A SEÇÃO NO E E NA FOLHA DE S. PAULO : UM ESTUDO ...
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LUCIENE DA SILVA DIAS
A SEÇÃO CIÊNCIA NO ESTADO DE MINAS E NA FOLHA DE S. PAULO: UM ESTUDO COMPARATIVO SOB A ÓTICA DA
ANÁLISE DO DISCURSO DA DIVULGAÇÃO CIENTÍFICA E DA GRAMÁTICA DO DESIGN VISUAL
Dissertação apresentada à Universidade Federal de Viçosa, como parte das exigências do Programa de Pós-Graduação em Letras, para obtenção do título de Magister Scientiae.
VIÇOSA MINAS GERAIS – BRASIL
2011
ii
Ao mestre que me enveredou para o caminho das Letras, o meu “Professor Inesquecível” do Ensino Fundamental, dedico este trabalho. É ele, o Dircimar Fernandes Carneiro, quem me fez apaixonar pelo estudo da Língua Portuguesa. É ele um dos responsáveis por minha escolha profissional. Quando adolescente, inúmeras vezes, olhando para ele, pensava: “Quando crescer, quero ser igual a você”! E eu levei esse pensamento muito a sério.
iii
“A imprensa pode até não ser exitosa a maior parte do tempo em dizer às pessoas o que pensar, mas ela é impressionantemente bem-sucedida em dizer a seus leitores sobre o que pensar”.
Bernard Cohen
iv
AGRADECIMENTOS
Chegado esse momento, uma grande emoção se apodera de todo o meu ser. De
antemão, já sei que nem a seleção das mais belas palavras traduzirá, de fato, o carinho e
a gratidão que tenho por aqueles que contribuíram para que essa empreitada fosse
possível. Apesar da dificuldade, de todo coração, agradeço:
À Professora Cristiane Cataldi, não apenas por me orientar neste trabalho, mas,
sobretudo, pela confiança em mim depositada desde a graduação. Nesse tempo de
convivência acadêmica, desfrutei também de seus conselhos maternais e de suas
preciosidades enquanto ser verdadeiramente humano. Muito obrigada, Cristiane! Meu
carinho por você é imenso!
À Professora Maria Carmen, quem co-orientou este trabalho com a dedicação de
uma orientadora, sempre disposta a me ajudar em meus inúmeros questionamentos.
Aproveito também a oportunidade para agradecê-la por todos os feitos acadêmicos e
profissionais que ela impulsiona em minha vida desde 2005. Maria Carmen, obrigada
por sempre me atender com carinho e amizade! Tenho muita admiração por você!
A todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Letras da UFV, com
os quais muito aprendi. Enfatizo aqui a participação especial das professoras Mônica
Melo e Adriana da Silva nesse processo de aprendizagem, que muito contribuíram para
a minha formação acadêmica.
À Professora Sônia Pimenta, por ter me permitido cursar uma disciplina
ministrada por ela na UFMG e também por aceitar fazer parte desta banca.
Ao Professor Ernane Rabelo, por ter sido solícito quando precisei de suas
indicações bibliográficas e também por participar desta banca de defesa.
Aos funcionários do DLA, em especial à Adriana, quem esteve sempre pronta a
nos atender com muita dedicação e carinho. Ai de nós, mestrandos, sem uma secretária
que nos auxiliasse com tanta disposição assim. Valeu, Drica!!!
À FAPEMIG, pela bolsa concedida durante todo o período do mestrado.
A Deus, por sempre me dar forças para seguir em frente, mesmo quando eu
parecia estar em plena escuridão.
Ao Douglas, meu noivo, por me ajudar no trabalho de formatação das imagens
desta pesquisa, por me apoiar em todos os momentos, por sempre acreditar em mim e
por compreender as tantas vezes que precisei preterir os nossos momentos de curtição
para dedicar-me ao mestrado. Agora, meu bem, estou quase indo. Espere só mais um
pouquinho!!! “Não quero mais esse negócio de você viver sem mim”!!!
v
À minha família, meu bem mais precioso, que sempre vibrou comigo pelas
minhas conquistas: Mãe, obrigada pelas orações constantes; Papai, obrigada por se
orgulhar tanto de mim, fazendo-me acreditar que sou capaz; Ro, Vanda, Lu e Sil,
obrigada pela amizade e apoio incessantes; Ta, Evaldo e Lino, obrigada pela torcida;
sobrinhos (as) amados (as), obrigada por alegrarem a minha vida, fazendo-me esquecer
de todos os problemas quando posso estar com vocês.
Aos colegas do Mestrado – Turma 2009, pelas discussões acadêmicas, que
ampliaram meu conhecimento, e pelas discussões mundanas, que me fizeram rir e
refletir muito.
Ao casal de amigos Renata e Fabrício, pela acolhida e pelo apoio, sobretudo no
início do mestrado.
Ao amigo Bilinho, que, desde 2004, é um irmão que Viçosa me deu de presente.
À Érica, que se tornou uma amiga muito especial, quem levarei por toda a vida. Às
amigas Aliny, Gabi e Lívia e aos amigos Renan e Tiago, que estiveram sempre por
perto, mesmo quando distante geograficamente, para me apoiar nas ocasiões em que eu
parecia não ter ânimo para continuar e pelos momentos de descontração tantas vezes
proporcionados. Com vocês, como já dizia o incrível Mário Quintana, tenho a certeza de
que “a amizade é um amor que nunca morre”.
Todos vocês que foram lembrados neste espaço são diretamente responsáveis
pela concretização de um lindo sonho. MUITO OBRIGADA!!!
vi
SUMÁRIO
LISTA DE ILUSTRAÇÕES ...................................................................................... viii
RESUMO ....................................................................................................................... xi
ABSTRACT ................................................................................................................ xiv
CONSIDERAÇÕES INICIAIS ...................................................................................... 1
Objetivo geral .................................................................................................................. 2
Objetivos específicos ....................................................................................................... 3
Justificativa ...................................................................................................................... 3
1. REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO ............... ................................... 6
1.1 Análise do Discurso da Divulgação Científica ........................................................ 6
1.2 O processo de recontextualização como prática discursiva .................................. 9
1.2.1 Procedimentos discursivos e estratégias divulgativas ........................................ 13
1.2.1.1 Expansão ......................................................................................................... 14
1.3 Multimodalidade ..................................................................................................... 16
1.3.1 A Gramática do Design Visual e suas ferramentas descritivas .......................... 19
1.3.1.1 Significados Representacionais ...................................................................... 20
1.3.1.1.1 Representações Narrativas .......................................................................... 21
1.3.1.1.2 Processos Conceituais ................................................................................. 23
1.3.1.3 Significados Interacionais ............................................................................... 26
1.3.1.3 Significados Composicionais .......................................................................... 30
1.3.2 Algumas considerações sobre os significados da GDV ..................................... 34
2 METODOLOGIA ...................................................................................................... 35
2.1 Configuração do corpus de análise ........................................................................ 35
2.2 Perfil dos jornais analisados ................................................................................... 38
2.2.1 O jornal Estado de Minas ................................................................................... 38
2.2.2 O jornal Folha de S. Paulo ................................................................................. 39
2.3 Ferramentas de análise ........................................................................................... 40
2.4 Procedimentos metodológicos ................................................................................ 41
3. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS ............................................................... 47
3.1 Informações gerais sobre os textos recontextualizados nos jornais Estado de
Minas e Folha de S. Paulo............................................................................................. 47
3.1.1 Mapeando o corpus da pesquisa ......................................................................... 47
3.2 Procedimentos linguístico-discursivos de expansão ............................................. 53
3.2.1 Considerações gerais em relação à análise do aspecto verbal............................ 69
3.3 Análise do conteúdo não verbal sob a perspectiva da Gramática do Design
Visual (GDV) ................................................................................................................. 70
CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... 122
CONTRIBUIÇÕES FUTURAS ................................................................................. 125
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...................................................................... 126
ANEXOS ...................................................................................................................... 130
viii
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Processo/ Participante...................................................................................................21 Figura 2 – Relação de ângulo horizontal, baseada em Kress e van Leeuwen (2006)..................29 Figura 3 – Relação de ângulo vertical, baseada em Kress e van Leeuwen (2006).......................29 Figura 4 – As dimensões do espaço visual em formato de cruz...................................................32 Figura 5 – dado/mediador/novo horizontal..................................................................................33 Figura 6 – ideal/ mediador/ real vertical......................................................................................33 Figura 7 – Rede de sistemas referente à categoria significado da composição...........................34 Figura 8 – Síntese das categorias utilizadas com base na Análise do Discurso de Divulgação Científica......................................................................................................................................45 Figura 9 – Síntese das categorias utilizadas com base nos significados representativos da Gramática do Design Visual........................................................................................................45 Figura 10 – Síntese das categorias utilizadas com base nos significados interativos da Gramática do Design Visual..........................................................................................................................46 Figura 11 – Síntese das categorias utilizadas com base nos significados composicionais da Gramática do Design Visual.........................................................................................................46 Figura 12: Seção Ciência do jornal Estado de Minas, edição de 1/2/2010, com as demarcações dos valores de informação Ideal e Real, bem como do vetor que evidencia o processo narrativo........................................................................................................................................71 Figura 13: Imagem veiculada no texto EM 2010-02 com as demarcações dos valores de informação Centro e Margens, bem como do vetor que evidencia o processo narrativo........................................................................................................................................75 Figura 14: Seção Ciência do jornal Estado de Minas, edição de 3/2/2010, com as demarcações dos valores de informação Centro, Ideal e Real..........................................................................78 Figura 15: Seção Ciência do jornal Estado de Minas, edição de 4/2/2010, com as demarcações dos valores de informação Ideal e Real, bem como do vetor que evidencia o processo narrativo........................................................................................................................................81 Figura 16: Imagem veiculada no texto EM 2010-05....................................................................83 Figura 17: Imagem veiculada no texto EM 2010-05....................................................................84 Figura 18: Seção Ciência do jornal Estado de Minas, edição de 5/2/2010, com as demarcações dos valores de informação Ideal e Real........................................................................................86 Figura 19: Imagem veiculada no texto EM 2010-06....................................................................88 Figura 20: Seção Ciência do jornal Estado de Minas, edição de 7/2/2010, com as demarcações dos valores de informação Centro e Margem...............................................................................90 Figura 21: Imagem veiculada no texto FSP 2010-01 ..................................................................91
ix
Figura 22: Seção Ciência do jornal Folha de S. Paulo, edição de 1/2/2010, com as demarcações dos valores de informação Ideal e Real........................................................................................93 Figura 23: Imagem veiculada no texto FSP 2010-03...................................................................94 Figura 24: Seção Ciência do jornal Folha de S. Paulo, edição de 2/2/2010, com as demarcações dos valores de informação Ideal e Real........................................................................................96 Figura 25: Imagem veiculada no texto FSP 2010-04...................................................................97 Figura 26: Imagem veiculada no texto FSP 2010-06...................................................................98 Figura 27: Seção Ciência do jornal Folha de S. Paulo, edição de 3/2/2010, com as demarcações dos valores de informação Ideal e Real......................................................................................100 Figura 28: Imagem veiculada no texto FSP 2010-07.................................................................101 Figura 29: Imagem veiculada no texto FSP 2010-08.................................................................102 Figura 30: Seção Ciência do jornal Folha de S. Paulo, edição de 4/2/2010, com as demarcações dos valores de informação Ideal e Real......................................................................................104 Figura 31: Imagem veiculada no texto FSP 2010-09.................................................................105 Figura 32: Imagem veiculada no texto FSP 2010-10.................................................................107 Figura 33: Imagem veiculada no texto FSP 2010-10.................................................................108 Figura 34: Seção Ciência do jornal Folha de S. Paulo, edição de 5/2/2010, com as demarcações dos valores de informação Ideal e Real......................................................................................109 Figura 35: Imagem veiculada no texto FSP 2010-11.................................................................110 Figura 36: Seção Ciência do jornal Folha de S. Paulo, edição de 6/2/2010, com as demarcações dos valores de informação Ideal e Real......................................................................................111 Figura 37: Imagem veiculada no texto FSP 2010-13.................................................................112 Figura 38: Imagem veiculada no texto FSP 2010-14.................................................................114 Figura 39: Seção Ciência do jornal Estado de Minas, edição de 7/2/2010, com as demarcações dos valores de informação Ideal e Real, Dado e Novo..............................................................115 Figura 40: Imagem veiculada no texto FSP 2010-15................................................................116 Figura 41: Exemplo de multimodalidade abstrata ....................................................................119 Figura 42: Exemplo de multimodalidade naturalística .............................................................119 Figura 43: Exemplo de multimodalidade sensorial ...................................................................120 Figura 41: Exemplo de multimodalidade tecnológica ...............................................................120 Gráfico 1: Área temática dos textos divulgados em cada um dos jornais....................................59 Gráfico 2: Quantidade de textos que tratam de pesquisas nacionais e internacionais em cada jornal.............................................................................................................................................60
x
Gráfico 3: Frequência das estratégias divulgativas utilizadas nos textos da amostra..................80 Gráfico 4: Frequência dos significados composicionais, interacionais e representacionais no jornal Estado de Minas.................................................................................................................12 Gráfico 5: Frequência dos significados composicionais, interacionais e representacionais no jornal Folha de S. Paulo.............................................................................................................125 Gráfico 6: Frequência das modalidades abstrata, naturalística, sensorial e tecnológica no jornal Estado de Minas.........................................................................................................................126 Gráfico 7: Frequência das modalidades abstrata, naturalística, sensorial e tecnológica no jornal Folha de S. Paulo.......................................................................................................................127 Quadro 1 – Textos verbais identificados nos jornais Estado de Minas e Folha de S. Paulo......54
xi
RESUMO
DIAS, Luciene da Silva, M. Sc., Universidade Federal de Viçosa, março de 2011. A seção Ciência no Estado de Minas e na Folha de S. Paulo: um estudo comparativo sob a ótica da Análise do Discurso da Divulgação Científica e da Gramática do Design Visual. Orientadora: Cristiane Cataldi dos Santos Paes. Co-orientadoras: Adriana da Silva e Maria Carmen Aires Gomes.
Partimos do pressuposto de que o discurso de Divulgação Científica – entendido
como o conjunto de informações midiáticas que são produzidas em situações
comunicativas distintas das estabelecidas entre os cientistas e seus pares, sendo, pois,
um texto reformulado por um jornalista, ou mesmo por um cientista, para um leitor não
especializado no assunto que está sendo tratado – deve ser caracterizado como
multimodal e, por isso, objetivamos estudá-lo considerando a conjugação entre os
modos semióticos utilizados, sejam verbais ou não-verbais. Assim, questionamos: como
o discurso sobre ciência é apropriado pelos jornais Estado de Minas e Folha de S. Paulo
no espaço concreto e ideológico desses periódicos? O encontro do âmbito científico
com a experiência social cotidiana obriga uma troca de registros e uma nova relação
discursiva entre enunciado, enunciatário e enunciador. A partir dessas considerações, as
perguntas de pesquisa que norteiam este estudo são: i) Que estratégias divulgativas são
utilizadas no processo de recontextualização das informações publicadas na seção
Ciência dos jornais Estado de Minas e Folha de S. Paulo?; ii) Que significados sociais
são representados na estrutura da seção Ciência desses dois jornais de grande circulação
nacional, considerando-se tanto os aspectos verbais como os não-verbais?; iii) De que
forma as representações visuais veiculadas na seção Ciência dos jornais analisados
podem contribuir para ampliar os significados das notícias divulgadas, seja
reproduzindo, contestando ou transformando valores? Nossa análise em relação ao texto
verbal, a partir do procedimento discursivo de expansão, procurou demonstrar como as
estratégias divulgativas utilizadas para apresentar o conhecimento científico na mídia
xii
impressa contribuíram, ou não, para a efetiva compreensão do público leitor em relação
ao assunto divulgado. A análise do aspecto não verbal realizada em nosso corpus de
pesquisa revelou que a representação da ciência nesses textos está bastante voltada para
uma tentativa de se concretizar a abstração com que as temáticas tratadas são vistas pelo
leitor, por meio da utilização de infográficos e outras imagens que não apresentaram
funções apenas ilustrativas. Assim, os jornais Estado de Minas e Folha de S. Paulo,
dentro do recorte temporal selecionado para esta pesquisa, caracterizam-se como
veículos de comunicação importantes para o estudo da divulgação científica na mídia
impressa, revelando seu valor para a sociedade civil, bem como suas limitações que
ainda impedem uma efetiva participação cidadã no que concerne às decisões tomadas
em relação à divulgação do conhecimento científico no Brasil.
xiii
ABSTRACT
DIAS, Luciene da Silva, M. Sc., Universidade Federal de Viçosa, March, 2011. The Section Ciência in Estado de Minas and Folha de S. Paulo: a comparative study under the approaches of Scientific Divulgation Discourse Analysis and the Visual Design Grammar. Advisor: Cristiane Cataldi dos Santos Paes. Co-advisors: Adriana da Silva and Maria Carmen Aires Gomes.
We assume that the Scientific Discourse Divulgation - understood as a set of
media information produced in communicative situations, distinct from those
established between the scientists and their peers, being, therefore a text reformulated
by a journalist, or even a scientist, for a reader who is not an expert in the topic being
addressed – should be characterized as multimodal and therefore, we aimed to study it
considering the match between the semiotic modes used, whether verbal or non-verbal.
So we ask: how is the discourse on science appropriated by the newspapers Estado de
Minas and Folha de S. Paulo in the concrete and ideological space of these
journals? The meeting of the scientific field in the daily social experience requires an
exchange of records and a new discursive relationship between enunciation, enunciatee,
and enunciating. From these considerations, the research questions guiding this study
are: i) What communication strategies are used in the process of recontextualization of
the information published in the section Ciência of Estado de Minas and Folha de S.
Paulo? ii) What social meanings are represented in the section Ciência of
these two newspapers of national circulation, considering both verbal and non-verbal
aspects? iii) How visual representations disseminated in the section Ciência of
the studied newspapers can contribute to enlarge the meanings of news stories,
whether playing challenging or changing values? Our analysis in relation to the verbal
text, from the discursive procedure of expansion, sought to demonstrate how
the strategies used to present the scientific knowledge in the print media have
contributed or not, to the effective comprehension of the reading audience in relation to
xiv
the topic publicized. The analysis of the non-verbal aspect performed in our corpus of
research revealed that the role of science in these texts is quite focused
on an attempt to realize the abstraction that the issues addressed are seen by
the reader, through the use of graphics and other images that showed no functions others
than illustrative. This way, the newspapers Estado de Minas e Folha de S. Paulo,
within a time window selected to this study, are characterized as important media to the
study of scientific divulgation in the printed media, emphasizing their value to civil
society as well as limitations that still impede effective citizen participation in
relation to decisions regarding the dissemination of scientific knowledge in Brazil.
1
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Na sociedade contemporânea, os meios de comunicação, dentre muitas outras
funções, atuam como mediadores entre cientistas e sociedade, proporcionando
informações importantes para que as pessoas possam ampliar seu conhecimento em
relação às conquistas científicas; dessa forma, impulsionam, ainda que movidos por
interesses próprios, a popularização do conhecimento científico, transformando o objeto
da ciência em evento midiático, sendo capaz de despertar a atenção do leitor.
Atualmente, podemos dizer que vivenciamos “uma época de mudança geral de
perspectivas e de inovações sociais, econômicas e tecnológicas” (FABRÍCIO, 2006, p.
45). Essas mudanças, estimuladas pela divulgação científica, afetam ativamente a vida
de cada cidadão, uma vez que novos hábitos, novas formas de pensamento passam a
existir não apenas em domínios mais restritos, como o dos cientistas, mas atingem toda
a população.
Hoje, o discurso sobre ciência circula pela esfera social, fazendo parte do dia a
dia das pessoas. Considerando que “os meios de comunicação de massa são a principal
fonte de informação sobre C&T disponível ao grande público” (OLIVEIRA, 2007, p.
14), entendemos que os jornais impressos também se prestam ao papel de divulgar
informações de interesse público. Um estudo que busque analisar como ocorre esse
processo, considerando tanto os recursos linguístico-discursivos como o conteúdo não
verbal utilizados, faz-se pertinente e relevante.
Esta pesquisa tem por objetivo investigar a cobertura jornalística na seção
Ciência dos jornais Estado de Minas e Folha de S. Paulo considerando-se os conteúdos
verbais e não verbais apresentados ao público leitor. O primeiro passo desta
investigação, então, é identificar e selecionar todos os textos1 veiculados nessa seção,
considerando-se todas as temáticas científicas publicadas, durante a primeira semana de
fevereiro de 2010. À luz da Análise do Discurso da Divulgação Científica
(CALSAMIGLIA et al., 2001; CALSAMIGLIA, 2003; CASSANY et al., 2000;
CASSANY e MARTÍ, 1998; CATALDI, 2003, 2007, 2008), analisaremos as
informações verbais, enquanto para as informações não-verbais, utilizaremos como
aporte teórico-metodológico a Gramática do Design Visual (KRESS e VAN
LEEUWEN, 2006).
1 Entendemos por texto, na perspectiva da multimodalidade, todas as informações verbais e não-verbais publicadas nas páginas da seção Ciência dos jornais selecionados para esta pesquisa.
2
Para o desenvolvimento deste estudo, a primeira questão que merece destaque
refere-se à recontextualização do discurso científico para o grande público da mídia
impressa, isto é, ao processo referente à divulgação científica, que se caracteriza como o
conjunto de informações midiáticas que são produzidas em situações comunicativas
distintas das estabelecidas entre os cientistas e seus pares, sendo, pois, um texto
reformulado por um jornalista, ou mesmo por um cientista, para um leitor não
especializado no assunto que está sendo tratado.
Assim, questionamos: como o discurso sobre ciência é apropriado pelos jornais
Estado de Minas e Folha de S. Paulo no espaço concreto e ideológico desses
periódicos? O encontro do âmbito científico com a experiência social cotidiana obriga
uma troca de registros e uma nova relação discursiva entre enunciado, enunciatário e
enunciador, que serão analisados considerando-se os pressupostos teórico-
metodológicos da Análise do Discurso da Divulgação Científica. Em relação às imagens
utilizadas na divulgação da ciência dos jornais supracitados, o questionamento que se
faz é: Qual o seu papel no processo de divulgação científica?
A partir dessas considerações, as perguntas de pesquisa que nortearam este
estudo foram:
• Que estratégias divulgativas foram utilizadas no processo de recontextualização
das informações publicadas na seção Ciência dos jornais Estado de Minas e
Folha de S. Paulo?
• Que significados sociais2 foram representados na estrutura da seção Ciência
desses dois jornais de grande circulação, considerando-se tanto os aspectos
verbais como os não verbais?
• De que forma as representações visuais veiculadas na seção Ciência dos jornais
analisados podem contribuir para ampliar os significados das notícias
divulgadas, seja reproduzindo, contestando ou transformando valores?
Objetivo geral
Objetivamos, com este trabalho, propor um estudo sobre o processo de
recontextualização que caracteriza os textos de divulgação científica publicados na
seção Ciência dos jornais Estado de Minas e Folha de S. Paulo, na primeira semana do
2 Consideramos os significados sociais a partir de uma abordagem que abarca todo sentido ou representação a partir do ambiente e do contexto de realização da produção linguística. Sendo assim, concordamos que todo significado é motivado socialmente.
3
mês de fevereiro de 2010, para que sejam analisadas as estratégias divulgativas e os
significados sociais representados, considerando tanto os aspectos verbais como os não-
verbais dos textos analisados, com exceção das publicidades.
Objetivos específicos
Para que o objetivo geral seja alcançado, faz-se necessário:
(i) identificar nos jornais Estado de Minas e Folha de S. Paulo todos os textos,
verbais e não verbais, publicados na seção Ciência, na primeira semana do mês de
fevereiro de 2010, considerando-se todas as temáticas científicas publicadas nessa seção
dos referidos jornais, com exceção das publicidades;
(ii) analisar como ocorre o processo de recontextualização da informação
científica em informação divulgativa a partir do procedimento linguístico-discursivo de
expansão3;
(iii) identificar e analisar, sob a perspectiva linguístico-discursiva, estratégias
divulgativas – tais como: argumentos de autoridade, benefício científico e social,
comparações e metáforas, definições, exemplificações, explicações, narrativizações –,
pertencentes ao procedimento discursivo de expansão, utilizadas na mídia impressa para
divulgar os vários conhecimentos sobre ciência;
(iv) analisar se as imagens, nos textos selecionados, desempenham função
ilustrativa ou comunicativa/representativa de forma a auxiliar na compreensão da
ciência;
(v) analisar os significados sociais nos textos da seção Ciência dos referidos
jornais, a partir dos significados representacional, interacional e composicional da
Gramática do Design Visual.
Justificativa
A Divulgação Científica vem sendo estudada por diversos pesquisadores no país,
seja na perspectiva da Análise do Discurso ou da Comunicação Social4. Em relação aos
3 Depois de uma pesquisa exploratória, o procedimento de expansão foi selecionado como categoria de análise nesta pesquisa por sua maior ocorrência no corpus analisado. 4 Dentre os grupos de pesquisas que se destacam no país, podemos citar: Divulgação Científica e Cultural, na UNICAMP; Núcleo de Estudos da Divulgação Científica, no Museu da Vida da Fundação Oswaldo Cruz; NUPEJOC (Núcleo de Pesquisa em Linguagem do Jornalismo Científico), na UFSC;
4
estudos multimodais, o número de pesquisas também tem aumentado, nas duas últimas
décadas, e cada pesquisa considera diferentes aspectos do mesmo fenômeno5. Contudo,
um trabalho que tenha como objeto de estudo o texto de divulgação científica e que
busque integrar aspectos discursivos e divulgativos, tanto de informações verbais
quanto não-verbais, adotando-se, pois, a perspectiva da Análise do Discurso da
Divulgação Científica e da Multimodalidade, ainda é visto de forma bastante incipiente
no país. Logo, esta pesquisa, por enfocar, concomitantemente, essas duas áreas de
estudo pode ser encarada como uma grande contribuição para a área dos Estudos
Linguísticos.
Além disso, analisar o discurso sobre ciência na mídia brasileira é importante,
sobretudo, pelo fato de, ao identificarmos as especificidades linguístico-discursivas que
caracterizam essas informações, tornarmos possível evidenciar como esse discurso
contribui para a (in)formação efetiva, ou não, do público leitor em relação ao
conhecimento científico.
O Jornalismo Científico vem crescendo significativamente no Brasil desde o
início da década de 80. Ulisses Capozzoli, no prefácio de Oliveira (2007, p. 7), ressalta
que “[u]ma das razões desse desenvolvimento foi a consolidação da própria pesquisa
científica nacional que, se ainda não atingiu estágio desejável em comparação ao porte
da economia, progrediu com relação ao passado recente”. Com esse desenvolvimento,
cresce, pois, o interesse e a necessidade da população em se informar sobre os avanços
científicos. O referido autor ainda destaca que “[a] nova cidadania não pode prescindir
da cultura científica, ou seja, da busca de inteligibilidade para a natureza do mundo e do
desfrute lúdico da investigação” (OLIVEIRA, 2007, p. 8).
Sendo assim, acreditamos que a divulgação científica tem um significativo papel
na democratização do conhecimento, devendo ser capaz de prover ao público
informações necessárias para que possam avaliar os benefícios e/ou riscos das
descobertas científicas que circundam na esfera social, aproximando o conhecimento
científico e tecnológico da vida diária das pessoas.
LECOTEC (Laboratório de Estudos em Comunicação, Tecnologia e Educação Cidadã), na UNESP; Produção e Divulgação de Conhecimento Científico, na UNISUL; Jornalismo e Contemporaneidade, na UFPE. Além dos citados, temos também o Grupo de Estudos em Linguagem e Linguística Aplicada: linguagem, sociedade e cognição, na UFV, com a linha de pesquisa Gênero, Mídia e Identidade, a qual se filia a presente pesquisa. 5 Dentre os grupos consolidados, podemos citar: Grupo de Pesquisa em Semiótica Visual e Multimodalidade, na UFPB; o NUPDiscurso (Núcleo de Pesquisa Texto, Discurso e Práticas Sociais), na UFSC; Análise Crítica e Linguística Sistêmico-Funcional, na PUC-SP; Discursos, Representações Sociais e Textos, na UnB; Estudos da Linguagem, Identidade e Representação, na UFMG; Análise do Discurso, também na UFMG; e Teorias e Estratégias Comunicacionais e de Significação, na UFSM.
5
Entendemos também que, na divulgação científica, além de se difundir o
conhecimento pode-se, inclusive através da veiculação de imagens, utilizar um discurso
persuasivo para justificar a sua importância e despertar a atenção do público leitor, que,
em alguns casos, tem como primeiro foco de atenção as imagens. Logo, as questões
discursivas envolvidas nesse processo merecem atenção especial.
Em relação ao corpus de análise deste trabalho, foram selecionados textos
publicados na seção Ciência dos jornais Estado de Minas e Folha de S. Paulo pelo fato
de se tratarem de periódicos de referência e de ampla circulação regional e nacional.
Além disso, um rastreamento prévio para observar como a informação sobre ciência é
selecionada e tratada por esses jornais, antes da configuração do corpus, demonstrou-
nos que dados representativos6 para uma análise consistente são disponibilizados nesse
espaço.
Outra justificativa para este estudo é a presença constante da multimodalidade na
mídia impressa. Sob esse viés, acreditamos que a linguagem não verbal produz
importantes significados e representações. Sendo assim, analisar linguística e
discursivamente um texto verbal é importante, mas não suficiente quando este explora
também a iconografia, como ocorrido nos textos que compõem o corpus desta pesquisa.
Atualmente, com os estudos sobre a multimodalidade, que, com o avanço
tecnológico, está cada vez mais presente nas práticas sociais, sabemos que as imagens,
tal como a linguagem verbal, pode apresentar diferentes significados nos mais variados
contextos. Logo, em uma análise textual, é imprescindível que se leve em conta os
diferentes recursos multimodais que circulam na sociedade. Com o objetivo de
sistematizar uma discussão sobre o assunto, Kress e van Leeuwen (2006) elaboraram a
Gramática do Design Visual (GDV), que propõe um olhar mais crítico para as imagens,
revelando que estas, assim como a linguagem verbal, fazem parte de uma escolha
motivada sócio-histórica e ideologicamente, podendo revelar identidades, relações de
poder, crenças e valores, tais como os textos verbais.
Dadas essas questões, a importância do presente estudo pode ser justificada,
sobretudo, por seu caráter inovador ao considerar a seção Ciência dos referidos
periódicos a partir de toda a sua estrutura verbal e visual, isto é, considerando o aspecto
multimodal para que se possa estabelecer uma relação entre esses dois modos
semióticos: o discursivo verbal e o não verbal.
6 Consideramos como dados representativos a grande ocorrência de procedimentos de expansão utilizados nesses textos, bem como a utilização de imagens nessas páginas.
6
1. REFERENCIAL TEÓRICO-METODOLÓGICO
1.1 Análise do Discurso da Divulgação Científica
A Análise do Discurso tem por objetivo o estudo dos textos (orais e escritos)
como produto do uso linguístico em situações concretas, em que há uma interação entre
falantes e ouvintes, produzida a partir de uma intencionalidade (CALSAMIGLIA,
1997). Trata-se, pois, de uma análise que leva em conta quem produz esse discurso e
com que objetivo. De acordo com Calsamiglia e Cassany (1999), a Análise do Discurso,
baseada na integração de diversas disciplinas que enfocam o uso linguístico em
contexto, como a pragmática, a análise da conversação, a teoria da enunciação, a ciência
cognitiva, a retórica, a linguística textual, permite relacionar os elementos da língua
com as condições contextuais da divulgação, de forma que o uso das unidades
linguísticas concretas, as expressões e os procedimentos discursivos, as formas de
construção textual e os gêneros sejam contemplados desde o ponto de vista dos
propósitos e dos protagonistas do intercâmbio comunicativo.
Diante desses pressupostos, a Análise do Discurso da Divulgação Científica
surge para colocar em evidência um discurso, que, como qualquer outro, existe para
divulgar conhecimentos específicos, podendo estar imbricados de interesses diversos,
uma vez que diz respeito a um discurso que passa por distintas transformações, tanto em
suas condições e modos de produção quanto em seus propósitos. Concordamos com
Cassany et al. (2000, p. 77, tradução nossa), ao destacar que assim “[c]omo qualquer
outra forma discursiva, a divulgação não é uma prática objetiva, neutra ou desvinculada
de pessoas e interesses: pelo contrário, é o resultado da negociação entre seus
interlocutores7”. Trata-se de um discurso que, além de transformações lexicais e
sintáticas, passa também por mudanças de ordem discursiva, que envolvem relações
entre enunciado, enunciador e enunciatário, na nomenclatura da Análise do Discurso da
Divulgação Científica (CALSAMIGLIA, 1997).
Há que se destacar que a recontextualização dos textos sobre ciência, originados
de textos produzidos por cientistas, ocorre não apenas no âmbito dos conteúdos – em
relação aos elementos referenciais e informativos –, mas também no que concerne aos
elementos emotivos da linguagem. Não ocorre simplesmente a transformação do
7 Como cualquier otra forma discursiva, la divulgación no es una práctica objetiva, neutra o desvinculada de personas e intereses; por el contrario, es el resultado de la negociación entre sus interlocutores.
7
discurso de uma esfera para outra. A transformação é imperativa, naturalmente, mas é
necessário observar que essa se concretiza efetivamente a partir de diversos interesses,
sejam políticos, econômicos, culturais, jurídicos etc. Afinal, “o discurso é um fenômeno
prático, social e cultural” 8 (VAN DIJK, 2000, p. 21, tradução nossa). Conforme
salientam Cassany et al. (2000, p. 74, tradução nossa), “nem a ciência se manifesta em
um único discurso uniforme, nem é uma entidade abstrata ou estática, desvinculada das
comunidades e seus usuários, sejam estes cientistas, técnicos ou cidadãos9”.
Nesse processo de comunicação, a aproximação entre o conhecimento científico
e técnico com o conhecimento social e cotidiano na mídia pode ser concretizada pelo
jornalista ou pelo próprio cientista que opta por difundir as descobertas para o grande
público. Logo, assim como o jornalista deve ser capaz de compreender, analisar e
explicar as inovações científicas para transmitir os conhecimentos necessários ao
público em geral, que terá sua vida direta ou indiretamente afetada por essas
descobertas, o cientista que decide se comunicar diretamente com o grande público
também deve saber transformar seu discurso para torná-lo acessível. Na Grã-Bretanha,
por exemplo, exige-se que os cientistas dialoguem diretamente com o público.
Cassany e Martí (1998, p. 58, tradução nossa) destacam que “a divulgação deve
poder explicar ao público leigo conceitos científicos que até o momento tinham sido
representados apenas com termos unívocos e técnicos, através de outros recursos
linguísticos que sejam conhecidos ou acessíveis ao público10”.
Dessa forma, a tarefa de divulgar a ciência e a tecnologia na mídia apresenta-se
como uma prática discursiva dinâmica e complexa, determinada por uma série de
recursos e procedimentos linguístico-discursivos. O fato de a divulgação ser a
representação de um discurso acerca de outro discurso revela a dinâmica cognitiva,
intertextual e social que caracteriza essa prática discursiva: o saber é representado em
textos e estes são sucessivamente reformulados segundo os circuitos de difusão de cada
conhecimento científico (CALSAMIGLIA, 1997; CATALDI, 2007).
Outro aspecto importante na transformação do discurso científico em divulgativo
é que esta ocorrerá em função de seu público, objetivando sempre atingi-lo, e do suporte
em que as informações serão veiculadas. Logo, “os jornalistas precisam fazer um
esforço maior para conhecer o público para o qual fazem suas reportagens. Eles não
8 El discurso es (...) un fenómeno práctico, social y cultural. 9 Ni la ciencia se manifiesta en un único discurso uniforme, ni es una entidad abstracta o estática, desvinculada de las comunidades y de los usuarios, sean estos científicos, técnicos o la ciudadanía. 10 La divulgación debe poder explicar al público lego conceptos científicos que hasta el momento solo han sido representados con términos unívocos y técnicos, a través de otros recursos lingüísticos que sean conocidos o accesibles al público.
8
podem pressupor que a audiência compartilha de sua formação, de seu conhecimento ou
da atenção que atribuem à notícia” (ROGERS, 2005, p. 71), haja vista que, no processo
de divulgação científica, a recontextualização de um assunto específico é direcionada
tanto ao leitor com conhecimentos básicos e gerais sobre ciência quanto para aquele que
necessita desses conhecimentos quase por completo. Conforme ressalta Calsamiglia
(1997), é preciso conhecer muito bem o público a que se dirige.
Além da necessária transformação do discurso, há também que se considerar que
a ciência não é estática. Logo, qualquer novidade científica pode ser contestada por um
estudo posterior, uma vez que:
A ciência muda, e rápido! Como querer dominá-la sem levar em conta plenamente suas mutações? Quando não se consideram sua amplitude e sua intensidade, corre-se o risco de ver fracassar qualquer tentativa de atenuar as deficiências da prática científica atual, de controlar seu impacto social, de reorientar seu curso, de repensar sua organização (LÉVY-LEBLOND, 2005, p. 41).
Nessa perspectiva, é importante que os veículos de comunicação atualizem
constantemente seu público leitor. Não raramente, os cidadãos comuns sentem-se
perdidos ao ler uma determinada reportagem que afirma, por exemplo, que o café pode
fazer mal à saúde e, pouco tempo depois, em outra reportagem do mesmo veículo,
conhecer os benefícios desse produto. Evidentemente, a divulgação dessas informações
pode estar associada a interesses econômicos e/ou políticos. No entanto, pode, de fato,
ser resultado de novas pesquisas.
Um dos grandes problemas desse processo de comunicação é que
as incertezas são apresentadas na mídia como se pudessem ser minimizadas e resolvidas em uma época na qual um número crescente de críticos argumenta que boa parte das incertezas, simplesmente em virtude da complexidade dos sistemas sociais, biológicos e físicos, pode ser irredutível e, na verdade, pode não ser passível de ser solucionada (HOLLY STOCKING, 2005, p. 167).
Por isso, é indispensável levarmos em conta que “[n]ão é o real que é
apresentado pela mídia, mas apenas a formação de uma representação do real, recortada,
constituída, produzida e divulgada à sociedade como o ‘fato real’” (PIMENTA e
SILVA, 201011). Naturalmente, essa representação do real, ainda que não altere
profundamente a informação científica em si, passa por um processo de transformação
11 Disponível em: www.observatoriodaimprensa.com.br. Acesso em: 29 jan. 2010.
9
discursiva que, de alguma maneira, pode modificar o que está sendo dito e,
consequentemente, a interpretação do público leitor em relação ao assunto reportado.
1.2 O processo de recontextualização como prática discursiva
Van Leeuwen (2008) discute algumas especificidades sobre o processo de
recontextualização; contudo, estende-o para as práticas discursivas em geral, não
restringindo-o ao domínio da ciência, foco de nossa investigação. Já no início de sua
apresentação sobre o assunto (ibid., 2008), o autor define discurso como prática social
recontextualizada, fato que permite concluir que todo discurso é recontextualizado, seja
de uma esfera para outra, de um suporte para outro. Considerando, como defende esse
autor, que os discursos são utilizados para representar práticas sociais nos textos,
poderíamos dizer que toda produção discursiva passa, pois, por um processo de
recontextualização.
Em relação à divulgação científica na mídia impressa, o processo de
recontextualização caracteriza-se por re-criar o conhecimento técnico e científico
(CALSAMIGLIA et al., 2001). Dessa forma, de acordo com Cataldi (2007), o
conhecimento científico está diretamente relacionado com a sua representação
discursiva, inserida e dependente de um contexto comunicativo concreto. Logo, a
divulgação da ciência pressupõe uma forma adequada às novas circunstâncias, ao novo
contexto, à reconstrução do mesmo conhecimento para um público diferente. De acordo
com essa concepção, a difusão da ciência é enfocada a partir de uma perspectiva
essencialmente discursiva ao considerar a estrutura, a organização e a reformulação
textual, as especificidades léxico-semânticas, as particularidades enunciativas e
retóricas, dentre outras, que evidenciam a dinâmica da recontextualização do discurso
científico em discurso divulgativo.
Divulgar ciência significa informar sobre um conhecimento específico a um
público amplo e diversificado de leitores, buscando fazer das questões científicas um
bem público. Essa é uma tarefa fundamental dos jornalistas científicos na sociedade
atual, já que “nem o fazer científico tem valor sem transcender à vida social, nem a
sociedade contemporânea suporta não ter informações sobre os avanços da ciência12”
(CALSAMIGLIA, 1997, p. 15, tradução nossa).
12 ni el quehacer científico tiene valor sin transceder a la vida social, ni la sociedad contemporánea soporta no tener información sobre los avances de la ciencia.
10
De acordo com Ciapuscio (1997), em todas as suas modalidades, a difusão da
ciência implica procedimentos de transformação, de reformulação da informação
científica. Ainda, segundo a autora, a origem dos textos divulgativos encontra-se em
textos produzidos pelos cientistas, o que garante que a produção desses textos se
constitui por uma ação reformulativa geral, tanto em relação ao conteúdo quanto aos
aspectos emotivos da linguagem. Corroborando essa tese, van Dijk (2000, p. 20,
tradução nossa) destaca que “as pessoas realizam ações de índole política ou social
quando utilizam textos ou falam13”.
A divulgação científica na mídia busca compartilhar socialmente os resultados
dos trabalhos científicos e, ao mesmo tempo, advogar em defesa ou contra uma
determinada descoberta não apenas por esta ser boa ou ruim para o cidadão, mas por se
tratar da representação de distintos interesses. O objetivo desse discurso deixa de ser
apenas informar, passando também a ser de persuadir. Logo, conforme ressalta
Ciapuscio (1997), em função do caráter sócio-econômico e político dos temas
científicos,
o propósito desses textos é duplo: por um lado, promover informação científica; por outro, persuadir acerca de sua importância e utilidade. Esse objetivo persuasivo vincula-se a um interesse que vem, nos últimos tempos, crescendo nos meios de comunicação: aumentar o interesse por temas relacionados à ciência14 (CIAPUSCIO, 1997, p. 22, tradução nossa).
Considerando esses propósitos comunicativos típicos dos textos de divulgação
científica, Cataldi (2007), corroborando a tese defendida por Calsamiglia (1997), bem
como por Cassany e Martí (1998), observa que:
a divulgação de informações de caráter científico na mídia impressa apresenta-se a partir de uma variedade de estratégias comunicativas que abarcam questões de seleção da informação, organização da mesma e reformulação discursiva, que permitem observar o tratamento dado pelo jornalista à informação científica que está sendo enfocada (CATALDI, 2007, p. 158).
Os jornais selecionados para serem analisados nesta pesquisa são de grande
abrangência regional e nacional, além de abarcarem um público geral, interessado em
novidades contemporâneas. Isso, entretanto, não implica o fato de esse público ser
13[l]as personas llevan a cabo acciones de índole política o social cuando utilizan textos o hablan. 14 El propósito de estos textos es doble: por un lado, proveer información científica; por el otro, persuadir acerca de su importáncia y utilidad. Este objetivo persuasivo se vincula con una vocación explícita de aumentar el interés por los temas científicos.
11
efetivamente formado por leitores aptos ao entendimento do texto fonte científico, o que
cria a necessidade de um veículo mediador para a aproximação de pelo menos duas
esferas: (i) a técnico-científica, dotada de vocabulário técnico, específico do âmbito
científico e (ii) as concepções sociais, culturais, políticas e econômicas típicas do
cotidiano. Dessa forma, é perfeitamente aceitável que esse tipo de informação passe por
uma reformulação, objetivando um discurso acessível voltado para a comunicação com
o público leitor, caracterizando o processo de recontextualização (CALSAMIGLIA et
al., 2001). Afinal, “ainda que o discurso divulgativo utilize informações procedentes do
discurso científico, o modo de elaboração desse novo discurso é específico, pois está
determinado por concepções próprias de produção e difusão” (CATALDI, 2008, p.
259).
Calsamiglia (1997) ressalta que a transmissão do saber tem dois canais
fundamentais: um é o institucional e outro é o dos meios de comunicação. O primeiro
ocorre nos estabelecimentos dedicados aos estudos primários, médios e superiores,
instituições como universidades e centros de investigação que pretendem consolidar as
bases para a transmissão do saber em nossa cultura. O segundo ocorre na mídia em
geral: revistas, jornais, televisão, rádio, internet. É de acesso bastante livre, não implica
uma avaliação e tende a estar mais ligado ao entorno e aos acontecimentos da
atualidade.
Segundo a autora (CALSAMIGLIA, 1997, p. 9, tradução nossa), “[o] primeiro
canal é o que conhecemos como o âmbito do ensino (o institucional). O segundo é o que
consideramos como o âmbito da divulgação no sentido específico15”.
Esses dois canais de comunicação apresentam diferenças fundamentais quanto
aos interesses nesse processo. Acreditamos que os jornalistas estão mais interessados
em despertar a atenção do público, utilizando, para isso, estratégias discursivas e
emotivas diversas, ao passo que o cientista está mais preocupado em abordar aspectos
menos sociais e mais técnicos, podendo, com essas diferenças, ocasionar alguns
problemas, tais como:
[D]ificuldades para explicar os problemas científicos, os métodos e as descobertas para o público leigo; desencontro entre o que os próprios cientistas consideram tópicos de comunicação importantes dentro de sua comunidade e aquilo em que o público leigo está interessado; uso de diferentes critérios de avaliação da relação custo-benefício da pesquisa científica (PETERS, 2005, p. 146).
15 El primer canal es lo que conocemos como el ámbito de la enseñanza. El segundo es el que consideramos como el ámbito de la divulgación en sentido específico.
12
A comunicação na mídia está mais voltada para os interesses do público em
geral, que, embora não deva ser considerado como passivo em relação aos
conhecimentos científicos, também nem sempre é visto como leitor crítico na pesquisa
que está sendo divulgada. Por essa razão, principalmente, “[o]s jornalistas estão
normalmente menos interessados nos detalhes técnicos de um problema e mais
preocupados com a análise e a solução de problemas práticos, de forma que não
respeitam os limites estabelecidos das disciplinas acadêmicas” (PETERS, 2005, p. 156).
Conforme salienta Calsamiglia (2000), há uma diferença na forma como é considerado
o objeto da ciência pelo cientista e pelo jornalista: enquanto para o primeiro o objeto
tem um valor imanente ao contexto científico e aos especialistas, para o segundo,
importam sua aplicação, utilidade e consequências na vida das pessoas, independente de
teorias e métodos.
Para Peters (2005), as diferenças mais importantes entre os especialistas e os
jornalistas são:
Os jornalistas atribuem maior peso a uma função crítica dos meios de comunicação de massa do que os especialistas; os jornalistas aceitam uma função de entretenimento da mídia com maior facilidade do que os especialistas; os especialistas têm um posicionamento mais paternalista em relação à audiência da mídia do que os jornalistas; os especialistas diferem em seu estilo preferido de reportagens (os especialistas têm menor compreensão das necessidades jornalísticas de atrair e fascinar os leitores, usando certos elementos estilísticos); os especialistas esperam que a mídia defenda seus objetivos, enquanto os jornalistas têm uma atitude indiferente em relação a eles; se estiverem defendendo seus objetivos, os especialistas querem que a mídia influencie o público mais do que os jornalistas estão preparados para fazê-lo; os especialistas e os jornalistas discordam sobre seus respectivos papeis e a extensão do controle que os dois lados exercem sobre o processo de comunicação; os jornalistas são mais tolerantes (ou até mesmo esperam), em comparação aos cientistas, em relação à possibilidade de fontes de informações especializadas violarem normas científicas estritas quando interagem com os meios de comunicação de massa (PETERS, 2005, p. 158).
Como já mencionado, apesar de esses dois canais, o institucional e o dos meios
de comunicação, estabelecerem relações interdependentes, por ora, este trabalho se
centrará no segundo canal, que está relacionado ao âmbito da divulgação científica na
mídia impressa.
Jornalistas responsáveis por esse tipo de informação têm como missão gerir
certas estratégias linguístico-discursivas para que as informações específicas do campo
científico atinjam um alocutário que, mesmo interessado nesse tipo de informação,
inscreve-se no quadro do público geral, nomeadamente, aquele que abrange inclusive os
13
leitores leigos. Sendo assim, algumas estratégias discursivas são amplamente exploradas
nos textos de divulgação científica, conforme será demonstrado com mais detalhes no
capítulo de análise e discussão dos dados.
Diante disso, acreditamos que os recursos linguístico-discursivos utilizados para
recontextualizar as informações científicas, visando alcançar o público não especialista,
são variados e possuem uma importância vital, já que a utilização dos procedimentos
mais apropriados e adequados determinará o ciclo comunicativo que permitirá o diálogo
entre ciência, tecnologia e sociedade (CATALDI, 2007). Portanto, a função do
jornalista científico é saber integrar os novos conhecimentos no processo de construção
cultural que ocorre no âmbito da vida cotidiana (CALSAMIGLIA, 1997).
Acrescentamos ainda que a função do jornalista científico não é apenas traduzir uma
informação para o público, mas também discutir ciência com esse público, inclusive as
questões político-econômicas e sociais que a envolvem.
1.2.1 Procedimentos discursivos e estratégias divulgativas
Conforme afirma Ciapuscio (1997), formular um texto significa um esforço de
tipo cognitivo e temporal, uma vez que, nesse processo, nos deparamos,
constantemente, com a necessidade de resolver problemas, com o objetivo de tornar o
texto mais inteligível e até atraente.
Na recontextualização do discurso científico para o divulgativo, Cataldi (2003),
Calsamiglia et al. (2001) e Ciapuscio (1997) ressaltam que os problemas globais e
locais para a formulação do novo texto se resolvem empregando três procedimentos
discursivos: expansão, redução e variação.
Em nosso corpus, o procedimento discursivo de expansão foi utilizado com
bastante frequência e, por essa razão, foi selecionado como categoria de análise para o
desenvolvimento desta pesquisa. Observamos, nos textos que configuram os dados de
análise deste trabalho, que o objetivo do jornalista foi expandir o conhecimento
científico tratado para torná-lo acessível ao leitor. E, embora o texto fonte não esteja
sendo analisado nesta investigação, os procedimentos de expansão podem ser
percebidos, sobretudo por seu conteúdo e pelas características linguístico-discursivas.
Com a expansão, em geral, utiliza-se uma linguagem menos técnica, podendo ser até
mesmo figurada, conforme será mostrado no capítulo de análise.
14
Em relação ao procedimento discursivo de redução, segundo Cataldi (2003,
2007), por falta de relevância, necessidade ou conveniência na versão divulgada, o
jornalista pode suprimir dada informação científica, implicando decisões em relação ao
que efetivamente é necessário transmitir ao leitor. Nesta pesquisa, optamos por não
considerá-la. Obviamente, a redução em relação ao processo científico ocorreu,
sobretudo pela transformação de um gênero acadêmico – onde inicialmente o assunto
científico havia sido tratado – em uma notícia, resultado da divulgação científica.
Contudo, considerando que o foco deste trabalho é analisar o texto meta, isto é, a
divulgação científica na mídia impressa, e não a sua fonte, acreditamos que a redução já
é um procedimento discursivo inerente ao texto de divulgação científica.
Quanto ao procedimento de variação, caracterizado a partir de estratégias
discursivas lexicais, semânticas, ou mesmo de registro – entre termos e conceitos
especializados e vocabulário corrente – ocorridas durante o processo de reformulação
do texto científico para o texto de divulgação, também não foi um procedimento
característico desta pesquisa. A recontextualização de termos científicos para o
vocabulário mais geral não ocorreu de forma significativa nos textos do corpus, já que
os termos técnicos utilizados foram mantidos na maioria das notícias analisadas. De
acordo com Cassany, López e Martí (2000), certos termos científicos são
imprescindíveis para divulgar determinados conhecimentos, portanto, são mantidos no
texto meta.
Assim, o procedimento discursivo de expansão, com suas estratégias
divulgativas características, é que será considerado como categoria principal para
análise dos textos selecionados nesta investigação.
1.2.1.1 Expansão
A expansão é um procedimento discursivo bastante utilizado na
recontextualização do discurso científico. Por meio deste, utilizam-se os conceitos
necessários para promover a efetiva participação do leitor na informação que lhe é
transmitida. Assim, oferece mais possibilidades para que o leitor leigo possa relacionar
o conhecimento científico com questões da sua realidade, facilitando-lhe o acesso a
informações mais especializadas. Segundo Martínez (1997, apud CATALDI, 2007), o
autor:
15
[s]ubstitui um termo por outro semanticamente equivalente, explicita alguns conhecimentos compartilhados pelos participantes e introduz informação nova que de maneira implícita já havia sido anunciada no discurso, mantendo, assim, a continuidade e a progressão discursiva (MARTÍNEZ, 1997, apud CATALDI, 2007, p. 161).
A utilização desse procedimento, muitas vezes, permite inferir que o assunto
tratado nos textos de divulgação científica não é apenas informativo, uma vez que
permite ao autor até mesmo explicitar uma opinião.
Para Ciapuscio (1997, p. 24, tradução nossa), a “expansão designa o
procedimento pelo qual, para alcançar objetivos específicos da divulgação científica,
incluem-se no texto reformulado elementos de conteúdo ou emotivos que não estão
presentes na fonte16”.
Esse mesmo procedimento é denominado por Cassany et al. (2000) de inclusão.
Os autores (ibid, 2000, p. 85) denominam como inclusão quando “a rede conceitual de
conhecimento científico estabelece vínculos com núcleos e campos do saber externos à
disciplina especializada em que se estabelece a rede conceitual original17”.
Em relação a esses saberes externos, Cataldi (2009, p. 49) adverte que esses são
apresentados a partir de uma “variedade de estratégias que compreendem um vasto
espectro, que vai desde a definição por um lado, até a metáfora por outro, passando pela
aposição explicativa, a paráfrase, a denominação, a exemplificação, a comparação etc”.
Em nosso corpus de pesquisa, várias dessas estratégias divulgativas foram
identificadas e serão discutidas no capítulo de análise.
Van Leeuwen (2008), corroborando a teoria referente a esse procedimento,
define a Addition (adição ou expansão) como um recurso característico da
recontextualização, já que elementos podem ser adicionados à prática social
recontextualizada. Para esse processo, o autor elenca algumas estratégias utilizadas, a
saber:
(i) repetição: o mesmo elemento pode aparecer várias vezes no texto para que
novas características semânticas sejam adicionadas, objetivando a construção gradual de
um conceito mais multifacetado;
(ii) reação: quando as reações dos participantes da prática social são
acrescentadas ao texto recontextualizado;
16 Expansión designa el procedimiento por el cual, para alcanzar objetivos específicos de la divulgación científica, se incluyen en el texto reformulado elementos de contenido o emotivos que no están presentes en la fuente. 17 la red conceptual de conocimiento científico establece vínculos con nudos y campos del saber externos a la disciplina especializada en la que se estableció la red conceptual original.
16
(iii) finalidade: finalidade de uma mesma prática social pode ser construída de
forma diferente quando recontextualizada;
(iv) legitimidade: além de destacar a finalidade, os textos recontextualizados
podem adicionar um porquê, buscando legitimar ou deslegitimar determinados
significados de uma prática social;
(v) avaliação: finalmente, as recontextualizações podem adicionar elementos de
avaliações para as práticas sociais, sem necessariamente, legitimá-las ou não.
Como podemos perceber, a expansão é um procedimento discursivo bastante
comum em nossas práticas linguísticas, sejam elas mais específicas de uma área, como
na divulgação da ciência, ou em âmbitos mais gerais. Afinal, para sermos
compreendidos e para compreendermos as práticas que nos rodeiam, muitas vezes, é
necessário que adicionemos mais informações com o objetivo de inserir nossos
alocutários em nossos eventos comunicativos.
1.3 Multimodalidade
Sabemos que diversos textos, sejam matérias publicadas em jornais ou revistas,
publicidades em geral, charges, livros didáticos, entre outros, exploram aspectos tanto
escritos, da linguagem verbal, quanto imagéticos, da linguagem não verbal, sendo, pois,
exemplos de multimodalidade. Esses textos multimodais têm sido utilizados com
frequência nas interações sociais e, por isso, estudos na área vêm ganhando destaque.
Em relação aos textos de divulgação científica, acreditamos que a utilização de
imagens pode auxiliar para explicar com mais clareza determinados conhecimentos ou
mesmo representar e reproduzir crenças e valores. Conforme ressalta Martins et al.
(2005),
[a]s imagens são importantes recursos para a comunicação de idéias científicas. No entanto, além da indiscutível importância como recursos para a visualização, contribuindo para a inteligibilidade de diversos textos científicos, as imagens também desempenham um papel fundamental na constituição das idéias científicas e na sua conceitualização (MARTINS et al., 2005, p. 38).
17
Ademais, como exposto no Informe Quiral18 (1999), quando um tema científico
chega a uma infografia, isto é, quando passa a ser comentado por meio de uma imagem,
é a maior prova de que o tema já forma parte do conhecimento popular.
Considerando essas questões, adotaremos o referencial teórico-metodológico de
Kress e van Leeuwen (2006) para tratarmos dos textos não verbais. Antes, porém, faz-se
necessária uma introdução teórica sobre esses estudos.
A perspectiva utilizada por Kress e van Leeuwen é a da Semiótica Social, que,
além de fornecer as ferramentas necessárias para análise de imagens, trata também da
conjunção entre texto verbal e visual, ocorrência bastante comum nos textos de
divulgação científica que compreendem o corpus desta pesquisa.
Para a Semiótica Social, um aspecto fundamental é que seu objeto é o signo
linguístico, considerado como motivado e não arbitrário, conforme preconizam alguns
semioticistas. Sendo assim, na perspectiva discursiva, o signo é motivado socialmente e
não estabelecido de modo arbitrário, no qual o sujeito é o produtor, inserido em um
contexto, em uma cultura.
Em relação à multimodalidade, Kress e van Leeuwen (2001) a definem como o
uso de muitos modos semióticos no design de um produto ou evento semiótico, junto
com a maneira particular que esses modos são combinados.
Descardesi (2002) destaca que:
(q)ualquer que seja o texto escrito, ele é multi-modal, isto é, composto por mais de um modo de representação. Em uma página, além do código escrito, outras formas de representação como a diagramação da página (layout), a cor e a qualidade do papel, o formato e a cor (ou cores) das letras, a formatação do parágrafo, etc. interferem na mensagem a ser comunicada. Decorre desse postulado teórico que nenhum sinal ou código pode ser entendido ou estudado com sucesso em isolamento, uma vez que se complementam na composição da mensagem (DESCARDESI, 2002, p. 20).
Considerando essa perspectiva, partimos do pressuposto de que os textos de
divulgação científica devem ser caracterizados como multimodais e, por isso,
objetivamos estudá-los em toda a sua estrutura, isto é, considerando a conjugação entre
os modos semióticos utilizados, sejam verbais ou não-verbais.
Antes de discutirmos esses conceitos com mais profundidade, é preciso entender
que os textos de divulgação científica, seja uma notícia, um artigo, uma entrevista,
18 O Informe Quiral é uma publicação conjunta entre a Fundação Privada Vila Casas e o Observatório da Comunicação Científica e Médica da Universidade Pompeu Fabra com periodicidade anual. O objetivo desse Informe é analisar o papel da imprensa espanhola no campo da medicina e da saúde a partir da seleção de textos de cinco jornais de maior difusão na Espanha (CATALDI, 2007).
18
dentre outros, compreendem práticas sociais que representam a fusão de diferentes
domínios discursivos, isto é, o discurso de cunho científico, o jornalístico e o cotidiano.
Concordando com Kress et al. (1997, apud BALOCCO, 2007, p. 65) que “a
linguagem sozinha não é mais suficiente como foco de atenção para aqueles
interessados na construção e reconstrução social do significado”, acreditamos que a
análise de textos de divulgação científica precisa ir além do estudo de seus recursos
verbais.
Kress e van Leeuwen (2006) defendem que a comunicação visual é sempre
codificada, quer sejam fotografias, desenhos, pinturas ou outros tipos de imagens. No
entanto, esse tipo de comunicação pode não ser interpretado como tal, pois a
consciência da estruturação de imagens, em nossa sociedade, é reprimida e não faz parte
do senso comum.
Sendo assim, a escolha dessa teoria para este estudo se justifica pelo fato de
também acreditarmos que as imagens devem ser vistas como forma de representação e
comunicação, e não apenas como ilustração. No texto de divulgação científica, objeto
de estudo desta investigação, “[as] imagens podem ser uma maneira eficaz de ajudar o
público a compreender assuntos complexos” (ROGERS, 2005, p. 69). A linguagem
visual pode ainda, em alguns casos, ser uma alternativa à escrita. Obviamente, não
defendemos que uma substituiria a outra. Afinal, “nem tudo que é realizado pela
linguagem pode ser realizado pelas imagens ou vice-versa19” (KRESS e VAN
LEEUWEN, 2006, p. 19, tradução nossa), pois cada uma tem as suas possibilidades e
limitações.
Em nosso estudo, acreditamos que a utilização da Gramática do Design Visual
como aporte teórico-metodológico poderá ampliar os significados que serão analisados
sob a ótica da Análise do Discurso da Divulgação Científica pelo fato de, através de
imagens, ser possível demonstrar algumas representações ou mesmo mensagens que a
linguagem verbal poderia não concretizar. Acreditamos, pois, que a linguagem visual
pode também reproduzir discursos diversos, complementares ou não ao texto verbal,
que, assim como na linguagem verbal, poderiam estar implícitos. Portanto, merecem
atenção especial, já que fornecem base para que os discursos, inclusive os naturalizados
pela sociedade, possam ser olhados criticamente.
19 Not everything that can be realized in language can also be realized by means of images, or vice versa.
19
1.3.1 A Gramática do Design Visual e suas ferramentas descritivas
A proposta de uma gramática visual, de Kress e van Leeuwen (2006), que
objetiva descrever como pessoas, lugares e coisas combinam ‘sentenças’ visuais de
maior ou menor complexidade, tem sido amplamente adotada para análise de textos
multimodais, isto é, textos que combinam diferentes códigos semióticos.
Por considerarem que modos semióticos visuais, assim como os verbais, são
também construtos sociais e históricos, que servem a propósitos comunicacionais e
representacionais, Kress e van Leeuwen (2006), inspirados na Semiótica Social,
adaptam as metafunções de Halliday (1985, 1994, 2004) para desenvolver a Gramática
do Design Visual (GDV), uma estrutura descritiva para a análise de imagens e
composições visuais. Segundo os autores, conforme descrito no capítulo 1 da GDV, o
modelo sistêmico-funcional proposto por Halliday, com suas três funções (ideacional,
interpessoal e textual), é um ponto de partida para o estudo de imagens, pois é um
modelo que funciona satisfatoriamente como uma fonte para pensar em todos os modos
de representação. Por isso, relacionam as noções teóricas de Halliday com a análise de
imagens. A GDV, como na sistêmico-funcional, em sua análise, considera o contexto de
uso da língua. Fundamentam-se na premissa de que é sistêmico porque as escolhas
gramaticais são motivadas; e funcional porque considera a implicação dessas escolhas
em uma análise. Para Halliday (1985), o conceito de gramática vai além das concepções
estruturais tradicionais. O autor defende que:
Gramática vai além de regras formais de correção. Ela é um meio de representar padrões de experiência. Ela possibilita aos seres humanos construir uma imagem mental da realidade, a fim de dar sentido às experiências que acontecem ao seu redor e dentro deles20 (HALLIDAY, 1985, p. 101, tradução nossa).
Com isso, podemos perceber que a sistêmico-funcional observa as diferentes
funções sociais que a língua exerce, considerando que os indivíduos realizam e
constroem significados através dessas funções e relações disponíveis nos sistemas. Da
mesma forma, uma imagem pode representar não apenas o mundo, na forma abstrata ou
concreta, mas também interagir com esse mundo, independente de um texto escrito que
a acompanhe.
20 Grammar goes beyond formal rules of correctness. It is a means of representing patterns of experience. It enables human beings to build a mental picture of reality, to make sense of their experience of what goes on around them and inside them.
20
A perspectiva adotada por Kress e van Leeuwen (2006), da Semiótica Social,
considera dois níveis importantes: a representação e a comunicação. A representação, de
acordo com Kress e van Leeuwen (2006), é um processo no qual o produtor de um
signo, seja adulto ou criança, tenta fazer a representação de algum objeto ou entidade,
seja ele físico ou semiótico, no qual o seu interesse naquele objeto para fazer a
representação é complexo, estando conectado à história cultural, social e psicológica do
produtor e focalizado pelo contexto específico em que esse signo foi produzido. O
processo de representação nunca pode ser considerado como o objeto em si, mas como
um aspecto do que é representado.
Já a comunicação (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006) é o processo no qual um
produto ou evento semiótico é, ao mesmo tempo, articulado ou produzido e interpretado
ou usado. Assim, é necessário que o interpretante tenha conhecimento semiótico para
entender uma mensagem. A comunicação não acontece somente no pólo do produtor,
mas também depende do interpretante. Podemos afirmar, então, que a estrutura social
está inevitavelmente presente na comunicação.
Vale ressaltar, como advertem os autores, que a GDV é uma gramática
culturalmente específica, não universal. Logo, é uma metodologia de análise voltada
para a cultura ocidental, podendo, obviamente, apresentar diferenças até mesmo no
ocidente. Afinal, cada cultura difere de acordo com o seu povo.
Considerando esses aspectos fundamentais em um estudo do significado que
leva em conta o sentido dentro da vida social, a estrutura básica da GDV corresponde a
três aspectos concomitantes de significação, a saber: os significados representacional,
interacional e composicional. Cada um desses significados foram pensados a partir dos
conceitos hallidayanos; contudo, considerando que cada um desses meios semióticos –
o verbal e o visual – possui estrutura e regras próprias, os termos utilizados para análise
nem sempre serão os mesmos.
1.3.1.1 Significados Representacionais
Kress e van Leeuwen (2006) advogam que há estruturas visuais que possibilitam
a construção das experiências dos indivíduos no mundo, dentro do que chamam de
significado representacional, uma extensão da metafunção ideacional de Halliday
(1985, 1994, 2004), que tem a função de representar o mundo, suas ações, estados,
abstrações e consciência. Assim, consideram a experiência humana retratada e o
21
contexto de uso da mesma, podendo ser dividido em dois processos básicos: os
narrativos e os conceituais. Essa função representacional de uma imagem pode ser
percebida a partir de seus participantes representados, que podem ser pessoas, objetos
ou lugares. Segundo os autores, assim como na linguagem a sintaxe está relacionada à
ordem sequencial dos elementos de uma oração, nas imagens, a sintaxe depende da
ordem espacial em que os elementos representados estão organizados. Nesse aspecto, os
participantes representados podem engajar em ações e eventos, constituindo, pois, as
representações ou processos narrativos, ou podem também ser representados como
sendo algo, significando alguma coisa, fazendo parte de uma categoria ou apresentando
certas características, como ocorre nas representações conceituais.
Passemos agora a uma exposição sobre cada uma dessas representações.
1.3.1.1.1 Representações Narrativas
Para os processos narrativos ou representações narrativas, temos a realização
de uma ação dos participantes representados, como nos processos materiais da
linguagem verbal. Então, a imagem narrativa representa uma ação em andamento,
realizada por meio de vetores, que são linhas, imaginárias ou não, formadas entre os
participantes. Dessa forma, assim como na linguagem verbal a narração de uma ação é
realizada pelos verbos e o participante pelo grupo nominal, nas imagens, a ação é
realizada pelos vetores e os participantes podem ser representados por objetos ou
pessoas. A figura abaixo ilustra esse processo:
Figura 1: Processo/ Participante
Os processos propostos por Halliday (1985) nem sempre correspondem aos
processos definidos para o estudo das imagens, proposto por Kress e van Leeuwen
(2006), uma vez que linguagem e imagem realizam significados de maneiras diferentes.
Enquanto os processos na sistêmico-funcional se dividem em material, reacional,
mental, comportamenal, existencial e verbal, na GDV, os processos são: Processo de
ação não-transacional, transacional unidirecional e bidirecional, Reacional não-
22
transacional e transacional, Mental, Verbal e de Conversão, como descreveremos a
seguir.
O processo de ação trata do que está sendo realizado no mundo externo material,
algo que estaria relacionado, na linguagem, aos verbos “fazer” e “acontecer”, por
exemplo. Com isso, denomina-se como Ator aquele que realiza a ação e como Meta
aquele que recebe a ação. O processo que explicita a ação desses participantes estaria
representado por setas, que podem ser estabelecidas pelo olhar, pelo movimento do
corpo, por algum objeto ou podem também ser imaginárias. Vejamos abaixo o que
define cada um desses processos:
1) De ação transacional: quando ocorre a presença de dois participantes, sendo um
o ator e o outro a meta, podendo o ator estar implícito;
2) De ação não-transacional: quando há a presença de apenas um participante, o
ator, e a meta está fora da imagem;
3) De ação bidirecional: quando os representantes são ator e meta
simultaneamente, com vetores partindo em direção contrária.
O outro processo que também pode ser realizado por vetores é o de reação, que
se realiza por meio do vetor “formado por uma linha de olhar, pela direção do olhar fixo
de um ou mais participantes21” (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006, p. 67, tradução
nossa). Assim, mais do que participar de uma ação, o participante é visto como reagindo
ao que olha, passando a ser o reator, aquele que reage ao que vê, “participante que faz a
ação de ver, e deve ser necessariamente humano ou animal quase humano – uma
criatura com olhos visíveis e capazes de demonstrar expressões faciais22” (KRESS e
VAN LEEUWEN, 2006, p. 67, tradução nossa). Já o Fenômeno, que nem sempre está
explícito, pode ser formado por outro participante para quem o Reator olha. O processo
reacional também pode ser dividido em transacional ou não-transacional, a saber:
4) De reação transacional: a linha do olhar do participante que reage está voltada
para uma ação acontecida anteriormente, para o fenômeno. Apresenta apenas um
participante, o reator.
5) De reação não-transacional: a linha do olhar do participante que reage está para
um fenômeno fora da imagem, para algo indefinido. Apresenta dois
participantes, o reator e o fenômeno.
Além dos processos citados, temos ainda os processos verbais, mentais e de
conversão:
21 is formed by an eyeline, by the direction of the glance o fone or more of the represented participants. 22 participant Who does the looking, must necessarily be human, or human-like animal – a creature with visible eyes that have distinct pupils, and capable of facial expression.
23
6) Processos mentais e verbais: compreendem os processos nos quais um
pensamento ou uma fala são atribuídos ao participante representado. Para
representar essas ações e vinculá-las a um participante, são utilizados balões
contendo fala ou pensamento, como ocorre em histórias em quadrinhos, por
exemplo. O conteúdo desses balões pode ser verbal ou mental. No processo
verbal, temos um balão de diálogo, enquanto, no mental, temos um balão de
pensamento. Assim, aquele que representa o falante, ou o pensador, é conhecido
como dizente, enquanto o conteúdo da fala ou do pensamento é o enunciado.
Seus participantes, em geral, são seres ou objetos humanizados.
7) Processos de conversão: a comunicação é apresentada em um ciclo no qual o
participante, retransmissor, é ator em relação a um participante e meta em
relação ao outro, formando estruturas cíclicas, como em diagramas. São imagens
mais utilizadas para representar fenômenos naturais ou processos naturalizados.
8) Processos de simbolismo geométrico: que não incluem participantes e que o
vetor aponta para algo fora da imagem, representando processos abstratos,
centrados no modo de dizer.
9) Ainda quanto aos processos narrativos, os autores salientam a questão das
circunstâncias, isto é, características de acordo com o ambiente em que o
participante está alocado. Nesses casos, temos: i) circunstâncias locativas, que
estão relacionadas ao cenário, tais como a utilização de primeiro plano e fundo,
intensidade e contraste de cores, nível de detalhamento, sobreposição de
elementos, indicando a posição de outros participantes, que, como em outros
processos, não precisam ser necessariamente humanos; ii) circunstâncias de
meio, que correspondem aos instrumentos usados na ação. Em geral, é desses
instrumentos que parte o vetor; iii) circunstâncias de acompanhamento, que,
nesse caso, um participante é apenas acompanhado de outros, sem que haja ação
entre eles; portanto, não há presença de vetores entre eles.
1.3.1.1.2 Processos Conceituais
Vimos que as representações narrativas tratam de ações desenvolvidas
visualmente, envolvendo participantes, circunstâncias e eventos. Contudo, outra
maneira de representar visualmente, segundo Kress e van Leeuwen (2006), é por meio
24
das representações conceituais, que não objetivam mostrar os participantes executando
ações, mas buscam exibir o que está relacionado à sua essência.
Os processos conceituais – assim como os processos relacional,
comportamental, existencial e verbal na linguagem verbal – exibem os participantes de
forma generalista, relativamente estável e atemporal, buscando representá-los em
termos de classe, estrutura e/ou significado. Sendo assim, a presença de vetores não é
percebida, já que não há a execução de ações. Dessa maneira, o participante
representado é mostrado como estático, podendo estar representado em três processos, a
saber:
1) Processo Conceitual Classificacional: em que os participantes representados
pertencem a uma mesma categoria ou a um mesmo tema, buscando estabelecer
uma simetria entre os participantes no espaço visual. Sendo assim, não
apresentam vetores, são representados em termos taxonômicos, e “pelo menos
um dos participantes atuam como Subordinados em relação a pelo menos um
outro participante, o Superordinado23” (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006, p.
79, tradução nossa) e se relacionam por meio de subordinação ou
superordenação, podendo ocorrer por: i) classificação velada, quando apenas os
subordinados são mostrados e o superordinado pode ser apenas inferido a partir
das similaridades dos subordinados; ii) classificação mostrada nível único,
quando o superordinado é apresentado hierarquicamente em relação aos
participantes subordinados; iii) classificação mostrada múltiplos níveis, quando,
além de o superordinado ser apresentado hierarquicamente em relação aos
subordinados, haver também outros níveis e outros graus de hierarquia.
2) Processo Conceitual Analítico: no qual temos a presença de um ou mais
participantes, os portadores, que se relacionam com os seus atributos possuídos.
Nesses casos, embora não ocorra ação e interação entre os participantes
representados, eles se relacionam através de “uma estrutura que relaciona a
parte e o todo24” (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006, p. 87, tradução nossa).
Nesse processo, um dos participantes é chamado de Carrier ou Portador e suas
partes de Possessive Attributes ou Atributos Possuídos. O objetivo desse tipo de
imagem é identificar o participante, mostrando minuciosamente as suas partes,
numa relação parte-todo. Porém, por ser diretamente produzida para o leitor,
permite uma interação entre este e o participante representado, pois possibilita
23 at least one set of participants Will play the role of Subordinates with respect to at least one other participant, the Superordinate. 24 Analytical processes relate participants in terms of a part–whole structure.
25
que os atributos possuídos pelo portador sejam observados minuciosamente
pelo observador. De acordo com Kress e van Leeuwen (2006), essas imagens
tem um papel mais interacional do que representacional. Os autores afirmam
que o “sistema interacional relativo ao olhar é o dominante: pois o participante
representado tem seu olhar dirigido para o observador diretamente,
estabelecendo assim uma relação imaginária com ele25” (KRESS e VAN
LEEUWEN, 2006, p. 89, tradução nossa).
Por não executarem ações, não há a presença de vetores. Diferem do
processo classificacional pelo fato de não apresentarem uma “simetria em sua
composição e/ou uma estrutura de árvore26” (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006,
p. 89, tradução nossa). São divididos em: i) não estruturado, quando são
mostradas apenas as partes, os atributos; ii) temporal, quando sugere uma
narração, embora não haja vetores; iii) analítico exaustivo e inclusivo, quando
representa exaustivamente ou mostra apenas alguns atributos; iv) estrutura
exaustiva conjoined e compounded27, sendo que, na primeira, os atributos,
mesmo separados, são conectados por uma linha e, na segunda, os atributos
estão juntos, mas também retratados com partes separadas; v) topográfico e
topológico, em que a primeira representa o espaço físico com precisão e a
segunda representa a relação lógica entre os participantes; vi) topografia
dimensional e quantitativa, em que os participantes que representam espaço e
quantidade formam a escala de representação; vii) espaço temporal: mais
comuns nos gráficos de linha contínua, possui portador, atributos, ator e ação.
3) Processo Conceitual Simbólico: representa o significado ou a identidade do
participante principal. São separados em processos conceituais Atributivo e
Sugestivo. Na primeira conceituação, o participante representado é portador,
enquanto o que representa o significado é o atributo simbólico. Esse atributo
pode ser salientado em uma imagem por seu tamanho exagerado em relação ao
restante dos componentes, pelo nível de detalhamento, seja pela cor,
luminosidade ou foco. Já o processo conceitual Sugestivo apresenta um portador
numa particularidade mais genérica. Assim, a atribuição de significados é dada
por meio do ambiente em que esse é constituído, através da combinação de
cores, tons e luminosidades. 25 The interactional system of the gaze dominates: the gaze of represented participants directly addresses the viewers and so establishes an imaginary relation with them. 26 symmetry and/or a tree structure. 27 Neste trabalho, utilizaremos essa nomenclatura em inglês, haja vista ainda não dispormos de uma tradução em língua portuguesa que seja adotado com mais frequência nessa área de estudos.
26
1.3.1.3 Significados Interacionais
Já o significado interacional, correspondente à metafunção interpessoal
hallidayana, trata das interações estabelecidas entre os participantes representados
(PRs) e os participantes interativos (PIs), ressaltando as estratégias de aproximação e
afastamento entre os participantes, isto é, as estratégias que caracterizam a interação e
as modalizações existentes. É, pois, uma função que vai além dos objetivos das
representações narrativas e conceituais, que buscam retratar os participantes e as
relações que estabelecem entre si.
Sendo assim, as imagens estabelecem uma interação entre produtor e
observador, os participantes interativos, para com os participantes representados,
sugerindo qual atitude esses últimos devem ter em relação ao que é representado.
Vale pontuar que os autores consideram como participante interativo (PI) aquele
que produz ou observa a imagem, e como participante representado (PR) aquele que é
mostrado em uma imagem. Diante disso, esses participantes devem ser humanos ou
apresentarem características humanas.
Considerando que nem sempre é possível estabelecer uma relação face a face
entre produtor e observador, é preciso ressaltar que a relação mediada por imagens é
representada e imaginária. Logicamente, nem sempre aquilo que o produtor espera que
seja visto e interpretado em uma imagem coincide com o que o observador vê. Há, pois,
“uma disjunção entre o contexto de produção e o contexto de recepção, pois o produtor
não está fisicamente presente e o observador está sozinho com a imagem, não podendo,
então, estabelecerem uma troca mútua28” (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006, p. 114,
tradução nossa). Contudo, é evidente que as imagens “representam interações e relações
sociais29” (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006, p. 116, tradução nossa).
Kress e van Leeuwen (2006) propõem que essas interações ocorrem em quatro
dimensões: i) o olhar, que pode ser de oferta ou demanda; ii) a distância social ou
enquadramento, que se divide em social, pessoal e íntima; iii) a atitude ou perspectiva,
que pode ser de subjetividade ou objetividade, revelando as relações de poder; e a
modalidade, que pode ser considerada baixa ou alta dependendo dos critérios que são
utilizados para denotar seu valor de verdade.
Em relação ao olhar, segundo Kress e van Leeuwen (2006), há uma imagem de
ação, o olhar de demanda, quando o PR olha diretamente para o PI. Assim, é possível 28 a disjunction between the context of production and the context of reception, the producer is not physically present, and the viewer is alone with the image and cannot reciprocate. 29 images represent social interactions and social relations.
27
perceber a presença de “vetores formados pelas linhas de olhares, conectando o
participante representado com o observador30” (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006, p.
117). Além disso, pode haver, também, algum gesto de participante representado para
o interativo, reforçando essa conexão. Dessa forma, o produtor, além de propiciar um
contato direto entre os participantes, também usa a imagem para atingir, de alguma
forma, o seu destinatário, para demandar algo de seu participante interativo, seja
exprimir uma reação ou mesmo executar uma ação. E, para isso, o texto verbal não é
necessário, pois a comunicação pode ser realizada visualmente. É válido salientar que os
significados depreendidos de uma imagem nem sempre serão os mesmos, pois a
interpretação depende do observador.
Já quando o participante representado não olha diretamente para o participante
interativo, não estabelecendo um vínculo direto com este, temos uma oferta, em que o
expectador é sujeito e o participante representado está ofertando algo a ele. Assim, o
participante interativo é convidado a olhar, enquanto o representado é o objeto desse
olhar, não estabelecendo, com isso, um contato direto entre os participantes. Nesse caso,
a função do participante interativo, como descrevem os autores, é de um observador
invisível e o participante representado é uma oferta, um objeto de contemplação,
“como se estivesse numa vitrine ou prateleira31” (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006, p.
119) para serem exibidos. Logo, a atenção do observador não é “demandada”, e ele
pode olhar a imagem como preferir, reparando nos detalhes ou não, por exemplo.
Quanto à distância, a segunda dimensão dos significados interativos, os autores
supracitados defendem que a escolha do tamanho da estrutura e da distância, isto é, o
tamanho do enquadre que é dado a uma imagem, é análoga à conversação face a face.
Afinal, “nas interações diárias, as relações sociais são determinadas pela distância que
as pessoas mantêm entre si32” (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006, p. 124).
Retomando os estudos de Hall (1966), no tocante às relações pessoais e sociais
dependendo da distância física que as pessoas envolvidas mantêm entre si, os autores
sugerem que se as pessoas estão próximas o bastante para se tocarem fisicamente, a
relação estabelecida é pessoal e íntima. Por outro lado, quanto mais distantes
fisicamente, também mais distantes socialmente elas estão.
Assim, muita proximidade sugere intimidade; média distância sugere respeito e
distância socialmente aceita; muita distância sugere impessoalidade. Resumindo: i)
30 vectors, formed by participants’ eyelines, connect the participants with the viewer. 31 as though they were specimens in a display case (…) we keep from one another. 32 In everyday interaction, social relations determine the distance (literally and figuratively)
28
pouca distância = linguagem íntima; ii) média distância = linguagem social; iii) muita
distância = linguagem pública.
A distância entre o participante representado e o interativo é feita através de
close ups e também através do distanciamento em que as fotos são tiradas. Logo,
mostrar um participante de perto ou de longe revela uma escolha em sugerir diferentes
relações entre participantes. Uma fotografia que mostre apenas a cabeça e os ombros do
participante representado, por exemplo, sugere uma relação de intimidade, já que, com
o campo de visão do observador estando tão próximo, sugere-se que haja, de fato, uma
aproximação entre os participantes. Como afirmam os autores:
[a] relação entre o participante humano representado na imagem e o observador é novamente uma relação imaginária. As pessoas são retratadas como se fossem amigas, ou como se fossem estranhas. As imagens nos possibilitam a aproximação imaginária com figuras públicas como se fossem nossos amigos e vizinhos – ou como estranhos33 (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006, p. 126, tradução nossa).
Quanto à distância, é válido lembrar que os participantes não precisam ser
humanos ou humanizados, como na dimensão do olhar. Nesse aspecto, o participante
pode também ser um objeto ou mesmo uma paisagem.
No que tange à perspectiva ou atitude em que uma imagem é mostrada, terceira
dimensão da função interativa, podemos dizer que se refere à atitude do observador para
com o participante representado. Kress e van Leeuwen (2006) defendem que, na
elaboração de uma imagem, além da escolha do olhar e do tamanho do enquadre, temos
também “a seleção do ângulo, ou seja, do ponto de vista, e isso implica na possibilidade
de expressar subjetivamente atitudes em relação ao participante representado, seja ele
humano ou não34” (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006, p. 129).
Os autores postulam que as imagens podem ser subjetivas, quando permitem que
sejam vistas sob um único ponto de vista, ou objetivas, quando exibem detalhadamente
tudo que se pode ver de um participante representado. Assim, é como se, na imagem
subjetiva, o único ângulo em que o observador pode olhar uma imagem seja o mesmo
que o fotógrafo selecionou para capturar tal imagem. Já a imagem objetiva permite
múltiplos olhares; o observador seleciona qual ângulo quer olhar essa imagem.
33 The relation between the human participants represented in images and the viewer is once again an imaginary relation. People are portrayed as though they are friends, or as though they are strangers. Images allow us to imaginarily come as close to public figures as if they were our friends and neighbours – or to look at people like ourselves as strangers, ‘others’. 34 the selection of an angle, a ‘point of view’, and this implies the possibility of expressing subjective attitudes towards represented participants, human or otherwise.
29
Outro fator essencial ao se analisar o envolvimento e o distanciamento entre os
participantes é o ângulo em que estão sendo apresentados. Assim, temos: i) ângulo
frontal, quando o participante representado está de frente para o participante interativo,
sugerindo envolvimento; ii) ângulo oblíquo, quando o participante representado está
posicionado numa forma mais lateral, sugerindo distanciamento; iii) ângulo vertical, em
que o participante é visto do alto ou de baixo, sugerindo relação de poder.
Figura 2 – Relação de ângulo horizontal, baseada em Kress e van Leeuwen (2006).
Figura 3 – Relação de ângulo vertical, baseada em Kress e van Leeuwen (2006).
Nessa relação de ângulo vertical, se o ângulo for estabelecido na linha dos olhos,
sugere uma noção de igualdade e envolvimento entre os participantes; já um ângulo
superior sugere mais poder ao observador, enquanto um ângulo inferior denota mais
poder ao participante representado.
Na relação interpessoal, há que se considerar também a modalidade,
correspondente ao valor de verdade ou credibilidade, que envolve os critérios
relacionados à cor, à contextualização, à representação, à profundidade, à iluminação e
ao brilho.
30
Em relação à cor, é preciso considerar: i) saturação: variação entre uma escala de
saturação completa até a ausência de cores, correspondente ao preto e branco; ii)
diferenciação de cor: variação entre uma escala de uma série de cores ao
monocromático; iii) modulação: escala que compreende a variação de tons de uma
mesma cor à escala de um tom específico.
Nesse aspecto, uma imagem considerada de baixa modalidade estaria fugindo,
em parte, da realidade. Há que se destacar que não existe uma predefinição do que seja
alta ou baixa modalidade. Na verdade, quanto mais próxima da realidade, e isso
depende do contexto, mais alta a sua modalidade.
No que diz respeito à contextualização, é observada a presença ou não de
background. Com isso, a análise visa observar se este é completo, articulado ou
detalhado. Quanto à profundidade, observa-se a perspectiva de profundidade, podendo
ser máxima ou mínima. À iluminação, analisa-se o jogo de luz e sombra utilizado ou a
ausência de luz. Em relação ao brilho, busca-se observar se houve ou não variações de
brilho para uma mesma cor.
A partir dessas questões, Kress e van Leeuwen (2006) elencam alguns meios
sociais em que as imagens são avaliadas, a saber:
a) Tecnológico – representação visual por meio de esquemas, podendo servir de modelo
ou guia de ações, sob baixa modalidade.
b) Sensorial – representação visual orientada para provocar emoções impactantes no
observador, seja prazer ou desprazer, com abuso da saturação de cores, que vai além da
realidade.
c) Abstrato – representação mais voltada para a arte, que busca despertar no leitor a
essência profunda daquilo que ela retrata;
d) Naturalístico – representação mais próxima do que se convenciona como realidade,
estando mais próxima de uma fotografia.
Vale destacar que uma mesma imagem pode conter variados marcadores, sejam
tecnológicos, sensoriais, abstratos ou naturalísticos.
1.3.1.3 Significados Composicionais
Kress e van Leeuwen (2006) apresentam também o significado composicional,
correspondente à metafunção textual de Halliday (1985, 1994, 2004), que é responsável
por estabelecer a coerência textual. Assim como na linguagem verbal, no visual, as
31
funções se relacionam para formar um texto que integra e relaciona seus elementos.
Nessa perspectiva, elementos representacionais e interativos são combinados a partir da
função composicional, na qual a posição dos elementos em uma imagem lhe confere
valores informativos específicos.
Com isso, visa-se analisar os significados que podem ser associados às escolhas
feitas pelo produtor para compor um texto, considerando a forma pela qual os elementos
representacionais e interacionais são integrados, através de três sistemas inter-
relacionados: i) valor de informação: centrado ou polarizado; ii) framing: conectados ou
desconectados; iii) saliência: tamanho, cor, contraste, plano de fundo.
Esses três princípios da composição se aplicam a um único visual ou também a
“visuais compostos que combinam texto e imagem, e talvez, outros elementos
gráficos35” (KRESS e VAN LEEUWEN, 2006, p. 177, tradução nossa) como uma
página, na televisão ou em uma tela de computador, conforme citam os autores. Com
essa proposta, os autores intentam elaborar um estudo que possa, por exemplo, permitir
que se olhe uma página inteira como um texto integrado, pois consideram que a
integração dos diferentes modos semióticos é o trabalho de um código geral, cujas
regras e significados fornecem o texto multimodal.
Em relação ao valor da informação, Kress e van Leeuwen (2006) argumentam
que a posição dos elementos na composição das imagens (à direta, à esquerda, na parte
superior ou inferior, centralizados ou às margens) revela alguns valores, como
descreveremos na sequência.
Uma importante consideração que se faz necessária é a relação entre Dado e
Novo, isto é, o valor da informação da esquerda e direita. Considerando que a leitura, na
cultura ocidental, é realizada da esquerda para a direita, segundo os autores, à direita,
em geral, aparecem as informações principais, as quais o leitor deve prestar atenção
especial. Já o lado esquerdo corresponde ao Dado, algo que o leitor já conhece, seja pela
sua própria cultura ou através de informações fornecidas anteriormente pelo próprio
veículo de informação. Assim, o Novo, para os autores, poderia ser visto como o
“problemático”, o “contestável”, ao passo que o Dado seria o senso comum. Nas
culturas que concebem a escrita da direita para a esquerda, o Dado está na direita e o
Novo à esquerda.
A leitura, na cultura ocidental, além de ser da esquerda para a direita, é também
realizada de cima para baixo. Diante disso, os autores argumentam que os elementos
que ocupam a parte superior ou a parte inferior de uma imagem também adquirem
35 visuals which combine text and image and, perhaps, other graphic elements.
32
determinados valores relacionados a essa posição. Kress e van Leeuwen (2006)
defendem que a parte superior da imagem, a parte Ideal, é apresentada como a
idealização de uma informação, ao passo que, na parte inferior, a informação
apresentada é mais concreta, mais Real.
A oposição entre Ideal e Real também pode ser vista como as relações entre
texto e imagem. Nessa relação entre Ideal, o valor da informação do topo, e Real, o
valor da informação de fundo, a seção superior normalmente tende a fazer algum tipo de
apelo emotivo para nos mostrar “o que poderia ser”. A seção inferior tende a ser mais
informativa e concreta, mostrando-nos “o que é”.
Kress e van Leeuwen (2006) ponderam que margens iguais ou análogas, quando
posicionadas simetricamente, apresentam uma configuração que não permite a distinção
entre Dado e Novo, Ideal e Real. Contudo, nesses casos, os valores de informação
Novo-Dado e Ideal-Real podem ser combinados com Centro-Margem, sendo esse
último o mediador dessa relação. As referidas dimensões do espaço visual podem ser
observadas na Figura 4, baseada em Kress e van Leeuwen (2006):
Figura 4 – As dimensões do espaço visual em formato de cruz.
Essa representação em formato de cruz, evidenciando as zonas de informação,
pode também organizar as informações no formato Centro e Margem, as quais são
chamadas por Kress e van Leeuwen (2006) de elementos centrais e marginais, embora
na cultura ocidental o primeiro formato seja mais recorrente. Em muitos casos, essa
relação Centro e Margem pode ser observada em imagens que exploram a relação Dado
e Novo. Nesses casos, o elemento central atua como Mediador, podendo ocorrer tanto
nas formas horizontais como verticais. Com isso, o elemento Central será o núcleo da
informação, enquanto os Marginais apresentarão valores secundários e, em geral, são
dependentes desse elemento Central. Representações dessas ocorrências estão
demonstradas nas figuras 5 e 6:
33
Dado Mediador Novo
Figura 5 – Dado/mediador/novo horizontal
Ideal
Mediador
Real
Figura 6 – Ideal/ mediador/ real vertical
Quanto à saliência, é uma dimensão que pode ser observada quando algum
elemento, dentro de uma mesma imagem, é apresentado com maior destaque em relação
aos demais, seja pela diferença de cores, tamanho, contraste, brilho ou nitidez que
recebem, independente da posição que ocupam em uma composição visual. Segundo os
autores, essa saliência é o que determina “maior ou menor importância informativa36”
(KRESS e VAN LEEUWEN, 2006, p. 176, tradução nossa) de um elemento.
Em relação ao framing ou moldura, terceiro elemento da estrutura
composicional, pode-se dizer que é responsável por desconectar os elementos de uma
imagem, podendo indicar se pertencem a um mesmo núcleo de informação ou não. As
molduras podem ser realizadas por meio de linhas divisórias, espaços coloridos ou não,
isto é, através de qualquer marcação que possa delimitar os espaços internos ou as
margens de uma imagem, dando a impressão de estarem “emoldurados” na composição
da imagem. Há também que se destacar que a conexão entre os elementos pode também
ser realizada por vetores que ligam olhares, por cores ou formas que se repetem em uma
composição.
A figura 7, adaptada de Kress e van Leeuwen (2006, p. 223), apresenta
sinteticamente a rede de sistemas através da qual pode ser realizada a categoria
relacionada aos significados composicionais:
36 more or less important ‘items of information’ in the whole.
34
Figura 7 – Rede de sistemas referente à categoria significado da composição.
1.3.2 Algumas considerações sobre os significados da GDV
É válido salientar que, embora possamos classificar as imagens por seus
processos mais evidentes, não é possível reduzir sua complexidade a um único
significado. Cada imagem pode conter processos subjacentes ou secundários que
permitem classificá-la ou interpretá-la de maneiras distintas.
Acreditamos que a utilização desse referencial teórico-metodológico em nossa
pesquisa poderá evidenciar como o estudo multimodal é importante, em especial, na
sociedade contemporânea, dada a constante exploração dos vários aspectos multimodais
de um texto. Nesse caso específico, observamos que, no discurso de divulgação
científica, muitas vezes, a representação, seja do pesquisador ou do próprio fato
científico, pode estar evidenciada também no aspecto icônico.
Com este estudo, buscaremos mostrar como as imagens podem contribuir para
ampliar significados ou permitir novas interpretações, para além do texto verbal,
também no discurso de divulgação científica.
35
2 METODOLOGIA
A metodologia de análise proposta neste trabalho foi estabelecida a partir das
especificidades que caracterizam a divulgação do conhecimento científico na mídia
impressa brasileira, levando-se em conta os pressupostos teórico-metodológicos da
Análise do Discurso da Divulgação Científica, bem como dos significados da Gramática
do Design Visual (GDV).
Caracteriza-se como uma pesquisa comparativa em relação aos seus objetivos.
Segundo Flick (2009, p. 62-3), “[a] comparação se baseia com frequência em contrastar
os casos (ou eventos) entre si”. Nesta investigação, a comparação consiste em
identificar e observar os fatores determinantes quanto à divulgação científica na seção
Ciência dos jornais Estado de Minas e Folha de S. Paulo.
Quanto à forma de abordagem, utilizaremos dados quantitativos e qualitativos.
Flick (2004, p. 43) defende que “[u]m estudo poderá incluir abordagens qualitativas e
quantitativas em diferentes fases do processo de pesquisa sem concentrar-se
necessariamente na redução de uma delas a uma categoria inferior ou em definir a outra
como sendo a verdadeira abordagem da pesquisa”. Em nossa investigação, acreditamos
que traduzir em números a quantidade de matérias divulgadas, bem como a separação
quantitativa por áreas temáticas divulgadas nesses textos e as estratégias linguístico-
discursivas utilizadas na abordagem sobre a divulgação científica nos dois periódicos
analisados será importante para a análise qualitativa, haja vista que a explicação de
alguns fenômenos, bem como a atribuição de significados aos dados obtidos pode estar
associada à sua frequência.
2.1 Configuração do corpus de análise
Inicialmente, foi definida a amostra de textos que irão compor o corpus de
análise, tendo como método a coleta de documentos. Foram considerados todos os
textos, verbais e não verbais, da seção Ciência dos jornais Estado de Minas e Folha de
S. Paulo, publicados na primeira semana do mês de fevereiro de 2010, com exceção das
publicidades – pelo fato de não estabelecerem relação temática com a divulgação
científica tratada.
A escolha por trabalhar com a seção de Ciência deveu-se, sobretudo, à
necessidade de estudos complementares por parte da autora deste trabalho, que,
36
anteriormente, havia realizado pesquisas sobre a divulgação científica37, considerando-
se, naquele momento, apenas os aspectos verbais dos textos analisados. A partir desses
estudos anteriores, foi possível perceber que a seção Ciência dos jornais analisados
(Folha de S. Paulo, O Globo e Zero Hora) estava, assim como quaisquer outras seções,
revestida de crenças, valores e interesses diversos. Assim, um estudo sobre a divulgação
científica na mídia impressa tornou-se peça-chave deste trabalho, que objetiva analisar
os textos em sua completude, isto é, levando-se em conta os aspectos verbais e não
verbais.
A opção por trabalhar com os jornais Estado de Minas e Folha de S. Paulo
deriva do fato de estes serem caracterizados como jornais de referência, um regional e
outro nacional, tendo importante impacto no Brasil. Além disso, há também o fato de
apresentarem uma seção exclusiva destinada à ciência, com equipe designada para este
fim.
Em relação ao Estado de Minas, a escolha deveu-se ao interesse em analisar
algum jornal mineiro, já que, em geral, percebemos uma tendência dos pesquisadores
em se trabalhar com jornais cariocas e paulistas. Dentre os periódicos mineiros mais
influentes, acreditamos que o Estado de Minas, como um jornal de referência nesse
estado, tem publicado informações relacionadas a medicina, saúde, pesquisas espaciais,
curiosidades científicas e assuntos relacionados ao meio ambiente em uma seção
específica. Além disso, considerando, como afirma Massote (2009)38, que, na nova
linha editorial do Estado de Minas, “as fotos se agigantaram”, este é um jornal que
atende os requisitos para que os objetivos desta pesquisa sejam alcançados, haja vista a
riqueza de informações verbais e não verbais.
Quanto à Folha de S. Paulo, a seleção se deu principalmente por se tratar de um
periódico de maior tiragem entre os veículos de influência nacional, além da riqueza
quantitativa de informações dispostas em sua seção Ciência. Ademais, o histórico de
divulgação científica na Folha de S. Paulo, segundo Oliveira (2007), data de 1947,
quando o médico, pesquisador, educador e jornalista José Reis – considerado, conforme
afirma a referida autora, como o “patrono do jornalismo científico no Brasil” – escrevia
37 A autora desenvolveu a pesquisa intitulada “O conhecimento sobre ‘planta transgênica’ na mídia impressa brasileira: análise discursiva das estratégias divulgativas”, sob orientação da professora Cristiane Cataldi (UFV), financiada pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica - PIBIC/CNPq - Edital 2007. Trabalhando com os jornais brasileiros de informação geral Folha de S. Paulo, O Globo e Zero Hora, este trabalho teve como objetivo identificar e analisar, sob a perspectiva linguístico-discursiva, as estratégias divulgativas utilizadas na representação e difusão do conhecimento sobre planta transgênica na mídia impressa brasileira. 38 Disponível em: www.observatoriodaimprensa.com.br. Acesso em: 29 jan. 2010.
37
semanalmente uma coluna científica nesse jornal, que durou até maio de 2002, quando
José Reis faleceu.
Em relação ao período para seleção do corpus de análise, escolhemos a primeira
semana de fevereiro por ser uma época em que, de modo geral, as atividades no país
recomeçam. Acreditamos que, no mês de janeiro, os jornalistas que elaboram as
matérias sobre ciência têm dificuldade de acesso aos pesquisadores, fato que poderia
comprometer a publicação de algumas inovações científicas, já que os institutos de
pesquisas e as universidades, as fontes mais procuradas para fornecer dados de pesquisa,
em geral, estão no período de férias.
Quanto ao período de coleta de dados, uma semana39, consideramos que foi
suficiente para que se possa conhecer como é estruturada a divulgação científica nos
dois jornais que compõem a amostra desta pesquisa. Dessa maneira, será possível
analisar as principais ocorrências e representações veiculadas nesse espaço.
Vale salientar que entendemos que os assuntos de caráter científico podem ser
tratados em outros cadernos e seções – como Política, Economia, Esportes, entre outros
– mas dada a dificuldade de se realizar uma pesquisa que analisasse várias seções de um
jornal, optamos por priorizar a seção Ciência de cada jornal selecionado. Alguns jornais
brasileiros não apresentam os assuntos sobre ciência em uma seção especial ou, se assim
o fazem, costumam nomeá-la de Saúde ou Tecnologia. Na escolha dos jornais Estado de
Minas e Folha de S. Paulo para compor nosso corpus, acreditávamos que questões
relacionadas às áreas humanas e sociais, por exemplo, que, indiscutivelmente, são
questões científicas e que merecem ser noticiadas à população, poderiam ser divulgadas
na seção Ciência. Contudo, na execução desta pesquisa, observamos que várias áreas
do conhecimento não foram abordadas, conforme será mostrado no capítulo de análise.
No próximo item, descreveremos brevemente o perfil dos jornais que compõem
o corpus desta pesquisa.
39 Vale salientar que, no dia 6/2/2010, sábado, não houve a publicação da referida seção no Estado de Minas, embora esta seja de publicação diária nesse periódico. Contudo, acreditamos que esse fato não comprometerá a análise proposta neste trabalho.
38
2.2 Perfil dos jornais analisados
É importante conhecermos o perfil dos jornais analisados, já que, para a
realização de uma análise discursiva, não podemos desconsiderar as circunstâncias de
produção, uma vez que “existe uma profunda relação entre a linguagem e o contexto
sócio-histórico em que ela se insere” (MELO, 2007, p. 105).
2.2.1 O jornal Estado de Minas40
O jornal Estado de Minas foi fundado em 7 de março de 1928 e é um dos mais
importantes periódicos impressos de Minas Gerais, apesar da queda de venda sofrida
nos últimos anos. De circulação diária e formato padrão, apresenta também alguns de
seus conteúdos na internet desde 1995, porém exige-se uma assinatura paga para essa
leitura. Com sua sede na capital mineira, desde 1929 pertence ao Grupo Diários
Associados, que, atualmente, possui 12 jornais, 6 emissoras de televisão, 14 rádios e 10
empresas associadas distribuídas pelo país. Os Diários Associados, conhecidos também
como Condomínio Acionário das Emissoras e Diários Associados, correspondem ao
sexto maior conglomerado de empresas de mídia no Brasil.
O Estado de Minas circula diariamente com seus cadernos/seções fixos/as:
Primeiro Caderno (cobrindo os principais acontecimentos do país ou da região),
Política, Opinião, Nacional, Internacional, Ciência, Economia, Esportes, Gerais, EM
Cultura, Economia, além dos suplementos, publicados uma ou duas vezes por semana:
Agropecuário, Bem viver, Divirta-se, Direito & Justiça, Feminino & Masculino, Guia
de Negócios, Gurilândia, Informática, Pensar, Ragga Drops, Turismo, TV,
Classificados, Imóveis, Emprego, Hora livre e Prazer EM Ajudar.
Segundo dados dos Estudos Marplan/EGM, obtidos entre abril de 2008 e março
de 2009, quanto à classe social, os leitores do Estado de Minas se dividem em: A1
(10%), A2 (18%), B1 (23%), B2 (21%), C (26%), DE (2%). Entre os jornais que
circulam em Belo Horizonte, é o que ocupa o maior número de leitores com cargos de
nível superior em suas atividades profissionais. Em geral, possuem renda familiar a
partir de 10 salários mínimos, dispõem de aplicação financeira, já viajaram ou
pretendem viajar para o exterior e costumam frequentar exposições, museus e peças de
teatro.
40 Informações disponíveis em http://www.diariosassociados.com.br/. Acesso em: 1º fev. 2010.
39
Em relação à circulação desse periódico (IVC/setembro de 2009), tem-se
102.034 mil exemplares aos domingos, sendo 76% destinados a assinantes e 24% a
venda avulsa; nos dias úteis, a circulação é de 71.926 exemplares, dos quais 90%
correspondem a assinaturas e 10% a vendas avulsas.
Segundo dados do próprio jornal, possuem 531 mil leitores na Grande Belo
Horizonte, sendo 53% do sexo masculino e 47%, feminino, com idade adulta, em geral:
10 a 14 anos (3%), 15 a 19 (9%), 20 a 29 (27%), 30 a 39 (21%), 40 a 49 (19%), 50 ou
mais (21%).
2.2.2 O jornal Folha de S. Paulo
O jornal Folha de S. Paulo, ou simplesmente Folha, fundado em 19 de fevereiro
de 1921, foi, desde a década de 80 até o início do século XXI, o jornal mais vendido no
país, de acordo com os dados do Instituto Verificador de Circulação (IVC). Sua
circulação impressa é de abrangência nacional, e também oferece conteúdo on-line a
seus leitores.
Pertencente à Empresa Folha da Manhã S/A, é editado na cidade de São Paulo e
sua circulação é nacional. Apresenta, na atualidade, os cadernos diários: Capa, Opinião,
Poder, Mundo, Ciência, Mercado, Cotidiano, Esporte, Ilustrada, Acontece e
Classificados; além dos suplementos semanais: Folhateen, Equilíbrio, Tec, Fovest,
Turismo, Guia da Folha, Folhinha, Ilustríssima, Sãopaulo e Revista Serafina.
Em 1930, apoiou a eleição de Júlio Prestes à Presidência da República, fato que
acabou levando ao seu fechamento, devido às críticas à Aliança Liberal de Getúlio
Vargas. Sua reabertura se deu em 1931 com novos donos e nova linha editorial,
intitulado Folha da Manhã e mais voltado para assuntos relacionados à agricultura.
Posteriormente, evidenciando a sua forte e representativa vinculação com
questões político-partidárias do país, já com o nome Folha de S. Paulo, apoiou o golpe
militar de 1964 e a ditadura militar implantada até o governo de Geisel. No início da
década de 70, devido aos constantes ataques em veículos de entrega do jornal, uma nova
redação foi implantada, acarretando uma mudança em sua linha editorial, que, na
década de 80, ficou marcada pelo constante apoio ao movimento das Diretas Já.
Em 1980, foi também pioneiro na adoção de infográficos e quadros, com o
objetivo de didatizar os detalhes das principais notícias e contextos das mesmas. Além
disso, no início da década de 1990, a Folha começou a investir na criação de novos
produtos e suplementos dentro do jornal, como a Revista da Folha, o caderno Folhateen
40
e a TV Folha, passando a liderar as vendas em São Paulo, tendo como aliada uma
grande campanha publicitária. A reforma gráfica em meados da década de 1990 e o
lançamento de brindes como o Atlas da Folha e dicionários reforçaram a liderança na
época.
Atualmente, porém, esse cenário vem mudando bastante. Segundo dados do
IVC, a Folha fechou o primeiro trimestre de 2009 com média diária de 298.351,
enquanto que, no começo de 2000, essa média era de 429.476 e, em 1997, de 530.000.
Houve também queda nas vendas avulsas. O jornal vendeu em média 21.849
exemplares em todo o território nacional entre janeiro e setembro de 2009, sendo hoje o
vigésimo quarto jornal em vendas avulsas.
No entanto, é preciso salientar que esse declínio (e também o de outros jornais)
pode estar associado à maior inclusão digital da sociedade brasileira. É fato que
inúmeros internautas hoje leem notícias diariamente e nem por isso são assinantes de
qualquer tipo de mídia impressa.
Em relação ao perfil dos leitores, de acordo com o levantamento do Datafolha,
realizado em 45 cidades do país, de abril a junho de 2007, 68% possuem curso superior;
90% pertecem às classes A e B; 92% assistem a telejornais; 69% leem revistas e 57%
buscam notícias na internet. A maior parcela desses leitores tem entre 23 e 49 anos,
pratica alguma atividade física, frequenta restaurantes, shoppings, cinema e livrarias.
Diante das características apresentadas, consideramos ser este um importante
periódico para compor o corpus de nossa pesquisa
2.3 Ferramentas de análise
As categorias de análise foram estabelecidas a partir dos procedimentos que
caracterizam a recontextualização da informação sobre ciência para o público geral,
conforme os pressupostos da Análise do Discurso da Divulgação Científica, bem como
dos significados que integram a Gramática do Design Visual.
Utilizando o instrumental fornecido pela Análise do Discurso da Divulgação
Científica (CALSAMIGLIA et al., 2001; CALSAMIGLIA, 2003; CASSANY et al.,
2000; CASSANY e MARTÍ, 1998; CATALDI, 2003, 2007, 2008, 2009), será
considerada a categoria discursiva de expansão, bem como as estratégias divulgativas
identificadas: argumentos de autoridade, benefício científico e social da pesquisa,
comparações e metáforas, definições, exemplificações, explicações e narrativizações.
41
Já em relação à análise do aspecto icônico, tomaremos por base o método
desenvolvido por Kress e van Leeuwen (2006), na Gramática do Design Visual, para a
análise de textos multimodais. Assim, consideraremos os significados
representacionais, composicionais e interativos – conforme descrito no capítulo 1 deste
trabalho –, levando em conta as categorias que os integram.
2.4 Procedimentos metodológicos
O primeiro passo para a realização desta pesquisa foi a seleção e configuração
do corpus de análise. Conforme já relatado, foram selecionadas as páginas que
configuram a seção Ciência dos jornais Estado de Minas e Folha de S. Paulo,
publicadas na primeira semana do mês de fevereiro de 2010.
O corpus desta pesquisa é, pois, composto por textos jornalísticos extraídos
desses dois diários brasileiros de informação geral. Foram considerados todos os textos
publicados na seção Ciência, sejam verbais ou não-verbais, sem distinção de gênero. No
total, o corpus é formado por 21 textos, sendo 6 (28,57%) procedentes do Estado de
Minas e 15 (71,42%) da Folha de S. Paulo.
Visando organizar esse corpus, os textos foram codificados da seguinte forma e
ordem:
i) iniciais do nome do jornal em que o texto foi selecionado, ou seja, EM para o
Estado de Minas e FSP para a Folha de S. Paulo;
ii) 2010 indicando o ano de publicação dos textos;
iii) numeração ordinária dos textos, sendo a sequência definida de acordo com a
data e ordem de publicação destes.
O Informe Quiral (2000, p. 61) afirma que “[n]as redações dos diários algumas
decisões são constantemente tomadas: quais serão os temas do dia, qual espaço será
dedicado a cada um deles, quais fontes de informação serão consultadas ou como se
ilustrará a notícia41”. Contudo, sabemos também que certos padrões parecem ser
constantes na cobertura e tratamento dos temas pela mídia, já que “muitas das decisões
obedecem, consciente ou inconscientemente, a um padrão que em nenhum lugar está
explícito, mas que marca algumas diretrizes gerais42” (ibid., p. 61).
41 En las redacciones de los diarios se toman decisiones constantemente: cuáles serán los temas Del dia, qué espacio se va a dedicar a cada uno de ellos, a qué fuentes de información se va a consultar o cómo se va a ilustrar la noticia. 42 muchas de las decisiones obedecen, consciente o inconscientemente, a uma cierta metodologia, a um patrón que em ningún lugar está explícito, pero que marca unas directrices generales.
42
Considerando essas questões e visando conhecer melhor o corpus desta
pesquisa, identificamos algumas informações referentes aos temas relacionados à
ciência, tais como: os autores que escrevem as matérias selecionadas, qual a área de
conhecimento e temática dos textos, além de observar se é uma divulgação de ciência
nacional ou internacional. Acreditamos que essas informações, inicialmente apenas
metodológicas, influenciarão na análise linguístico-discursiva que será realizada
posteriormente.
Sendo assim, um resumo dos textos verbais identificados em nosso corpus de
pesquisa pode ser observado no quadro subsequente.
Dados de Identificação
Data Título do texto (Manchete)
Autor/ Fonte do texto
Temática Pesquisa Nacional/
Internacional EM 2010-01
1/2/2010 Rumo ao Sol Janey Costa Astronomia Internacional
EM 2010-02
2/2/2010 Olho brasileiro no espaço
Não informado
Astronomia Nacional
EM 2010-03
3/2/2010 Mistério do vírus decifrado
Rodrigo Craveiro
Medicina Internacional
EM 2010-04
4/2/2010 Riscos dos poluentes na gravidez
Carolina Lenoir
Medicina Nacional
EM 2010-05
5/2/2010 Traços de consciência
Rodrigo Craveiro
Medicina Internacional
EM 2010-06
7/2/2010 Possibilidades do Lixo
Pedro Rocha Franco
Meio ambiente
Nacional
FSP 2010-01
1/2/2010 FMI quer fundo do clima com US$ 100 bi
Da France Presse
Meio ambiente
Internacional
FSP 2010-02
1/2/2010 Acordo de Copenhague ganha adesão
Da Reuters Meio ambiente
Internacional
FSP 2010-03
2/2/2010 Mudança genética triplica vida de tomate
Rafael Garcia/ Da Reportagem Local
Agricultura/ Transgênicos
Internacional
43
Dados de
Identificação Data Título do texto
(Manchete) Autor/ Fonte do
texto Temática Pesquisa
Nacional/ Internacional
FSP 2010-04
2/2/2010 Obama cancela volta à Lua e ‘terceiriza’ viagem espacial
Da Reportagem Local
Astronomia Internacional
FSP 2010-05
2/2/2010 Desmate na Amazônia cai 250 km2 no fim do ano
Da Sucursal do Rio
Meio ambiente
Nacional
FSP 2010-06
3/2/2010 Biologia explica psicologia de macaco africano ‘hippie’
Da Reportagem Local
Genética Nacional
FSP 2010-07
3/2/2010 Índios domesticaram peru duas vezes, revela pesquisa com DNA
Reinaldo José Lopes/ Da Reportagem Local
Genética Nacional
FSP 2010-08
4/2/2010 Grupo revela como mosquito fareja presa
Ricardo Bonalumeneto/ Da Reportagem Local
Medicina Internacional
FSP 2010-09
4/2/2010 Procuradores agem como ‘braços das ONGs’, diz Aldo
Da Folha Ribeirão
Meio ambiente
Nacional
FSP 2010-10
5/2/2010 Estudo da USP desmonta hipótese Colombo da Sífilis
Marcelo Leite/ Colunista da Folha
Medicina Nacional
FSP 2010-11
6/2/2010 ‘Supergrafite’ dá origem a transistores mais rápidos
Reinaldo José Lopes/ Da Reportagem Local
Eletrônica Internacional
FSP 2010-12
6/2/2010 Governo holandês aponta novo erro de painel do clima
Claudio Ângelo (Editor de ciência)
Meio ambiente
Internacional
44
Dados de
Identificação Data Título do texto
(Manchete) Autor/ Fonte do
texto Temática Pesquisa
Nacional/ Internacional
FSP 2010-13
6/2/2010 Grupo de pesquisadores desenterra uísque de cem anos na Antártida
Da France Presse
Destilados Internacional
FSP 2010-14
7/2/2010 Centro-Oeste perde mais com clima quente, diz estudo
Giuliana Miranda (Colaboração para a Folha)
Meio ambiente
Nacional
FSP 2010-15
7/2/2010 São Paulo terá o maior prejuízo absoluto
Colaboração para a Folha
Meio ambiente
Nacional
QUADRO 1: Textos verbais identificados no Estado de Minas e na Folha de S. Paulo.
Observamos que, no jornal Estado de Minas, 6 textos foram publicados no
período analisado, sendo que cada um ocupa a seção inteira do periódico. As áreas de
conhecimento contempladas por esse jornal foram: Astronomia (33,3%),
Medicina/Saúde (50%) e Meio Ambiente (16,6%).
Na Folha de S. Paulo, 15 matérias foram publicadas no período analisado. Em
cada seção, são veiculadas uma, duas ou até três matérias distintas. As áreas de
conhecimento contempladas por esse jornal foram bastante variadas: Meio Ambiente
(46,6%), Medicina/ Saúde (13,3%), Genética (13,3%), Agricultura/ transgênicos (6,6%),
Astronomia (6,6%), Eletrônica (6,6%) e Destilados (6,6%).
Observamos, com essa abordagem quantitativa, que questões relacionadas à
saúde e ao meio ambiente ganharam destaque nos dois periódicos, sobretudo no de
circulação regional. Observamos também que questões políticas sobre o meio ambiente
foram tratadas na seção Ciência, haja vista a dimensão que o tema vem ganhando em
todos os setores da sociedade.
Os demais temas estão relacionados a pesquisas mais pontuais, divulgando
resultados específicos.
Com o objetivo de facilitar a organização e análise dos dados, as páginas que
compõem a seção Ciência dos referidos jornais foram escaneadas e transformadas em
arquivos digitais, que serão dispostos no capítulo de análise e no anexo desta
dissertação.
Depois de conhecer o corpus a ser analisado nesta investigação, a categoria
discursiva de expansão, bem como as estratégias divulgativas utilizadas em cada um
45
dos textos, serão identificadas e analisadas, sob a perspectiva linguístico-discursiva,
para uma posterior comparação entre os dados identificados nos jornais Estado de
Minas e Folha de S. Paulo.
As categorias observadas, com base na Análise do Discurso de Divulgação
Científica, são, em síntese, as mostradas na figura abaixo.
Figura 8 – Síntese das categorias utilizadas com base na Análise do Discurso de Divulgação Científica.
Em outra etapa, as ferramentas descritivas propostas por Kress e van Leeuwen
(2006), conforme já apresentado no capítulo1 desta pesquisa, serão aplicadas aos
elementos visuais exibidos na seção Ciência dos jornais analisados.
Uma síntese das categorias utilizadas, referentes aos significados
representacionais da Gramática do Design Visual, pode ser observada na sequência.
Figura 9 – Síntese das categorias utilizadas com base nos significados representativos da Gramática do Design Visual.
46
Na Figura 10, foram esquematizadas as categorias relacionadas aos significados
interacionais da GDV para uma melhor visualização.
Significados Interativos
Olhar Distância Social Atitude ou Perspectiva
Modalidade
Figura 10 – Síntese das categorias utilizadas com base nos significados interativos da Gramática do Design Visual.
Por fim, apresentamos um esquema com as categorias pertencentes aos
significados composicionais da GDV.
Significados Composicionais
Valor Informacional Saliência Moldura
Figura 11 – Síntese das categorias utilizadas com base nos significados composicionais da Gramática do Design Visual.
Realizadas essas etapas, tentaremos evidenciar, além das estratégias divulgativas
utilizadas no discurso sobre ciência dos referidos jornais, quais significados sociais são
representados na seção Ciência dos jornais que integram nosso corpus de pesquisa.
47
3. ANÁLISE E DISCUSSÃO DOS DADOS
3.1 Informações gerais sobre os textos recontextualizados nos jornais Estado de Minas e Folha de S. Paulo
Atendendo aos objetivos desta pesquisa, nossa análise, inicialmente, se centrará
em algumas questões mais contextuais relacionadas a cada um dos textos que
configuram nosso corpus de pesquisa. Posteriormente, descreveremos e analisaremos as
estratégias divulgativas utilizadas nesses textos, a partir do procedimento discursivo de
expansão. Na sequência, analisaremos o conteúdo não verbal desses textos.
3.1.1 Mapeando o corpus da pesquisa43
Uma primeira análise em nossa pesquisa teve por objetivo conhecer as áreas de
conhecimento que são escolhidas pela mídia para serem noticiadas no espaço de ciência.
Entendemos que essa é uma questão importante pelo fato de, ao se excluir ou incluir
uma temática a ser noticiada, de alguma forma, a mídia contribui para que seus leitores
façam o mesmo em relação aos conhecimentos que estes julgam importantes para si. É
natural que o público atribua mais importância aos temas mais divulgados pela mídia.
Buscando verificar essa ocorrência em cada um dos jornais analisados,
obtivemos o seguinte resultado, apresentado no Gráfico 1 a seguir.
43 Algumas categorias utilizadas para o mapeamento do corpus, tais como a área temática dos textos ou o interesse de se ressaltar se as pesquisas divulgadas são de cunho nacional ou internacional foram baseadas em categorias selecionadas para uma pesquisa realizada na mídia impressa de Minas Gerais, coordenada pela FUNDEP (UFMG), em 2008, intitulada Ciência, Tecnologia & Inovação na Mídia Brasileira, divulgada em um relatório disponível em: http://www.andi.org.br/_pdfs/paper_c&t_midia.pdf. Acesso em: 18 dez. 2010.
48
Gráfico 1: Área temática dos textos divulgados em cada um dos jornais selecionados.
Como é possível perceber, de um modo geral, há uma concentração de notícias
na área de Ciências da Saúde, de Ciências Exatas e da Terra. Observamos que o jornal
Estado de Minas publicou exatamente 50% de suas notícias sobre questões referentes à
Saúde e a outra metade sobre questões Exatas e da Terra, sendo essas últimas referentes
à astronomia e ao meio ambiente. Já na Folha de S. Paulo, observamos um predomínio
de notícias sobre Ciências Exatas e da Terra em 66,6% de seus textos, sobretudo pelo
destaque em relação a notícias sobre o Meio Ambiente.
Em relação a temáticas não abordadas, é válido ressaltar o descaso em relação às
Ciências Humanas, como as Sociais Aplicadas, as Linguísticas e Literárias, as de
Arquitetura e Urbanismo, Administração e Serviço Social. Nenhum dos jornais, na
semana analisada, fez menção a esses temas, que são relevantes à população, já que, a
partir de estudos nessa área, tornarmos possíveis a formulação e a implementação de
políticas públicas que possam melhorar questões relacionadas à educação e à qualidade
de vida das pessoas. Observamos, com isso, que ainda persiste na sociedade o
estereótipo do cientista apenas no laboratório, que lida com fórmulas e experiências
para se produzir conhecimento.
Além dos temas escolhidos pelos jornais analisados, outra notória ocorrência é o
número de textos publicados em cada um desses periódicos. Enquanto em uma semana
de observação, apenas 6 textos foram publicados na seção Ciência do jornal Estado de
Minas – o que representa uma publicação diária de 0,85 textos –, para o mesmo período,
a Folha de S. Paulo publicou 15 textos – correspondendo a uma média diária de 2,42
textos, uma diferença bastante considerável. Dessa forma, permite-se pressupor que esse
49
último periódico, talvez por ser de abrangência nacional, opta por essa concentração
mais substantiva em relação à publicação de temas científicos, mostrando contar com
uma editoria mais especializada no assunto. No Estado de Minas, ainda é reduzida a
abordagem da ciência como informação jornalística.
Mais uma observação com o objetivo de melhor conhecer nosso corpus de
análise e a natureza dos temas divulgados foi identificar a ocorrência de pesquisas
nacionais e internacionais selecionadas para serem divulgadas por cada um dos jornais,
como pode ser observada no gráfico abaixo.
Gráfico 2: Quantidade de textos que tratam de pesquisas nacionais e internacionais em cada jornal.
Notamos que o interesse por temas internacionais mostrou-se mais evidente no
periódico de abrangência nacional, isto é, na Folha de S. Paulo, com um predomínio de
66,6% de seus textos, ao passo que o periódico regional optou por publicar pesquisas de
cunho nacional também em 66,6% de suas publicações.
Com isso, observamos que o Estado de Minas, embora publique uma menor
quantidade de informações em sua seção Ciência, divulga mais pesquisas realizadas no
Brasil, buscando uma maior adesão dos leitores para os temas nacionais, fazendo com
que conheçam mais de perto o que está sendo desenvolvido em matéria de pesquisa em
seu próprio país. Já a Folha de S. Paulo opta por levar aos seus leitores os temas
científicos que compõem a agenda internacional científica. De acordo com Oliveira
(2007, p. 40), “[a]s informações de C&T chegam diariamente às grandes redações,
ricamente documentadas e ilustradas, exigindo pouco esforço editorial”. Contudo,
acreditamos que deveria haver um maior equilíbrio nessa seleção. A pesquisa
internacional merece ser divulgada sim, mas é importante que a sociedade brasileira
conheça o que está sendo produzido e decidido em seu próprio país. Oliveira (2007)
adverte também que:
50
Para que o país tenha capacidade de discernir entre o que deve ou não adquirir fora ou produzir internamente, é importante ter uma sociedade esclarecida e bem informada a respeito das políticas e programas de C&T, com conhecimento suficiente para poder influir nas decisões de investimentos e políticas públicas nesta área (OLIVEIRA, 2007, p. 41).
Então, escolher publicar pesquisas nacionais ou internacionais não é uma
decisão elementar. É algo que pode refletir na situação econômica e social do país. É a
população bem esclarecida quem consegue eleger quais caminhos serão melhores para o
desenvolvimento de seu país.
Considerando a temática abordada pelo Estado de Minas, o primeiro texto que
compõe nossos dados de pesquisa, o EM 2010-01, trata de uma pesquisa internacional,
que se enquadra na temática astronomia, noticiando que a NASA lançou um novo
satélite, mais moderno, no espaço, para melhor conhecer o Sol e, ao mesmo tempo,
relaciona esse fato à área da saúde ao tratar de questões sobre o aquecimento global.
O texto EM 2010-02 também divulga uma pesquisa sobre astronomia, porém de
cunho nacional, noticiando que o Brasil participou do lançamento de um satélite e,
devido aos bons resultados apresentados, este ficará por mais tempo no espaço.
Já o texto EM 2010-03 trata especificamente de uma pesquisa na área de
medicina e saúde. É uma pesquisa internacional, na qual cientistas elaboraram uma
cópia tridimensional da integrase – proteína responsável pela infecção do HIV no corpo
humano.
O EM 2010-04 apresenta uma pesquisa nacional que trata de questões
relacionadas à saúde e divulga-se uma questão intrigante: a contaminação na gravidez
através do ar inalado, podendo servir de alerta à população, tanto em relação à melhoria
da qualidade do ar que respiramos quanto aos cuidados que os habitantes de locais mais
poluídos devem ter para uma gravidez mais saudável.
O texto seguinte, o EM 2010-05, também da área da saúde, relata uma
importante descoberta internacional em relação à neurologia, evidenciando sinais de
funcionamento do cérebro de pacientes em estado vegetativo quando submetidos a
perguntas simples, que teriam “sim” ou “não” como respostas.
No EM 2010-06, a temática abordada é nacional e muito recorrente nos dias
atuais: meio ambiente. Nesse caso, trata da divulgação de uma pesquisa realizada na
Grande Belo Horizonte, em que os estudiosos criaram uma nova fonte de energia,
51
transformando o lixo urbano em energia renovável, com capacidade suficiente para
acender lâmpadas, por exemplo.
Nos textos selecionados da Folha de S. Paulo, observamos um predomínio de
notícias que tratam de questões relacionadas ao meio ambiente. O primeiro deles, o FSP
2010-01, não trata especificamente de um conhecimento científico, mas de uma questão
política a este relacionada. Então, nesse texto, não temos uma abordagem divulgativa,
mas anunciações relacionadas à ciência. A questão político-econômica abordada, nesse
caso, é em relação ao acordo de Copenhague: o diretor-gerente do FMI, em sessão do
Fórum Econômico, na Suíça, discute sobre a busca de verbas para a luta contra o
aquecimento global.
O texto FSP 2010-02 aborda o meio ambiente, numa discussão de cunho
internacional. Também não anuncia especificamente uma divulgação científica, já que
trata de uma questão político-econômica do acordo de Copenhague, referente à adesão
dos países signatários desse acordo aos termos do texto.
O texto FSP 2010-03 divulga uma descoberta internacional em relação ao
cultivo de alimentos transgênicos, tentando comprovar, a partir da veiculação de
imagens, a maior durabilidade dos alimentos geneticamente modificados.
Já no texto FSP 2010-04, é abordado um tema relacionado à astronomia,
informando que o presidente americano cancelou uma viagem espacial à Lua, com o
objetivo de terceirizar essa viagem.
No texto seguinte, o FSP 2010-05, novamente é abordada uma questão em
relação ao meio ambiente a partir de uma perspectiva mais política. Nessa notícia, o
Ministério do Meio Ambiente apresenta dados sobre a diminuição do desmatamento na
Amazônia.
Já o texto FSP 2010-06 trata de uma curiosidade científica, ao divulgar uma
hipótese de pesquisa na área da Genética (Psicologia): a biologia levanta hipóteses sobre
a psicologia de uma espécie de macaco africano, podendo ser comparada aos seres
humanos.
O FSP 2010-07 também trata de uma pesquisa em forma de curiosidade na área
da Genética. Com esse estudo, através do DNA do peru, revela-se que a ave já foi
domesticada pelos índios por duas vezes na Antiguidade.
No texto seguinte, o FSP 2010-08, é abordada uma pesquisa na área da
medicina, a qual revela as proteínas que o mosquito da malária usa para localizar suas
vítimas pelo cheiro. Com isso, pode-se dar um grande passo na fabricação de repelentes
mais eficientes.
52
No FSP 2010-09, a temática do meio ambiente é novamente abordada, mas na
perspectiva jurídica. Nesse caso, que também não é uma divulgação científica
propriamente dita, o Deputado Aldo Rebelo (PC do B-SP) propõe mudanças no Código
Florestal em relação à preservação de floresta nativa.
No texto FSP 2010-10, uma temática relacionada à medicina volta a ser tratada.
A notícia mostra que pesquisadores da USP descobrem que a doença sífilis deve ter
emergido no mundo há 4000 anos.
Já no texto FSP 2010-11, a temática abordada difere de todas as outras
encontradas. Uma pesquisa na área de Eletrônica descobre um novo tipo de grafite que
dá origem a transistores mais rápidos.
O FSP 2010-12 também divulga uma questão relacionada ao meio ambiente e,
novamente, num cunho mais político e internacional, noticia especificamente um erro
num relatório sobre o Painel do Clima das Nações Unidas, também conhecido como
IPCC (sigla inglesa para o termo Intergovernamental Panel on Climate Change), que
tem por objetivo fornecer informações científicas, técnicas e sócio-econômicas
relevantes para o entendimento das mudanças climáticas.
No texto FSP 2010-13, a informação é enfocada na forma de curiosidade. Trata-
se de uma descoberta internacional, a qual um grupo de pesquisadores encontra caixas
de uísque e champagne enterradas na Antártida há cem anos.
O texto FSP 2010-14 é mais um dos que tratam da temática relacionada ao meio
ambiente, mas também não é na perspectiva da divulgação científica; dessa vez, mais
voltada para questões econômicas, mostra estimativas de prejuízo do Centro-Oeste do
Brasil devido ao clima quente.
O último texto selecionado para o corpus de nossa pesquisa, o FSP 2010-15, está
diretamente relacionado ao texto anterior. Continuando a discussão sobre as perdas
causadas pela questão climática, pesquisadores acreditam que São Paulo terá o maior
prejuízo econômico absoluto devido às chuvas.
A partir desse resumo temático sobre cada um dos textos selecionados para o
corpus de nossa pesquisa, numa observação comparativa, concluímos que os jornais
Estado de Minas e Folha de S. Paulo publicam diariamente, em sua seção Ciência,
notícias completamente distintas um do outro em suas edições. Sendo assim, nossa
análise, a partir de agora, se centrará nas características linguístico-discursivas que
compõem esses textos sem a preocupação de comparar os assuntos divulgados.
53
3.2 Procedimentos linguístico-discursivos de expansão
Nosso ponto de partida na análise do discurso de divulgação científica é a
abordagem linguístico-discursiva referente aos assuntos noticiados na seção Ciência dos
jornais Estado de Minas e Folha de S. Paulo, destacando, sobretudo, as estratégias
divulgativas utilizadas no processo de recontextualização.
Uma das perguntas de Cassany et al. (2000) em relação à divulgação científica
na mídia impressa é: como esse discurso é reelaborado, isto é, recontextualizado?
Segundo o autor, essa tarefa é realizada a partir de alguns procedimentos, dentre eles a
inclusão, denominada como procedimento discursivo de expansão em nossa pesquisa.
Para os autores supracitados, inclusão é:
[O] processo pelo qual a rede conceitual de conhecimento científico estabelece vínculos com núcleos e campos do saber externos à disciplina especializada em que se estabeleceu a rede conceitual original. Esses vínculos extradisciplinares (entre ciência e conhecimento geral) constituem, na prática, a porta de acesso que utiliza o leigo para penetrar na rede conceitual especializada, já que o conectam com seu mundo e saber geral44. (CASSANY et al., 2000, p. 85, tradução nossa).
Para Cataldi (2007, p. 161), “o comunicador utiliza o procedimento de expansão,
ou inclusão, com o objetivo de proporcionar os significados conceituais necessários
para lograr a efetiva participação cognitiva e comunicativa do leitor”.
Entendemos, pois, que um dos papeis da mídia é fornecer informações para que
os temas de interesse da sociedade possam ser compreendidos, considerando as
especificidades comunicativas do discurso científico, bem como o público amplo e
heterogêneo para o qual são destinadas essas informações. Sendo assim, o texto de
divulgação científica, além de informar, tem também como objetivo fornecer um
conjunto de detalhes que possam orientar o público leitor para uma compreensão mais
efetiva e, consequentemente, auxiliá-lo na tomada de decisões.
Nessa perspectiva, o procedimento discursivo de expansão exerce um papel
fundamental ao ampliar o conhecimento dos leitores em relação ao assunto tratado,
possibilitando o acesso a posicionamentos de especialistas na área, explicações de
procedimentos científicos específicos, definições de termos desconhecidos, dentre 44 proceso por el que la red conceptual de conocimiento científico establece vínculos con nudos y campos del saber externos a la disciplina especializada en la que se estableció la red conceptual original. Dichos vínculos extradisciplinares (entre ciencia y conocimiento general) constituyen, en la práctica, la puerta de acceso que utiliza el lego para penetrar en la red conceptual especializada, puesto que conectan a esta con su mundo y saber general.
54
outros. Logo, é de primordial interesse em nossa investigação avaliar como esse
processo ocorre na mídia impressa, considerando o corpus selecionado para esta
pesquisa.
Então, nesta fase do trabalho, objetivamos descrever e analisar como ocorre esse
procedimento discursivo de expansão, na perspectiva linguístico-discursiva, utilizado
pelos jornais Estado de Minas e Folha de S. Paulo para divulgar os conhecimentos de
caráter científico em nossa amostra de textos, conforme proposto nos objetivos deste
trabalho. A partir desse procedimento, as estratégias divulgativas utilizadas serão
descritas e analisadas, a saber: a) argumentos de autoridade; b) benefício científico e
social do conhecimento divulgado; c) comparações e metáforas; d) definições; e)
exemplificações; f) explicações; g) e, por fim, narrativizações. Observamos que essas
estratégias, de forma geral, visaram ampliar o enfoque de determinadas informações
para o público leigo sobre conhecimentos específicos do âmbito científico.
a1) Argumentos de autoridade (procedentes de estudiosos diretamente relacionados ao assunto divulgado)
Observamos que, nos dois jornais analisados, ocorre uma ampla utilização de
citações dos próprios cientistas envolvidos nas pesquisas divulgadas, fato que orienta
para uma maior credibilidade científica dos pesquisadores envolvidos, bem como para a
veracidade dos fatos do ponto de vista do leitor. O Estado de Minas utilizou os
argumentos de pesquisadores responsáveis pelo assunto divulgado em 50% dos seus
textos, com um total de 30 citações, o que representa uma média de 10 argumentos de
autoridade em cada um dos textos que utilizam essa estratégia de expansão. A Folha de
S. Paulo utilizou-a em 80% de seus textos, porém com 28 citações no total, equivalente
a 2,3 argumentos por texto.
Notamos, a partir dos argumentos dos próprios responsáveis pelas pesquisas, que
a divulgação da ciência, na mídia, abre espaço para a subjetividade do pesquisador, que,
na disseminação do conhecimento, entre seus pares, tende a ser apagada. Na mídia, o
cientista sintetiza e reformula as informações em relação à pesquisa divulgada, porém a
forma como esse processo é realizado pode ser escolhida por ele, através da seleção
lexical, estruturada a partir de uma organização semântico-discursiva capaz de
evidenciar os seus interesses e convicções, tendendo, muitas vezes, a legitimar sua
pesquisa e, consequentemente, sua posição enquanto pesquisador. Na sequência, foram
selecionados alguns exemplos que evidenciam esse processo.
55
EM 2010-03 – “Já conhecíamos a identidade da integrase há bastante tempo e também sabíamos o que ela faz. Mas não tínhamos o domínio de sua estrutura tridimensional precisa, afirmou”. EM 2010-04 – “Fiz a análise estatística para avaliar a influência dos fatores de risco sobre o baixo peso e a prematuridade, incluindo as médias das concentrações dos poluentes”. EM 2010-05 – “Martin Monti, co-autor do estudo, acrescenta que os médicos conseguirão decidir quais os melhores anestésicos a serem administrados. Por sua vez, Steven Laureys, da Universidade de Liège, vê um futuro promissor no tratamento da condição ‘vegetativa’. ‘Essas ressonâncias magnéticas têm provado ser o único método viável para esse paciente comunicar, desde o dia do acidente. Ainda é prematuro, mas daqui a um tempo seremos capazes de desenvolver essa técnica para permitir a pacientes expressar seus sentimentos e pensamentos, controlar seu ambiente e aumentar a qualidade de vida’, observa”. FSP 2010-06 – “Com o comportamento humano sendo complexo, paralelos entre bonobos e gente ainda não podem ser muito bem estabelecidos no que se refere ao prolongamento da infância. ‘O próximo passo que vamos dar é fazer comparações diretas com humanos’, diz Wobber”. FSP 2010-08 – “‘Nós identificamos vários compostos que ativam fortemente muitos desses receptores. Estamos também buscando compostos que os inibam. Alguns desses compostos ativadores e inibidores podem ser muito úteis para atrair mosquitos a armadilhas, repeli-los ou confundi-los. Desenvolver um produto efetivo vai provavelmente levar vários anos’, declarou Carlson à Folha. No Brasil, o principal transmissor da malária é de outra espécie, o A. darlingi. ‘É possível que alguns dos resultados do nosso trabalho sejam aplicáveis a outros mosquitos vetores de doenças’, diz Carlson.” FSP 2010-11 – “‘Em relação à mobilidade de carga, o grafeno se comporta como um semimetal. Isso significa que ele consegue transferir carga com facilidade, mesmo com poucos canais para os elétrons atravessarem, e é isso que o torna tão interessante’, diz o físico Thiago Martins, pós-doutorando da USP que estuda as propriedades do material”. FSP 2010-14 – “‘Precisaremos de investimentos muito grandes para compensar os efeitos negativos da redução dos recursos hídricos’, diz a coordenadora do estudo, que aponta uma queda de até 31,4% da capacidade de geração de energia firme [aquela garantida mesmo sob condições climáticas adversas”. No primeiro argumento selecionado (texto EM 2010-03), observamos que a
nova descoberta (a estrutura tridimensional da integrase) é um fato científico realmente
novo, mas o pesquisador esclarece que é uma pesquisa que partiu de conhecimentos
anteriores (conheciam a identidade da integrase e também a sua função). Explicitar ao
leitor essa informação é também comum na disseminação do conhecimento entre pares,
haja vista a necessidade de se dar credibilidade aos estudiosos responsáveis por uma
pesquisa; contudo, na divulgação da mídia, a seleção dessa informação para compor o
texto jornalístico tende a dar respaldo ao que está sendo divulgado. Não interessa ao
leitor (tanto que o jornalista também não esclarece isso no texto divulgado), se essas
pesquisas anteriores foram realizadas por outro grupo de estudiosos ou pela equipe
56
responsável pela descoberta que está sendo divulgada. O interesse é garantir ao leitor
que a nova pesquisa é resultado de muito estudo, é algo que se pode confiar, uma
descoberta que realmente poderá melhorar a sua qualidade de vida, uma vez que
estamos tratando da elaboração da estrutura da proteína que é responsável por infectar o
organismo humano com o HIV. Seus benefícios ainda não são totalmente conhecidos,
mas há uma expectativa de poder contribuir para a cura da doença ou mesmo melhorar a
qualidade de vida dos soropositivos.
O segundo argumento (texto EM 2010-04) tem como objetivo mostrar a
finalidade da pesquisa; especificamente, evidenciar a metodologia utilizada pelo
pesquisador (análise estatística) para tentar confirmar, numericamente, que os poluentes
existentes no ar podem interferir no baixo peso e prematuridade do bebê. Ao começar o
argumento com o verbo na primeira pessoa (“fiz”) que indica uma ação específica
daquele que fala, isto é, do cientista, observamos, novamente, a questão da
subjetividade e legitimação do pesquisador na divulgação científica da mídia. Além
disso, essa seleção lexical pode contribuir para que o leitor dê mais credibilidade ao que
está sendo noticiado. Afinal, ele não está ouvindo de terceiros a novidade anunciada,
mas do próprio responsável pela pesquisa divulgada.
Já o terceiro argumento selecionado (texto EM 2010-05) busca ressaltar os
benefícios da pesquisa divulgada. Mais uma vez, por serem pronunciados pelo
responsável pela descoberta, tendem a evidenciar uma maior credibilidade para o leitor.
No início do argumento: “os médicos conseguirão decidir quais os melhores anestésicos
a serem administrados”, a seleção do verbo “conseguir” no futuro do presente, bem
como do adjetivo “melhores” garantem ao leitor a eficácia dessa descoberta,
explicitando como esse estudo pode melhorar a vida do ser humano que se encontra em
estado vegetativo. Como complementa o outro pesquisador também envolvido na
descoberta, há “um futuro promissor na condição ‘vegetativa’”. A seleção da expressão
“futuro promissor” ratifica a importância da ciência na vida da população. Além disso, a
comunicação do paciente em estado vegetativo por meio de ressonâncias magnéticas
“tem provado ser o único método viável”. Na escolha da palavra “único”, observamos
também a subjetividade do pesquisador evidenciando que a sua descoberta é inovadora
e merece o reconhecimento da sociedade. Embora o próprio estudioso saliente que
“[a]inda é prematuro” o fato noticiado, esclarece ao leitor as expectativas a partir de sua
descoberta. Esse foi o ponto inicial de um descobrimento capaz de garantir (a partir da
seleção do trecho: “mas daqui a um tempo seremos capazes”) que, futuramente,
pacientes em estado vegetativo terão uma melhor qualidade de vida.
57
No argumento seguinte (texto FSP 2010-06), sobre a pesquisa que trata do
comportamento pacífico dos “bonobos”, notamos que é um estudo que ainda se
encontra numa fase experimental, bastante inicial, de modo que o próprio pesquisador
salienta que “paralelos entre bonobos e gente ainda não podem ser muito bem
estabelecidos no que se refere ao prolongamento da infância” dessa espécie de macaco.
A informação “ainda não podem ser”, ao mesmo tempo que evidencia a falta de
conclusões dessa pesquisa, deixa claro que é uma hipótese que se pretende confirmar na
continuação desse estudo, fato que pode ser constatado no trecho: “O próximo passo
que vamos dar é fazer comparações diretas com humanos”.
A evidência de que o conhecimento divulgado encontra-se em fase experimental
também pode ser observada no trecho selecionado do texto FSP 2010-08. Na pesquisa
que busca conhecer melhor o mosquito transmissor da malária, na expectativa de que,
no futuro, sejam produzidos repelentes capazes de eliminá-los, o responsável pelo
estudo garante: “Desenvolver um produto efetivo vai provavelmente levar vários anos”.
Nesse enunciado, fica evidente a tentativa do jornalista em não divulgar uma falsa
descoberta aos leitores. Caso fossem mostrados apenas os resultados da pesquisa sobre
o mosquito, o leitor poderia pensar que a produção dos repelentes fosse um passo
simples a ser dado. Com o argumento apresentado, oriundo de uma pessoa legitimada
para falar do assunto, o jornalista se isenta da responsabilidade em criar falsas
expectativas ao leitor. Conforme explicitado, o benefício prático dessa pesquisa pode
“levar vários anos”.
No argumento seguinte, retirado do texto FSP 2010-11, notamos que os
resultados de uma pesquisa são divulgados, evidenciando tratar-se de um estudo já
concluído. A subjetividade do pesquisador no trecho selecionado é explicitada pela
seleção das palavras “é isso que o torna [o grafeno] tão interessante”. Ao ser proferida
em um registro mais informal, essa informação, dita por um pós-doutorando da USP
que estuda as propriedades do grafeno, contribui também para provar a importância e a
confiabilidade dessa pesquisa para o leitor.
O último argumento escolhido para compor os exemplos selecionados para esta
parte da análise evidencia um apelo da coordenadora de um estudo que aponta os
prejuízos econômicos causados pelo clima quente da região centro-oeste do Brasil.
Segundo a pesquisadora, serão necessários “investimentos muito grandes para
compensar os efeitos negativos da redução dos recursos hídricos”. A partir da seleção
das palavras “muito grandes”, a estudiosa deixa claro à comunidade e às autoridades
que esse investimento é realmente importante para essa região. Do contrário, a queda na
58
geração de energia, evidenciada pela informação “efeitos negativos da redução dos
recursos hídricos”, pode comprometer ainda mais a situação econômica da região, que
já se encontra afetada pelas chuvas.
Observamos, a partir da seleção dos argumentos procedentes de estudiosos
diretamente relacionados ao assunto divulgado, que as informações transmitidas por
meio de citações dos próprios pesquisadores poderiam ter sido parafraseadas pelos
jornalistas. Contudo, ao serem dispostas entre aspas, representando a fala legítima do
pesquisador em relação ao assunto divulgado, tendem a ampliar a credibilidade do
conhecimento que está sendo transmitido ao leitor, o qual tem possibilidade de “ouvir”
diretamente da fonte como foi realizada a pesquisa ou qual a implicação desta em sua
vida.
b2) Argumentos de autoridade (procedentes de estudiosos externos ao
assunto divulgado)
Em nossa amostra, observamos que, em apenas 33,3% dos textos (2 dos 6)
publicados no Estado de Minas, houve uma preocupação em acrescentar vozes de outras
autoridades em relação ao estudo divulgado. Ainda assim, uma dessas vozes, de um
especialista no assunto, vem apenas complementar o que já havia sido defendido pelo
responsável pelo estudo, conforme é mostrado no trecho retirado do texto EM 2010-04.
Em outro momento, a citação disponibilizada apenas cita um dado da New England
Journal of Medicine, que justifica a importância da pesquisa em discussão.
Na Folha de S. Paulo, o resultado também não foi divergente, uma vez que 40%
dos textos publicados buscam outras vozes para dar respaldo ao que está sendo
divulgado pelo pesquisador responsável pelo fato científico ou político noticiado e, em
nenhum dos casos, essas vozes contrariam a informação em relação aos dados e
resultados da pesquisa.
EM 2010-04 – “É cientificamente muito claro que o tabagismo passivo é um fator de risco. Deixamos claro à paciente que é totalmente contraindicado se expor à fumaça do cigarro”. FSP 2010-01 – “Jamie Drummonde, diretor-executivo da campanha ONE (...), avaliou o anúncio do FMI como positivo, mas afirma que grandes somas de dinheiro ainda serão necessárias para complementar o fundo proposto pelo FMI para ajudar os países a lidarem com os efeitos da mudança do clima imediatamente. Segundo a ONG, mesmo com novo fundo prevendo ‘empréstimos concessionais’ – com juros baixos e prazos longos – ainda seria necessário um ‘financiamento em doações’ para os países mais pobres”.
59
FSP 2010-12 – “Um dos coordenadores do relatório do grupo 2, Ulisses Confalonieri, da Fiocruz de Belo Horizonte, diz que o indiano é um líder ‘muito hábil’ e que o IPCC não é imune a falhas. ‘Se saiu um erro, erraram os autores e erraram os revisores’. Segundo ele, o problema é que o trabalho do painel tem uma visibilidade muito grande. ‘Qualquer passo em falso e todo mundo cai em cima, diz que é má-fé. Mas os intrumentos de análises têm incertezas, como qualquer coisa em ciência’. Confalonieri cita um dado que ele mesmo mandou excluir do sumário executivo do relatório, por exagerado. ‘Era uma projeção da Organização Mundial da Saúde que dizia que 150 mil pessoas haviam morrido por impacto do clima na saúde. Mas a metodologia usada era muito incipiente’, lembra. Segundo ele, o trabalho do painel não sairá arranhado do episódio. ‘Pode haver uma perda temporária de credibilidade, mas depois ela se recupera’.” Os argumentos mostrados anteriormente, extraídos dos textos EM 2010-04, FSP
2010-01 e FSP 2010-12, por exemplo, apenas complementam a informação divulgada.
No primeiro deles, que parte da divulgação sobre o risco de poluentes na gravidez, a voz
de um especialista, que alerta sobre os fatores de risco do tabagismo passivo, serve para
ratificar os resultados da pesquisa divulgada, que defende que a exposição exagerada ao
ar poluído é um risco na gravidez. O argumento em questão, ao ser iniciado pelas
palavras: “É cientificamente muito claro”, tende a contribuir para que o leitor dê mais
credibilidade ao que está sendo dito, isto é, de que a exposição à fumaça do cigarro pode
ser um problema para a saúde.
No outro argumento, selecionado no texto FSP 2010-01, pronunciado pelo
diretor-executivo da ONE, além de concordar com o pronunciamento do diretor do FMI,
de que será necessário ampliar o fundo financeiro destinado a ajudar os países do
Acordo de Copenhague, a seleção do operador argumentativo “ainda” complementa a
informação já dada, mas a utilização do verbo “ser” no futuro do pretérito evidencia que
essa não é uma decisão, mas apenas uma posição sobre o que deveria ser feito.
O último argumento selecionado nessa fase da análise, retirado do texto FSP
2010-12, foi pronunciado por um especialista da Fiocruz de Belo Horizonte, que
reconhece o erro no IPCC, mas defende o acontecido, tentando não culpar os
responsáveis, fato que fica explícito sobretudo pela utilização de uma metáfora na forma
verbal: “o trabalho do painel não sairá arranhado do episódio”.
Em outros casos, o argumento serviu apenas para indicar que o trabalho será
divulgado em alguma revista científica importante, conforme exemplificado nos
argumentos selecionados nos textos FSP 2010-07, FSP 2010-08 e FSP 2010-10.
FSP 2010-07 – “Mais ou menos na mesma época, há cerca de 2.200 anos, tanto os moradores do vale de Tehucán (no sul do México) quanto as tribos do sudoeste dos Estados Unidos passaram a criar a suculenta ave, revela um artigo publicado na revista científica americana ‘PNAS’ .”
60
FSP 2010-08 – “O estudo de Carlson e mais quatro colegas vai ser publicado em edição futura da revista científica britânica ‘Nature’ , mas já está disponível no site da publicação para os assinantes”. FSP 2010-10 – “O resultado saiu em formato eletrônico no periódico ‘PLoS Neglected Tropical Diseases’, dedicado a doenças tropicais negligenciadas, em janeiro: uma refutação da hipótese de que a doença só tenha chegado à Europa depois de 1492”. Entendemos que as vozes dos especialistas responsáveis pelos assuntos
divulgados são importantes, até mesmo porque devem ser estes os mais interessados a
divulgar esses conhecimentos à comunidade. Contudo, a contraposição de fontes, de
opiniões de outros pesquisadores em relação ao assunto divulgado, é uma característica
do jornalismo científico. Conforme destaca Oliveira (2007, p. 14), é preciso “romper
com a cultura de ‘papagaios de cientistas’”, ou seja, é importante que os jornalistas não
apenas publiquem aquilo que um cientista disse sobre sua própria pesquisa, mas que
amplie essa divulgação incluindo novos elementos à informação, destacando, a partir de
outros dados científicos, os riscos ou fracassos que um conhecimento científico pode
apresentar.
Isso demonstra também que a divulgação científica na mídia, conforme
comprova nossa observação, ainda está muito restrita à divulgação do fato científico
sem discutir as implicações desse, ainda que, muitas vezes, os benefícios da pesquisa
sejam ressaltados.
b) Benefícios científicos e sociais da pesquisa
A demonstração explícita para os leitores dos benefícios das pesquisas que vêm
sendo realizadas ocorreu com bastante frequência nos textos de nosso corpus. Vejamos
alguns exemplos:
EM 2010-03 – “Uma vez que a ciência conhecer esse mecanismo, será capaz de desenhar drogas mais ativas contra variantes do HIV resistentes aos antirretrivirais”. (Grifo nosso) EM 2010-05 – “Com os resultados dos testes, a ciência poderá ajudar a diagnosticar melhor quais pacientes preservam o mínimo de atividade cerebral”. (Grifo nosso) FSP 2010-03 – “[S]egundo os cientistas indianos, a técnica aplicada no estudo com os tomates tem chance de dar certo para outros tipos de planta, o que seria uma ajuda significativa para a agricultura de nações pobres”. (Grifo nosso) FSP 2010-06 – As descobertas podem ajudar a entender o comportamento humano. (Grifo nosso)
61
FSP 2010-08 – “Estudo mostra quais substâncias exaladas por humanos ativam o olfato do inseto, abrindo porta para novos repelentes”. (Grifo nosso) FSP 2010-08 – “Pesquisa americana oferece nova estratégia contra o transmissor da malária, doença que mata 1 milhão por ano no mundo inteiro”. (Grifo nosso) FSP 2010-09 – “Sua proposta tornaria possível, por exemplo, que produtores rurais de São Paulo adotassem medidas de compensação ambiental em outros Estados, evitando a redução de áreas de agricultura já consolidadas em território paulista”. (Grifo nosso) FSP 2010-10 – “O levantamento na literatura apontava evidências fortes para inocentar marinheiros europeus e índias americanas, mas não conclusivas. É aí que o estudo da USP inova, ao complementar o registro histórico com ferramentas de biologia molecular.” (Grifo nosso) FSP 2010-11 – “‘Supergrafite’ dá origem a transistores mais rápidos”. (Grifo nosso)
Nos trechos selecionados, observamos, sobretudo a partir da seleção lexical
colocada em negrito, que o benefício científico ou social das pesquisas tende a ser
destacado na divulgação científica da mídia. Observamos que todos esses benefícios são
apresentados por meio de verbos, seja no tempo presente ou futuro, geralmente
acrescidos de outras palavras que exprimem uma carga semântica bastante positiva,
como nos casos de: “ser capaz”, “poder ajudar”, “ser uma ajuda significativa”, “abrir
porta”, “oferecer nova estratégia”, “tornar possível”, “evitar”, “inovar”, “dar origem”.
No caso de “abrir porta”, observamos que se trata de uma expressão metafórica e
bastante informal. As demais expressões também estão mais próximas de um registro
mais voltado para o cotidiano do público leitor.
Apresentar os benefícios das pesquisas é uma estratégia de suma importância,
pois é a partir dela que, muitas vezes, os leitores conhecem qual a verdadeira finalidade
científica e social de se investir em determinado conhecimento. Observamos, em nosso
corpus de análise, que o Estado de Minas teve essa preocupação em 33,3% dos textos e
que a Folha de S. Paulo evidenciou o benefício da pesquisa em 40% das notícias
divulgadas. Consideramos que essa seja uma ocorrência baixa devido à necessidade de
contextualização por parte dos leitores. Partindo do princípio que esses possam ser
leigos nos assuntos divulgados, na maioria das vezes, seria necessário esclarecer qual a
implicação dessa descoberta na vida dos cidadãos. Afinal, para a sociedade, em geral, o
que interessa não é tanto o descobrimento científico, mas a finalidade social da
pesquisa.
62
c) Comparações e Metáforas
Cassany et al. (2000, p. 94) defendem que “o recurso da metáfora permite
relacionar conceitos científicos supostamente desconhecidos com a realidade mais
próxima do público em geral (...) e constitui um discurso retórico típico para textualizar
– e recontextualizar – um dado especializado da divulgação45”.
Para a comparação, o efeito discursivo é o mesmo. Ao comparar, o leitor
consegue aproximar o conhecimento científico do seu repertório cultural e social. Por
meio da comparação, o leitor é capaz de relacionar conhecimentos técnicos à sua
realidade, ampliando a sua capacidade de compreensão. Os exemplos identificados,
mostrados na sequência, denotam que o jornalista recorre a algumas comparações
(textos EM 2010-03 e FSP 2010-06) e metáforas (textos FSP 2010-03, FSP 2010-08 e
FSP 2010-11) para facilitar o entendimento do leitor, como em:
EM 2010-03 – Prototype Foamy Vírus (PFV), um vírus muito parecido com o HIV. (Grifo nosso) EM 2010-03 – O cristal age como uma espécie de lente. (Grifo nosso) EM 2010-03 – Cherepanov comemora ainda o fato de ter impregnado os cristais em soluções de inibidores de integrase – semelhantes aos medicamentos usados contra a Aids. (Grifo nosso) EM 2010-03 – Prototype Foamy Vírus (PFV), semelhante ao HIV. (Grifo nosso) FSP 2010-06 – Certamente, pessoas são bastante sociáveis, em boa medida amigáveis e gostam de sexo em várias posições. Nesse sentido, bonobos são os animais mais parecidos com os seres humanos, mas pessoas também podem ser altamente agressivas e egoístas. Crianças humanas também gostam de brincadeiras e são bastante sociáveis, mas nem sempre são altruístas e com alguma frequência são mesquinhas. (Grifo nosso) FSP 2010-03 – No estudo sobre o trabalho, os pesquisadores explicam como conseguiram retardar o processo de apodrecimento dos tomates. A tática foi ‘silenciar’ genes da planta envolvidos na produção de duas enzimas relacionadas ao amadurecimento. (Grifo nosso) FSP 2010-08 – Quando infecta um glóbulo vermelho, o parasita da malária injeta nele centenas de proteínas que ajudam a enganar o sistema de defesa do organismo e modelam a célula humana para suas necessidades. (Grifo nosso) FSP 2010-11 – [O] grafeno, material-irmão do prosaico grafite usado em lápis e lapiseiras(...). (Grifo nosso)
45 El recurso a la metáfora permite relacionar conceptos científicos supuestamente desconocidos con realidades más cercanas al público general (...) y constituye un recurso retórico típico para textualizar – y recontextualizar – un dato especializado en la divulgación.
63
Nos fragmentos apresentados, observamos que a seleção dos termos “muito
parecido”, “semelhante”, “como” e “mais parecidos” explicitam a comparação do
conhecimento divulgado a outros termos. Podemos dizer que essa é uma importante
estratégia divulgativa pelo fato de oferecer ao leitor possibilidades explícitas de
analogias referentes a situações já conhecidas por ele. Essas comparações, por
permitirem que o leitor reconheça as informações científicas através de elementos mais
conhecidos (“lente”; “vírus muito parecido com o HIV”; “medicamentos usados contra
a Aids”; “comportamento do ser humano”; “grafite”) auxiliam a transposição de um
discurso mais abstrato para um discurso mais próximo da realidade, facilitando o
processo de difusão da ciência na mídia.
Em relação à metáfora, verificamos a sua utilização a partir das formas verbais
“silenciar” para se referir aos genes dos tomates transgênicos responsáveis pelo
amadurecimento do fruto; “enganar” para evidenciar a estratégia utilizada pelo
mosquito causador da malária ao infectar o organismo humano; e do termo “material-
irmão” para aproximar as propriedades do grafeno ao conhecido grafite usado no lápis.
Assim como na comparação, a estratégia de metaforizar a forma de apresentar o
conhecimento científico para o leitor pode contribuir para uma compreensão mais
efetiva do assunto divulgado. Dada a abstração das temáticas tratadas, essa é uma forma
de concretizar o assunto para o leitor, facilitando o seu entendimento.
Em nossa pesquisa, observamos que essa estratégia, embora muito eficaz para
uma efetiva compreensão por parte do público leitor, foi pouco utilizada em ambos os
periódicos analisados: o Estado de Minas recorreu a esta apenas em 16,6% de seus
textos, ao passo que a Folha de S. Paulo o fez em 33,3%.
d) Definições
Esta fase da análise objetiva identificar a frequência e a motivação discursiva
para a utilização da definição nos textos da amostra. Notamos que a divulgação
científica na mídia utiliza, em geral, essa estratégia. Já que alguns termos técnicos são
mantidos no texto de divulgação, é necessário defini-los para que o leigo possa ter
acesso ao seu significado, conforme adverte Ciapuscio (1997).
Nas definições identificadas, observamos a recorrência em se explicitar a função
do objeto ou termo definido, seja para evidenciar sua finalidade, seu uso, suas
possibilidades ou até mesmo suas limitações.
64
Sabemos que a definição baseia-se na construção prévia de um marco de
referência para que o leitor possa situar cada conhecimento divulgado. Consideramos
que essa é uma importante estratégia pelo fato de caracterizar determinados termos mais
técnicos ao público que pode ser leigo no assunto. Em nossa investigação, observamos
que o jornal Estado de Minas teve essa preocupação em 33,3% dos textos, enquanto a
Folha de S. Paulo optou por definir alguns termos mais técnicos em 66,6% dos textos,
demonstrando, pois, que o jornal de abrangência nacional, nesse quesito, teve uma
maior preocupação em definir de forma mais sistemática o conhecimento divulgado
para os seus leitores. Vale pontuar que, em um mesmo texto, a estratégia divulgativa
definição foi utilizada por mais de uma vez. Sendo assim, no total da amostra, 12 (doze)
dos 21 (vinte e um) textos analisados recorrem a essa estratégia; contudo, no total,
foram identificadas 24 definições.
Em relação aos autores responsáveis pela elaboração das definições encontradas,
observamos que apenas 1 (uma) dessas 24 (vinte e quatro) definições foi elaborada por
um especialista: Segundo ele (o cientista responsável pela descoberta), o cristal é um
arranjo tridimensional de moléculas, dispostas de modo preciso e previsível no espaço.
É notável seu caráter explicativo, mas observa-se que ainda são mantidas palavras
específicas do vocabulário técnico. Dessa forma, embora se trate de uma definição,
pode ser que não esclareça ao leitor, de fato, o que significa esse “cristal” utilizado em
sua descoberta.
As demais definições identificadas foram elaboradas por jornalistas,
demonstrando, pois, que essa é uma estratégia típica do jornalismo científico, que tem
por objetivo recontextualizar o conhecimento científico, buscando transformar o
conhecimento técnico em linguagem mais acessível para o público leigo.
Uma característica particular de algumas sequências divulgativas de definição é
a presença de siglas para referir-se explicitamente a um significado ou termo
especializado, como mostram os exemplos a seguir.
FSP 2010-08 – [V]írus da Aids, o HIV. FSP 2010-12 – O IPCC, o painel do clima das Nações Unidas.
Observamos que as definições para as siglas “HIV” e “IPCC” foram introduzidas
por parêntesis ou separadas por vírgulas, que têm como função isolar informações
complementares em um discurso. Esse tipo de pontuação constitui-se como uma
importante pista contextual, já que evidencia o sentido do termo utilizado.
65
Observamos também alguns casos em que o objetivo da definição utilizada foi
explicar de forma breve um determinado termo ao leitor, conforme pode ser observado
nos exemplos a seguir.
EM 2010-03 – [C]ópia tridimensional da integrase, a proteína responsável pela infecção do HIV no corpo humano. EM 2010-05 – Paciente comatoso – O termo é usado para descrever uma pessoa não sedada que não mostra sinais de consciência de si mesmas ou do ambiente que a cerca. FSP 2010-07 – [C]oprólitos [fezes fossilizadas].
Introduzidas por vírgulas, travessões ou colchetes, observamos que foram
utilizadas definições para termos mais técnicos, já que, dada a importância nos
contextos em que aparecem, foi necessário esclarecê-los ao leitor para que a
interpretação do texto não fosse comprometida. Observamos que a referência ao termo
definido é técnica, mas a definição para tal é elaborada numa linguagem mais próxima
do público não especialista.
Outro tipo de definição identificada em nosso corpus é aquela que objetivou
ressaltar a finalidade do termo divulgado. Por se tratar de um discurso para um público
amplo e heterogênero, é desnecessário enfocar conhecimentos mais específicos que
poderiam ser ininteligíveis, mas destacar a sua função foi considerado um recurso
importante, como pode ser visto nos exemplos a seguir.
EM 2010-03 – Integrase: enzima que permite aos retrovírus inserir cópias de genes do vírus no DNA do hospedeiro – no caso, o ser humano. FSP 2010-01 – Direitos especiais de saque (SDRs) são um ativo internacional de reserva criado pelo FMI em 1969 como suplemento a reservas oficiais dos países membros do fundo. FSP 2010-08 – [P]rotease – enzima que quebra proteínas.
Concluímos, então, que a definição tende a prescindir de sequências típicas do
discurso científico, adaptando termos técnicos ao seu novo contexto – fato que contribui
para a informatividade do discurso –, com o objetivo de atingir o público leitor, visando
sua maior participação no entendimento do conhecimento científico enfocado.
66
e) Exemplificações
Segundo Calsamiglia e Tusón (1999), a inclusão de exemplos é um mecanismo
característico dos textos explicativos, entre os quais o de divulgação científica.
Contudo, esse não foi um recurso recorrente nos textos analisados nesta pesquisa. O
jornal Estado de Minas recorreu a essa estratégia em apenas um de seus textos, como
pode ser observado nos trechos a seguir, enquanto a Folha de S. Paulo optou por não
utilizá-la.
EM 2010-05 – A conclusão pode implicar a proibição da eutanásia mesmo em países mais liberais, já que acena com a possibilidade de um ‘paciente vegetativo’ se manter em alerta. Um dos casos mais polêmicos envolveu a norte-americana Terri Schiavo, que sofreu danos cerebrais em 1990, após adquirir deficiência de potássio. Ela permaneceu 15 anos em estado vegetativo até que a Justiça em 2005 mandou desligar os aparelhos que a mantinham viva. EM 2010-05 – Um paciente belga de 29 anos comunicou respostas por meio da mudança intencional de sua atividade cerebral. EM 2010-05 – [R]eflexos básicos – pode piscar quando submetida a barulhos ou retirar uma mão quando um estímulo doloroso é aplicado.
A exemplificação utilizada pelo Estado de Minas consistiu em relatar dois casos
de pacientes em estado vegetativo, sendo que o primeiro narra a conhecida história de
uma norte-americana que teve seus aparelhos desligados, depois de permanecer em
estado vegetativo por 15 anos. O segundo exemplo relata a situação do paciente belga
em estado vegetativo que se comunicou graças à nova pesquisa. O terceiro exemplifica
quais as reações de um paciente em relação ao chamado “Reflexos básicos”.
Acreditamos que o uso de mais exemplos concretos e cotidianos para explicar
conceitos abstratos e especializados resultaria em uma recontextualização mais eficaz
em relação aos textos de divulgação científica, podendo atuar como facilitador no
entendimento do conhecimento divulgado.
f) Explicações
Muitos dos conceitos utilizados na divulgação científica se apresentam
acrescidos de explicações sobre seu significado. Em geral, trata-se de apostos mais
breves, pospostos a termos supostamente desconhecidos pelo leitor e, às vezes,
introduzidos por aspas, parêntesis e travessões. Vejamos alguns exemplos a seguir.
67
EM 2010-03 – Ainda que funcione em boa parte dos casos, o Isentress apresenta índice de fracasso, pois o vírus HIV pode rapidamente desenvolver resistência a qualquer droga única. EM 2010-05 – Os pacientes comatosos permanecem com os olhos cerrados e não respondem a comandos. O coma persiste por pelo menos uma hora e pode durar de duas a quatro semanas. Durante esse tempo, o paciente pode despertar ou progredir para o estado vegetativo ou de consciência mínima. FSP 2010-03 – No estudo sobre o trabalho, os pesquisadores explicam como conseguiram retardar o processo de apodrecimento dos tomates. A tática foi ‘silenciar’ genes da planta envolvidos na produção de duas enzimas relacionadas ao amadurecimento. FSP 2010-08 – Quando infecta um glóbulo vermelho, o parasita da malária injeta nele centenas de proteínas que ajudam a enganar o sistema de defesa do organismo e modelam a célula humana para suas necessidades.
Ao utilizar a explicação como estratégia divulgativa do conhecimento científico,
o jornalista consegue clarear as informações para o seu público leitor, seja explicitando
metodologias utilizadas nas pesquisas, como no texto FSP 2010-03, esclarecendo
termos mais técnicos, como em EM 2010-05 e FSP 2010-08, ou mesmo adicionando
informações que facilitem o entendimento do leitor, como no trecho retirado do texto
EM 2010-03. Por ser fundamental no processo de recontextualização, observamos que
foi amplamente utilizada em vários textos que compõem o nosso corpus, sobretudo na
Folha de S. Paulo, que a incluiu em 93% de seus textos, sendo utilizada várias vezes em
um mesmo texto. O Estado de Minas recorreu a essa estratégia em 50% de seus textos,
evidenciando também que o jornal de abrangência regional se preocupa em explicar os
fatos científicos para seus leitores.
g) Narrativizações
Cassany e Martí (1998) afirmam que a presença de sequências narrativas no
jornalismo científico é um traço particular da divulgação, uma vez que a narração não
faz parte das sequências discursivas típicas da ciência ou do jornalismo.
Cassany et al. (2000, p. 91) afirmam que “narrativizar a exposição ou explicação
de uma rede conceitual científica é um recurso para tratar de um conhecimento
especializado a uma audiência leiga através de uma das formas textuais mais recorrentes
na comunidade (contos, tradição oral, cinema etc)46”.
46 Narrativizar la exposición o explicación de una red conceptual científica es un recurso para acercar un conocimiento especializado a una audiencia lega a través de una de las formas textuales más corrientes en la comunidad (cuentos, tradición oral, cine, etc.).
68
Essa estratégia foi utilizada com uma frequência considerável nos dois jornais
analisados: Estado de Minas em 66,6% de seus textos e Folha de S. Paulo em 60%.
Vejamos, na sequência, alguns exemplos dessa estratégia identificados em nosso corpus
de pesquisa.
EM 2010-05 – A canção coma, da banda de rock Guns n’Roses, detalha uma experiência do vocalista Axl Rose ao entrar em coma, após uma tentativa de suicídio por overdose. ‘Eu poderia sair tão facilmente/ enquanto amigos estão me chamando de volta/ Eu disse que eles estão/ deixando tudo por minha conta’, afirma a letra da música, que expõe uma suposta consciência do paciente comatoso. Pela primeira vez na história da medicina, cientistas conseguiram ‘conversar’ com um homem em estado vegetativo – uma situação mais complexa que o coma. FSP 2010-04 – A gestão Obama abortou os planos da NASA de voltar à Lua, ao cancelar o programa Constellation, do governo Bush, que queria levar humanos ao satélite até 2020. FSP 2010-07 – Os indígenas da América do Norte antes de Colombo não celebravam o Natal, obviamente, mas criar perus parece ter sido tão importante para eles que o bicho foi domesticado na região duas vezes, de forma separada, indica um novo estudo.
Ao narrativizar os fatos científicos, verificamos uma tentativa dos produtores
desses textos em dar subsídios aos seus leitores para que os conhecimentos científicos
divulgados possam ser associados a fatos cotidianos ou também para que os leitores
tenham mais recursos para fundamentar seus conhecimentos prévios sobre o assunto.
Dessa maneira, contribuem para que o conhecimento divulgado seja compreendido de
forma mais efetiva.
É interessante notar que, muitas vezes, na disseminação do conhecimento
científico, há uma preferência por formas impessoais, que escondem os sujeitos das
ações. Já na divulgação científica na mídia, por meio de narrativizações, por exemplo,
pessoas ou fatos científicos desempenham ações através do tempo e isso pode ser
“contado” ao leitor.
Podemos perceber, em ambos os jornais analisados que, ao articularem uma
breve sequência narrativa que atua como ponte entre o leitor leigo e os dados técnicos,
explicitando os protagonistas das ações, como “a gestão Obama” no trecho do texto FSP
2010-04 e “os indígenas da América do Norte” no texto FSP 2010-07, por exemplo, ou
relembrando algum fato mais próximo do leitor, como no caso da canção “Coma”,
citada no texto EM 2010-05, contribuem para que a divulgação de fatos científicos
torne-se mais próxima do repertório cultural de seus leitores, servindo até mesmo para
desmitificar a ciência como inatingível, restrita a um público de iluminados
especialistas.
69
3.2.1 Considerações gerais em relação à análise do aspecto verbal
Nossa análise em relação ao procedimento discursivo de expansão, apresentando
e discutindo as estratégias divulgativas identificadas no corpus de análise, procurou
demonstrar como essas formas discursivas de apresentar o conhecimento científico na
mídia contribuem para a efetiva compreensão do público leitor em relação ao assunto
divulgado.
Na sequência, demonstramos graficamente a recorrência de cada estratégia
divulgativa para cada um dos jornais no período analisado.
0 50 100
ARGUMENTO DE AUTORIDADE
(INTERNO)
ARGUMENTO DE AUTORIDADE
(EXTERNO)
BENEFÍCIO CIENTÍFICO E
SOCIAL
DEFINIÇÃO
EXEMPLIFICAÇÃO
EXPLICAÇÃO
NARRATIVIZAÇÃO
Estado de Minas
Folha de S. Paulo
Gráfico 3: Frequência das estratégias divulgativas utilizadas nos textos da amostra.
Considerando a utilização da definição e explicação, por exemplo, observamos
que essas estratégias foram elaboradas e utilizadas de maneira que contribuem, de fato,
para uma maior construção de conhecimento prévio dos leitores em relação à
divulgação científica, sobretudo na Folha de S. Paulo.
Outras, como as metáforas e comparações, as exemplificações ou os benefícios
das pesquisas divulgadas poderiam ter sido mais exploradas, tanto no Estado de Minas
quanto na Folha de S. Paulo, visando à participação mais efetiva da sociedade civil no
entendimento sobre ciência, uma vez que essas estratégias dariam suporte para que o
70
discurso científico pudesse ser aproximado dos discursos mais recorrentes do cotidiano
dos leitores.
Em relação aos argumentos de autoridade, embora bastante utilizados, vemos
que se prestam apenas ao papel de legitimar os assuntos divulgados, bem como seus
pesquisadores, mas não contribuem para uma formação crítico-reflexiva por parte do
público leitor.
3.3 Análise do conteúdo não verbal sob a perspectiva da Gramática do Design Visual (GDV)
A análise subsequente visa salientar os aspectos mais relevantes em cada uma
das imagens publicadas nos textos que configuram nosso corpus de pesquisa. Dentre as
muitas leituras possíveis, propomos uma em consonância com os significados
representacionais, interacionais e composicionais, de Kress e van Leeuwen (2006).
Ponderamos que nem todas as categorias propostas pela Gramática do Design Visual
serão utilizadas em todas as imagens, visto que, em cada aspecto icônico, elegemos os
significados mais evidentes para análise. Sendo assim, algumas edições dos jornais de
nosso corpus de pesquisa serão analisadas em sua página completa (no caso da análise
dos significados composicionais, por exemplo), enquanto para outras, houve a
necessidade de se separar as imagens de uma página para uma análise individual (como
nos casos em que os processos narrativos foram mais evidentes).
Primeiramente, serão analisadas, separadamente, algumas imagens publicadas na
seção Ciência do Estado de Minas; posteriormente, será realizada a análise do aspecto
icônico na página completa da seção Ciência do jornal Folha de S. Paulo, conforme
justificado no parágrafo anterior.
71
Texto EM 2010-01
Figura 12: Seção Ciência do jornal Estado de Minas, edição de 1/2/2010, com as demarcações dos valores de informação Ideal e Real, bem como do vetor que evidencia o processo narrativo.
A parte superior da figura 12, concepção artística do lançamento do Foguete
Atlas no espaço, sugere um processo narrativo, isto é, a realização de uma ação do
participante representado (PR), que, nesse caso, é o Foguete Atlas V. Esse PR, no caso,
ator, executa essa ação, a de ser lançado no espaço, tendo como meta o Sol, que,
embora não esteja completamente explícito na imagem, pode ser visto parcialmente por
seu tom alaranjado, conforme pode ser observado na seta elaborada para indicar o
movimento em torno do Sol. Sendo assim, temos um processo narrativo em que o ator e
a meta estão presentes, podendo, então, ser classificado como ação transacional, em
72
que x está para y, de acordo com os significados representacionais. Salientamos,
também, que este é um vetor circular, uma modalidade não prevista nos pressupostos da
Gramática do Design Visual (2006), mas que, neste caso, é perfeitamente visível e, por
isso, aceitável.
Ainda nessa mesma imagem, talvez seja possível dizer que a Terra desempenha
um processo narrativo circunstancial de acompanhamento, isto é, ela apenas
acompanha a relação entre o foguete e o sol, não possuindo uma relação vetorial direta
com nenhum desses participantes, ou seja, não há ação direta entre eles. A Terra apenas
faz seu trajeto habitual, seu movimento de translação.
Outra dimensão importante a ser analisada é a questão da modalidade, referente
aos significados interpessoais, que denotam o valor de verdade de uma imagem. Nesse
caso, observamos a utilização da modalidade naturalística, em que a representação do
Foguete da Nasa rumo ao Sol se aproxima bastante de uma imagem real, de uma
fotografia tirada de um satélite. Contudo, devido, principalmente, à saturação de cores
utilizadas, podemos também considerá-la como modalidade abstrata, visto que a
concepção desse foguete é também bastante artística. Conforme defendem Kress e van
Leeuwen (2006), em uma mesma imagem, vários marcadores em relação à modalidade
podem ser utilizados.
Em relação à cor, notamos a utilização de uma saturação completa, em tom
alaranjado. Essa ocorrência, ao mesmo tempo que confere uma nuance artística à
imagem, também é observada uma tentativa de aproximação real com as cores do Sol.
Com isso, a ideia de energia e calor, tal como também observamos no Sol, estimulam e
despertam a atenção do leitor, podendo até mesmo fazer com que este dê mais
credibilidade à possibilidade de que o Sol seja, de fato, melhor conhecido pelo homem.
Quanto mais se aproxima do Sol, maior também é a aproximação com seu tom
alaranjado.
Observamos também, em relação à modalidade, a utilização de background,
permitindo a visão da imagem em primeiro e segundo plano. Nesse caso, o foguete está
em primeiro plano, ainda mais próximo do leitor, mas em direção ao Sol, que, por estar
muito distante do observador, aparece em segundo plano, assim como a Terra, que
aparece num plano ainda mais inferior.
Quanto aos significados composicionais, os valores da informação (Real e
Ideal), como proposto por Kress e van Leeuwen (2006), são também relevantes na
imagem em questão.
73
Conforme demarcado na figura (Fig.12), na demarcação Ideal e Real, isto é, os
valores da informação de topo e fundo, de acordo com Kress e van Leeuwen (2006),
temos na seção superior a parte mais emotiva, idealizada, enquanto na parte inferior,
algo mais prático e informativo. Nesse texto, vale destacar tal demarcação na página
completa dessa seção, uma vez que, de acordo com Kress e van Leeuwen (2006), as
relações entre texto verbal e não verbal devem ser levadas em conta em uma análise.
Observamos que as informações no campo Ideal são: as imagens utilizadas para
representar o Foguete Atlas V no espaço, o enunciado “Com tecnologia de ponta, a nova
missão da NASA inaugura a corrida pelo conhecimento dos segredos do nosso maior
astro”, bem como a manchete “Rumo ao Sol”, que tem como saliência a palavra “Sol”,
escrita em tom alaranjado, aproximando-a das cores desse astro, e em maior tamanho e
espessura mais saliente, enquanto o restante do enunciado foi escrito com letras na cor
preta e em tamanho menor. Já, no espaço Real, são dispostos o texto verbal, na íntegra,
bem como o infográfico elaborado para descrever cada uma das partes do foguete. Uma
interpretação possível para essa ocorrência é a de que o objetivo da Nasa de conhecer o
Sol, através do Atlas V, ainda não pode ser visto como uma certeza. O Foguete é uma
tecnologia de ponta que foi concebida para desvendar os segredos do Sol, mas o sucesso
de sua atuação ainda não é realidade.
Em relação ao espaço Real, encontramos informações mais práticas, conforme é
proposto na GDV. Observamos a utilização de uma imagem muito comum ao se falar
das ciências, sobretudo as biológicas e exatas: o infográfico, isto é, informações
dispostas em forma de gráficos, que, portanto, exploram linguagem verbal e não verbal
(parte inferior da Fig. 12).
Na divulgação da ciência na mídia impressa, esse é um recurso bastante utilizado
como uma maneira de tornar possível ao leitor a produção de uma imagem mental sobre
o que está sendo tratado, haja vista que, muitas vezes, algumas temáticas divulgadas são
de difícil compreensão para o público em geral.
O infográfico exibido nessa notícia pode ser identificado, segundo a GDV, de
acordo com os significados representacionais, mais precisamente, como um processo
conceitual, que mostra o que está relacionado à essência do participante representado.
Nesse caso, temos um processo conceitual analítico exaustivo conjoined, que tem como
objetivo identificar o participante e detalhar minuciosamente as suas partes.
É conceitual porque os participantes representados não estão executando uma
ação, mas apenas significando algo; analítico por detalhar a representação do “todo”
pela “parte”, no qual o “todo”, o portador, é o Foguete Atlas V, desenvolvido pela
74
NASA, e as partes, atributos possuídos, são as descrições e imagens detalhadas de cada
um desses componentes. Por ser exaustivamente detalhada, é, pois, caracterizada como
exaustiva. Esse fato fica ainda mais evidente ao observarmos que a Sonda SDO, apenas
uma das partes desse foguete, também mereceu um infográfico para detalhar cada uma
de suas partes. Desse modo, essa sonda que, inicialmente, comportava-se como “parte”,
tornou-se um “todo” no infográfico subsequente. Toda essa representação, embora
esteja apresentada separadamente, configura um conjoined, no caso, o Foguete Atlas V.
Trata-se, pois, de uma imagem produzida especificamente para o leitor entender
a configuração do referido foguete. Logo, há uma interação entre PI e PR, já que o
primeiro pode observar minuciosamente todos os atributos possuídos do segundo.
Quanto à modalidade, referente aos significados interativos e também
importante nessa análise, verificamos que essa imagem pode ser enquadrada na
concepção tecnológica, que, conforme postulado por Kress e van Leeuwen (2006),
trata-se da representação por meio de esquemas. É também considerada sob baixa
modalidade por não se aproximar da realidade, tal como aconteceria numa fotografia,
ou tal como aconteceu na parte superior da Figura 12.
Considerando a imagem e a disposição das informações verbais, o texto de
divulgação científica amplia a mensagem transmitida ao dar suporte para que o leitor
consiga “ver” como se dará o lançamento do foguete no espaço. Nesse aspecto,
podemos dizer que essa imagem concretiza a abstração científica pelo fato de permitir
ao leitor observar de forma mais detalhada as partes que compõem o Atlas V.
75
Texto EM 2010-02
Figura 13: Imagem veiculada no texto EM 2010-02 com as demarcações dos valores de informação Centro e Margens, bem como do vetor que evidencia o processo narrativo.
Tal como no texto anterior, o EM 2010-02 também utiliza um infográfico não
apenas ilustrar, mas para transmitir de forma mais ampla o que está sendo informado no
texto verbal.
O texto trata da participação do Brasil em um consórcio que mantém o satélite
CoRot em órbita, abrindo oportunidades para pesquisas nacionais sobre o espaço e os
planetas. Para consolidar o assunto divulgado, optou-se por veicular uma imagem desse
satélite, que, aliás, ocupa a maior parte dessa página do jornal. De início, essa
apresentação conta com uma imagem conceitual analítica exaustiva conjoined, de
acordo com os pressupostos da GDV, em relação aos significados representacionais.
Assim, temos como “todo”, portador, o satélite CoRot e como “partes”,
atributos possuídos, cada um de seus componentes que, através de sequências
informativas, são detalhados de forma exaustiva. Ao mesmo tempo, essas sequências
são vistas como conjoined por estarem conectadas ao “todo”, que é o próprio satélite.
Tal como no infográfico anterior (Fig. 12), é uma imagem produzida diretamente para o
76
participante interativo, que se relaciona com o participante representado, o satélite, ao
poder observar detalhadamente seus atributos possuídos.
Abaixo ao infográfico, disposto no início da imagem, temos a representação do
satélite em tamanho maior e bastante evidente, sugerindo uma situação de narrativa,
como se estivesse dando uma volta ao mundo. Para esse caso, também em relação aos
significados representacionais, temos um processo narrativo de ação não-transacional,
em que o ator, o satélite, se movimenta, mas para uma meta que está fora da imagem,
conforme demarcado pela seta inserida na imagem.
Também nessa figura, a questão da modalidade tecnológica, de acordo com os
significados interativos, é relevante e saliente. Por meio do infográfico, que explica
cada uma das partes do satélite CoRot, observamos que essa foi uma imagem elaborada,
por meio de tecnologia, para tentar concretizar a abstração da ciência, isto é, detalhar
como se dá a configuração do CoRot. Na concepção desse satélite como se estivesse em
órbita, observamos uma aproximação com a realidade, buscando representar o objeto da
maneira mais “real” possível. Contudo, dada a sua elaboração para fins científicos,
tecnológicos, seu tom naturalístico não é o mais relevante.
Ainda quanto aos significados interativos, podemos ressaltar o papel
desempenhado pelas cores. Observamos uma intensa gradação da cor azul e, ao mesmo
tempo, das cores preta e alaranjada. O azul, visto como cor fria, poderia estar associado
à calma e também à distância; nesse caso, por se referir ao espaço, aos planetas. Já a cor
laranja, cor quente, utilizada nesse satélite, estaria associada à saliência, colocando-o em
primeiro plano para chamar a atenção do leitor. Estando exibido sobre um fundo negro,
essa saliência é ainda mais evidente. Esse contraste serve, pois, para chamar a atenção
do leitor, tanto para a criação do CoRot como do espaço a ser conhecido.
Vale também destacar a questão dos significados composicionais, conforme
proposto por Kress e van Leeuwen (2006). Em relação aos significados composicionais,
observamos uma concepção tríptica do satélite CoRot. Nesse aspecto, temos como
centro o próprio satélite, como se estivesse em movimento, e como margens o
infográfico explicitando cada uma de suas partes e também, na parte inferior, algumas
especificações desse satélite, tais como: peso, potência, altitude etc. Essas demarcações
também podem ser vistas na imagem disponibilizada anteriormente (Fig. 13).
Como saliência, observamos que essa é dada à imagem do satélite que está
centralizada; e isso ocorre não apenas por sua posição, mas também por sua maior
dimensão.
77
Quanto ao framming ou enquadramento, podemos dizer que as partes que
configuram essa imagem estão conectadas, sobretudo pela continuação de cores em seu
plano de fundo. Obviamente, essa conexão pode também ser percebida pela temática
única (concepção do satélite CoRot) evidenciada nessa figura. Porém, o que mais
explicita essa relação é a ausência de linhas que possam separar cada uma dessas partes.
Por fim, a utilização do texto multimodal nessa divulgação científica contribuiu
para ampliar os significados explicitados no texto verbal, dando suporte para que o
leitor consiga “visualizar” o que é um satélite, com todas as suas especificações.
Texto EM 2010-03
O conteúdo não verbal presente neste texto, observamos que os significados
composicional e interativo são conjugados de maneira a estabelecer importantes
relações entre participantes representados (PRs) e participantes interativos (PIs).
Para os significados composicionais, podemos considerar os três valores
propostos por Kress e van Leeuwen (2006) na Gramática do Design Visual: valores da
informação, saliência e enquadramento.
No que diz respeito aos valores da informação, quanto à oposição entre Dado e
Novo, isto é, a demarcação horizontal entre as informações da esquerda e direita,
observamos que é uma categoria que não se aplica à página analisada. Nesse caso, não
houve uma polarização, mas uma centralização: o pesquisador Peter Cherepanov é o
responsável pela descoberta e, portanto, o centro do fato. Como margens, temos o texto
verbal. Essas demarcações podem ser observadas na figura a seguir.
78
Figura 14: Seção Ciência do jornal Estado de Minas, edição de 3/2/2010, com as demarcações dos valores de informação Centro, Ideal e Real.
Em relação aos campos Ideal e Real, observamos também que não são
categorias perfeitamente aplicáveis à página em foco. Contudo, a disposição das
informações nesse âmbito de topo e fundo merece ser destacada. É notável que o título
da notícia, bastante atraente e sugestivo, podendo levar o leitor a imaginar que a cura da
AIDS pode ter sido descoberta, encontra-se no campo do ideal, assim como também a
maior parte da imagem do pesquisador que, com a descoberta, pode ser visto como uma
figura idealizada, superior pela sua descoberta. Já em relação ao campo do real,
notamos que estão dispostos o tópico Passo Importante, no qual a verdadeira
contribuição da pesquisa é descrita, além do resumo Pesquisa em pílulas – Conheça
79
detalhes do estudo realizado pela equipe de Peter Cherepanov, no qual todas as
informações descritas no texto integral podem ser lidas sinteticamente, comprovando,
pois, a tese defendida por Kress e van Leeuwen (2006) de que a seção inferior tende a
ser mais informativa e prática.
Em relação à saliência, observamos que esta foi dada à imagem do pesquisador.
É possível notar que, pelo fato de se tratar de uma única imagem na página, há um
maior destaque, seja pela nitidez das cores ou até mesmo pela luminosidade. Nessa
representação, embora seja evidente que a pesquisa tenha sido realizada por uma equipe,
o cientista responsável pelo trabalho é mostrado como o elemento central de toda a
pesquisa, a quem se atribui todo o mérito da descoberta.
Levando em conta o framing na página selecionada, embora haja um pequeno
espaço em branco entre a imagem e o texto verbal, observamos que há uma conexão
entre estes, uma vez que as cores utilizadas na foto são as mesmas do plano de fundo da
página inteira, em tons azulados e amarelados. Além disso, a utilização de figuras
geométricas como plano de fundo em toda a página confere também mais uma
representação de framing, ao mesmo tempo que sugere um caráter de cientificidade ao
assunto tratado, como se essas fossem as moléculas estudas na investigação divulgada.
O outro significado a ser discutido neste trabalho, o interativo, diz respeito à
interação entre participantes representados e interativos. Para esta análise, baseando-se
em Kress e van Leeuwen (2006), consideraremos as quatro dimensões: i) o olhar; ii) a
distância ou enquadramento; iii) a atitude ou perspectiva; iv) e a modalidade.
No caso da página em discussão, observamos que o cientista (Participante
Representado – PR) olha diretamente para o leitor (Participante Interativo – PI),
estabelecendo, pois, um olhar de demanda. Assim, Cherepanov constitui um vínculo
direto com o leitor, formando algum tipo de relação com este. Poderíamos pensar que
ele se fixa no leitor para lhe demandar algo, possivelmente, a admiração. Nesse caso, o
texto verbal nem é necessário, pois, na comunicação visual estabelecida, é como se o
cientista dissesse: “Eu sou o responsável por essa grande descoberta. Acreditam?”.
No entanto, embora o olhar seja de demanda, o corpo sugere oferta, já que não
está de frente para o seu observador. Sendo assim, o pesquisador representa, também,
um objeto de contemplação, como se estivesse numa vitrine. A sua posição oblíqua
evidencia um distanciamento para com o participante interativo. Nesse caso,
poderíamos considerar que o PR não quer se envolver tanto com o PI, já que
desempenham papeis diferentes na sociedade. Enquanto o primeiro é o descobridor, o
80
especialista, o segundo será apenas um beneficiário desta; portanto, não há intimidade
entre eles.
Quanto ao enquadramento, podemos verificar que há um distanciamento médio
entre o participante representado e o leitor, denotando respeito e distância socialmente
aceita. Com a utilização dessa distância média, conforme definem Kress e van Leeuwen
(2006), temos uma linguagem social. Com isso, o pesquisador passa a ser visto como o
ser estranho, diferente, demonstrando uma tentativa de afirmar que este é um ser
diferenciado, incapaz de se relacionar diretamente com seus simples observadores.
No que diz respeito à perspectiva, podemos afirmar que esta é subjetiva, por
fornecer apenas um ângulo da imagem. O pesquisador é apresentado sob um ângulo
oblíquo, denotando menor empatia com seus observadores, sugerindo distanciamento. O
PR está um pouco mais alto, o ângulo é um pouco superior; logo, de acordo com os
pressupostos de Kress e van Leeuwen (2006), a representação é a de que o PR tem
poder sobre o PI.
Em relação à modalidade, observamos que esta pode ser considerada como
naturalística, pelo fato de apresentar a imagem bastante próxima da realidade, sob alta
modalidade, demonstrando alta credibilidade e valor de verdade. Como fatores que
evidenciam essa característica, podemos citar: i) detalhamento do personagem
representado em tom mais realístico, em que até o tecido da roupa pode ser visto com
nitidez; ii) contextualização com background detalhado, por exibir o local onde o
pesquisador se encontra; iii) saturação de cor que retrata a realidade em alta
modalidade; iv) modulação de cores em diversas tonalidades, próxima da realidade; v)
utilização de uso máximo de profundidade, em que as formas do PR e do local onde este
se encontra podem ser vistas com clareza; vi) alta luminosidade na composição das
imagens; e, por fim, intenso brilho.
Observamos, nesse caso, como a linguagem não verbal é capaz de nos fornecer
múltiplas representações em relação ao pesquisador. Logo, essa imagem não apenas
ilustrou o texto divulgado, mas permitiu que novos significados fossem atribuídos em
relação ao pesquisador.
81
Texto EM 2010-04
Figura 15: Seção Ciência do jornal Estado de Minas, edição de 4/2/2010, com as demarcações dos valores de informação Ideal e Real, bem como do vetor que evidencia o processo narrativo.
No texto EM 2010-04, optou-se pela construção representativa de uma estrutura
conceitual simbólica para representar o significado do participante principal, no caso, o
bebê, retratando a questão dos riscos dos poluentes na gravidez. Podemos também
classificá-la como uma estrutura atributiva, em que o feto representado é o portador,
enquanto seus atributos simbólicos, que representam o significado, podem ser
82
observados pela máscara utilizada por ele, pelas cores fortes ali utilizadas, bem como
pelo nível de detalhamento com que o bebê é representado.
A construção da imagem de um feto, provavelmente ainda na barriga da mãe,
com uma máscara de proteção que cobre todo o rosto, faz um apelo à gravidade do
problema. Nesse mesmo ambiente, observa-se a imagem de um cigarro tendo sua
fumaça exalada diretamente ao feto, como é mostrado pela seta, bem como um plano de
fundo que representa a cidade poluída denuncia o ambiente extremamente poluído no
qual muitas pessoas tem vivido na atualidade.
Em relação à imagem da ponta do cigarro, observamos a construção de uma
estrutura narrativa de ação transacional. Nessa representação, temos o cigarro com a
fumaça como ator e o bebê que está recebendo essa poluição, apesar de estar de
máscara, como meta, conforme pode ser visto na seta elaborada para demarcar essa
representação.
Ainda em relação aos significados interativos, cabe salientar a posição de oferta
em que o bebê está representado. Esse feto é mostrado em posição oblíqua, para ser
observado e criticado pelo leitor, em um enquadramento médio e plano mais aberto.
Observamos, nessa representação, que, embora haja certa impessoalidade e
distanciamento entre os participantes representado e interativo, ainda há um
envolvimento desses participantes graças à modalidade com que o bebê é representado.
Na modalidade sensorial, bastante evidente nessa imagem, como ressaltam Brito
e Pimenta (2009, p. 106), “a realidade está baseada no efeito de prazer ou desprazer que
a imagem causa no leitor”. Nesse caso, o desprazer comentado pelas autoras é bastante
evidente e, para causar esse efeito, as cores utilizadas foram mais saturadas, numa
exageração que pode ser vista como representação hiper-real, sendo apresentada sob alta
modalidade. A utilização de cores quentes, que variam predominantemente sobre o
preto e o vermelho, sugerem tanto a questão da morte, doença ou perigo quanto a
necessidade de parar com tanta emissão de poluentes.
Podemos também ressaltar o uso de modalidade abstrata nessa imagem, uma
vez que essa representação é mais artística. É uma concepção criada exatamente para
chamar a atenção do leitor para o problema da poluição, que não pode ser considerada
como realidade perfeita.
Em relação aos significados composicionais, observamos que a demarcação dos
espaços Ideal e Real na página completa faz-se pertinente. Nesse caso, temos como
espaço idealizado a imagem de um bebê, ainda na barriga da mãe, exposto à poluição
ambiental. Assim, entendemos que Ideal, nessa ocorrência, não deva ser visto como
83
sonho, como algo que se desejaria que a poluição fizesse. O Ideal pode ser visto em
relação ao futuro, em que, numa imagem simbólica, bebês usariam máscaras ainda na
barriga da mãe. Como Real, temos a manchete “Riscos dos poluentes NA
GRAVIDEZ”, em destaque, sobretudo nas duas últimas palavras, que chama a atenção
do público leitor para o texto que divulga resultados de pesquisas as quais revelam que a
inalação do ar poluído pode causar problemas na gestação. Assim, o Real é a parte mais
informativa dessa página, enquanto o Ideal é a mais impactante ou até mesmo
sensacionalista para chamar a atenção do leitor.
Desse modo, a construção dessa imagem não apenas reforça o que está sendo
noticiado no texto verbal, mas faz um apelo ao leitor tentando demonstrar a gravidade
do problema da poluição, mostrando como uma gravidez pode ser afetada ou mesmo
colocada em risco.
Texto EM 2010-05
Figura 16: Imagem veiculada no texto EM 2010-05.
No texto EM 2010-05, parte superior da página, optou-se pela utilização de uma
representação conceitual, quanto aos significados representacionais, evidenciando uma
relação entre os participantes apenas por pertencerem a um mesmo grupo. Assim,
temos, nessa representação, um processo de classificação velada, já que não é
apresentado visivelmente um superordenado. Nessa imagem, são mostrados cérebros, a
partir de ressonância magnética, de pacientes em coma e pessoas normais, que foram
submetidas a perguntas cujas respostas seriam sim ou não, como parte da metodologia
84
do experimento que pretendia detectar sinais de funcionamento no cérebro de pacientes
em estado vegetativo.
A realização dessa taxonomia velada refere-se à proposição equivalente. Os
subordinados são visualmente realizados pela composição simétrica; são colocados em
distâncias equivalentes, são do mesmo tamanho e orientados para o eixo horizontal e
vertical.
Através dessa imagem, o leitor consegue visualizar o que está sendo dito no
texto verbal. Dessa forma, a imagem não apenas ilustra a informação verbal, mas amplia
seus significados ao perceber, de forma mais empírica, como o funcionamento do
cérebro de uma pessoa saudável e outra em estado vegetativo tem comportamento
parecido ao receberem as mesmas perguntas, comprovando a hipótese do pesquisador
de que o indivíduo em estado vegetativo ainda é capaz de raciocinar. Mais uma vez, é
uma imagem que tenta concretizar a abstração da ciência.
No mesmo texto, na parte inferior da página, é disponibilizada uma foto do
pesquisador Adrian Owen, um dos neurocientistas responsáveis pela pesquisa. Para essa
imagem, é pertinente uma análise, de acordo com a GDV, seguindo os significados
interativos.
Figura 17: Imagem veiculada no texto EM 2010-05.
Observamos nessa imagem um olhar de demanda, sugerindo que o participante
representado demanda algo de seu leitor, possivelmente a admiração ou gratidão, pelo
fato de sua pesquisa revelar, por exemplo, que a eutanásia pode sim ser um crime,
conforme é considerado em muitos países, ou até mesmo por sua pesquisa evidenciar
um certo grau de a esperança de que pessoas que estão em estado vegetativo possam
85
voltar à normalidade. Outro fator que comprova essa empatia do PR para com o PI é o
sorriso amigável com o qual o pesquisador é representado. Confirmando essa empatia,
temos também o corpo do PR voltado para o PI.
A distância estabelecida entre o PR e o PI sugere intimidade, uma vez que
mostra apenas a cabeça e os ombros do pesquisador. Assim, a aproximação entre o PR e
o PI é novamente sugerida. Com a sua descoberta, o pesquisador pode se tornar uma
pessoa admirada pelas pessoas beneficiadas por sua pesquisa.
O ângulo da imagem é frontal em relação ao PR e na mesma altura para com o
PI, sugerindo não haver diferença de poder entre eles.
Em relação à modalidade, podemos denominá-la de naturalística por se
aproximar bastante da realidade. Nesse caso, o PR parece estar em uma sala de trabalho,
tendo ao fundo computadores que exibem imagens das ressonâncias magnéticas feitas
em sua pesquisa.
Quanto aos significados composicionais, consideramos que as demarcações da
página completa nos campos Ideal e Real também podem revelar importantes
significados.
86
Figura 18: Seção Ciência do jornal Estado de Minas, edição de 5/2/2010, com as demarcações dos valores de informação Ideal e Real.
Observamos que, na parte superior da página, estão: o enunciado “Pela primeira
vez, médicos belgas e britânicos detectam sinais de funcionamento no cérebro de
pacientes em estado vegetativo submetidos a perguntas simples”; a manchete, em
tamanho saliente, “Traços de consciência”; parte do texto verbal dessa divulgação; e
uma imagem de ressonância magnética do cérebro de pessoas envolvidas na pesquisa. O
enunciado disposto no início da matéria conforma com a representação Ideal desse
estudo pelo fato de ser uma pesquisa inédita. Além disso, essa é uma parte da página
que desperta a atenção do leitor pelo próprio conteúdo divulgado. É Ideal também por
87
representar um grande avanço em relação à tentativa de melhorar a qualidade de vida de
pessoas que vivem em estado vegetativo.
No campo Real, além da maior parte estar ocupada pelo texto verbal,
comprovando o caráter mais informativo desse espaço, temos também a imagem de um
dos cientistas responsáveis pela descoberta, em um plano de fundo que exibe
computadores com imagens de cérebros, comprovando, então, a realidade da pesquisa
divulgada, evidenciando que essa se encontra em andamento.
Ainda nesse espaço, observamos a veiculação de uma publicidade, que não será
analisada por não se constituir como objeto de estudo dessa pesquisa. Contudo, cabe
salientar que essa publicidade foi disponibilizada no espaço da página considerado
como mais informativo e prático, segundo pressupostos da GDV (Fig. 18).
Por fim, constata-se que as imagens veiculadas, além de ampliar os significados
das informações verbais, por mostrar, através da imagem da ressonância magnética, as
semelhanças entre os cérebros de pacientes em coma e normais quando submetidos às
mesmas perguntas, também conferem maior credibilidade à pesquisa ao veicular a
fotografia de um dos neurocientistas responsáveis pela investigação.
88
Texto EM 2010-06
Figura 19: Imagem veiculada no texto EM 2010-06.
Nessa imagem, o PR humano, engenheiro Ermerson Jorge Cardoso, está
engajado em uma ação, a de conferir a pesagem do lixo recolhido na Grande BH, que
tem por objetivo ser transformado em eletricidade. Os vetores que representam essa
ação podem ser observados pelo movimento de seus braços, que comprovam que o
pesquisador está fazendo anotações sobre o material que está à sua frente (baldes de lixo
com as descrições “metal ferroso”, “resto de banheiro”, entre outros) e, sobretudo, por
seu olhar, que se direciona à planilha onde estão sendo realizadas as anotações,
conforme demonstrado pela demarcação das setas (Fig.19).
Considerando a nomenclatura da GDV para os processos narrativos, temos
como ator o pesquisador que confere a pesagem do lixo e como meta as informações
anotadas. Sendo assim, temos para essa imagem um processo de ação transacional.
Acreditamos que a utilização dessa imagem, que, aliás, ocupa uma posição
central nessa página do jornal, reforça o interesse em se comprovar a realização da
pesquisa que está sendo divulgada.
Ainda em relação aos processos narrativos, vale salientar a questão das
circunstâncias locativas nessa imagem. Observamos que é dado foco ao cenário, com a
utilização de primeiro plano e fundo bastante detalhado. Nesse caso, o cenário pode ser
considerado como mais importante por representar a questão da separação e pesagem do
89
lixo de maneira mais próxima da realidade. Logo, quanto aos significados interativos, é
uma imagem representada sob alta modalidade naturalística.
Outro aspecto interessante em relação a essa imagem é o enquadramento de
plano aberto, numa perspectiva subjetiva, que sugere mais impessoalidade. Nessa
imagem, a prioridade foi dada aos baldes de lixo, talvez porque sejam esses os
personagens centrais dessa história: é o lixo que será transformado em eletricidade.
Assim, o engenheiro aparece de forma menos saliente na imagem, conferindo, como
dito, mais importância ao lixo do que ao próprio pesquisador. Contudo, tanto o PR
como o lixo estão dispostos para serem contemplados pelo participante interativo.
Em relação à modalidade, observamos uma exploração naturalística, estando
mais próxima de uma representação fotográfica, isto é, tal como se dá a metodologia da
pesquisa na realidade.
Quanto aos significados composicionais, vale destacar a posição central com que
a imagem foi colocada nessa página, evidenciando uma constatação bastante óbvia: a de
que o pesquisador, em meio à sua investigação, isto é, pesando e conferindo os vários
tipos de lixo que serão utilizados para gerar eletricidade, é o destaque da matéria que
está sendo divulgada em toda a página.
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Figura 20: Seção Ciência do jornal Estado de Minas, edição de 7/2/2010, com as demarcações dos valores de informação Centro e Margem.
Nesse caso, notamos que a imagem central é complementar à notícia divulgada,
já que tenta mostrar ao leitor como se dá empiricamente a realização dessa pesquisa,
reforçando, assim, o texto verbal.
Cabe também pontuar o grande espaço reservado para uma publicidade na parte
inferior dessa página, que, como comentado anteriormente, corresponde ao espaço mais
informativo da página, seguindo os pressupostos da GDV.
91
Texto FSP 2010-01
Figura 21: Imagem veiculada no texto FSP 2010-01.
No texto FSP 2010-01, observamos a ocorrência de uma representação narrativa,
em que o diretor-gerente do FMI faz um comunicado em sessão do Fórum Econômico
Mundial, na Suíça.
A ocorrência de uma ação nessa imagem pode ser percebida pelos vetores
formados pelas mãos, boca e olhar do participante representado. Esses vetores não
apontam para uma meta, mas demonstram claramente uma ação de fala. Nesse caso, por
ser possível perceber que há pessoas lhe assistindo (várias sombras de cabeças são
evidentes na fotografia), podemos afirmar que se trata de uma comunicação para um
certo público.
Segundo a nomenclatura da GDV, temos nessa imagem um processo de ação
não transacional, pois, como já descrito, observamos um ator em uma ação, mas sem a
presença de uma meta.
Na imagem projetada no telão, vale também destacar os significados interativos
ali explorados. Em relação ao olhar, observamos que não há olhar de demanda, mas de
oferta. O participante representado está ali para ser observado e ouvido, enquanto
autoridade, sem envolvimento pessoal com seu público.
O enquadre dado à imagem em destaque, a do telão, é de plano médio e mais
fechado, fato que, de certa forma, sugere certa proximidade do PR para com os PIs.
Embora esse envolvimento não precise ser pessoal, ele existe pelo fato de as decisões ali
anunciadas interferirem na situação econômica e ambiental dos países ali representados.
92
Vale também observar a moldura demarcada pela tela de projeção. Esse terceiro
aspecto do significado da composição refere-se aos elementos que podem ser forte ou
fragilmente emoldurados. O quadro mais evidente nessa imagem, fortemente
emoldurado, é apresentado como a separação da unidade de informação, indicando
individualidade e diferenciação. Nesse caso, o destaque é dado ao diretor do FMI, por
isso a imagem do público que está assistindo não é enfatizada. Esse é retratado de
costas, evidenciando que as colocações de Dominique Strauss-Kahn é que serão
importantes nessa seção, e não o posicionamento do público. Afinal, seu
pronunciamento principal, o de que o FMI está planejando um fundo de US$ 100
bilhões para ajudar países a lidarem com o aquecimento global, interessa a todo o
público.
Observamos que a mesma fotografia do diretor do FMI que é projetada no telão
aparece em tamanho menor à direita da página. Pelo visto, o telão foi utilizado para uma
transmissão, ao vivo, do pronunciamento desse diretor. Apesar de ser uma fotografia em
tamanho menor, essa é representada com saliência em relação à imagem do público. A
nitidez e a utilização de cores nessa pequena fotografia contrastam com as sombras que
representam as cabeças do público, mostrado de costas, como telespectadores do
pronunciamento de Strauss-Kahn.
Quanto à modalidade, observamos a exploração do meio naturalístico, tentando
evidenciar a verdade dos fatos ali descritos. A imagem disponibilizada está idêntica a
uma fotografia.
Em relação aos significados composicionais presentes nessa página, vale
ressaltar a demarcação entre os espaços Ideal e Real. Observamos que toda a
informação relacionada à questão científica constante nessa página, embora não se trate
especificamente de uma divulgação científica, foi disponibilizada no espaço Ideal.
Relacionando essa ocorrência ao conteúdo temático do assunto divulgado, parece ser
bastante idealizada a decisão do FMI, conforme consta na manchete: “FMI quer fundo
do clima com US$ 100 bi”. Até mesmo a escolha do verbo “querer” para essa manchete
já revela a incerteza de que isso, de fato, venha a ocorrer.
Acreditamos que a escolha dessa imagem teve por objetivo reafirmar o que
estava sendo noticiado, como uma maneira de se evidenciar de forma mais concreta as
informações ali descritas, aliás de grande importância mundial, por se tratar de formas
de se prover recursos para o aquecimento global, anunciadas pelo diretor do FMI. Logo,
é uma imagem que tem por objetivo ratificar o que estava sendo noticiado.
93
Figura 22: Seção Ciência do jornal Folha de S. Paulo, edição de 1/2/2010, com as demarcações dos valores de informação Ideal e Real.
Outro aspecto curioso em relação a essa demarcação é o fato de, mais uma vez,
as publicidades veiculadas nessa página estarem dispostas na parte mais informativa,
isto é, na parte Real da página. Além disso, o amplo espaço reservado para essas
publicidades concorre com a informação científica, podendo desviar a atenção do leitor.
94
Texto FSP 2010-03
Figura 23: Imagem veiculada no texto FSP 2010-03.
No texto FSP 2010-03, observamos a utilização de uma representação
conceitual, isto é, não como uma narrativa entre seus participantes, mas apenas numa
relação taxonômica, exibidos de forma generalista e representados em termos de classe.
Nesse caso, temos um processo de classificação velada em que todos os participantes,
os tomates, se relacionam a partir de um único tema: a produção de tomates.
Observamos que todos os frutos estão dispostos por similaridade, portanto, são
separados em três categorias (tomate comum, transgênico 1 e transgênico 2) e em três
etapas que mostram seu estado de conservação de acordo com o tempo (10 dias, 25 dias,
45 dias).
Vale ressaltar que o tomate transgênico é bastante diferente de um tomate
comum em vários aspectos. Nessa imagem, ao serem colocados em relação simétrica,
talvez apenas seus benefícios tenham sido ressaltados, e somente suas diferenças em
relação à conservação tenham sido evidenciadas.
Como já ocorrido em uma das imagens desse corpus de pesquisa, há uma
simetria em relação às imagens, nas quais não existe um subordinador conectado às
demais partes. Contudo, a imagem pressupõe uma orientação discursiva de que há uma
hierarquia em relação ao estado de conservação dos tomates. As imagens desses tomates
são colocadas lado a lado, sem uma organização de superordenação, mas são dispostas
no intuito de que o leitor possa fazer uma comparação.
Com essa representação, o objetivo parece ser o de que o leitor possa verificar
concretamente quais são as vantagens dos alimentos transgênicos. Todavia, a escolha
dessa imagem parece, de fato, induzir o leitor a imaginar que tomates transgênicos e
tomates comuns são iguais, diferenciando apenas numa característica muito importante:
95
o tempo de conservação do produto. Assim, a interpretação desejada parece ser: “tomate
transgênico só apresenta vantagens em relação ao tomate comum”.
Em relação aos significados composicionais, as zonas de informação dessa
imagem também revelam importantes significados. Kress e van Leeuwen (2006)
ressaltam que margens iguais ou análogas, quando posicionadas simetricamente,
apresentam uma configuração que não permite a distinção entre Dado e Novo, Ideal e
Real. Contudo, nesses casos, os valores de informação podem ser combinados com
Centro-Margem, podendo apresentar um mediador nessa relação. Nessa figura
veiculada no texto FSP 2010-03 (Fig.23), essa composição pode ser claramente
percebida. Assim, temos como dado a parte da imagem intitulada “Tomate comum”,
como novo a intitulada “Transgênico 2” e como mediador temos o “Transgênico 1”.
Com essa representação, a comparação entre os tomates foi indicada ao leitor,
mostrando que o dado teve um curto período de conservação, o mediador durou um
pouco mais, mas também não teve todo o sucesso do novo, que, mesmo após 45 dias,
manteve-se em perfeito estado.
Outra dimensão dos significados composicionais que se faz presente nessa
imagem é a questão do framming. Observamos que os tomates estão conectados por
categorias; contudo, a separação entre cada um dos tipos de tomate e o estágio de
maturação desses é claramente demarcada pelo espaço em branco. Assim, demonstram
a desconexão entre esses frutos demarcando as suas diferenças, nesse caso, em relação
ao seu estado de conservação.
Ainda em relação aos significados composicionais, vale destacar a divisão da
página completa dessa edição, nos campos Ideal e Real.
96
Figura 24: Seção Ciência do jornal Folha de S. Paulo, edição de 2/2/2010, com as demarcações dos valores de informação Ideal e Real.
Observamos que a imagem que está sendo analisada, em relação aos tomates
transgênicos, encontra-se na parte superior dessa página, na parte Ideal.
Essa é uma divulgação que pode ser vista como Ideal por ser encarada por
muitos cientistas como um grande avanço para a ciência, algo impensável há pouco
tempo. Com a modificação genética noticiada, por exemplo, um tomate pode durar até
45 dias. Por outro lado, essa também é uma visão idealizada pelo fato de as mudanças
genéticas não proporcionarem apenas benefícios à sociedade. O Ideal seria que assim
fosse, mas a realidade ainda é diferente. Os prejuízos e ameaças que essa tecnologia
pode trazer à população ainda são desconhecidos.
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Texto FSP 2010-04
Figura 25: Imagem veiculada no texto FSP 2010-04.
Nesse texto, optou-se por uma imagem que compreende, dentre os significados
representacionais, o processo conceitual simbólico, já que se trata da concepção artística
do Foguete Ares 1, que foi cancelado por Obama para uma viagem espacial.
Há, nesse processo, apenas um participante, o portador, e o significado
simbólico pode ser considerado como sugestivo. Assim, a imagem sugere algo, o seu
lançamento no espaço. Todavia, esse fato é simbólico sugestivo por se tratar de uma
concepção artística de um foguete que agora foi cancelado pelo governo, comprovando
que representa não um momento específico, mas uma essência generalizada, como
ressaltam Kress e van Leeuwuen (2006).
Em relação aos significados interativos, é preciso discutir a questão da
modalidade abstrata utilizada nessa imagem. A concepção artística do Foguete Ares 1,
conforme expresso na própria legenda da figura, trata-se de arte, não corresponde à
realidade. Ao mesmo tempo, essa é uma imagem criada tecnologicamente para
concretizar a abstração científica. Logo, é apresentada sob modalidade tanto abstrata
quanto tecnológica.
Vale também destacar que essa imagem, em relação aos espaços Ideal e Real,
dimensões dos significados composicionais, foi disposta no campo Ideal (Fig. 24).
Acreditamos que essa ocorrência possa estar associada à sua concepção artística, logo,
idealizada. Contudo, o texto verbal que a complementa aparece no espaço Real. Nesse
caso, por se tratar de uma decisão já tomada pelo presidente Obama, a de cancelar a
volta a Lua e terceirizar a viagem espacial dos EUA, de fato, é uma realidade.
98
Apesar de ser uma imagem que cumpre um papel bastante ilustrativo, há
também uma comunicação pelo fato de tornar mais concreta a concepção do que seja
um foguete espacial para o público leitor. Observa-se, mais uma vez, o intuito de
concretizar a informação de caráter científico.
Texto FSP 2010-05
Nessa notícia, não se vinculou imagem ao texto verbal. Trata-se de uma nota
jornalística que informa sobre a redução de 30% no desmatamento da Amazônia no fim
de 2009.
Porém, cabe salientar a posição desse texto, em sua maior parte, no espaço Real
dessa página (Fig. 24). Nessa configuração, a informação veiculada nessa notícia acaba
por ganhar mais caráter de realidade, seguindo os pressupostos da GDV. Já a manchete
desse texto: “Desmate na Amazônia cai 250 km no fim do ano” foi veiculada no espaço
Ideal, talvez pelo caráter inovador da informação. Dado o constante desmatamento
nessa área, noticiar o contrário parece até mesmo improvável.
Texto FSP 2010-06
Figura 26: Imagem veiculada no texto FSP 2010-06.
Nesse texto, que trata da psicologia de uma espécie de macaco, o bonobo,
relatando sua índole pacífica, a intenção parece ter sido de aproximá-lo às
características humanas. Para isso, observamos que o animal foi fotografado quase em
close up.
Sendo assim, podemos analisar essa imagem segundo os componentes dos
significados interativos. Em relação ao olhar, acreditamos que este pode ser de oferta,
já que não há uma linha direta entre o olho do observador e do participante
99
representado. A posição oblíqua do corpo do animal também sugere esse caráter de
oferta. Assim, entendemos que essa imagem pode ter sido escolhida para sugerir que os
bonobos devem ser admirados por ser uma espécie de macaco pacífico e com várias
semelhanças psicológicas com o homem.
Quanto à distância social, podemos dizer que esta é íntima, já que o tamanho do
enquadre dessa imagem é análogo a uma conversação face a face. Em relação à
perspectiva, essa é subjetiva por permitir que seja observada pelo participante
interativo por apenas um ângulo, aquele selecionado pelo produtor da imagem. Dessa
forma, não é permitido ao leitor escolher outro ângulo ao olhar essa imagem. Assim, é
como se lhe restasse apenas aceitar que os bonobos são uma espécie que deve ser
comparada aos homens e admirada por esses.
No que tange às relações de poder entre PR e PI, observamos que não há uma
assimetria significativa, visto que, embora o corpo do animal esteja apresentado em
ângulo oblíquo, seu rosto está numa posição frontal. Além disso, PR e PI não estão
diferenciados por ângulo baixo ou alto; estão no mesmo ângulo, não havendo, pois,
diferença de poder. Observamos também a utilização de um ângulo mais fechado, que
busca, então, priorizar o animal ao invés do cenário, talvez com o intuito de provocar
mais simpatia do leitor para com o macaco.
A escolha dessa imagem parece, pois, ter tido como objetivo aproximar o animal
da espécie humana, tal como descrito no texto verbal. Logo, sua função foi, sobretudo,
ratificar a informação verbal.
Vale também destacar a divisão das zonas de informação, segundo os
significados composicionais da página completa em que essa notícia é publicada.
100
Figura 27: Seção Ciência do jornal Folha de S. Paulo, edição de 3/2/2010, com as demarcações dos valores de informação Ideal e Real.
Observamos, na demarcação Ideal e Real, que a divulgação da pesquisa sobre a
psicologia do macaco bonobo aparece no espaço Ideal. Isso pode ser explicado tanto
pela natureza curiosa dessa investigação, por chamar mais atenção do leitor, como
também pelo fato de o experimento apenas sugerir uma explicação para o
comportamento pacífico do macaco. Ainda não há certezas em relação a essa
investigação.
101
Quanto à demarcação da esquerda (Dado) e da direita (Novo), notamos que, no
espaço Dado ficaram concentradas as publicidades, enquanto o Novo foi
predominantemente ocupado pelas notícias de divulgação científica. Acreditamos que
essa ocorrência, de alguma forma, valoriza um pouco mais o assunto científico que está
sendo divulgado em comparação às publicidades, visto que, por estar localizado à
direita, ao abrir o jornal, esta é a parte onde, em geral, o leitor direciona o seu olhar
primeiramente. Logo, a divulgação científica recebeu um maior destaque nesta página.
Também no campo Ideal dessa página, notamos que um espaço considerável foi
reservado à publicidade, fato que não se relaciona com as questões científicas ali
divulgadas.
Texto FSP 2010-07
Figura 28: Imagem veiculada no texto FSP 2010-07.
Nesse texto, que discute o tempo de existência da ave peru, utilizou-se uma
fotografia de um prato indígena do Novo México com o desenho desse animal. Para
essa ocorrência, consideramos que a categorização a partir da modalidade, de acordo
com os significados interativos, torna-se mais eficiente.
Assim, observamos a utilização da Modalidade Abstrata, que busca representar
o que é essencial em uma imagem. Na figura apresentada, temos a representação da ave
de forma bastante significativa. Por meio de poucas informações, mas que não
necessariamente correspondam à realidade, o leitor pode perceber que se trata de um
peru. Assim, a imagem consegue comprovar a veracidade da pesquisa, haja vista que
indígenas do Novo México já conheciam as características da ave, sendo, inclusive,
capaz de desenhá-la.
102
Quanto aos significados composicionais, demarcado em Ideal e Real (Fig. 27),
observamos que essa é uma divulgação veiculada no espaço Real da página. Essa
ocorrência talvez possa ser explicada pelo caráter de certeza científica divulgado no
texto verbal: pesquisa com DNA revelou que a criação de peru existe há 2200 anos e
ocorria tanto no México quanto no Peru.
Essa é uma imagem bastante ilustrativa, mas também comunicativa pelo fato de,
através de um “desenho de peru em prato indígena do Novo México” comprovar que a
existência da ave é antiga.
Texto FSP 2010-08
Figura 29: Imagem veiculada no texto FSP 2010-08.
Nessa imagem, observamos, de acordo com os significados representacionais,
um processo de ação transacional, no qual aparece o ator, isto é, o mosquito
transmissor da malária, e uma parte da meta, no caso, supostamente o dedo ou a mão de
uma pessoa. O mosquito está com o corpo oblíquo, portanto, servindo como item de
contemplação ao observador, além de estar envolvido em uma ação – ato de picar
alguém.
Quanto à modalidade, pode-se dizer que se trata de uma imagem naturalística,
com o foco mais fechado. Nesse caso, utilizou-se do plano close-up não para aproximar
o PR de seu PI, mas para evidenciar os detalhes do PR, causando certo impacto, tendo
em vista que a imagem é naturalística e, com isso, revela como o mosquito é na
realidade. Além disso, esse foco mais fechado dá ao observador a impressão do animal
ser maior, podendo evidenciar o poder do mosquito (PR) para com o observador (PI)
que pode ser picado e ficar doente. Em relação à perspectiva, notamos também a
utilização de um ângulo baixo, o que confere certa superioridade ao mosquito.
103
Nessa mesma imagem, podemos também salientar algumas colocações
relacionadas ao processo conceitual analítico, o qual relata os participantes em termos
de sua estrutura parte-todo, envolvendo dois tipos de participantes: o portador (o
“todo”) e um número de atributos possuídos (as “partes”). Segundo os pressupostos da
GDV, essa “[a]nálise sempre envolve seleção. Alguns atributos de características do
Portador são escolhidos como critério em um dado contexto, ou, geralmente, enquanto
os outros são ignorados, tratados como não essenciais ou irrelevantes” (KRESS e VAN
LEEWUEN, 2006, p. 88, tradução nossa)47.
Levando em consideração esse aspecto, talvez o produtor da imagem tivesse o
intuito de mostrar o portador (mosquito) e seus atributos possuídos (capacidade de
transmitir a malária). Nesse sentido, o atributo possuído, no caso, a propriedade nociva
do mosquito transmissor da doença, é caracterizado sobretudo por seu ferrão. Afinal, é
esse ferrão, representado como vetor, que adentra na pele humana e transmite a doença,
qualificando o mosquito como perigoso.
Em relação à modalidade, categoria pertencente aos significados interativos,
vale salientar que as cores são bastante características. Há um predomínio da cor verde,
que pode remeter à natureza onde o animal está presente, um foco de luz amarela que
lembra um raio de sol, mais uma vez remetendo ao ambiente da natureza, e o vermelho
do corpo do animal com certo destaque, que, no caso, pode servir como alerta de perigo.
Outro aspecto que pode ser considerado para análise dessa imagem refere-se aos
significados composicionais. Nesse caso, consideramos a demarcação das zonas de
informação nos campos Ideal e Real.
47 analysis always involves selection. Some attributes or characteristics of the Carrier are singled out as criterial in the given context or, generally, while others are ignored, treated as non-essential and irrelevant.
104
Figura 30: Seção Ciência do jornal Folha de S. Paulo, edição de 4/2/2010, com as demarcações dos valores de informação Ideal e Real.
Notamos que o texto que está sendo analisado foi disponibilizado, integralmente,
no espaço Ideal. Talvez essa ocorrência possa ser explicada por seu caráter chamativo,
por despertar a atenção do público leitor, seja pela imagem utilizada ou pelo conteúdo
verbal anunciado, ou por essa ser uma pesquisa que ainda não traz benefícios concretos
à população. A pesquisa revela como o mosquito da malária fareja uma presa, mas seu
objetivo é que isso sirva de base para que repelentes contra esses mosquitos possam ser
criados. Contudo, essa invenção ainda não foi concretizada.
Com a imagem do mosquito picando uma pessoa, observamos que o produtor
consegue despertar a atenção do leitor, deixando-o em estado de alerta para o perigo do
mosquito. Apenas com o texto verbal, pode ser que esse perigo não fosse explicitado.
Logo, essa imagem contribuiu para ampliar os significados do texto verbal.
105
Texto FSP 2010-09
Figura 31: Imagem veiculada no texto FSP 2010-09.
Nesse texto, observamos que a imagem utilizada, a do Deputado Aldo Rebelo
(PC do B-SP) e demais companheiros, em uma audiência, defendendo as mudanças no
Código Florestal, pode ser caracterizada, segundo a GDV, a partir de dois processos: o
representacional e o interativo.
Quanto ao representacional, a imagem se enquadra em um processo narrativo
pelo fato de poder ser observado o participante representado em uma ação: a de se
pronunciar em uma audiência pública. Quanto aos vetores que anunciam essa ação,
conforme demarcado na imagem (Fig. 31), observamos que esses são formados pelo
microfone e pela boca do deputado, que fala para um público, embora este não esteja
presente na imagem. Logo, esse processo configura-se em uma reação não-
transacional, pois envolve uma ação e uma reação. O vetor formado através da direção do
olhar de Aldo Rebelo reage a uma ação acontecida, possivelmente no público, no qual o
olhar do PR se dirige para algo fora da imagem, não permitindo saber para que ou quem o
participante está olhando.
Os vetores indicam uma situação de discurso público, em que o Participante
Representado (PR) principal utiliza um microfone apontado para sua boca e suas mãos
gesticulam, como é comum ser feito pelas pessoas em geral, sejam em conversas mais
formais ou informais. Os demais participantes da mesa podem ser enquadrados na
categoria de processo circunstancial de acompanhamento, uma vez que, nessa relação,
não há a presença explícita de vetores. O PR principal é apenas acompanhado de outros,
mas sem uma ação entre eles.
106
Em relação aos significados interativos, há importantes considerações a serem
feitas. Em relação ao olhar, observamos que este é de oferta por não explicitar um
contato direto entre o PR principal (Deputado Aldo Rebelo) e o fenômeno que lhe
assistia, embora esse segundo não esteja explícito na imagem.
No que concerne ao enquadre dado a essa imagem, podemos verificar que é
mediano, isto é, há uma média distância entre o deputado e sua platéia, o que representa
uma linguagem social. Nesse caso, embora o público não possa “tocar” no PR, este
também não parece estar tão distante daquele.
Em relação à perspectiva, observamos que é subjetiva por permitir a visão do PR
em apenas um ângulo, que, nesse caso, é frontal, evidenciando envolvimento com seu
público, isto é, o PR busca adesão de seu público para seu pronunciamento, que, aliás,
foi aplaudido, comprovando o sucesso dessa adesão. No que diz respeito ao ângulo
vertical, observamos que esse é baixo, fato que, de acordo com a GDV, mostra uma
relação de poder do deputado para com o público. Outro destaque importante nessa
imagem é a saliência dada ao deputado Aldo Rebelo, sendo o único integrante daquela
mesa que aparece de pé, diferenciando-se dos demais.
Nesse caso, o poder exercido pelo deputado citado pode estar associado ao
sucesso de sua proposta, a de mudar o código em relação à preservação de florestas
nativas. Sendo esse um assunto de destaque na mídia, é louvável a atitude do deputado
em contribuir para a preservação do meio ambiente.
Quanto à modalidade, dado o alto grau de verdade e credibilidade dessa
imagem, podemos considerá-la como naturalística e sob alta modalidade, por se
aproximar bastante da situação real.
Acreditamos que a veiculação dessa imagem, além de confirmar os fatos
noticiados, contribui para exaltar a figura do Deputado Aldo Rebelo. Outro aspecto que
contribui para destacar a figura do deputado é a veiculação dessa notícia no campo Real
(Fig. 30), conforme proposto pelos significados representacionais da GDV. Nessa
disposição, a informação relacionada ao deputado tende a ser mais informativa, mais
verídica.
Contudo, cabe também salientar que a parte Real dessa página esteve, em sua
maioria, comprometida com uma publicidade. Assim, ao mesmo tempo em que as
informações sobre decisões do deputado Aldo Rebelo em relação à mudança no Código
Florestal, bem como sua imagem são veiculadas em um espaço que lhe confere mais
credibilidade, seguindo os pressupostos da GDV, o espaço que lhe é dedicado torna-se
reduzido.
107
Texto FSP 2010-10
Figura 32: Imagem veiculada no texto FSP 2010-10.
A primeira figura utilizada no texto FSP 2010-10, que trata de um estudo da
USP, o qual busca descobrir qual a verdadeira origem da sífilis, é uma gravura de
Albrecht Dürer (Fig. 32), que mostra um portador de sífilis. Para essa imagem,
consideraremos os significados interativos em relação à GDV.
Quanto ao olhar, observamos que este é de oferta, pois, embora o participante
representado esteja de frente para o observador, aquele não parece estabelecer nenhum
contato com este. O desenho do homem presente nessa figura está ali representado
como um portador de sífilis exatamente para ser observado, inclusive com suas feridas
que tomam parte da perna. Os braços abertos também corroboram com o olhar de
oferta, já que o PR parece se oferecer ao PI, como se o PR quisesse alertar aos PIs,
dizendo: “Olhem como estou, olhem o que a doença fez comigo”. Além disso, o
semblante triste e cabisbaixo ratifica essa interpretação.
Em relação à distância social, observamos que esta é máxima, sugerindo
impessoalidade e um grande distanciamento com o público. Afinal, embora seja uma
gravura, ela representa um homem doente que, para a época, deveria ser mantido longe
da sociedade, fato que também pode ser observado em relação ao cenário, que se
108
assemelha a um lugar deserto, sem casas, sem a presença de outros participantes,
sugerindo a exclusão social do portador de Sífilis.
Quanto ao ângulo, este é frontal e simétrico, sugerindo envolvimento e ausência
de diferença de poder. Nesse caso, o envolvimento pode ser entendido no sentido da
observação, isto é, o participante está ali para ser observado com a sua doença.
Vale ressaltar que se trata de uma gravura, modalidade abstrata, buscando
retratar a essência do participante, e, talvez exatamente por isso, o participante
representado pode se envolver com o interativo. Caso se tratasse de um ser humano
numa modalidade naturalística, pode ser que esse envolvimento não fosse sugerido, por
se tratar de um doente. Além disso, o impacto causado por uma imagem naturalística
poderia ser apelativo demais para os leitores. Todavia, há também que se considerar que
o texto trata da origem da doença e a gravura data de 1946. Possivelmente, a
inexistência de câmera fotográfica nesse período tenha impedido a utilização de uma
imagem real que retratasse a doença.
Figura 33: Imagem veiculada no texto FSP 2010-10.
No mesmo texto, há a utilização de um mapa, denominado “Mapa da Inocência”,
que evidencia onde os cientistas acharam esqueletos com sinais de sífilis, tratando-se,
pois, de uma modalidade tecnológica. A escolha dessa representação evidencia o uso
prático e explicativo dessa imagem, em que o mapa serve como um guia para que o
leitor possa entender esquematicamente que a sífilis existe desde 6000 a.C.
Outro processo bastante característico nessa imagem diz respeito aos
significados composicionais, em relação às zonas de informação Ideal e Real, que,
nesse caso, devem ser aplicados na página completa dessa edição.
109
Figura 34: Seção Ciência do jornal Folha de S. Paulo, edição de 5/2/2010, com as demarcações dos valores de informação Ideal e Real.
Observamos, através da aplicação dessas categorias, que a divulgação científica
presente nessa página foi completamente disposta no campo Ideal. Trata-se de uma
pesquisa que revela que a Sífilis é uma doença que existe há pelo menos 4 mil anos.
Segundo dados da própria divulgação, não foram os marinheiros que levaram a doença
para a Europa, embora ainda não se conheça sua origem geográfica. Nesse caso,
acreditamos que a disposição na parte superior da página foi selecionada não apenas
para chamar a atenção do público leitor, mas também por ser a única divulgação
científica constante nessa seção Ciência.
A outra metade da página, a Real, vista como mais informativa, conta apenas
com uma publicidade, evidenciando que o espaço dedicado à divulgação científica na
mídia ainda é muito restrito.
110
Texto FSP 2010-11
Figura 35: Imagem veiculada no texto FSP 2010-11.
No infográfico exibido (Fig. 35), temos, segundo os pressupostos da GDV
quanto aos significados representacionais, um processo conceitual analítico, que pode
ser classificado como uma estrutura exaustiva conjoined.
Quanto à classificação analítica, isso se explica pelo fato de ser possível
estabelecer uma relação todo-parte nas imagens divulgadas. Temos como “todo”, como
portador, o grafite de um lápis e um tipo de transistor, e como “partes”, como atributos
possessivos, o grafeno que forma o grafite e todas as partes que compõem esse
transistor. Dado o detalhamento de cada uma dessas partes, essa estrutura é também
chamada de exaustiva, isto é, representa exaustivamente os atributos do portador. Em
relação à caracterização como conjoined, deve-se ao fato de todos os atributos estarem
conectados por uma linha ou seta, demonstrando que, embora esses atributos estejam
representados separadamente, estão conectados a um único portador.
Mais uma vez, em relação aos significados interativos, observamos a utilização
da modalidade tecnológica na tentativa de explicar ao leitor como se dá a formação do
grafeno. Outro aspecto importante nessa imagem é a questão da perspectiva objetiva
111
com que é apresentado. Dessa maneira, o leitor é quem seleciona como deve olhar para
essa imagem, por onde começar a sua leitura, podendo observar detalhes que uma
imagem subjetiva não permitiria.
Vale também destacar a divisão das zonas de informação Ideal e Real
exploradas na página dessa seção.
Figura 36: Seção Ciência do jornal Folha de S. Paulo, edição de 6/2/2010, com as demarcações dos valores de informação Ideal e Real.
Observamos que a imagem discutida anteriormente (Fig. 35) compõe a
divulgação de uma pesquisa que revela a criação de dispositivo de grafeno, o qual traz a
possibilidade de criação de transistores mais rápidos. Acreditamos que a localização
desse texto na parte superior da página, deve-se, sobretudo, ao caráter inovador da
pesquisa. Isso desperta a atenção do leitor e, ao mesmo tempo, revela que o grande
benefício dessa descoberta, que é seu uso computacional, ainda é apenas um objetivo a
ser alcançado, um Ideal.
112
Texto FSP 2010-12
Na notícia intitulada “Governo holandês aponta novo erro de painel do clima”,
não foi utilizada nenhuma imagem junto ao texto verbal. Configura-se como uma
pequena nota, informando que o governo holandês aponta erro no relatório do painel do
clima, conhecido como IPCC, sigla inglesa para o termo Intergovernamental Painel on
Climate Change. Devido ao erro identificado, dada a importância dessa organização,
cientistas pedem a renúncia do líder do IPCC.
Contudo, vale salientar que essa nota é disponibilizada no campo Real dessa
página (Fig. 36). Logo, segundo os significados composicionais da GDV, situa-se numa
parte mais informativa da página, isto é, como algo que configura a realidade.
Texto FSP 2010-13
Figura 37: Imagem veiculada no texto FSP 2010-13.
Na imagem apresentada (Fig. 37), observamos as caixas de uísque e conhaque
de Ernest Shackleton que foram encontradas na Antártida, depois de terem ficado
enterradas no gelo por mais de 100 anos. Nesse caso, podemos considerar, segundo os
significados representacionais, a utilização de um Processo Simbólico Sugestivo, já que
enfatiza o ambiente, as caixas em que estas bebidas estão guardadas. Nesse processo, a
atribuição de significados é realizada por meio do ambiente constituído, através da
combinação de cores, tons e luminosidades. Nessa imagem, as cores estão conjugadas
em um único tom, tendendo para cores de madeira. Vale salientar que esses processos
simbólicos sugestivos “representam não um momento específico, mas uma essência
113
generalizada” (KRESS e VAN LEEWUEN, 2006, p. 106)48. Assim, teríamos que essa
essência generalizada são as caixas que abrigam as bebidas; contudo, essas bebidas,
propriamente, não podem ser vistas.
Notamos também a utilização de um enquadramento no plano aberto, denotando
que essas caixas podem servir como objeto de contemplação.
Quanto à modalidade, esta é bastante naturalística, já que denotam as caixas
com cores próximas da realidade. Já o ambiente escuro em que estão abrigadas sugere a
ideia de que o “achado”, como descrevem os pesquisadores, é bastante antigo e,
portanto, uma relíquia para os produtores de bebida.
Nesse caso, a imagem apenas ratifica o que está sendo noticiado no texto verbal.
Observamos, também, em relação aos significados composicionais, que essa
notícia, bem como sua imagem, foi divulgada no campo Real dessa página (Fig. 36).
Acreditamos que essa ocorrência esteja relacionada à veracidade da informação: “Grupo
de pesquisadores desenterra uísque de 100 anos na Antárdida”. Esse é um fato que
aconteceu na realidade e sua veiculação na seção Ciência está relacionada aos
benefícios que essa descoberta poderá revelar no futuro, tais como: a conservação de
destilados ou mesmo a recuperação de receitas antigas de bebida.
48 Tradução nossa de: “depicting not a specific moment but a generalized essence”.
114
Texto FSP 2010-14
Figura 38: Imagem veiculada no texto FSP 2010-14.
Para o texto FSP 2010-14, que noticia os prejuízos ocorridos na região Centro-
Oeste, devido ao clima quente, observamos a utilização de um mapa. Nessa imagem,
considerando os pressupostos da GDV em relação aos significados interativos, notamos
que se trata de uma modalidade tecnológica, na qual o que importa é seu uso prático e
explicativo. Temos, pois, uma imagem sob alta modalidade pela riqueza de detalhes ali
apresentados, na qual são descritas minuciosamente quais serão as perdas e os ganhos
de cada região, bem como as causas que levaram a essas ocorrências.
Dessa maneira, a imagem fornece significados e interpretações que não estavam
presentes no texto verbal. Logo, é uma imagem que não apenas reforça os significados
presentes no texto verbal, mas complementa-os, adicionando informações que
contribuem para um maior acesso ao conhecimento divulgado.
Outro significado importante na análise dessa imagem está relacionado aos
significados composicionais, mais precisamente à divisão das zonas de informação
dessa página, como podemos observar na Figura 39.
115
Figura 39: Seção Ciência do jornal Estado de Minas, edição de 7/2/2010, com as demarcações dos valores de informação Ideal e Real, Dado e Novo.
Nessa demarcação, observamos que o texto configurado no espaço Ideal trata de
prejuízos previstos para o Centro-Oeste do país, devido ao clima quente. Logo, ainda
não é uma realidade. Estudos acreditam que esses prejuízos possam ocorrer, mas isso
ainda não é uma realidade. Quanto à demarcação Dado e Novo, notamos que essas são
considerações importantes em relação ao texto apresentado. Temos como Dado o texto
verbal; como Novo, o mapa que descreve quais serão as perdas e os ganhos de cada
região devido ao clima. Consideramos que essa demarcação é pertinente pelo fato de
denotar uma nova forma de se representar o texto verbal. Ao ser esquemático, o lado
direito inova a informação dada.
116
Texto FSP 2010-15
Figura 40: Imagem veiculada no texto FSP 2010-15.
O texto 2010-15 mostra a imagem de uma rua no CEAGESP, centro de
abastecimento de São Paulo, alagada pelos temporais do verão 2009/2010.
Considerando as categorias da GDV, sugerimos que essa imagem deva ser analisada
segundo seu grau de modalidade. Nesse caso, temos uma imagem naturalística, sob alta
modalidade, na qual as variações de cor, brilho, iluminação, profundidade etc. são tão
próximas do real que é como se estivéssemos vendo ao vivo a imagem retratada.
A utilização dessa imagem, certamente, contribuiu para que o leitor
compreendesse de forma mais efetiva o que foi noticiado, isto é, a situação alarmante do
CEAGESP, em SP, devido às chuvas.
Em relação aos significados composicionais da GDV, a demarcação exposta
anteriormente (Fig. 39) mostra que essa é uma imagem, bem como o texto verbal que a
acompanha, disponibilizada no espaço Real dessa página. Isso pode ser explicado pelo
fato de se tratar de uma situação verídica, mostrando alguns dos prejuízos causados pela
chuva em SP. Em relação à sua veiculação como algo Dado, disponibilizado à esquerda
da página, entendemos que seja também por se tratar de uma situação já acontecida em
São Paulo. Todavia, não será possível fazer uma contraposição com a informação
disponibilizada no espaço Novo da parte inferior, pois, mais uma vez, trata-se apenas de
uma publicidade, que não se constitui como objeto de análise desta pesquisa.
117
3.3.1 Considerações gerais em relação à análise do aspecto não verbal
A análise do aspecto não verbal realizada em nosso corpus de pesquisa revelou
que a representação da ciência nesses textos está ainda bastante voltada para uma
tentativa de se concretizar a abstração com que as temáticas tratadas são vistas pelo
leitor.
De modo geral, as imagens não apresentaram funções apenas ilustrativas. Em
muitos casos, como foi descrito na análise, serviu para ampliar os significados
explicitados no texto verbal e, em muitos outros, cumpriu o papel até mesmo de
permitir que o leitor atribuísse novos significados aos textos verbais.
Observamos que as categorias mais recorrentes estiveram relacionadas aos
significados representacionais e composicionais49, tanto no Estado de Minas quanto na
Folha de S. Paulo, como pode ser verificado nos gráficos abaixo:
Gráfico 4: Frequência dos significados composicionais, interacionais e representacionais no jornal Estado de Minas.
Gráfico 5: Frequência dos significados composicionais, interacionais e representacionais no jornal Folha de S. Paulo.
Em relação aos significados composicionais, que dizem respeito à organização
das informações em um determinado espaço, observamos que sua maior ocorrência
49 Os resultados desta pesquisa se alinham com os resultados da Dissertação de Mestrado, desenvolvida por Paiva (2009), na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
118
deve-se, sobretudo, à possibilidade de demarcação entre as zonas de informação Ideal e
Real. Em alguns casos, essa ocorrência serviu para despertar a atenção do leitor para
algum fato divulgado e, em outros, serviu apenas para demonstrar o que está sendo visto
como possibilidade ou verdade em relação às descobertas científicas.
Já no que diz respeito aos significados representacionais, referente aos processos
narrativos e conceituais, que possibilitam a construção de experiências dos indivíduos
no mundo, acreditamos que a grande ocorrência desses significados nas imagens
vinculadas aos textos analisados deve-se ao interesse do produtor em mostrar os
participantes envolvidos em processos científicos, sejam pessoas ou objetos, executando
ações e participando de eventos, como se estivessem, em geral, empenhados na
construção de algo, ou representando certas características, seja para alertar o leitor ou
mesmo para exaltar a figura de determinado objeto ou pessoa.
Em alguns casos, os significados interativos também possibilitaram importantes
interpretações em relação ao assunto divulgado. Através desses significados, algumas
relações estabelecidas com os pesquisadores envolvidos em uma investigação podem ter
tornado os fatos científicos mais próximos dos leitores.
Outro aspecto saliente em nossos textos está relacionado à modalidade, uma das
dimensões dos significados interativos, selecionada para apresentar as imagens
veiculadas, como pode ser verificada no gráfico abaixo:
0
0,5
1
1,5
2
2,5
3
3,5
4
Abstrata Naturalística Sensorial Tecnológica
Estado de Minas
Gráfico 6: Frequência das modalidades abstrata, naturalística, sensorial e tecnológica no jornal Estado de Minas.
119
Gráfico 7: Frequência das modalidades abstrata, naturalística, sensorial e tecnológica no jornal Folha de S. Paulo.
Na sequência, apresentamos um exemplo de cada uma das modalidades previstas
na Gramática do Design Visual:
Figura 41: Exemplo de modalidade abstrata.
Figura 42: Exemplo de modalidade naturalística.
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Figura 43: Exemplo de modalidade sensorial.
Figura 44: Exemplo de modalidade tecnológica.
Observamos, em ambos os jornais analisados, um predomínio da modalidade
naturalística e, posteriormente, da tecnológica. Acreditamos que a primeira delas esteja
associada ao interesse da divulgação científica em se colocar como verdade para o
leitor, aproximando-se deste ao tentar demonstrar, como se fossem fotografias, a
realidade científica que está sendo divulgada.
Em relação à modalidade tecnológica, sabemos que sua utilização tem uma
finalidade mais prática e pedagógica. Dado o desconhecimento de muitos leitores em
relação ao assunto tratado, a utilização de esquemas ou infográficos para explicar
determinadas descobertas auxilia o leitor na compreensão do assunto divulgado.
Uma ocorrência curiosa no corpus de nossa pesquisa é o amplo espaço que tem
sido reservado às publicidades na seção Ciência dos jornais analisados, sobretudo na
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Folha de S. Paulo. Em alguns casos, a questão científica ganhou apenas metade de uma
página, enquanto o restante ficou reservado para as publicidades. Especialmente na
Folha de S. Paulo, a parte da página vista como Real, segundo os pressupostos da GDV,
esteve destinada à publicidade em todos os casos onde essa foi exibida, isto é: em
33,3% dos textos do Estado de Minas e 46,6% dos textos da Folha de S. Paulo. Apenas
em um texto a publicidade ocupou o espaço Ideal e Real ao mesmo tempo. De alguma
forma, é notável o atravessamento da ordem midiática, em que a lógica do mercado se
faz presente e importante em quaisquer locais.
Além disso, nota-se também a presença do capital sendo mostrado como
prioridade também na seção Ciência, que, aliás, é uma área da sociedade que merece e
recebe constantes investimentos. Outra interpretação possível dessa decorrência é que a
ciência ainda é constituída, na maioria dos casos analisados, como idealizada, uma vez
que sua disposição na zona de informação Ideal, segundo os pressupostos da GDV,
ocorreu em todas as páginas que veicularam publicidade; o que foi disposto como Real,
na maioria dos casos, foi a publicidade, que gera lucros para o jornal. Dessa forma, os
jornais em questão contribuem para que a divulgação científica esteja cada vez mais
distante do leitor que, diante de conteúdos publicitários alheios às questões científicas,
dispostos na seção Ciência, tenta se informar sobre ciência a partir de uma abordagem
limitada de textos.
Concluímos, nessa fase da análise, que as imagens utilizadas nos textos dos
jornais Estado de Minas e Folha de S. Paulo, publicadas na primeira semana do mês de
fevereiro de 2010, são, na maioria dos casos, importantes recursos visuais para uma
melhor compreensão dos assuntos científicos por parte do leitor. Logo, advogamos que
um estudo sistemático dessas características é essencial tanto para o produtor de
imagens quanto para o leitor.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O resultado desta investigação baseia-se no estudo realizado sobre o processo de
recontextualização que caracteriza os textos de divulgação científica publicados na
seção Ciência dos jornais Estado de Minas e Folha de S. Paulo, na primeira semana do
mês de fevereiro de 2010. Foram analisados as estratégias divulgativas e os significados
sociais representados, considerando tanto os aspectos verbais como os não verbais dos
textos de nosso corpus, sendo, pois, um trabalho que integrou aspectos discursivos,
divulgativos e multimodais, adotando-se a perspectiva da Análise do Discurso da
Divulgação Científica e da Gramática do Design Visual.
Na identificação das especificidades linguístico-discursivas que caracterizam
essas informações, tornamos possível evidenciar como esse discurso contribuiu para a
(in)formação efetiva do público leitor em relação ao conhecimento científico e também
pontuamos as limitações existentes nesse processo de recontextualização.
Comprovamos que, na divulgação científica, não apenas se difunde um determinado
conhecimento, mas, ao fazer parte da pauta jornalística de um periódico, utiliza-se um
discurso persuasivo para justificar a sua importância e despertar a atenção do público
leitor, inclusive por meio da veiculação de imagens.
Inicialmente, fizemos um levantamento que buscou conhecer o número de textos
bem como a temática de cada um destes em nosso corpus de pesquisa. Tivemos, no
decorrer de uma semana, 21 textos, sendo 6 publicados na seção Ciência do jornal
Estado de Minas e 15 na Folha de S. Paulo. Depois de conhecer detalhadamente as
características dessas publicações, uma análise quantitativa e qualitativa foi realizada
em relação às estratégias divulgativas, considerando-se o procedimento discursivo de
expansão.
Essa parte da análise revelou uma tentativa de maior aproximação, por parte da
mídia, com o público leigo. A utilização do procedimento discursivo de expansão, a
partir das suas várias estratégias divulgativas, bem como das imagens vinculadas aos
textos verbais, representaram uma maneira de aproximar o público geral aos
conhecimentos que, algumas vezes, parecem distantes da sua realidade, contribuindo
para uma efetiva divulgação do conhecimento de caráter científico. Contudo, algumas
dessas estratégias, como as exemplificações, comparações e metáforas mereciam ter
sido mais exploradas, já que se constituem em importantes recursos lingüísticos, sendo
também capazes de contribuir para construção e ativação do conhecimento prévio dos
leitores.
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Quanto às estratégias definição e explicação, exploradas com mais frequência
nos textos analisados, observamos que ampliaram a possibilidade de maior participação
do público leitor no entendimento do conhecimento científico ao esclarecer termos
técnicos ou adicionar informações para contextualizar o fato divulgado.
Em relação aos argumentos de autoridade, é importante que os divulgadores
tenham a preocupação de selecionar vozes não apenas de pesquisadores responsáveis
pelo assunto divulgado, mas também vozes que possam revelar outros pontos de vista
como também possíveis riscos de cada conhecimento de caráter científico.
Considerando a forte vinculação da ciência ao sistema econômico e político do país, é
imprescindível que essas discussões venham a fazer parte do repertório sócio-cultural da
população.
A partir da utilização das estratégias divulgativas, observamos que, na Folha de
S. Paulo, existe uma maior preocupação em contextualizar as informações científicas
para o seu público leitor, ao passo que o Estado de Minas recorre a essas estratégias
com menos frequência, sugerindo, pois, que a Folha conta com uma editoria de ciência
mais especializada.
Constatamos também que, em relação às temáticas abordadas, há de se pensar
sobre a necessidade de publicação de pesquisas que estejam relacionadas às ciências
humanas e sociais que, indiscutivelmente, podem melhorar a qualidade de vida da
população. A divulgação científica na mídia precisa reconhecer o seu papel educador e
formador na vida das pessoas. Para isso, é necessária uma maior atenção daqueles que
se propõem a divulgar esses conhecimentos, ao mesmo tempo que é fundamental a
formação de leitores mais críticos e aptos a entender não apenas o que está sendo
divulgado, mas também as razões que motivaram as escolhas temáticas desses
divulgadores, tanto em termos linguísticos quanto políticos e sociais.
Em um segundo momento, procedemos à análise de nosso corpus considerando
que os textos analisados caracterizam-se como multimodais, utilizando-se o aporte
teórico-metodológico fornecido pela Gramática do Design Visual (GDV). Observamos,
por meio das ferramentas descritivas dessa gramática, que os resultados encontrados
comprovam que as imagens utilizadas na divulgação científica no corpus desta pesquisa
complementam o texto verbal, não sendo, pois, um mero recurso ilustrativo. Em alguns
textos, ficou evidente a tentativa de se concretizar a abstração com que as temáticas
tratadas são vistas pelo leitor, utilizando-se para isso da publicação de mapas,
infográficos e outras imagens elaboradas para retratar uma inovação científica, como no
caso da concepção artística de um foguete ou de um satélite. Outras imagens e a
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disposição das informações em uma página, de acordo com as zonas de informação
propostas por Kress e van Leeuwen (2006), serviram para ampliar os significados
explicitados no texto verbal e, em muitos outros, permitiu que o leitor atribuísse novos
significados aos textos verbais, seja na construção do conhecimento divulgado ou
mesmo em relação ao pesquisador.
Relacionando esse resultado com o referencial teórico fornecido pela Análise do
Discurso de Divulgação Científica, concluímos que o aspecto icônico dos textos
analisados, tanto no Estado de Minas quanto na Folha de S. Paulo, constitui-se também
como uma estratégia divulgativa do procedimento discursivo de expansão, uma vez que
contribui para ampliar o conhecimento científico que está sendo divulgado.
Nesse aspecto, acreditamos que a GDV pode contribuir para com os estudos
relacionados à publicação do conhecimento científico na mídia, que possam interessar
tanto a linguistas quanto jornalistas, pelo fato de auxiliá-los para uma divulgação
científica que esteja mais próxima do leitor, sobretudo na concretização dos temas mais
abstratos da ciência.
Uma ocorrência curiosa em nossa amostra foi o fato de na seção Ciência dos
jornais analisados, especialmente na Folha de S. Paulo, a parte da página vista como
Real, segundo os pressupostos da GDV, estar destinada à publicidade em todos os casos
onde essa foi exibida, isto é: em 33,3% dos textos do Estado de Minas e 46,6% dos
textos da Folha de S. Paulo. Apenas em um texto, da Folha de S. Paulo, edição de
3/2/2010, a publicidade ocupou o espaço Ideal e Real ao mesmo tempo. De alguma
forma, é notável o atravessamento da ordem midiática, em que a lógica do mercado se
faz presente em quaisquer locais. Além disso, nota-se também a presença da questão
financeira na seção Ciência, que, aliás, é uma área da sociedade que merece e recebe
constantes investimentos. Outra interpretação possível para essa ocorrência é que a
ciência ainda é constituída, na maioria dos casos analisados, como idealizada, uma vez
que sua disposição na zona de informação Ideal, segundo os pressupostos da GDV,
ocorreu em todas as páginas que veicularam publicidade; o que foi disposto como Real,
na maioria dos casos, foi a publicidade, que gera lucros para o jornal.
Assim, os jornais Estado de Minas e Folha de S. Paulo, através do recorte
temporal realizado para esta pesquisa, caracterizaram-se como veículos pertinentes para
o estudo da divulgação científica na mídia impressa brasileira, revelando sua
importância para a sociedade civil, bem como as limitações que ainda impedem uma
efetiva participação cidadã no que concerne às decisões tomadas em relação ao
conhecimento científico no Brasil.
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Diante dessas considerações, defendemos que a divulgação científica tem um
significativo papel na democratização do conhecimento e, por isso, deveria ser capaz de
prover informações necessárias ao público leitor para que este possa avaliar os
benefícios e/ou riscos dos vários fatos científicos que circundam na esfera social,
aproximando o conhecimento científico e tecnológico da vida diária das pessoas.
Contribuições futuras
Este trabalho sugere uma discussão sobre a utilização de textos de divulgação
científica em sala de aula, seja na perspectiva dos estudos discursivos em geral ou
mesmo para desmitificar algumas concepções sobre ciência. Conforme a proposta dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (1998) de Língua Portuguesa, é pertinente e
indispensável analisar os mais diferentes gêneros textuais que circulam na sociedade,
uma vez que os gêneros são indissociáveis da linguagem. Nessa perspectiva, o conteúdo
relacionado à ciência pode ser explorado em quaisquer disciplinas. Logo, inseri-lo nas
aulas de língua portuguesa é uma necessidade. A escola, enquanto espaço de politização
do ser humano, deve incluir as discussões científicas que fazem parte da vida de seus
aprendizes no conteúdo programático de suas disciplinas. Além dessa preocupação com
o letramento científico, capaz de empoderar os leitores, o desenvolvimento do
letramento visual do aluno contribuirá significativamente para a formação de cidadãos
críticos e socialmente engajados.
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130
Anexos50
50 Além dos anexos impressos, consta, neste trabalho, um CD-ROM, onde as páginas analisadas podem ser visualizadas em tamanho maior e, consequentemente, de forma mais inteligível.