A Riqueza das Nações - Vol I - Adam Smith

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----------------------- Page 1----------------------OS ECONOMISTAS ----------------------- Page 2----------------------ADAM SMITH A RIQUEZA DAS NAES INVESTIGAO SOBRE SUA NATUREZA E SUAS CAUSAS Com a Introduo de Edwin Cannan VOLUME I Apresentao de Winston Fritsch Traduo de Luiz Joo Barana ----------------------- Page 3----------------------Fundador VICTOR CIVITA (1907 - 1990) Editora Nova Cultural Ltda. Copyright desta edio 1996, Crculo do Livro Ltda. Rua Paes Leme, 524 - 10 andar CEP 05424-010 - So Paulo - SP Ttulo original: An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations Direitos exclusivos sobre a Apresentao de autoria de Winston Fritsch, Editora Nova Cultural Ltda. Direitos exclusivos sobre a traduo deste volume: Crculo do Livro Ltda. Impresso e acabamento: DONNELLEY COCHRANE GRFICA E EDITORA BRASIL LTDA. DIVISO CRCULO - FONE (55 11) 4191-4633 ISBN 85-351-0827-0 ----------------------- Page 4----------------------APRESENTAO l. ADAM SMITH Adam Smith nasceu em Kirkcaldy, Fifeshire, Esccia, em 1723,1 filho de uma tpica famlia da classe alta no nobre da poca. Seu pai, Adam Smith, era funcionrio pblico que chegou a ocupar postos e certa importncia na administrao escocesa e sua me, Margareth

d

Douglas e Fife.

Smith,

descendia

de

proprietrios

de

terras

do

condado

d

Da infncia de Adam Smith pouco se registra alm do fato pitoresco de que, aos quatro anos, quando em visita a seu av materno, teria sido raptado por um bando de ciganos mas, felizmente, recuperado poucas horas depois. Um evento, entretanto, parece ter marcado seus primeiros anos e define os profundos laos afetivos que quase at o fim de sua vida o uniriam a sua me: a morte prematura do pai poucos meses antes do nascimento de Smith, que seria o nico filho do casal. Na opinio de contemporneos ntimos de Smith, Margareth Smith, falecida apenas dois anos antes de sua morte, foi o grande amor do grande filsofo e economista, que nunca se casou. O incio de sua formao acadmica teve lugar na Universidade de Glasgow, para a qual Adam Smith foi admitido em 1737, aps completar sua educao secundria em Kirkcaldy. Dos trs anos passados em Glasgow onde, de acordo com o currculo de Humanidades da poca, iniciou o estudo dos clssicos greco-romanos, Matemtica, Teologia e Filosofia o fato mais importante a destacar a grande influncia sobre ele exercida por Francis Hutcheson, um dos maiore s tericos protestantes da Filosofia do Direito Natural, ento Professor de Filosofia Moral em Glasgow.2 Foi em seus cursos basicam ente o que hoje seria considerado uma mistura de tica, Direito e princpios 1 A data precisa do nascimento de Smith desconhecida. A data de 5 de junho de 1723 dada por John Rae, um de seus mais famosos bigrafos, como a do nascimento de Smith , de fato, a de seu batismo. Ver sobre isso VINER, J. Guide to John Raess Life of Adam Smith. In: RAE, J., Life of Adam Smith, J. M. Kelley, Nova Yorque, 1965, p. 139. 2 Sobre Hutcheson, ver SCOTT, W. R. Francis Hutcheson. Cambridge, 1900. Sua i nfluncia intelectual sobre Smith discutida em seguida. 5 ----------------------- Page 5----------------------OS ECONOMISTAS de Economia, Poltica Comercial e Finanas Pblicas3 ith iniciou o estudo dos problemas econmicos. Em 1740, antes de completar os cinco anos ento s para a graduao em Glasgow, Smith aceita uma bolsa para prosseguir seus estudos em Balliol College, Oxford. Com a provvel que Sm

necessrio exceo de

um maior refinamento no estudo dos clssicos e de literatura, a experincia em Balliol pouca influncia teve sobre sua formao, principalmente devido ao obscurantismo religioso e ao escolasticismo anti -racionalista que ainda impregnava a maioria dos quadros docentes

da grande universidade inglesa.4 Entretanto, aparentemente por presses familiares, Smith permaneceu em Oxford alm do tempo requerido para o bacharelado. Finalmente, como provvel que j houvesse ento optado pelo magistrio, a falta de estmulo intelectual e, principalmente, o fato de que em Oxford a maioria dos cargos docentes fosse condicionada ao ordenamento religioso o que a ele decididamente no interessava fazem com que Smith deixe Balliol em agosto de 1746, retornando Esccia. Aps dois anos passados com a me em Kirkcaldy sem emprego regular, embora procurando uma posio de tutor-acompanhante ,5 Adam Smith ministra, a partir do inverno de 1748/49, uma srie de cursos avulsos em Edimburgo. As conferncias de Edimburgo, em sua maioria sobre literatura inglesa, embora houvessem culminado em um curso sobre problemas econmicos dado no inverno de 1750/51, no qual j advogava princpios liberais livre-cambistas, ampliam seu crculo de relaes intelectuais e granjeam-lhe reputao acadmica suficiente para que, em janeiro de 1751, seja eleito para a cadeira de Lgica de Glasgow onde lecionava-se, basicamente, retrica e belles lettres. To davia, antes do incio do ano letivo em outubro, o sbito adoecimento de Craigie, ento professor de Filosofia Moral em Glasgow, resul tou em que Smith fosse convidado para assumir interinamente tambm o ensino dessa disciplina e, com a subseqente morte de seu titular logo aps a efetivao desse arranjo temporrio, lhe fosse dada a possibi lidade de opo entre as duas disciplinas. Adam Smith decide-se pela cadeira outrora ocupada por Hutcheson, para a qual eleito em abril de 1752 e como Professor de Filosofia Moral da Universidade de Glasgow, cargo que ir ocupar ininterruptamente at o incio de 1764, que se consolidam tanto sua reputao intelectual como seu interesse acadmico pela Economia. Para uma discusso mais extensa da estrutura do curso, ver p. 41 et seqs. Um episdio da vida de Adam Smith ilustrativo dessa afirmao. Por haver sido certa vez surpreendido por um membro da Universidade lendo o Tra tado Sobre a Natureza Humana, de David Hume, o grande historiador e livre-pensador contemporneo, S mith foi severamente repreendido e teve sua cpia do livro confiscada. Cf. RAE, J. Op . cit., p. 24. 5 Era comum que a nobreza britnica, como forma alternativa educao universitria formal, confiasse a formao superior de seus filhos a preceptores que os acomp anhassem s viagens ao exterior, usualmente por um perodo de dois anos. Os tutores eram regiamente pagos e, na maior parte das vezes, recebiam penses vitalcias de seus empregad ores aps o cumprimento da tarefa. 6 ----------------------- Page 6----------------------3 4

ADAM SMITH A partir da o crescimento do renome do jovem professor junto elite intelectual escocesa quase imediato e Smith passa a participar ativamente dos debates acadmicos e polticos da poca. admitido s principais sociedades eruditas escocesas tais como a Edinburgh Society, para a qual eleito j em 1752, ou a influente Select Society, da qual fundador (em 1754), e que reunia intelectuais como o grande David Hume e polticos e economistas prticos eminentes como Lauderdale e Townshend e publica em peridicos de ampla circulao entre a intelligentsia da poca, como a Edinburgh Review. dessa poca o desenvolvimento da sua profunda amizade e intimidade com Hume, em casa de quem Smith hospedava-se sempre que visitava Edimburgo, e que duraria at a morte de seu amigo em 1776. O primeiro grande momento de sua carreira literria viria em 1759, com a publicao da Teoria dos Sentimentos Morais, parte inicial de um ambicioso projeto literrio que pretendia cobrir todas as reas tratadas em seu curso de Filosofia Moral e que incluiria ain da um tratado sobre princpios de economia e poltica econmica o que viria a ser A Riqueza das Naes e um tomo final sobre legislao e jurisprudncia, que entretanto nunca seria publicado. Do ponto de vista biogrfico, a publicao de seu primeiro tratado filosfico teve conseqncias marcantes. Por um lado a obra, republicada cinco vezes durante a vida do autor, marca o incio de sua reputao naciona l como pensador de primeira grandeza. Por outro lado, leva Townshend, entusiasmado com a performance de Smith, a decidir confiar-lhe a tutoria de seu enteado, o Duque de Buccleugh, to logo o jovem duque completasse seus estudos secundrios e, em fins de 1763, oferece a Smith uma irrecusvel penso vitalcia de 300 libras anuais, o equ ivalente ao dobro do salrio por ele recebido em Glasgow. Adam Smith renuncia a seu posto na Universidade e parte com Buccleugh no incio do ano seguinte para uma viagem de dois anos e meio Frana. Radicado em Toulouse, onde, para passar o tempo,6 comearia a escrever as primeiras notas para sua grande obra, Adam Smith viaja intermitente mas intensamente a partir do segundo semestre de 1764. Visita a regio de Bordeaux, realiza um longo tour pelo sul da Frana e permanece dois meses em Genebra, quando conheceu Voltaire, d e quem tornou-se profundo e respeitoso admirador. Em dezembro de 1765 mudou-se para Paris, onde Hume ento Secretrio da Legao Britnica e figura prestigiadssima nos crculos oficiais e intelectuais franceses lhe abre as portas da corte e dos sales. Adam Smith, j reconhecido intelectualmente em Paris desde a publicao da traduo francesa da Teoria dos Sentimentos Morais no ano anterior, teria a a oportunidade de acesso ao restrito grupo dos conomistes liderados por Franois Quesnay, o que lhe valeria conhecer a fundo o pensame nto fisiocrtico poca, segundo Schumpeter, quase uma faon de salon

6

Carta de Smith a Hume, de 5 de julho de 1764, citada in: RAE, J. Op. cit., pp. 178-179. 7

----------------------- Page 7----------------------OS ECONOMISTAS na alta sociedade parisiense. O contato com os fisiocratas e, especialmente, com Turgot com quem, segundo Condorcet, Smith manteria correspondncia por longo perodo aps seu retorno Gr-Bretanha teria grande influncia sobre aspectos tericos fundamentais de A Riqueza das Naes, ento ainda apenas em gestao, conforme discutido mais abaixo. Sua estada na Frana interrompe-se brusca e tragicamente em outubro de 1766 com o assassinato do irmo mais moo de Buccleugh, tambm sob sua custdia desde fins de 1764, o que o obriga a retornar imediatamente a Londres, onde permanece por seis meses em companhia de Townshend. Durante esse perodo Smith prepara uma nova edio ampliada de seu primeiro livro, usa o rico acervo bibliogrfico londrino para completar anotaes para seu segundo livro e assessora seu anfitrio, agora Ministro da Fazenda e dedicado soluo dos candentes problemas relacionados poltica fiscal a ser adotada para as colnias americanas. Por fim, aparentemente por discordar do desastroso projeto de Townshend de impor uma tributao adicional sobre as importaes americanas de ch e que levaria as colnias rebelio,7 Smith deixa Londres, retornando sua cidade natal. Em Kirkcaldy, Adam Smith permaneceria seis anos quase exclusivamente absorvido pela composio de sua magnum opus. Em fins de 1773, completado o manuscrito, viaja novamente para Londres para tratar de sua publicao e receber o ttulo de Fellow da Royal Society, para a qual havia sido eleito alguns anos antes. Entretanto, os pequenos retoques que ainda pretendia fazer no manuscrito acabaram resultando em extensas modificaes aos captulos histricos e adies aos abundantes exemplos prticos que ilustram a obra. Finalmente, a de maro de 1776, vem luz A Riqueza das Naes. A julgar pela enorme influncia que A Riqueza das Naes viria a ter como ponto de partida obrigatrio inquestionvel para o estudo da Economia ao longo de quase todo o sculo XIX, o impacto imediato de sua publicao no impressionante. Embora saiba-se que sua primeira edio esgotou-se em seis meses, a tiragem dessa edio desconhecida e sua repercusso no parece ter ido alm do crculo restrito de intelectuais iniciados e polticos esclarecidos. A obra s mencionada pela primeira vez com peso de autoridade em debates parlamentares por Pitt o famoso ministro liberal, que havia conhecido h em 1787 e se dizia seu discpulo em 1792. Pouco a pouco, entretanto, apesar da reao conservadora aps o incio das guerras napolenicas contra a nova economia e seu uso dos princpios franceses do racionalismo liberal, o livro firma seu prestgio e, antes do limiar do novo sculo, nove edies inglesas j haviam sido dadas a pblico. Sua difuso no exterior tambm acelera-se: em 1800 j estavam disponveis vrias edies americanas, verses em francs, alemo, italiano, dinamarqus 7 Sobre isso, t. In: Economic Review, 1935. ver SCOTT, History W. R. Adam Smith at Downing

9

Smit

Stree

8 ----------------------- Page 8----------------------ADAM SMITH e, mesmo tendo sido inicialmente proibida na Espanha por sua baixeza de estilo e pela indefinio de seus princpios morais,8 em espanhol. Adam Smith, entretanto, no viveria o bastante para testemunhar a lenta mas avassaladora influncia de seu grande tratado. Logo aps a publicao de A Riqueza das Naes ele retorna a Kirkcaldy e, em 1777, nomeado para um alto cargo na administrao aduaneira escocesa. Muda-se ento com sua me para Edimburgo onde, em Panmure House, sua residncia definitiva, cercado por seus mais de 3 mil livros,9 vive uma existncia pacata de funcionrio pblico, interrompida esporadicamente por consultas oficiais sobre questes de poltica comercial e fiscal e enriquecida apenas pelo trabalho intermitente na preparao de adies e correes s sucessivas edies de suas obras. Em 1787 recebe o que seria a ltima grande honraria de sua vida ao ser nomeado Reitor da Universidade de Glasgow, cargo que ocupa por dois anos consecutivos. Por fim, j aps seu retorno permanente a Edimburgo, Adam Smith adoece e vem a falecer em 17 de julho de 1790 , aos 67 anos de idade. 2. A RIQUEZA DAS NAES A importncia da grande obra econmica de Adam Smith usualmente definida pelos efeitos de sua influncia como, alternativamente, o marco do incio do enfoque cientfico dos fenmenos econmicos ou a Bblia da irresistvel vaga livre-cambista do sculo XIX. Embora ambas as definies sejam apropriadas, interessante que, preliminarmente discusso desses aspectos metodolgicos e polticos de A Riqueza das Naes, seja apresentado um roteiro de seus principais aspectos tericos e normativos de modo a fornecer ao leitor uma viso integrada do conjunto de suas proposies analticas, das quais a obra deriva sua caracterstica adicional de fonte dos paradigmas tericos sobre os quais foi construda a Economia Poltica clssica. Do ponto de vista formal, a teoria econmica apresentada em A Riqueza das Naes essencialmente uma teoria do crescimento econmico cujo cerne clara e concisamente apresentado em

suas

pri-

meiras pginas: a riqueza ou o bem-estar das naes identificado com seu produto anual per capita que, dada sua constelao de recursos naturais, determinado pela produtividade do trabalho til ou produtivo que pode ser entendido como aquele que produz um excedente de valor sobre seu custo de reproduo e pela relao entre o nmero de trabalhadores empregados produtivamente e a populao total. Embora Smith atribusse explicitamente maior importncia ao primeiro desses determinantes como fator causal, a dinmica de seu modelo de crescimento pode ser melhor entendida em termos do que Myrdal ba8 RAE, J. Op. cit., pp. 360-361. 9 Sobre a biblioteca de Adam Smith, ver YANAIHARA, Y. A Full and Detailed Cat alogue of Books which Belonged to Adam Smith, Londres, 1961; ou o

excelente ensaio de VINER, Jacob. In: VINER, J. Op. cit., p. 117 et seqs. 9 ----------------------- Page 9----------------------OS ECONOMISTAS tizou de um processo de causalidade circular cumulativa e, em seus traos essenciais, consiste no seguinte: o crescimento da produtividade do trabalho, que tem origem em mudanas na diviso e especializao do processo de trabalho, ao proporcionar o aumento do excedente sobre os salrios permite o crescimento do estoque de capital, varivel determinante do volume de emprego produtivo; a presso da demanda por mo-de-obra sobre o mercado de trabalho, causada pelo proces so de acumulao de capital, provoca um crescimento concomitante dos salrios e, pela melhora das condies de vida dos trabalhadores, da populao; o aumento paralelo do emprego, salrios e populao amplia o tamanho dos mercados que, para um dado estoque de capital, o determinante bsico da extenso da diviso do trabalho, iniciando-se assim a espiral de crescimento. Da representao esquemtica esboada acima no se deve inferir, entretanto, que Smith sustentasse uma viso essencialmente otimista do processo de crescimento a longo prazo. Segundo ele, o crescimento econmico no somente dependeria de fatores institucionais que afetassem tanto a propenso a investir como a existncia de garantias propriedade e os regimes legais ou consuetudinrios de posse e uso da terra quanto a extenso do mercado como a existncia de restries ao comrcio mas, ainda que sob sistemas ideais de Governo, no deveria sustentar-se indefinidamente. O estado estacionrio, no qual a acumulao lquida de capital tenderia a desaparecer, embora logicamente no necessrio, era visto por ele como resultado inevitvel da reduo da taxa de lucro incentivo bsico acumulao pela exausto das oportunidades de investimento e pelo crescimento dos salrios conseqente a um rpido e sustentado aumento do estoque de capital. A estrutura terica de seu modelo de crescimento cuidadosamente desenvolvida nos dois primeiros dos cinco livros em que se divide a obra. O Livro Primeiro discute os determinantes do crescimento da produtividade do trabalho e da distribuio funcional da renda, qu e regulam o excedente total disponvel e, portanto, o potencial de acumulao de capital. Dada a importncia atribuda por Smith diviso social do trabalho, o Livro se inicia com a discusso de sua relao com a propenso inata do homem troca e com o processo de crescimento econmico (Captulos I e II) e dos limites impostos sua extenso (Captulo III). A relao direta notada por Smith entre a diviso do trabalho e o grau de mercantilizao das relaes econmicas leva ao estudo das conseqncias da difuso do uso da moeda como meio de troca (Captulo IV). A introduo da moeda como numerrio geralmente aceito coloca o problema da comparao intertemporal de valores e a

necessidade da discusso das diferenas entre preos nominais e reais (Captulo V). A teoria dos preos apresentada em seguida (Captulos VI e VII), distinguindo-se o preo de mercado, determinado pela interao instantnea entre demanda efetiva e oferta, e o 10 ----------------------- Page 10----------------------ADAM SMITH

que

Smith

10 chama de preo natural equivalente aproximado do preo normal de longo prazo da microeconomia marshalliana , que a medida de valor relevante para a anlise do processo de crescimento desenvolvida na obra, determinado pela soma dos nveis naturais das remuneraes do trabalho, do capital e da terra envolvidos no processo produtivo de cada mercadoria. Os preos de mercado e os preos naturais esto, contudo, intimamente relacionados: na ausncia de imobilidade de capital (por efeito, por exemplo, de restries legais ou insuficincia de informao) os preos de mercado gravitam estavelmente em torno dos preos naturais sob a influncia de inmeros fatores conjunturais mas, ao longo de um perodo suficientemente longo de tempo, devem ser suficientes para cobrir a remunerao normal dos fatores de produo empregados. interessante notar nesse ponto que, embora acessria preocupao central da obra, a teoria do valor apresentada em A Riqueza das Naes iluminou sob vrios ngulos o fenmeno da formao de preos. Por um lado, na anlise da inter-relao dos preos naturais e de mercado, Smith elaborou o fundamento da teoria da dinmica de mercado, incorporada pelos economistas clssicos e refinada posteriormente por Marshall, isto , a noo de que o ajustamento de oferta e demanda se d atravs de variaes no emprego dos fatores no caso da teoria de Smith e dos clssicos, essencialmente do capital provocadas pelo efeito de excessos ou insuficincias de oferta, via preos, sobre suas remuneraes, introduzindo, de passagem, a noo do papel fundamental dos preos para a alocao de recursos. Por outro lado , a teoria do valor de Adam Smith provoca o abandono da anlise, ento tradicional, do fenmeno do valor de troca apoiada em consideraes sobre demanda/valor de uso e escassez, cuja utilidade confinada por Smith ao estudo dos preos de mercado, e o ponto de partida do enfoque clssico do valor baseado em custos de produo, que revel a a ligao direta existente entre o sistema de preos e os fenmeno s da produo e distribuio. Esse enfoque do problema da formao de preos dominaria completamente o pensamento econmico at a revoluo marginalista-utilitarista de um sculo depois. A formulao da teoria do preo natural se completa com o estudo dos nveis naturais de remunerao dos fatores. A determinao dos salrios, discutida no Captulo VIII, resulta, como indicado acima, da interao entre investimento e populao. Os lucros, analisados no Captulo IX, so determinados pelo tamanho do estoque de capital dada uma taxa exgena de juros, ajustada para levar em conta o risco empresarial. O Captulo X discute os diferenciais de salrios e lu cros existentes em diferentes empregos de trabalho e capital e, finalmente,

a renda da terra, entendida como um excedente determinado pelo preo dos produtos do solo, dados os nveis de salrios e lucros, analisada 10 Sobre o contedo filosfico do adjetivo natural em Smith, ver item 3. 11 ----------------------- Page 11----------------------OS ECONOMISTAS no Captulo XI. Esse captulo, que conclui o Livro Primeiro, con tm ainda uma longa digresso emprica, associada aos problemas tericos discutidos no Captulo V, sobre as variaes histricas do valor dos metais nos quatro sculos anteriores. Nenhum comentrio sobre o Livro Primeiro de A Riqueza das

Naes pode omitir meno s inconsistncias formais da anlise do valor nele apresentada, fruto da profunda impreciso verbal de Smith em seu Captulo V e fonte de controvrsias que tornaram ainda mais obscura a essncia da teoria smithiana dos preos. A origem dess as controvrsias a famosa crtica de Ricardo afirmativa feita por Smith no Captulo V de que o valor de um bem igual quantidade de trabalho pela qual ele pode ser trocado ou comandar indiretament e, como inconsistente com a teoria do valor trabalho pela qual o valor de troca de um bem determinado pela quantidade direta e indireta de trabalho necessria sua produo segundo ele defendida por Smith em outros pontos da obra.11 De fato, uma leitura atenta do Captulo V, onde Smith discute a influncia das flutuaes no valor do dinheiro sobre os preos reais e nominais das mercadorias, mostra que, embora proponha o uso do trigo como deflator por razes emp12 ricas, defende categoricamente a idia de que a nica medida invariante do valor de um bem a quantidade de trabalho despendida em sua produo, com base na hiptese psicolgica da invariabilidade da desutilidade ou custo real do trabalho para o trabalhador.13 Dess a hiptese, e do fato de que Smith ali conduz a anlise com referncia a uma economia de produtores individuais, na qual o processo de troca motivado apenas pela convenincia da diviso social do trabalho, resulta que uma dada quantidade de um bem s possa vir a ser trocada por quantidades de outros bens que seu vendedor suponha conter uma quantidade de trabalho equivalente necessria sua produo.14 esse resultado que o leva a afirmar que o valor de um bem sempre igual quantidade de trabalho, que ele pode comprar, ou ser trocado, ou comandar. claro, contudo, que essa afirmativa inconsistente com a realidade de uma economia caracterizada pela apropriao privada dos meios de produo e trabalho assalariado, onde a produo no vise somente a troca mas o lucro, e, portanto, com a a nlise do valor natural feita por Smith no captulo seguinte. A validade da proposio, nesse contexto, necessitaria, como notou Ricardo, da hiptese institucionalmente absurda de que os trabalhadores se apropriassem

do valor total do produto. Deve ser notado, entretanto, que essa afir11 Para a crtica de Ricardo, ver RICARDO, D. Princpios de Economia Poltica e Trib utao. So Paulo, Abril S.A. Cultural e Industrial, 1982, captulo I. 12 Para uma interessante interpretao das razes que o levaram a fazer essa propost a, ver SYLOS-LABINI, P. Competiton: The Product Markets. In: WILSON, T. e SKINNER, A . S. (eds.). The Market and the State: Essays in Honour of Adam Smith, Oxford, 1976, p. 204 et seqs. 13 Ver p. 93. 14 Id. 12 ----------------------- Page 12----------------------ADAM SMITH mativa destacada por Ricardo e ainda erradamente apresentada por

alguns autores como sendo a teoria do valor de Smith, no co nstitui sequer uma teoria dos preos, pois no se refere ao que determina os preos, ou seja, nenhuma explicao dada sobre por que o valor de um bem deve ser tal que possa ser trocado por uma dada quantidade de trabalho. Alm disso, apesar das imprecises verbais, o comentrio equvoco de Smith sobre o custo real do trabalho como medida de valor de troca no deve ser tomado como evidncia de sua aceitao do princpio quantitativo de determinao dos preos caractersticos da teoria do valor trabalho. Uma simples inspeo das pginas iniciais do Ca ptulo VI suficiente para evidenciar que Smith restringe a validade da teoria do valor trabalho aos limites quase pr-histricos dos estados rudes e primitivos da sociedade, onde no teria ainda ocorrido significativa acumulao de capital ou apropriao privada da terra e de que sua verdadeira teoria do valor baseada em custos de produo e fundamenta-se na noo de que em sociedades civilizadas a remunerao do capital e da terra influencia a formao dos preos. A controversa afirmativa do Captulo V pode ser interpretada, como sugere Meek, apenas como uma proposio qualitativa e abstrata sobre o trabalho como fonte do valor no sentido de que o valor de troca de mercadorias surge em sociedades caracterizadas pelo intercmbio dos produtos de indivduos, somente em virtude do fato de serem elas resultantes do trabalho desses indivduos.15 O Livro Segundo analisa as condicionantes e caractersticas da acumulao de capital, que determina a oferta de emprego produtivo e sua distribuio setorial, e contm a maior parte da teoria monetria de Smith. No Captulo I apresentada e ilustrada a diviso analtica, tornada clssica posteriormente, entre capital fixo e circulante. O papel da moeda e do crdito na circulao de mercadorias e na acumulao de capital estudado no Captulo II. No Captulo III, o mais importante do Livro Segundo sob o aspecto terico, discutido o conceito de trabalho produtivo e articulada a proposio de que o volume de poupanas, limitado pelo volume do excedente gerado acima das necessidades de auto-reproduo do sistema econmico e determinado pela parcimnia dos agentes produtivos, a causa imediata do aumento do estoque

de capital; como Smith sugere implicitamente que a cada ato de poupana est associada uma deciso de investimento, os problemas cincia de demanda efetiva so ignorados por hiptese. O Captulo IV apresenta a teoria dos juros e o Captulo V conclui com uma anlise factual e algo idiossincrtica da produtividade do capital em diferentes setores. O Livro Terceiro contm uma sntese abrangente da evoluo econmica da humanidade, muito influenciada pela longa Histria da Ingla15 MEEK, R. L. Studies in the Labour Theory of Value, 2 62. 13 ----------------------- Page 13----------------------OS ECONOMISTAS

de

insufi-

terra de Hume, e constitui, no contexto da obra, o teste emprico-histrico da teoria do crescimento econmico apresentada anteriormente. Por fim, os Livros Quarto e Quinto enfeixam as proposies normativas, de legislao e poltica econmica. No primeiro, Smith discute longamente os fundamentos das polticas comercial e colonial mercantilistas, de onde emerge sua crtica devastadora sobre a racionalidade econmica da superestrutura jurdica do antigo sistema colonial (Captulos I a VIII) e conclui com consideraes sobre as propostas dos fisiocra tas (Captulo IX), onde Adam Smith no esconde sua enorme simpatia e respeito intelectual, embora qualificado, pela escola francesa. O Livro Quinto trata de poltica fiscal, analisando as polticas de gasto pblico, onde desenvolve interessante discusso das vantagens e desvantagens da interveno do Estado em diferentes reas de atividade (Captulo I), tributao (Captulo II) e, finalmente, da dvida pblica (Captulo III). 3. O HOMEM E A OBRA EM PERSPECTIVA HISTRICA A obra econmica de Adam Smith to profundamente impregnada pelas preconcepes filosficas correntes na Inglaterra do perodo das luzes e pelo cenrio econmico da poca em que foi concebida que, passados mais de dois sculos da publicao de A Riqueza das Naes, impossvel avaliar corretamente sua contribuio intelectual sem referncia a essas influncias. Um entendimento preciso da filosofia e do mtodo subjacentes a A Riqueza das Naes requer que se recuperem os traos essenciais da formao intelectual extremamente ecltica de Smith. A influncia original e mais marcante sobre Smith foi a de seu mestre Hutcheson, herdeiro em linha direta de sucesso dos filsofos protestantes, como Grotius e Pufendorf, da Filosofia do Direito Natural. Para os propsitos da presente discusso, o jusnaturalismo pode ser definido como u ma teologia racionalista que afirma existir uma ordem natural e harmnica do universo, de origem divina mas revelada pela razo, da qual se podem derivar princpios morais e de direito a partir da noo de que a ordem natural inclui normas ticas s quais a conduta individual e

ed., Londres, 1973, p.

de

a legislao devem obedecer para o cumprimento da vontade divina. Entretanto, apesar de ser questionvel que o trao unificador da concepo de mundo de Smith deriva da Filosofia do Direito Natural, ele veio a divergir das formulaes mais ortodoxas do jusnaturalismo em dois importantes sentidos. Por um lado, influenciado diretamente por seu amigo Hume e inspirado na cincia experimentalista inglesa e na obra de Montesquieu, Smith abandonou o mtodo racionalista do jusnaturalismo tradicional por uma metodologia essencialmente empiricista, isto , pela noo de que a ordem natural subjacente organizao do universo no podia ser apreendida aprioristicamente atravs apenas do raciocnio abstrato dedutivo, mas que sua revelao deveria proceder atravs da construo de sistemas ou modelos baseados em princpios gerais obtidos por induo de observaes empricas, a partir dos quais a lgica dos fenmenos universais poderia ser casual ou racionalmente 14 ----------------------- Page 14----------------------ADAM SMITH 16 deduzida. Por outro lado, j na Teoria dos Sentimentos Morais, Smith afasta-se decisivamente da componente altrusta do jusnaturalismo de Hutcheson no que concerne anlise da tica das relaes econmicas, propondo em seu lugar a justificativa moral da defesa do int eresse prprio nessa esfera das relaes humanas, com base na idia de que da busca do interesse individual resultam benefcios sociais, noo j exposta de forma contundente por Mandeville em sua Fbula das Abelhas, publicada entre 1714 e 1729. da conjugao dessas influncias filosficas e metodolgicas que emergem duas concepes pioneiras e revolucionrias contidas em A Riqueza das Naes. A primeira a anlise dos fenmenos econmicos como manifestaes de uma ordem natural a eles subjacente, governada por leis objetivas e inteligveis atravs de um sistema coordenado de relaes causais. Dessa noo de sistema econmico, partilhada por Smith apenas com os fisiocratas, dentre seus contemporneos, resultou nada menos do que a elevao da Economia categoria de cincia, por identidade de mtodo e fundamento filosfico com as cincias naturais existentes, rompendo com a tradio metafsica e com a polmica empiricista vulgar que caracterizam, respectivamente, os escritos econmicos escolsticos e mercantilistas anteriores. A segunda a doutrina segundo a qual essa ordem natural requer, para sua operao eficiente, a maior liberdade individual possvel na esfera das relaes econmicas, doutrina cujos fundamentos racionais so derivados de seu sistema terico, j que o interesse individual visto por ele como a motivao fundamental da diviso social do trabalho e da acumulao de capital, causas ltimas do crescimento do bem-estar coletivo. Deve-se notar entretanto que, ao contrrio do que sugerem tanto a lgica obscura da crtica radical vulgar quanto a exegese ideolgica liberal-conservadora contempornea, a defesa qualificada que Smith faz ao laissez-faire no o classifica nem como apstolo do interesse burgus e pregador d a harmonia de interesses entre as classes sociais como querem os primeiros, nem como defensor empedernido da iniciativa privada e inimigo outrance da interferncia do Estado, como querem os ltimos. Mesmo uma leitura perfunctria da obra suficiente para revelar, de um lado, a flagrante simpatia com que Smith se refere aos economicament

e desprotegidos e seu reconhecimento explcito das contradies de clas17 se e, de outro lado, sua nfase nos limites impostos liberdade econmica por princpios naturais de justia e suas opinies sobre a ampla gama de servios teis mas no atraentes para a iniciativa privada que caberia ao Estado prover.18 A doutrina da liberdade nat ural de Adam Smith dirigida, isto sim, contra as interferncias da legislao e 16 Sobre esse aspecto da evoluo do pensamento filosfico de Smith, ver BITTERMANN, H. J. Adam Smiths Empiricism and the Law of Nature. In: Journal of Political Economy, 1940. 17 Ver p. 223 et seqs. 18 Ver Captulo I. Livro Quinto. 15 ----------------------- Page 15----------------------OS ECONOMISTAS das prticas exclusivistas caractersticas do mercantilismo que, segun do ele, restringem a operao benfica da lei natural na esfera das relaes econmicas. disso que a doutrina derivou seu apelo poltico e v eio a constituir-se no fundamento terico do programa dos estadistas livre-cambistas em todo o mundo que, no sculo seguinte, acabaria por reduzir a runas o ordenamento jurdico da antiga ordem econmica internacional. A anlise, feita acima, das influncias filosficas sofridas p or Smith, conquanto permita entender o mtodo por ele adotado e a coerncia abstrata entre o sistema terico e as proposies normativas liberais contidas em A Riqueza das Naes, insuficiente para explicar as caractersticas do modelo econmico apresentado na obra, isto , a escolha do crescimento econmico como varivel a ser explicada e a especificao terica das relaes entre as principais variveis do modelo. Parte dos nexos de sua construo terica deriva, claro, de influncias de outros economistas. Smith, como qualquer autor, sim plesmente se utilizou do avano proporcionado pelos trabalhos de seus predecessores. Por exemplo, a essncia de sua teoria dos diferenciais de salrios em diferentes ocupaes de Cantillon; grande parte da teoria monetria apresentada no Livro Segundo deriva de Hume, Harris e Davenant; suas discusses sobre comrcio internacional e tributao devem muito a Hume e Petty, respectivamente; a noo fundamental da importncia da diviso do trabalho para o progresso material, j formulada por Locke e Petty, Smith recebeu de Hutcheson; e a os fisiocratas Adam Smith deve nada menos do que (i) a percepo da importncia do estudo da distribuio funcional da renda com a formao de preos,19 parte essencial da teoria do valor exposta em ligao

em A Riqueza das Naes, (ii) a libertao da noo mercantilista de que a riqueza ou o bem-estar potencial depende do estoque de metais ou do balano comercial do pas, em favor da noo moderna de produto e renda, (iii) o conceito de trabalho produtivo, embora aqui Smith se desvencilhasse da doutrina fisiocrtica de produtividade exclusiva da agricultura, e (iv) a idia de um fluxo circular de renda e produto.20

19 Isso foi evidenciado com a descoberta e publicao por Cannan, em 1896, de um conjunto de notas de aula tomado por um aluno de Adam Smith em Glasgow, portanto antes de sua viagem Frana, que no contm qualquer referncia a problema s distributivos e onde a teoria dos preos ainda segue a linha, por ele h erdada de Hutcheson, de anlise baseada em escassez e demanda efetiva. Ver SMITH, A. Lectures on Justice, Police, Revenue and Arms delivered in the University of Glasgow Reported by a Stude nt in 1763. CANNAN, Edwin (ed.) Oxford, 1896. 20 A influncia de Turgot sobre a teoria do capital de Smith , tambm deve ser mencionada como uma possibilidade. O argumento de Cannan de que as teorias do capital de Smith e Turgot, embora similares, foram desenvolvidas independentemente, no deve s er tomado como definitivo pois, como mostrado por Viner, antes da p ublicao de A Riqueza das Naes, Smith j possua os nmeros das phmrides du Citoyen, o jornal dos fisiocrat onde a teoria de Turgot foi primeiro publicada. Ver VINNER, J. Op. cit., pp . 131-132. De qualquer modo, no h dvida de que a idia de que a poupana resulta de decises de adiar o consumo e proporciona o crescimento do estoque de capital de origem francesa. Ver, sobre isso, tambm GROENEWEGEN, P. D. Turgot and Adam Smith. In: Scottish Journal of Political Economy, 1969. 16 ----------------------- Page 16----------------------ADAM SMITH Entretanto, dado o mtodo essencialmente empiricista de Smith, os traos essenciais de seu modelo a nfase no crescimento econmico como o fenmeno a ser explicado e o crescimento de produtivida de e acumulao de capital como suas causas finais devem ser buscados nos fatos da histria econmica da Inglaterra e da Baixa Esccia no sculo XVIII, onde o excelente desempenho da agricultura, a substancial melhoria do sistema de transporte e o grande crescimento da indstria txtil rural, das manufaturas e do comrcio propiciaram um progresso material sem precedentes. Glasgow, onde Smith passou a maior parte de sua vida adulta antes de iniciar a composio de sua grande obra, recebeu ainda o estmulo adicional da abertura dos mercados coloniais ingleses a mercadorias escocesas aps a unio da Esccia ao Governo de Westminster na primeira dcada do sculo, que transformou a regio

do esturio do Clyde no maior emprio europeu de tabaco e proporcionou o desenvolvimento do ncleo da futura grande siderurgia escocesa e de inmeras outras indstrias. Smith no ficou alheio a essa transformao. Grande parte de seu crculo de amizades em Glasgow era composta de homens de negcio da regio21 e no difcil, portanto, identificar na percepo direta dos fenmenos que acompanharam o processo acelerado de crescimento econmico britnico aumento de produtividade, acumulao de capital, melhoria dos padres de vida e crescimento populacional a fonte de inspirao emprica de sua obra. Seu toque genial decorre , entretanto, da percepo das conseqncias analticas da paralela e acelerada generalizao dos mtodos capitalistas de organizao da produo, do progressivo aumento da competio e da maior mobilidade de capital entre as diferentes ocupaes: o surgimento do lucro na agricultura e na transformao industrial como forma estvel e quantitativamente significativa do excedente e teoricamente distinta da s outras parcelas distributivas no que concerne a sua formao, e o papel da taxa de lucro na orientao dos investimentos como pea essencial do ajustamento dinmico nesse novo contexto. a incorporao desses fatos histricos em uma teoria do lucro e da alocao de capital em seu modelo que constitui a grande contribuio de Smith ao desenvolvimento da Economia Poltica clssica e o trao distintivo entre Smith e outros economistas do perodo final do mercantilismo como Steuart, que associava os lucros aos ganhos comerciais, Petty, que os incorporava renda, ou Hume e Cantillon, que os identificavam analiticament e com os salrios ou os fisiocratas, que simplesmente ignoravam sua existncia, identificando o excedente sobre os salrios com a rend a fundiria. Essa teoria, como outras proposies tericas revolucionrias na histria do pensamento econmico, no poderia ser postulada antes que se explicitassem certos fenmenos scio-econmicos cuja explicao motiva o surgimento de novos paradigmas tericos. Nesse sentido, con21 Sobre isso, ver SCOTT, W. R. Adam Smith and the Glasgow Merchants. In: The Ec onomic Journal, 1934. 17 ----------------------- Page 17----------------------OS ECONOMISTAS siderada em perspectiva histrica, A Riqueza das Naes no somente produto de um intelecto poderoso e do fermento intelectual do Iluminismo ingls, mas tambm produto do desenvolvimento histrico do capitalismo. 4. SMITHIANA de A seo conclusiva deste breve ensaio introdutrio tem a inteno fornecer uma orientao bibliogrfica inicial ao leitor interessado

em prosseguir no estudo da obra de Adam Smith. A edio modern a das obras completas de Smith a The Glasgow Edition of the Works and Correspondence of Adam Smith, patrocinada pela Universidade de Glasgow e editada pela Oxford University Press para comemor ar o bicentenrio da publicao de A Riqueza das Naes. A coleo rene The Theory of Moral Sentiments (ed. por D. D. Raphael e A. L. Macfie), An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations (ed. por R. H. Campbell, A. S. Skinner e W. B. Todd), Essays on Philosophical Subjects (ed. por W. P. D. Wightman), Lectures on Rethoric and Belles Lettres (ed. por J. C. Bryce), Lectures on Jurisprudence (ed. por R. L. Meek, D. D. Raphael e P. G. Stein) que apresenta, alm das notas das aulas de Smith descobertas e publicadas por Cannan em 1896, um conjunto indito de notas de aula descobertas por J. M. Lothian em Aberdeen em 1958 e fragmentos de escritos econmicos de Adam Smith anteriores publicao de A Riqueza das Naes, Correspondence of Adam Smith (ed. por E. C. Mossner e I. S. Ross) e acompanhada por uma nova Life of Adam Smith, escrita por I. S. Ross e por uma coletnea de ensaios sobre a obra de Adam Smith, The Market and the State: Essays in Honour of Adam Smith (ed. por T. Wilson e A. S. Skinner). Para a localizao da obra de Smith no contexto do pensamento econmico e filosfico de sua poca, a Parte II de J. A. Schump eter, History of Economic Analysis, Londres, 1954, ainda no tem rival, assim como para uma viso de conjunto da obra econmica de Smith o artigo de E. Cannan, Adam Smith as an Economist, in: Economica, 1926, ainda um clssico. As origens e a evoluo do pensamento filosfico e do mtodo de Smith so discutidas em dois artigos de O. H. Taylor, Economics and The Idea of Natural Laws e Economics and the Idea of Jus Naturale, in: Quarterly Journal of Economics, 1929-1930; por J. Viner, em Adam Smith and Laissez-Faire, in: Viner, J., The Long View and the Short, Glencoe, 1958; por W. F. Campbell em Adam Smiths Theory of Justice, Prudence and Beneficence, in: American Economic Review (su pl.), 1967; por N. Devletogou em Montesquieu and the Wealth of Nations, in: Canadian Journal of Economics, 1963; por A. S. Skinner em Economics and History: The Scottish Enlightenment, in: Scottish Journal of Political Economy, 1965, e no artigo de Bittermann citado no item 3, acima. A teoria smithiana do crescimento econmico, sua relao com 18 ----------------------- Page 18----------------------ADAM SMITH teorias contemporneas e sua influncia sobre o pensamento clssico so apresentadas de forma simples e magistral por Lord Robbins em The Theory of Economic Development in the History nomic

of Eco

Thought, Londres, 1968. A evoluo da noo smithiana de valor na direo de uma teoria de custos de produo discutida por H. M. Robertson e W. L. Taylor em Adam Smiths Approach to the Theory of Value, in: The Economic Journal, 1957. As teorias da distribuio apresentadas por Smith e sua influncia sobre o pensamento clssico ingls so analisadas em E. Cannan, A History of the Theories of Production and Distribution from 1776 to 1848, 3 edio, Londres, 1917. A noo de competio exposta em A Riqueza das Naes, que difere em vrios aspectos da noo moderna de competio perfeita, discutida por P. J. McNulty em A Note on the History of Perfect Competition, in: Journal of Political Economy, 1967. As teorias do comrcio internacional de alguns predecessores livre-cambistas e sua influncia sobre Adam Smith so discutidas em J. Viner, Studies in the Theory of International Trade, e a questo da influncia dos fisiocratas analisada por R. L. Meek, em The Economics of Phisiocracy, Londres, 1962. O leitor deve precaver-se, entretanto, de que as referncias exegticas citadas acima formam apenas uma amostra extremamente seletiva da vastssima literatura sobre a obra de Smith22 e de que A Riqueza das Naes ilustra de forma perfeita o dito usual de que, no estudo da histria do pensamento econmico, nada substitui o original.

WINSTON FRITSCH (Rio Pesquisador do Departamento de Economia da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro e Professor da Faculdade de Economia e Ad ministrao da Universidade Federal do Rio de Janeiro, da qual foi Diretor. 22 Uma extensa bibliografia de 450 itens, publicada por 1950 por B. Franklin e F. Cordasco omite, segundo Blaug, vrias referncias. Ver BALUG, M. Economic Theory in Retro spect. Londres, 1961. p. 65. Desde ento, especialmente por ocasio do bicentenrio da pu blicao de A Riqueza das Naes, vieram luz inmeros outros trabalhos. 19 ----------------------- Page 19--------------------------------------------- Page 20----------------------A RIQUEZA DAS NAES* INVESTIGAO SOBRE SUA NATUREZA E SUAS CAUSAS Com a Introduo de Edwin Cannan VOLUME I de Janeiro, 1947 ) Professor e

Winston Fritsch

Traduo de Luiz Joo Barana * Traduzido de SMITH, Adam. An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations. Edited by Edwin Cannan. Dois volumes em um. Chicago, The Un iversity of Chicago Press, 1976. (N. do E.) ----------------------- Page 21----------------------INTRODUO DE EDWIN CANNAN A 1 edio de A Riqueza das Naes foi publicada em 9 de maro23 de 1776, em dois volumes in-quarto, sendo que o primeiro deles, contendo os Livros Primeiro, Segundo e Terceiro, tem 510 pginas de texto, e o segundo, que contm os Livros Quarto e Quinto, 587. A pgina do ttulo descreve o autor como sendo Adam Smith, LL. D. e F. R. S., ex-professor de Filosofia Moral na Universidade de Glasgow. A edio no tem prefcio nem ndice. Os itens que compem o contedo integral da obra constam no incio do Volume I. O preo era de 1 libra e 16 xelins.24 A 2 edio foi publicada no incio de 1778, sendo vendida ao preo de 2 libras e 2 xelins.25 A aparncia difere pouco da 1 edio. A paginao das duas edies coincide quase por inteiro, e a nica diferena bem visvel que o ndice de matrias, na 2 edio, est dividido entre os dois volumes. Todavia, h grande nmero de pequenas diferenas entre a 1 e a 2 edio. Uma das menores, a alterao de antigo para atual,26 chama nossa ateno para o fato curioso de que, escrevendo antes da primavera de 1776, Adam Smith considerou seguro escrever os ltimos distrbios,27 referindo-se aos distrbio s americanos. No podemos dizer se ele achava que os distrbios j haviam efetivamente ocorrido ou se somente podia supor com segurana que ocorreriam antes que o livro sasse do prelo. Uma vez qu e distrbios presentes tambm ocorre perto de ltimos distrbios,28 podemos talvez conjecturar que, ao corrigir as provas no inverno de 1775/76, tenha mudado de opinio e s deixou escapar ltimos por engano. Grande parte das alteraes so puramente verbais, feitas visando a maior elegncia ou propriedade de expresso, tais como a mudana de tear and wear que ocorre tambm e m Lectures, p. 208 para a expresso mais comum wear and tear. A maioria das notas de rodap aparece pela primeira vez na segunda edio. Depa23 24 25 26 27 28 RAE, John. Life of Adam Smith, 1895, p. 284. Ibid., p. 285. Ibid., p. 324. The Wealth of Nations, Ed. Cannan, 1976, v. I, p. 524; v. II, p. 575. Ibid., v. II, p. 90, bem como as passagens referidas na nota anterior. Ibid., v. II, pp. 85, 98, 130. 23 ----------------------- Page 22-----------------------

OS ECONOMISTAS ramos com algumas correes de contedo, tais como a relacionada com a porcentagem do imposto sobre a prata na Amrica espanhol a (v. I, pp. 188, 189). As cifras so corrigidas no volume I, p. 366, e no volume II, pp. 418, 422. Aqui e acol acrescenta-se alguma informao nova: na longa nota pgina 330 do volume I descreve-se uma forma adicional de recolher dinheiro mediante notas fictcias; acrescentam-se os detalhes de Sandi quanto introduo da manufatura da seda em Veneza (v. I, p. 429); da mesma forma, os clculos de impost o sobre criados na Holanda (v. II, p. 385), e a meno de uma import ante caracterstica embora muitas vezes esquecida do imposto sobre o solo, ou seja, a possibilidade de nova taxao dentro da freguesia (v. II, p. 371). A segunda edio apresenta algumas alteraes interessantes na teoria referente emergncia de lucro e renda fundiria de condies primitivas; alis o prprio Smith provavelmente se surpreenderia com a importncia que certos pesquisadores modernos atribuem a esses itens (v. I, pp. 53-56). No volume I, pp. 109 e 110, totalmente novo o falacioso argumento para provar que os altos lucros f azem os preos subirem, mais do que altos salrios, embora a doutrina, como tal, seja afirmada em outra passagem (v. II, p. 113). A in sero, na segunda edio, de algumas referncias especiais no volume I, pp. 217 e 349, que no ocorrem na 1 edio, talvez sugira que as Digresses sobre as Leis referentes aos cereais e ao Banco de Amsterdam representavam acrscimos um tanto tardios ao esquema da obra. Na 1 edio, a cerveja um artigo necessrio em um lugar, e um artigo de luxo em outro, ao passo que na 2 edio nunca considerada como um artigo necessrio (v. I, p. 488; v. II, p. 400). A condenao epigramtica da Companhia das ndias Orientais no volume II, p. 154, aparece pela primeira vez na 2 edio. No volume II, p. 322, observamos que Catlico Romano substitudo por Cristo; e os puritanos ingleses, que eram perseguidos na 1 edio, so apenas objeto de restries na 2 (v. II, p. 102) divergncias em relao ao ponto vista ultraprotestante, talvez devidas influncia pstuma de Hume sobre seu amigo. Entre a 2 edio e a 3 esta, publicada na final de 178429 h diferenas considerveis. A 3 edio se apresenta em trs volumes in-octavo, sendo que o primeiro vai at ao captulo II do Livro Segundo e o segundo vai dali at o fim do captulo sobre as colnias, captulo VIII do Livro Quarto. A essa altura, Adam Smith j no via m ais objeo como ocorria em 1778 em acrescentar aos seus ttulos30 seu cargo na Alfndega, apresentando-se, portanto, na pgina do ttulo, como Adam Smith, LL. D. e F.R.S. de Londres e Edimburgo: um dos comissrios da Alfndega de Sua Majestade na Esccia; e ex-professor de Filosofia Moral na Universidade de Glasgow. O editor : London: impresso para a Strahan; e T. Cadell, in the Strand. Essa 3 edio 29 30 RAE, Op. cit., p. 362. Ibid., p. 323. 24

de

----------------------- Page 23----------------------ADAM SMITH era vendida por 1 guinu.31 Ela precedida pela seguinte Advertncia para a 3 edio: A 1 edio da presente obra foi impressa no fim de 1775 e comeo de 1776. Em virtude disso, atravs da maior parte do li vro, toda vez que se fizer meno do presente estado de coisas, entenda-se isto com referncia ao estado vigente em torno do perodo em que eu estava escrevendo a obra, ou em algum perodo anterior. Entretanto, 32 nessa 3 edio fiz vrios acrscimos, particularmente no captulo referente aos drawbacks e no referente aos subsdios; acrescentei tambm um novo captulo intitulado A concluso do sistema mercantil, e um novo artigo ao captulo sobre as despesas do Soberano. Em todas esses acrscimos, o presente estado de coisas designa sempre o estado de coisas durante o ano de 1783 e no incio do presente33 ano de 1784". Confrontando a 2 edio com a 3 , verificamos que os acrscimos feitos 3 so considerveis. Como observa o Prefcio ou Advertncia, que acabamos de transcrever, o captulo intitulado Concluso do Sistema Mercantil (v. II, pp. 159-181) totalmente novo, o mesmo acontecendo com a seco As obras e instituies pblicas necessrias para facilitar setores especiais do comrcio (v. II, pp. 253-282). Aparecem pela primeira vez na 3 edio tambm os seguintes tpicos ou itens: certas passagens do Livro Quarto, captulo III, sobre o carter absurdo das restries ao comrcio com a Frana (v. I, pp. 496-497; e pp. 521522), as trs pginas perto do incio do Livro Quarto, captulo IV, sobre os detalhes de vrios drawbacks (v. II, pp. 4-7), os dez pargrafos sobre o subsdio para a indstria do arenque (v. II, pp. 24-29) com o apndice sobre o mesmo assunto (pp. 487-489), e uma parte da discusso sobre os efeitos do subsdio para os cereais (v. II, pp. 13-14). J untamente com vrios outros acrscimos e correes de menor porte, essas passagens foram impressas em separado in-quarto, sob o ttulo Acrscimos e correes 1 e 2 edies da Investigao do Dr. Adam Smith sobre a natureza e as causas da riqueza das naes.34 Escrevendo a Cadell em dezembro de 1782, Smith diz o seguinte: Dentro de dois ou trs meses espero enviar-lhes a 2 edio corrigida em muitas passagens, com trs ou quatro acrscimos considerveis, sobretudo ao segundo volume. Entre outras coisas, figura uma histria breve mas sem querer gabar-me completa de todas as companhias de comrcio existentes na Gr-Bretanha. Desejo que esses acrscimos no somente sejam inseridos em seus devidos lugares, na nova edio, mas que sejam impressos em separata, a ser vendida por 1 xelim ou 1/2 coroa aos compradores da edio velha. O preo deve depender do volume das edies quando estiverem todas redigidas.35 31 Ibid., p. 362. 32 A 4 edio muda This" (esta) para the (a). 33 A 4 edio omite present. 34 Com freqncia elas figuram ao final de cpias encadernadas exi stentes da 2 ed. um erro a afirmao de Rae (Life of Adam Smith, p. 362), de que foram publicadas de 1783. 35 RAE. Op. cit., p. 362.

25 ----------------------- Page 24----------------------OS ECONOMISTAS Alm dos acrscimos impressos em separado, existem muitas modificaes da 2 para a 3 edio, tais como a nota complacente sobre a adoo do imposto sobre casa (v. II, p. 370), a correo do clculo das possveis taxas recolhidas nos postos de pedgio (v. II, p. 248, nota), e a referncia s despesas da guerra americana (v. II, p. 460), porm nenhuma dessas modificaes reveste maior importncia. Mais importante o acrscimo do longo ndice, com a inscrio um tanto estranha: N.B. Os algarismos romanos referem-se ao volume, e os arbicos pgina. No de se esperar que um homem do carter de Adam Smith fizesse ele mesmo seu ndice, e podemos estar absolutamente certos de que no o fez, ao verificarmos que o erro tipogrfico tallie no volume II, p. 361, reaparece no ndice S.V. (Montauban), embora taille tambm ocorra ali. Todavia, o ndice nem de longe sugere o trabalho de um mercenrio pouco inteligente, e o fato de que o Ayr Bank mencionado no ndice (S.V. Banks), embora no texto o nome do banco no aparea, mostra ou que o autor do ndice tem um certo conhecimento da histria bancria da Esccia, ou que Smith corrigiu o trabalho dele em certos lugares. Que Smith recebeu, no dia 17 de novembro de 1784, um pacote de Strahan, contendo uma parte do ndice, sabemo-lo pelas suas cartas a Cadell, publicadas no Economic Journal de setembro de 1898. Strahan havia perguntado se o ndic e devia ser impresso in-quarto juntamente com as adies e as correes, e Smith recordou-lhe que a numerao das pginas tinha que ser mudada completamente, a fim de adapt-la s duas edies anteriores, cujas pginas em muitos lugares no correspondem. Eis por que no h razo alguma para no considerar o ndice como parte integrante da obra. A 4 edio, publicada em 1786, est impressa no mesmo estilo e exatamente com a mesma paginao que a 3 Reproduz a advertncia constante na 3 edio, porm mudando esta 3 edio para a edio, e o presente ano de 1784" para o ano de 1784". Alm disso, encontramos a seguinte Advertncia para a 4 edio: Nessa 4 edio no introduzi alterao de espcie alguma. Todavia, agora sinto a liberdade de exprimir meu grande reconhecimento ao Sr. Henry Hop36 de Amsterdam. a esse cavalheiro que de vo a mais honrosa e generosa informao sobre um assunto muito interessante e importante, a saber, o Banco de Amsterdam. Sobre esse assunto, nenhum relato impresso me pareceu at hoje satisfatrio, nem mesmo inteligvel. O nome desse cavalheiro to conhecido na Europa, e a 36 A 5 ed. corrige para Hope". A clebre firma de Hope, comerciantes-banqueiros e m Amsterdam, foi fundada por um escocs no sculo XVII. (Ver Sir Thomas Hope. In: Dict ionnaire of National Biography.) Henry Hope nasceu em Boston, Mass., em 1736, e passou seis anos em um Banco na Inglaterra antes de juntar-se a seu

s

parentes em Amsterdam. Tornou-se scio deles e, ao falecer Adrian Hope, assumiu a responsabilidade s uprema por todos os negcios da firma. Quando os franceses invadiram a Holanda em 1794, retirou-se para a Inglaterra. Morreu a 25 de fevereiro de 1811, de ixando 1,16 milho de libras esterlinas. (Gentlemans Magazine. Maro de 1811.) 26 ----------------------- Page 25----------------------ADAM SMITH informao que dele provm deve honrar tanto a quem quer que tenha esse privilgio, e tenho tanto interesse em expressar esse recon hecimento que no posso mais furtar-me ao prazer de antepor a presente Advertncia a esta nova edio do meu livro". Em que pese a declarao de Smith, de que no introduziu alterao de espcie alguma, ele fez ou permitiu a introduo de algumas alteraes insignificantes entre a 3 e a 4 edies. O subjuntivo substitui com muita freqncia o indicativo aps if (se), sendo que particularmente a expresso if it was (se era) constantemente alterada para if it were (se fosse). Na nota pgina 78 do volume I, la te disturbances substitui present disturbances. As demais alteraes so to insignificantes, que podem tratar-se de erros de leitura ou de correes no autorizadas, devidas aos impressores. A 5 edio ltima publicada durante a vida de Smith, sendo, por conseguinte, dela que reproduzimos a presente edio data de 1789. Ela quase idntica 4 ; a nica diferena est em que os erros tipogrficos da 4 edio vm corrigidos, introduzindo-se, porm, um nmero considervel de novos erros de imprensa, ao passo que vrias concordncias falsas ou consideradas como falsas vm corrigidas (ver v. I, p. 119; v. II, pp. 245, 282).37 A passagem constante no volume II, p. 200, evidencia que Smith considerou o ttulo Uma investigao sobre a natureza e as causas da riqueza das naes como sinnimo de Economia Poltica, e talvez parea estranho o fato de ele no ter dado a seu livro o tt ulo de Economia Poltica, ou ento Princpios de Economia Poltica. Entretanto, cumpre no esquecer que esse termo era ainda muito recente em 1776, e que havia sido usado no ttulo do grande livro de Sir James Steuart An Inquiry into the Principles of Political Oeconomy: being an Essay on the Science of Domestic Policy in Free Nations, publicado em 1767. Naturalmente, em nossos dias nenhum autor tem qualquer pretenso de reclamar o direito de exclusividade para o uso de ttulo. Reclamar o copyright para o ttulo Princpios de Economia Poltica equivaleria, no fundo, a reclamar o direito de exclusividade p ara o ttulo Aritmtica ou Elementos de Geologia. Em 1776, porm, Adam Smith pode muito bem ter-se abstido de usar esse ttulo por ter ele sido empregado por Steuart nove anos antes, especialmente se consi-

37 A maioria das edies modernas so cpias da 4 ed. Todavia, a de Thorold Rogers, emb ora seja apresentada no prefcio como cpia da 4 ed., na realidade segue a 3 . Em um e xemplo, efetivamente, a omisso de so antes de along as no volume I, p. 47, linha 9 (Ed. Cannan), o texto de Rogers concorda com o da 4 e no com o da 3 mas isso representa uma coincidncia casual no erro; o erro muito fcil de ser cometido, sendo corrigid o nas errata da 4 ed., de maneira que na realidade no representa a leitura daquela edio. A 5 edio no deve ser confundida com uma espria 5 edio com acrscimos, dois volumes in-octavo; publicada em Dublin em 1793, com a Advertncia 3 ed. deliberadamente falsificada pela substituio de 3 por 5 na frase Nesta 3 e introduzi vrios acrscimos. Foi talvez a existncia dessa 5 edio espria que levou vrios (por exemplo, RAE. Life of Adam Smith, p. 293) a ignorar a 5 edio genuna. A 6 ed io de 1791. 27 ----------------------- Page 26----------------------OS ECONOMISTAS derarmos que A Riqueza das Naes seria publicado pelo mesmo editor que lanara o livro de Steuart.38 No mnimo desde 1759, existia j um primeiro esboo

do

que

posteriormente constituiria A Riqueza das Naes, na parte das prelees de Smith sobre Jurisprudncia, que denominou Polcia, Receita e Armas, sendo que o resto da Jurisprudncia constitudo pela Justia e pelas Leis das Naes. Smith definia Jurisprudncia como a cincia que investiga os princpios gerais que devem constituir a base das leis de todas as naes, ou ento como a teoria sobre os princpios gerais da Lei e do Governo.39 Antecipando suas prelees sobre o assunto, ele dizia aos seus alunos: Os quatro grandes objetos da Lei so a Justia, a Polcia, a Receita e as Armas. O objeto da justia a segurana contra danos, constituindo o fundamento do governo civil. Os objetos da polcia so o baixo preo das mercadorias, a segurana pblica e a limpeza, se os dois ltimos itens no fossem to insignificantes para uma preleo dessa espcie. Sob o presente item, consideraremos a opulncia de um Estado. Da mesma forma, necessrio que o magistrado que dedica seu tempo e trabalho a servio do Estado seja remunerado por isso. Para este fim, e para cobrir as despesas de administrao, deve-se recolher algum fundo. Da a origem da receita. Eis por que o assunto a ser considerado nesse item sero os meios adequados para obter recei ta, a qual deve provir do povo, atravs do imposto, taxas etc. D

e modo geral, deve-se preferir sempre a receita que puder ser recolhi da do povo da maneira menos sensvel, propondo-nos, a seguir, mostrar de que modo as leis britnicas e as de outras naes europias foram elaboradas tendo em conta esse propsito. J que a melhor polcia no tem condies de oferecer segurana a no ser que o governo possua meios de defender-se de danos e ataques de fora, o quarto objeto da Lei se destina a esse fim; s ob esse item mostraremos, pois, os diferentes tipos de armas, com suas vantagens e desvantagens, a formao de exrcitos efetivos, milcias etc. Depois disso, consideraremos as leis das naes...40 A relao que a receita e as armas tm com os princpios gerais da Lei e com o governo suficientemente bvia, no ocorrendo nenhum questionamento quanto explicao dada pelo esboo supra para esses itens. Entretanto, considerar a opulncia de um Estado sob o item polcia parece um tanto estranho primeira vista. Para a explicao disso, vejamos o incio da parte das prelees que se refere polcia. 38 Os Principles de Steuart foram impressos por A. Millar, and T. Cadell, in t he Strand; A Riqueza da Naes, por W. Strahan; and T. Cadell, in the Strand. 39 Lectures on Justice, Police, Revenue and Arms. Proferidas por Adam Smith na Universidade de Glasgow. Divulgadas por um estudante em 1763 e editadas com uma introduo e notas de Edwin Cannan, 1896, pp. 1-3. 40 Lectures, pp. 3-4. 28 ----------------------- Page 27----------------------ADAM SMITH A polcia constitui a segunda diviso geral da Jurisprudncia. O termo francs, derivando sua origem do grego politeia que a dequadamente significava a poltica da administrao civil, mas agora significa somente os regulamentos das partes inferiores da admin istrao, ou seja: limpeza, segurana, e preos baixos ou abundncia.41 Que essa definio da palavra francesa era correta, mostra-o bem a seguinte passagem de um livro que, como se sabe, Smith possua ao morrer,42 as Institutions politiques de Biefeld, 1760 (t. I, p. 99): O primeiro Presidente do Harlay, ao admitir o Sr. dArgen son ao cargo de tenente geral de polcia da cidade de Paris, dir igiu-lhe estas palavras, que merecem ser notadas: O Rei vos pede, Sen hor, segurana, limpeza, preos baixos para as mercadorias. Com efeito, esses trs itens englobam toda a polcia, que constitui o terceiro grande objeto da poltica para o Estado em sua vida interna. Ao constatarmos que do chefe da polcia de Paris em 16 97 se esperava que cuidasse dos preos baixos como da segurana e da limpeza, no nos surpreende tanto a incluso dos baixos preos ou fartura

ou a opulncia de um Estado na Jurisprudncia, ou nos princpios gerais da Lei e do governo. Efetivamente, preos baixos so a mesma coisa que fartura, e a considerao dos preos baixos ou fartura a mesma coisa que o caminho mais adequado para garantir riqueza e abundncia.43 Se Adam Smith houvesse sido um partidrio antiquado do controle estatal sobre o comrcio e a indstria, teria descri to os regulamentos mais adequados para garantir a riqueza e a abundncia, e no haveria nada de estranho no fato de essa descrio enquadrar-se sob os princpios gerais da Lei e do governo. A real estranheza simplesmente o resultado da atitude negativa de Smith de sua crena de que os regulamentos passados e presentes eram, na maior p arte, puramente prejudiciais. Quanto aos dois itens, limpeza e segurana, conseguiu liquid-los com muita brevidade: o mtodo correto para remover a sujeira das ruas, e a execuo da justia, no que concerne a regulamentos e normas para prevenir crimes ou o mtodo de conservar uma guarda urban a, embora itens de utilidade, so excessivamente irrelevantes para serem considerados em uma exposio geral deste tipo.44 Limitou-se a observar que o estabelecimento das artes e ofcios do comrcio gera independncia, constituindo, portanto, a melhor poltica para evitar crimes. Isso assegura ao povo melhores salrios e, em conseqncia disso, teremos no pas inteiro instaurada uma probidade geral de condut a. Ningum ser to insensato, ao ponto de expor-se nas rodovias se puder ganhar melhor o seu sustento de maneira honesta e trabalhando.45 41 42 43 44 45 Ibid, p. 154. Ver BONAR, James. Catalogue of the Library of Adam Smith. 1894. Lectures, p. 157. Ibid., p. 154. Ibid., p. 156. 29 ----------------------- Page 28----------------------OS ECONOMISTAS Smith passou ento a considerar os preos baixos ou a abun-

dncia, ou ento, o que a mesma coisa, o melhor meio para garantir a riqueza e abundncia. Comeou essa parte considerando as necessidades naturais da humanidade, que devem ser atendidas,46 tema que, nos tratados de Economia, tem sido tratado sob o termo de consumo. Mostra ento que a opulncia provm da diviso do trabalho, ilustrando tambm por que assim, ou de que maneira a diviso do trabalho gera a multiplicao do produto,47 e por que ela deve estar em proporo com a extenso do comrcio. Assim dizia ele diviso do trabalho a grande causa do aumento de opulncia pblica, a qual sempre proporcional laboriosidade do povo e no quantidade de ouro e prata, como se imagina insensatamente. Tendo assim mostrado o que gera a opulncia pblica, diz que continuar sua exposio, abordando o seguinte:

a

como o de comrcio. Em terceiro lugar, a histria do comrcio, parte em que se tratar das causas do progresso lento da opulncia, tanto nos tempos antigos como na poca moderna, mostrando quais as causas que afetam a agricultura, as artes e ofcios e as manufaturas. Finalmente, considerar-se-o os efeitos do esprito comercial, sobre o governo, o carter e as maneiras de agir de um povo sejam estas boas ou ms e os remdios adequados".48 Sob o primeiro desses itens, trata do preo natural e d o preo de mercado, e das diferenas de salrios, mostrando que toda poltica que tenda a aumentar o preo de mercado acima do preo natural , tende a diminuir a opulncia pblica.49 Entre tais regulamentos perniciosos, enumera taxas ou impostos sobre mercadorias, monoplios, e privilgios exclusivos de corporaes. Considera como igualmente perniciosos regulamentos que estabelecem um preo de mercado abaixo do preo natural, e por isso condena o subsdio aos cereais, q ue faz com que a agricultura acumule capital que poderia ter sido m elhor empregado em algum outro comrcio. A melhor poltica sempre deixar as coisas andarem seu curso normal.50 Sob o segundo item, Smith explica as razes do uso do dinheiro como um padro comum e o uso dele decorrente como instrumento do comrcio. Mostra por que geralmente se escolheram o ouro e a prata, e por que motivo se introduziu a cunhagem; prossegue a expos io, explicando os males da falsificao de moeda, e a dificuldade de manter 46 47 48 49 50 Lectures, p. 157. Ibid., p. 163. Ibid., pp. 172-173. Ibid., p. 178. Ibid., p. 182. 30 ----------------------- Page 29----------------------ADAM SMITH em circulao moedas de ouro e de prata ao mesmo tempo. Sendo o dinheiro um estoque morto, so benficos os bancos e o crdito cambial que permitem prescindir do dinheiro e envi-lo ao exterior. O dinheiro enviado para o exterior trar para dentro do pas alimentos, roupas e moradia e quanto maiores forem as mercadorias importadas, tanto maior ser a opulncia do pas.51 m poltica impor restries aos bancos.52 Mun, comerciante londrino, afirmava que havendo evaso do dinheiro da Inglaterra, ela deve caminhar para a runa.53 O Sr. Gee, tambm ele um comerciante, procura mostrar que a Inglaterra seria em pouco tempo arruinada pelo comrcio com pases estrangeiros, e que em quase todos os nossos negcios com outras naes, samos

Primeiro, as circunstncias que determinam o preo das mercadorias. Em segundo lugar, o dinheiro, em duas perspectivas: primeiro, critrio para medir o valor, e depois, como instrument

perdendo.54 O Sr. Hume havia mostrado o absurdo dessas e outras doutrinas similares, embora mesmo ele no tivesse plena clareza sobre a tese de que a opulncia pblica consiste no dinheiro.55 O dinheiro no um bem de consumo, e a consuntibilidade dos bens se nos for permitido usar este termo a grande causa da operosidade humana.56 A opinio absurda de que as riquezas consistem em dinhei ro havia dado origem a muitos erros perniciosos na prtica,57 tais como a proibio de exportar moeda e tentativas de garantir uma balana comercial favorvel. as coisas andarem em xito nenhuma proibio comercial favorvel Haver sempre bastante dinheiro, se deixarmos livremente seu curso normal, sendo que no t de exportar. O desejo de garantir uma balana havia conduzido a normas e leis altamente pre-

judiciais ,58 como as restries impostas ao comrcio com a Frana. Basta um mnimo de reflexo para evidenciar o absurdo de tais regulamentos. Todo comrcio efetuado entre dois pases quaisquer deve necessariamente trazer vantagem para ambos. O verdadeiro objetivo do comrcio trocar nossas prprias mercadorias por outras que acreditamos serem mais convenientes para ns. Quando duas pessoas comercializam entre si, sem dvida isso feito para que os dois aufiram vantagem... Exatamente o mesmo acontece entre duas naes quaisquer. Os bens que os comerciantes ingleses querem importar da Frana certamente valem mais, para eles, do que aquilo que do em troca.59 Esses cimes e proibies tm sido extremamente danosos para as naes mais ricas, e seria benfico, para a Frana e a Inglat erra em especial, se todos os preconceitos nacionais fossem eliminados e se estabelecesse um comrcio livre e sem interrupes.60 Nao alguma 51 52 53 54 55 56 57 58 59 60 Ibid., p. 192. Ibid., p. 195. Ibid., p. 195. Ibid., p. l96. Ibid., p. 197. Ibid., p. 199. Ibid., p. 200. Ibid., p. 204. Ibid., p. 204. Lectures, p. 206. 31 ----------------------- Page 30----------------------OS ECONOMISTAS foi jamais arruinada por tal balana comercial. Todos os escrito res polticos desde o tempo de Carlos II tinham profetizado que dent ro de poucos anos estaremos reduzidos a um estado de pobreza absoluta, e, no entanto, a verdade que hoje constatamos que somos muito mais ricos do que antes.61

A tese errnea de que a opulncia nacional consiste em dinheiro havia tambm dado origem tese absurda de que nenhum consumo interno pode prejudicar a opulncia de um pas.62 Foi tambm essa tese que levou ao esquema da Lei de Mississpi, em comparao com o qual o nosso prprio esquema Mares do Sul era uma ninharia.63 Os juros no dependem do valor do dinheiro, mas da quantidade de capital. O cmbio um mtodo para prescindir da transmisso do dinheiro.64 Sob o terceiro item, a histria do comrcio, ou as causas do progresso lento da opulncia, Adam Smith tratou primeiro, dos impedimentos naturais, e segundo, da opresso por parte do governo civil.65 No consta que tivesse mencionado qualquer outro obstculo natural afora a falta de diviso do trabalho em pocas primitivas e de barbrie, devido falta de capital.66 Em compensao, tinha muito a dizer sobre a opresso por parte do governo civil. De incio, os governos eram to fracos, que no tinham condies para oferecer a seus sditos aquela segurana sem a qual ningum tem motivao para dedicar-se com empenho ao trabalho. Depois, quando os governos se tornaram su ficientemente fortes para proporcionar segurana interna, lutavam entre si, e seus sditos eram fustigados por inimigos de fora. A agricultura era prejudicada pelo fato de grandes extenses de terra estarem nas mos de simples pessoas. Isso levou, inicialmente, ao cultivo feito por escravos, que no tinham motivao para o trabalho; depois vieram os arrendatrios por meao (meeiros) que no tinham suficiente estmulo para melhorar o solo; finalmente, foi introduzido o atual mtodo de cultivo por arrendatrios, porm estes por muito tempo no tinham estabilidade e segurana em suas terras, pois eram obrigados a pagar aluguel em espcie, o que implicava para eles o risco de serem muito prejudicados por ms estaes. Os subsdios feudais desencorajavam o trabalho, sendo que a lei da primogenitura, o morgadio e as despesas inerentes transferncia de terras impediam que as grandes propriedades rurais fossem divididas. As restries impostas exportao de cereais ajudaram a paralisar o progresso da agricultura. O progresso das artes e ofcios e do comrcio foi tambm obstaculizado pela escravatura, bem como pelo antigo menosprezo pela indstria e pelo comr61 62 63 64 65 66 Ibid., Ibid., Ibid., Ibid., Ibid., Ibid., p. 207. p. 209. pp. 211-219. pp. 219-222. p. 222. pp. 222-223. 32 ----------------------- Page 31----------------------ADAM SMITH cio, pela falta de apoio validade dos contratos, pelas vrias dificuldades e perigos inerentes ao transporte, pelo estabelecimento de feiras, mercados e cidades-emprios, por taxas impostas s importaes e exportaes, e pelos monoplios, privilgios outorgados a certas corporaes, pelo estatuto dos aprendizes e pelos subsdios.67 Sob o quarto e ltimo item a influncia que o comrcio exerce sobre a conduta de um povo Smith dizia em suas prelees toda vez que o comrcio introduzido em qualquer pas, sempre vem

que

acompanhado da probidade e da pontualidade.68 O comerciante compra e vende com tanta freqncia, que acredita ser a honestidade a melhor poltica. Do ponto de vista da probidade e da pontualidade, os polticos no so os que mais se distinguem no mundo. Menos ainda o so os embaixadores das diferentes naes;69 a razo disso est no fato de ser muito mais raro as naes fazerem comrcio entre si, do que os comerciantes. Todavia, o esprito comercial gera certos inconvenientes. A viso das pessoas se restringe, e quando toda a ateno de uma pessoa se concentra no dcimo stimo componente de um alfinete ou no oitav o componente de um boto70 a pessoa se torna obtusa. Negligenc ia-se a educao das pessoas. Na Esccia, o carregador do nvel mais baixo sabe ler e escrever, ao passo que em Birmingham um menino de seis ou sete anos pode ganhar trs ou seis pence por dia, de sorte que seus pais o pem a trabalhar cedo, negligenciando a sua educao. bom saber ao menos ler, pois isso proporciona s pessoas o benefcio da religio, que representa uma grande vantagem, no apenas do ponto de vista de um pio sentimento, mas porque a religio fornece ao indivduo assunto para pensar e refletir.71 Alm disso, registra-se outra grande perda em colocar os meninos muito cedo no trabalho. Os meninos acabam desvencilhando-se da autoridade dos pais, e entregam-se embriaguez e s rixas. Conseqentemente, nas regies comerciais da Inglaterra, os trabalhadores esto em uma condio desprezvel, trabalhando durante meia semana, ganham o suficiente para manterse, e, por falta de educao e formao, no tm com que ocupar-se no restante da semana, entregando-se a rixas e devassido. Assim sendo, no h erro em dizer que as pessoas que vestem o mundo todo esto elas mesmas vestidas de farrapos.72 Alm disso, o comrcio faz diminuir a coragem e apaga o esprito guerreiro; a defesa do pas fica assim entregue a uma categoria especial de pessoas, e o carter de um povo se torna efeminado e covarde, como demonstrou o fato de que, em 1745, quatro ou cinco mil montanheses, 67 68 69 70 71 72 Ibid., Ibid., Ibid., Ibid., Ibid., Ibid., pp. 223-236. p. 253. p. 254. p. 255. p. 256. pp. 256-257. 33 ----------------------- Page 32----------------------OS ECONOMISTAS nus e sem armas, teriam derrubado com facilidade o governo da GrBretanha, se no tivessem encontrado a resistncia de um efetivo.73 Remediar tais males introduzidos pelo comrcio seria um objetivo digno de ser estudado com seriedade . A receita, ao menos no ano em que Smith redigiu as anotaes exrcito

para suas prelees, era tratada antes do ltimo item da polcia, que acabamos de expor; obviamente porque ela representa efetivamente uma das causas do lento progresso da opulncia.74 De incio ensinava Smith no havia necessidade de receita; o funcionrio pblico contentava-se com o prestgio que o cargo lh e proporcionava e com os presentes que se lhe ofereciam. Mas o recebimento de presentes acabou conduzindo logo corrupo. De incio, tambm os soldados no recebiam remunerao, mas isso no durou muito. O mtodo mais antigo adotado para garantir renda foi destinar terras para cobrir os gastos do governo. Para manter o governo britnico seria necessrio, no mnimo, dispor de um quarto de toda a rea do pas. Depois que a manuteno do governo se torna dispendiosa, o pior mtodo possvel de custe-la a renda fundiria.75 A civilizao vai de mos dadas com os altos custos de administrao pblica. Os Impostos podem ser assim divididos: impostos sobre po sses e impostos sobre mercadorias. fcil estabelecer impostos territoriais, mas difcil estabelecer impostos para estoques ou dinheiro. muito pouco dispendioso recolher impostos territoriais; eles no geram a umento do preo das mercadorias nem limitam o nmero de pessoas que possuem estoque suficiente para comercializar com elas. penoso para os proprietrios de terras ter que pagar tanto imposto territorial quanto impostos sobre o consumo, fato este que talvez ocasione a manuteno do que se chama juros dos Torios.76 O melhor sistema de recolhimento de impostos sobre mercadorias embuti-los no prprio produto. Nesse caso, existe a vantagem d e pag-los sem perceber,77 j que ao comprarmos uma libra de ch, no refletimos no fato de que a maior parte do preo consiste em uma taxa paga ao governo, e por isso pagamo-la de bom grado, c omo se fora simplesmente o preo natural da mercadoria.78 Alm disso, tais impostos tm menos probabilidade de levar o povo runa do que os impostos territoriais, pois o povo sempre tem condies de diminui r os seus gastos com a compra de artigos tributveis. Um imposto territorial fixo, como o ingls, melhor do que um que varia de acordo com a renda como o caso do imposto territorial francs e os ingleses so os maiores financistas da Europa, sendo 73 74 75 76 77 78 Ibid., Ibid., Ibid., Ibid., Ibid., Ibid., p. 258. p. 236. p. 239. pp. 241-242. pp. 242-243. p. 243. 34 ----------------------- Page 33----------------------ADAM SMITH os o impostos ingleses os mais adequadamente cobrados, em confront

com os de qualquer outro pas.79 As taxas sobre importaes so danosas, porque desviam o trabalho para um caminho no natural; piores ainda so as taxas sobre exportaes. A crena generalizada de que a riqueza consiste em dinheiro no tem sido prejudicial como se poderia ter esperado, no tocante s taxas incidentes sobre importaes, pois por coincidncia essa crena levou a estimular a importao de matria-prima e a desestimular a importao de artigos manufaturados.80 A exposio sobre a receita levou Smith, com naturalidade, a tra tar das dvidas nacionais, o que o conduziu discusso sobre as causa s do aumento e da diminuio dos estoques e da prtica da agiotagem.81 Sob o item Armas, Smith ensinou que, de incio, todo o povo vai guerra; a seguir, somente as classes superiores vo guerra, e as classes mais baixas continuam a cultivar a terra. Mais tarde, porm, a introduo das artes e ofcios e das manufaturas, tornou inconveniente aos ricos deixarem seus negcios, cabendo ento a defesa do Esta do s classes mais baixas do povo. Essa a nossa situao atual, na Gr-Bretanha.82 Atualmente, a disciplina se torna necessria, introduzindo-se exrcitos permanentes. O melhor tipo de exrcito uma milcia comandada por donos de latifndios e de cargos pblicos da nao,83 os quais nunca podem ter qualquer probabilidade de sacrificar as liberdades do pas. o que ocorre na Sucia. Comparemos agora tudo isso com o esquema ou esboo de A Riqueza das Naes no como est descrito na Introduo e Plano, mas tal como o encontramos no corpo da prpria obra. O Livro Primeiro comea mostrando que o maior aprimoramento das foras produtivas se deve diviso do trabalho. Depois da diviso do trabalho a obra trata do dinheiro, de vez que necessrio para facilitar a diviso do trabalho, o que depende de intercmbio. Isso naturalmente leva a abordar os termos em que as trocas so efetuadas, ou seja, valor e preo. O estudo do preo revela que esse se divide entre salrios, lucros do capital e renda fundiria e por isso o preo depende dos ndices dos salrios, dos ndices dos lucros do capital e da renda fundiria, o que torna necessrio abordar, em quatro captulos, as variaes desses ndices. O Livro Segundo trata primeiramente da natureza e das divises do patrimnio, e em segundo lugar de uma parcela particularmente importante do mesmo, a saber, o dinheiro, e dos meios atravs dos quais essa parte pode ser economizada pelas operaes bancrias; em terceiro lugar, trata da acumulao de capital, que est relacionada com o emprego da mo-de-obra produtiva. Em quarto lugar, considera 79 80 81 82 83 Ibid., Ibid., Ibid., Ibid., Ibid., p. 245. pp. 246-247. pp. 247-252. p. 261. p. 263. 35

----------------------- Page 34----------------------OS ECONOMISTAS o aumento e a diminuio da taxa de juros; em quinto e ltimo lugar, a vantagem comparativa dos diferentes mtodos de emprego do capital. O Livro Terceiro mostra que o progresso natural da opu lncia deve dirigir o capital, primeiro para a agricultura, depois para as manufaturas e, finalmente, para o comrcio exterior, mas que essa ordem foi invertida pela poltica dos Estados europeus modernos. O Livro Quarto trata de dois sistemas diferentes de ec onomia poltica: (1) o sistema do comrcio, e (2) o sistema da agricultura; entretanto, o espao dedicado ao primeiro mesmo na 1 edio oito vezes maior que o dedicado ao segundo. O primeiro captulo mostra o absurdo do princpio do sistema comercial ou mercantil, segund o o qual a riqueza depende da balana comercial; os cinco captulos subseqentes expem detalhadamente e mostram a futilidade dos meios vis e danosos atravs dos quais os mercantilistas procuraram garantir seu objetivo absurdo, isto , taxas protecionistas gerais, proibies e altas taxas dirigidas contra a importao de bens de pases especficos em relao aos quais a balana supostamente desfavorvel, drawbacks, subvenes e tratados de comrcio. O captulo stimo que longo trata das colnias. Segundo o plano que se encontra no fim do captulo I, esse assunto tratado aqui porque as colnias for am fundadas para estimular a exportao atravs de privilgios peculiares e monoplios. Mas no prprio captulo no h vestgio algum disso. A histria e o progresso das colnias so discutidos para fins particulares, no se afirmando que as colnias importantes foram fundadas com o objetivo indicado no captulo I. No ltimo captulo do livro, descreve-se o sistema fisiocrtico, emitindo-se um julgamento contra esse sistema e contra o siste ma comercial. O sistema adequado o da liberdade natural, que libera o soberano da obrigao de supervisionar o trabalho das pessoas privadas e da obrigao de dirigi-lo para os objetivos mais convenientes ao interesse da sociedade. O Livro Quinto trata das despesas do soberano no cumprimento dos deveres que lhe cabem, da receita necessria para cobrir tais despesas, e do que ocorre quando as despesas ultrapassam a rece ita. A discusso sobre as despesas para defesa inclui a discusso sobre diferentes tipos de organizao militar, tribunais, meios para manuteno de obras pblicas, educao, e instituies eclesisticas. Confrontando esses dois esquemas, podemos observar a estreita correlao existente entre o livro e as prelees (Lectures) de Adam Smith. Pelo fato de o ttulo Police ser omitido por no designar adequadamente o assunto tratado no h necessidade de mencionar a limpeza, e as observaes sobre a segurana so deslocadas para o captulo referente ao acmulo de capital. Omitem-se as duas partes sobre as necessidades naturais da humanidade,84 revelando mais uma 84 Existe uma reminiscncia delas no captulo A Renda da Terra, v

.

I, pp. 182-183. Cannan.)

(Ed. 36

----------------------- Page 35----------------------ADAM SMITH vez as dificuldades que os economistas geralmente tm sentido no tocante ao consumo. As quatro partes seguintes, dedicadas diviso do trabalho, acabam formando os trs primeiros captulos do Livro Pri meiro de A Riqueza das Naes. A esta altura, nas Lectures exist e uma transio abrupta para os preos, seguindo-se a exposio sobre o dinheiro, a histria do comrcio e os efeitos do esprito come rcial; em A Riqueza das Naes isso evitado, comeando com o dinheiro que o instrumento atravs do qual se faz a diviso do trabalh o e passando-se ento a tratar dos preos, transio perfeitamente natural. Nas prelees, a exposio sobre o dinheiro conduz a uma considerao sobre a tese de que a riqueza consistiria no dinhei ro, e sobre todas as conseqncias perniciosas desse erro na restrio do comrcio bancrio e exterior. Isso obviamente representa uma sobrecarga para a teoria sobre o dinheiro, e por isso a exposio sobre as operaes bancrias em A Riqueza das Naes se desloca para o Livro que aborda o capital pelo fato de este prescindir do dinheir o, o qual um patrimnio morto, e portanto economiza capital; e com isso a exposio sobre a poltica comercial automaticamente transferida para o Livro Quarto. Alm disso, nas prelees a exposio sobre os salrios muito breve, sendo feita sob o item preos, e os lucros do capital e a renda da terra nem sequer so tratados; em A Riqueza das Naes, os salrios, os lucros do capital e a renda da terra so tr atados longamente como componentes do preo, afirmando-se que toda a produo do pas est distribuda entre esses trs fatores, como pores que a compem. A parte seguinte das prelees, que trata das causas do progresso lento da opulncia, constitui o fundamento para o Livro Terceiro de A Riqueza das Naes. A influncia do comrcio sobre a conduta do povo desaparece como item independente, mas a maior parte do assunto tratado nas prelees, sob esse item, utilizada na exposio sobre educao e organizao militar. Alm do consumo, so totalmente omitidos, em A Riqueza das Naes, dois outros assuntos, tratados com bastante detalhes nas prelees: Corretagem em Bolsa e o esquema Mississpi. A descrio da agiotagem provavelmente foi omitida, por ser mais adequada para os jovens estudantes que ouviam as prele es do que para os leitores do livro, mais amadurecidos. E o esquema Mississpi foi omitido como diz o prprio Smith por ter sido adequadamente tratado por Du

Verney. Aqui e acol depara-se com discrepncias entre as teses expressas nas prelees e as expressas no livro. A tese razovel e incisiva sobre os efeitos do subsdio aos cereais substituda por uma doutrina mais velada, embora menos satisfatria. Outrossim, no reaparece no livro a observao sobre a inconvenincia do abrandamento das leis comrcio exterior, por encorajarem o comrcio com pases dos quais a Inglaterra importava matrias-primas e desestimularem o comrcio 37 ----------------------- Page 36----------------------OS ECONOMISTAS com os pases dos quais a Inglaterra importava manufaturados.85 Provavelmente, a passagem pertinente nas prelees muito condensada, e talvez no retrate fielmente o pensamento de Adam Smith. Se o texto das prelees representar fielmente o pensamento de Smith, o caso de supor que, ao tempo em que ministrou essas aulas, o autor no se havia ainda libertado inteiramente das falcias da poltica protecionista.86 Existem alguns acrscimos muito evidentes em A Riqueza das Naes. O mais saliente a exposio sobre o sistema fisiocrtico ou agrcola francs, que ocupa o ltimo captulo do Livro Quarto. Tambm o artigo sobre as relaes entre Igreja e Estado (Livro Quinto, captulo I, Parte III, art. 3) parece ser um acrscimo evidente, ao m enos em relao s prelees sobre police e receita. Mas, como veremos, a tradio parece afirmar que Smith tratou das instituies eclesisticas nessa parte de suas prelees sobre Jurisprudncia, de maneira que talvez o escrito das Lectures apresente falhas nesse ponto; ou ento, o assunto foi omitido no ano especfico em que as notas foram tomadas. Alm disso, existe o longo captulo sobre as colnias. O fato de as colnias terem atrado a ateno de Adam Smith durante o perodo que vai entre as prelees e a publicao de seu livro no surpreende muito, se recordarmos que esse intervalo coincidiu quase exatamente com o perodo entre o incio da tentativa de taxar as colnias e a Declarao da Independncia dessas colnias. Contudo, esses acrscimos so de pequeno porte, em confronto com a introduo da teoria do patrimnio ou capital e do trabalh o improdutivo no Livro Segundo, a insero de uma teoria da distribuio na teoria dos preos pelo fim do Livro Primeiro, captulo VI, e a nfase sobre a concepo da produo anual. Essas mudanas no representam para a obra de Smith uma diferena real to grande como se poderia supor; a teoria da distribuio, embora aparea no ttulo do Livro Primeiro, no uma parte essencial da obra, e pode