A Sílaba Latina Uma Questão Entre a Métrica e a Apofonia - Luiz Barbosa

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XXII Seminário de Estudos Clássicos Universidade Federal Fluminense Aluno: Luiz Pedro da Silva Barbosa Monitor de Língua Latina Orientadora: Profª Drª Lívia Lindóia Paes Barreto A Sílaba Latina: uma questão entre a métrica e a apofonia Introdução: Esta comunicação vem apresentar uma questão contraditória que a maioria dos manuais não contempla em suas explicações sobre o conceito de sílaba, em Latim, especificamente no que tange a distinção entre sílaba aberta e sílaba fechada. Para este trabalho, usam-se estudos diacrônicos da Língua Latina, pois uma das variantes no fato que é aqui abordado requer o conhecimento das leis de apofonia latinas. Sobre o conceito de sílaba entre os estudos de Língua Latina, Max Niedermann faz a seguinte descrição: “Os grupos de articulações que chamamos de palavras se subdividem em tantas fatias quantas fores as vogais que eles comportam (ou ditongos). Essas fatias, separadas umas das outras por um movimento de fechamento total ou parcial ou simplesmente por uma interrupção das vibrações glotais, recebem o nome de sílabas. ” (1991, p. 171) Assim, em latim, a sílaba tem como eixo uma vogal, ou ditongo, que pode ser precedida e seguida de uma consoante. A posição, anterior ou posterior dessa consoante é determinante na fonética latina. De acordo com Pierre Monteil, as consoantes que iniciam a sílaba têm uma característica de explosão, enquanto as que a finalizam têm uma característica de implosão. De posse desses conceitos iniciais partimos agora para o conceito de sílaba aberta e fechada em Latim. “Distinguem-se, tradicionalmente, dois tipos de sílaba: abertas, se elas terminam por vogal; fechadas, se elas terminam por consoante. Qualquer que seja a origem dessas classificações, elas correspondem a uma realidade: uma sílaba que termina por vogal é uma sílaba onde não se percebe o movimento de fechamento dos órgãos, que corresponderia à consoante implosiva, ausente desta sílaba” (Monteil: 1974, p. 46) Sobre a separação silábica nos casos de encontros consonantais: “Quando a vogal (ou o ditongo) era seguida de duas consoantes, ou de uma consoante geminada, o elemento consonântico era normalmente separado entre a sílaba precedente e a sílaba seguinte. Uma exceção apenas era feita para a combinação oclusiva + vibrante ou lateral, que eram colocados todos os dois na sílaba seguinte” (Niedermann: op. Cit, p.171)

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Breve texto acerca da divisão silábica dos grupos consonantais formados por oclusiva + líquida

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XXII Seminário de Estudos Clássicos

Universidade Federal Fluminense

Aluno: Luiz Pedro da Silva Barbosa – Monitor de Língua Latina

Orientadora: Profª Drª Lívia Lindóia Paes Barreto

A Sílaba Latina: uma questão entre a métrica e a apofonia

Introdução:

Esta comunicação vem apresentar uma questão contraditória que a maioria dos

manuais não contempla em suas explicações sobre o conceito de sílaba, em Latim,

especificamente no que tange a distinção entre sílaba aberta e sílaba fechada. Para este

trabalho, usam-se estudos diacrônicos da Língua Latina, pois uma das variantes no fato

que é aqui abordado requer o conhecimento das leis de apofonia latinas.

Sobre o conceito de sílaba entre os estudos de Língua Latina, Max Niedermann

faz a seguinte descrição:

“Os grupos de articulações que chamamos de palavras se subdividem em tantas fatias

quantas fores as vogais que eles comportam (ou ditongos). Essas fatias, separadas umas

das outras por um movimento de fechamento total ou parcial ou simplesmente por uma

interrupção das vibrações glotais, recebem o nome de sílabas.” (1991, p. 171)

Assim, em latim, a sílaba tem como eixo uma vogal, ou ditongo, que pode ser

precedida e seguida de uma consoante. A posição, anterior ou posterior dessa consoante

é determinante na fonética latina. De acordo com Pierre Monteil, as consoantes que

iniciam a sílaba têm uma característica de explosão, enquanto as que a finalizam têm

uma característica de implosão. De posse desses conceitos iniciais partimos agora para o

conceito de sílaba aberta e fechada em Latim.

“Distinguem-se, tradicionalmente, dois tipos de sílaba: abertas, se elas terminam por

vogal; fechadas, se elas terminam por consoante. Qualquer que seja a origem dessas

classificações, elas correspondem a uma realidade: uma sílaba que termina por vogal é

uma sílaba onde não se percebe o movimento de fechamento dos órgãos, que

corresponderia à consoante implosiva, ausente desta sílaba” (Monteil: 1974, p. 46)

Sobre a separação silábica nos casos de encontros consonantais:

“Quando a vogal (ou o ditongo) era seguida de duas consoantes, ou de uma consoante

geminada, o elemento consonântico era normalmente separado entre a sílaba precedente

e a sílaba seguinte. Uma exceção apenas era feita para a combinação oclusiva + vibrante

ou lateral, que eram colocados todos os dois na sílaba seguinte” (Niedermann: op. Cit, p.171)

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Exemplos:

de-a, me-us; ca-do, cae-do, ro-sa; or-do, Fes-tus; porém: lu-crum, su-pra, lo-cu-ples

Para os casos de três consoantes juntas, põe-se a primeira na sílaba precedente e

as outras duas na seguinte.

Exemplos:

Cas-tra, spec-trum

Segundo a Métrica:

No entanto, concentremo-nos nesse caso. Trata-se do único caso em que um

grupo de duas consoantes é mantido junto. Buscando uma explicação para esse fato,

encontra-se ela na métrica latina. Sílabas abertas podem ser longas ou breves,

dependendo da quantidade da vogal (importante é ressaltar que a quantidade da sílaba

nem sempre é a mesma quantidade da vogal), mas as fechadas serão sempre longas,

mesmo se a sua vogal for breve. Ora, como a sílaba seguida de oclusiva + r ou l é aberta

ela terá a mesma quantidade de sua vogal. Assim, nesse caso, pode ocorrer uma sílaba

breve seguida de duas consoantes.

“A partir de Ênio, os poetas latinos contavam por vezes por uma longa uma sílaba

contendo uma vogal breve seguida do grupo consonântico oclusiva + r ou l [...] embora

esse grupo pertencesse inteiro à sílaba seguinte e, assim, a sílaba precedente fosse aberta

e, portanto, breve. [...] A escansão longa, nas palavras dessa estrutura, é artificial; ela

baseia-se na imitação consciente da prosódia homérica.” (Niedermann, op. Cit, p. 173

e 174)

Exemplos:

tērră fĕrās cĕpīt, vŏlŭcrēs ăgĭtābĭlĭs āēr. (Ovídio, Met, 1, 75)

Pela citação acima, conclui-se que tal tipo de sílaba é, originalmente, aberto, e

que ocorrem alguns casos em que essa sílaba é utilizada como se fosse fechada e,

portanto, sempre longa. “É fácil perceber que uma mesma palavra pode, sem mudar de

sentido, receber silabações diferentes fazendo variar a quantidade silábica: assim pă-tris

e pā-tris designam sempre „o pai‟...” (Monteil, op. Cit. P.47 e 48). É possível encontrar

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variações quantitativas para este tipo de sílaba, às vezes em uma mesma obra

(cf.Meillet: 1948, p. 130-1).

Exemplos:

tērră fĕrās cēpīt, vŏlŭcrēs ăgĭtābĭlĭs āēr. (Ovídio, Met, 1, 75)

mōntĕ sŭō rĕsĭdēns nātūmqu(e) āmplēxa vŏlūcrēm. (Ovídio, Met. 5, 364)

nī tĕnĕānt cūrsūs: cērtūm (e)st dărĕ līntĕa rētrō. (Virgílio, En. 3, 686)

tālĭă mōnstrābāt rĕlĕgēns ērrātă rĕtrōrsūs. (Virgílio, En. 3, 690)

Então, quanto às sílabas “abertas” seguidas de oclusiva + l ou r, chega-se à

conclusão de que, justamente por serem abertas, a sua quantidade pode ser breve, mas

também há algumas variações que as alongam, mesmo com a vogal breve.

Segundo a apofonia:

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A apofonia (tentaremos aqui uma definição breve) é um metaplasmo que

constitui no fechamento gradativo de uma vogal, em sílaba interior, após um processo

de derivação ou composição. Em sílaba aberta, o fechamento da vogal apofônica atinge

o grau máximo: u ou i (ex: *genə-tor> genitor); já em sílaba fechada, esse fechamento,

gradativo, alcança apenas a metade caminho, parando em e (ex: *ad-scando> ascendo).

Quando observamos a apofonia nas vogais em um ambiente fonético de oclusiva

+ l ou r, percebemos que a apofonia que ocorre nelas é apofonia de sílaba fechada

“Se, postos a parte os casos de compostos, o grupo intervocálico oclusiva + r ou l era

agrupado inteiro na sílaba seguinte desde a aparição dos primeiro textos, não ocorria o

mesmo no latim pré-literário. Com efeito, obserco [...] em oposição a sacro [...]. supõe

que, em *obsacro do qual ele surgiu, o limite silábico se colocava entre o c e o r,

porque, se no momento em que se produziu a apofonia, o a de *obsacro se encontrasse

em sílaba aberta, em outras palavras, se neste momento tivéssemos uma divisão *obsa-

cro, teríamos *obsicro, e não obsecro. Do mesmo modo, o e medial de genetrix [...]

prova que a divisão silábica era primitivamente genet-rix, porque se a segunda sílaba

dessa palavra fosse aberta desde a origem, ela se apresentaria *genitrix em data

histórica.” (Niedermann, op. Cit. P. 172)

Finalmente, chega-se a uma contradição. De acordo com a métrica, o grupo

oclusiva + r ou l deve ser colocado junto na sílaba seguinte; enquanto que, de acordo

com os casos de apofonia, ele deve ser separado (como todos os outros encontros

consonantais). Segundo as leis da apofonia, a sílaba precedente a esse grupo é fechada;

já segundo a métrica, tal sílaba seria aberta. No entanto, já vimos aqui que ocorrem, na

poesia, casos em que essas sílabas são usadas como fechadas.

TOXILUS - Ōbsĕcrō tē.

SAGARISTIO – Rēsĕcrōquē (Plauto, Pers, 48).

Considerações Finais:

A possibilidade de variação na métrica latina e, opostamente, a regularidade das

leis de apofonia são fatores que apontam para uma divisão que separe o grupo oclusiva

+ líquida. Assim, portanto, a sílaba precedente seria de fato fechada.

Exemplos:

Luc-rum, sup-ra, lo-cup-les

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A variedade quantitativa que esse grupo possui na poesia latina reflete a

sensibilidade do ouvido dos antigos em relação à quantidade, “A tal ponto, nos diz

Cícero (De or. III, 196), que se um ator errasse a quantidade no início do seu texto, a

plateia não lhe poupava de vaias.” (Nougaret: 1963, p.3).

Outro fator a ser considerado diz respeito à fonética das chamas líquidas r e l.

Originalmente soantes, em um estágio indo-europeu, elas se caracterizam por uma

oclusão parcial, ou seja, sem chegar a interromper o fluxo de ar, o que as torna de

articulação bastante simples. “Elas se caracterizam pela simplicidade de sua articulação,

o que lhes confere grande estabilidade.” (Monteil: 1974, p.72)

Enfim, os fatos apontam para uma sílaba originalmente fechada, com um grupo

consonântico separado, mas que, devido à fácil articulação dessas antigas soantes, bem

como sua parcial oclusão, acaba por se juntar à sílaba seguinte, assim fazendo da

anterior uma sílaba aberta.

Referencias:

NIEDERMANN, M. Précis de Phonétique Historique du Latin. Paris: Klincksieck, 1991

NOUGARET, L. Traité de Métrique Latine Classique. Paris: Klincksieck, 1963

MEILLET, A. Traité de Gramaire Comparée des Langues Classiques. Paris: Honoré

Champion, 1948

MONTEIL, P. Eléments de phonétique et de morphologie du latin. Firmin Didot, 1974