A Semiologia Dos Discursos Da Publicidade

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A SEMIOLOGIA DOS DISCURSOS DA PUBLICIDADE Pesquisa bibliogrfica e documental: Ana Elizabeth Arajo da Silva Flix Reviso de Texto: William Pereira dos Anjos Direo de Edio: Maria Regina Martins Cabral Capa: Ana Elizabeth Arajo da Silva Flix Joo Mrio Chaves Jnior Projeto Grfico e Diagramao: Joo Mrio Chaves Jnior Flix, Ana Elizabeth Arajo da Silva. A semiologia dos discursos da publicidade - Editora Central dos Livros 137 p. 1. Anlise do Discurso. 2. Semiologia. Publicidade. I. Ttulo. Dissertao (Mestrado em Estudos de Linguagem) UFPI CDD 401.41 ISBN 978-85-61188-00-9

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central dos livrosRua do Alecrim, 123 - Centro - So Luls/MA Fone: (98) 3232-4063 e-mail: [email protected] Rua Coelho Neto, 984/B - Centro - Caxias/MA Fone: (99) 3521-1881 e-mail: [email protected]

A meus amados pais, fora impulsionadora para o meu crescimento pessoal e intelectual. A meus adorados filhos, razo de minha existncia. A meu querido companheiro de vida, lutas, conquistas e amor, Jos Lino. A meus alunos da FAI e da UEMA, fora-motriz para que eu continue na busca pelo saber.

[...] dizemos que um jogo jogado de acordo com uma regra determinada. A regra pode ajudar a ensinar o jogo. transmitida pessoa que aprende e que se exercita na sua aplicao. - Ou uma ferramenta do prprio jogo. - Ou: uma regra nem empregue para ensinar nem para jogar; nem consta de um cnon das regras. Aprende-se o jogo vendo como que outros o jogam. Mas diz-se que jogado de acordo com tais e tais regras, porque um observador pode inferir estas regras a partir da maneira como o jogo jogado -como uma lei da natureza que regula os movimentos do jogo. - Mas, neste caso, como que o observador distingue entre um erro dos jogadores e uma jogada correta? Para isso h sinais no comportamento dos jogadores. Pensa no comportamento caracterstico de uma pessoa que corrige um lapso de lngua. Seria possvel reconhecer que era isso o que ela estava a fazer, mesmo sem compreender a sua lngua [...]. Ludwig Joseph Johann Wittgenstein Seria muita pretenso entender a semiose infinita do jogo de linguagem expresso na propaganda...

SUMRIOCapa Orelha - Contracapa PREFCIO Francisco Alves Filho

INTRODUO ................................................................................................ 11

CAPTULO UM O MTODO SEMIOLGICO 1 TCNICA - ANLISE DE DISCURSOS: DIALOGANDO COM CONCEITOS ............... 24 2 ASPECTOS INVESTIGATIVOS DA LINGUAGEM ..................................................27 3 Os IMPLCITOS DO DISCURSO .......................................................................... 36 4 A POLIFONIA DISCURSIVA............................................................................... 37 5 ENUNCIAO, TEMA, SIGNIFICAO, EMBREANTES, DEBREAGENS ................. 40 6 DIALOGISMO .................................................................................................. 43 7 HETEROGENEIDADES: CONSTITUTIVA E MOSTRADA ...................................... 44 8 O SUJEITO DOS DISCURSOS ............................................................................. 45 9 Os ATOS DE FALA DE AUSTIN ......................................................................... 48

CAPTULO DOIS A LINGUAGEM DA PROPAGANDA 1 PROPAGANDA E PUBLICIDADE ........................................................................ 51 1.1 MOTIVAO: A FORA PUBLICITRIA IMPULSIONADORA DO COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR................................................................................................ 57 2 ANDANAS HISTRICAS DAS PROPAGANDAS DE CERVEJA ............................. 59 3 TIPOS DE PROPAGANDAS DE CERVEJA VEICULADAS NA MDIA ........................ 64 4 CASES (HISTRIAS COLHIDAS A RESPEITO - o CASO AMBEV X KAISER/ EXPERIMENTA)................................................................................................... 65

CAPTULO TRS ANLISES DAS PROPAGANDAS DE CERVEJAS 1 ANLISE DOS DISCURSOS DAS PROPAGANDAS DE CERVEJAS ................................ 73 1.1 PROPAGANDAS DE CERVEJA VEICULADAS NA MDIA IMPRESSA ........................ 74 1.2 PROPAGANDAS DE CERVEJA VEICULADAS NA MDIA TELEVISIVA ...................... 84 1.2.1 Os IMPLCITOS NOS DISCURSOS DAS PROPAGANDAS DE CERVEJA................... 85 1.2.2 A HETEROGENEIDADE, A POLIFONIA, A INSERO DA PESSOA NO DISCURSO E O DIALOGISMO NAS PROPAGANDAS DE CERVEJA ................................ 100 1.2.3 Os ATOS DE FALA DE AUSTIN ...................................................................... 115 2 ESTABELECENDO UM DILOGO SEMIOLGICO E FRONTEIRIO DAS PEAS PUBLICITRIAS COM AS TEORIAS DE DISCURSOS..................................................... 120

CONSIDERAES FINAIS .............................................................................. 123

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .................................................................. 127

PREFCIOEste livro que ora chega s mos dos distintos leitores, alm da relevncia mais bvia que tem toda publicao de livros num mundo como o nosso - marcado pela ainda insipiente produo livresca diante do mundaru de gente que habita o planeta e que necessita ler - importante pela razo de inaugurar alguns fatos. Trata-se do primeiro livro que resulta diretamente de uma dissertao de mestrado defendida no programa do MEL - Mestrado Acadmico em Letras da Universidade Federal do Piau. Este programa, ainda uma criana, comeou a funcionar em 2004 e atende a duas grandes linhas de pesquisa: estudos literrios e estudos da linguagem/discurso. Lamentavelmente, no Brasil (e no sei tambm se em grande parte do mundo) as pesquisas acadmicas terminam ficando trancafiadas nas estantes das universidades, no chegando s prateleiras das livrarias, o que termina se configurando como uma sub-utilizao da produo acadmica. Felizmente, a pesquisa de Ana Elizabeth desvia-se deste curso e poder seguramente se reverter em uma prestao de servio da academia. Inserida na linha de estudos da linguagem/discurso, mais especificamente nos estudos de anlise de discursos, a dissertao/livro de Ana Elizabeth descortina uma srie de manipulaes ideolgicodiscursivas que conduzem as propagandas de vrias marcas de cerveja produzidas no Brasil. Centrando-se, sobretudo, nas propagandas de cerveja que constroem sua estratgia retrica tomando como mote a figura da mulher (na verdade, estas constituem a maioria), a instigante pesquisa de Ana mostra por A + B como a lgica machista ainda regula nossos discursos e preside uma srie de comportamentos. E neste sentido, o livro mostra a sua atualidade e o seu alinhamento com as novas tendncias dos estudos enunciativos e discursivos, pois, neste novo paradigma, estudar a linguagem , na verdade, estudar os homens (e as mulheres) inseridos na vida social, buscando explicar as prticas scioideolgicas que regulam a vida moderna. E isso levado a cabo pela autora, atravs da anlise das vrias categorias enunciativas presentes no material de anlise. Apoiando-se teoricamente em importantes autores dos estudos de discurso, como o russo Mikhail Bakhtin e os franceses Oswald Ducrot e Jacqueline Authier-Revuz, a pesquisa traz novos dados em favor da tese da heterogeneidade da linguagem e dos discursos e, em contrapartida, joga mais uma p de terra em cima da velha tese de que a linguagem, de forma homognea e previsvel, espelharia um mundo pr-existente. O que o leitor

encontrar neste livro uma amostra significativa dos embates sociais em torno de verdades e de posies, pois, mesmo num campo predominantemente machista como o o da propaganda de cerveja, a voz do discurso feminista ou contra-machista ali se insinua oferecendo uma contrapalavra replicante ao velho e poderoso machismo. Neste sentido, o estudo destas propagandas se mostra como altamente indicirio dos embates entre homens e mulheres e pode revelar tanto as mudanas como as resistncias s mudanas que envolvem os papis sociais de homens e mulheres em nosso convvio scio-histrico. Por uma outra perspectiva, embora no de um modo assim to direto, este livro pode ser tambm til, por vrias razes, para as prticas de ensino-aprendizagem em sala de aula. Uma que os livros didticos - de diversas reas - cada vez mais esto recheados de propagandas, estando a solicitar do professor habilidades e competncias para conduzir um trabalho que realmente estimule e oriente o aprendiz a uma compreenso efetiva de tal objeto de estudo. Outra que, mergulhados num mundo imensamente consumista, todos ns somos bombardeados a cada segundo com uma enxurrada de propagandas e, para no nos tornarmos presas fceis, dceis e ingnuas, necessitamos fazer uma leitura altamente desconfiada das peas propagandsticas com as quais co-habitamos. Pois bem, este livro pode efetivamente dar sua contribuio para com os dois grandes desafios acima mencionados. Aps a leitura deste livro, os leitores podero at tomar cerveja do mesmo jeito, mas seguramente no olharo mais para as propagandas do mesmo modo, pois disporo de munio terica e analtica para perceber que peas publicitrias rpidas, divertidas e aparentemente ingnuas, na verdade, coadunam discursos que ajudam a organizar as nossas interaes cotidianas. Por tudo isso, faamos um brinde a este livro e o bebamos, com um prazer radicalmente lcido.

Francisco Alves Filho

INTRODUOO crescimento das investigaes acerca da linguagem, nos diferentes graus de aplicabilidade, vem se tornando constante. Deste modo, para construir o presente texto, intitulado "A Semiologoa dos Discursos da Publicidade", instauramos uma reflexo, na qual tentamos discorrer sobre o consumidor de cerveja, como elemento desencadeador da pesquisa, tendo em vista que se trata de um pblico diversificado, e que apresenta diferentes formas de utilizao da linguagem. Sob este aspecto, buscamos estabelecer e fundamentar, com base nos autores selecionados, alm da mencionada utilizao da linguagem, os modos de representao, produo e efeitos de sentido, utilizados no tema em discusso. Entendemos que a Anlise de Discursos1 contribuiu de forma substancial para o desenvolvimento dessa reflexo, tendo em vista ser uma tcnica interpretativa capaz de estabelecer relao de reciprocidade entre as intencionalidades discursivas. Para analisar os anncios publicitrios de marcas de cerveja, selecionados para este estudo, escolhemos a Anlise do Discurso (AD), como tcnica investigativa, por entendermos que esta uma teoria que trabalha com as relaes entre a lngua e o sujeito de forma diferenciada, no estanque, mas aberta aos ditos e aos no-ditos. Pelo fato de haver trabalhado com anncios publicitrios, algumas noes para o apoio tambm foram pesquisadas em tericos do marketing. O objeto da Anlise do Discurso, teoria fundada por Michel Pcheux, na Frana, em 1969, o discurso, entendido, segundo Pcheux (2002), como efeito de sentido entre locutores. O discurso no apenas um texto, mas um conjunto de relaes que se estabelecem nos momentos que antecedem e durante a produo do texto, como tambm dos efeitos que so produzidos aps a enunciao desse texto. Logo, o texto concebido como a materialidade lingustica, atravs da qual se pode chegar ao discurso; a relao da lngua1

A escolha do uso da terminologia Anlise de Discursos nesta pesquisa se deu por considerarmos que os efeitos de sentido acontecem de forma mais ampla, pois tratamos de discursos prconhecidos, que se referem a outro(s) discurso(s) e se destaca(m) em relao a outros. A Anlise do Discurso, na concepo que adotamos, refere-se a uma totalidade de discursos que caracteriza um enunciador ou um campo enunciativo, o que no condiz com o que identificamos, caracteriza apenas, para ns, uma superfcie textual. Acreditamos que toda superfcie textual atravessada por vrios discursos enunciados por vrios sujeitos semiticos e, mesmo quando desejamos tomar um fragmento textual para anlise, no possvel tom-lo como representativo da totalidade de ideias ou corpo nico. A ideia de totalidade de sentidos no comunga com o que define Peirce (2000) sobre semiose infinita.

com a histria (historicidade). O discurso produzido determinado pelos discursos anteriores e tambm determina os discursos que viro aps ele. A Anlise do Discurso entende que os sentidos no so postos e que as palavras no possuem um sentido nico, mas um dominante. Para a Anlise do Discurso, a enunciao de uma mesma materialidade lingustica, em condies diversas, pode gerar diversos efeitos de sentido. A lngua, sob a tica terica da AD, incompleta, heterognea, posto que, afetada pela histria, a lngua est sempre propcia aos deslizes, aos mltiplos sentidos, ambiguidade. Por sua vez, a lngua entendida como uma forma material de chegar ao sujeito, pois atravs da linguagem que o sujeito do inconsciente mostra sua incompletude, e atravs da lngua tambm que o sujeito procura preencher as lacunas prprias da sua constituio. Segundo Orlandi (1988), as marcas lingusticas so pistas para o analista do discurso, a relao entre as marcas e o que elas significam to indireta quanto indireta a relao do texto com suas condies de produo. Desta forma, se atravs da lngua que se tem acesso ao discurso e, consequentemente, ao sujeito, ento fundamental que nossa anlise das formas de percepo da mulher por si prpria e pela sociedade tenha como base a materialidade lingustica dos anncios publicitrios. O sujeito (re)produtor do discurso um sujeito do desejo, marcado pela incompletude, mas tambm pelo desejo da completude, e de dizer o novo. Este desejo de completude nunca ser satisfeito; o sujeito sempre acredita que disse tudo, que os sentidos esto postos, que o seu dizer est livre da ambiguidade e que s poderia dizer da forma escolhida. Mas esta completude apenas uma iluso; o sujeito, afinal, sempre desejante. Tambm na publicidade, o desejo se mostra, mas diferente da noo de desejo trazida pela Psicanlise e utilizada pela Anlise do Discurso. O ser humano movido pelo desejo, que moldado de acordo com muitos fatores, tais como aspectos sociais, polticos, culturais, psicolgicos e econmicos. Esta mobilidade de fatores acontece hierarquicamente, conforme aponta Abraham Maslow (apud PERREAULT JR & MCCARTHY, 2002), terico da Psicologia. Por outro lado, a sociedade impe certos padres nos quais as pessoas devem se enquadrar sob o risco de no serem aceitas, ou ainda serem discriminadas. Neste sentido, as agncias de publicidade percebem a influncia exercida por estes padres nas pessoas e, frequentemente, os utilizam em suas campanhas, sendo muitas vezes possvel observar a criao de novos padres por parte da prpria publicidade. As pessoas so instigadas a comprar o que os anncios vendem; so influenciadas, de modo a considerar que precisam

de um produto de uma determinada marca muito mais do que poderiam imaginar. O produto parece tornar-se indispensvel e insubstituvel. O valor de uma marca agregado ao produto muitas vezes determinante na hora da compra. Os anncios publicitrios tm aspectos diferenciados de acordo com o produto, com o pblico-alvo, com o meio onde ser veiculado. Essas diferenciaes servem para atrair e motivar o consumidor, fazendo com que ele se sinta impelido a adquirir o produto anunciado. Neste contexto, o Departamento de Marketing das empresas desempenha um papel fundamental no processo de venda-aquisio de produtos. ele o responsvel por entender as necessidades das pessoas, e faz com que os benefcios proporcionados pelos produtos se encaixem s necessidades e aos desejos do consumidor. Os desejos sempre esto associados a uma ou mais necessidades. De igual modo, uma necessidade pode estar associada a vrios desejos. A noo de desejo utilizada pelos anncios publicitrios a noo de desejo que pode ser satisfeito, que depende apenas da aquisio de um determinado produto para que a vontade seja suprida. Assim, cada vez mais so criados novos produtos, novos padres so sugeridos, fazendo com que cada desejo saciado suscite um novo desejo. Outro conceito fundamental da Anlise do Discurso e tambm muito importante para o presente trabalho, por tratar das relaes entre os discursos e a sociedade na qual os sujeitos esto inseridos, o de Formao Discursiva (FD). Cada FD contm aquilo que possvel e tambm o que no possvel ser dito nos discursos dos sujeitos que nela atuam. Uma FD constituda dentro de um interdiscurso, que o lugar de onde o sujeito retira o que possvel e o que no possvel no seu discurso, de acordo com sua Formao Discursiva. Este interdiscurso uma espcie de ba, onde o sujeito encontra um conjunto de possibilidades para o seu dizer, e estas se podem confundir com possibilidades de dizer de outras FDs, gerando a os novos sentidos. As Formaes Discursivas esto submetidas s Formaes Ideolgicas, que so o conjunto de atitudes, valores e preceitos regidos pela ideologia, de acordo com as posies de classe ocupadas. atravs das FDs que a FI se mostra. Dentro do conceito de Interdiscurso tambm importante para a teoria a noo de Memria Discursiva, pois, conforme Orlandi (1993), atravs da memria discursiva que o sujeito busca no seu interdiscurso as palavras do outro, aquelas j proferidas. E isto nos leva a um outro conceito importante para a AD, que o de prconstrudo; um elemento buscado na memria discursiva fruto dos discursos anteriores.

Para tecer a anlise desta pesquisa, procuramos perceber os usos da lngua pela publicidade, como forma de seduzir o consumidor, interpello, mas sem esquecer que esta anlise deveria ser feita a partir do nosso lugar, ou seja, sob a tica terica da Anlise do Discurso e, portanto, buscando sempre e tambm o que est implcito nas palavras, nos noditos, nos deslocamentos de sentido, na falta, nos equvocos. Para o desenvolvimento desta investigao, fez-se necessria a apropriao de um referencial terico-metodolgico, que permitiu compreender a circulao das representaes discursivas construdas no imaginrio popular. A escolha, portanto, recaiu neste instrumental, em virtude de as propagandas apresentarem uma tipologia de linguagem (verbal e no-verbal) persuasiva, estabelecendo mecanismos de abstrao e contemplando tanto as ideias postas quanto as implcitas em cada discurso veiculado. O recorte utilizado para anlise das peas midialgicas limita-se s exibidas na Televiso, considerada a maior propagadora de produtos e servios presente em 90% dos lares brasileiros, bem como na mdia impressa, veiculadas nas revistas Veja e Isto. As imagens (videolgicas e impressas) contidas nesta investigao foram coletadas no site da e no site AMBEV (http://www.ambev.com.br) http:www.memoriadapropaganda.com. br. As retiradas de revistas e cartazes tm seus crditos abaixo de cada uma discriminados. Os comerciais analisados so de produtos inseridos no ranking nacional e internacional de venda do produto. Tais produtos so ofertados na mdia em geral: revistas, jornais, rdios e TV. Das marcas que mais investem atualmente nas campanhas, citamos a Nova Schin2. O investimento do empreendedor dessa marca no campo da publicidade gira em torno de 600 milhes, ao longo dos quatro ltimos anos, e no ano de 2005 planejou gastar 350 milhes. A vendagem do produto atingiu o percentual correspondente a 12% do mercado brasileiro e 3,5% no comrcio exterior. O novo empreendedor cita, em entrevista (POCA, n. 352, 2005, p. 4), que pretende alcanar uma meta de 20% no mercado interno, bem como 5% no externo. Pode-se perceber que, a cada dia, altos investimentos so realizados em propagandas.

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Reportagem veiculada na Revista poca, de nmero 352, que circulou nas Bancas 14/2/05 (p. 4), na seo Gente e Negcios, informa que o superintendente da Empresa - Adriano Schincariol (29 anos) exps sua prpria imagem em eventos pblicos (Carnavais e eventos festivos, entre eles os maiores do pas: Rio/Sambdromo, Bahia / carnaval de rua), tornando-se "garoto propaganda" da marca Nova Schin.

A pesquisa aponta como objeto de investigao o signo 3 (imagtico e lingustico), por isso tornou-se necessria, ainda no Captulo I, a leitura de aportes da filosofia da linguagem para a compreenso da sua aplicabilidade nas peas publicitrias, a fim de que fosse percebido o jogo de intencionalidades usado na expresso de alguns verbetes, comumente aplicados em propagandas, tais como boa, nova, experimenta. Tais investigaes apontaram como fundamento terico a Filosofia da Linguagem; notadamente em Wittgenstein, que, em sua segunda fase, descreve a linguagem expressa como jogo de intencionalidades dos sujeitos enunciadores. No CaptuloIII, institumos um histrico sobre a Propaganda e a Publicidade, sua evoluo com os tericos que a aliceram, buscando compreender o papel das categorias que fazem parte do jogo da publicidade. No captulo IV, delineamos o corpus da investigao, ou seja, a anlise das peas publicitrias, tendo como base os tericos da Anlise de Discursos - Bakhtin (1999); Ducrot (1987); Maingueneau (1996; 1997; 2001), bem como os da Cincia Semitica: Peirce (2000); Joly (2004); Volli (2003); Lopes & Hernandes (2005); Nth (2001); e tericos da rea publicitria, tais como Carrascoza (2004); Sant'Anna (1999); Carvalho (2003). Por fim, ainda neste captulo, foram apresentadas as anlises de peas publicitrias, evidenciando suas convergncias e divergncias. A investigao deste tema se fez pertinente porque possibilitou um novo olhar sobre a linguagem aplicada s peas publicitrias, extraindo o discurso posto de forma superficial e as ideias que se encontram em sua estrutura de profundidade - ora verbal, ora no-verbal, veculos que possibilitam a apropriao e o consumo de produtos ou servios por apreciadores em geral.

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Nesta pesquisa, adotamos o signo na perspectiva de Eco (1997, p.21), que o classifica como "tudo aquilo que produz sentido (fonte, emissor, canal, mensagem, destinatrio, cdigo)", ou seja, tudo que tem representao e existe em um contexto lgico.

CAPTULO UM

O MTODO SEMIOLGICOA prtica metodolgica ferramenta essencial pesquisa cientfica; nesta prtica moderna, surge a cincia Semitica, como mtodo, e se dedica a investigar a produo de sentido nos discursos. Esta cincia no constitui um nico sistema de conhecimentos interessado na compreenso dos sentidos; no entanto, um dos poucos instrumentos que tem, nas linguagens4, seu objetivo privilegiado de anlise. Quando nos referirmos ao mtodo como instrumento, padro de comportamento para a pesquisa e investigao, a Semitica se nos apresenta como uma cincia que prope metodologias para a pesquisa em todas as cincias, sem agredir ou contestar os paradigmas de cada uma, por existir em seu corpus uma fronteira entre os sentidos: o estudo do signo. A temtica estudada pela Semitica, porm, no recente. O estudo dos signos to antigo quanto o prprio pensamento filosfico. Sob este aspecto, a questo sofista da exatido dos nomes retomada a propsito da relao entre nomes e coisas, no livro "As Palavras e as Coisas" de Michel Foucault (1999), em que ele trata do ser e da linguagem, das limitaes da linguagem j tratadas por Wittgenstein (2002), da representao sgnica, e outros temas importantes. Na referida obra, Foucault faz, alm de outras anlises, uma leitura semitica da pintura "As meninas" (sculo XVI), de Velsquez, analisando linguagens/imagens/contextos. Foucault (1999), em sua anlise semitica, pretende dar a conhecer o pensamento moderno, no qual a figura do homem ocupa um lugar central. Deste modo, pode-se dizer que esta uma entre outras formas possveis de interpretar. Em especial, o autor destaca trs reas do saber vida, trabalho e linguagem - nas quais as profundas transformaes ocorridas no sculo XIX deram lugar, no a remodelaes dentro de uma cincia, mas, rigorosamente, ao nascimento de novas cincias com novos objetos, tais como: a Anlise das Riquezas, a Histria Natural e a Gramtica, caractersticas da Idade Clssica (sculos XVII e XVIII), que desapareceram para dar origem Economia4

Aqui, referimo-nos linguagem como todo sistema organizado de sinais convencionais, o que se aplica s linguagens humanas, no verbais, s linguagens dos animais e dos demais seres vivos, s linguagens da natureza.

Poltica, Biologia e Lingustica (Filologia). Neste contexto, nascem as cincias humanas, e surge a figura do homem no espao da representao, e traz tona a Semiologia/Semitica. Assinale-se que o estudo do passado na obra de Foucault tem a pretenso de mostrar o "outro" como uma forma igualmente possvel, real, positiva, que compreende a realidade e nela se situa. E, ainda, analisar o "outro", por comparao e contraste; traando os limites, os contornos daquilo que, nos dias atuais, aceito como evidente, certo e seguro por meio da histria de descontinuidades, de rupturas, de diferenas. Por conseguinte, ao refletir sobre a Idade Clssica, podemos compreender o quanto a configurao geral do saber, quela poca, estava distante do momento atual. E, igualmente, compreender o quanto o solo humano epistemolgico histrico, limitado e transitrio, conforme podemos comprovar nas palavras de Foucault (1999, p. 536):Se estas disposies viessem a desaparecer tal como apareceram, se, por algum acontecimento de que podemos quando muito pressentir a possibilidade, mas de que no momento no conhecemos ainda nem a forma nem a promessa, se desvanecessem, como aconteceu, na curva do sculo XVIII, com o solo do pensamento clssico ento se pode apostar que o homem se desvaneceria, como, na orla do mar, um rosto na areia.

A anlise do outro na perspectiva foucaultiana interessa, no sentido da relao existente com as peas publicitrias, por ter como marco epistmico a perspectiva dos sujeitos interlocutores das propagandas, por serem o alvo principal a consumir os produtos ofertados. No enfoque semitico, buscamos estabelecer a representao do signo publicitrio5 e seu reflexo no outro, categoria usada por Foucault, atravs de conceitos sobre realidade e verdade. Para ele, devemos tentar encontrar "o que est alm do prprio enunciado" (FOUCAULT, 1999). A inteno de um sujeito falante reconstruir um outro discurso e descobrir aquilo que no foi dito, tornando-se inesgotvel sua compreenso na totalidade, percorrendo no campo da publicidade.5

Categoria de signo lingustico, adotada nesta investigao cientfica, representando palavras-chaves usadas nas peas publicitrias em anlise, tais como boa, nova, experimenta, amor, paixo, entre outras. Todas as manifestaes lingusticas adotadas nas propagandas de cerveja so categorias analisveis que denominamos de signos publicitrios.

O termo semiologia est ligado raiz da palavra semitica, fundada no quadro da lingustica de Saussure e continuada por Hjelmslev e Barthes. Destaque-se que semioticistas atuais passaram a diferenar Semitica de Semiologia. A primeira passa a assumir o significado de teoria geral dos signos (animais e da natureza); e a segunda, como cincia, trata dos signos humanos, culturais e textuais. Saussure afirma, no incio do sculo XX, no existir uma cincia cujo objetivo fosse o estudo da vida dos signos no seio da vida social, mas reivindica o direito existncia de tal cincia, "que estudaria em que consistem os signos, que leis os regem", e prope, desde logo, o nome de Semiologia, do grego semeion, "sinal" (CLG, 1995, p. 24). Quanto Semitica, cincia no muito diferente da Semiologia, tem sido objeto de conflito terico entre estudiosos. Por um lado, uma corrente admite ser a "teoria da significao" o foco de seu estudo (NTH, 2005, p.17). Por outro lado, outros pesquisadores definem a "comunicao humana", como objeto de estudo da Teoria dos Signos. Procuramos aderir noo de Semitica e Semiologia de forma una, ou seja, como cincia que se preocupa com o estudo do signo; tendo em vista que, por signo, denominamos tudo o que existe no apenas expresso por meio da linguagem verbal ou no-verbal ou que se refere expresso humana. Portanto, toda produo revestida de sentido constitui signo; logo, em objeto da Semiologia/Semitica. O universo semitico em que nos movemos est saturado de signos, repletos de significados, em permanente transformao. Cada signo, tal qual um hipertexto6, interage com vrios outros, provocando e sofrendo transformaes. Nenhum signo um vazio semntico ou algo esttico de significncia permanente. A imagem elaborada de um objeto est ligada mensagem que se percebe desse mesmo objeto, que tem a funcionalidade de um signo. Trata-se de um processo contnuo, de mo dupla, em que a imagem constituda pelo olhar catalisador do sujeito enunciador / observador, que, por sua vez, informado pela imagem do objeto que esse olhar, ao foc-la signicamente, transformou-a. Esta imagem/mensagem, organizada sob a forma de discurso (verbal e noverbal), sobre o objeto, pode ser emitida por tudo o quanto se faa signo, como resultado de um entrecruzamento de outras imagens, mensagens e discursos, cujas origens se perderam ou se6

No caso das peas publicitrias, refiro-me a textos miditicos.

confundiram (PEIRCE, 2000, p. 93)7. Sob esse aspecto, podemos dizer que todo signo funciona como um discurso, isto , como um conjunto de signos que se entrelaam. Dois fatores demarcam os estudos semiticos contemporneos, e, simultaneamente, instituem a Semitica como cincia. O primeiro a definio do lugar destes estudos no contexto da cientificidade, em que a semitica enquadrada epistemologicamente. Anteriormente, as investigaes semiticas integravam-se em contextos to diversos como os da Teoria do Conhecimento, da Lgica, da Ontologia, da Esttica ou da Teologia, verificando-se, ento, que no apresentavam uma autonomia cientfica. O que caracteriza, por exemplo, a fundao saussureana da Semiologia o seu estabelecimento no conjunto das cincias. A Semiologia a cincia geral dos signos que se poderia integrar Psicologia; Semiologia e, por sua vez, Lingustica, na condio de cincia especfica dos signos lingusticos; ficando, assim, delimitada como pea relevante na rvore das cincias que estudam a linguagem. O enquadramento psicolgico da Semiologia feito por Saussure (1995) no contempla suas investigaes lingusticas nem constitui uma objeo novidade que representa essa relao epistemolgica. A mesma preocupao de fixar epistemologicamente a Semitica encontra-se na escola americana de Peirce (2000), que, ao encarar a Semitica como cincia dos signos, concebe-a como a cincia geral que engloba todas as outras cincias. A primeira diferena que Saussure parte do ato smico, entendido como fato social que estabelece, atravs do circuito da fala, uma relao entre dois indivduos (CLG, 1995, p 24). Peirce (2000), em sua obra Semitica, parte da ideia da semiose, concebida como uma lgica do funcionamento do signo, cuja compreenso apenas exige a interveno de um sujeito: o intrprete. Associada diferena do ponto de partida est a diferena relativa aos limites das respectivas cincias dos signos. A partir do fato social, Saussure enquadra a Semiologia dentro de uma Psicologia Social (CLG, 1995, p. 24). Isto significa, primeiro, que a semitica saussureana tem limites; e, segundo, h objetos exteriores, melhor dizendo, no semiotizveis [...]. A perspectiva de Peirce outra: tudo integrvel no espao ilimitado da semiose, no qual a semitica peirceana no tem limites, infinita, porque cada pessoa visualiza o fenmeno da linguagem de uma forma e as interpretaes podem ser infinitas. A terceira diferena, provavelmente a mais importante, reside nas diferentes concepes de signo. Saussure (1995) entende o signo como uma entidade7

Denominado tambm de signo ou representamen, algo que, sob certo aspecto ou de algum modo, representa algumas coisas para algum.

psquica com duas faces, em que significante e significado se condicionam mutuamente. Em Peirce (2000), o signo fundamentalmente um processo de mediao, e abre, por conseguinte, uma dimenso de infinitude, em que ele se reveste de inmeros sentidos. A Semitica norte-americana, surgida a partir da obra do filsofo e lgico Charles Peirce (1839-1914), trabalha com o modo de produo do signo, os esquemas inferenciais do raciocnio (deduo, induo, abduo) e seu vnculo com a realidade referencial, aludida pela mediao do interpretante. Nos estudos de Saussure (1995), os semilogos europeus entendem por signo a entidade significante/significado, em que qualquer significante, por mais complexo ou mediato, tem sempre como correlato ltimo um significado. As fronteiras entre a Semitica, a Lgica, a Filosofia Analtica, a Filosofia da Linguagem, a Filosofia dos Signos no so fceis de serem traadas. Em todas estas disciplinas, encontramos questes comuns e, muitas vezes, torna-se difcil perceber diferenas na maneira como so apontadas, por estabelecerem entre si espaos fronteirios tnues. Questes de sintaxe e de semntica, por exemplo, so comuns a todas elas, e no existem critrios definidos para atribuir esta ou aquela anlise sinttica ou semntica determinada disciplina. Mussalim & Bentes (2000, p. 116) afirmam que "todo discurso tem condies de produo especficas, denominadas de enunciaes quando, igualmente, determinam a elocuo de um discurso e no de outros", uma vez que se referem a "determinadas" circunstncias; quais sejam: o contexto histrico-ideolgico e as representaes que o sujeito, a partir da posio que ocupa ao enunciar, faz do seu interlocutor, de si mesmo, do prprio discurso. Ao instituir enfoques a respeito dos objetivos que norteiam a anlise de discursos, Vergara (2005, p. 25) informa que a "anlise de discursos [...] visa no s aprender como uma mensagem transmitida como tambm explorar o seu sentido". Por conseguinte, analisar os discursos implica considerar os sujeitos da enunciao (enunciadores/enunciatrios) inseridos em contextos, pois seu maior foco se constitui na forma como a lngua produzida e interpretada nos contextos. A relao entre os atores do processo no se limita apenas ao que fala/escuta, mas tambm a outros atores imprescindveis: locutor (autor da fala), enunciador (animador, proferidor de uma sequncia de palavras), alocutor (indivduo a quem o discurso dirigido - o verdadeiro destinatrio da mensagem) e os destinatrios (ouvintes, pacientes dos atos).

Os eixos norteadores que conduzem a aplicabilidade da tcnica do enunciado como instrumento de anlise da pesquisa em andamento tm aporte terico na Anlise de Discursos, por esta reconhecer o significado explcito e implcito nas mensagens (o que e como se fala); atravs dela, identificamos como acontece a interao entre os sujeitos dos discursos. Outro aspecto relevante que este referencial no est preso ao emissor, mas se preocupa com a interface do receptor e, ainda, por constituir-se de interpretaes tecidas e recobertas de polifonia. Para analisar o discurso, devemos "levar em considerao no s os aspectos verbais ou lingusticos, como tambm os para-verbais ou paralingusticos, bem como os no-verbais. Aspectos para-verbais dizem respeito s pausas, entonao, hesitaes. Aspectos no-verbais so gestos, olhares, postura corporal, distncia entre participantes [...]" (VERGARA, 2005, p. 29). Estes elementos so fundamentais na anlise de peas publicitrias que lidam com expresses verbais e no-verbais com riqueza e propriedade. Analisar peas publicitrias, textos prontos tecidos por especialistas, no intento de produzir efeito de sentidos e relacion-los a sujeitos e contextos, uma das funes da Publicidade. Para uma anlise desta natureza, torna-se pertinente a apropriao de categorias conceituais que dem suporte terico ao processo hermenutico de compreenso. As categorias, objeto de anlise nas peas publicitrias, so os implcitos (pressuposies e subentendidos). Para a categoria implcito, temos como aporte terico Ducrot (1987) e Maingueneau (1996); trabalhamos com a noo de polifonia e enunciao sob o olhar de Bakhtin (1999) e Ducrot (1987). Ducrot afirma que a polifonia pressupe a ideia de todo texto trazer em sua constituio uma pluralidade de vozes, que podem ser atribudas a diferentes locutores, caso dos discursos relatados, ou a diferentes enunciadores, quando se atesta que o locutor pode se inscrever no texto a partir de diferentes perspectivas ideolgicas. Dentro desta perspectiva, Ducrot (1987) define o dito e o no dito. Para Bakhtin (1999), a enunciao o produto da interao de dois indivduos socialmente organizados, por sua natureza apresentar-se como social. A enunciao no existe fora de um contexto scio-ideolgico, em que cada locutor tem um horizonte social definido (vive em um locus diferente, com contextos diferenciados, um sujeito scio-histrico). Portanto, a enunciao procede sempre de um algum e se destina a outro algum. O sentido da enunciao, portanto, para Bakhtin, no reside no indivduo nem na palavra nem nos interlocutores: o efeito da interao entre o locutor e o receptor, produzido por meio de signos lingusticos. A interao, dessa forma, o veculo de produo de sentido dos discursos.

No que concerne subjetividade, Benveniste (1989) advoga que se trata da capacidade de o locutor propor-se como "sujeito". Tambm aponta as formas disponibilizadas pela lngua para esse fim: o pronome 'eu' - que a prpria conscincia de si mesmo; o pronome 'tu' - que advm do contraste com o 'eu' (esses dois constituem a denominada intersubjetividade), as formas temporais indicadoras de dixis e os verbos modalizadores, conjugados na primeira pessoa. Sob este aspecto, no corpo desta dissertao, sero feitas, anlises que levam em considerao a subjetividade dos discursos publicitrios. Desta forma, vamos procurar refletir sobre as mensagens das peas publicitrias, localizando fenmenos relacionados heterogeneidade dos discursos (mostrada, e constitutiva). Para usar tais categorias, estabeleceremos um dilogo com Authier-Revuz (1992). Segundo Brait (1997), para precisar teoricamente o conceito bakhtiniano de dialogismo necessrio analisar o princpio da heterogeneidade na linguagem em que o discurso constitudo a partir do discurso do outro, que o j dito sobre o qual todo discurso se constri. A heterogeneidade pode ser constitutiva ou mostrada. A primeira aquela que no se apresenta explicitamente no discurso; a segunda a inscrio do outro na cadeia discursiva, alterando sua aparente unicidade. Authier-Revuz (1992), terica que desvendou o fenmeno da heterogeneidade, classifica-a ainda em marcada (marcas lingusticas: discurso direto, indireto, negao, aspas), denunciando a presena do outro explicitamente. Com relao heterogeneidade constitutiva, o outro est inscrito no discurso, mas sua presena no explicitamente demarcada. Para a autora citada, a heterogeneidade constitutivano-representvel, no-localizvel, pertencente ordem real de constituio do discurso. A heterogeneidade constitutiva apreende-se pela memria discursiva de uma dada formao social. Para Bakhtin (1999), precursor de Authier-Revuz (1992), a heterogeneidade mais relevante a constitutiva, por acontecer sempre entre discursos. Por sua vez, dialogismo no deve ser confundido com polifonia, porque este o princpio dialgico constitutivo da linguagem, e a polifonia se caracteriza por vozes polmicas em um discurso. H gneros dialgicos monofnicos (uma voz que domina as outras vozes) e gneros dialgicos polifnicos (vozes polmicas). Segundo Brait (1997), o texto irnico sempre polifnico, mas um artigo de opinio no polifnico, porque h uma voz dominante. O gnero romance, para Bakhtin (apud BRAIT, 1997), apresenta diferentes vozes sociais que se defrontam, entrechocam, manifestando diferentes pontos de vista sociais sobre um dado objeto; portanto, gnero polifnico por natureza.

Na polifonia, o dialogismo deixa-se ver ou entrever por meio de muitas vozes polmicas; contudo, na monofonia, h, apenas, o dialogismo, que constitutivo da linguagem, porque o dilogo mascarado e somente uma voz se faz ouvir, posto que as demais so abafadas.

1. TCNICA - ANLISE DE DISCURSOS: DIALOGANDO COM CONCEITOS Para definir heterogeneidade mostrada, pertinente reportarmo-nos s manifestaes explcitas, recuperveis a partir de uma diversidade de fontes de enunciao. Tambm possvel chamar de manifestaes explcitas, em um discurso, a utilizao de citaes, discursos relatados de forma direta, indireta ou livre. Authier-Revuz (apud BRANDO, 2004, p. 60) indica formas de heterogeneidade que acusam a presena do outro no sujeito. No discurso indireto, o locutor, ao colocar-se como tradutor, usa de suas prprias palavras, para remeter a uma outra fonte do "sentido". No discurso direto, o locutor, colocando-se como "porta-voz", recorta as palavras do outro e cita-as. Nesta forma de heterogeneidade, o locutor incorpora, em seu discurso, palavras do outro e demonstra-as atravs de aspas ou itlico, ou, ento, comenta-as no rodap da folha, estabelecendo, deste modo, um controle entre o que de sua autoria e o que pode definir como dilogo ou vozes em seu discurso. Quando o locutor no relata e no demarca no discurso a fala do outro, esse fenmeno denominado de discurso indireto livre, antfrase, aluso, imitao, reminiscncia. Nesses processos, inserem-se discursos outros em meio ao discurso proferido de forma implcita, semidesvelada, no havendo fronteira ntida entre o discurso proferido e sua insero no discurso outro. Pcheux (apud GADET e HAK, 1997)8 ocupa-se da definio de vrios conceitos fundamentais para o quadro terico da AD, porm ainda no desenvolve nenhuma reflexo especfica a respeito da natureza heterognea do discurso. Mesmo nos procedimentos analticos, no se concebia a possibilidade de que um discurso relacionado a uma determinada formao discursiva (FD) pudesse estar atravessado por outros discursos, sequer em situao de aliana, muito menos em oposio. Em consequncia, considerava-se o discurso homogneo, identificado plenamente com a ideologia, na qual se inscrevia a sua FD.8

Em "Por uma anlise automtica do discurso" - obra fundadora da disciplina.

Vrios estudos subsequentes apontam algumas incoerncias na articulao entre discurso, formao discursiva e uma ideologia marcada pela presena de foras contrrias, criando controvrsias a respeito da rigidez dos limites de uma FD e questionando a convico de um espao discursivo homogneo. Todavia, somente a partir de Semntica e Discurso (PCHEUX, 1995) -uma reviso de certos elementos do quadro terico da AD - que a contradio inscrita na ideologia comea a ser evidenciada na FD, fato que provoca sua reformulao e os primeiros esboos da noo de heterogeneidade do discurso. Este processo de reviso de conceitos foi empreendido tendo sempre em vista a categoria da contradio, entendida como a impossibilidade de falar, simplesmente, em uma ideologia dominante em contraposio a outra dominada. Isto se explica porque a diviso est presente na mesma ideologia dominante, devido luta de classes, contradio histrica que determina seu funcionamento. Em outras palavras, a contradio est inscrita na ideologia por ela ser inerente a toda formao social; e, sendo a ideologia um elemento que constitui o discurso, condiciona os processos de significao, a categoria da contradio e tambm se inscreve na prtica discursiva. Por isto, considerando a base dos processos discursivos, visto ser a linguagem a mediao entre o sujeito e o seu entorno, permissvel inferir que um espao social, caracterizado pela permanente disputa de foras antagnicas, deixa, irremediavelmente, marcas tanto na linguagem quanto no sujeito. Nesse sentido, a AD concebe a linguagem como um lugar de conflito e opacidade, que, com a conjuno da histria, constitui, por sua vez, um sujeito descentrado, dividido, incompleto. Com a noo de heterogeneidade discursiva, a AD no s abandona a ideia de um discurso homogneo, mas tambm desestabiliza os conceitos de unidade do sujeito e unidade do texto dos estudos tradicionais da linguagem. Devido o sujeito e o discurso serem heterogneos em sua constituio, a iluso de unidade, tanto no sujeito quanto no texto, no passa de efeitos ideolgicos. H outros interessantes trabalhos que propem novos enfoques para a noo de heterogeneidade discursiva, pois ela constitui um campo instigante e propcio para constantes retomadas. Mas, neste trabalho, optamos pelos estudos de Authier-Revuz (1998) - nos quais se constata a presena de Bakhtin na AD - uma via de acesso para fazer a travessia das fronteiras da literatura e explorar a heterogeneidade de seu discurso.

Conforme Bakhtin, um enunciado, ao ser isolado do seu processo de enunciao e transformado em uma abstrao lingustica, perde o que tem de essencial na sua natureza dialgica, pois a realidade fundamental da linguagem o dialogismo. Este conceito tem como base o movimento de dupla constituio entre a linguagem e o fenmeno da interao socioverbal; isto , a linguagem instaura-se a partir do processo de interao e este, por sua vez, s se constri na linguagem e por meio dela. Todavia, o dialogismo no se reduz s relaes entre os sujeitos nos processos discursivos; pelo contrrio, refere-se tambm ao permanente dilogo entre os diversos discursos que configuram uma sociedade. Esta dupla dimenso que permite considerar o dialogismo como o princpio norteador da natureza interdiscursiva da linguagem. Estreitamente ligada ao dialogismo, outra noo bakhtiniana importante a polifonia, elemento que conduz percepo da impossibilidade de contar com as palavras como se fossem signos neutros, transparentes, j que elas so afetadas pelos conflitos histricos e sociais que sofrem os falantes de uma lngua, e, por isso, permanecem impregnadas de suas vozes, seus valores, seus desejos. Assim, a polifonia refere-se a outras vozes que condicionam o discurso do sujeito. A noo de recepo/compreenso ativa proposta por Bakhtin ilustra o movimento dialgico da enunciao, a qual constitui o territrio comum do locutor e do interlocutor. Nesta noo, permite-se resumir o esforo dos interlocutores adequando a linguagem frente a um e outro. O locutor enuncia em funo da existncia (real ou virtual) de um interlocutor, e requer deste ltimo uma atitude responsiva, que antecipe o que o outro vai dizer; ou seja, experimentando ou projetando o lugar de seu ouvinte. De outro lado, quando recebemos uma enunciao significativa, a ela se prope uma rplica: concordncia, apreciao, ao. Precisamente, compreendemos a enunciao somente porque inserida no movimento dialgico dos enunciados, em confronto tanto com os prprios dizeres quanto com os de outrem. O ato da fala sob a forma de livro sempre orientado em funo das intervenes anteriores na mesma esfera de atividade, no s as do prprio autor como as de outros autores: ele decorre, portanto, da situao particular de um problema cientfico ou de um estilo de produo literria. Assim, tem-se o discurso escrito, de certa maneira, como parte integrante de uma discusso ideolgica com grande escala: ele responde a alguma coisa, refuta, confirma, antecipa as respostas e objees potenciais, procura apoio.

Nesta perspectiva, o dilogo, tanto exterior, na relao com o outro, como no interior da conscincia ou escrito, realiza-se na linguagem. Referimo-nos a qualquer forma de discurso, quer sejam relaes dialgicas que ocorrem no cotidiano, quer sejam textos artsticos ou literrios. Bakhtin (1999) considera o dilogo semelhante s relaes ocorridas entre interlocutores, em uma ao histrica compartilhada socialmente; isto , que se realiza em um tempo e local especficos, mas sempre mutvel, devido s variaes do contexto. Quanto s peas publicitrias, objeto desta anlise, constituem-se polifnicas, pois estabelecem dilogo constante de vozes e sujeitos diferentes no teor de seu discurso.

2. ASPECTOS INVESTIGATIVOS DA LINGUAGEM A Linguagem considerada o apangio dos seres vivos e o liame para a vivncia da comunicao, responsvel pelo ato da fala; imprescindvel ao pensamento, tendo em vista que encaminha os sujeitos que a materializam em contextos. Contudo, depende de enfoques distintos adequados ao seu esteio, em que os filsofos, linguistas e analistas de discursos se apoiam ao signo, frase, proposio ou ao prprio discurso. Somente pela linguagem que se evidenciam ideias e conceitos, provocando reaes e relaes. Nesta perspectiva, Hjelmslev (2003) afirma ser a "linguagem um elemento inseparvel do homem, segue-o em todos os seus atos", pois constitui:Instrumento graas ao qual o homem modela seu pensamento, seus sentimentos, suas emoes, seus esforos, sua vontade e seus atos, o instrumento graas ao qual ele influencia e influenciado, a base mais profunda da sociedade humana. (HJELMSLEV, 2003, p.l).

Neste sentido, a linguagem tem sido investigada no cenrio dos diversos tipos de pesquisa: nos interstcios da Psicologia, Filosofia, Histria, Educao, Anlise de Discursos, Lingustica, Semitica. Foucault (2002, p. 47), terico investigador do fenmeno linguagem expressa:

[...] desde o sculo XVI a linguagem real no um conjunto de signos independentes, uniforme e liso, em que as coisas viriam refletir-se como num espelho, para a enunciar, uma a uma, sua verdade singular. antes coisa opaca, misteriosa, cerrada sobre si mesma, massa fragmentada e ponto por ponto enigmtica, que se mistura aqui e ali com as figuras do mundo e se imbrica com elas: tanto e to bem que, todas juntas, elas formam uma rede de marcas, em que cada uma pode desempenhar, e desempenha de fato, em relao a todas as outras, o papel de contedo ou de signo, de segredo ou de indicao. No seu ser bruto e histrico do sculo XVI, a linguagem no um sistema arbitrrio: est depositada no mundo e dele faz parte porque, ao mesmo tempo, as prprias coisas escondem e manifestam seu enigma como uma linguagem e porque as palavras se propem aos homens como coisas a decifrar [...].

A linguagem um fenmeno que apresenta a mensagem que se pretende repassar intencionalmente, objetivando informar, persuadir, reclamar, explicitar, afirmar, negar e outros. Cada palavra no se apresenta de forma estanque, podendo assumir sentidos diferenciados em contextos diferentes. Por isso, para Foucault (2002), "as palavras se propem aos homens como coisas a decifrar", por isto se constituem sempre em enigmas ou jogos de linguagem 9 (WITTGENSTEIN, 2002), que assumem conceitos e significaes diferenciadas de acordo com o contexto onde se inserem. Plato (apud CHAU, 2003) tambm reflete sobre a linguagem e demonstra seu poder por meio das palavras: remdio, veneno e cosmtico, conforme corroborado no trecho a seguir:[...] a linguagem possui trs sentidos principais: remdio, veneno e cosmtico [...] pode servir como medicamento ou remdio para o conhecimento, pois atravs do dilogo e da comunicao conseguimos descobrir nossa ignorncia e aprender com os

9

Categoria usada por Wittgenstein, significa que cada palavra enunciada por um sujeito semitico revestida de intenes; dessa forma, ao enunciar os sujeitos elaboram seus discursos de acordo com suas intenes.

outros. Pode, porm, ser um veneno quando, pela seduo das palavras, nos faz aceitar, fascinados com o que vimos ou lemos, sem indagarmos se tais palavras so verdadeiras ou falsas, e por fim, a linguagem pode ser cosmtico, maquiagem ou mscara para dissimular ou ocultar a verdade sob as palavras. A linguagem pode ser conhecimento-comunicao mas tambm encantamentoseduo (PLATO apud CHAU, 2003. p.148).

Na realidade, expressamos, atravs da linguagem, a funo cosmtica ou retrica, fortalecendo enunciados, empregando-a e utilizando-nos dela como maquiagem, ofuscando discursos legtimos de falares indiretos e obscuros. Por outro lado, ela assume, quando possvel, papel veiculador do processo comunicativo. Vale-se como remdio quando auxilia na resoluo de problemas; assume o aspecto funcional de veneno quando, de forma indireta, direciona aes; e cosmtico, ao dissimular falsas sentenas nos enunciados. De forma similar, Wittgenstein (2002, p. 52) reflete sobre o poder da linguagem, quando diz:O homem possui a capacidade de construir linguagens com as quais pode expressar qualquer sentido sem ter nenhuma noo de como e do que significa cada palavra. Tal como se fala sem saber como os sons individuais so produzidos. A linguagem corrente uma parte do organismo humano e no menos complicada que este. humanamente impossvel extrair imediatamente dela a lgica da linguagem. A linguagem mascara o pensamento. tanto assim que de forma exterior da roupa no se pode deduzir a forma do pensamento mascarado; porque a forma exterior da roupa concebida, no para fins inteiramente diferentes. Os acordos tcitos para a compreenso da linguagem corrente so enormemente complicados. (AFORISMO 4.002).

Wittgenstein (2002), em suas reflexes, expe a linguagem como elemento mascarador do pensamento; comparando-a a roupas que servem para esconder a essncia do homem atravs da aparncia. Nas peas publicitrias, as palavras acentuam sentidos conotativos, e transferem para a estrutura de profundidade sentidos diferentes da sua representao apontada na superfcie textual. Palavra e linguagem so ncleos de significaes, sentidos e valores a determinarem o modo como se interpretam as foras que regem o mundo (divinas, naturais, sociais, polticas) e as relaes estabelecidas no meio social, incluindo as ferramentas e as armas em cada enunciado proferido; e, junto a este, h uma ideologia10 (VRON, 1980, p. 102-109). A linguagem, na tica da filosofia, " um sistema de signos ou sinais usados para indicar coisas, para a comunicao entre pessoas e para a expresso de ideias, valores e sentimentos" (CHAUI, 2003, p. 151). Este conceito apresenta a linguagem como sistema, com leis prprias que a regem no processo de interao humana, havendo, para cada signo lingustico, um significante e um significado que podero assumir diversos sentidos. Ao enunciar uma palavra, podemos perceber as intencionalidades do enunciatrio ao utiliz-la. Nas vertentes filosficas, a linguagem vista como fenmeno que apresenta diferentes tipologias. Os empiristas vem-na constituda por um conjunto de imagens corporais, verbais, mentais, formadas por associao e repetio. A linguagem verbal aquela enunciada ou escrita, enquanto a mental se relaciona com a expresso do pensamento, e a corporal se entende como manifestao no-verbal. Os empiristas tm as imagens corporais apresentadas em dois tipos: motoras e sensoriais, sendo o escrever ou o falar, considerados habilidades motoras. A habilidade sensorial compreende-se no pensamento, no reconhecimento de sons, vozes, ideias.10

Aqui, tratamos da ideologia sob a tica de Vern: "[...] bom nmero de interpretaes formuladas em nome do marxismo caram na mesma armadilha: ao denunciar em toda parte a natureza ideolgica dos discursos sociais e ao fundamentar-se a si mesmo como o discurso da Cincia, cada um desses marxismos vulgares reiterou a ideologia da diferena absoluta entre o Erro (as ideologias das classes dominantes) e a Cincia da Verdade (do lado da classe trabalhadora revolucionria). Todas as perspectivas (quer de direita, quer de esquerda) que colocam o problema nos termos de uma diferena absoluta entre duas instncias repousam no mesmo enfoque e chegam ao mesmo resultado: separar o produto (o conhecimento) do sistema produtivo, ocultar a verdadeira natureza daquilo que se chama cincia (a saber, a de ser um sistema produtivo) e, por conseguinte, ignorar que o ideolgico uma dimenso constitutiva de qualquer sistema social de produo de sentido". "[...] o ideolgico no o nome de um tipo de discurso, mas de uma dimenso dos discursos socialmente determinados [...]".

O Positivismo Lgico11 (JAPIASS & MARCONDES, 1996, p.109) distinguiu a linguagem sob dois aspectos: natural e lgica. A linguagem natural a imprecisa, confusa, no estruturada, racional, emitida de forma imprecisa, volitiva, afetiva, imaginativa, perceptiva. o tipo de linguagem que envolve o perfil do mythos, enquanto a lgica a pensada, formalizada, obedecendo a uma reflexo racional, sendo observada como verdadeira ou falsa. A linguagem lgica, para os positivistas lgicos, utiliza-se da metalinguagem, uma linguagem cientfica. Em se tratando de linguagem, pertinente referenciar este assunto mencionando Wittgenstein: terico que investigou o referido fenmeno em seu tempo de vida. Inicialmente em sua obra "Tratctatus", relaciona a linguagem viso agostiniana. Depois, em um segundo momento, j com as ideias sobre a linguagem mais amadurecidas por reflexes feitas com Husserl, Carnap e outros tericos, aponta outro caminho sobre ela, desconstruindo12 tudo aquilo que montou em sua primeira obra. Divididos, ento, em duas fases, os estudos wittgensteinianos buscam, inicialmente, desvendar os segredos da linguagem, em suas formas de expresso na obra "Tractatus Logicus Philosficos". Para Wittgenstein, "quando a resposta no pode ser posta em palavras, tambm a pergunta no pode ser posta em palavras. E ainda: O enigma no existe. Se uma pergunta pode ser formulada de alguma maneira, tambm possvel respond-la" (apud FEARN 2004, p. 134). Oliveira (2001), em seus estudos sobre Wittgenstein, demonstrou a Teoria da Figurao do mundo contida no "Tractatus"13; e, inicialmente, esclarece suas categorias estruturais, cuja inteno estabelecer as fronteiras entre o que racionalmente pode ser dito e aquilo que deve ser evitado. Evidencia, por conseguinte, algumas funes da linguagem, entre elas: designar, instrumentalizar, comunicar. Sua tese maior defende que "a linguagem figura11

O mesmo que fisicalismo. Termo criado por Rudolf Carnap, em sua obra "Conceituao fisicalista" (1926) e que passou a designar a doutrina filosfica do Crculo de Viena, o empirismo lgico, positivismo lgico ou neopositivismo. Sua ideia central a de que a linguagem da fsica constitui um paradigma para todas as cincias, naturais e humanas (entre estas ltimas, sobretudo a Psicologia), estabelecendo a possibilidade de chegar-se a uma cincia unificada. Esta linguagem, por sua vez, reduz-se a sentenas protocolares, que descrevem dados da experincia imediata, e a sentenas lgicas que so analticas. A verificao emprica e o formalismo lgico so assim as bases da doutrina fisicalista (positivista lgica). [...] Essa anlise dos conceitos de linguagens parciais conduz concepo de uma linguagem unitria que suprimiria o estado de disperso que reina atualmente na cincia. 12 Categoria criada por Derrida, com o sentido de desmanchar o que est pronto e construir algo novo sobre o fenmeno. 13 Obra tecida por Ludwig Joseph Johann Wittgenstein em sua primeira fase como investigador dos fenmenos concernentes linguagem.

o mundo e a respeito do qual nos informa" (Ibid., p. 96). Para ele, o sentido de uma frase o fruto da associao das significaes de seus elementos. Entendemos, por isso, que as palavras adormecem em vocabulrios e lxicos espalhados pelo universo, e s ganham, de fato, vida e representao, quando aplicadas dentro de um contexto. As ideias de Wittgenstein influenciaram profundamente um grupo de jovens filsofos conhecidos como "positivistas lgicos" - acreditavam, conforme Hume, que tudo o que no fosse auto-evidente ou empiricamente demonstrvel seria mero contra-senso. Para o mencionado grupo, literatura, arte e a metafsica visionria no passam de "contrasensos". Wittgenstein permaneceu dando preferncia ao silncio14 e a realidades no demonstrveis. O pensamento de Wittgenstein evoluiu entre o Tractatus e a obra pstuma, Investigaes Filosficas (WITTGENSTEIN, 2002), em que se recolhem as conferncias dadas por ele em Cambridge. Contrapondo-se a algumas ideias defendidas na primeira obra, ele quase abandonou muitos de seus pontos de vista anteriores; como, por exemplo, "os limites da minha linguagem so os limites do meu mundo"15 (WITTGENSTEIN, 2002, p.142). Similar a tantos filsofos da linguagem, Wittgenstein, quando jovem, tratou as palavras como indicadores ou smbolos das coisas no mundo. Na maturidade, Wittgenstein considerou toda essa nfase na referncia16 (MAINGUENEAU & CHARAUDEAU, 2004, p.418) era simplista demais. Em Investigaes Filosficas, Wittgenstein (2002) oferece um novo ponto de vista: "O significado das palavras no depende daquilo a que elas se referem, mas de como so usadas". A linguagem, segundo ele, um tipo de jogo, um conjunto de peas" ou "equipamentos" (palavras), que so usados de acordo com um conjunto de regras (convenes lingusticas). Em sua produo, o mundo construdo a partir de proposies17 (AFORISMO,14

Para Wittgenstein, os silncios e realidades no demonstrveis se constituem nas omisses de verbalizao sobre ideias, fatos, tudo o que a linguagem e o pensamento no fossem capazes de expressar, tal como era a viso dele sobre DEUS. 15 Wittgenstein, quando diz que os limites da sua linguagem se constituem nos limites de seu mundo, quer dizer, em outras palavras, o que tornou explcito em seu aforismo 6.54 da obra "Tractatus", que diz, entre outras coisas: "daquilo de que no se pode falar, se deve calar". Com essa ideia, refora que o ser humano no pode falar daquilo que de fato no conhece na totalidade. 16 Referncia em AD significa propriedade do signo lingustico ou de uma expresso de remeter a uma realidade, enquanto que o referente a realidade apontada pela referncia. 17 Para Wittgenstein, proposio "uma imagem da realidade, ou um modelo de realidade tal qual a pensamos". Wittgenstein afirma ser o pensamento, uma proposio com sentido (aforismo 4, Tractatus), [...] e ainda diz que "a totalidade das proposies a linguagem".

4.001). A nfase recai menos no que significam as afirmaes (denotam) do que no desenvolvimento dentro de um contexto e de um conjunto de regras, estabelecidas pelos falantes (enunciadores e enunciatrios), repletos de intencionalidades e ideologias no que enunciam, identificadas diferentemente de acordo com os sujeitos que enunciam e os contextos onde esto inseridos. Wittgenstein usou o conhecimento adquirido anteriormente e, ao tecer sua segunda obra, nega-o. Nela, abandona a Teoria Objetivista da Linguagem, assumida em seu primeiro momento, e afirma ser a linguagem instrumento que serve para comunicar, interagir, designar. Na segunda fase, ele afirma, conforme relata Oliveira:[...] com uma palavra se podem designar muitas coisas, porque as palavras designam no coisas singulares, mas a essncia comum de muitas coisas. O comum a todas elas a essncia, aquilo que faz com que a cadeira seja cadeira, por exemplo. A palavra cadeira, portanto, designa a essncia dessa realidade do mundo, ou seja, seu conceito. (2001, p. 120).

Fica evidente a essncia da teoria de Wittgenstein em que a linguagem projetada como semelhante a um reflexo do mundo, uma cpia do mundo e no o mundo em si, com a funo de exprimir o que acontece no mundo, mas no o mundo. Neste nterim, Wittgenstein quer dizer que o mundo existe e expresso por meio de linguagens escritas, orais, visuais, corporais, lgicas, cientficas e todas so apenas representaes do mundo e no o mundo em si. Desta forma, podemos observar Wittgenstein, em sua primeira fase, buscando a perfeio na linguagem. Entretanto, ele percebe a impossibilidade ao descobrir que, com uma palavra, possvel dizer infinitas coisas, e que h interstcios para inseri-la em diversos contextos de sentidos diferentes. Identificam-se, por esta razo, fenmenos lingusticos, tais como o isomorfismo, as palavras com a mesma grafia, o mesmo som (homnimas perfeitas e homfonas/homgrafas), palavras polissmicas, no se esgotando a significao e aplicabilidade de palavras literalmente configuradas em vocabulrios e dicionrios. Estes servem apenas como guia, mas o seu sentido e significado s devero ser explicitados no prprio contexto em que a palavra se insere. Na concepo tradicional de Esprito

e Atos Espirituais18, Wittgenstein demonstra a ligao da linguagem com as concepes antropolgicas (que envolvem contextos scio-histricos e culturais nos quais quem enuncia est integrado). Neste enfoque, conforme Oliveira (2001, p. 122), a linguagem vista na perspectiva do ser, do ter-em-mente19 do outro, do mundo. Wittgenstein concebe a linguagem como atividade complexa com duas dimenses: externa e internamente. As atividades de cunho externo so denominadas atravs de fala, gestos - o que ele chama de atividade corprea. As atividades internas so "atos de esprito", realizaes de vidas racionais, por ser o pensamento uma atividade especfica de seres humanos. Os atos espirituais de Wittgenstein dividem-se em atos de espera e atos de recordao. Nos atos de espera, o homem prev o dito/dizer atravs da linguagem, seus desejos, suas ansiedades. No ato de recordao, o homem presentifica o passado atravs da linguagem, utiliza-a para trazer tona um passado para ele satisfatrio, pois h lembranas mais evidentes das satisfaes e menos evidentes das tristezas da vida. Podemos citar, por exemplo, a pea publicitria da cerveja Skol que coloca, como atores, pessoas na faixa etria entre 70 e 80 anos, que dialoga com o ato de recordao de Wittgenstein, pois demonstra o produto como provocador de emoes possveis no nvel do consciente20 e inconsciente21, sendo estas emoes presentificadas ao sabore-lo. Na segunda fase de investigao de Wittgenstein, podemos verificar uma forte crtica a sua primeira teoria. A linguagem empregada parcialmente como instrumento para designar, comunicar, interagir. Para ele, "com a linguagem possvel fazer muito mais coisas do que designar o mundo. No existe um mundo em si independente da linguagem [...] se tem o mundo na linguagem; mas no se tem em si, imediatamente, sempre por meio da linguagem. [...]" (apud OLIVEIRA, 2001, p.126). Nesta fase, Wittgenstein refere-se linguagem, enfatiza-a como importante elemento interacional, comunicacional e designativo; alm disto,18

Para Wittgenstein, Atos Espirituais so aes fundamentadas no pensamento - elemento que diferencia o animal irracional do homem: a ideia, a conscincia, a reflexo, o ter-em-mente. 19 Ter-em-mente um daqueles atos do esprito associados ao ato acstico, corporal, da produo dos sons, sem os quais esses sons no possuem significao, ou seja, a linguagem humana. 20 A representao de consciente neste pensamento diz respeito a atos presentes, em tempo real, a ao do sujeito. 21 Inconsciente diz respeito aos atos que esto guardados na subconscincia do sujeito, ou seja, as lembranas.

utilizada tambm para exprimir os desejos e as repulsas dos homens. Todas as suas significaes s transparecem no momento em que se inserem em um contexto. No que concerne ao dualismo epistemolgicoantropolgico, Wittgenstein afirma ser a linguagem um fenmeno complexo de dupla dimenso: corprea (externa) e espiritual (interna). Diz ele que uma palavra enunciada duas vezes, por duas pessoas diferentes, com a mesma inteno, possui atos externos (entonao de voz) diferentes, e atos internos iguais (inteno). Isto, alis, vai determinar os atos externos e internos e a relao com quem os emite, o contexto em que estes enunciados so proferidos e suas diferentes intencionalidades. No conceito de Wittgenstein, a linguagem uma atividade humana to essencial quanto andar, passear, correr. Percebe-se a relao existente entre linguagem e ao. Para ele, o jogo que se fundamenta na linguagem contempla trs elementos: os puramente lingusticos (enunciado em si); os parceiros do jogo (co-enunciadores); e a situao da enunciao (contexto). Para Wittgenstein, "os problemas da semntica s so resolvidos na medida em que ela atinge a pragmtica (apud OLIVEIRA, 2001, p.146); ou seja, nenhuma palavra ter sua representao na totalidade se no for inserida em um contexto. Fora do universo contextual, as palavras revelam apenas sentidos e referncias, no significaes ou representaes. A persuaso uma marca distintiva dos discursos polticos, publicitrios e religiosos. Por isso, acreditamos na assertiva de Bakhtin, quando afirma "no ser a linguagem ingnua ou neutra, pois ela cumpre objetivos e realiza intenes" (apud MEDEIROS & TOMASI, 2004, p. 168). Dependendo, pois, da situao de enunciao, o emissor escolhe a variante que mais eficaz para atrair o leitor a persuadi-lo, e o faz utilizando a mais adequada para a criao de certos efeitos, com vistas a convenc-lo a alcanar seus objetivos. Argumentos e provas servem para validar a ideia que se quer defender. Percebemos a importncia da argumentao como ferramenta discursiva na construo de um enunciado natural, objetivo, especificamente apontado nas diversas peas publicitrias e, em particular, nas propagandas de cerveja, objeto desta pesquisa.

3. OS IMPLCITOS DO DISCURSO

Ducrot (1987) afirma existirem, dentro dos enunciados, postos nos discursos implcitos, constituintes de elementos que se encontram em suas entrelinhas. Estes elementos implcitos subdividem-se em pressupostos e subentendidos, que, na opinio deste autor, tudo aquilo que afirmo na linguagem, enquanto que pressuposto o que apresento como pertencendo ao domnio comum de duas personagens do dilogo, como o objeto de uma cumplicidade fundamental que liga entre si os participantes do ato de comunicao, enquanto que subentendido o que deixo meu ouvinte concluir. (1987, p. 20).

Outra interpretao que os pressupostos so elementos do contedo, parte integrante do sentido do que est sendo enunciado. O ato de pressupor um contedo consiste em situ-lo, revel-lo conhecido do enunciatrio, e em apresent-lo como essncia comum, no interior do qual o discurso deve prosseguir. O enunciador, ao pressupor, determina sua aceitao como condio de manuteno do dilogo, atingindo, portanto, o direito de fala do enunciatrio e estabelecendo limites do que pode ou no ser dito para que o discurso continue. A pressuposio, segundo Ducrot (1987), aprisiona o enunciatrio em um universo intelectual que ele no escolhe e que, ainda assim, no pode negar ou dele duvidar, sem recusar, ao mesmo tempo, todo o discurso. provvel apresentar-se de forma retrica e, atravs dela, o enunciador ir colocar, conforme contedo pressuposto, teoricamente constitudo de crenas e conhecimentos presumidos, comuns ao enunciador e ao enunciatrio, certas informaes que, ele sabe, no so compartilhadas pelo enunciatrio. O ato de pressupor implica assumir e impor a adeso do enunciatrio. Constitui-se em pressupor, portanto, uma ttica argumentativa muito utilizada nas peas publicitrias, em que o enunciador encaminha o enunciatrio a aceitar o contedo pressuposto, sem o qual o discurso no tem como prosseguir nem lhe oportuniza discutir, argumentar com base em tal contedo.O uso adequado dos pressupostos muito importante, porque esse mecanismo lingustico

um recurso argumentativo, uma vez que visa a levar o leitor ou o ouvinte a aceitar certas ideias. Com efeito, introduzir no interlocutor cmplice de um dado ponto de vista, pois ele no posto em discusso, apresentado como algo aceito. Mesmo a negao das informaes explcitas contribui para corrobor-lo. (FIORIN, 2004, p. 182, v.l).

As propagandas de cerveja e de outros produtos conotam, em seus enunciados, o sentido autoritrio, como se a mensagem exposta por eles se constitusse em verdade absoluta e incontestvel. Desta forma, s vezes, clara ou obscuramente, os consumidores se deixam influenciar por produtos que lhes so ofertados sem, em contrapartida, fazer, em relao ao produto, uma reflexo criteriosa acerca de sua qualidade, viabilidade, pertinncia ou necessidade de uso, apenas tornando-se mais um consumidor em potencial. Os pressupostos so elementos do fenmeno da linguagem muito usados nas campanhas para combater os concorrentes. O novo slogan da cerveja Nova Schin demonstra claramente essa assertiva: "Quanto mais nova melhor..." Os subentendidos, como parte dos implcitos do discurso, tm tambm carter manipulador. Sua caracterstica a possibilidade de o enunciador escapar da responsabilidade do dizer. Na pressuposio, o enunciador pode sempre atribuir o contedo pressuposto ao "senso comum", a fatos conhecidos de todos e pelos quais ningum responde. No subentendido, a forma implcita do "dizer" faz a responsabilidade recair sobre o enunciatrio. O enunciador pode afirmar, em qualquer momento, no ser o autor, mas o outro que assim entendeu. Esta categoria ducrotiana constitui um dos instrumentais tericos fundamentais a esta anlise.

4 A POLIFONIA DISCURSIVA A questo discutida por Ducrot (1987) a respeito da polifonia, desenvolvendo conceitos propostos por Bakhtin, prope uma reflexo importante aos estudos da linguagem, por demonstrar que as palavras organizadoras do discurso dizem muito mais do que parecem. A superfcie textual, o que est explcito atravs das formas lingusticas, um dos componentes da construo do sentido do texto; no , pois, o nico

componente. A cena enunciativa prope ou impe elementos que so fundamentais construo do(s) sentido(s) dos textos, da argumentao que se faz em torno das questes propostas pelo locutor ao seu interlocutor, dos jogos manipulativos que se do atravs da linguagem. Cabe aqui uma referncia s palavras de Bakhtin (1999, p. 113):Essa orientao da palavra em funo do interlocutor tem uma importncia muito grande. Na realidade, toda palavra comporta duas faces. Ela determinada tanto pelo fato de que procede de algum, como pelo fato de que se dirige para algum. Ela constitui justamente o produto da interao do locutor e do ouvinte. [...] A palavra uma espcie de ponte lanada entre mim e os outros. Se ela se apoia sobre mim numa extremidade, na outra se apoia sobre meu interlocutor. A palavra o territrio comum do locutor e do interlocutor.

A noo de que o discurso , inevitavelmente, atravessado pelo princpio da heterogeneidade foi trabalhada por Bakhtin (1999a; 1999b), Ducrot (1987), Authier-Revuz (1998), entre outros autores, com o objetivo de demonstrar o equvoco da tese da unicidade do sujeito comunicante, isto , nica fonte e origem do seu dizer. Por sua vez, Bakhtin (1999) discute alguns aspectos relevantes das relaes entre sujeito e formao do discurso interior; e observa que esta interioridade lingustica se constri a partir da absoro pelo indivduo de todo um discurso social, exterior. Isto mostra que a construo da conscincia lingustica de cada um de ns obedece a um movimento de interiorizao das construes lingustico-sociais de uma coletividade na qual se encontra inserida, e posteriormente, mais uma vez, exteriorizarse, atravs da interao proporcionada pelo uso da lngua. Desta forma, no existe um discurso que j no seja, constitutivamente, permeado, de alguma forma, pelo outro. possvel dizer com Bakhtin (1999) que a palavra vai palavra. A polifonia se inscreve, portanto, neste ambiente de afirmao do heterogneo, do diferente, do outro, das vrias vozes que so parte integrante do projeto de fala do sujeito comunicante que, utilizando-se da cena enunciativa por ele proposta, argumenta, faz com que os actantes do processo de enunciao movam-se, dando vida aos contedos discursivos, atravs da palavra.

Segundo Ducrot (1987), alguns atos de linguagem permitem observar, de maneira clara, a presena de uma pluralidade de sujeitos responsveis, distintamente, pelo que enunciam. O autor visualiza, ainda, a necessidade de tentarmos distinguir esses sujeitos, a fim de compreender os papis desempenhados por eles e sua importncia para a integralizao do ato de linguagem. Assim, Ducrot acredita que, em determinados enunciados ou conjunto de enunciados - textos -, devemos distinguir o seu produtor fsico, que ele denomina de sujeito emprico, de o locutor ser responsvel pelo enunciado, que se identifica pelas marcas de 1 pessoa. Nesta conceituao de locutor, Ducrot v, ainda, a necessidade de distinguir-se a figura do locutor em "L", que tem unicamente a propriedade de ser responsvel pela enunciao; e "A", uma pessoa completa, que possui, entre outras propriedades, a de ser a origem do enunciado (DUCROT, 1987). O que "L" e "A" tm em comum que so seres de discurso. Ducrot prefere ignorar as propriedades do autor emprico, uma vez que prefere analisar os enunciados enquanto construes lingusticas, analisar os sujeitos da enunciao, tais como se apresentam no sentido dos enunciados (DUCROT, 1987). O autor distingue, ainda, entre os sujeitos, a figura do(s) enunciador(es). Citando as palavras de Ducrot: "seres que so considerados como se expressando atravs da enunciao, sem que para tanto se lhes atribuam palavras precisas" (DUCROT, 1987, p.192). A polifonia em textos verbais est, de modo geral, ligada aos recursos, estratgias argumentativas presentes na comunicao lingustica. Estes recursos visam levar o alocutrio22 a posicionar-se frente a um ponto de vista. Argumentar, ento, significa a possibilidade de um sujeito comunicante influenciar na formao de uma opinio. Colocar em cena uma pluralidade de vozes diferentes das do locutor ou, mais precisamente, vozes de enunciadores que sustentam pontos de vista diferentes ou no dos referentes ao locutor, inclui uma abertura discusso, polmica. Este enfrentamento explcito de opinies divergentes pode sugerir uma atitude de no imposio de um ponto de vista sobre o outro por parte do locutor organizador dos discursos. A adeso do interlocutor aos argumentos dar-se-, assim, pela vontade, uma vez que ele pde lidar com um confronto de ideias e escolher a ideia ou ideias que melhor lhe conviessem. A argumentao um outro recurso verificado na tessitura de peas publicitrias, objeto desta anlise.

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O mesmo que destinatrio.

5 ENUNCIAO, TEMA, SIGNIFICAO, EMBREANTES, DEBREAGENS Segundo Bakhtin (1999), a enunciao o produto da interao de dois indivduos socialmente organizados, pois sua natureza social. A enunciao no existe fora de um contexto socioideolgico, em que cada locutor tem um "horizonte social" bem definido, pensado e dirigido a um auditrio social tambm definido. Portanto, a enunciao procede de algum e se destina a algum. Qualquer enunciao prope uma rplica, uma reao. Toda enunciao completa constituda de significao e de tema ou sentido. Esses dois elementos integram-se, formando um todo, e sua compreenso s possvel na interao. A significao a parte geral e abstrata da palavra; so os conceitos que esto nos dicionrios responsveis pela compreenso entre os falantes. Os elementos da enunciao, reiterveis e idnticos cada vez que so repetidos, constituem a significao, que integra o aspecto tcnico da enunciao para a realizao do sentido. O sentido ou tema construdo na compreenso ativa e responsiva, e estabelece a ligao entre os interlocutores. O sentido da enunciao no est no indivduo, nem na palavra nem nos interlocutores; efetiva-se no efeito da interao entre o locutor e o receptor, produzido por meio de signos lingusticos. A interao constitui, assim, o veculo principal na produo do sentido. O sentido ou tema tem sua histria, particular e concreto. Bakhtin (1999, p. 129) afirma que "o tema da enunciao concreto, to concreto como o instante histrico ao qual ela pertence". Somente a enunciao tomada em toda a sua plenitude concreta, como fenmeno histrico, possui um tema. O autor esclarece que o sentido ou tema nico, no renovvel, individual, e expressa a situao histrica no momento da enunciao. Por exemplo: - "que horas so?" Esta expresso tem um sentido, cada vez que usada, dependendo no s das variaes psicolgicas do emissor, dos aspectos lingusticos da enunciao, mas tambm do contexto extra-verbal em que ocorre. Leva em considerao a entonao expressiva e o contexto socialmente determinado. Desta forma, nas enunciaes, h tantos sentidos quanto os diversos contextos em que elas aparecem. Por isso, o sentido ou tema pode ser investigado nas formas lingusticas e nos elementos no verbais da enunciao, ou seja, a apreciao, a entonao, o contexto, o contedo ideolgico. De acordo com Bakhtin (ibid., p. 130), "o tema uma qualidade da enunciao completa e pertencer a uma palavra somente se essa funcionar como uma enunciao total".

Segundo Bakhtin (ibid., p. 131-132), "a distino entre tema e significao adquire particular clareza em conexo com problema da compreenso [...] Qualquer tipo genuno de compreenso deve ser ativo e deve conter j o germe de uma resposta"; ou seja, somente a compreenso ativa permite apreender o tema, pois a evoluo no pode ser apreendida seno com a ajuda de um outro processo evolutivo. Compreender a enunciao de outrem significa orientar-se em relao a ela, encontrar o seu lugar adequado no contexto correspondente. A cada palavra da enunciao que est em processo de compreenso faz-se corresponder uma srie de palavras nossas, formando uma rplica. A compreenso uma forma de dilogo; ela est para a enunciao assim como uma rplica est para a outra no dilogo. Compreender opor palavra do locutor uma "contra-palavra". Na projeo da enunciao no enunciado, instalam-se as categorias de pessoa, tempo e espao, ou seja, situam-nas em relao ao enunciador. o processo de debreagem actancial, temporal e espacial. Sobre este processo, vejamos o modo de explicar de Maingueneau (2001, p. 9): [...] eu se carrega de uma significao nova a cada enunciao. Isso vale igualmente para tu (e suas variantes te/ti) e certos localizadores espaciais (aqui, a...) ou temporais (hoje, ontem...), que tambm so embreantes. Esses indicadores espaciais (que chamaremos diticos espaciais) mudam de sentido em funo da posio do corpo do enunciador, enquanto que aqueles de tempo (denominados diticos temporais) variam em funo do momento da enunciao [...]. (Grifos do autor). O eu quem guia o enunciado. o eu quem fala e quem estabelece o tu, que para quem o eu fala. O espao e o tempo tambm so estabelecidos tomando o eu enunciador como referncia. "A debreagem consiste, pois, num primeiro momento, em disjungir do sujeito, do espao e do tempo da enunciao e em projetar no enunciado um no-eu, um no-aqui e um no-agora", conforme diz Fiorin (2002, p. 46). Em outras palavras, debrear construir o simulacro de realidade (e de enunciao) no texto, j que o eu, o aqui e o agora da enunciao so nicos e no podem ser recuperados. Este autor distingue dois tipos de debreagem, a enunciativa e a enunciva. Na primeira, instalam-se nos enunciados os atores, o tempo e o

espao da enunciao, ou seja, o eu, o aqui e o agora, que ocupam o lugar do no-eu, do no-aqui e do no-agora, respectivamente. So textos escritos em primeira pessoa no presente e tomando como lugar o aqui. Por outro lado, na debreagem enunciva, instauram-se os actantes do enunciado (ele), o espao do enunciado (algures) e o tempo do enunciado (ento). "Cabe lembrar que o algures um ponto instalado no enunciado; da mesma forma o ento um marco temporal inscrito no enunciado, que representa um tempo zero [...]", ressalta o autor (Ibid., p. 44-45). Ou seja, so enunciados escritos na terceira pessoa, no passado, tendo como lugar o l. Enquanto a debreagem enunciativa cria o efeito de sentido da subjetividade, a debreagem enunciva remete objetividade ao apagar do texto as marcas da enunciao. Alm dessas debreagens, existe a debreagem interna, como explica Fiorin (2002, p. 45):Trata-se do fato de que um actante j debreado, seja ele da enunciao ou do enunciado, se torna instncia enunciativa, que opera, portanto, uma segunda debreagem, que pode ser enunciativa ou enunciva. assim, por exemplo, que se constitui um dilogo: com debreagens internas, em que h mais de uma instncia de tomada da palavra. Essas instncias subordinam-se umas s outras: o eu que fala em discurso direto dominado por um eu narrador que, por sua vez, depende de um eu pressuposto pelo enunciado. Em virtude dessa cadeia de subordinao, diz-se que o discurso direto uma debreagem de segundo grau.

Neste enfoque, a teoria da enunciao no pode ser vista de forma estanque e isolada. Para cada enunciao feita, existe um sujeito que enuncia em um determinado contexto, orientado em um espao cronolgico de tempo. Assim, percebemos a inviabilidade de uma pesquisa evidenciar-se sem a devida localizao tempo/espao/sujeito/contextos.

6 DIALOGISMO

A noo de recepo/compreenso ativa proposta por Bakhtin ilustra o movimento dialgico da enunciao, a qual constitui o territrio comum do locutor e do interlocutor. Nesta noo, possvel resumir o esforo dos interlocutores em colocar a linguagem frente aos sujeitos do discurso. O locutor enuncia em funo da existncia (real ou virtual) de um interlocutor, requerendo deste ltimo uma atitude responsiva, com antecipao do que o outro vai dizer, isto , experimentando ou projetando o lugar de seu ouvinte. Por outro lado, quando recebe uma enunciao significativa, esta nos prope uma rplica: concordncia, apreciao, ao, entre outros. E, mais precisamente, compreendemos a enunciao porque posta no movimento dialgico dos enunciados, em confronto tanto com os nossos prprios dizeres quanto com os dizeres alheios. Compreendemos os enunciados alheios quando reagimos quelas palavras que despertam em ns ressonncias ideolgicas ou concernentes vida. Compreender, portanto, no equivale a reconhecer o "sinal", a forma lingustica, nem a um processo de identificao; o que realmente importante a interao dos significados das palavras e seu contedo ideolgico, no s do ponto de vista enunciativo, mas tambm do ponto de vista das condies de produo e da interao locutor/receptor. Assim, na viso bakhtiniana, "a verdadeira substncia da lngua no constituda por um sistema abstrato de formas lingusticas, nem pela enunciao monolgica isolada, nem pelo ato psicofisiolgico de sua produo, mas pelo fenmeno social da interao verbal, realizada atravs da enunciao". Segundo Bakhtin (1999, p.123), o dilogo, no sentido estrito do termo, no constitui seno uma das formas mais importantes da interao verbal. Contudo, podemos verificar a palavra 'dilogo' em um sentido amplo, no apenas como a comunicao em voz alta, de pessoas dispostas face a face, mas toda comunicao verbal de qualquer modalidade. O dilogo, portanto, tanto exterior, na relao com o outro, como no interior da conscincia ou escrito, realiza-se na linguagem. Refere-se a qualquer forma de discurso, quer sejam as relaes dialgicas que ocorrem no cotidiano, quer sejam textos artsticos ou literrios. Bakhtin considera o dilogo como as relaes que ocorrem entre interlocutores, em uma ao histrica compartilhada socialmente; melhor dizendo, que se realiza em um tempo e local especficos, mas sempre mutvel, devido s variaes do contexto.

Conforme Bakhtin, o dialogismo constitutivo da linguagem, pois, mesmo entre produes monolgicas, observamos sempre uma relao dialgica; portanto, todo enunciado dialgico.

7 HETEROGENEIDADE: CONSTITUTIVA E MOSTRADA Heterogeneidade marcada e no marcada so tipologias denominadas quando se apresentam na superfcie do texto, sendo que o enunciador pode ter ou no conscincia da matria discursiva. Tal classificao pertinente no modelo de heterogeneidade mostrada. Nesta tipologia, o sujeito falante o prprio sujeito da enunciao, organizador do discurso, que detm o papel social de organizar o seu enunciado como sujeito autnomo, mesmo sabendo que este sujeito meramente ficcional; posto que, para Bakhtin (1999), no existem discursos novos, mas sim apenas processos discursivos. Para trabalhar conceitos desta natureza e suas inter-relaes, recorremos aos ensinamentos de Brait (2000), a fim de precisar teoricamente o conceito bakhtiniano de dialogismo, sendo necessrio, para tanto, analisar o princpio da heterogeneidade, partindo da ideia de que a linguagem heterognea, isto , o discurso construdo com base no discurso do outro, o "j dito" sobre o qual qualquer discurso se constri. Segundo Brando (2004, p. 61):Um dos suportes a que Authier-Revuz recorre para explicar a articulao da realidade das formas de heterogeneidade mostrada no discurso com a realidade da heterogeneidade constitutiva do discurso o dialogismo concebido pelo crculo de Bakhtin", crculo esse comungado com as ideias de Magalhes (2003), que a diviso da heterogeneidade em constitutiva ou mostrada.

A primeira modalidade, a constitutiva, aquela que no se mostra no fio do discurso; j a segunda, a mostrada, a inscrio do outro na cadeia discursiva, alterando sua aparente unicidade. Segundo Authier-Revuz (apud BRAIT, 2000), a heterogeneidade mostrada pode ser marcada por meio de marcas lingusticas (discurso direto, discurso indireto, negao, aspas, metadiscurso do enunciador), denunciando a presena do outro explicitamente. No que se refere heterogeneidade constitutiva, o outro est inscrito no discurso, mas sua presena no explicitamente demarcada. A mencionada autora

considera a heterogeneidade constitutiva no-representvel, no localizvel, pertencente ordem real de constituio do discurso. A heterogeneidade constitutiva apreende-se pela memria discursiva de uma dada formao social.

8 O SUJEITO DOS DISCURSOS

Para a anlise das peas publicitrias, corpus deste trabalho, torna-se importante o estudo do sujeito de Bakhtin (BRAIT, 1999), um sujeito histrico, social, ideolgico, mas tambm corpo. um sujeito construdo na linguagem, construdo pelo "outro". Em Bakhtin (BRAIT, 1999), o sujeito tem um projeto de fala que no depende s de sua inteno, mas depende do "outro" (primeiro o "outro" com quem fala; depois o "outro" ideolgico, porque tecido por outros discursos do contexto) e, ao mesmo tempo, o sujeito corpo (so as outras vozes que o constituem). Toda enunciao produz concorrentemente um enunciado e um sujeito. No h sujeito anterior enunciao ou escritura, maneira de um atributo ou de uma modalidade existencial de um sujeito; mas a enunciao constitutiva do sujeito: o sujeito advm da enunciao. O sujeito de Bakhtin, portanto, constitui-se na e atravs da interao, e reproduz, em sua fala e em sua prtica, o seu contexto imediato e social. Bakhtin (1999, p. 35) assevera: "a conscincia individual no s nada pode explicar, mas, ao contrrio, deve ela prpria ser explicada a partir do meio ideolgico e social. A conscincia individual um fato scioideolgico". Esta conscincia um inquilino do edifcio social dos signos ideolgicos. O signo ideolgico por excelncia a palavra, segundo Bakhtin (1992). Em Brait (1997), signo no s o sinal que se identifica; para produzir sentido, deve ser compreendido na situao, no dentro (texto) e no fora (histria). Bakhtin (TODOROV apud BRANDO, 2004, p. 51) desenvolve uma concepo de sujeito em que o "outro" desempenha um papel cr