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365 A RENOVAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL E VIGÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE Amanda Suelen Ferreira Bastos 1 RESUMO O presente artigo realiza uma discussão sobre a atualidade da renovação do Serviço Social Processo que se iniciou na década de 1960. Resgata a fundamentação histórica e metodológica da profissão e os elementos próprios da renovação e reconceituação. A renovação, na contemporaneidade se dá através da reafirmação dos pressupostos ético- políticos da categoria profissional que emergiram após o rompimento com o conservadorismo tradicional. Palavras-chave: Serviço Social; Renovação; contemporaneidade. ABSTRACT This article provides a discussion of the relevance of Social Service renewal that began in the 1960s. For that rescues the historical and methodological reasons the profession and the proper elements of renewal and reconceptualization. The renewal takes place in contemporary times by reiterating ethical and political assumptions of the professional category that emerged after the break with traditional conservatism. Key-words: Social Service; Renewal; contemporaneity. 1 INTRODUÇÃO O Serviço Social consiste em uma especialização do trabalho coletivo, inserido no modo de produção capitalista para intervir sobre as expressões da “questão social” através da realização de políticas sociais. Sua origem se dá no contexto de expansão do capitalismo monopolista no país. Visando realizar uma abordagem sobre a história e desenvolvimento do Serviço Social, o presente artigo foca sua análise nos Movimentos de Reconceituação e renovação profissionais, que mudaram as bases da intervenção da profissão na sociedade. 1 Assistente social, discente do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de Sergipe UFS. [email protected]

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A RENOVAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL E VIGÊNCIA NA CONTEMPORANEIDADE

Amanda Suelen Ferreira Bastos1

RESUMO

O presente artigo realiza uma discussão sobre a atualidade da renovação do Serviço Social Processo que se iniciou na década de 1960. Resgata a fundamentação histórica e metodológica da profissão e os elementos próprios da renovação e reconceituação. A renovação, na contemporaneidade se dá através da reafirmação dos pressupostos ético-políticos da categoria profissional que emergiram após o rompimento com o conservadorismo tradicional. Palavras-chave: Serviço Social; Renovação; contemporaneidade.

ABSTRACT

This article provides a discussion of the relevance of Social Service renewal that began in the 1960s. For that rescues the historical and methodological reasons the profession and the proper elements of renewal and reconceptualization. The renewal takes place in contemporary times by reiterating ethical and political assumptions of the professional category that emerged after the break with traditional conservatism. Key-words: Social Service; Renewal; contemporaneity.

1 INTRODUÇÃO

O Serviço Social consiste em uma especialização do trabalho coletivo, inserido no

modo de produção capitalista para intervir sobre as expressões da “questão social”

através da realização de políticas sociais. Sua origem se dá no contexto de expansão do

capitalismo monopolista no país.

Visando realizar uma abordagem sobre a história e desenvolvimento do Serviço

Social, o presente artigo foca sua análise nos Movimentos de Reconceituação e

renovação profissionais, que mudaram as bases da intervenção da profissão na

sociedade.

1 Assistente social, discente do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social da Universidade Federal de

Sergipe – UFS. [email protected]

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O eixo que direciona as argumentações desse artigo é a atualidade dos

pressupostos da renovação profissional, que proporcionou especialmente, a partir os anos

1980, a aproximação do Serviço Social com a teoria social crítica, e proporcionou uma

ruptura com o tradicional conservadorismo profissional passando a nortear os aportes

ético-políticos, técnico-operativos e teóricos-metodológicos da profissão.

O Serviço Social na contemporaneidade responde às suas demandas através do

comprometimento com os interesses dos trabalhadores, se valendo de uma relativa

autonomia para realizar uma intervenção/análise crítica da realidade social, com o

objetivo de reivindicar e mediar o acesso aos direitos sociais.

2 FUNDAMENTOS E HISTÓRIA DO SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL

O Serviço Social se insere na sociedade brasileira durante a vigência do

capitalismo monopolista, a partir do momento que o Estado passa a intervir sobre as

sequelas da “questão social” através de políticas sociais.

Para entender os fundamentos em que a profissão se baseia e a história de seu

desenvolvimento no país, é necessário primeiramente contextualizar a conjuntura do

capitalismo brasileiro do período, bem como sua interface com a “questão social”.

2.1 A “questão social” e a capitalismo durante a emergência do Serviço Social no

Brasil

O capitalismo, a partir do final do século XIX adentra em outra fase no seu

desenvolvimento organizativo, alterando profundamente as relações de produção e

sociais existentes. Ele passou de sua fase concorrencial para a monopolista, que perdura

até os dias atuais.

O processo de concentração e expansão capitalista foi denominado por Lênin

(1985) de imperialismo, por transformar a concorrência capitalista através do advento dos

monopólios, que passaram a dominar o mercado com a fixação e imposição de preços,

incorporação de pequenas empresas, além da expansão do domínio capitalista para

outros países com a implantação de indústrias transnacionais.

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O capitalismo chegado à sua fase imperialista, conduz à beira da socialização integral da produção; ele arrasta os capitalistas, seja como for, independentemente da sua vontade e sem que eles tenham consciência disso, para uma nova ordem social, intermédia entre a livre concorrência e a socialização integral (LÊNIN, 1985, p. 25). A produção torna-se social, mas a apropriação continua privada. Os meios de produção sociais permanecem propriedade privada de um pequeno número de indivíduos. O quadro geral da livre concorrência, que se reconhece nominalmente, subsiste e o jugo exercido por um punhado de monopolistas sobre a restante população torna-se cem vezes mais pesado, mais sensível, mais intolerável (LÊNIN, 1985, p. 25).

Durante sua etapa imperialista o modo de produção capitalista passou por fases

distintas, é importante apreendermos estas para fazer a conexão com a realidade

brasileira.

Ao recuperarem a análise mandeliana Netto e Braz (2006) afirmam que o período

“clássico” do capitalismo monopolista vai de 1890 a 1940, onde a crise de 1929 cunhou a

necessidade de intervenção do Estado na economia no âmbito da produção e

acumulação. A segunda fase ficou conhecida como “anos dourados”, que vai do fim da

Segunda Guerra Mundial até a entrada dos anos 1970. Nela o capitalismo conheceu um

período de vasto crescimento, visto que havia ampla intervenção estatal, materializada

através do pacto fordista/ keynesiano.

O terceiro estágio imperialista é o capitalismo contemporâneo, que se estende de

meados da década de 1970 até os dias atuais. Esta etapa proporcionou um quadro de

mundialização do capital. Após viver um período de grande crescimento o capitalismo

entra em uma onda recessiva que atingiu as potências capitalistas.

No período transitório entre o capitalismo concorrencial e o capitalismo monopolista

se destacam três fenômenos, que segundo Netto (2005) ganham importância nesse novo

estágio. São estes: a constituição do proletariado enquanto classe para si; a burguesia

operando como agente social conservador; e o peso específico das classes e camadas

intermediárias.

Aqui cabe destacar o processo de constituição da consciência de classe para si,

pelo proletariado, que é marcado pelo seu protagonismo nas lutas por melhores

condições de produção e reprodução da vida social, concretizados através dos sindicatos

e partidos políticos. Esse foi um momento no qual ocorreram diversas crises capitalistas,

que acarretaram, em um primeiro momento, desemprego, redução de salários e postos de

trabalho, aumento da fome e da miséria. A luta dos trabalhadores, aliada à busca dos

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capitalistas por instrumentos de controle dessa classe em ebulição, geraram respostas

estatais mais incisivas à “questão social”.

A “questão social” deve ser compreendida como o conjunto das expressões das

desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção

social é cada vez mais coletiva, enquanto a apropriação dos seus frutos mantém-se

privada, monopolizada por uma parte da sociedade” (IAMAMOTO, 1999). Esta é,

portanto, inerente ao sistema capitalista. Nas palavras de Netto (2005, p. 157)

[...] o desenvolvimento capitalista produz, compulsoriamente, a “questão social” – diferentes estágios capitalistas produzem diferentes manifestações da “questão social”; esta não é uma sequela adjetiva ou transitória do regime do capital: sua existência e suas manifestações são indissociáveis da dinâmica especifica do capital tornado potência social dominante. A “questão social” é constitutiva do desenvolvimento do capitalismo. Não se suprime a primeira conservando-se o segundo.

No estágio monopolista o Estado passou a intervir de forma mais incisiva sobre a

“questão social”. Incialmente essa intervenção é direcionada a garantir a acumulação dos

monopólios; posteriormente, com o processo organizativo da classe trabalhadora, e a

intensificação das contradições existentes entre capital e trabalho, suas ações passaram

a buscar a preservação e controle da força de trabalho.

A forma encontrada para solidificar a intervenção sobre a “questão social” foram as

políticas sociais2. Estas são “[...] desdobramentos e até mesmo respostas e formas de

enfrentamento às [...] expressões multifacetadas da questão social no capitalismo, cujo

fundamento se encontra nas relações de exploração do capital sobre o trabalho”

(BEHRING; BOSCHETTI,2006, p. 51).

É válido destacar que o processo de implementação das políticas sociais nos

países capitalistas não foi uniforme, dependendo de fatores, como a formação social e

econômica de cada um, além da capacidade organizativa da classe trabalhadora, no que

tange ao processo de luta pela reinvindicação de direitos.

No caso brasileiro as intervenções sobre a “questão social” através de políticas

sociais públicas vão ocorrer a partir de 1930, quando o Estado, no governo de Getúlio

Vargas, passa efetivamente a realizar ações voltadas para estes fins. O desenvolvimento

2Estas somente podem se configurar como política social pública no capitalismo monopolista. Anteriormente

a esse momento, durante o capitalismo concorrencial, o trato da “questão social” geralmente não era alvo da intervenção estatal, e quando era se dava através da criminalização ou culpabilização moral.

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das políticas sociais no país possui características determinadas pelo modo de

organização do sistema capitalista, pois este se dá de forma diferenciada em relação aos

países centrais.

O início da transição do capitalismo brasileiro se deu através da crise do poder

oligárquico, que acabou por mudar as estruturas de poder no país, mas esse não foi um

momento de total ruptura, pois a dominação burguesa é realizada sob a hegemonia da

oligarquia, que não perdeu as bases de seu poder.

A burguesia brasileira convergiu para o Estado, unificando-se com este no plano

político. Segundo Fernandes (1976, p. 206) “a transição para o século XX e todo o

processo de industrialização que se desencadeia até a década de 30 fazem parte da

evolução interna do capitalismo competitivo”.

Assim, o capitalismo brasileiro se configurou como dependente, voltado para

consolidar o desenvolvimento imperialista. Coutinho (2005) reforça essa ideia ao afirmar

que a modernização econômico-social no Brasil seguiu uma “via prussiana”, ou “revolução

passiva”, pois as transformações ocorridas não decorreram de revoluções, mas de

conciliação entre os grupos dominantes, sendo realizadas “de cima para baixo”,

[...] a transição do Brasil para o capitalismo (e de cada fase do capitalismo para a fase subsequente) não se deu apenas no quadro da reprodução ampliada da dependência, ou seja, com a passagem da subordinação formal à subordinação real em face ao capital mundial; em estreita relação com isso (já que uma solução não prussiana da questão agraria asseguraria as condições para o desenvolvimento de um capitalismo nacional não dependente), essa transição se processou também segundo o modelo da “modernização conservadora” prussiana (COUTINHO, 2005, p. 52).

O enfrentamento da “questão social” no país, caracterizado pelo capitalismo

retardatário e determinado “pelo aprofundamento do imperialismo e do processo de

concentração e centralização de capitais, próprios do capitalismo em seu estágio

monopolista” (SANTOS, 2012, p. 137), se intensificou através de políticas sociais que

buscavam a regulamentação do trabalho. É salutar lembrar que até então suas

expressões eram tidas como problemas de polícia.

Pode-se apontar como as principais medidas do período a regulação do trabalho

através da criação da carteira de trabalho, bem como ações voltadas para aposentadorias

e pensões; a instituição dos Ministérios de Educação e Saúde que significaram o

desenvolvimento nacional dessas políticas; a criação da Legião Brasileira de Assistência

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(LBA), que foi marcada pelo assistencialismo e práticas de tutela e favor na relação entre

Estado e sociedade; no âmbito da infância e juventude destacam-se o Código de Menores

e a criação do Serviço de Assistência ao Menor (SAM), (BEHRING; BOSCHETTI, 2006).

É no contexto da emergência das políticas sociais realizadas no âmbito estatal para

o enfrentamento da “questão social” que surge a necessidade do Serviço Social enquanto

especialização do trabalho coletivo.

2.2 Fundamentos históricos do Serviço Social brasileiro

O surgimento do Serviço Social tem relação direta com as relações sociais e de

produção estabelecidas na sociedade capitalista, tal como foi situado anteriormente. Ao

analisar a profissão não se pode perder de vista essa conexão, sob pena de se fundar em

uma análise linear e destoada dos processos da totalidade da vida social.

Montaño (2011), ao discutir a natureza do Serviço Social, afirma que para debater

a gênese da profissão se firmaram duas teses, com fundamentações distintas, e que por

isso se tornam mutuamente excludentes. A primeira é a perspectiva endogenista que vê o

Serviço Social como uma evolução, profissionalização e sistematização da caridade, da

ajuda, e filantropia, agora voltada para a intervenção sobre a “questão social”.

[...] efetivamente, as análises desses autores quanto à natureza do Serviço Social (mesmo que diferente quando tratam a sociedade no seu conjunto e seu posicionamento perante a realidade) não consideram o real (a história da sociedade) como o fundamento e causalidades da gênese e desenvolvimento profissional, apenas situando as etapas do Serviço Social em contextos históricos [...]. Têm, por isso, uma perspectiva endógena, onde o tratamento teórico confere ao Serviço Social uma autonomia histórica com respeito à sociedade, às classes e às lutas sociais (MONTAÑO, 2011, p. 27).

A perspectiva histórico-crítica entende o surgimento do Serviço Social como uma

síntese dos projetos político-econômicos que operam no desenvolvimento histórico,

quando no capitalismo monopolista, o Estado assume a intervenção direta sobre a

“questão social”. Portanto, a gênese do Serviço Social não estaria vinculada a um

processo evolutivo da caridade, mas sim, à própria dinâmica capitalista em seu estágio

monopólico.

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Este trabalho coaduna com a segunda tese e percebe a profissão como

historicamente situada e elemento que contribui para a produção e reprodução dos

indivíduos sociais. Estes, entendidos conforme Iamamoto e Carvalho (2005, p. 72):

[...] a reprodução das relações sociais não se restringe à reprodução da força viva de trabalho e dos meios objetivos de produção (instrumentos de produção e metérias-primas). A noção de reprodução engloba-os, enquanto elementos substanciais do processo de trabalho, mas, também, os ultrapassa. Não se trata apenas da reprodução material em seu sentido amplo, englobando produção, consumo, distribuição e troca de mercadorias. Refere-se à reprodução das forças produtivas e das relações de produção na sua globalidade, envolvendo, também, a reprodução da produção espiritual, isto é, das formas de consciência social: jurídicas, religiosas, artísticas ou filosóficas, através das quais se torna consciência das mudanças ocorridas nas condições materiais de produção [...]. Assim, a reprodução das relações sociais é a reprodução da totalidade do processo social, a reprodução de determinado modo de vida que envolve o cotidiano da vida em sociedade: o modo de viver e de trabalhar, de forma socialmente determinada, dos indivíduos em sociedade [...].

Para formular e implementar as políticas socais do Estado monopolista são

necessários agentes técnicos, dentre esses foi demandado o Serviço Social, com a

funcionalidade de preservar e controlar a força de trabalho. Netto (2005, p. 76), destaca

que este “[...] não desempenha funções produtivas, mas se insere nas atividades que se

tornaram acolitas dos processos especificamente monopólicos da reprodução, da

acumulação e da valorização do capital [...]”. As influências teóricas, e a forma como esse

exercício profissional foi historicamente realizado será aprofundado no próximo item, com

vistas a compreender o Serviço Social e sua renovação na cena contemporânea.

3 RECONCEITUAÇÃO E RENOVAÇÃO NO SERVIÇO SOCIAL BRASILEIRO

O surgimento do Serviço Social, no Brasil, se deu na década de 1930. Este atuou

historicamente atendendo tanto aos interesses da classe trabalhadora, diante de suas

necessidades sociais, bem como os interesses das classes dominantes, e Estado, este

enquanto seu maior empregador.

Incialmente as bases ideológicas do Serviço Social se relacionaram com a doutrina

social da Igreja, não apenas católica, mas em sua maioria, que confiaram à atividade

profissional um caráter missionário e vocacional. Os interesses filantrópicos e altruístas

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eram reforçados; contudo, para a classe dominante o que importava era o controle social

dos trabalhadores e o reforço da hegemonia do capital como um bem para toda

sociedade.

As intervenções profissionais tinham um cunho moral e religioso e eram voltadas

para o trabalhador e sua família, na perspectiva do ajuste e enquadramento social.

Yazbek (2009) destaca que paulatinamente o Serviço Social se aproximou da matriz

positivista e de sua apreensão instrumental e imediata do ser social. As relações sociais

eram analisadas a partir de suas vivências, como fatos que se apresentam de forma

objetiva e imediata.

Outra influência no plano teórico-metodológico que incidiu sobre o Serviço Social

brasileiro foi a fenomenologia, que associa, de forma idealizada, a transformação social

às atitudes pessoais que se configuram na relação entre o assistente social e o cliente.

Os princípios abstratos são valorizados, como o da autodeterminação, e reforçam a

inscrição do Serviço de cunho conservador.

As três principais formas de intervenção técnico-operativa da profissão que

refletiam as tendências teórico-metodológicas eram o Serviço Social de Caso, Grupo e

Comunidade3.

A partir da década de 1960 o sistema capitalista sofre transformações no que tange

ao seu desenvolvimento, passando por crises e abalos que o levou a adentrar em um

novo período de recessão, indo de encontro ao processo de acumulação e expansão que

vivenciou no pós II Guerra Mundial. Com o exaurimento da longa onda expansiva gerou-

se questionamentos do sistema, oriundos de movimentos nacionais e internacionais.

Nesse quadro o Serviço Social passa a rever sua fundamentação conservadora,

em um movimento que pretendia reconfigurar as bases teóricas, técnicas e políticas da

profissão. Este não se deu de forma contínua, e é importante conhecer tanto seu

desenvolvimento no conjunto da América Latina quanto internamente, pois se

desenvolveram dois processos que são distintos, mas tem relação intrínseca: a

Reconceituação e a Renovação do Serviço Social.

A Reconceituação, ou Reconceptualização profissional, é um movimento datado,

que ocorreu no âmbito latino americano e teve reflexos no Serviço Social brasileiro. Este

emergiu em 1965 e se esgotou por volta de 1975. Propunha a ruptura com o

3Estas não serão aprofundadas por não serem o foco principal do trabalho em tela.

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tradicionalismo profissional e se baseava na luta por transformações na estrutura

capitalista.

O ocaso do Serviço Social tradicional era defendido pelo movimento de

reconceituação e nos marcos de seu desenvolvimento Netto (2005) aponta conquistas

que passaram a integrar a dinâmica profissional nos países latinos americanos. A primeira

delas é a articulação de uma nova concepção da unidade latino-americana, que

proporcionou um ativo intercâmbio entre os países, que permanece até os dias atuais; a

explicitação da dimensão política da ação profissional, que era suplantada pelo

tradicionalismo profissional; a interlocução crítica com as ciências sociais, que abriu novos

influxos, inclusive com a tradição marxista; a inauguração do pluralismo profissional, que

possibilitou a percepção de diferentes concepções sobre a natureza, objeto, funções,

objetivos e práticas do Serviço Social. O autor situa ainda como principal conquista a

Reconceituação a recusa do assistente social em se situar como um agente meramente

executivo de políticas sociais (executor terminal), este passou a requisitar atividades de

planejamento, valorizando seu estatuto de intelectual.

Contudo, como indicado anteriormente, este foi um movimento datado, seu

esgotamento se dá pela onda ditatorial que atingiu a América Latina em oposição aos

movimentos democráticos e de contestação da dominação burguesa, bem como na

diversidade própria do movimento, que continha direcionamentos distintos para o Serviço

Social em sua concepção de sociedade, teoria e prática profissional.

No que tange à renovação, este foi um processo interno brasileiro que externou

tendências e possibilidades para a profissão no momento pré-1964, quando a democracia

do país foi interrompida através do golpe que institui a Ditadura Militar brasileira. Netto

(2004, p. 131) define Renovação como,

[...] o conjunto de características novas que, no marco das constrições da autocracia burguesa, o Serviço Social articulou, à base do rearranjo de suas tradições e da assunção do contributo de tendência do pensamento social contemporâneo, procurando investir-se como instituição de natureza profissional dotada de legitimação prática, através de respostas a demandas sociais e da sua sistematização, e de validação teórica, mediante a remissão às teorias e disciplinas sociais.

Desse processo destacam-se três diferentes direcionamentos para o exercício

profissional do assistente social, com visões de mundo e fundamentação teóricas

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distintas. Estes são caracterizados por Netto (2004) como: a Perspectiva Modernizadora,

a Reatualização do Conservadorismo e a Intenção de Ruptura.

A primeira direção é a perspectiva modernizadora que conformava uma tentativa

de adequar o Serviço Social às demandas oriundas no pós-1964. Os principais

documentos que lhe fundamenta são os textos dos seminários de Araxá e Teresópolis e

possuem forte inspiração funcionalista e estruturalista. Para essa vertente o Serviço

Social deveria se envolver de forma a reforçar o processo de desenvolvimento e com

seus referenciais e instrumentos deveria contribuir com a ordem sociopolítica instituída

com a Ditadura Militar.

A reatualização do conservadorismo imprime à profissão uma direção que recupera

as bases teórico-metodológicas que conferiram ao Serviço Social um traço microscópico,

com a visão de mundo vinculada ao pensamento católico tradicional, mas o faz com uma

nova roupagem, trazendo traços de modernidade, tentando vinculá-lo a outras matrizes

intelectuais, especialmente à fenomenologia.

A intenção de ruptura se configura como a terceira vertente apresentada no

processo de renovação da profissão. Esta tem um direcionamento diferenciado das

demais por possuir um elemento contestador, realizando uma crítica ao desempenho do

Serviço Social tradicional. Ela se baseia na tradição marxista, mesmo que no primeiro

momento de forma tortuosa4, seu principal expoente ficou conhecido como Método Belo

Horizonte.

Essa perspectiva, ao criticar sistematicamente o desempenho tradicional e seus

suportes teóricos, metodológicos e ideológicos, tem a pretensão de romper com a

herança do pensamento conservador e do reformismo. Mesmo se constituindo no pré-

1964 a intenção de ruptura se adensa somente ao longo dos anos oitenta, expressando o

processo de laicização da profissão. Isso se dá devido às mudanças ocorridas no país

durante o processo de reabertura política e democratização. A intenção de ruptura

ganhou força por colocar o Serviço Social ao lado das demandas da classe trabalhadora,

não mais como agente legitimador da exploração.

Paulatinamente as produções teóricas da profissão imprimiram uma direção ao

exercício profissional baseada no pensamento marxista, já fundamentado nos escritos do

4Yazbek (2009) destaca alguns problemas nessa apropriação do marxismo: as abordagens reducionistas

dos marxismos de manual; influência do cientificismo e do formalismo metodológico presentes no “marxismo” althusseriano que provocou a recusa da via institucional e das determinações sócio históricas da profissão.

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próprio Marx, não apenas em leitores deste. A abordagem da profissão passou a pensar a

sociedade como fruto de um conjunto de relações sociais e o Serviço Social participando

do processo de produção e reprodução dessas relações.

A hegemonia alcançada pela intenção de ruptura é materializada através dos

instrumentos normativos da profissão. No primeiro momento o Currículo Mínimo de 1982

e o Código de Ética de 1986. Esse direcionamento que se tornou teórico-metodológico,

ético-político e técnico-operativo permanece presente no seio da categoria profissional até

a contemporaneidade.

4 RENOVAÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL: UMA REALIDADE EM MOVIMENTO

O movimento de renovação profissional é anterior, concomitante e posterior a

reconceituação do Serviço Social, portanto, pode-se afirmar que ele continua operante

nos dias atuais. É nesse ponto que o presente eixo centrará sua análise.

É inegável que após a década de 1980 as ideias da perspectiva intenção de

ruptura lograram êxito e conquistaram hegemonia no âmbito profissional. Essa hegemonia

é comprovada nos currículos que formam novos assistentes sociais, nas pesquisas

realizadas nas instituições de trabalho e ensino que partem do direcionamento teórico-

metodológico centrado na teoria social crítica, nos princípios éticos da profissão

materializados através do código de ética profissional.

Afirmar que a renovação continua atual não é apenas ilustrar sua influência na

atualidade, é reconhecer também que continuamos a ter no ambiente profissional projetos

em disputa, pois hegemonia se constrói cotidianamente.

As transformações ocorridas no capitalismo imperialista ao final do século XX e

início do XXI acentuaram as contradições sociais do sistema, trazendo reflexos também

para o campo da produção do conhecimento, com o questionamento da razão dialética e

a valorização da razão instrumental como vetor para analisar as relações sociais. A

análise da totalidade social é suprimida em detrimento do pensamento pós-moderno que

visa a manifestação imediata do real, ou seja, não busca a essência dos fenômenos,

apenas sua aparência.

Com a suposta crise de paradigmas, o marxismo enquanto teoria explicativa do

real é desconsiderado, passando a serem valorizadas as teorias do fragmento, do

efêmero, que fortalecem a alienação e a reificação do presente. Como o Serviço Social

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atua sobre demandas imediatas a utilização dessas fontes de análises pode ganhar

terreno e favorecer o retorno às bases conservadoras da profissão, que reforçavam o

empirismo e o pragmatismo, sem possuir uma compreensão crítica das relações sociais.

Para Simionatto (2009, p. 102), a profissão, no atual momento histórico, se coloca

novamente diante de duas tendências que podem direcionar seu exercício profissional,

[...] uma vinculada ao fortalecimento do neoconservadorismo inspirado nas tendências pós‐ modernas, que compreende a ação profissional como um campo de fragmentos, restrita às demandas do mercado de trabalho, cuja apreensão requer a mobilização de um corpo de conhecimentos e técnicas que não permite extrapolar a aparência dos fenômenos sociais; e outra relacionada à tradição marxista, que compreende o exercício profissional a partir de uma perspectiva de totalidade, de caráter histórico‐ontológico, remetendo o particular ao universal e incluindo as determinações objetivas e subjetivas dos processos sociais.

É nessa disputa pela direção social da profissão que a Renovação se mantém viva

na atualidade. A direção hegemônica do Serviço Social que se materializa no Projeto

ético-político profissional deve assumir a luta pela afirmação dos direitos como uma luta

contra o capital, além de contribuir para a formação de assistentes sociais que sejam

propositivos e que tenham habilidades e discernimento para se valer de sua relativa

autonomia nos espaços sóciocupacionais, buscando em cada situação apresentada

possibilidades de trabalho.

O Projeto ético político deve ser assumido como um direcionamento do exercício

profissional através da articulação de suas dimensões técnico-operativas, ético-políticas e

teórico-metodológicas. Além desses desafios Iamamoto (2009) aponta a necessidade de

o Serviço Social, no tempo presente, ter: 1) rigorosa formação teórico-metodológica que

permita explicar o atual processo de desenvolvimento capitalista sob a hegemonia das

finanças e o reconhecimento das formas particulares pelas quais ele vem se realizando

no Brasil, assim como suas implicações na órbita das políticas públicas e consequentes

refrações no exercício profissional; 2) acompanhamento da qualidade acadêmica da

formação universitária ante a vertiginosa expansão do ensino superior privado e da

graduação à distância no país; 3) articulação com entidades, forças políticas e

movimentos dos trabalhadores no campo e na cidade em defesa do trabalho e dos

direitos civis, políticos e sociais; 4) afirmação do horizonte social e ético-político do projeto

profissional no trabalho cotidiano, 5) o cultivo de uma atitude crítica e ofensiva na defesa

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das condições de trabalho e da qualidade dos atendimentos, potenciando a nossa

autonomia profissional.

Nesses desafios residem as resistências atuais, para que se mantenham as bases

progressistas que o Serviço Social alcançou com seu processo de renovação e ruptura

com o tradicionalismo profissional.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O artigo em tela buscou discutir a atualidade do Movimento de renovação do

Serviço Social que se gestou na década de 1960, trazendo elementos de sua gênese e

fundamentação teórica. Das discussões apresentadas aqui se espera contribuir para o

debate contemporâneo do Serviço Social, principalmente no que tange ao reforço das

conquistas oriundas de seu processo de transformação recente.

É incontestável a assertiva de que o Serviço Social, ao longo de sua história, sofre

os reveses das transformações que ocorrem no âmbito político, econômico e social, isso

por que é profissão inserida na sociedade e que intervém sobre esta.

Na atualidade são postos inúmeros desafios para os assistentes sociais, entre

estes está o de defender as conquistas oriundas do seu processo de renovação que

possibilitou rever as bases de fundamentação da profissão, possibilitando uma

capacidade de leitura crítica do real, com base no pensamento marxista.

A atualidade desta perspectiva teórica deve ser reforçada, não apenas no âmbito

acadêmico, mas também nos espaços sociocupacionais, na intervenção direta do

exercício profissional. As adversidades para essa defesa são inúmeras, e impostas pela

própria realidade social que reforça ideias individualistas e imediatistas; contudo, o

assistente social pode utilizar os elementos do projeto ético-político como norte de

atuação, potencializando sua relativa autonomia na defesa dos direitos.

REFERÊNCIAS

BEHRING, Elaine, BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: fundamentos e história. São Paulo: Cortez, 2006. COUTINHO, Carlos Nelson. Cultura e Sociedade no Brasil: ensaios sobre ideias e formas. 3 ed. rev. e ampliada. Rio de Janeiro: DP&A, 2005.

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