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Em A Revolta dos Fantoches, uma menina humilde descobre segredos e eventos extraordinários ocorrendo em sua escola. Para revelar esses segredos, desvendar vários mistérios e solucionar os problemas que deles decorrem, ela convoca colegas e outros membros da comunidade escolar a agirem unidos, provocando uma verdadeira revolução no ambiente escolar. Essa narrativa literária já foi adaptada para o teatro e já foi usada como mote para diferentes projetos de leitura e produção literária na educação básica em instituições do estado do Rio de Janeiro.

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ELOÍSA PORTO ALLEVATO BRAEM

com Ilustrações de MARIANGELA GIULIANE

A Revolta dos Fantoches

editoras associadas

Maricá e Niterói, RJ

2020

SA PORTO ALLEVATO BRAEM

Ilustrações de MARIANGELA GIULIANE

A Revolta dos Fantoches

associadas

Niterói, RJ

2020

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Copyright do texto 2020 by Eloísa Porto A. Braem

Copyright das ilustrações 2020 by Mariangela Giuliane

Direitos desta edição reservados ao LABAC e Instituto Grão

É permitida a reprodução e distribuição gratuita desta obra, contanto que se respeite os direitos autorais

Capa: Marcelo Correia

Projeto gráfico e editorial: LABAC e Instituto Grão

Coleção Caleidoscópio, 1

Dirigida por Luiz Augusto Rodrigues e Marcelo Correia

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Bibliotecária: Simone Conceição da Silva Costa CRB-7/6301

B812 Braem, Eloisa Porto Allevato .

A revolta dos fantoches / Eloisa Porto Allevato Braem ; ilustração

Mariângela Giuliane. – Maricá : Instituto Grão; Niterói : LABAC, 2020.

iv, 57 p. : il. ; 21 cm. (Caleidoscópio, 1)

Digital.

ISBN 978-65-991609-1-2

1. Literatura infanto-juvenil. 2. Literatura e ilustração. 3. Mudanças

na rotina escolar. 4. Artes na Educação. I. Título. II. Autor.

III. Coleção. IV. Giuliane, Mariângela.

808.899282

iv

Editoras Associadas

INSTITUTO GRÃO - Programas ambientais e Ações culturaisLABAC - Laboratório de Ações Culturais da Universidade Federal Fluminense

Editores da Coleção CALEIDOSCÓPIO

Luiz Augusto F. RodriguesMarcelo Silveira Correia

Conselho Editorial da ColeçãoDulce Terra Guimarães

Eloisa Porto BraemMarcelo Silveira Correia

Maria Lúcia Futuro

Endereço para correspondênciaUniversidade Federal Fluminense / Instituto de Artes e Comunicação Social

Laboratório de Ações CulturaisRua Lara Vilela, 126 - São Domingos -

Editoras Associadas

Programas ambientais e Ações culturais Laboratório de Ações Culturais da Universidade Federal Fluminense

Editores da Coleção CALEIDOSCÓPIO

Luiz Augusto F. Rodrigues Marcelo Silveira Correia

Conselho Editorial da Coleção Dulce Terra Guimarães

Eloisa Porto Braem Marcelo Silveira Correia

Maria Lúcia Futuro

Endereço para correspondência: Universidade Federal Fluminense / Instituto de Artes e Comunicação Social

Laboratório de Ações Culturais - Niterói, RJ - CEP 24290-510 - Brasil

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A Revolta dos Fantoches

Texto de ELOÍSA PORTO ALLEVATO BRAEM

Ilustrações de MARIANGELA GIULIANE

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A menina acordou bem cedinho, como sempre. Queria ficar dormindo mais um pouco, porém tudo lhe expulsava de casa: o despertador, a mãe, a geladeira vazia, uma fome, um...

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Na rua, um cheirinho de pão! Como não tinha um tostão, ia para a escola.

Na escola: Uniforme? Carteirinha?

Espera o sinal do segundo tempo. Caderno, livro, página... Gabriela? Presente.

Gabriela dizia “oi” a seu melhor

amigo Kaio, que adorava praticar esportes radicais sobre rodas, mas era impedido pela falta de rampas. Por isso, vivia planejando se tornar cientista, para um dia transformar suas rodas em pernas robóticas e ninguém mais impedi-lo de nada. Porém o laboratório de ciências vivia trancado!

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Gabriela sonhava em ser artista e

redecorar a escola toda, que era cheia de alunos em salas fechadas em corredores cheios de armários fechados atrás de portões fechados. Tudo quietinho e fora da porta fechada do diretor, para não atrapalhar o fechamento das contas da escola, que nunca tinha verbas para um laboratório de artes! Mas hoje, algo parecia diferente do padrão anterior!

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A professora chegou atrasada, com a

inspetora e a coordenadora atrás, reclamando que não podiam deixar os alunos sozinhos, desocupados e destrancados por tanto tempo! Estavam todos no planeta Marte! Cochichos, bolinhas de papel, celulares, estômagos roncando rrrrrr...

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A aula começou e a nossa Gabriela

adormeceu! Zzzzz... rrrrrr... – Se não está prestando atenção, já

para a sala da direção! – Gabriela logo acordou com berros de várias direções e um inspetor já a arrastando para o castigo.

No castigo, a sonolência e a fome

aumentavam, ninadas pelo TIC TIC TIC da calculadora do diretor. Até que, entre um cochilo e outro, depois que o diretor saiu da sala, carregando livros, sacolas e números, Gabriela ouviu batidinhas dentro do armário: TOC, TOC, TOC... Seriam ratos? Talvez baratas?

Aproximou o ouvido lentamente e de novo: TOC, TOC, TOC...

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O que seria afinal? Então, bateu de

volta no armário em resposta: TOC, TOC, TOC... E aproximou mais o ouvido: TOC, TOC, TOC... Então, Gabriela pulou de susto: "Aaaaaiiiiii", não só por causa das batidas TOC, TOC, TOC em re-resposta às suas, mas por ouvir um som baixinho, apagado e rouco, vindo lá de dentro:

– so-socorro! Era o armário? Ajeitou-se na

cadeira, olhou em volta: ninguém. Então, o armário pediu de novo:

– A-Ajuda!

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Não podia ser! Olhou mais uma vez em volta. Na

certa não eram só ratos e baratas. Esforçou-se para enxergar além da porta fechada, sem levantar do castigo na sala da direção, pois isso poderia piorar sua advertência. Mas, nada parecia reclamar por socorro lá pelo corredor. Além disso, não conseguia ver nada pelas frestas do armário.

E ninguém, além dela, ouviu antes aqueles apelos?

Também tão baixinhos, quase sem voz e sem esperança, pelo visto.

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Então, aproximou-se de novo do

pobre armário desesperado e perguntou baixinho, com a boca bem encostada na fresta da sua porta fechada e a mão na frente, para ninguém reclamar de sua indisciplina. Poderiam até achar que Gabriela era maluca, se a vissem desobedecendo as ordens do diretor, do inspetor e da professora.

– O que foi? – sussurrou, depois de ter certeza de que ninguém a via falar com o armário.

– Tire-nos-nos da-daqui, por De-Deus! – disse lentamente a voz baixinha, parecendo esforçar-se muito para dizer aquelas tão poucas palavras.

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– Eu também estou presa aqui nessa

sala de castigo. Não podemos fazer nada!

– Minha avó-vó nã-não

pode mais... ne-nem fala-lar... – e pareceu não conseguir concluir o que dizia ou queria dizer.

Era só o que faltava, pensava

Gabriela. Não bastava ficarem presos naquelas salas, agora teriam que passar castigos também nos armários! Então, era por isso que havia tantos armários? Para prender os alunos bagunceiros? Por isso eles sumiam da escola!? Na verdade, não tinham fugido da escola, nem tinham sido transferidos para a noite, nem expulsos, como diziam a nós!? Enquanto o armário

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continuava gemendo, lamentando e pedindo socorro, a menina sentia muito medo de ser a próxima prisioneira. Mas, não conseguia evitar mais umas perguntinhas:

– Quem é você? O que fez para deixarem você de castigo neste armário? – perguntou baixinho, ainda disfarçando, com a mão sobre a boca e vigiando se passava alguém.

– Eu... era... a-atriz! – dizia com longas pausas para respirar fundo, de cansaço, ou de desânimo, ou dos dois, quando: Buuuummmm... Uma porta se fechou ao lado da sala da direção, onde estavam a nossa Gabriela e o armário.

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– Vem a inspetora! Chiiiiiiuuuuu! – a

menina interrompeu às pressas a conversa e se consertou rapidamente na cadeira ao lado do armário.

Silêncio. Trrrrrac! A inspetora abriu

a sala da direção, olhou a menina bem nos olhos em silêncio. Andou pela sala, olhou em volta, atrás dos armários, sofá, cadeira da menina, embaixo da mesa e perguntou:

– O que está acontecendo aqui? A menina apenas deu de ombros e

disse "Nada". – Está falando sozinha agora, é? – e

Buuuummmm, bateu a porta e saiu de novo.

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A voz se calou no armário e a menina

também se calou de novo fora dele. 20

Todos com medo. Mas, por dentro,

eles não paravam de gritar, de pensar saídas e de querer resolver aquela situação, até que...

TRRRRRRRRIIIIIIIMMMMMMM... A menina deu um pulo da cadeira e

foi correndo para o refeitório e o recreio. Fim do castigo e rango, como de costume!

Só que Gabriela passou o recreio

inteiro ouvindo aquela voz fraca em sua mente: "So-socorro!", "A-ajuda!"... Olhava em volta e nada! "So-socorro!", "A-ajuda!"... Perguntava a Kaio e aos outros amigos se alguém já tinha ouvido aquela voz, mas nada!

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TRRRRRRRRIIIIIIIMMMMMMM... Hora de fazer a fila e voltar para a

sala. Mas, na fila, a menina continuava

ouvindo: "So-socorro!", "A-ajuda!"... Por isso, não aguentou mais e contou a seu amigo Kaio, que contou a outro amigo, que contou a outro, que contou a outro...

No telefone sem fio, a escola quase

inteira já sabia que dentro do armário da sala da direção havia uma trupe inteira de atores, vários alunos bagunceiros desaparecidos da escola, como também inúmeros investigadores, professores

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camaradas e sabe-se lá mais quem poderia estar lá.

Todos presos por desobedecerem a

ordens do diretor e dos inspetores e dos professores. Menos os investigadores, claro, que tinham sido presos por descobrirem os desaparecimentos.

Então, foi questão de tempo, até a

nossa Gabriela, com o apoio de Kaio e de outras crianças, traçarem um plano para invadirem a sala da direção e libertarem os prisioneiros do armário.

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Entretanto, eles precisavam ser

espertos. Por isso, sempre no telefone sem fio, resolveram primeiro, estrategicamente, voltar para a sala, fazer seus deveres, provas e outras coisas doidas que surgiram no telefone sem fio. Em todo o caso, só na hora da saída, não sairiam, entrariam na sala da direção e abririam os armários. Arrombariam se fosse preciso e libertariam os prisioneiros.

Muita tensão naquelas horas depois

do recreio!

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Gabriela, Kaio, nossas meninas e

meninos das salas de aula trancadas sabiam que se algo desse errado, poderiam acabar também trancados num armário daqueles para todo o sempre! Mas, não podiam mais aceitar aquela tirania! Chega de armários e portas fechadas! Passaram os deveres inteiros se entreolhando e concordando que bastavam de armários trancados e de portas fechadas! E de silêncio e de castigos e de advertências também!

TRRRRRRRRIIIIIIIMMMMMMM...

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Gabriela, nossas meninas e meninos

pularam das cadeiras e Kaio foi rodando a jato, avançando para os corredores, mas não se dirigiram para a saída e para o pátio, como de costume.

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Rumaram amedrontados, mas

enfrentando seus medos, para a sala da direção, apesar das tentativas dos inspetores de expulsá-los e apesar dos gritos de repreensão do diretor e da incompreensão dos professores, que também apelavam:

– Vão para suas casas! A aula acabou! Vai levar uma suspensão, menina! Vou chamar seu responsável, garoto! Vou ligar para a polícia agora, se vocês não forem embora! – gritava o diretor e, no seu eco, inspetores, coordenadores, supervisores, faxineiros, professores, na tentativa desesperada de conter a manada de alunos enfurecidos, que forçava a entrada na sala da direção e que já avançava para os armários.

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Kaio pegou o molho de chaves sobre a

mesa do diretor e, nem precisaram arrombar as portas, abriram-nas.

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Para surpresa de todos, inclusive

professores, coordenadores, super-visores, faxineiros e inspetores, que se calaram, diante daquilo que pareciam inimaginar. Impensavam algo semelhante!

Vários, dezenas, talvez centenas de

pequeninos prisioneiros foram saindo dos armários. Eram senhorinhas de capinhas vermelhas, lobos com artrites, bisavovós, sapos enfadados, gatos de botas rotas, árvores jurássicas, pequenos polegares de bengalas, fadas caindo aos pedaços, raposas grisalhas carregando uvas podres, príncipes esclerosados, (ex)vilões com longas barbas brancas de papai Noel... E livros furados de traças corriam também dos armários. Eram fantoches e

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contos de fadas antigos e fábulas. Todos tossiam e agradeciam com suas vozes roucas agagadas e ajudavam-se uns aos outros naquela escapada desesperada de dentro dos armários, procurando quaisquer portas abertas para fora dali.

Enquanto isso, alguns professores e

funcionários observavam pasmos, outros saíam da frente e abriam caminho, alguns já eram cercados pelos pequenos fugitivos... Seriam trucidados pelos monstrinhos?

Não, os pequeninos fugitivos menos debilitados ajudavam os mais debilitados a pularem ao colo dos professores e alunos e inspetores e coordenadores, pedindo so-socorro, a-ajuda... Eram dos

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tempos de encenações e brincadeiras e de portas abertas na escola, da época em que professores e alunos podiam fazer barulho nos corredores e dar aulas em qualquer lugar e fazer brinquedos com materiais reusados, sem serem obrigados só a usar máquinas de calcular e data shows.

Uma professora mais antiga até

reconheceu alguns: – Fizemos esses aqui em 1999, numa

encenação da Chapeuzinho Vermelho... – ela tentava acalmar os outros professores e inspetores novos, enquanto apontava a saída para uma penca de fantoches e livros. – Venham por aqui, meus queridos! Eu não podia imaginar que vocês estavam...

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Então, todos começaram a se dirigir,

agora sim, para as saídas, carregando e socorrendo o máximo de fantoches e livros que podiam, que precisavam de ajuda médica, de hospital, nebulizações, fortificantes... tão fracos e doentes naquelas prisões poeirentas.

Kaio vinha em comboio, trazendo

dezenas sobre suas rodas e abrindo passagem pela multidão de alunos para mais uma procissão de pequenos desesperados atrás de si, rumo à saída, até que bateu na porta de grades de ferro. Lá, pessoas e bonecos e livros topavam uns nos outros sem conseguir sair do lugar. Por quê? Impedidos pelas portas das entradas e grades das janelas trancadas.

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Então, ouviram uma voz pelo microfone da escola vociferar. Era o diretor:

– Voltem os fantoches e livros da

escola para os armários imediatamente ou vão se arrepender. Eles são propriedade da escola e do governo. A polícia e as autoridades já estão vindo! Repito, devolvam os livros e materiais de propriedade da escola para os armários e ninguém sairá ferido!

Mas Gabriela, Kaio, nossas crianças

heroicas, seus professores e os outros funcionários pediam clemência pelos prisioneiros, que já se desesperavam com a possibilidade de voltarem para suas prisões e apelavam, gaguejando e se

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revezando e se ajudando na difícil emissão ou na dura missão de dizer essas palavras:

– Se-senhor di-diretor, pode-demos

a-ajudar os profe-fessores com os a-alunos. Ainda co-conseguimos. Por fa-favor, nã-não nos tranque-que de novo-vo.

Mas, o diretor, mostrando papeis,

circulares e documentos: – Só estou cumprindo ordens! Eu

tenho que zelar pelo patrimônio público. Os fantoches estão nos armários para a proteção deles mesmos, se não os alunos os destruiriam e eu teria que prestar contas ao Governo...

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– Nós não abandonaremos de novo

nossos amigos ficcionais! Não deixaremos que sejam trancados de novo! Então, eu ficarei com eles! – gritava Gabriela, sentando-se no chão, com dezenas deles agarrados às suas roupas.

Então, uma professora antiga,

abrindo um dos livros resgatados que trazia nas mãos, começa a lê-lo em voz alta:

– Era uma vez, uma menina que ganhou uma capinha vermelha de sua avó...

Em sua volta, um grupo de alunos,

incluindo Gabriela e seu amigo Kaio, já se acomodavam, acarinhando outros vários fantoches aterrorizados.

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E um a um os professores foram se

sentando, abrindo os livros que iam resgatando, lendo para as crianças, que iam se sentando e atentando para as histórias, seguidos pelos coordenadores, inspetores e outros funcionários, boquiabertos.

Por mais que o diretor gritasse e esbravejasse e ordenasse e pedisse e apelasse e até já implorasse que todos devolvessem os objetos para os armários, voltassem para suas salas, trancassem as portas todas, entrassem em fila, fossem para suas casas... os professores e alunos e fantoches e livros nunca mais se calariam, ficaram ali nos corredores sentados, lendo e encenando para sempre, se fosse preciso.

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Foi quando, então, num passe de mágica: Bbbbuuuuuummmmmm!!!!! O diretor caiu desmaiado e Gabriela com nossos outros heróis puderam ver, escandalizados, os cordões mágicos saindo das mãos dele e dos braços,

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pernas e cabeça, que seguiam diretamente para as mãos e braços e pernas e mente maquiavélica de uma enorme Bruxa, montada em uma vassoura mágica:

– Vocês nunca conseguirão fugir!

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Só então Gabriela e nossos heróis

entenderam que o diretor era apenas mais um fantoche daquela Bruxa, como tinham sido todos eles durante tanto tempo.

Então, enquanto a Bruxa ria de raiva

e preparava, provavelmente, mais uma bruxaria para prendê-los de novo, Gabriela, Kaio e nossos heróis (com muito mais medo, só que ainda tentando enfrentar o medo) pensavam e buscavam uma solução em grupo, sempre pelo telefone sem fio.

Alguns fantoches e livros já voavam

de volta para os armários, arrastados pelos feitiços da Bruxa, cada vez que ela lhes apontava o dedo e dizia umas

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palavras mágicas, entre um lamento e outro:

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– Risgriburtennn... Não me quiseram

dar os papeis de Fada? Então, agora me aturem como Bruxa! Prascritidslen... Eu sempre quis ser uma Fada Madrinha que transforma abóboras em Carruagens, mas não! Tossssdrusmixxxt... Só me deram o papel de Bruxa dos doces em João e Maria, Madrasta má e... – lamentava sem parar, começando agora a jogar porcarias aparentemente inúteis num imenso caldeirão de feitiços.

Sempre no telefone sem fio,

Gabriela, Kaio e nossos outros heróis se apressavam em arquitetar um novo plano, ou vários, já que em cada canto o telefone sem fio ia mudando os rumos

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das ações, o que talvez fosse útil, já que muitos planos seriam muito melhores do que só um!

Foi quando Gabriela tentou iniciar as negociações com a Bruxa frustrada:

– Senhora Bruxa, gostaríamos de negociar uma solução pacífica... Por que a senhora não desiste da bruxaria e...?

Mas, a Bruxa vociferou: – Não tem acordo! – interrompeu,

jogando mais uma porcaria no caldeirão mágico. – Há séculos que sou Bruxa e, agora, não adianta mais. Continuarei para sempre Bruxa.

Uma faxineira, então, sugeriu,

apoiada por todos:

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– Olha, estamos precisando de uma

vassoura como a sua, que deve ser bem rápida. Por que a senhora não...?

Mas, foi cortada pela fúria da Bruxa: – Não! Não! Não! – gritava ela, talvez

pela força do hábito, mas depois baixou o tom de voz e pareceu pensar melhor em voz alta. – Claro que a minha vassoura é a mais rápida de todas, é a mais rápida do mundo, eu mesma a projetei e aprimorei, mas... – gabou-se e voltou ao rompante anterior. – Não! Não! Vocês não escaparão da escola! – disse estas últimas palavras, empurrando o diretor, que acordava atordoado, também para dentro do corredor, para atrás das grades, onde estavam todos os outros prisioneiros.

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Enquanto alguns alunos e professores

amparavam o ex-vilão, promovido a mais uma vítima, então uma coordenadora tentou recomeçar as negociações:

– Temos um cargo vago para

coordenadora no turno da noite, o que a senhora acha? A senhora pod...

– Não! Não! E não! – gritou novamente

a Bruxa, talvez ainda pela força do hábito, mas em seguida outra vez baixou o tom de voz e pareceu refletir sobre a proposta. – Bem, eu adoro o turno da noite! E adoro mandar e prender crianças...

Mas, dessa vez, a coordenadora e

outros presentes é que iam repensando a

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proposta: "Melhor não! Talvez uma outra função!", quando a Merendeira tomou a palavra:

– A senhora não gostaria de se

tornar merendeira? Temos uma vaga... Vejo que gosta de cozinhar... E o seu caldeirão teria melhor serventia se...

– Não! – disse ela sem gritar, talvez

já bem menos guiada pela força do hábito, mas logo em seguida ponderou em voz alta. – Eu adoro cozinhar! Mas, não sei se vocês gostariam do meu tempero! Nã...

Porém, antes que ela dissesse não, a

merendeira continuou, enquanto as crianças pronunciavam sonoros "Ecas" e

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"Que nojos!" e os professores torciam o nariz, disfarçando o asco:

– Talvez com os ingredientes

certos... Por que não tentar? Poderia fazer um estágio e se não gostasse, poderia...

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A Bruxa parecia bastante

interessada, mas talvez com vergonha de admitir, ia já pronunciando outro "Nã...", quando foi novamente interrompida por Kaio e Gabriela:

– A senhora poderia ajudar no nosso

projeto de ciências!? Estamos projetando rampas para a escola, precisamos transformar parte das escadas em rampas e estamos trabalhando num projeto de novas rodas que virem pernas robóticas e ... – Kaio e Gabriela iam se completando, num verdadeiro trabalho de equipe.

Os olhos da Bruxa se arregalaram e

se iluminaram na hora:

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– Transformar coisas? Eu sempre

quis transformar uma abóbora em carruagem! – pronunciou com os olhos já faiscantes.

– Ótimo! – gritou Kaio. – Então, vamos

ser cientistas! – festejou sem ser interrompido pela Bruxa. – Podemos transformar a escola e... – completava Gabriela.

– Ci-en-tis-ta?! – pronunciou lentamente a Bruxa, parecendo refletir e, pela primeira vez, se encantar com cada letra, cada som dessa palavra mágica. – Parece até melhor do que ser Fada Madrinha! – sussurrou pensativa a quase ex-Bruxa. – Como eu não pensei nisso antes? – perguntava-se boquiaberta.

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– Não importa! Então, está resolvido!

Vamos para o laboratório de Ciências! – gritou Kaio já rodando, seguido por várias outras crianças e ex-fantoches e professores de ciências e pela Bruxa montada em sua vassoura mágica a jato, que arrancou várias grades e portões, durante sua passagem risonha e estridente para os corredores internos da escola.

– E vamos também para a sala de

artes! – gritou Gabriela. – Vamos criar uma nova decoração para a escola!

– Mas, nós não temos sala de artes! –

lembrou alguém que estranhava o convite.

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– Não faz mal! – gritou a ex-Bruxa

cientista, já fazendo a volta com sua vassoura a jato e arrancando a porta de uma das salas trancadas. – Vamos inventar uma sala de artes e é para já! Costripprrrrrd... – gritava risonha, jogando feitiços para dentro da sala que, num piscar de olhos, ficava gigantesca por dentro, infinita, com cores e telas e barro e pinceis e livros e... – Bruxxxxxtssskv...

Depois, arrancou as portas dos

armários e das outras salas, uma a uma (Gssssfzweeee...), de forma que os livros e ex-fantoches, atores de novo (Ozzzzdfrrrrut...), corriam por todos os cantos infinitos da nova-velha escola, (re)vivendo suas antigas histórias

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(Jjjjjrrriiiiipbbbb...) e experimentando as novas histórias que podiam inventar agora.

Quando a polícia e as autoridades

chegaram, encontraram contadores de histórias, cientistas, artistas e fantoches novamente transformados em atores naqueles corredores da escola. Não entenderam os motivos da chamada policial, mas adoraram ouvir e inventar algumas histórias antes de arquivar o BO.

Os professores, enfim, com voto

direto, elegeram uma nova-velha diretora, que já estava na escola desde 1999. Gabriela e Kaio foram eleitos para o novo Grêmio estudantil. E o que se vê agora não são mais fantoches presos em

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armários e salas, são de novo só atores livres, criadores e escritores, dividindo aulas no pátio ou nos corredores e salas infinitas por dentro, fora da escola e nos espaços mais impensados.

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E o antigo diretor? Livre do feitiço,

finalmente realizou seu antigo sonho, com a ajuda da ex-Bruxa (arrependida), agora cientista: FFFFFFrrrrrxplivv... Ele foi trabalhar em BBBBolliwood! E vai a um Festival de cineteatro por mês!

Nossos heróis meninos e meninas,

cansados de tantas canseiras dessa história, já iam dizendo sonolentos "tchaus", para encerrar esse livro, mas Gabriela, Kaio e a ex-Bruxa, promovida a cientista, protestaram:

– A invenção não pode parar! Agora é

com você que nos lê! Não perca tempo! Dito isso, a ex-Bruxa cientista gritou

umas palavras mágicas:

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– Escrissssstorsmussssscccc... E transformou você em escritor,

colocou aqui algumas ilustrações de novas histórias que ainda precisam ser inventadas, para você pensar nelas, escrever os rascunhos... É a sua vez de reescrever seu mundo e passá-lo a limpo do seu jeito.

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SOBRE AS AUTORAS

Eloísa Porto C. A. Braem

Professora de Literatura da UERJ-FFP, Faculdade de Formação de Professores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, instituição onde concluiu o Pós-Doutorado em Literatura Comparada em 2014. Atualmente, cursa a segunda graduação, em Direito, pela UERJ, no campus Maracanã. Leciona nos Mestrados PROFLETRAS e PPLIN UERJ e na Graduação em Letras, na UERJ FFP. É líder do Grupo de Pesquisa (UERJ/CNPq) Literaturas, Artes Visuais e Formação de Professores. Concluiu o Doutorado em Letras Vernáculas (Literatura Portuguesa) em 2008, na UFRJ, Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde cursou também o Mestrado na mesma área, entre 2003 e 2005, com bolsa da FAPERJ NOTA 10. Possui Especialização em Educação Artística pelo CEN/CECAP e em Ensino de Língua Portuguesa e Literatura pela UFF/CEDERJ. Atuou no Governo do Estado do Rio de Janeiro de 2003 até 2014 e ainda atua na Educação Básica na FME, Município de Niterói. É membro do corpo editorial das revistas Pragmatizes (UFF) e UNIABEU. Além disso, atualmente, coordena o projeto de Extensão: Cia de Teatro e Cinema UERJ-FFP em Cena, em parceria com a UFF-LABAC, o Instituto Grão, o Memorial Roberto Silveira e a FME - Fundação Municipal de Educação de Niterói. Tem experiência na área de Letras, com ênfase em Literatura e Artes Visuais, área em que publicou inúmeros artigos e livros.

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Mariangela Giuliane Guida da Cunha

Ilustrou obras como A Aranha que Queria ser Fada: o sonho de Arac, A Revolta dos Fantoches, As Aventuras do Ursinho PlimPlim, O Patinho e o Rei Sapo. É formada em Letras pela USS, Universidade Severino Sombra, em Vassouras, desde 2013. Durante três anos estudou desenho e pintura pela escola da Irmã Maria Helena, até 1990. Cursou 250 horas nos programas Illustrator e InDesign pela escola de computação gráfica Seven. Trabalha com arte terapia, pinturas em Aquarela e ministra aulas de desenho e pintura. Parte de sua obra se encontra exposta no Instagram @mariangela_giuliane e no blog mariangelagiuliane.blogspot.com.

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SOBRE A COLEÇÃO

CALEIDOSCÓPIO

CALEIDOSCÓPIO é mais uma parceria entre o LABAC-UFF (Laboratório de Ações Culturais da Universidade Federal Fluminense) e o INSTITUTO GRÃO - Programas ambientais e Ações culturais.

O objetivo é criar uma expressiva coleção com títulos disponibilizados gratuitamente, abarcando livros de natureza infantil e infanto-juvenil.

Como apontou Bruno Bettelheim, em A Psicanálise dos Contos de

Fada:

"Tanto os mitos como as histórias de fadas respondem a questões eternas: O que é realmente o mundo? Como viver minha vida nele? Como posso realmente ser eu mesmo? As respostas dadas pelos mitos são taxativas, enquanto o conto de fadas é sugestivo; suas mensagens podem implicar soluções, mas nunca as soletra. Os contos de fadas deixam à fantasia da criança o modo de aplicar a ela mesma o que a história revela sobre a vida e a natureza humana."