A Responsabilidade Do Cientista-George Kneller

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Fichamento KNELLER. F. George. A Ciência como Atividade Humana: A Responsabilidade do Cientista. Tradução de Antonio José de Souza. Ed. ZAHAR, Rio de Janeiro, 1980 (p.271-295) Introdução A responsabilidade do Cientista irá abordar algumas questões produzidas pelas interações entre a Ciência e o mundo, relacionando a responsabilidade do cientista com as verdades que ele pretender buscar e explorar. Verdade Cientifica e Normas da Ciência Segundo George Kneller (1980), a intenção do cientista é de sempre buscar a verdade, para isso ele deve respeitar uma conduta de normas morais, que constitui a integridade da comunidade científica, mas nem todos se comportam de maneira fiel a seus ideais. Ainda não se chegou a um acordo sobre as normas da Ciência, então analisa-se aqui algumas propostas publicadas por diversos autores. Começando pela Tese Mertoniana, uma das mais discutidas.

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Fichamen to

KNELLER. F . Geo rge . A Ciênc ia como At iv idade Humana: A

Responsab i l i dade do C ien t i s t a . T radução de An ton io Jo sé de Souza . Ed .

ZAHAR, R io de J ane i ro , 1980 (p .271 -295 )

In t rodução

A r e sponsab i l i dade do C ien t i s t a i r á abo rda r a l gumas ques tõe s

p roduz ida s pe l a s i n t e r ações en t r e a C i ênc i a e o mundo , r e l a c ionando a

r e sponsab i l i dade do c i en t i s t a com a s ve rdades que e l e p r e t ende r busca r

e exp lo ra r .

Ve rdade C ien t i f i c a e Normas da C iênc i a

Segundo George Kne l l e r ( 1980 ) , a i n t enção do c i en t i s t a é de s empre

busca r a ve rdade , pa r a i s so e l e deve r e spe i t a r uma condu t a de no rmas

mora i s , que cons t i t u i a i n t eg r i dade da comun idade c i en t í f i c a , mas nem

todos s e compor t am de mane i r a f i e l a s eus i dea i s .

A inda não s e chegou a um aco rdo sob re a s no rmas da C iênc i a , en t ão

ana l i s a - s e aqu i a l gumas p ropos t a s pub l i c adas po r d ive r sos au to r e s .

Começando pe l a Tese Mer ton i ana , uma da s ma i s d i s cu t i da s .

De aco rdo com Mer ton , a busca da ve rdade pe lo c i en t i s t a suben t ende , de

fo rma r e sumida , que qua lque r r e i v ind i cação de conhec imen to deve s e r

ava l i ada e pe r t ence r à comun idade c i en t í f i c a p r ime i r amen te , depo i s o

c i en t i s t a não deve r ea l i z a r pe squ i s a s pa r a ena l t e ce r sua r epu t ação

p ro f i s s i ona l e nem ace i t a r qua lque r a f i rmação de conhec imen to , s endo

que t a l deve pensa r com o r ig ina l i dade e t e r a l i be rdade pa ra e sco lhe r o

que e como pesqu i s a r e ava l i a r s eus r e su l t ados .

De aco rdo com os Mer ton i anos , s egu indo e s sa s no rmas , e spe ra - s e do

c i en t i s t a que ap re sen t e conhec imen tos o r i g ina i s , pe lo s qua i s l he é dado

o r e conhec imen to dev ido . I s so r eque r que e l e cons ide re a p ro spe r idade

da c i ênc i a ma i s impor t an t e do que o i n t e r e s se ou ganho pe s soa l . O

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cumpr imen to de s sa s l e i s , d i z Mer ton , e l eva ao máx imo a p rodu t i v idade

c i en t í f i c a e m in imiza p robab i l i dade de e r ro s não de smasca rados .

Em con t r apos i ção Kne l l e r (p .275 ) d i z , o c i en t i s t a ma i s o r i g ina l é aque l e

que rompe com e s sa s no rmas , sua s t r ad i ções de pe squ i s a s ão

ca r ac t e r i z adas pe lo s s eus p ropós i t o s de adqu i r i r conhec imen to e mesmo

sem no rmas p r é -de f i n ida s , o s c i en t i s t a s r e conhecem um p r inc ip io mora l

ao r ea l i z a r sua s pe squ i s a s .

F ina lmen t e , a s no rmas de Mer ton i gno ram a na tu r eza e adve r s idade de

g r ande pa r t e da pe squ i s a c i en t í f i c a . A c i ênc i a , con fo rme Kne l l e r

p rog r ide em pa r t e a t r avé s do con f l i t o en t r e pon tos de v i s t a e t r ad i ções

conco r r en t e s .

A C iênc i a é Mora lmen t e Neu t r a?

Segundo Kne l l e r , a C i ênc i a pode cons ide ra r - s e mora lmen t e neu t r a na

med ida em que p rocu ra en t ende r o mundo , não me lho rá - l o , o s eu

ob j e t i vo é de scob r i r a ve rdade . En t r e t an to e s sa a f i rmação não r e s i s t e a

um exame . Ve j amos , nem sempre s e busca a ve rdade pe lo f a t o de que re r

o pu ro conhec imen to , o c i en t i s t a depende de r ecu r sos f i nance i ro s pa r a

r e a l i z a r expe r imen tos e e s sa ve rba , a ma io r pa r t e de l a , ho j e é f o rnec ida

pe lo gove rno e a s i ndús t r i a s pa r a a á r ea que e spe ram que t a i s pe squ i s a s

s i r vam pa ra ap l i c ação p r á t i c a . Des sa fo rma são o s pa t roc inado re s que

dec idem o que o c i en t i s t a deve pe squ i s a r .

A lém d i s so , a C i ênc i a s empre t eve i n f l uênc i a s ex t e rna s , o que a de ixa

menos neu t r a , po i s a s v i sõe s mund ia i s a cabam exp re s sando o s i n t e r e s se s

s e to r i a i s e de c l a s se .

Segundo o au to r Rave t z , apud Kne l l e r ( 1980 ) a f i rma que a c i ênc i a a t ua l

e s t á i ndus t r i a l i z ada , a ma io r pa r t e da s pe squ i s a s é f i nanc i ada po r

gove rnos e i ndús t r i a s p r i vadas na e spe rança de l uc ros [ . . . ] . A inda ma i s

impor t an t e , a C i ênc i a mudou s eu ca r á t e r soc i a l [ . . . ] de ixou de l i be r t a r o

e sp í r i t o de concepções i nadequadas e so l i d i f i cou - se num dogma .

Rave t z de f ende que a c i ênc i a mora lmen t e neu t r a a cabou dando l uga r a

c i ênc i a i ndus t r i a l i z ada , con tudo e s t a pode s e r t o rna r uma c i ênc i a

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r e sponsáve l , conve r t endo em se rv i ço . A lém d i s so , nece s s i t a - s e de uma

c i ênc i a c r í t i c a , s e rv indo a human idade como um todo .

Sob re Rave t z , Kne l l e r c r i t i c a que na t e s e somos apenas i n fo rmados de

que e l a s e concen t r a r á na r epa ração dos danos t e cno lóg i cos e s e r á

po l i t i c amen te a t i v i s t a . Have rá s im uma t r ans fo rmação na c i ênc i a , que

s e r á i n sp i r ada pe l a busca da ve rdade ma i s r e l a c ionando i s t o com o

homem e a soc i edade .

J á s egundo Ju rgen Habe rmas (1970 ) apud Kne l l e r ( 1980 ) , o s homens

f azem c i ênc i a p r i nc ipa lmen t e po rque de se j am con t ro l a r a na tu r eza e que

o conhec imen to c i en t í f i co pode s e r u sado pa ra consegu i r t a l con t ro l e .

Sendo a s s im a c i ênc i a e a t e cno log i a mode rna adap t am-se mu tuamen te ,

po r t an to , e s e rvem ao mesmo in t e r e s se . Kne l l e r con t r apõe , d i z que a

c i ênc i a l i be r t a o homem do medo , de sua s supe r s t i çõe s , aumen tando de

fo rma p rog re s s iva o conhec imen to , que é ho j e a f i na l i dade da c i ênc i a

bá s i ca .

Ana l i s ando o pensamen to , He rbe r t Marcuse su s t en t a que a c i ênc i a t em

se rv ido a t e cno log i a , consequen t emen te a c l a s se dominan t e , que s empre

p rocu rou t e r o con t ro l e sob re a na tu r eza e o s homens . “A C iênc i a

de sma te r i a l i zou a na tu r eza [ . . . ] , t r a t ando -a como subs t ânc i a neu t r a e

s em va lo r , pa r a s e r man ipu l ada . ” (Marcuse , 1964 )

A t e cno log i a mode rna pode enca r r ega r - s e do t r aba lho r epe t i t i vo

execu t ado pe lo homem, mas t a l t em que co l abo ra r com a na tu r eza ao

i nvés de con t ro l á - l a . O homem deve l i be r t a r sua men t e , e t e r uma

r e l ação ha rmon iosa com a na tu r eza , a f i rma Marcuse .

Kne l l e r expõe , t oda e s sa r e f l exão sob re c i ênc i a e t e cno log i a ,

a rgumen tada po r Marcuse não e s t á mu i to so l i d i f i c ada , chega s e r t ão

ha rmon iosa que a impre s são que s e dá é que vo l t a r emos a t empos

p r im i t i vos . E l e c r i t i c a a c i ênc i a ma i s s e e squece de que s em e l a não há

fo rnec imen to s egu ro de t e cno log i a .

Marcuse comen ta que a c i ênc i a deve muda r , mas não é e l a que nece s s i t a

de mudanças , po i s t a l busca a ve rdade a lgo que j á ex i s t e , é na cu l t u r a

que deve have r t r ans fo rmações , pa r a que pos samos ap rende r a l i da r

me lho r com a s de scobe r t a s , a t e cno log i a e com a p róp r i a na tu r eza

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Por f im , s egundo Kne l l e r , a C i ênc i a não é e nunca fo i mora lmen t e

neu t r a , e l a é i n f l uenc i ada po r f i nanc i ado re s e po r v i sõe s e i deo log i a s do

mundo .

A c i ênc i a deve s e r p l ane j ada?

An te s de busca r a l gum t i po de conhec imen to deve s e r ana l i s ado

p r ime i r amen te como e s se conhec imen to pode s e r u sado , e pa r a

r e sponde r a s ques tõe s como , De que mane i r a a c i ênc i a deve s e r

p l ane j ada? E qua l “p rob l ema” deve s e r e s co lh ido como p r io r i t á r i o?

Indaga remos a lgumas op in iõe s de au to r e s .

O f i l o so fo e qu ímico Michae l Po l any i é con t r a o p l ane j amen to a l egando

que cada c i en t i s t a deve j u lga r a s i p róp r io o que pe squ i s a r , quan to de

ve rba s e r á u sada , s endo a s s im gu i ado po r “ fo r ça ma io r” pa r a á r ea s onde

sua pe squ i s a con t r i bu i r á . ”A coo rdenação oco r r e e spon t aneamen te

quando cada c i en t i s t a a j u s t a s eu t r aba lho aos r e su l t ados ob t i dos po r

ou t ro s” (Po l any i ) . Ou t ro que s e enca ixa ne s t a t e s e é De rek De So l l a

P r i c e (1966 , p .88 -97 ) que cons ide ra a C i ênc i a a l go t a l vez i na t i ng íve l ,

onde não so f r e nenhuma in t e r f e r ênc i a ex t e r i o r , a soc i edade não pode

co r rompê - l a , a C i ênc i a fo rma sua s p róp r i a s l e i s de p l ane j amen to

E po r f im aos an t i p l ane j amen tos , J acob Bronowsk i (1972 ) que a f i rma

que , C i ênc i a é i n t eg ra , e o gove rno co r rup to , s e ambas s e encon t r am a

a t i v idade c i en t i f i c a t ambém é co r rompida , compe t e aos c i en t i s t a s

“ f i xa r ” o l ado mora l , e t ambém de t e rmina r a s ve rba s a s e r em usadas .

Em re l ação ao que fo i v i s t o , s egundo Kne l l e r ( 1980 ) , ambas a s op in iõe s

s ão con t e s t ada s pe lo s f a t o s , o s c i en t i s t a s t em r e sponsab i l i dades com o

mundo , não pode somen te busca r a c i ênc i a pe l a c i ênc i a . Neces s i t a de

de scobe r t a s pa r a a j udas human i t á r i a s . E ou t ro pon to é o s c i en t i s t a s não

s ão ap to s pa r a admin i s t r a r s eus p róp r io s negóc io s , s ão qua l i f i c ados pa r a

ava l i a r r e su l t ados de pe squ i s a s , não pa ra d i s t r i bu i r ve rba s .

A lv in We inbe rg (1967 ) , d i r e t o r do Labo ra tó r i o Nac iona l de Oak R idge ,

no Tennes see , a f i rma que “os r e cu r sos dev i am se r a l ocados a ó rgãos

r e sponsáve i s po r m i s sões soc i a i s e spec i f i c a s” (p .287 ) , j á

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Joseph Ben -Dav id (1968 , p .76 -77 ) “ t r a t a a c i ênc i a como um

‘ i nves t imen to soc i a l ge r a l ’ , [ . . . ] que deve r i a s e r cus t eada na s mesmas

cond i ções de ou t ro s s e rv i ços soc i a i s ” .

Uma qua r t a op in i ão sob re o a s sun to é de S t ephen Tou lmin (1965 , p .119 -

33 ) que su s t en t a “ á med ida que a soc i edade s a t i s f az sua s nece s s idades

ma t e r i a i s e de senvo lve a l t a cu l t u r a , e l a vo l t a - s e c ada vez ma i s pa r a a

C i ênc i a” . E l e a c r ed i t a que apa reça um número ma io r de pe s soas

vo l t ada s pa r a a pe squ i s a , e que a C i ênc i a pu ra j á e s t á s endo r ea l i z ada

em l abo ra tó r i o s .

Conc lu indo , n inguém a inda fo i c apaz de c r i a r c r i t é r i o s su f i c i en t e s pa r a

r egu l amen ta r a C i ênc i a , ou o que deve s e r u sado pa ra d i spon ib i l i z a r

r e cu r sos pa r a a s pe squ i s a s c i en t í f i c a s . Na op in i ão de Kne l l e r , a

comun idade t em o d i r e i t o de pa r t i c i pa r da s e sco lha s da s á r ea s em que

s eu d inhe i ro s e r i a ga s to .

A r e sponsab i l i dade Mora l e Soc i a l do C ien t i s t a

Todo C ien t i s t a t em que t e r r e sponsab i l i dade mora l e soc i a l , an t e s

mesmo de r ea l i z a r uma pe squ i s a . Cada p ro f i s s i ona l de s sa á r ea deve

p r i o r i z a r a s egu rança da soc i edade , pa r a com expe r i ênc i a s ou ap l i c ações

que pos sam se r ma i s noc iva s do que bené f i c a s .

É impor t an t e que ha j a s empre p r ecauções pa r a execução de pe squ i s a s ,

p r i nc ipa lmen t e em l abo ra tó r i o s , onde da l i pode su rg i r uma nova

e spe rança pa r a cu ra de doenças , mas t ambém uma nova bac t é r i a , po r

exemplo , ma i s r e s i s t en t e que pos sa e scapa r e d i s s emina r - s e , o que

f i c a r i a mu i to ma i s d i f í c i l de con t ro l a r , c ausando ma i s p rob l emas ao

i nvés de so luções .

Em 1975 houve uma con fe r ênc i a na Ca l i fó rn i a em As i l omar Cen t e r , com

in t e r e s se de abo rda r e s se s pon tos , em uma da s pos s íve i s so luções s e r i a

a con t enção f í s i c a , equ ipando s egu ramen te o s l abo ra tó r i o s ou con t enção

b io lóg i ca c r i ando bac t é r i a s que fo r a do l abo ra tó r i o s e au todes t ru í s s em.

Mas e s sa i de i a não fo i l onge , c i en t i s t a s cons ide ra r am i s t o uma i nvasão ,

po rém ace i t a r am sua r e sponsab i l i dade soc i a l .

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O que t ambém faz pa r t e de s sa r e sponsab i l i dade do c i en t i s t a com a

popu l ação é a i n t e r ação da soc i edade com os expe r imen tos r e a l i z ados ou

p ro j e to s a s e r em execu t ados pe lo s p rog ramas c i en t í f i co s , o s c i dadãos

t em todo d i r e i t o de s e r em e sc l a r ec idos sob re o a s sun to , a f i na l é o

d inhe i ro de l e s que f i nanc i am e s t a s pe squ i s a s , de uma fo rma i nd i r e t a a

popu l ação é f i nanc i ado ra .

Segundo Kne l l e r ( 1980 , p .293 ) , o s c i en t i s t a s pa r a t e r uma r e l ação

ha rmon iosa com a soc i edade podem educa r o g r ande pub l i co pa r a

en t ende r a na tu r eza da C i ênc i a e pa r t i c i pa r de sua admin i s t r a ção ,

deba t endo abe r t amen te a s f i na l i dades e l im i t ações da a t i v idade

c i en t í f i c a . O C ien t i s t a pode e deve exp l i c a r o s eu t r aba lho de um modo

que o pub l i co pos sa en t ende r .

Re f l exões F ina i s

O t ex to t em uma l i nguagem compreens íve l , e abo rda ques tõe s que

podem se r u sadas pa r a r e f l exões co t i d i anas . Não s ão somen te o s

c i en t i s t a s que t em que t e r r e sponsab i l i dade mora l , mas t odos o s

c i dadãos .

O t ex to s e t o rna ma i s i n t e r e s san t e a c ada aná l i s e que o au to r Geo rge

Kne l l e r f a z à s t e s e s de ou t ro s au to r e s , f a zendo c r i t i c a s coe ren t e s com o

que fo i abo rdado .