veto presidencial ao inciso V do art. 51). Na lista do art. 51 encontra-se igualmente a cláusula geral de boa-fé e equilíbrio do inciso IV (b).109

Não é sem razão que a doutrina entende que esse tipo de contrato, em caso de dúvida

quanto ao sentido e ao alcance de suas cláusulas, deve ser interpretado contra o estipulante,

como ocorre nos contratos de adesão. Não é por menos que o CDC em seu art. 47110, sem

distinguir contratos ou condições gerais dos contratos, tenha disposto genericamente que as

cláusulas contratuais devem ser interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor.

109 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O novo regime das relações

contratuais. 4. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 789. 110 Art. 47: “As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”.

109

5.6 CLÁUSULAS ABUSIVAS NOS CONTRATOS DE PLANOS PRIVADOS DE

ASSISTÊNCIA À SAÚDE

Dentre as várias modalidades de cláusulas abusivas o presente trabalho seleciona

algumas que julga pertinente trazer à colação, até porque sendo os contratos de planos

privados de assistência à saúde de adesão o consumidor se vê na angustiosa situação de

submeter-se às cláusulas contratuais que são impostas pelas operadoras de planos de saúde e

apenas no momento em que utilizará do serviço que o consumidor vai se deparar com as

inúmeras dificuldades.

5.6.1 Exclusão da Cobertura de Determinadas Enfermidades

Uma das cláusulas abusivas é justamente a que visa excluir a cobertura do tratamento

de determinadas doenças, denominadas “crônicas”, “infecto-contagiosas”, como no caso do

câncer e da AIDS.

A jurisprudência considera inadmissível a exclusão de doenças com base em cláusula

contratual genérica e, portanto, abusiva as cláusulas de exclusão de “epidemias”, de doenças

“infecto-contagiosas” e outras que afetam a cobertura da Aids111 e câncer. Observe:

DIREITO CIVIL – DIREITO DO CONSUMIDOR – DIREITO PROCESSUAL CIVIL – PLANO DE SAÚDE – TRATAMENTO DE HEMODIÁLISE – NEGATIVA DE COBERTURA – IMPROPRIEDADE DA CONDUTA EMPRESARIAL – NECESSIDADE DE SALVAGUARDAR A VIDA HUMANA – CONFIGURADA A ABUSIVIDADE DA CLÁUSULA CONTRATUAL INVOCADA PELA EMPRESA APELANTE – NÃO PROVIMENTO DO RECURSO – 1. Aduz a Seguradora a existência de cláusula contratual a impedir a cobertura, pelo plano de saúde, do tratamento pleiteado à iniciativa da autora/apelada. A

111 Superior Tribunal de Justiça – Ementa- AGRESP 265872 – SP – 4ª Turma- Relator Ministro Sálvio de

Figueiredo Teixeira – DJU 19.12.2003-P.OO469 - DIREITO CIVIL – CONTRATO DE SEGURO-SAÚDE – AIDS – EXCLUSÃO DE COBERTURA – CLÁUSULA POTESTATIVA E ABUSIVA – PRECEDENTES – RECURSO ESPECIAL – ENUNCIADOS 5 E 7 DA SÚMULA/STJ – AGRAVO DESPROVIDO – Diante das circunstâncias do caso, especialmente pelo fato de que o autor não contratou diretamente com a ré, mas sim através de sua empregadora, que as instâncias ordinárias concluíram pelo direito de o recorrido receber tratamento através do plano de saúde. Nestes termos, tem incidência o disposto nos verbetes sumulares nº 5 e 7/STJ. II - É da jurisprudência deste Tribunal a abusividade de cláusula que, em contrato de seguro-saúde, afasta o tratamento de moléstias infecto-contagiosas de notificação compulsória, a exemplo da AIDS.

110

mencionada cláusula demonstra-se abusiva ao ser interpretada para obstar o tratamento de insuficiência renal e, por via de conseqüência, impedir a correta manutenção do bem maior: A vida. À espécie, aplicáveis as disposições contidas no art. 47 do CDC. 2. Recurso a que se nega provimento, mantendo-se a sentença vergastada aos seus próprios fundamentos.112

A questão da cobertura de doenças esbarra-se em quatro situações elencadas por

Claudia Lima Marques113:

1) o consumidor é raramente informado sobre estas limitações, criando-se a expectativa de que todas as doenças estão cobertas, com fundamento no CDC, através de seus arts. 31, 46 e 47, há uma interpretação da relação contratual pró-consumidor;114 2) as cláusulas limitativas aparecem sem destaque no texto do contrato e por vezes subdivididas em várias cláusulas, dificultando a interpretação e o conhecimento de seu verdadeiro sentido, além de descumprir dever de clareza expresso no CDC (arts. 46 e 54, § 4°);115 3) o contrato é redigido de forma ampla e técnica, podendo as

112 PERNAMBUCO (Estado). Tribunal de Justiça de Pernambuco. Ementa- 118498-7- Relator e

Desembargador José Neves- DJPE 07.12.2005. 113 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O novo regime das relações

contratuais. 4. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 832. 114 Tribunal de Justiça do Espírito Santo- Ementa – AC 011040065861 – 3ª C.Cív. – Rel. Des. Alinaldo Faria

de Souza – J. 01.08.2006-APELAÇÃO CÍVEL – PLANO DE SAÚDE – CONTRATO DE ADESÃO – INTERPRETAÇÃO FAVORÁVEL AO CONSUMIDOR – COBERTURA – DOENÇAS GRAVES – LIMITAÇÃO – NULIDADE – CLÁUSULAS RESTRITIVAS – RECURSO IMPROVIDO – 1. As cláusulas do contrato de adesão, por serem previamente estipuladas e não possibilitarem à parte aderente discuti-las, devem ser interpretadas contra a parte que as editou e, portanto, de forma favorável ao consumidor, conforme regra do art. 47 da Lei nº 8.078/90. 2. Já está pacificado neste tribunal que a limitação de cobertura de doenças graves é nula de pleno direito, vez que frustra expectativas legítimas do consumidor de ter a prestação dos serviços contratados, restringindo direitos inerentes à própria natureza e objetivos do contrato, bem como por violação ao princípio da boa-fé. 3. A prestadora de serviços de planos de saúde deve prestar efetivamente o serviço, com total aproveitamento, satisfação e, principalmente, segurança ao consumidor, que não pode ter incertezas quanto à cobertura ou não de eventuais procedimentos cirúrgicos. 4. As cláusulas restritivas ao direito do consumidor devem constar expressamente nos respectivos instrumentos contratuais, tendo em vista a teoria da função social do contrato. Sentença mantida. 5. Recurso improvido.

115 Tribunal de Justiça do Paraná – Ementa -Acórdão 0302427-5 – Curitiba – 18ª C.Cív. – Rel. Des. Antônio Renato Strapasson – J. 15.03.2006) JCDC.54 JCDC.54.4-AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO CONTRATUAL – PLANO DE SAÚDE – TRANSPLANTE AUTÓLOGO – NÃO EXCLUSÃO – DISCUSSÃO SOBRE SUA DENOMINAÇÃO – ALEGAÇÃO DE QUE A AUTORA TERIA SIDO SUBMETIDA TÃO SOMENTE A “QUIMIOTERAPIA EM ALTAS DOSES COM RESGATE DE CÉLULA PROGENITORA PERIFÉRICA” – CLÁUSULA QUE GERA DÚVIDA E QUE DEVE, POR ISTO, SER INTERPRETADA EM FAVOR DO CONSUMIDOR – RECURSO PROVIDO PARA JULGAR PROCEDENTE O PEDIDO INICIAL – 1. De acordo com o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Ap. Cív. 78.917.4/5, Rel. RUITER OLLIVA) “a redação da disposição contratual que prevê a exclusão de cobertura para caso de transplante autoriza uma interpretação no sentido de referir-se ao transplante heterólogo, que consiste na transferência de órgão ou porção deste de um indivíduo morto ou vivo para outro indivíduo, pois se de um lado assim se insere na compreensão comum das pessoas, de outro o próprio contrato admite tratamento em que possa ocorrer transplante autólogo se o problema de saúde decorrer de acidente pessoal. Para que a restrição pudesse alcançar o transplante autólogo, a disposição contratual teria que ser tecnicamente mais clara, a fim de que a consumidora tivesse dela a necessária compreensão e extensão. De qualquer modo, ainda que tecnicamente se possa admitir que o tratamento estabelecido para a autora seja classificado como um transplante autólogo, a rigor trata-se de um tratamento

111

expressões, em princípio, englobar todas, senão a maioria, das doenças humanas, ficando para o arbítrio do fornecedor apegar-se ou não à cláusula; 4) a saúde envolve um bem personalíssimo, indivisível e indisponível, no sentido da dignidade da pessoa humana, resultando tais limitações a determinados tipos de doença espécie nova de discriminação atentatória aos direitos fundamentais.

Como salientado, antes da Lei 9.656/98, não havia regulamentação específica para os

contratos de planos privados de assistência à saúde. Tão somente o Dec.-lei 73, de

21.11.1966, o qual criou o Sistema Nacional de Seguros Privados e instituiu o seguro-saúde.

Porém, não regulava a matéria a contento, possibilitando um gigantesco número de situações

levados ao Judiciário. Somente após a Constituição Federal e o Código de Defesa do

Consumidor que o usuário se viu garantido.

A cláusula de exclusão de doenças é abusiva porque contraria a boa-fé do

consumidor porque além de vulnerável, contrata um plano de saúde para utilizá-lo quando

adoecer e não sabe qual doença será portador.

A Lei 9.656/98 procurou solucionar a questão ao instituir no artigo 10, § 2116 o plano

de saúde referência que deve ser ofertado por todas as operadoras privadas, isentando-se dessa

obrigatoriedade somente as empresas que mantém assistência à saúde pela modalidade de

autogestão e aquelas que operam com exclusividade no setor odontológico.

A Lei 9.656/98 impõe a cobertura de todas as doenças conforme depreende os arts.

10, “caput” e 12, I e II. Assim, é instituído o plano-referência de assistência à saúde para

tratamento das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e

complexo e sofisticado de quimioterapia, que encontra ampla cobertura no contrato. A onerosidade do tratamento faz parte do risco contratual assumido pela autora”. 2. E consoante o Superior Tribunal de Justiça (RESP 311.509-SP, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA) “acolhida a premissa de que a cláusula excludente seria dúbia e de duvidosa clareza, sua interpretação deve favorecer o segurado, nos termos do art. 54, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor. Com efeito, nos contratos de adesão, as cláusulas limitativas ao direito do consumidor contratante deverão ser redigidas com clareza e destaque, para que não fujam de sua percepção leiga”.

116 Art. 10. “É instituído o plano ou seguro-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial médico-hospitalar-odontológica, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria ou centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças relacionadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei, exceto: [...] § 2º. As operadoras definidas nos incisos I e II do § 1º do art. 1º oferecerão, obrigatoriamente, a partir de 3 de dezembro de 1999, o plano ou seguro referência de que trata este artigo a todos os seus atuais e futuros consumidores.”

112

Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as

exigências mínimas estabelecidas no art. 12 da lei 9656/98. O plano referência deve ser

oferecido com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos

e tratamentos com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando

necessária a internação hospitalar.

Os planos de assistência odontológica estão excluídos da obrigatória oferta do plano-

referência e também não obrigam as pessoas jurídicas que operem no regime de autogestão,

modalidade em que não existe comercialização dos serviços e das coberturas, mas apenas

gestão participativa de todos ou de alguns beneficiários, sem o intuito de lucro.

Assim, todas as doenças catalogadas pela Organização Mundial de Saúde devem ser

cobertas nos contratos e se assim não for, serão nulas as cláusulas que estabeleçam restrições

à categoria de doenças cobertas, tendo em vista que o art. 51, I, do CDC estabelece a nulidade

das cláusulas que estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor.

Ademais, estabelecem os arts. 18, § 6°, III, e 20, §, do Código de Defesa do

Consumidor a necessidade da adequação dos serviços à expectativa do consumidor. O usuário

de plano de saúde quando contrata tem a legítima expectativa de que, caso fique doente, a

operadora de plano de saúde contratada suportará com os custos ao tratamento médico

necessário. Qualquer cláusula restritiva que impeça o restabelecimento da saúde em virtude da

espécie de doença sofrida, atenta contra a expectativa legítima do consumidor, bem como

atenta contra o inciso IV e § 1° do art. 51 do CDC onde considera abusiva a cláusula que

coloca o consumidor em desvantagem exagerada117.

117 Tribunal de Justiça do Paraná –Ementa- Acórdão 0302427-5 – Curitiba – 18ª C.Cív. – Rel. Des. Antônio

Renato Strapasson – J. 15.03.2006 - JCDC.54 JCDC.54.4-AÇÃO DE CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO CONTRATUAL – PLANO DE SAÚDE – TRANSPLANTE AUTÓLOGO – NÃO EXCLUSÃO – DISCUSSÃO SOBRE SUA DENOMINAÇÃO – ALEGAÇÃO DE QUE A AUTORA TERIA SIDO SUBMETIDA TÃO SOMENTE A “QUIMIOTERAPIA EM ALTAS DOSES COM RESGATE DE CÉLULA PROGENITORA PERIFÉRICA” – CLÁUSULA QUE GERA DÚVIDA E QUE DEVE, POR ISTO, SER INTERPRETADA EM FAVOR DO CONSUMIDOR – RECURSO PROVIDO PARA JULGAR PROCEDENTE O PEDIDO INICIAL – 1. De acordo com o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Ap. Cív. 78.917.4/5, Rel. RUITER OLLIVA) “a redação da disposição contratual que prevê a exclusão de cobertura para caso de transplante autoriza uma interpretação no sentido de referir-se ao transplante heterólogo, que consiste na transferência de órgão ou porção deste de um indivíduo morto ou vivo para outro indivíduo, pois se de um lado assim se insere na compreensão comum das pessoas, de outro o próprio contrato admite tratamento em que possa ocorrer transplante autólogo se o problema de saúde decorrer de acidente pessoal. Para que a restrição pudesse alcançar o transplante autólogo, a disposição contratual teria que ser tecnicamente mais clara, a fim de que a consumidora tivesse dela a necessária compreensão e extensão. De qualquer modo, ainda que tecnicamente se possa admitir que o tratamento

113

5.6.2 Exclusão do uso de Medicamentos e Materiais Importados

O artigo 10 da Lei 9.656/98 traz nos incisos I a VII exceções à obrigatoriedade da

oferta no plano referência, situações essas que podem incidir em abusividades em face do

usuário do plano de saúde. Assim, por exemplo, a exclusão do uso de medicamentos e

materiais importados imposto aos usuários de planos de natureza ambulatorial e com

internação hospitalar colide com as disposições do art. 51, IV, da Lei 8.078/90, ao estabelecer

que são abusivas as cláusulas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou

sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade. Evidentemente que se a utilização do

material ou medicamento importado resultar no sucesso do tratamento da doença do usuário,

evidentemente que a operadora não poderá se valer do inc. V do art. 10 da Lei 9.656/98 que

restringe o direito fundamental inerente à natureza do contrato, de forma a incidir o disposto

no § 1°, inciso II do artigo 51 do CDC.

5.6.3 Limitação de Internação Hospitalar

É comum observar nos contratos de prestação de serviços de saúde, a limitação da

permanência do paciente em hospitais ou Unidade de Terapia Intensiva (UTI), demonstrando

clara abusividade, conforme artigo 51, “caput”, inciso IV e § 1°, incisos I, II, III 118 e § 4°, do

estabelecido para a autora seja classificado como um transplante autólogo, a rigor trata-se de um tratamento complexo e sofisticado de quimioterapia, que encontra ampla cobertura no contrato. A onerosidade do tratamento faz parte do risco contratual assumido pela autora”. 2. E consoante o Superior Tribunal de Justiça (RESP 311.509-SP, Rel. Min. SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA) “acolhida a premissa de que a cláusula excludente seria dúbia e de duvidosa clareza, sua interpretação deve favorecer o segurado, nos termos do art. 54, § 4º, do Código de Defesa do Consumidor. Com efeito, nos contratos de adesão, as cláusulas limitativas ao direito do consumidor contratante deverão ser redigidas com clareza e destaque, para que não fujam de sua percepção leiga”.

118 Art. 51: “São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade; [...] § 1º - Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que: I - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II - restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou o equilíbrio contratual; III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. [...] § 4º - As cláusulas que implicarem limitação de direito do consumidor deverão ser redigidas com destaque, permitindo sua imediata e fácil compreensão.”

114

CDC. O tempo de internação para o tratamento da saúde só pode ser determinado pela equipe

médica, e não é da vontade do paciente permanecer no hospital, além do prazo estritamente

necessário para o restabelecimento de sua saúde. 0 que está em jogo é a vida humana, valor e

fundamento de toda a ordem jurídica, e por isso não se pode fixar o tempo necessário de

internação, baseando-se em cálculos inadequados e abusivos de operações econômicas ou

financeiras119.

A interrupção da internação, além de ser cláusula nula de pleno direito, traz ao

consumidor um constrangimento moral pela incerteza da continuidade ou não do tratamento e,

ao fornecedor, por esse motivo, a responsabilidade civil de indenizar, dentre outros, o dano

moral sofrido. Ademais, o art. 12, II, “a” e “b”, da Lei 9.656/98 vedou a limitação do prezo de

internação, inclusive para os centros de terapia intensiva ou similar.

119 MATO GROSSO (Estado). Tribunal de Justiça do Mato Grosso - Ementa – AC 44196/2002 – 3ª C.Cív. –

Rel. Des. Orlando de Almeida Perri – J. 04.06.2003) JCPC.1060 JCPC.1060.I - APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO CAUTELAR INOMINADA – MORTE DO REQUERENTE – HABILITAÇÃO PELO CÔNJUGE E HERDEIROS – PRESENÇA DE PRESSUPOSTO PROCESSUAL DE VALIDADE – PRELIMINAR REJEITADA – PLANO DE SAÚDE – INTERNAÇÃO EM UTI E SESSÕES DE FISIOTERAPIALIMITAÇÃO – IMPOSSIBILIDADE – DESEQUILÍBRIO NA RELAÇÃO CONTRATUAL – CONTRATO DE ADESÃO – INTERPRETAÇÃO FAVORÁVEL AO HIPOSSUFICIENTE – CLÁUSULAS ABUSIVAS – NULIDADE – INTELIGÊNCIA DA LEI Nº 8.078, DE 11.09.1990 – PACTA SUNT SERVANDA – INAPLICABILIDADE – FUMUS BONI IURIS E PERICULUM IN MORA – EXISTÊNCIA – RECURSO IMPROVIDO – Falecendo o conveniado do plano de saúde no curso da lide, o processo deve prosseguir com a habilitação do cônjuge e respectivos herdeiros (CPC, art. 1060, I). O plano de saúde que se nega a prestar cobertura ao usuário pelo fato de ter expirado o prazo, inicialmente, previsto, levando-o à desinternação, embora doente e prescindindo de tratamento em UTI ou em regime semi-intensivo, contrariando ordem da equipe médica, esgarça a natureza do contrato de assistência médica que, ultima ratio, versa sobre direitos absolutos à saúde e à vida. As cláusulas inseridas em contrato de assistência médica que limitam a internação do conveniado ou de seu dependente em UTI, segundo a melhor jurisprudência, são nulas, posto que consideradas abusivas frente à Lei nº 8.078/90. As cláusulas que limitam a utilização de tratamento em UTI ou similar, bem como a realização das sessões de fisioterapia, impostas no contrato de adesão, devem ser interpretadas com reservas, ainda mais se criam vantagens excessivas à entidade prestadora do serviço. A necessidade de se continuar o tratamento em UTI ou em regime semi-intensivo, bem como realizar as sessões de fisioterapia, na pessoa de paciente conveniado, por si só configura o periculum in mora e o fumus boni iuris autorizadores da pretensão cautelar, que determina a cobertura das despesas pelo plano de assistência médica contratado. Admite-se que não mais vigora, na plena acepção da palavra, o velho princípio de que o contrato faz Lei entre as partes contratantes, ou que cada qual deve suportar os danos de sua incúria, se contratou mal. O princípio do pacta sunt servanda era a regra, oriunda do direito romano, como expressão da intangibilidade do contrato. Porém, como dogma contratual não mais subsiste. (TJMT – AC 44196/2002 – 3ª C.Cív. – Rel. Des. Orlando de Almeida Perri – J. 04.06.2003) JCPC.1060 JCPC.1060.I

115

5.6.4 Exclusão de Doenças Preexistentes

Uma das questões mais polêmicas entre os fornecedores e consumidores de serviços

de plano de saúde diz respeito à negativa de cobertura médico-hospitalar com base de que o

tratamento solicitado configura doença preexistente à celebração do contrato.

Estabelece o artigo 11 da Lei 9.656/98 que:

É vedada a exclusão de cobertura às doenças e lesões preexistentes à data de contratação dos produtos de que tratam o inciso I e o § 1° desta Lei após vinte e quatro meses de vigência do aludido instrumento contratual, cabendo à respectiva operadora o ônus da prova e da demonstração do conhecimento prévio do consumidor ou beneficiário.

O referido artigo prevê a exclusão da cobertura de doença existente à época da

celebração do acordo durante o prazo de 24 meses após a vigência do contrato. Após tal

prazo, a fornecedora prestará cobertura a todas as doenças elencadas na lista organizada pela

Organização Mundial de Saúde abordada no artigo 10120 da Lei 9.656/98, não podendo alegar

que a doença é preexistente.

A questão surge quando a fornecedora alegar a doença preexistente antes de dois

anos da celebração do contrato. Pode ocorrer que, no momento da contratação, o consumidor

menciona a doença preexistente ou a operadora faz perícia prévia: nestas duas hipóteses

existem duas alternativas: agravo na majoração do contrato ou cobertura parcial temporária.

O agravo na majoração do contrato ocorre quando consumidor e fornecedora acordam que a

doença constatada será coberta mediante um pagamento de mensalidades mais alto do que o

padrão, durante o período de 24 meses. Já no caso de aderência ao plano com a restrição de

cobertura da doença constatada, deve-se frisar que esta só poderá existir pelo período de 24

meses. Após o transcurso de dois anos, a cobertura será total.

Na hipótese do consumidor fazer a opção pela cobertura parcial provisória os

atendimentos caracterizados como urgência e emergência relacionados à doença ou lesão

120 Art. 10: “É instituído o plano ou seguro-referência de assistência à saúde, com cobertura assistencial

médico-hospitalar-odontológica, compreendendo partos e tratamentos, realizados exclusivamente no Brasil, com padrão de enfermaria ou centro de terapia intensiva, ou similar, quando necessária a internação hospitalar, das doenças relacionadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as exigências mínimas estabelecidas no art. 12 desta Lei.”

116

preexistente, terão cobertura igual àquela assegurada na segmentação ambulatorial,

independente do contrato firmado. Findo o prazo de dois anos a cobertura será total.

A cobertura parcial temporária é a exclusão do tratamento integral de doenças

preexistentes, no prazo de 24 meses da celebração do contrato, conforme depreende a

Resolução CONSU 02, artigo 5°. O § 3° deste artigo estabelece: “Não haverá exclusão por

doenças e lesões preexistentes no caso de contratos coletivos empresarial ou por adesão, de

empresas, já definidos em regulamentação específica”.

A questão que traz mais polêmica nos tribunais diz respeito ao ônus da prova acerca

da preexistência da doença e da má-fé do consumidor. O artigo 11121 da Lei 9.656/98 elucida

que a operadora tem o ônus de demonstrar que a doença para cujo tratamento nega cobertura,

é preexistente. Ademais, referido dispositivo está de acordo com os artigos 6°, VIII e 47122,

ambos do Código de Defesa do Consumidor.

Com isso, basta ao fornecedor demonstrar que a doença é preexistente ou tem que

provar, também, que o consumidor agiu de má-fé, até porque a boa-fé do consumidor é

presumida no sistema do CDC, conforme infere o art. 4°, I e III. É muito comum que o

consumidor não tenha conhecimento prévio da doença no momento da contratação, porque

não havia sinal de sintoma. Assim, constatado que a doença é preexistente tem a operadora

provar que o consumidor agiu de má-fé, ou seja, omitiu maliciosamente a existência da

doença quando da formação do contrato. Até porque caso haja algum indício de doença a

operadora poderá exigir exames prévios. Assim, se a operadora não realizar exames prévios e

nem mesmo provar a má-fé do consumidor123, deverá cobrir as despesas com a doença ou

lesão preexistente.

121 Art. 11: “É vedada a exclusão de cobertura às doenças e lesões preexistentes à data de contratação dos

planos ou seguros de que trata esta Lei após vinte e quatro meses de vigência do aludido instrumento contratual, cabendo à respectiva operadora o ônus da prova e da demonstração do conhecimento prévio do consumidor.”

122 Art.6: [...] “VIII- a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências; O art. 47.” As cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor”.

123 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça – Resp. 86.095-SP-4ª T. – Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar – j. em 22.04.1996. Direito do Consumidor, n. 20, p. 151. Ver, ainda, a respeito do tema: Resp 234219-SP; Resp1999/0092625-0; Min. Ruy Rosado de Aguiar.

117

O segurado é um leigo, que quase sempre desconhece o real significado dos termos,

cláusulas e condições constantes dos formulários que lhes são apresentados. Para reconhecer a

sua malícia, seria indispensável a prova de que: realmente foi informado e esclarecido de todo

o conteúdo do contrato de adesão ao usuário, e, ainda, estava ciente das características de sua

eventual doença, classificação e efeitos.

A exigência de um comportamento de acordo com a boa-fé recai também sobre a

empresa que presta a assistência, pois ela tem, mais do que ninguém, condições de conhecer

as peculiaridades, as características, a álea do campo de sua atividade empresarial, destinada

ao lucro, para o que corre um risco que deve ser calculado antes de se lançar no

empreendimento.

O que não se pode permitir é que as operadoras de planos de saúde atuem

indiscriminadamente, quando se trata de receber as prestações, e depois passe a exigir estrito

cumprimento do contrato para afastar a sua obrigação de dar cobertura às despesas.

Cláudia Lima Marques acentua:

Tais esdrúxulas normas desequilibram as relações contratuais privadas mais do que as cláusulas eventualmente abusivas e, portanto, violam os interesses e direitos dos consumidores já protegidos por lei e pela Constituição Federal (art. 5°, XXXII) e pelo Código de Defesa do Consumidor. Melhor andaria o Parlamento e o Executivo se esclarecessem o que pretendiam com o art. 11 da nova lei: vedar ou legitimar tal cláusula? Na minha opinião essas cláusulas continuam vedadas nos contratos de planos e seguro-saúde em andamento e nos novos contratos de planos de saúde assinados após a entrada em vigor da lei especial, nos contratos em andamento com base no art. 51, IV, do CDC e nos novos em face de uma interpretação compatibilizadora da lei e do CDC e em uma provável interpretação literal da norma do art.11 da Lei 9.656/98. 124

Inquestionável, pois, que a cláusula de exclusão de doença preexistente é nula por

trazer vantagem exagerada aos fornecedores, pois ofende os princípios fundamentais do

sistema jurídico e, pela forma como é estabelecida, ameaça o objeto e o equilíbrio contratual,

sem falar que é excessivamente onerosa para o consumidor.

124 MARQUES, Cláudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor: O novo regime das relações

contratuais. 4. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 846.

118

5.6.5 Exclusão de Tratamentos e Procedimentos Cirúrgicos de Emagrecimento

Os incisos II e IV do art. 10 da Lei 9.656/98 excluem no plano referência

“procedimentos clínicos ou cirúrgicos para fins estéticos [...]” e “tratamento de

rejuvenescimento ou de emagrecimento com finalidade estética”.

Verifica-se que no caso concreto o usuário de plano de saúde é lesado em muitas

situações em especial nos casos de obesidade mórbida e, por conseguinte, alega a fornecedora

ser tratamento puramente estético.

Existem situações em que o tratamento estético é exigência do tratamento necessário,

porque nem sempre o tratamento estético é para embelezamento. Ademais, há situações em

que o tratamento estético é fundamental para reparação de conseqüências de acidentes. No

caso do tratamento para obesidade mórbida não resta dúvida que pode existir a finalidade

estética mas é apenas uma conseqüência considerando a gravidade da obesidade no paciente.

Assim, a reparação por cirurgia estética, desde que recomendada pelo médico, tem manifesta

natureza curativa e deve ter cobertura pelos contratos de planos privados de assistência à

saúde125. Constitui, pois, cláusula abusiva qualquer limitação do tratamento médico nestas

circunstância. Este é o entendimento jurisprudencial:

APELAÇÃO CÍVEL – DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CLÁUSULA CONTRATUAL – DEVER DE OBEDIÊNCIA À LEI 9.656/98, ART. 1º, § 2º – APLICABILIDADE DO CDC – RELAÇÃO DE CONSUMO CARACTERIZADA – PLANO DE SAÚDE – OBESIDADE MÓRBIDA – RESSARCIMENTO AO SEGURADO – ABUSIVIDADE DO ART. 4º, § 2º, DA RESOLUÇÃO 01/2000 – NULIDADE – APLICAÇÃO DOS ARTIGOS 6º, IV E 51, IV, § 1º, III, CDC – DECISÃO MANTIDA – RECURSO DESPROVIDO – A cirurgia de redução de

125 BRASIL. Tribunal de Justiça de Pernanbuco – AgRg 116789-5/01 – Rel. Des. Jones Figueirêdo – DJPE

11.12.2004-AGRAVO REGIMENTAL – PLANO DE SAÚDE – OBESIDADE MÓRBIDA – CIRURGIA DE GASTROPLASTIA – INOBSERVÂNCIA PELA AGRAVADA DOS PROCEDIMENTOS CONTRATUALMENTE EXIGÍVEIS – RELATÓRIO MÉDICO SUFICIENTE A JUSTIFICAR A AUTORIZAÇÃO DO PROCEDIMENTO CIRÚRGICO – INEXISTÊNCIA DO FUMUS BONI JURIS E DO PERICULUM IN MORA EM FAVOR DA AGRAVANTE – DECISÃO MANTIDA – RECURSO IMPROVIDO À UNANIMIDADE – 1. O relatório médico, indicativo de peso, idade e respectivo índice de massa corpórea, apresentado pela agravada constitui documento suficiente a demonstrar a necessidade de realização do procedimento cirúrgico de gastroplastia, para tratamento da obesidade mórbida. 2. A ausência de perícia médica por profissionais da agravante, por si só, não possui o condão de afastar o direito da agravada à cobertura contratual pretendida. 3. Não cumpriu a agravante o ônus de demonstrar os requisitos do fumus boni juris e do periculum in mora; a bem da verdade, este último militando em favor da agravada. 4. Unanimemente, negou-se provimento ao agravo regimental”.

119

estômago, sendo a obesidade mórbida reconhecida e catalogada na listagem da Associação Médica Brasileira, gera inquestionavelmente o ressarcimento ao segurado.126

5.6.6 Exclusão de Fornecimento de Medicamento para Tratamento Domiciliar

O inciso VI do art. 10 da Lei 9.656/98 exclui do plano referência o fornecimento de

medicamentos para tratamento domiciliar. Referida cláusula ofende o inc. IV do art. 51 do

CDC de forma que coloca em desvantagem exagerada e atinge sua boa-fé, presumida,na

relação de consumo.

Maury Angelo Bottesini e Mauro Conti Machado ensinam:

Se a recomendação médica é para que o paciente seja tratado em seu domicílio, sem prejuízo para o sucesso do tratamento e às vezes até com vantagens, como evitar o contágio por doenças oportunistas em razão de internação hospitalar mais demorada, e se os medicamentos que ele deve usar se incluem na cobertura caso houvesse a internação, é manifesta a obrigação de proporcionar cobertura para os dispêndios com tais medicamentos.127

Por outro lado, a fornecedora admitindo o remédio domiciliar pode diminuir a

progressão da doença, face à infecção hospitalar, e, ainda o custo com hospital e médicos é

muito maior. Ademais, o consumidor, na impossibilidade de arcar com o custo dos

medicamentos, acaba permanecendo internado nos hospitais por tempo indeterminado.

126 BRASIL. Tribunal de Justiça do Paraná. Ementa-Acórdão 0311726-2-Londrina-7ª C.Civ.-Relator

Desembargador José Maurício Pinto de Almeida – J. 14.02.2006. JCDC.1JCDC.1.2 JCD.6.JCDC.6.IVJCDC.51.1.III.

127 BOTTESINI, Maury Ângelo; MACHADO, Mauro Conti. Lei dos Planos e Seguro de Saúde. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 84.

120

CONCLUSÃO

Saúde não é apenas ausência de doença, mas um completo bem estar físico, mental e

social. E, ainda, direito de todos e dever do Estado.

Não é novidade que a atuação do Estado, por intermédio do Sistema Único de Saúde

está falido, proporcionando lugar à atividade privada, que visa garantir os serviços de

assistência médica à população, por meio dos contratos de planos privados de assistência à

saúde.

A iniciativa privada opera no setor justamente porque o sistema público, sem

recursos financeiros suficientes, não tem como oferecer serviços de assistência à saúde com

qualidade à população. Mas a realidade apresenta um quadro de total insatisfação até mesmo

dos usuários de contratos de planos privados de assistência à saúde.

As normas direito à saúde suplementar devem nortear a assistência privada à saúde,

de modo a impor e garantir que os serviços prestados sejam efetivamente capazes de sanar a

tempo e prevenir as enfermidades que os usuários eventualmente venham a sofrer.

Diante da complexidade do mercado, da alta heterogeneidade do setor, da falta de

conhecimento técnico sobre como o mercado está operando com a popularização dos planos

de saúde, bem como do aumento crescente de reclamações de usuários contra as entidades de

assistência privada à saúde, há um consenso quanto à necessidade de intervenção estatal sobre

a atuação das operadoras de planos de saúde.

Mesmo com a edição da lei de planos de saúde, 9.656/98, o setor de planos de saúde

continuou com problemas. A regulação busca corrigir as distorções dos usuários e operadoras

de planos privados de saúde, bem como preservar a competitividade do mercado. A lei tem

esta pretensão, porém as operadoras buscam tão somente o lucro, sem saber que o objeto do

contrato é a saúde.

Os avanços do processo de regulamentação não lograram êxito em contribuir para o

aperfeiçoamento das relações contratuais entre fornecedoras, pessoas jurídicas de direito

121

privado, não podendo deixar de reconhecer que este usuário é parte mais fraca na relação

contratual.

A lei 9.961, de 28 de janeiro de 2000 criou a Agência Nacional de Saúde

Suplementar, pessoa jurídica de direito público, integrante da administração indireta do

Estado, que tem por finalidade promover a defesa e a higidez do mercado de saúde

suplementar.

A lei de planos de saúde regula os contratos de planos privados de assistência à

saúde, bem como regimes e tipos de contratação, porém, o mercado exige muitas vezes outras

situações não regulamentadas, deixando, muitas vezes, o usuário sem opção, tornando-se

vulnerável na relação contratual.

Os contratos de plano de saúde são contratos de longa duração por envolver por

longo período um fornecedor e um consumidor e isso faz com que sejam editadas várias leis

que possam regular o contrato.

O Código de Defesa do Consumidor é lei de sobredireito e os contratos continuam

regulamentados pelas normas e princípios que lhe são próprios mas subordinados ao Código

de Defesa do Consumidor se presente a relação de consumo.

A regra de que a lei especial derroga a geral não prevalece tendo em vista que o

Código de Defesa do Consumidor é não é apenas lei geral das relações de consumo mas,

também, lei principiológica, subordinando todas leis que regulem algum setor da relação de

consumo, presentes ou futuras, ao Código de Defesa do Consumidor.

Os contratos de planos privados de assistência à saúde, celebrados anteriormente à lei

9.656/98 permanecem na égide da Constituição Federal e do Código de Defesa do

Consumidor e as cláusulas abusivas também são nulas.

Assim, deve haver um meio termo e havendo incompatibilidade entre os princípios

do artigo 170, inciso V, da Constituição Federal, ou seja, defesa do consumidor, livre

iniciativa e autonomia da vontade, deve-se fazer uma conciliação entre eles a fim de buscar a

proteção do mais fraco na relação contratual.

122

Não há dúvida da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor nos contratos

de planos privados de assistência à saúde, diante da inquestionável existência da relação de

consumo nestes contratos.

O objeto de regulamentação pelo Código de Defesa do Consumidor é a relação de

consumo, assim entendida a relação jurídica que possui como sujeitos um consumidor e um

fornecedor, tendo como objeto, a aquisição de um produto ou a utilização de um serviço, e

buscando-se uma finalidade, que seja a compra de um produto ou a prestação de serviços,

como destinatário final.

O sistema de proteção do consumidor considera fornecedores, todos aqueles que

participam da cadeia de fornecimento de produtos e de serviços, não importando sua relação

direta ou indireta, contratual ou extracontratual com o consumidor, daí advém à solidariedade

entre os participantes da cadeia, consoante os artigos 18, 20 e 14 “caput” do Código de Defesa

do Consumidor.

As operadoras de planos privado de assistência à saúde, são pessoas jurídicas de

direito privado, com liberdade em sua organização societária, prestando serviços próprios ou

por intermédio de terceiros, mediante contraprestações pecuniárias, que compreende a

prevenção e o tratamento de doenças, a manutenção e a reabilitação da saúde. Sendo assim,

típicas prestadoras de serviço na relação de assistência à saúde, a teor do artigo 3º do Código

de Defesa do Consumidor.

Consumidor é a pessoa que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatária

final. O consumidor pode ser aquele que figura na relação jurídica, o contratante, ou o utente

do produto ou serviço. Inquestionável, pois, que os dependentes do plano de saúde

caracterizam-se como consumidores.

Prevalece a inclusão das pessoas jurídicas como consumidoras, com a ressalva de

que, somente incluem-se aquelas que se encaixam como destinatárias finais dos produtos e

serviços que adquirem, e não os utilizando como insumos necessários ao desempenho de sua

atividade lucrativa. Assim a interpretação do Código de Defesa do Consumidor ao contemplar

a pessoa jurídica como consumidora, deve ser analisada a cada caso concreto.

123

Não pode partir da interpretação maximalista porque pode levar o aplicador da lei a

concluir que as operadoras de planos de saúde são “consumidoras” porque adquirem serviços

dos hospitais; que os hospitais são “consumidores” de equipamentos médicos; que os médicos

são “consumidores” dos serviços de apoio diagnóstico.

No gênero prestação de serviços, que, da mesma forma, se integra diferentes figuras

ou modalidades, permite-se ao contratante a disposição de força de trabalho, intelectual ou

física, de outrem, mediante remuneração.

Em todos os diferentes setores de serviços, a tônica é também a contratação mediante

adesão, compreendendo-se extenso elenco, e, com ou sem documentação escrita. Pode-se,

perfazer-se mediante ação pessoal, entrega da coisa e outros modos de contrato possíveis,

cumprindo ao usuário aderir às cláusulas e às condições que o fornecedor estipula, às vezes

em regimentos ou regulamentos, ou mesmo em normas internas de serviço, estando aí,

compreendidos os planos de assistência à saúde.

De outra parte, para uma nova teoria contratual, positivada no CDC, diminuindo os

efeitos do pacta sunt servanda, interferindo na vontade das partes no contrato, por não ser esta

um fator decisivo, a lei assume um papel fundamental para a decisão dessas questões. As

normas do CDC, valorizam tanto à vontade do consumidor, como a boa-fé, a segurança, o

equilíbrio, a lealdade e o respeito nas relações de consumo. A finalidade da norma é trazer

maior transparência nas relações de consumo, proteger à confiança dos consumidores no

vínculo contratual e nas características do produto ou serviço fornecido; ou seja, impor maior

lealdade e boa fé nas práticas, no caso do presente estudo, as operadoras dos planos de

assistência à saúde, para que, em última instância alcançar o necessário equilíbrio no contrato.

Do exame das regras que impõem deveres de informação à operadora do plano de

saúde é possível concluir, que se trata de obrigação autônoma em relação ao contrato de

prestação de serviços que vincula o consumidor à empresa organizadora da rede de serviços

de assistência à saúde. E, mais, há deveres, inclusive, na fase pré-contratual e, mesmo durante

sua operação, uma vez que, conforme já dito, os planos de saúde têm a obrigação de garantir

transparência ao consumidor, ao poder público e ao mercado em geral.

124

De outra parte, a interpretação dos contratos de planos de saúde deve ser feita a fim

de proteger o equilíbrio contratual, distribuindo-se deveres e direitos. O consumidor do

contrato de prestação de serviço de saúde é parte reconhecida como vulnerável, e com os

fornecedores dos planos está a responsabilidade pela qualidade dos serviços, tendo-se em

conta a relação continuativa do vínculo contratual. Assim, cabe ao Poder Judiciário afastar as

cláusulas abusivas, seja a pedido do próprio consumidor como também, através de entidades

de proteção, Ministério Público e incidentalmente ex officio. O fator preponderante passa da

manifestação da vontade para a verdadeira intenção dos contratantes, protegendo-se os

legítimos interesses e expectativas dos consumidores.

O Código de Defesa do Consumidor impõe, assim, no ordenamento jurídico

brasileiro, um novo regime legal quando da formação dos contratos, ao impor novos direitos

para os consumidores previstos, especialmente, no artigo 6º, tais como: proteção da vida,

divulgação sobre o consumo, informação adequada, proteção contra publicidade enganosa e

abusiva, modificação de cláusulas contratuais, entre outros e novos deveres para as

operadoras, que podem ser sintetizados nos princípios da boa fé e transparência.

O princípio da transparência impõe uma nova conduta mais leal e aberta na fase

contratual. A finalidade destas normas do CDC é a de possibilitar uma aproximação e uma

futura relação mais sincera e menos danosa ao consumidor. A boa fé orienta não só o contrato

de consumo, mas, também será o guia das práticas comerciais, em especial, a dos planos de

saúde.

O CDC rompe efetivamente com o pensamento individualista e liberal do Direito das

Obrigações. Rompe com a função exclusivamente supletiva das normas que disciplinavam os

contratos, e, introduz uma nova concepção que vai relativizar o dogma da autonomia da

vontade, instituindo estes novos valores imperativos: transparência, boa fé, equilíbrio,

segurança e respeitos às relações de consumo.

Ademais, jurisprudência tem contribuído em muito para a interpretação ponderada e

ao mesmo tempo efetiva das normas do CDC. Aliados a isso, os numerosos trabalhos a

respeito do tema estão afirmando a eficácia prática da lei e sua importância nas relações

contratuais, constituindo-se num instrumento apto e flexível de solução dos problemas e lides.

125

A soberania do contrato não pode ser imposta ao consumidor e por conseguinte o

Código de Defesa do Consumidor traz todo um cortejo de arbítrios preventivos, tanto na fase

pré-contratual como na pós-contratual, para evitar que o desequilíbrio prevaleça. O direito de

informação é próprio do direito como todo, mas nas relações de consumo que o manter-se

informado de forma límpida e transparente encontrou grande difusão. A aceitação é

condicionada a certo prazo de reflexão, como as linda e encantadoras propagandas do plano

de saúde onde veiculam que a saída para o consumidor ter qualidade de vida e saúde

dependem da aquisição de um plano de saúde.

As operadoras de planos de saúde que detém o poder econômico, fixa todas as

condições para que exista o contrato, as cláusulas são predispostas e rígidas e ao contratante

cabe apenas aderir, assim esses contratos são formulados pela vontade única do fornecedor. A

doutrina admite o contrato de adesão, mas as partes têm que entender as cláusulas contratuais.

Ao aplicar o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de planos de saúde

extrai-se a aplicação de algumas cautelas que os consumidores destes contratos devem adotar,

antes e depois de assinarem o contrato. O instrumento jurídico deve ser impresso em termos

claros, em caracteres bem legíveis, que não cansem, não se admitindo o tipo de impressão em

letra miúda, que dificulta a leitura e compreensão. As cláusulas que impliquem em limitação

ou alguma desvantagem ao consumidor, devem ser impressas em destaque. Sem estas

características, serão consideradas como não escritas ou ineficazes, mesmo que tenham sido

aceitas pelo consumidor, implícita ou explicitamente, os quais, obrigatoriamente, o plano de

referência, com as coberturas e reajustes especificados por diferentes faixas etárias. Além da

obrigação da operadora de fornecer as informações, responderá ainda por todos os atos de

seus representantes. Informações inexatas, obscuras, díspares das constantes na publicidade

ou divulgação do plano de saúde, poderão ensejar em vícios previstos no art 20, do CDC,

acarretando reexecução do serviço, redibição ou diminuição do valor pago a depender da

escolha do consumidor. Ainda, na fase pré-contratual, o consumidor deve saber que, se não

observados os preceitos estipulados no CDC as cláusulas contratuais não o obrigam,

recebendo a interpretação que mais o favorecer (arts. 46 e 47 do CDC).

O número e espécie de cláusulas abusivas constantes no mercado é infindável e que

são combatidas pelos Tribunais considerando a relação de consumo e aplicação do Código de

Defesa do Consumidor aos contratos de planos privados de assistência à saúde.

126

A cláusula de exclusão de doenças é abusiva porque contraria a boa-fé do

consumidor, porque além de vulnerável, contrata um plano de saúde para utilizá-lo quando

adoecer e não sabe qual doença será portador.

A Lei 9.656/98 procurou solucionar a questão ao instituir no artigo 10, § 2 o plano de

saúde referência que deve ser ofertado por todas as operadoras privadas, isentando-se dessa

obrigatoriedade somente as empresas que mantém assistência à saúde pela modalidade de

autogestão e aquelas que operam com exclusividade no setor odontológico.

A Lei 9.656/98 impõe a cobertura de todas as doenças conforme depreende os arts.

10, “caput” e 12, I e II. Assim, é instituído o plano-referência de assistência à saúde para

tratamento das doenças listadas na Classificação Estatística Internacional de Doenças e

Problemas Relacionados com a Saúde, da Organização Mundial de Saúde, respeitadas as

exigências mínimas estabelecidas no art. 12 da lei 9656/98. O plano referência deve ser

oferecido com cobertura assistencial médico-ambulatorial e hospitalar, compreendendo partos

e tratamentos com padrão de enfermaria, centro de terapia intensiva, ou similar, quando

necessária a internação hospitalar.

A exclusão do uso de medicamentos e materiais importados imposto aos usuários de

planos de natureza ambulatorial e com internação hospitalar colide com as disposições do art.

51, IV, da Lei 8.078/90, ao estabelecer que são abusivas as cláusulas que coloquem o

consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade.

O tempo de internação para o tratamento da saúde também é abusivo, porque só pode

ser determinado pela equipe médica, e não é da vontade do paciente permanecer no hospital,

além do prazo estritamente necessário para o restabelecimento de sua saúde. 0 que está em

jogo é a vida humana, valor e fundamento de toda a ordem jurídica, e por isso não se pode

fixar o tempo necessário de internação, baseando-se em cálculos inadequados e abusivos de

operações econômicas ou financeiras

A questão que traz mais polêmica nos tribunais diz respeito ao ônus da prova acerca

da preexistência da doença e da má-fé do consumidor. O artigo 11 da Lei 9.656/98 elucida

que a operadora tem o ônus de demonstrar que a doença para cujo tratamento nega cobertura,

é preexistente. Ademais, referido dispositivo está de acordo com os artigos 6°, VIII e 47,

ambos do Código de Defesa do Consumidor.

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Com isso, basta ao fornecedor demonstrar que a doença é preexistente ou tem que

provar, também, que o consumidor agiu de má-fé, até porque a boa-fé do consumidor é

presumida no sistema do CDC, conforme infere o art. 4°, I e III. É muito comum que o

consumidor não tenha conhecimento prévio da doença no momento da contratação, porque

não havia sinal de sintoma. Assim, constatado que a doença é preexistente tem a operadora

provar que o consumidor agiu de má-fé, ou seja, omitiu maliciosamente a existência da

doença quando da formação do contrato. Até porque caso haja algum indício de doença a

operadora poderá exigir exames prévios. Assim, se a operadora não realizar exames prévios e

nem mesmo provar a má-fé do consumidor, deverá cobrir as despesas com a doença ou lesão

preexistente.

O usuário de plano de saúde, na maioria das vezes, é um leigo, que quase sempre

desconhece o real significado dos termos, cláusulas e condições constantes dos formulários

que lhes são apresentados. Para reconhecer a sua malícia, seria indispensável a prova de que

realmente foi informado e esclarecido de todo o conteúdo do contrato de adesão ao usuário,

e, ainda, estava ciente das características de sua eventual doença, classificação e efeitos.

A exigência de um comportamento de acordo com a boa-fé recai também sobre a

empresa que presta a assistência, pois ela tem, mais do que ninguém, condições de conhecer

as peculiaridades, as características, a álea do campo de sua atividade empresarial, destinada

ao lucro, para o que corre um risco que deve ser calculado antes de se lançar no

empreendimento, visando, ainda, a função social do contrato. Claro que a operadora visa lucro

mas ao iniciar o ramo de assistência à saúde deve estar ciente que o lucro não sempre é

constante, porque primeiro é o direito à vida.

O que não se pode permitir é que as operadoras de planos de saúde atuem

indiscriminadamente, quando se trata de receber as prestações, e depois passe a exigir estrito

cumprimento do contrato para afastar a sua obrigação de dar cobertura às despesas, devendo,

sempre, respeitar os direitos dos usuários de planos privados de assistência à saúde, parte

vulnerável na relação contratual e os Tribunais tem contribuído na defesa dos consumidores,

aliados à função social e à boa-fé que devem permear toda relação contratual.

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