A REPRESENTAÇÃO GRÁFICA: A LINGUAGEM DO MAPA · Dispensa qualquer convenção constituída. É o...

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A REPRESENTAÇÃO GRÁFICA: A LINGUAGEM DO MAPA Para darmos início à proposta anunciada na Introdução é ne- cessário introduzir o interessado num domínio bem específico - o da representação gráfica. Este se inclui no universo da comunicação visual, que por sua vez faz parte da comunicação social. Participa, portanto, do sistema de sinais que o homem construiu para se co- municar com os outros. Compõe uma linguagem gráfica bidimensional, atemporal, destinada à vista. Tem supremacia sobre as demais, pois demanda apenas um instante de percepção. Se ex- pressa mediante a construção da "imagem" - forma, em seu con- junto, captada num lapso mínimo de percepção -, porém distinta daquela figurativa, como a fotografia, a pintura, a publicidade, de características polissêmicas (significados múltiplos). Integra, ao contrário, o sistema semiológico monossêmico (significado único). Sua especificidade reside essencialmente no fato de estar fundamentalmente vinculada ao âmago das relações que podem se dar entre os significados dos signos. Interessa, portanto, ver instantaneamente as relações que existem entre os signos que significam relações entre objetos, deixando para um segundo plano a preocupação com a relação entre o significado e o significante dos signos. Dispensa qualquer convenção constituída. É o domí- nio das operações mentais lógicas. A imagem figurativa é polissêrnica. Diante dela perguntamo- nos: "O que nos diz a imagem?". Para cada um de nós, ela conota algo. Há, portanto, ambigüidade (Figura 1). 13

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tração de texto geográfico, mas, ao contrário, deverá ser um meiocapaz de revelar o conteúdo da informação, proporcionando des-ta forma, a compreensão, a qual norteará os discursos científicospermitindo ao leitor uma reflexão crítica sobre o assunto. '

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A REPRESENTAÇÃO GRÁFICA:A LINGUAGEM DO MAPA

Para darmos início à proposta anunciada na Introdução é ne-cessário introduzir o interessado num domínio bem específico - oda representação gráfica. Este se inclui no universo da comunicaçãovisual, que por sua vez faz parte da comunicação social. Participa,portanto, do sistema de sinais que o homem construiu para se co-municar com os outros. Compõe uma linguagem gráficabidimensional, atemporal, destinada à vista. Tem supremacia sobreas demais, pois demanda apenas um instante de percepção. Se ex-pressa mediante a construção da "imagem" - forma, em seu con-junto, captada num lapso mínimo de percepção -, porém distintadaquela figurativa, como a fotografia, a pintura, a publicidade, decaracterísticas polissêmicas (significados múltiplos). Integra, aocontrário, o sistema semiológico monossêmico (significado único).

Sua especificidade reside essencialmente no fato de estarfundamentalmente vinculada ao âmago das relações que podemse dar entre os significados dos signos. Interessa, portanto, verinstantaneamente as relações que existem entre os signos quesignificam relações entre objetos, deixando para um segundo planoa preocupação com a relação entre o significado e o significantedos signos. Dispensa qualquer convenção constituída. É o domí-nio das operações mentais lógicas.

A imagem figurativa é polissêrnica. Diante dela perguntamo-nos: "O que nos diz a imagem?". Para cada um de nós, ela conotaalgo. Há, portanto, ambigüidade (Figura 1).

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A representação gráfica é monossêmica. Há somente umamaneira de se dizer visualmente que a indústria "A" empregaquatro vezes mais trabalhadores que a indústria "B". Não háambigüidade (Figura 2).

A B

1111 111111

Portanto, a tarefa essencial da representação gráfica é trans-crever as três relações fundamentais - de diversidade (*'), deordem (O) e de proporcionalidade (Q) - que podem serestabelecidas entre objetos por relações visuais de mesma natu-reza. A transcrição gráfica será universal, sem ambigüidade.

Assim, a diversidade será transcrita por uma diversidade vi-sual, a ordem, por uma ordem visual, e a proporcionalidade, poruma proporcionalidade visual. Saber coordenar tais orientaçõessignifica dominar a sintaxe dessa linguagem. (Bertin, 1973; 1977;Bonin, 1975; Gimeno, 1980; Bord, 1984; Bonin e Bonin, 1989;Blin e Bord, 1993; Martinelli, 1990; 1991; 1998; 1999) (Figura 3).

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'""

RELAç6ES ENTRE OBJETOS CONCEITOS 'f'RANSCRfÇA"O GRÁFICA

CADERNO LÁPIS BORRACHA '# ••• • +MEDAllfA MEDAllfA MEDAllfA O • e 0DE OURO DE PRATA DE BRONZE

Jkg 4kg 16lcg Q • • 11DE ARROZ DE ARROZ DE ARROZ

RELAÇÕESENTREOBJETOS

...

A construção de mapas para a Geografia dentro deste enten-dimento exigirá ainda atentarmos para duas questões básicas: quaissão as variáveis visuais de que dispomos e quais são suas respec-tivas propriedades perceptivas.

Ao cair um pingo de tinta em uma folha de papel branco,imediatamente percebemos que ele está em determinado lugarem relação às duas dimensões do plano.

Esta marca visível, além de ter uma posição, pode assumirmodulações visuais sensíveis. As duas dimensões do plano, maisseis modulações visuais possíveis que a mancha visual pode as-sumir constituem as variáveis visuais.

Ao considerarmos as duas dimensões do plano (X, Y) e va-riando-as visualmente (Z), construiremos a imagem (Figura 4).

(X, Y) são as duas Y

dimensões doplano; definem aposição de cada

elemento.~

z(Z) é a variaçãovisível de cadaelemento composição (X, Y).r

ri

LL--Xl--J x

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As variações visíveis são tamanho, valor, granulação, cor,orientação e forma,

As duas dimensões do plano, o tamanho e o valor são ditosVariáveis da Imagem, pois constróem a imagem. Podemos perce-ber, mesmo em baixa resolução, a figura de um rosto (Figura 5).

•••••••••••••••••••••••········1•••••••••••••••••• •••••••• •••••••· .... . ............ . .

•••••...Tamanho - As bolinhas são

pequenas, médias e grandes. Otamanho vale-se do estímulo

sensível resultante da variaçãode superfície. A grande é o

quádruplo da média e esta é oquádruplo da pequena.

Valor - É a intensidade visual:vai do claro para o escuro.

Em contrapartida, a granulação, a cor, a orientação e a for-ma são ditas Variáveis de Separação, pois separam apenas os ele-mentos da imagem, sem revelar a figura que seu conjunto cons-trói (Figura 6).

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Mapas da Geografia e cartografia temática

Granulação - Os elementospodem comportar texturasvariando das mais finas às

mais grosseiras, sem, entretan-to, alterar sua intensidade

visual.

Cor - Os elementos podemassumir várias cores: verme-lho, azul, verde, amarelo etc.

••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••.....:..•...•...••••• ••••••e_*I*~··-*. .+++e:e.l.•• +:-ieH::.+++AA++•••

Orientação - Os elementospodem se dispor horizontal-

mente, verticalmente ouobliquamente.

Forma - Os elementos podemmodular sua forma: passar

para um círculo, um quadrado,um triângulo, um polígono

estrelado etc.

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Essas seis variáveis visuais mais as duas dimensões do pla-no, portanto, num total de oito, têm propriedades perceptivas quetoda transcrição gráfica deve levar em conta para traduzir adequa-damente as três relações fundamentais entre os objetos: relaçõesde diversidade (*-), de ordem (O) e de proporcionalidade (Q):

Percepção dissociativa ($) - a visibilidade é variável: afastan-do da vista tamanhos diferentes, eles somem sucessivamente.Percepção associativa (==) - a visibilidade é constante: ascategorias se confundem; afastando-as da vista não somem.Percepção seletiva (*-) - o olho consegue isolar os elementos.Percepção ordenada (O) - as categorias se ordenam espon-taneamente.Percepção quantitativa (Q) - a relação de proporção visualé imediata. I

Devido ao fato da cor ser uma variável visual de indiscutí-vel impacto, faremos algumas considerações a seu respeito.

O estudo da cor merece atenção especial. A cor é uma reali-dade sensorial sempre presente. Sem dúvida alguma, tem grandepoder na comunicação visual, além de atuar sobre a emotividadehumana.

No conjunto do espectro eletromagnético, as radiações visí-veis, isto é, aquelas sensíveis ao olho humano, têm comprimen-tos de onda que vão desde 380 até 770 nanômetros (um nanômetrovale um bilionésimo do metro). Cada faixa dessas radiaçõescorresponde a uma luz de determinada cor pura, assim organiza-das (Delorme, 1982) (Figura 7).

r------- RADIAÇÕES vtstvsts -----...,I I

uv Violeta Azul Verde ~ ..s Vennel/w IV

.400 700 800nm500 600

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Mapas da Geografia e cartografia temática

Na percepção das cores devemos levar em conta três fatoresfundamentais que intervêm conjuntamente. São chamados, tam-bém, de as três dimensões das cores.

O matiz é uma nuança cromática na seqüência espectral.Ele está associado, portanto, a uma radiação espectral pura. Éuma cor pura. Corresponde a um único comprimento de ondabem definido na faixa do visível.

A saturação é a variação que assume um mesmo matiz,indo desde o neutro absoluto (cinza) até a cor pura espectral.

O valor é a quantidade de energia refletida. Uma série devalores pode ser comparada a uma seqüência de cinzas, que vaidesde o branco até o preto, escalonados em eqüidistânciaperceptiva, compondo uma ordem visual.

Com base no que foi colocado, se observarmos atentamentea seqüência de cores espectrais das radiações visíveis, percebere-mos que é organizada em duas ordens visuais opostas a partir doamarelo que ocupa posição central. Uma parte do amarelo indoem direção ao violeta compõe uma ordem visual crescente, dasmais claras para as mais escuras entre as cores frias. A outra,também partindo do amarelo,' caminha para o vermelho, consti-tuindo uma ordem visual crescente, das claras para as escuras,entre as cores quentes.

Na prática das cores, é cômodo dispor de um círculo cromá-tico ou círculo das cores. Para construí-lo consideramos uma sé-rie de pastilhas coloridas segundo a sucessão espectral, de acor-do com os comprimentos de onda, como já vimos. Na série vio-leta, azul, verde, amarelo, laranja e vermelho, podemos conside-rar uma variação contínua de cores intermediárias, nuanças cro-máticas diferenciadas pelos matizes. Misturando-se os extremosobteremos uma gradação de cores púrpuras, dando continuidadeà série, permitindo-nos fechar esta seqüência em um círculo.

Também neste, temos duas ordens visuais crescentes opostasentre as cores: de um lado, as frias, de outro, as quentes (Figura 8).

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Colorir as pastilhsa conforme a indicação das cores:

Cores frias Cores quentesAmarelo

Verdeamarelado O Amareloouro

Verdeclaro00 . 00Amareloalaranjado

Verdemédio O OLaranja

Verde O CÍRCULODAS CORES OLaranjaavermelhado

VerdeescuroO OVermelho

Azul O' '0Vermelhão

Azul escuro 00000vermelhão violáceoAzul arroxeado Roxoavermelhado

Roxo

A combinação entre cores numa composição não é fortuita.Podemos tentar, intencionalmente, dar idéia de tensão por anta-gonismos num mesmo campo ou, ao contrário, buscar a sensa-ção de harmonia e quietude.

Uma combinação é contrastante quando as cores são total-mente diversas entre si, como as opostas sobre o círculo das cores.

Uma combinação é harmônica quando as cores possuemuma parte básica comum a todas, como a escala monocromáticaou as cores vizinhas sobre o círculo das cores.

Construído, assim, o nosso sistema monossêmico de signos,compete ao redator gráfico aplicá-lo convenientemente a cada ques-tão a ser transcrita visualmente, observando cuidadosamente aspropriedades perceptivas das variáveis visuais. Transgredindo taisfundamentos estaremos comunicando inverdades e falsidades.,

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OS FUNDAMENTOS DA CARTOGRAFIATEMÁTICA: CONSIDERAÇÕESMETODOLÓGICAS E CRíTICAS

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A cartografia temática não surge de forma espontânea; éhistoricamente sucessiva à visão topográfica do mundo, essenci-almente analógica.

A progressiva especialização e diversificação das realiza-ções da cartografia científica, operadas desde os séculos XVII eXVIIl e cristalizadas no século XIX, em atendimento às crescen-tes necessidades de aplicação confirmadas com o florescimento esistematização dos diferentes ramos de estudos constituídos com adivisão do trabalho científico, no fim do século XVIIl e início doséculo XIX, culminaram com a definição de outro tipo de carto-grafia, a cartografia temática - domínio dos mapas temáticos.

Essa nova demanda de mapas norteou a passagem ~a re-presentação das propriedades apenas "vistas" para a representa-ção das propriedades "conhecid:s" dos objetos. O códigoanalógico é substituído paulatinamente por um código mais abs-trato. Representam-se agora categorias mentalmente e não maisvisualmente organizadas. Confirma-se, assim, o mapa como ex-pressão do raciocínio que seu autor empreendeu diante da reali-dade, apreendida a partir de um determinado ponto de vista: suaopção de entendimento de mundo. É a confirmação de uma pos-tura metodológica na elaboração da cartografia temática (Joly,1976; Palsky, 1996).

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