A representação do estado no processo olímpico na cidade do Rio de … · 2016-11-03 · RESUMO...
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A representação do estado no processo olímpico na cidade do
Rio de Janeiro.
Krycia da Silva Perni1
Universidade do Estado do Rio de Janeiro
e-mail: [email protected]
RESUMO
A capital do Rio de Janeiro buscou durantes anos a promoção da imagem da
cidade. Como sediará os próximos jogos olímpicos, muitas transformações
espaciais foram feitas para que toda uma série de regras fossem cumpridas.
Este trabalho possui como característica principal explicitar como o Estado
está atuando em relação aos megaeventos, em especial as olimpíadas de
2016. A mudança na maneira de governar, onde o Estado vai além do
administrativo e passa a ser um empreendedor, realizando parcerias
públicas-privadas para a preparação da cidade para o evento, e deixando a
população cada vez mais carente de uma contribuição social.
Palavras chaves: Estado – Cidade - Empreendedorismo – Olímpiadas
ABSTRACT
The capital of Rio de Janeiro sought Durantes years promoting the city's
image . How will host the next Olympic Games , many spatial changes were
made to a whole series of rules to be satisfied . This work has as main
characteristic to explain how the state is acting in relation to major events ,
particularly the Olympics in 2016. The change in form of government ,
where the state goes beyond the administrative and becomes an entrepreneur,
realizing public -private partnerships for the city preparation for the event ,
and leaving the population increasingly lacks a social contribution.
1 Mestranda em Geografia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
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Key words: State – City - Entrepreneurship – Olympics
1- Introdução
A cidade do Rio de Janeiro postulou por três vezes a candidatura para sediar
uma olimpíada. As primeiras tentativas para os jogos de 2004 e 2012 não obtiveram o
êxito esperado, sendo eliminada ainda na primeira fase da disputa.
Para a candidatura do Rio 2016, o cenário econômico e politico brasileiro
estavam em alta, tendo o Lula como presidente, uma pessoa muito bem relacionada
entre os chefes de Estados da época, disposto a colocar o Brasil e o Rio de Janeiro ainda
mais na vitrine mundial. Foram feitas várias campanhas aqui no Brasil, nas quais todas
eram lideradas pelos governos Estadual e Federal, para incentivar a população a aceitar
essa pretensão de realizar os jogos na cidade maravilhosa, com a justificativa de que
seria uma oportunidade única para o nosso país de estar entre as grandes cidades que
conseguiram esse feito.
Assim, os governantes brasileiros envolvidos nessa disputa, aguardavam
ansiosos pelo resultado de seus investimentos na candidatura. No dia 2 de outubro de
2009, em Copenhague, na Dinamarca foi oficializada que a cidade do Rio de Janeiro
sediaria as olímpiadas de 2016, derrotando a cidade de Madri. No Brasil, uma grande
parcela da população, que foi conquistada pela mídia, comemorou essa decisão do
comitê olímpico.
Contudo, já se foi o tempo em que sediar uma olimpíada era somente realizar a
disputas entre os atletas. O que a grande população brasileira não tinha a noção, era que
para sediar os jogos, o Estado teria colocado a cidade do Rio de Janeiro num grupo de
cidades que sofreram grandes alterações no espaço urbano devido à realização desses
megaeventos.
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Atualmente, os governos buscam uma maior visibilidade mundial, porém, para
que isso ocorra, altos preços são pagos pela sociedade, pois o caminho a ser percorrido é
sempre o da privatização e elitização do solo urbano, e como consequência a segregação
socioespacial. Essas modificações possuem como pretexto inicial uma renovação e
revitalização de algumas áreas, transformando-a num canteiro de obras e modificando
toda uma paisagem, alegando ser bom para população em diversos aspectos e que a
cidade crescerá com toda essa mudança.
Entretanto, veremos que muitas exigências são cobradas pelos órgãos que
chefiam esses eventos e através disso muitas modificações são realizadas na cidade com
total apoio dos governantes. Exigências essas que não duram somente o período dos
jogos, mas sim, que começam muito tempo antes, e que ainda depois dos jogos o legado
que nos espera é o de uma cidade totalmente modificada e transformada nos moldes do
empresarialismo, na qual também é “governada” por vários grupos privados.
2- As Olimpíadas da Era Moderna
Com mais de 1500 anos interrompidos, os jogos olímpicos retornaram através da
iniciativa do francês Pierre de Fredy (1863-1937), o barão de Coubertin, que teria como
base a afirmação de que os jogos são uma fonte de inspiração para o aperfeiçoamento
do ser humano. Portanto, propôs em 1894, a criação de uma competição internacional
entre atletas amadores. A Grécia se ofereceu para sediar os jogos e assim, o rei Jorge
declarou abertos os Jogos Olímpicos no dia 6 de abril de 18962.
A partir desse momento, os jogos foram sendo realizados a cada quatro anos,
sendo interrompidos somente no período da segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Contudo, para a realização dessas disputas não era necessário de muitos aparatos, tudo
ainda era muito simples e com poucos países participantes.
2 Esses jogos contaram com menos de 300 atletas e apenas 13 países participantes. Bem diferente a
grandiosidade atual dos jogos.
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Crescendo a cada edição, os jogos com o passar dos anos, foram contendo mais
nações, mais participantes e mais divulgação para o mundo. Somente nas Olimpíadas de
Londres de 1948, que os primeiros jogos são transmitidos pela televisão para
residências particulares, num alcance de sinal de um raio de 80 km. A partir desse
momento, temos um grande crescimento em relação aos espectadores e de divulgação,
devido o aumento da transmissão. No Brasil esse advento só chega durante a década de
1970.
Somente nas olímpiadas de Los Angeles, em 1984, é que temos o inicio dessa
nova etapa para a construção dos jogos. A partir daquele momento, os jogos foram
crescendo a cada edição e tendo um maior numero de participantes. O processo de
globalização contribuiu para que fossem transmitidos para um maior número de países.
Atualmente, mais de 200 nações com mais de 10.000 atletas estão nesse megaevento.
Deste modo, de quatro em quatro anos, os jogos olímpicos tornaram-se a cada edição
mais grandiosos, sendo o evento mais assistido em todo planeta.
3- A representação do Estado
A Teoria Geral do Estado é a ciência que estuda os princípios fundamentais da
sociedade política, sua origem, composição, formas, finalidade e evolução, chamado
Estado.
O filósofo Platão escreveu a obra “A República”, a primeira concepção de
sociedade perfeita que se conhece, no qual descreveu o Estado ideal. Sobre o mesmo
temos:
Há quem pretenda que essa tenha sido a origem indicada por
PLATÃO, quando nos "Diálogos", no Livro II de "A
República", assim se expressa: "Um Estado nasce das
necessidades dos homens; ninguém basta a si mesmo, mas
todos nós precisamos de muitas coisas". E logo depois: "como
temos muitas necessidades e fazem-se mister numerosas
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pessoas para supri-las, cada um vai recorrendo à ajuda deste
para tal fim e daquele para tal outro; e, quando esses associados
e auxiliares se reúnem todos numa só habitação, o conjunto dos
habitantes recebe o nome de cidade ou Estado". (Platão, A
Republica apud in: DALLARI, 19983).
No livro denominado “A Politica”, Aristóteles, discípulo de Platão, também
escreveu sobre o Estado. Nesse livro tratou sobre a organização política de Atenas e
Esparta e as formas de governos dessas cidades, sendo considerado o fundador da
ciência do Estado.
Segundo Japiassu e Marcondes (2006), o Estado representa um conjunto
organizado das instituições politicas, jurídicas, policiais, administrativas, econômicas
etc., sob um governo autônomo e ocupando um território próprio e independente.
De acordo com Japiassu e Marcondes (2006), para os empiristas Hobbes e
Locke, o Estado é resultado de um pacto entre os cidadãos para evitar a autodestruição
através da guerra de todos contra todos.
Contudo, para Marx-Engels:
Na concepção Marxista, o Estado nada mais é do que uma
forma de organização que a burguesia se dá no sentido de
garantir seus interesses e de manter seu poder ideológico
sobre os homens: “através da emancipação da propriedade
privada da comunidade, o Estado adquiriu uma existência
particular, do lado de fora da sociedade civil; mas ele não é
senão a forma de organização que necessariamente os
burgueses se deram... com o objetivo de garantir
reciprocamente a sua propriedade e seus interesses”. (Japiassu
e Marcondes, 2006).
Podemos observar que o conceito ao longo dos séculos sofreu mudanças, e que
ficou bem diferente se comparado ao seu início. Existem outros conceitos de Estado,
mas para o nosso trabalho usaremos o conceito baseado nos ideais marxistas, que
mesmo sendo formulados no século XIX, são muito atuais. O estado está cada vez mais
com características de empreendedor, ou seja, agindo como uma empresa privada.
3 Para saber mais sobre o assunto acesse: DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos de Teoria Geral do
Estado
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Harvey (2006), afirma que a mudança na governança urbana se deu a partir de
algumas dificuldades, como desindustrialização e desempregos, que são enfrentadas
pelas economias capitalistas e que mesmo com partidos políticos diferentes, seguiram
uma mesma tendência ascendente o neoconservadorismo e as privatizações.
Devemos considerar a urbanização um processo social especialmente
fundamentado, no qual um amplo leque de atores, com objetivos e compromissos
diversos, interagem por meio de uma configuração especifica de práticas espaciais
entrelaçadas (HARVEY, 2006, p. 167-168). Portanto, as cidades que decidiram sediar
os megaeventos seguem essa mesma trajetória em relação às políticas do Estado. Os
governos, tanto local quanto o federal, buscam parcerias privadas para a concretização
das reformas “necessárias” a realização dos eventos, sendo que, empresas particulares
são escolhidas para gestoras desses empreendimentos num futuro muito próximo e com
contratos de longa duração.
Assim, o padrão urbanístico que vem sendo aplicado na cidade do Rio de Janeiro
é o de planejamento estratégico. Esse modelo de planejamento segundo (VAINER,
2013) vem sendo difundido tanto no Brasil como também na América Latina com a
participação de órgãos de reconhecimento mundial, ou seja, buscam lugares de uma
periferia para a implantação de suas exigências.
Segundo Arantes (2013), o uso da palavra militar estratégia no urbanismo
representa que existe uma guerra econômica e que o adversário é a população mais
carente quando nos referimos ao processo de gentrificação que é sempre colocado em
prática nesses modelos de planejamentos estratégicos, quase como um aviso do que irá
acontecer nos lugares escolhidos para abrigarem tais empreendimentos.
4- O Rio de praia, sol e dos Megaeventos.
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O Brasil é um país de industrialização e de urbanização tardia, somente
iniciando essas funções durante o século XX. Esse fato vai influenciar bastante nos tipo
de cidades que encontraremos em nosso país na atualidade.
Conhecida pela alcunha de cidade maravilhosa, o Rio de Janeiro é possuidor de
grandes belezas naturais inigualáveis, o que a faz ser vista como uma grande fonte de
riqueza relacionada ao turismo. Sendo um dos principais cartões postais do Brasil e
detentora de uma das praias mais famosa do planeta, a cidade carioca recebe visitantes
do todas as partes, tanto do Brasil, como do mundo. Contudo, se comparado a outras
grandes cidades mundiais como Nova Iorque, Paris ou Londres, o Rio ainda está um
pouco distante quando nos referimos à questão do turismo, mas está iniciando o
processo para se tornar uma cidade reconhecida mundialmente por atrativos turísticos.
Desde o governo do prefeito César Maia, na década de 1990, a cidade do Rio de
Janeiro apresenta uma característica mais voltada para a lógica do empreendedorismo
urbano. Obras começaram ser feitas e a cidade também disputou a candidatura dos jogos
do Pan e Olímpicos, ambos sem sucesso.
Assim, alguns anos se passaram e voltaram à tentativa de tornar a cidade
maravilhosa a sede de alguns megaeventos mais conhecidos do mundo. Desta vez, com
apoio do governo federal, da mídia e de parte da população, o Brasil foi eleito pelos
representantes desses eventos como o lugar para realização desses grandiosos
acontecimentos. Segundo Lula, que era o presidente do Brasil da época "O Brasil
ganhou definitivamente sua cidadania internacional. Não somos mais de segunda
classe, somos de primeira classe”, ou seja, para a política no momento bastava apenas
esse detalhe para entrar no conjunto das cidades globais.
No período de 2011 a 2016, o Brasil, e mais especificamente a cidade carioca,
foram escolhidas como sedes para eventos mundiais. O primeiro desses grandes
encontros foi JMJ (Jornada Mundial da Juventude), em 2013, que reuniu milhares de
pessoas, principalmente os jovens do mundo inteiro para um encontro com o Papa
Francisco.
O segundo grande evento foi o Mundial de Futebol, em 2014, com 32 equipes,
sendo realizado em 12 cidades brasileiras, incluindo mais uma vez a cidade do Rio. Foi
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transmitido ao vivo para mais de 200 países, com um público telespectador superior a
três bilhões.
Por último, nessa maratona, teremos as Olimpíadas de 2016, que é o maior
acontecimento esportivo do mundo, com a participação de mais de 10.000 atletas.
Evento este que centraliza quase todas as disputas na mesma cidade, que nesse caso é o
Rio de Janeiro, no qual será obrigado a realizar muitas mudanças em sua estrutura
espacial.
5- O Rio olímpico no perfil Empreendedor
Como toda cidade de um país em desenvolvimento, a urbe carioca não é
somente praia, sol e música. Ao longo dos séculos, e principalmente no XX, com a
chegada de muitos imigrantes de outras regiões do Brasil, apresentou uma grande
desorganização na formação de sua cidade. Muitos problemas estruturais como os de
habitações e transportes foram surgindo, e ao longo dos anos acumulando no cotidiano
da sociedade.
Atualmente, a capital fluminense apresenta uma população de 6.320.446
segundo o senso de 2010. Com uma malha ferroviária pouco expandida e que apresenta
diversas dificuldades para manter o seu funcionamento correto, a grande maioria da
população utiliza o transporte rodoviário, apresentando grandes problemas para
deslocamento. Sem contar que também possui uma região metropolitana inchada, com
graves problemas sociais e de infraestrutura.
A cidade carioca ainda apresenta um grave problema de habitação, já que a
população mais carente que morava no centro da cidade e nas áreas mais próximas está
sendo expulsa de sua residência devido ao processo de revitalização e urbanização que a
prefeitura está realizando. Esses moradores estão sendo levados para morar em uma
área bem mais distante do centro, onde quase não existe infraestrutura e que somado ao
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problema de transporte mencionado anteriormente, levam horas para chegar ao trabalho
no centro da cidade.
Assim, os governantes do Rio de Janeiro iniciam o processo de propaganda
olímpica (city marketing4), tendo como um modelo a seguir os jogos de Barcelona 925,
afirmando que a cidade com a realização dessa competição ganharia toda infraestrutura
que estava precisando, o crescimento em diversos setores que geraria empregos para a
população e que o evento deixaria um grande legado para a cidade.
Segundo Arantes,
“A fabricação de consensos em torno do crescimento a
qualquer preço – a essência mesma de toda localização –
torna-se a peça-chave de uma situação de mobilização
competitiva permanente para a batalha de soma zero com as
cidades concorrentes. Uma fábrica de por excelência de
ideologias, portanto: do território, da comunidade, do civismo
etc. Mas, sobretudo, a fabulação de senso comum econômico,
segundo o qual o crescimento enquanto tal faz chover
empregos” (ARANTES, 2013, p.27).
Contudo, esse novo modelo de empreendedorismo tem como elemento principal
a noção de “parceria público-privada”, em que a iniciativa tradicional local se integra
com o uso dos poderes governamentais locais (HARVEY, 2006). Assim, temos o início
de uma jornada de obras olímpicas em que em sua grande maioria está fundada nessa
relação.
Os governantes do Rio tem como modelo principal a cidade de Barcelona, que
no ano de 1992 sediou as olimpíadas, tendo um grande reconhecimento na questão das
mudanças urbanas que foram realizadas, e ainda souberam explorar características que a
população se identificava para tornar os jogos um grande sucesso.
Porém, de acordo com Arantes,
4Política urbana que de planejamento, composto de uma série de estratégias, táticas e operações
multidisciplinares que servem para ampliar a imagem positiva da cidade.
5A cidade catalã adotou um modelo de organização de Jogos Olímpicos que fizeram um grande sucesso
com os organizadores e acabou ganhando um título de organização a ser seguida pelas futuras cidades
sedes. Lembrando que mesmo com esse rótulo, Barcelona adotou as mesmas estratégicas mercadológicas
no processo de produção do espaço urbano que o Rio de Janeiro adotou.
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“Na receita, um pouco de tudo: das gentrificações de praxe as
exortações cívicas, endereçadas, como lembrado antes, aos
chamados atores urbanos, que de recalcitrantes se tornariam
cada vez mais cooperativos em torno dos objetivos comuns de
city marketing (o que aliás, diga-se de passagem, não era algo
desprezível, numa região em estado de mobilização permanente
por afirmação de identidade, aliás de nítido teor separatistas)”.
(ARANTES, 2013, p.54)
Posto isso, na construção de uma Barcelona para o jogos olímpicos foram
desenvolvidos uma imagem forte e positiva da cidade.
Deste modo, o governo do Rio de Janeiro também busca um mesmo
reconhecimento das transformações urbanísticas feitas para os jogos, alegando que será
um grande legado para toda a sociedade.
Entretanto, a partir do momento em que a capital fluminense entra nessa onda de
sediar megaeventos, o governo passa a tratar a cidade como uma valiosa mercadoria
para ser vendida num mercado extremamente competitivo (VAINER, 2013).
Desta forma, temos o inicio de várias transformações urbanísticas a começar
pela introdução da cultura, que é o grande trunfo desse governo empreendedor e
resgaste de áreas degradadas.
Harvey, afirma que:
Esses investimentos enfocam cada vez mais, a qualidade de
vida. A valorização de regiões urbanas degradadas, a inovação
cultural e a melhoria física do ambiente urbano (incluindo a
mudança para estilos pós-modernistas de arquitetura e desing
urbano), atrações para consumo (estádios esportivos, centros
de convenção, shopping centers, marinas, praças de
alimentação exóticas) e entretenimento (a organização de
espetáculos urbanos em base temporária ou permanente) se
tornaram facetas proeminentes das estratégias para
regeneração urbana. Acima de tudo, a cidade tem que parecer
um lugar inovador, estimulante, criativo e seguro para se viver
ou visitar, para divertir-se e consumir. (HARVEY, 2006. P.174).
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Deste modo, o Rio também escolheu a cultura como passaporte para os
empreendimentos, principalmente em dois pontos da cidade: Barra da Tijuca6 na qual é
uma área de expansão das “novas” elites cariocas (onde estão localizadas as maiorias
das arenas para as competições no parque olímpico e a vila olímpica para os atletas) e a
zona portuária do Rio, que a partir desse processo foi rebatizada com o nome de Porto
Maravilha e revitalizada para abrigar um grande passeio público a beira mar e algumas
atividades culturais como o Museu do Amanhã.
Porém, Vainer, afirmará que:
Grandes projetos com forte apelo simbólico (grandes museus,
por exemplo), megaeventos esportivos, exposições
internacionais comparecem com uma monótona regularidade
em estratégias que, por seu lado, não se cansam de proclamar
sua originalidade e criatividade. Mas, sem dúvida, trata-se de
negócio, e não de arte, quando se constroem novos e
majestosos museus. Assim como também se trata de negócio,
e não de esporte, quando se organizam Jogos Olímpicos. (VAINER, Carlos. 2009 p. 3-4).
E também:
“A construção de tais lugares talvez seja considerada uma
maneira de obter benefícios para populações numa jurisdição
específica. De fato, essa é a alegação principal do discurso
público elaborado para justificá-la. No entanto, geralmente,
sua forma torna indiretos todos os benefícios, e,
possivelmente, resulta maior ou menos em escopo do que a
jurisdição em que se encontra. Os projetos específicos a um
determinado lugar também tem o hábito de se tornarem foco
da atenção pública e política, desviando a atenção e até
recursos dos problemas mais amplos, que talvez afetem a
região ou o território como um todo”. (HARVEY, 2006, p.172).
Santos (2000), afirma que:
Para os atores hegemônicos o território usado é um recurso, garantia
da realização de seus interesses particulares. Desse modo, o
rebatimento de suas ações conduz a uma constante adaptação de seu
uso, com adição de uma materialidade funcional ao exercício das
atividades exógenas ao lugar, aprofundando a divisão social e
6 Bairro da Zona Oeste que apresenta um forte crescimento imobiliário e mercantilização do solo urbano.
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territorial do trabalho, mediante a seletividade dos investimentos
econômicos que gera um uso corporativo do território. (p. 108)
Esse processo faz com que tenhamos uma cidade ainda mais dividida, pois além
das regionalizações existente, outras são criadas para segregar parte da população.
Segundo Souza(2013), diz que o que a “gentrificação” sempre ocasiona, lá como cá, é o
deslocamento mais ou menos forçado de pessoas, via de regra pobres – ou seja,
(re)colocando em marcha, em alguma medida, a segregação(p.134).
Deste modo,
A tentativa de implementação de ações, amparadas por significativa
hegemonia ideológica entre classe média, que têm como premissa
tácita a ideia de que a presença de pobres nas áreas centrais é um
obstáculo a ser removido, em prol da “modernização”, do “
desenvolvimento urbano” e de coisas que tais. E “revitalização”,
“requalificação” etc. são os eufemísticos e ideológicos nomes das
estratégias que visam a promover esse objetivo, bancado por regimes
urbanos saturados de mentalidade “empresarialista” (SOUZA,
2013,p.140).
Dito isto, a cidade olímpica de 2016 vive um período de transformação que não
é para toda a sociedade, na qual, a partir desse momento passa a fazer uma cidade com
algumas restrições para uma grande parcela da população. Onde os governantes da
capital fluminense a tornam uma cidade totalmente voltada para o mercado, visando
sempre os interesses dos empreendedores privados para expandir os negócios.
6- Conclusão
Deste modo, como foi mencionado ao longo deste artigo, para obter um grande
sucesso em sediar as olimpíadas, a cidade sede necessita realizar muitas ações
envolvendo orçamentos astronômicos e uma mudança urbano espacial. Muitos desses
capitais são financiados com dinheiro público, desviando a já comprometida verba
social para a população. Segundo Mascarenhas,
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Nota-se, porem, que o desfecho de sucesso na conquista dos
jogos não foi apenas resultado do habilidoso investimento
simbólico da campanha, nem mesmo do raro alinhamento entre
atores governamentais e importantes membros do COI, mas
também de um projeto politico que envolveu garantias
governamentais que superaram as exigências do próprio Comitê
Olímpico, com compromisso assinados pelos três níveis de
governos e financiamento com expressivos recursos públicos. (MASCARENHAS, 2011, p.131)
Atualmente, o advento de sediar um megaevento não está relacionado somente
em jogar os jogos, mas num grande acordo entre a governança, o COI7 e as corporações
que vão gerir os negócios.
E com isso,
Ora, os Jogos Olímpicos Rio 2016 fogem totalmente a esta
regra. Sabemos desde já quem serão os ganhadores – as grandes
empreiteiras, os grandes proprietários de terras da Barra da
Tijuca, que terão seu patrimônio fundiário valorizado pelos
investimentos bilionários. Enquanto isso, os perdedores também
já são conhecidos, e permanecerão desprovidos de transporte
naquelas áreas onde reside a imensa maioria da população de
nossa cidade – Zona Norte, subúrbios, Baixada fluminense e
Grande Niterói. (VAINER, 2009 p.4).
Deste modo, realizar os megaeventos em países de periferia nada mais é do que
deixar a grande parcela da população fora do tal “legado”, retirando o direito social que
já não era cumprido fielmente. De acordo com as necessidades que foram impostas para
a realização dos mesmos, os organizadores se ausentarem do financiamento do
processo, fazendo com que as cidades sedes fizessem acordos com empresas privadas, e
ainda, coloquem a venda as empresas públicas que restam nesse modelo de ordem
neoliberal.
7- Referências
7 Comitê Olímpico Internacional
14
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