A SINIZAÇÃO DO BUDISMO NA DINASTIA TANG Fausto Camacho ... · of the Silk Road, reaching China...

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A SINIZAÇÃO DO BUDISMO NA DINASTIA TANG Fausto Camacho Fialho Dissertação de Mestrado em História das Civilizações do Médio Oriente e da Ásia Antiga Versão Corrigida e Melhorada após Defesa Pública Outubro 2018

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A SINIZAÇÃO DO BUDISMO NA DINASTIA TANG

Fausto Camacho Fialho

Dissertação de Mestrado em História das Civilizações do Médio Oriente e da Ásia Antiga

Versão Corrigida e Melhorada após Defesa Pública

Outubro 2018

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Dissertação apresentada para cumprimento dos requisitos necessários à obtenção do grau de

Mestre em História das Civilizações do Médio Oriente e Ásia Antiga, realizada sob a orientação

científica da Professora Doutora Isabel Almeida e coorientação científica do Professor Doutor

João Paulo Oliveira e Costa.

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DECLARAÇÕES

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AGRADECIMENTOS

Devo, antes de mais, agradecer à Professora Doutora Isabel Almeida, por ter

orientado esta dissertação, com uma dose infindável de paciência e animo. Ao Professor

Doutor João Paulo Oliveira e Costa pela coorientação, sempre atento a todos os detalhes.

Ao Centro Científico e Cultural de Macau, nas pessoas do Professor Doutor Luís

Filipe Barreto, e dos drs. Rui Abreu Dantas e Énio de Souza, pela preciosa ajuda na

realização desta dissertação.

Agradecer à Marta Santana e à Rita Silvestre, pela companhia constante e pela

ajuda prestada na Bélgica. À Ana Nicolau, pelo apoio moral e pela amizade, desde

sempre, mas sobretudo na fase de realização desta dissertação. Também à Sara Portela e

à Raquel Lourenço, um agradecimento por todos os bons momentos e apoio. Um

agradecimento também a quantos, em Odemira e Lisboa, foram acompanhando este

processo.

À minha irmã, um obrigado pela enorme paciência demonstrada. Aos tios Flávio

e Luísa, bem como à prima Maria Inácia, pois, sem eles, não me seria possível percorrer

este caminho. À avó Luísa, pelo carinho e compreensão.

E como os últimos vêm sempre em primeiro, agradeço à minha mãe, pelo amor

eterno e por me fazer rir mesmo nas horas mais difíceis. Ao meu pai, pelos valores que

sempre me transmitiu, e por me dar força a seguir em frente.

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RESUMO

A SINIZAÇÃO DO BUDISMO NA CHINA TANG

FAUSTO CAMACHO FIALHO

PALAVRAS-CHAVE: Budismo Mahāyāna; Budismo Chinês; Rota da Seda;

Cosmopolitismo Tang; Arte Budista.

O Budismo afirma-se como uma proposta religiosa indiana, cujo surgimento está datado

para meados do I milénio a.C., na região gangética. Os cismas iniciais, que ocorreram no

seio da sua comunidade monástica, após a morte de Siddhartha Gautama, o seu fundador,

levaram à afirmação de diversas correntes. Dentro destas, importa-nos a Mahāyāna, que

iniciou o seu processo de difusão através da Ásia Central, via Rota da Seda terrestre,

atingindo a China, ainda durante os Han.

Ao longo do seu percurso, o Budismo sofreu adaptações, tendo incorporado entidades de

outras tradições e cultos com os quais contatou, o que promoveu um alargamento do seu

corpus documental, que se viu traduzido para línguas locais, assim como um

desenvolvimento das suas representações artísticas. Estas múltiplas alterações chegaram

às Portas de Jade, em Dunhuang- A partir dali, durante o período de fragmentação política

chinesa, da primeira metade do I milénio d.C., o Budismo foi-se infiltrando na sociedade

chinesa, sofrendo outras mudanças.

A grande consolidação desta religião na China ocorreu durante o período dinástico Tang,

cujo contexto político e cultural permitiram uma série de alterações sinizantes no seu

quadro teórico, cúltico e artístico. O cosmopolitismo Tang abriu portas ao surgimento e

desenvolvimento de escolas Budistas chinesas, que procuraram aproximar esta religião

estrangeira às propostas teórico-filosóficas pré-existentes.

A nível artístico, as representações budistas que se foram construindo ao longo da Ásia

Central, foram também marcadas pelo quadro mental do País do Meio, dando origem a

uma arte budista chinesa.

Com esta dissertação pretende-se, assim, caracterizar o processo de afirmação do

Budismo chinês, durante a dinastia Tang, com especial foco na corrente Mahāyāna. As

múltiplas transformações teóricas, cúlticas e artísticas, ocorridas no País do Meio, serão

ilustradas através do recurso às peças datadas desta época, patentes na coleção

permanente do Museu do Centro Científico e Cultural de Macau.

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ABSTRACT

THE SINIZATION OF BUDDHISM IN TANG CHINA

FAUSTO CAMACHO FIALHO

KEYWORDS: Mahāyāna Buddhism; Chinese Buddhism; Silk Road; Tang

Cosmopolitanism; Buddhist Art.

Buddhism affirmed itself as an indian religious proposal, whose appearance dates back to

the middle of 1st millenium BC, at the Gangetic region. The initial schisms, which took

place inside the monastic community, after the death of Siddhartha Gautama, its founder,

led to the affirmation of various currents. Inside those, the most important for us is the

Mahāyāna, which began its diffusion process through the Central Asia, by the land routes

of the Silk Road, reaching China during the Han dynasty.

Along its course, Buddhism suffered some adaptations, incorporating entities from other

traditions and cults with which it contacted, thus promoting the enlargement of its

documentary corpus, translated into local languages, and also developing its artistic

representations. These multiple changes, at some point, reached the Jade Gates, at

Dunhuang. From there, during the Chinese political fragmented period, in the first half of

the 1st millenium AD, Buddhism infiltrated in the Chinese society, suffering new

changes.

The great consolidation of this religion in China occurred during the Tang dynastic

period, whose political and cultural context allows a set of sinizating changes inside its

theoretic, cultic and artistic framework. Tang cosmopolitanism opened the doors for the

emergence and development of several Chinese Buddhist schools, which sought to bring

this foreign religion closer to the preexisting theoric-philosophical proposals.

In the artistic level, the Buddhist representations that have been built throughout Central

Asia, were also marked by the Chinese cultural scenario, giving rise to a Chinese Buddhist

art.

With these dissertation we intend to characterize the process that led to the affirmation of

a Chinese Buddhism, during the Tang dynasty, with a special focus in the Mahāyāna

current. The multiple theoretical, cultic and artistic transformations in China will be

illustrated through the analysis of pieces dating from this period, which belongs to the

Macau Scientific and Cultural Center Museum permanent collection.

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Índice Introdução .................................................................................................................................... 1

Capítulo I - Budismo: origens, princípios reguladores e difusão ............................................ 6

I.1 - Contexto gangético na segunda metade do I milénio a.C. ........................................... 6

I.2 - Siddhartha: entre a história e o mito ............................................................................. 9

I.3 - Os princípios budistas e a sangha ................................................................................ 13

I.4 - As práticas cúlticas iniciais ........................................................................................... 18

I.5 - Cismas e Divisões ........................................................................................................... 21

I.6 - O Período Mauria e posterior difusão do Budismo .................................................... 23

Capítulo II - Chegada e difusão do Budismo na China até à dinastia Tang ........................ 29

II.1 - A Dinastia Han e a aproximação institucional à Rota da Seda ............................... 29

II.2 - Do período de fragmentação política e territorial até à reunificação Sui ............... 35

II.3 Budismo na dinastia Tang (617–907) ........................................................................... 39

II.3.1- Afirmação dinástica ............................................................................................... 39

II.3.2 Os reinados de consolidação Tang e o Budismo .................................................. 43

II.3.3 Declínio da dinastia Tang ....................................................................................... 51

II.3.4- Marcas da sinização do Budismo.......................................................................... 57

Capítulo III – As representações artísticas budistas no I milénio ........................................ 68

III.1 Da arte Indiana às representações na Ásia Central .................................................. 68

III.2 - A arte budista na China ............................................................................................ 75

III.3 As peças Tang do CCCM e as marcas budistas na China ........................................ 82

Conclusão ................................................................................................................................... 88

Bibliografia ................................................................................................................................ 94

Anexos ...................................................................................................................................... 104

Anexo A- Mapas .................................................................................................................. 104

Anexo B – Cronologias ........................................................................................................ 118

Anexo C- Fichas técnicas das peças do CCCM ................................................................ 120

Anexo D – Exemplos de representações budistas ............................................................. 132

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Introdução

O processo de escolha do tema para esta dissertação começou ainda antes do

ingresso no Mestrado em História, área de especialização em Civilizações do Médio

Oriente e Ásia Antiga. De facto, com a frequência da unidade curricular de História da

China, no 3º ano de licenciatura, o meu interesse pelo mundo asiático, mas sobretudo pela

China, cresceu. A par disso, sempre tive interesse por processos religiosos e mentais, e já

há alguns anos que tinha sentido curiosidade em aprofundar o conhecimento sobre as

religiões chinesas. Simultaneamente, decidi começar a estudar mandarim, lecionado pelo

Instituto de Línguas da NOVA FCSH, dada a importância do conhecimento linguístico

para a análise dos referidos processos mentais. Naturalmente, a aprendizagem desta

língua afirma-se como um processo moroso, sendo que me encontro neste momento a

frequentar o quinto semestre de aulas (nível B 1.1).

No primeiro ano de mestrado, com os trabalhos desenvolvidos para os seminários

de “A Rota da Seda” e de “Diplomacia e Guerra na Ásia Antiga”, comecei a trabalhar

questões relacionadas com o Budismo na China, no caso do primeiro, e de correntes

filosóficas chinesas, como o Legalismo, Taoismo e Confucionismo, no caso do segundo.

Tendo, então, esses ensaios como base de partida, comecei a formular a ideia de tema

para a minha dissertação, sendo que achava interessante confluir duas temáticas: a

presença de uma religião estrangeira no País do Meio e o seu consequente impacto, em

termos culturais, artísticos, religiosos e filosóficos naquele contexto.

Escolher o período da dinastia Tang como foco cronológico para esta dissertação

pareceu-me uma escolha acertada, uma vez que esta dinastia marcou um período de

abertura cultural da China. Contudo, após uma primeira fase de recolha de informação,

ficou claro que seria demasiado redutor cingir o estudo apenas a esse período, sem antes

analisar todo o processo de introdução e adaptação do Budismo em solo chinês. Para

iniciar esta análise, afirmava-se ainda como imperioso refletir sobre o surgimento do

Budismo, na Índia, e como este se teria disseminado até alcançar a China, relacionando

assim a minha temática com as novas perspetivas de análise sobre o sistema de trocas

milenar, conhecido como Rota da Seda.

Por outro lado, ainda durante a frequência da unidade curricular de licenciatura

acima mencionada, tive oportunidade de visitar o Museu do Centro Científico e Cultural

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de Macau, que apresenta uma rica coleção de peças chinesas, particularmente peças

Tang.1 Assim, quando a escolha da análise para o presente estudo recaiu neste período,

pareceu pertinente avaliar este acervo, procurando identificar marcas do impacto do

Budismo na arte Tang.

Deste modo, esta dissertação cruza a história do Budismo e da sua disseminação

via Rota da Seda com as adaptações que esta religião sofreu na China Tang, em termos

teóricos e artísticos, cujos reflexos se podem identificar nas peças estantes no referido

Museu. Como tal, a dissertação será dividida em três partes distintas: I) Budismo: origens,

princípios reguladores e difusão; II) Chegada e difusão do Budismo na China até à

dinastia Tang; III) As representações artísticas budistas no I milénio.

Neste sentido, é importante aqui explicitar o que entendemos por Rota da Seda.

Este termo foi usado pela primeira vez, nos finais do século XIX, pelo germânico

Ferdinand von Richthofen, quando o mesmo se referiu às trocas, de vários níveis, que

identificou aquando da sua estada no País do Meio.2 A escolha do termo “seda” inseria-

se numa visão ocidental, tendo em conta a importância deste produto, ao longo do tempo,

para os mercados e sociedades europeias. Contudo, perspetivas académicas mais recentes

entendem “Rota da Seda” como um conjunto de diversas rotas comerciais, terrestres e

marítimas, que ligam o Ocidente ao Oriente, com ramificações para o Sudoeste Iraniano,

para as estepes do Nordeste eurasiático, e para o vale do Hindu Kushan e subcontinente

indiano3. Conta ainda com rotas marítimas que atingem o Japão e que se espraiam pelo

mar da China e pelo Índico.4

Por outro lado, estas novas perspetivas promoveram estudos multi e

interdisciplinares, que permitiram verificar como estas múltiplas rotas foram usadas por

humanos, desde tempos imemoriais, unindo o grande espaço euroasiático. Exemplo disso

são os movimentos realizados pelas populações indo-europeias, que se expandiram a Este

1 O acervo deste Museu começou a ser constituído em 1995, data de fundação do Centro Científico e Cultural de Macau. A coleção permanente encontra-se divida em dois núcleos distintos: “A Condição Histórico-Cultural de Macau nos séculos XVI”, e “A Colecção de Arte Chinesa”. Cf. História da Colecção, http://www.cccm.pt/page.php?conteudo=&tarefa=ver&id=40&item=Colec%E7%F5es, consultado pela última vez a 18/09/2018. 2 Cf. F. v. Richthofen, Verhandelingen der Gesellschaft für Erdkunde zu Berlin, vol. 4, 1877, pp. 99 – 122. 3 Cf. R. Foltz, Religions of Silk Road – Premodern Patterns of Globalization, Nova Iorque, Palgarve Macmillan, 2010, p. 1. 4 Cf. About the Silk Road, in http://en.unesco.org/silkroad/about-silk-road, visitado pela última vez a 30/05/2018.

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para a Ásia e a Oeste para a Europa, a partir do IV milénio a.C.5 Desta forma,

desenvolveu-se um contacto amplo, ao longo dos corredores entre as montanhas centrais

que dividem o espaço Euroasiático, atravessando diversos contextos geográficos,

marcados tanto por desertos como por florestas.

Nestes corredores, vários produtos circulavam e eram comerciados entre diversos

agentes, atravessando vários e diferentes sistemas económicos que se encontravam sob o

domínio de distintos sistemas políticos, ao longo do tempo. Assim, mesmo tendo como

primordial funcionalidade as trocas comerciais, tão importantes para o desenvolvimento

das diversas populações ali integradas, estas rotas proporcionaram também a troca de

ideias, tradições, expressões religiosas, culturais e mesmo de moda. De facto, os

comerciantes que seguiam por estes caminhos, em grandes caravanas, estabeleciam

contactos, quer através da interação quer da observação, com indivíduos de culturas

diferentes das suas. Ao mesmo tempo, nestas caravanas iam outros agentes (peregrinos,

diplomatas, artistas, etc.) que contribuíam para as trocas que se foram efetivando de local

para local.6

Deste modo, a Rota tornou-se num sistema de comunicação de excelência pelo

qual as religiões se deslocavam, alcançando os mais diferentes públicos, sendo que

nenhuma religião se manteria inalterada desde a sua origem até aos locais de chegada.

Com o surgimento de religiões proselitistas, como o Budismo, apareceram também os

missionários, que estimularam a propagação de tradições religiosas e, consequentemente,

as viagens de peregrinação.7

Assim, nesta dissertação esta perspetiva sobre a Rota da Seda, como grande

sistema de comunicações e trocas múltiplas, estará presente, pois foi através deste que o

Budismo se difundiu, desde a Índia até à China. As transformações budistas, que diversos

agentes realizaram neste palco, serão, então alvo de análise.

O primeiro capítulo, então, falará logo do processo de difusão do Budismo pelas

rotas da Ásia Central. Contudo, é necessário começar pela caracterização das origens

desta religião em contexto gangético, assim como pela apresentação dos fundamentos

indianos desta proposta religiosa. Em seguida, o foco estará, sobretudo, na corrente

5 Cf. R. Foltz, op. cit., p. 2. 6 Idem, p.8. 7 Idem, p. 9.

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Mahāyāna, já que foi esta que se propagou pela Ásia Central e que chegou à China, por

via terrestre.

Num segundo capítulo, proceder-se-á à análise da entrada e fixação do Budismo

na China, interligando-a com o contexto histórico do País do Meio. Explicitar-se-á como

esta nova religião se relacionou, sobretudo, com o poder imperial Tang, analisando os

reinados dos diferentes imperadores, e destacando as características mais relevantes

destes governos. Note-se que a entrada de uma religião, em qualquer contexto, está

sempre dependente de condições sociais, políticas e económicas, daí a importância de

analisar estes diferentes governos Tang. Por último, analisar-se-á quais as transformações

sinizantes que ocorreram no seio desta religião, durante o período em análise.

O terceiro e último capítulo focar-se-á na arte budista, nomeadamente nas

expressões relativas à escultura e à pintura. Seguindo a lógica dos dois capítulos

anteriores, tentar-se-á manter uma estrutura similar, começando por caracterizar o

surgimento da arte de temática budista e o seu posterior desenvolvimento ao longo da

Rota da Seda terrestre, até alcançar a China. De seguida, serão avaliadas as

transformações que a arte budista sofreu, de modo a se acomodar à realidade chinesa. O

último ponto, onde se irá recorrer a algumas peças Tang integrantes da coleção

permanente do Museu do Centro Científico e Cultural de Macau, ilustrará essas mesmas

alterações, a vários níveis, permitindo uma análise específica do que foi apresentado

antes.

Resta apenas deixar algumas notas sobre as questões metodológicas. Nesta

dissertação optou-se, sempre fosse necessário, utilizar a nomenclatura em sânscrito,

embora que romanizada, no respeitante aos termos e conceitos do Budismo indiano.

Relativamente a expressões e nomenclaturas chinesas, embora se tenha optado por não

utilizar os caracteres, serão sempre escritas seguindo o sistema de escrita pinyin, uma vez

que se poderia gerar confusão entre os caracteres antigos e modernos e entre diferentes

sistemas de transcrição. Refira-se ainda que aquando da referência a localidades chinesas,

estas encontrar-se-ão sempre acompanhas da sua atual província. Em anexo, encontrar-

se-á um mapa da divisão administrativa atual da República Popular da China, de modo a

ajudar na localização das mesmas.

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Espero que esta dissertação permita entender melhor o contexto cultural da China

Tang e a sua relação com uma religião originalmente estrangeira, que ainda hoje assume

um papel de relevo no pensamento do País do Meio.

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Capítulo I - Budismo: origens, princípios reguladores e difusão

I.1 - Contexto gangético na segunda metade do I milénio a.C.

A situação política, social e cultural na Índia, especialmente na região gangética

em meados do primeiro milénio a.C., era de profunda agitação [Anexo A, Mapa 3]. 1 Esta

época, correspondente ao final do período védico2, caracterizou-se por uma sucessão de

guerras entre clãs, que resultaram em diversas situações limite, nomeadamente a

proliferação de casos de escravatura, roubos, assassinatos, bem como de uma profunda

destruturação familiar, marcada por situações de adultério e de abandono dos mais idosos.

Sentia-se uma crise social, mas também de valores, às quais as velhas tradições religiosas

indianas não conseguiam oferecer uma resposta adequada.3

De facto, neste período, a religião védica havia-se tornado um instrumento de

controlo utilizado pela classe sacerdotal, que através de sacrifícios e práticas mágicas,

influenciavam a sociedade, vergando a vontade divina em benefício próprio. Dado que os

elementos pertencentes às castas superiores da sociedade gangética (nobres, ricos

mercadores e proprietários de terras), detinham os recursos necessários para alimentar os

rituais e efetuar os respetivos pagamentos à classe sacerdotal, mais facilmente usufruíam

do favor divino para obterem riqueza, glória, saúde e fertilidade, quer para a vida corrente,

quer para as vidas vindouras4. Devemos ter em conta que, nesta época, já se encontravam

definidas5 a noção de relação entre reencarnações e a ação humana, isto é, o karma6, e o

1 Cf. A. Heirman, S. P. Bumbacher, “Introduction: The Spread of Buddhism”, in D. Sinor, N. DiCosmo, (ed.), Handbook of Oriental Studies, Section Eight – Central Asia, vol. 16, A. Heirman, S. P. Bumbacher, (ed.), The Spread of Buddhism, Leiden, Brill, 2007, p. 3. 2 Período da história indiana que decorreu entre c. de 2000 e 500 a.C. e que abrange as principais migrações de povos arianos oriundos do Médio Oriente. Ver em C. Lacy, The conscience of India – Moral tradicions in the modern world, Canadá, Holt, Rinehart and Winston, 1965, p. 14. 3 Cf. G. Omvedt, Buddhism in India- Challenging Brahmanism and Caste, Thousand Oaks, Califórnia, Sage Publications, 2003, p. 29. 4 Cf. A. Bareau, Buda, Lisboa, Editorial Presença, 1964, p. 8. 5 O quadro mental védico encontrou a sua primeira grande definição escrita no conjunto de estudos metafísicos designados por Upanishads. Estes estudos foram formulados, entre c. de 800 e 400 a.C., por diversos pensadores, que já recorriam às práticas do ascetismo. Cf. R. Mookerji, Ancient Indian Education: Brahmanical and Buddhist, New Delhi, Motilal Banarsidass Publ., 1989, pp. 97 e 98. Veja-se este corpus em I. Busse, (trad.), Os Upanishades, Mem Martins, Livros de Vida, Editores, 19[??]. 6 Cf. C. Lacy, op. cit., p. 15.

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ideal da transmigração7, o samsara. Deste modo, a maioria da população, cujos

rendimentos eram insuficientes, ficava, em teoria, condenada a existências (presentes e

futuras) de miséria e desgraça.8

Consequentemente, no decorrer do século VI a.C., surgiram inquietações sociais

e religiosas, começando a proliferar sentimentos de injustiça e revolta nos meios menos

favorecidos da sociedade gangética. Nas regiões limítrofes deste espaço, em meios

bramânicos com menor influência urbana, mas com profunda erudição, viriam a

consolidar-se fundamentos filosófico-religiosos que respondiam a esta agitação. De entre

as múltiplas propostas destacam-se o Jainismo9, cuja génese se encontra nos Himalaias,

e o Budismo, centrado na região de Bengala.

O processo de construção destas várias propostas ficou marcado pela existência

errante dos seus diversos defensores, que se cruzavam nos seus caminhos, originando

profundas discussões teóricas. Ao mesmo tempo, estes elementos recorriam a meditações

solitárias, que permitiam o amadurecimento dos fundamentos embrionários das suas

doutrinas. Estes métodos possibilitaram uma consolidação, tanto do Jainismo como do

Budismo, que partindo dos pressupostos filosófico-religiosos pré-existentes, formularam

uma nova perspetiva de disciplina, com terminologias específicas e distintas entre si.10

Surgiram, então, novas propostas metafísicas concentradas nas noções do karma

e do samsara. Por exemplo, a classificação dos elementos do plano real surgiu para ajudar

as populações a compreender o destino do ser humano, o encadeamento de vidas

sucessivas, a origem dos prazeres e dos sofrimentos, bem como os meios para quebrar os

ciclos de reencarnação. Por outro lado, se era fácil distinguir e enumerar os elementos

materiais sobreviventes à morte, mais difícil seria discernir quais os elementos imateriais

que passariam às existências seguintes, como aos carácteres, a felicidade ou a

infelicidade, saúde ou doença, riqueza ou miséria, fertilidade ou esterilidade, glória ou

infâmia.

No seio dos profícuos debates acima referidos, confrontavam-se diversas

opiniões. Uns defendiam a existência do “eu”, o âtman, que era um princípio impessoal

7 Cf. G. Omvedt, op. cit., p. 32. 8Cf. A. Bareau, op. cit., p. 8. 9 Dado que esta dissertação se foca no Budismo, não se aprofundará este movimento religioso. Acerca do mesmo, veja-se A. K. Jain, Faith & Philosophy of Jainism, Delhi, Kalpaz Publications, 2009. 10 Cf. A. Bareau, op. cit., pp. 8-10.

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da personalidade, único e puro, que se mantinha imutável na sucessão de vidas, próximo

ao princípio sagrado da divindade, o brahman, como se encontrava definido pelo

Bramanismo.11 Para outros, o elemento que permanecia entre vidas era o jîva, um

princípio vital e individual, que para o Jainismo era central ao processo kármico.12 Por

outro lado, havia quem defendesse uma pluralidade de elementos permanentes, quer

físicos quer psicológicos, bem como biológicos ou abstratos. Outros, por seu lado,

negavam a existência desses elementos permanentes, defendendo meras sucessões de

fenómenos ou puras ilusões.

No que respeitava à razão para as sucessivas existências, as opiniões eram, de

igual modo, variadas. No seio dos que defendiam uma relação de causa-efeito, onde os

atos anteriormente realizados definiam as vidas posteriores, existiam divergências,

nomeadamente acerca da natureza desta causalidade. Propunham-se, paralelamente, o

cumprimento dos ritos, a pureza religiosa ou, ainda, a pureza moral como causas

determinantes à felicidade ou infortúnio vindouros. Contudo, outros negavam a

causalidade, advogando antes uma fatalidade do destino, absolutamente independente da

ação humana. Neste grupo, havia quem negasse a existência do âtman ou do jîva, ou quem

defendesse estes como passivos, sem capacidade de influenciar o destino. Estas últimas

visões tornavam vãs qualquer esperança na libertação dos sofrimentos mundanos. Por sua

vez, aqueles que aceitavam a potencialidade de atingir tal fim, dedicavam-se a descobrir

os meios para tal. Muitos utilizavam as práticas retiradas dos velhos processos

ritualísticos utilizados pelo xamanismo, para alcançar um transe, ou seja, um estado de

serenidade absoluta, que permitia até adquirir poderes sobrenaturais.13 Contudo, as

práticas xamânicas, embora fizessem parte de uma tradição ancestral, foram também alvo

de diversas críticas, começando mesmo a ser marginalizadas das práticas correntes por

alguns grupos.14

11 Cf. C. Lacy, op.cit., pp. 15 e 16. 12 Cf. J. Soni, “Jaina Virtue Ethics: Action and Nonaction”, in S. Ranganathan (ed.), The Bloomsbury Reasearch Handbook of Indian Ethics, Londres, Bloomsbury Academic, 2017, p. 159. 13 Estes processos ficariam mais tarde conhecidos por Yoga (união). Para uma análise detalhada sobre o surgimento e alterações destes processos rituais na Índia, veja-se G. Samuel, The Origins of Yoga and Tantra: Indic Religions to the Thirteenth Century, New York, Cambridge University Press, 2008, pp. 39-190. É interessante notar que, como à frente será desenvolvido, o processo de construção da figura de Buda será devedor destas discussões, sendo eventualmente entendido como um ser com poderes sobrenaturais, mostrando, assim, uma continuidade em mudança do pensamento religioso indiano. 14Cf. A. Bareau, op. cit., pp. 10 e 11.

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Numa outra vertente, debateu-se como quebrar o ciclo de reencarnações, que

assentava no alcançar da referida serenidade absoluta. A natureza dos processos, das

etapas e graus de intensidade desta eram mais uma vez alvo de divergências. Para alguns,

essa serenidade era alcançada quando o “eu” puro era reencontrado nas profundezas do

pensamento, seguindo a mesma linha das crenças bramânicas. Para outros, esta resultava

da união do princípio da individualidade com o próprio cosmos. Alguns defendiam que a

libertação do ser era o vazio total da consciência. Havia ainda aqueles que, em

continuidade com a tradição, se submetiam a duras austeridades, torturando o corpo para

se libertarem mais facilmente do ciclo de reencarnações, ou que seguiam o caminho da

solidão e do afastamento social, tornando-se eremitas. Já outros acreditavam poder viver

junto da população comum desde que se limitassem às regras de disciplina impostas.15

Foi, então, neste período de falência de valores sociais e intensa discussão

filosófico-religiosa que o Budismo, corrente religiosa central ao presente estudo,

despontou e fixou as suas raízes, construindo a sua própria resposta para combater o

desvirtuamento moral da Índia gangética. Através da utilização e reformulação das ideias

acima enunciadas, o pensamento budista estabeleceu um quadro metafísico e um

comportamental próprio, que procurava restabelecer a tranquilidade social, recorrendo ao

ensino de uma disciplina pessoal, como adiante se explicitará.

I.2 - Siddhartha: entre a história e o mito

A existência histórica de Siddhartha Gautama é impossível de ser perfeitamente

definida, uma vez que ele próprio não deixou registos escritos da sua vida. O que chegou

aos dias de hoje não é mais que uma mistura de tradições orais, que se foram canonizando

ao longo de séculos, e de mitificações que se foram construindo em torno da figura de

Buda. Como tal, nada pode ser tido como uma verdade absoluta quando se fala da vida

desta personagem central do Budismo.

Segundo a tradição comumente aceite, Siddhartha terá nascido em 566 e morrido

em 486 a.C. 16, sendo filho de um pequeno nobre, pertencente ao clã bramânico dos

15Cf. A. Bareau, op. cit., pp. 12. 16 Esta datação, segundo Jean-Noël Robert, é a mais consensual de entre as várias propostas, sendo por isso a que preferimos seguir. Veja-se J. Robert, “O Budismo – História e Fundamentos”, in J. Delumeau, (dir.), As Grandes Religiões do Mundo, Lisboa, Editorial Presença, 1999, p.432.

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Gautama, na localidade de Kapilavastu, no atual Nepal. Ainda jovem, com vinte e nove

anos17, teria deixado a sua família para trás, escolhendo uma vida de asceta errante. O

principal objetivo das suas meditações era encontrar o remédio para todas as dores que

tornavam a existência de todo e qualquer ser vivo insuportável. Assim, ter-se-ia juntado

a grupos de ascetas, aprendendo com eles técnicas de meditação e suportando

austeridades severas18. Apercebendo-se, a dado momento, que não estava a conseguir

atingir os seus objetivos, abandonou este caminho, seguindo um trajeto próprio19. Foi,

então, na localidade de Bodh Gaya, a cerca de 100 quilómetros a sul da atual cidade de

Patna20, que Siddhartha descobriu a solução das suas questões, através da força da sua

meditação. Sob uma figueira, atingiu a Iluminação, tornando-se Buda.21

A tradição atesta que, naquele momento, e em primeiro lugar, Siddhartha tomou

consciência das suas vidas passadas de sofrimento, confirmando assim as noções de

transmigração e reencarnação. De seguida, compreendeu que os prazeres e sofrimentos

sentidos pelos seres não advinham do acaso ou do cumprimento de certos ritos, mas sim

apenas do valor dos atos realizados numa existência passada, validando, assim, a noção

de karma. Esta constatação levou-o a considerar a veracidade da origem da dor inerente

à vida, que reside nas paixões. Por fim, entendeu a possibilidade da cessação das mesmas

e da existência do caminho para a libertação do sofrimento e do ciclo de reencarnações.

Siddhartha tomou, assim, consciência das “Quatro Nobres Verdades”, os quatro

principais fundamentos do Budismo: o sofrimento (duhkha), a sua origem (samudāya), a

possibilidade de o quebrar (nirodha) e o caminho para alcançar a libertação do mesmo

(ārya-ashtānga-mārga).22 Compreendeu, então, que ele próprio estava liberto de todas as

paixões e consequentemente de todas as dores, e como tal não voltaria a renascer. Tinha

alcançado o Despertar, o bodhi, e atingido o nirvāna23 ao encontrar a paz inabalável

proveniente da extinção das paixões e sofrimentos.24

17 Cf. G. Omvedt, op. cit., p. 23. 18 Ibidem. 19 Cf. J. Robert, art. cit., p.435. 20 Cf. A. Bareau, op. cit., p. 15. 21 Cf. J. Robert, art. cit., p. 435. 22 Cf. H. Yün, Budismo – Significados Profundos, Sintra, Zéfiro, 2016, p. 219 23 Nirvāna tem o significado literal de extinção. Numa perspetiva budista significa a extinção de sentimentos como o a inveja e o ódio, ou seja, a eliminação de desejos, bem como o cessar do sofrimento e do ciclo de reencarnações. Veja-se N. Thera, Buddhist Dictionary: Manual of Buddhist Therms and Doctrines, Sri Lanka, Buddhist Publication Society, 2004, p. 115. 24 Cf. A. Bareau, op. cit., p. 15.

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De seguida, e retomando a vida errante, chegou aos arredores de Benares, onde

proferiu o seu primeiro sermão25. Aí adquiriu os seus primeiros cinco discípulos, que se

tornariam nos primeiros bhiksus26, ou seja, os seus primeiros monges. Este primeiro

sermão enceta a obra de predicação de Buda, fundando simultaneamente a sangha, a

comunidade de monges budistas, e assentando as “Quatro Nobres Verdades”.27

O número dos seus discípulos foi aumentando paulatinamente, recrutando, por

onde passava, novos monges sem qualquer distinção social.28 Ao mesmo tempo, a sua

reputação crescia no seio da comunidade leiga, onde muitos o passavam a seguir. Os

membros leigos destes primeiros tempos continuavam a viver integrados na sociedade,

mas comprometiam-se a respeitar as principais regras de moral enunciadas por Buda,

assim como, assumiam a responsabilidade de suprir, regularmente, as necessidades

materiais dos monges, principalmente a nível da alimentação. Estes leigos eram, também

eles, provenientes de todas as camadas sociais, desde as mais altas até aos mais

desprovidos de riqueza. Contudo, os mais reconhecidos eram os que detinham maior

estatuto, talvez devido às suas grandes doações, que incluíam parques suburbanos onde

os monges podiam viver em paz, entre as suas viagens.

Assim, Buda e os seus discípulos encontraram estabilidade na bacia do Ganges,

que percorriam, ensinando a sua doutrina a todos aqueles que se dispunham a escutá-la,

discutindo, por diversas vezes, com eruditos de crenças distintas.29 Buda viria a morrer já

em idade avançada, em Kusinagara, a cerca de 175 quilómetros a nordeste de Patna,

encontrando por fim a paz eterna pela sua extinção completa, o parinirvāna.30

A construção sobre a vida de Buda, pela mão das comunidades leigas, iniciou-se

logo a seguir à sua morte, com recurso a elementos trazidos do folclore e da mitologia

indiana. A personalidade de sábio austero e racionalista foi-se eclipsando, dando lugar à

imagem de um ser sobrenatural, omnisciente e omnipotente, capaz de realizar feitos

prodigiosos. Passou de um filho de um simples nobre de província para se tornar num

jovem príncipe, rico e poderoso, oriundo de uma grande linhagem e ao qual estava

25 Idem, p. 16. 26 Cf. G. Omvedt, op.cit., p. 24. 27 Cf. A. Bareau, op. cit., p. 16. 28 Cf. G. Omvedt, op. cit., p. 24. 29 Cf. A. Bareau, op.cit., p. 17. 30 Parinirvāna é considerado o último estágio do nirvāna, o qual é alcançado com a morte. Cf. D. Keown, A Dictionary of Buddhism, Oxford, Oxford University Press, 2004, p. 212.

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destinado o comando de um vasto império, não tivesse ele abandonado tudo para se tornar

num asceta em busca do bodhi. Assim, a imagem criada pelos seus seguidores leigos

tornou o Buda histórico, Sakyamuni, num ser sublime, superior a qualquer ser humano ou

divindade, que não se tinha extinguindo por completo, mas sim atingido um local inefável

e incognoscível para lá do universo.31

É sobre o período com mais lacunas informativas, o que se refere à sua infância e

adolescência, que mais elementos míticos foram acrescentados, divulgados ao longo do

tempo em múltiplas expressões artísticas, desde baixos relevos e frescos a estatuária.

Estas construções, de forma geral, apresentavam Buda como um ser predestinado, filho

do rei Suddhodana e da sua esposa Mahamaya. Esta teria ficado grávida depois de sonhar

com um elefante branco de seis presas, animal cujo simbolismo apontava para o

nascimento de um ser extraordinário.32 Após dez meses de gestação, deu à luz uma

criança pelo seu flanco direito, que de imediato se pôs de pé, verbalizando a sua grandeza,

a qual, anteriormente, havia sido confirmada por sábios brâmanes.33 Segundo esta

perspetiva, Siddhartha teria então crescido, realizando treinos físicos e psicológicos

diversos, aprendendo a uma velocidade impressionante, superando qualquer outro

humano. Já jovem adulto, casou-se com uma mulher nobre, Yashodhara, e dela teria tido

um filho, Rahula.34 Levou, então, uma vida calma, feliz e ociosa até ao dia em que

encontrou, sucessivamente, um idoso, um doente, um morto, e por último um asceta. Os

três primeiros encontros expuseram-lhe as três principais fontes de sofrimento humano,

tendo o último revelado a serenidade do religioso, que se vê privado de tudo. Em

consequência desses encontros e do impacto que nele tiveram, Siddhartha teria então

abandonado o seu palácio para procurar o apaziguamento na austeridade, o que levaria a

que mais tarde tivesse atingido a Iluminação.35 Devemos desde já referir a presença dos

Lokapala nesta construção mítica da figura de Buda, pela importância que os mesmos

detêm nas representações artísticas budistas que mais à frente serão discutidas. Estes seres

divinos, provenientes das tradições pré-existentes do pensamento indiano, seriam quatro

reis celestes, guardiões dos quatro pontos cardeais, que foram absorvidos pelo Budismo

como figuras protetoras da lei Budista. Segundo estas lendas, os Lokapala estiveram

31 Idem, pp. 74-76. 32 Cf. M. McArthur, Reading Buddhist Art- An Illustrated Guide to Buddhist Signs & Symbols, New York, Thames & Hudson, 2004, p. 135. 33 Cf. S. C. Kohn, A Life of Buddha, Boston, Shambhala Publications, 2009, pp. 3-5. 34 Idem, pp. 9 e 14. 35 Cf. A. Bareau, op. cit., pp. 17 e 18.

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presentes em todos os momentos chave da existência de Buda, desde o seu nascimento ao

parinirvāna.36

A contínua mitificação da figura de Siddhartha, entre o sábio asceta e o herói com

poderes sobrenaturais, ultrapassou assim o homem, tornando-o mesmo, mais tarde, num

ser numinoso37, superior a todas as divindades.38

I.3 - Os princípios budistas e a sangha

Os séculos seguintes ao parinirvāna foram marcados, também, por um intenso

trabalho para fixar as conceções teóricas desta proposta religiosa, o que acabaria por

resultar no livro canónico do Budismo, o Tripitaka, o (Triplo Cesto de Flores). Este

encontra-se dividido em três partes: a primeira, o sutra, que agrupa os ensinamentos

budistas; a segunda, o vinaya, correspondente à disciplina monástica; e a terceira parte, o

abhidharma, onde a escolástica do ensino de Buda se encontra fixada.39

Nesta obra defende-se que a entrada no caminho da libertação dos leigos se fazia

através do ensino da moral, que se resume à abstenção total das más ações, nomeadamente

o assassinato, o roubo, as práticas sexuais ilícitas, a mentira e a negligência face ao

consumo de bebidas alcoólicas. Deviam, igualmente, evitar a difamação e a calúnia, a

linguagem grosseira e injuriosa, bem como as conversas levianas. Defendia-se ainda que

cabia aos leigos o fornecimento do alimento, do vestuário e outros bens necessários, na

medida das suas capacidades, aos monges. 40 Estes ensinamentos parecem ter sido, pelo

menos em parte, uma resposta filosófica e moral à crise de valores que acima se referiu.

Ora, a total abstinência da prática de más ações, permitia reprimir as paixões por elas

causadas, e que causavam o sofrimento, o que, consequentemente, permitia aos leigos

reencarnarem em melhores condições numa vida futura. No limite, estes encarnariam

finalmente numa existência que lhes dava acesso à vida monástica e entrada no verdadeiro

caminho da libertação.

36 Cf. M. McArthur, op. cit., p. 65. 37 Seguimos, nesta dissertação, a terminologia utilizada pela História e Filosofia das Religiões, onde o elemento transcendente, o númen, é percecionado pelo homo religiosus, que constrói, assim, um sistema simbólico e metafísico, no qual o mito tem um papel central. Sobre este quadro teórico, veja-se, por exemplo, R. Otto, The Idea of the Holy, New York, Oxford University Press, 1966, ou É. Durkheim, Les formes élémentaires de la vie religiouse, Paris, Les Presses universitaires de France, 1968. 38Cf. A. Bareau, op. cit., 1964, p. 17. 39 Cf. J. Robert, op. cit., p.441. 40 Cf. A. Bareau, op. cit., p. 48.

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Por outro lado, a moral imposta ao bhiksus, através de códigos de disciplina, os

vinaya, era bastante mais severa. Além do acima descrito, os monges budistas deviam

ainda abster-se de todo e qualquer pensamento ou ação maldosa, quer corpórea quer sob

a forma de palavra. Esta imposição moral visava dois fins específicos. Em primeiro lugar,

manter a ordem interna dos mosteiros. Em segundo, salvaguardar o bom nome dos

mesmos para a sociedade exterior.41 Os vinaya detalhavam ao pormenor múltiplos casos

de infração, medindo a gravidade dos mesmos, e ainda previam as sanções a serem

aplicadas e as exceções à regra. A severidade da disciplina a ser seguida pelos monges

era absolutamente necessária para se alcançar a salvação.42

A disciplina praticada nos mosteiros consistia no afastamento dos monges das

multidões, e consequentemente, na realização das suas meditações em contexto

monástico. A vida dos monges devia ser austera, limitada a uma refeição, matinal e de

alimentos simples, para evitar a gula. Os monges dormiam em leitos estreitos e de altura

reduzida, dentro de celas ou cabanas próprias. Viam ainda as suas posses limitadas a três

vestimentas, cujo tecido devia de ser algodão grosso ocre, doado pela comunidade leiga,

a uma tigela, a uma navalha e a pequenos utensílios considerados indispensáveis. 43

Contudo, esta austeridade material era desprovida de um sentimento ascético, bem como

de torturas físicas praticadas em outros movimentos religiosos indianos, como o

Bramanismo ou o Jainismo, pois eram consideradas inúteis e, deste modo, não deviam

ser postas em prática.44

Seguindo estas indicações, o monge budista esquivava-se a um contacto maior

com o mundo leigo, limitando-se a cumprir com as suas obrigações religiosas, que

incluíam o peditório, a pregação doutrinária e ainda a peregrinação. Mesmo quando

viajavam, os monges mantinham-se sujeitos ao cumprimento de regras, que estabeleciam

a manutenção constante de uma conduta dignificante, com os olhos baixos, evitando a

todo o custo qualquer manifestação e conversação que pudesse destabilizar a serenidade

interior que lhes era esperada.45

Para alcançarem a libertação, os monges seguiam certos métodos que os obrigava

a reunir certas qualidades. Uma dessas práticas era o “Nobre Caminho Óctuplo”, que

41 Cf. Idem, p. 49. 42 Cf. J. C. Holt, Discipline: The Canonical Buddhism of Vinayapitka, Delhi, Motilal Banarsidass, 1981, p. 2. 43 Cf. A. Bareau, op. cit., p. 49 e 50. 44 Cf. S. Tachibana, The Ethics of Buddhism, London, Curzon Press, 1992, p. 5. 45 Cf. A. Bareau, op. cit., p. 50.

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visava a cessação do sofrimento, onde era necessário ter oito virtudes ou qualidades: a

correta compreensão, resolução, ação, concentração, atenção, assim como o correto

discurso, meio de sustento e esforço.46 No entanto, o método a que se recorria com maior

frequência para atingir a Iluminação era o Dhyana, isto é, o método das quatro

meditações: numa primeira meditação, o monge livrava-se dos seus pensamentos impuros

e dos seus desejos, formulando um raciocínio sobre o qual fazia a sua reflexão, buscando

a alegria. De seguida, numa segunda etapa, apaziguava o raciocínio e a reflexão, atingindo

a serenidade interior, resultante da concentração, e que consistia na união do pensamento

à alegria. Depois, de maneira a alcançar um estado de indiferença, abdicava do que até aí

tinha alcançado, limitando-se a desfrutar da felicidade presente no seu corpo. Por fim

desprovia-se de toda a felicidade e dor, atingindo a quarta meditação, em que através de

toda a atenção e indiferença, atingia a pureza total, deixando-se quedar nesse estado.47

Os códigos anteriormente referidos também nos dão a conhecer o funcionamento

inicial da comunidade dos monges, a sangha. Esta respondia, em última análise, à

necessidade de separar os religiosos das tentações e perturbações leigas. Note-se que a

sangha não era um produto original do Budismo, uma vez que sociedades semelhantes e

com os mesmos fins já vigoravam na Índia ainda antes do surgimento desta religião.

Como já foi referido, Buda, aquando da elaboração da sua doutrina, recorreu a elementos

pré-existentes para organizar a sua comunidade, adaptando-os às suas necessidades.48

Para entrar na sangha só eram necessárias duas condições: a libertação pessoal de

qualquer laço social e a garantia que o preponente não causasse perigo ou escândalo para

os outros monges. Assim, a comunidade religiosa podia acolher indivíduos provenientes

de qualquer casta, sem fazer distinção social.49 Dentro da sangha,a única hierarquia

vigente era definida pela antiguidade dos bhiksus na vida monástica.50 Embora nos

primeiros tempos, a sangha estivesse aberta a qualquer pessoa, os vinaya revelam uma

gradual exclusão de certos grupos sociais, como por exemplo endividados, criminosos e

desertores, por potenciarem a eventual crítica externa ao movimento e, como tal, levar a

46 Cf. P. Harvey, An Introduction to Buddhist Ethics, Cambridge, Cambridge University Press, 2000, p. 37. 47Cf. A. Bareau, op. cit., pp. 50-52. 48 Idem, pp. 67 e 68. 49 O Budismo repudiava o sistema de castas vigente na Índia gangética, rejeitado a superioridade de qualquer indivíduo com base no seu nascimento ou profissão, valorizando antes a moralidade individual. Cf. S. Tachibana, op. cit., p. 5. 50 Cf. G. Omvedt, op. cit., p. 96.

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um afastamento da massa de crentes leigos, a grande base de suporte económico da

comunidade monástica.51

Com o crescimento da sangha, e a consequente entrada de pessoas mais jovens na

mesma, tomou-se como prática que um jovem menor de 19 anos de idade, antes de poder

ser ordenado, passasse por um período de noviciado, guiado por um mentor mais velho.52

Só com o término deste período é que o candidato, proposto pelo seu mestre, se sujeitava

a uma cerimónia solene, na qual, após ser apresentado a todos os membros da

congregação à qual se propunha, era alvo de um extenso interrogatório, acabando por fim

por ser acolhido como monge. Não tendo de proferir qualquer voto, individual ou

coletivo53, quando entravam para a sangha os bhiksus rapavam os cabelos e pelos faciais,

e passavam a possuir as três vestes de algodão tingidas de ocre, anteriormente referidas.

Estas vestes eram doadas por leigos em certas festas anuais ou recolhidas de outro modo

pelo próprio monge. 54

Todos os monges tinham como tarefa matinal a deslocação a localidades vizinhas

para procederem à recolha de alimentos, quer para eles quer para qualquer outro monge,

que por algum motivo se visse impedido de realizar essa mesma recolha. Terminada esta

atividade, voltavam ao mosteiro onde comiam na tranquilidade daquele espaço. A

refeição, a única que permitia a ingestão de elementos sólidos, devia terminar antes do

meio dia, e como tal alimentos sólidos só poderiam voltar a ser ingeridos na madrugada

do dia seguinte. O resto do dia e a primeira metade da noite eram ocupados com

meditações, estudo pessoal, pregação da doutrina, assim como com atividades de limpeza

e conservação do mosteiro.55 A cada mudança da fase da Lua, ou seja, quatro vezes por

mês, os monges da mesma congregação reuniam-se numa cerimónia resgatada das antigas

tradições religiosas indianas, a Uposadha. Nesta cerimónia procediam-se a confissões

gerais, onde eram lidos os vinaya, com os delitos e graus de gravidade correspondentes.

Deste modo, cada monge infrator confessava publicamente as suas transgressões.56

A vida dos monges budistas era, assim, de extrema simplicidade, sem recorrer aos

excessos ascéticos, apenas renunciando aos bens supérfluos. Era uma existência com um

51 Cf. K. Trainor, Buddhidm: the Illustrated Guide, Oxford, Oxford University Press, 2004, p. 38. 52 Ibidem. 53 Cf. G. Omvedt, op. cit., p. 95. 54 Cf. A. Bareau, op. cit., pp. 68. 55 Idem, p. 69. 56 Ibidem.

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duplo sentido convergente, pois, por um lado deviam buscar a libertação pelo esforço

pessoal, afastados da vida mundana; mas por outro, deviam seguir com a predicação da

sua doutrina na sociedade, o que permitia uma simbiose com o mundo leigo.57 Não

devemos esquecer que em troca dos ensinamentos, os leigos concediam aos monásticos

a dádiva da alimentação, vestuário, alojamento e bens essenciais ao seu quotidiano.58

Contudo, se ao início as regras para a vida monástica pareciam ser algo simples,

com o passar do tempo tornar-se-iam mais rígidas, regulando todos os aspetos da vida

dos monges, desde as relações dentro do mosteiro, bem como com o mundo exterior, até

mesmo definindo o tipo de alimentos e posses permitidos. 59 A necessidade de submeter

os monges a uma disciplina severa explica-se pela existência de indivíduos que aderiam

à sangha com intenções de se aproveitarem de uma vida calma, cujos bens essenciais

eram assegurados por terceiros. Estes indivíduos causavam escândalo para o exterior e a

desordem no meio da vida monástica, uma vez que eram transgressores frequentes das

regras a que estavam sujeitos. Como tal, existia a necessidade de serem punidos. Assim,

os primeiros vinaya foram sendo desenvolvidos, onde as sanções aplicadas aos infratores

da disciplina iam desde a expulsão permanente da comunidade monástica até à simples

confissão, passando ainda por afastamentos temporários e outras penitências, consoante

a gravidade dos atos. Estes castigos eram decididos por uma assembleia de monges

selecionados para o efeito, que procediam conforme as normas ditadas nos vinaya, sendo

que todas as decisões tinham de ser tomadas por unanimidade. Contudo, existiam

exceções à regra, uma vez que os monges acometidos de loucura ou debilidade mental,

aqueles que desconheciam a consequência dos seus atos ou aqueles que estavam em dor

profunda podiam ver-se absolvidos. Por outro lado, apenas os atos físicos podiam ser

julgados, uma vez que os maus pensamentos não podiam afetar o funcionamento da

sangha.60

Para além da fundação da sangha masculina, também se atribui a Buda a fundação

da sangha feminina. As monjas, bhiksuni, estavam submetidas às mesmas regras que os

monges, acrescentando-se-lhes, contudo, outras regras, consideradas mais severas. Note-

57 Cf. E. Conze, Buddhism – Its Essence and Development, New York, Dover Publications, Inc., 2003, pp. 77 e 78. 58 Cf. M. Wijayaratna, Buddhist Monastic Life: according to the texts of Theravāda tradition, Cambridge, Cambridge University Press, 1990, p. 33. 59Cf. G. Omvedt, op. cit., p. 97. 60 Cf. A. Bareau, op. cit., pp. 70 e 71.

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se que as monjas se viam obrigadas a respeitar e obedecer a qualquer bhiksus, fosse ele

mais jovem ou não.61

Nos primórdios da formação da sangha, a vida dos monges era sobretudo errante,

viajando de local em local, à semelhança das restantes sociedades ascetas indianas suas

contemporâneas. Contudo, durante a época das chuvas, a sangha suspendia as suas

viagens, acomodando-se em habitações construídas pelos próprios ou doadas. 62 No

período entre Julho e Setembro, os monges não viajavam, pois, segundo eles, se o

fizessem incorriam no risco de danificar a fauna e a flora que nessa época despontava

com fragilidade. Deste modo, deviam praticar um retiro, designado de varsa, numa

residência fixa e de onde não deviam sair. O fim desse período era marcado por uma

cerimónia, a Pravarana, que tal como a cerimónia de Uposadha, visava a realização de

confissões públicas63, à qual se seguia um outro momento cerimonial, Kapina, no qual se

procedia à distribuição de novas vestes oferecidas pela comunidade leiga.64

Os primeiros monges não alcançaram locais muito longínquos, mal saindo da

bacia do rio Ganges. No entanto, mais tarde, o gosto pelas viagens iria permitir combinar

o interesse espiritual das peregrinações com a utilidade da pregação da doutrina, em

concordância com a vocação proselitista do Budismo. Seria assim, quer por terra quer por

mar, que a fé budista alcançaria a Ásia Central, a China e o Sul Asiático, como mais

adiante se explicitará.

I.4 - As práticas cúlticas iniciais

Nos primeiros tempos da vida monástica budista na Índia, e contrariamente aos

movimentos religiosos seus contemporâneos, a sangha encontrava-se desprovida de

culto, sem orações ou sacrifícios, sendo estes considerados mesmo como prejudiciais à

progressão no caminho para a libertação. As relações que uniam os monges a Buda

podiam ser definidas como uma simples veneração de discípulos para com um mestre,

bem como de reconhecimento pela ação de Buda, ao ter mostrado o caminho da salvação.

Enquanto Buda foi vivo, esses sentimentos eram exprimidos recorrendo a gestos e

61 Cf. A. Heirman, “Buddhist Nuns: Between Past and Present”, Numen, vol. 58, ed. 5, Leiden, Brill, 2011, pp. 606 e 607. 62 Cf. C. S. Prebish, “Buddhism’s Monastic and Lay Communities”, in J. Powers (ed.), The Buddhist World, New York, Routledge, 2016, pp. 401 e 402. 63 Cf. A. Bareau, op. cit., pp. 69 e 70. 64 Cf. G. Omvedt, op. cit., p. 96.

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palavras de respeito já em uso na sociedade indiana. Após o parinirvāna, os monges que

o veneravam apenas podiam ter pensamentos de admiração e gratidão para com ele, uma

vez que Buda tinha desaparecido definitivamente.

No entanto, rapidamente se desenvolveu o culto às relíquias de Siddhartha, por

parte da comunidade secular. Uma vez mais, o papel desta foi essencial na construção da

atividade cúltica aos restos de Buda, característica que se afirmou como fundamental

sobretudo ao Budismo Mahāyāna, no tempo longo. A comunidade leiga desenhou,

rapidamente, uma tradição que estipulava como o próprio Iluminado, no seu leito de

morte, tinha confiado o tratamento dos seus restos mortais aos seus seguidores seculares,

que ficaram, então, responsáveis pela sua cremação. No dia seguinte a essa cerimónia,

vários chefes de clãs, oriundos de territórios por onde Buda havia passado, partilharam as

suas cinzas. 65

Este culto foi, no entanto, alvo de resistência por parte da sangha indiana, que

considerava estas práticas como contrárias ao desejo do próprio Buda. A sua aceitação

seria lenta e parcelar, pois, só em obras canónicas posteriores, e apenas de algumas

escolas budistas, sobretudo integradas no Mahāyāna, foi possível verificar a participação

de elementos da comunidade monástica, sob regulamentos próprios, nestas atividades

cúlticas. Mesmo assim, esta participação foi sempre bastante inferior quando comparada

à participação secular, estando reduzida a apenas algumas demostrações de respeito

compatíveis com a reserva e dignidade esperada dos bhiksus.66

Verificou-se também, após o paranirvāna, o desenvolvimento paralelo do culto

aos grandes discípulos e aos arhat67, que eram aqueles que já se encontravam num nível

mais avançado na busca da libertação.68 Tal como nas relíquias do Iluminado, este culto

teve profunda aceitação por parte da comunidade leiga, que deteve um papel essencial na

sua promoção. Fortemente influenciados pelas tradições cúlticas já realizadas a outras

65 Cf. A. Bareau, op. cit., pp. 73 e 74. 66 Ibidem. 67 Arhat é aquele ser que destruiu as aflições da vida e todas as causas que o levassem a uma reencarnação, que atingiu o nirvāna em vida e atingirá o parinirvāna na morte. Rahula, o filho de Buda segundo certas tradições, teria integrado este conjunto de Iluminados. Cf. M. McArthur, op. cit., p. 83. Para o Budismo Mahāyāna, o arhat atingiu a Iluminação, mas contrariamente a um Buda, só eliminou um dos dois obstáculos, a obstrução do sofrimento, restando-lhe a obstrução intelectual. Deste modo, não é considerado um Buda. Cf. R. E. Buswell Jr. e D. S. Lopez Jr., The Princeton Dictionary of Buddhism, Princeton, Princeton University Press, 2014, p. 62. 68 Cf. H. Yün, Budismo Puro e Simples – Sutra das Oito Percepções dos Grandes Seres, Sintra, Zéfiro, 2014, p. 103.

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divindades indianas, os seguidores leigos encararam as relíquias de Buda e dos seus

discípulos como talismãs, que permitiam a proteção e a obtenção de resultados benéficos

no seu quotidiano. Estas relíquias, tal como as de Buda, eram constituídas por cinzas,

pedaços de unha, cabelos e ainda, embora com menos frequência, objetos utilizados pelos

discípulos e arhat, como as suas tigelas ou as suas vestes. Estas relíquias eram guardadas

em urnas adornadas de jóias e depois colocadas em construções maciças conhecidas como

stupas. Os comportamentos cúlticos relativos a estas consistiam em demostrações de

respeito, saudações, prostrações, homenagens, oferta de flores, alimentos, velas e

perfumes, com recitação de cantos acompanhados por música e danças.

É interessante sublinhar as tensões que surgiram desde cedo entre formas distintas

de apreender a mensagem do Iluminado, uma mais conceptual defendida pelos monges,

outra mais palpável, por parte dos leigos. Note-se, como referido acima, que os seguidores

seculares indianos desta nova proposta religiosa se encontravam inseridos numa tradição

anterior védica, profundamente marcada por ritos sacrificiais e mágicos. Talvez por isso,

estes crentes sentissem uma necessidade de maior proximidade a Buda, alcançável através

do culto aos seus restos mortais e aos dos seus discípulos. Segundo Bareau, este culto

multifacetado a Buda, aos discípulos e aos arhat encontrava-se largamente difundido por

toda a Índia Gangética, apenas duzentos anos após o parinirvāna.69 Parece-nos que a

sangha indiana, embora resistente inicialmente, foi-se adaptando a este culto, assumindo-

o não como uma oração direta a Buda, mas como uma prática de meditação sobre as

doutrinas ensinadas por ele, o que permitia conduzir o pensamento para a prática do bem,

considerada a única fonte de felicidade.

Assim, encontramos nestas tensões iniciais relativamente ao culto, alterações

imediatas à mensagem de Buda, promovidas pelos leigos e discutidas e acomodadas pelos

monges. O Budismo, religião que se assumiu como proselitista e que se foi modificando

ao longo da Rota da Seda, iniciou o seu processo de transformação logo na sua região

berço, como os primeiros cismas, abaixo discutidos, demonstram perfeitamente.

A questão do culto às relíquias de Buda e outras figuras ligadas à doutrina budista

assumiu-se, como veremos, como basilar para a aceitação do Budismo por parte dos

habitantes do País do Meio, sendo um dos aspetos onde se identifica a sinização desta

religião estrangeira.

69 Cf. A. Bareau, op. cit., pp. 74 e 75.

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I.5 - Cismas e Divisões

Não seria necessário muito tempo para que começassem a surgir divisões dentro

da própria sangha, que ia realizando diversos concílios para fixar os cânones do

Budismo.70 De facto, surgiram três grandes formas de Budismo, que eram distintas a nível

doutrinário, embora partissem do mesmo ponto comum – os ensinamentos de Buda. 71

Eram elas o Budismo Theravada (mais tarde conhecido como Hīnayāna), o Mahāyāna e

o Vajrayāna.72 Não obstante, dentro de cada uma destas formas mais alargadas de

Budismo, surgiram outras escolas filosóficas.73

O Theravada é considerado a mais antiga e clássica forma de Budismo, que se

consolidou através de dois concílios realizados após a morte de Buda. O primeiro desses

concílios ocorreu logo após o parinirvāna, em Rajgriha, já o segundo realizou-se cerca

de 100 anos depois, em Vaishali. Este último concílio marca um afrouxamento das regras

aplicadas na sangha. Após este concílio, as divisões e dissidências dentro do Budismo

começaram a surgir de forma mais vincada. O grupo de monges, designados como

Mahāsanghikas, realizou, por si, um outro concílio em Pātaliputra, decorridos cerca de

37 anos após o segundo concílio, onde discutiram a tese do monge Mahādeva.74 Neste

encontro, os ortodoxos ficariam conhecidos como Theravada, expressão que significa

“doutrina dos antigos”75, enquanto os dissidentes adotariam, gradualmente o nome de

Mahāyāna, que significa “Grande Veículo”. Consequentemente, em oposição, os

70 Cf. A. Heirman e S. P. Bumbacher, art. cit., p. 3. 71 Cf. J. M. Thompson, “Buddhism”, in L. W. Bailey (ed.), Introduction to the World’s Major Religions, vol. 3, Westport, Greenwood Press, 2006, p. 62. 72 Nesta dissertação, o processo de construção da corrente Vajrayāna não será tratado, embora este ramo seja evocado no capítulo referente ao Budismo chinês. O Vajrayāna, também conhecido como Budismo Tântrico, surgiu na Índia nos primeiros séculos da Era Cristã. Foi formulado como uma escola secreta, na qual os ensinamentos eram preservados no seu interior e só transmitido a pessoas selecionadas. A sua designação decorre da maior importância que os seus membros davam a textos e rituais tântricos. Para mais informações sobre esta corrente, veja-se J. M. Thompson, art. cit., pp. 85-89. Sobre esta tradição no Tibete, veja-se A. Torradinhas, A “Magia” como Elemento de Sincretismo entre o Budismo e a Religião Popular Tibetana: A “Primeira Difusão” do Budismo no Tibete (Séculos VII – IX), Lisboa, 2009 (dissertação de mestrado apresentada à Faculdade de Ciências Sociais e Humanas/Universidade Nova de Lisboa). 73 Cf. G. Omvedt, op. cit., p. 101. 74 Como a própria datação da morte de Buda flutua entre os diversos autores e fontes, também a datação precisa dos concílios budistas se torna praticamente impossível de afirmar. Conciliando a datação dos concílios que Prebish sugere em C. S. Prebish, “Buddhist Councils and Divisions in the Order”, in C. S. Prebish (ed.), Buddhism: A Modern Perspective, Philadelphia, The Pennsylvania State University Press, 1994, pp. 21-25, e a datação para a morte de Buda sugerida por J. Robert, , op. cit, p. 432, obteríamos a seguinte datação: o primeiro concílio ter-se-ia realizado em 486 a.C., o segundo em cerca de 386 a.C., e o concílio de Pātaliputra por volta de 349 a.C. 75 Cf. J. Robert, op. cit., p. 430.

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Theravada passariam a ser rotulados com o nome Hīnayāna, isto é, “Pequeno Veículo”.

Os primeiros sutras Mahāyāna começaram a aparecer ainda no século I a.C., embora a

expressão propriamente dita só ficaria claramente expressa já no século II d.C.

O Budismo Mahāyāna, como descreve Richard Foltz, era um movimento pan-

budista, que aceitava a incorporação de novas escrituras aos cânones.76 Nesta perspetiva,

o Theravada era considerado um caminho pequeno e egoísta, pois, se por um lado, os

seguidores da corrente Mahāyāna partilhavam com os ortodoxos a visão de Buda como

um ser supremo, acima do divino; por outro, enfatizavam a sua enorme compaixão e

desejo de ver todos os seres do mundo libertos do ciclo de sofrimentos e reencarnações.

A partir daqui, nesta corrente, desenvolveu-se a construção da figura do bodhisattva, um

indivíduo que acumulava mérito e renunciava ao nirvāna para ajudar outros a lá chegar77,

sendo que todos os seres podiam beneficiar da sua existência. Tal noção implicava a

assunção do conceito de transferência de mérito entre indivíduos, que era divergente do

conceito de individualismo seguido no Budismo Theravada. Deste modo, os mercadores

e os nobres que ofereciam suporte económico aos mosteiros recebiam mérito como moeda

de troca, sendo que os mais pobres podiam aspirar a se tornarem Budas, bodhisattvas ou

outras entidades associadas ao Budismo, através das boas práticas. Note-se que este

desenvolvimento permitiu ainda que a corrente Mahāyāna incorporasse entidades divinas

indígenas, tornando-as também elementos de culto budista.78

A nível filosófico, a doutrina Mahāyāna desenvolveu-se em torno de três aspetos

nucleares. Em primeiro lugar, fazia-se uma exaltação de Buda a um ponto em que o

Gautama histórico se perdia, e em que os Budas e os bodhisattvas se tornavam figuras

cosmológicas e eternas, acima e além de qualquer divindade, transcendentes a todos os

universos. Em segundo, tornou-se central a conceção dos bodhisattvas ligados à ideia de

salvação de todos os seres, o que consequentemente lhe conferia um espírito de religião

proselitista, permitindo que o conceito de transferência de mérito fosse aceite no seio da

comunidade. Um terceiro aspeto prendia-se com a existência da natureza de Buda em

todos os seres, o que reforçava a ideia da transferência de mérito. Deste modo, a figura

histórica de Siddhartha desvaneceu-se nesta doutrina, enquanto a noção da sua existência

além do plano material foi colocada em primeiro lugar. Para a corrente Mahāyāna,

76 Cf. R. Foltz, Religions of Silk Road – Premodern Patterns of Globalization, Nova Iorque, Palgarve Macmillan, 2010, p. 41. 77 Cf. X. Liu, Silk Road in World History, Oxford, Oxford University Press, 2010, p. 53. 78 Cf. G. Omvedt, op. cit., p. 105.

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Sakyamuni defendido pelo Theravada como central, tornava-se apenas mais um,

enquanto o Buda sublime e transcendente defendido por si afirmava-se como supremo.79

Além disso, também contra a corrente Theravada, a doutrina Mahāyāna separou o

nirvāna do plano das reencarnações.80

No entanto, o cisma doutrinário não foi um corte radical e definitivo, uma vez que

pontes entre as doutrinas foram sendo mantidas. De facto, para os seguidores do Budismo

Mahāyāna, a corrente Theravada nunca foi rejeitada, tal como a própria figura de

Sakyamuni, que apesar de ter sido alvo de grandes transformações, permaneceu. A

mensagem budista primeva, com o conteúdo do dharma e das “Quatro Nobres Verdades”,

também nunca foi invalidada, mas sim reinterpretada. Note-se ainda que os vinaya e a

sangha tornaram-se os grandes pontos em comum entre as duas correntes.81

Segundo o cronista tibetano Taranatha (1602), na Índia do século II d.C., o

Theravada mantinha-se com o maior número de mosteiros e de monges, bem como uma

maior popularidade entre a população, embora o Mahāyāna tivesse já angariado muitos

seguidores, sobretudo entre as classes nobres ou endinheiradas. Já no que respeita ao

Budismo Vajrayana, por ser uma doutrina secreta, torna-se difícil perceber qual foi o seu

alcance na sociedade indiana desta época. O que é garantido é que todas as formas de

Budismo, independentemente da sua doutrina, foram crescendo e ganhando influência e

que coexistiram durante algum tempo.

I.6 - O Período Mauria e posterior difusão do Budismo

Durante a dinastia Mauria (322 a.C. – 180 a.C.)82, que unificou, pela primeira vez,

o subcontinente indiano, as relações entre a sangha e o poder central foram estreitadas, já

que vários dos seus governantes ofereceram patronato ao Budismo. Destaque-se a ação

de Ashoka (268 - 233 a.C.), o terceiro imperador desta linha dinástica, que parece ter sido

um regular doador de bens à sangha.83 Apesar dos seus éditos demostrarem que não

79 Cf. A. Heirman e S. P. Bumbacher, art. cit., p. 3. 80 Cf. G. Omvedt, op. cit., p. 109. 81 Cf. J. Robert, “O Grande Veículo na Índia e no Extremo Oriente”, in J. Delumeau, (dir.), As Grandes Religiões do Mundo, Editorial Presença, Lisboa, 1999, pp. 480 e 481. 82 Cf. H. Kulke e D. Rothermund, A History of India, New York, Routledge, 2004, p. xii 83 Cf. A. Heirman e S. P. Bumbacher, art. cit., p. 3.

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direcionava o seu favorecimento apenas para Budismo, a documentação relativa ao seu

governo, quando analisada em conjunto, reflete um interesse permanente nesta religião.

Em muitas das suas inscrições existem referências explícitas a Buda, sendo que Ashoka

chegou mesmo a referir-se a si próprio como um discípulo leigo budista. Na inscrição de

Sarnath, Ashoka parece ter entrado mesmo em disputa com a sangha, defendendo que

esta não se devia dividir, e decretando que qualquer monge ou monja que trabalhasse

nesse sentido devia ser excluído da vida monástica.84 Durante o seu reinado, em cerca de

250 a.C , um novo concílio foi convocado, visando a resolução de problemas internos na

sangha.85

As dificuldades para a sangha indiana em geral surgiriam em torno de 185 a.C.,

com o fim da dinastia Mauria. Então, com a emergência do Império Sunga, as relações

entre a sangha budista e o governo imperial começaram a deteriorar-se, uma vez que o

primeiro governante desta dinastia, Pusyamitra, por ser de origem bramânica, dedicou

quase todo o seu patrocínio aos sacrifícios védicos, ignorando a comunidade monástica

budista. Apesar do afastamento imperial à sangha, esta conseguiu sobreviver, sobretudo

com base nas doações crescentes da população secular e até mesmo com os bens doados

pelos indivíduos aquando da sua ingressão na vida monástica. Com vista à sua

sobrevivência na sociedade indiana, os monges budistas começaram também a praticar

certos rituais, como casamentos e cerimónias funerárias, reorganizando as suas funções

de modo a aumentarem a sua presença e necessidade na sociedade. Outras medidas

contaram com um maior trabalho de divulgação da sua doutrina, o que permitiu um maior

número de conversões, assim como no desenvolvimento do processo de apropriação de

divindades oriundas do culto popular, fazendo inclusivamente várias equivalências destas

a Buda.86

Contudo, devido ao sistemático estrangulamento político que o Budismo sentia na

Índia, e utilizando as rotas comerciais que partiam do seu território berço, esta religião

acabou por avançar para o exterior. 87 Note-se que para este processo de difusão foi muito

importante o impulso dado pela expansão territorial do Império Mauria, principalmente

84 Cf. R. DeCaroli, Hauting the Buddha – Indian Popular Religions and the formation of Buddhism, New York, Oxford University Press, 2004, p. 32. 85 Cf. C. S. Prebish, Buddhist Councils …, p. 21. 86 Cf. R. DeCaroli, op. cit., pp. 38-53. 87 Cf. T. H. P. Chentharassery, History of the Indigenous Indians, New Delhi, A. H. P. Publishing Corporation, 1998, pp. 65-67.

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no que respeita às conquistas de Ashoka, que estabeleceram ligações sólidas à Ásia

Central [Anexo A, Mapa 4]. 88

Concentrando a nossa atenção no Budismo Mahāyāna, este vai ter a oportunidade

de se popularizar fora do subcontinente indiano, inicialmente na Ásia Central,

percorrendo os caminhos da Rota da Seda terrestre. Esta corrente irá recorrer à

incorporação de ideias e aspetos religiosos pertencentes a diferentes culturas com as quais

foi contactando no seu percurso.89 O método de apropriação de diversos deuses, espíritos

e até alguns rituais das culturas locais por onde os monges Mahāyāna passavam, originou

processos de adaptação, onde o Budismo não só alterava o paradigma das crenças locais

como também se transformava a si próprio.90

Por outro lado, o papel dos bodhisattvas foi essencial para o sucesso desta corrente

budista nestes novos territórios, já que permitia quebrar a monotonia do ciclo de

reencarnações, com a ideia de que a salvação podia ser alcançada em vida, através da

transferência de mérito. Assim, os agentes da Rota da Seda, sobretudo mercadores, que

contactavam com esta corrente começaram a concretizar esta abordagem, procurando

essa transferência através de pagamentos e doações às entidades budistas. processo

permitiu que a comunidade budista Mahāyāna crescesse ainda mais, uma vez que as

doações passaram a ser em ouro, prata e jóias, como recomendavam alguns dos seus

sutras, como é exemplo o Sutra do Lótus. 91 Vendo-se donos de enormes fortunas, os

mosteiros começaram a envolver-se diretamente em diversos negócios e passaram a

dedicar grande parte dos seus esforços na manutenção, expansão e construção de novos

mosteiros, podendo assim promover ainda mais o Budismo.92

Como os monges, desde sempre, estavam habituados a viajar em conjunto com os

mercadores, a relação entre os dois grupos foi sendo estreitada, por ser mutuamente

benéfica. Seguindo em conjunto pelas estradas da Rota da Seda era natural que tomassem

os mesmos abrigos durante as épocas das chuvas, e como grande parte desses troços eram

88 Cf. D. Keown, Buddhism, New York, Sterling Publishing Company, Inc, 2009, p. 105. 89 Cf. R. Foltz, op. cit., p. 41. 90 Cf. R. DeCaroli, op. cit., pp. 143 e 144. 91 Este sutra é um dos mais importantes no Budismo Mahāyāna. Surgido entre o século I a.C. e o século II d.C., é constituído por 28 capítulos, escritos em forma de diálogo entre o Buda histórico e os seus discípulos, discorrendo pelos principais pontos doutrinários deste ramo Budista. Veja-se J. M. Shields, “Political Interpretations of the Lotus Sutra”, in S. M. Emmanuel, A Companion to Buddhist Philosophy, Chichester, John Wiley & Sons, Inc., 2016, pp. 512-513. 92 Cf. X. Liu, op. cit., pp. 53 e 54.

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em zonas montanhosas, esses abrigos começaram a surgir em grutas próximas aos

caminhos. Uma vez que as rotas eram, por norma, as mesmas de ano para ano, os abrigos

também se deveriam manter. Deste modo, estas cavernas foram-se tornando locais de

abrigo e de culto permanentes possuindo, em alguns casos, stupas nos seus interiores. As

grutas esculpidas nas rotas que ligavam o Noroeste indiano ao planalto do Decão, são um

exemplo disso mesmo. Este sistema de estabelecimento de abrigos/santuário continuou a

desenvolver-se noutras regiões montanhosas como a do atual Afeganistão.93

Com uma maior riqueza a ser controlada pelos mosteiros, os budistas tiveram a

oportunidade de adaptar a sua doutrina para expandirem as suas organizações. Essas

mudanças, de modo a facilitar a compreensão dos mercadores e populações estrangeiras,

foram consolidadas na elaboração dos primeiros sutras Mahāyāna.

A difusão da corrente Mahāyāna para fora da sua área de origem beneficiou

também do aumento das relações comerciais propiciadas pela expansão Mauria, e de

outros poderes imperiais que se foram formando.94 Seguindo então para os territórios a

Norte da Índia, em plena Ásia Central, o Mahāyāna entrou em contacto, primeiramente,

com populações de matriz helenística, como os habitantes de Gandhara, da Báctria, do

mundo Sogdiano, do Império Parta e ainda o povo errante dos Sakas, originário da bacia

do Tarim [Anexo A, Mapa 5].95Mas seria sob o Império Kushana (séculos I-III d.C.) que

o Budismo começou a florescer, estimulado pela estabilidade, segurança e riqueza

oferecidas por este poder96 que controlava grande parte da Rota da Seda terrestre [Anexo

A, Mapa 6]. 97 Este Império formou-se com a sedentarização de nómadas das estepes,

absorvendo parte do legado das populações acima referidas, e que viram a sua força

93Idem, p. 55. 94 Cf. A. Heirman e S. P. Bumbacher, art. cit., p. 3. 95 A Báctria, Sogdiana e o Império Parta foram satrapias do Império de Alexandre, o Grande, situadas na região do Planalto Iraniano e do atual Afeganistão. Foram conquistadas por Alexandre nas campanhas da Ásia Central entre 330 e 327 a.C. Após a morte de Alexandre, em 323 a.C., e da fragmentação do seu Império, estes territórios voltaram a ter a sua independência, mantendo a matriz cultural helenística por ele trazida. A história destas regiões foi marcada pelo surgimento de novos impérios na Ásia Central, vendo-se ora sob um poder, ora sob outro. Com a extensão do Império Kushana para essas regiões, em meados do século I d.C., entrariam em contacto permanente com a Índia. Quanto aos Sakas, por serem um povo que se movia livremente por aquele território, não se pode dizer que tenha sido efetivamente subjugado. Contudo, esteve em contacto com a cultura helenística, e tal como outros, foi sempre influenciado pelos poderes vigentes na Ásia Central. Para uma análise mais detalhada sobre esta temática veja-se C. I. Beckwith, Empires of the Silk Road – A History of Central Eurasia from the Bronze Age to the Present, Princeton, Princeton University Press, 2009, pp. 1-140. 96 Cf. A. Heirman e S. P. Bumbacher, op. cit., p. 3. 97 Cf. X. Liu, op. cit., p. 42.

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potencializada com os benefícios oriundos das rotas comerciais de longa distância, que

atravessavam os seus territórios. O patrocínio destes governantes às instituições budistas

foi ativo, e como tal, a riqueza da sangha Mahāyāna também se deveu ao fluxo comercial

apoiado por este poder. Por outro lado, várias medidas que pretendiam fortalecer a

autoridade Kushana no comércio de longa distância, ajudou, de igual modo, à difusão

budista. Exemplo disso foi a cunhagem de moeda em ouro, prata e cobre, onde os

governantes Kushanas se faziam representar, mas onde também incluíam imagens de

diversas divindades, de territórios e contextos religiosos distintos, desde o deus

mesopotâmico Nanna/Sîn até, claro está, Buda.

Noutro nível, a elite Kushana apoiou também as expressões artísticas religiosas

integrantes do seu Império, nomeadamente a budista. Esta arte começa então a incorporar

influências de outras culturas, de forma mais institucional.98 É neste período que stupas

e locais comemorativos de Buda começaram a surgir nas regiões de Mathura e de

Gandhara, bem como estátuas do Iluminado surgiram um pouco por todo lado, passando

a ser alvo de culto.99

Não obstante, a jornada do Mahāyāna por estes territórios foi complexa, sendo

condicionada por múltiplos fatores, que iam desde as dificuldades geográficas, com

desertos e cadeias montanhosas a marcar os caminhos de passagem dos missionários;

passando por aspetos filosóficos, religiosos e políticos, que criavam diversas vezes

resistência à fixação do Budismo. Devemos ainda evocar as barreiras linguísticas, que

dificultavam muito a transmissão da doutrina. Por outro lado, estas mesmas barreiras

fomentaram as atividades de tradução nos locais onde a doutrina budista chegava,

selecionando e acrescentando novas escrituras ao corpus documental do Budismo, e

consequentemente influenciando a transformação do mesmo.100 Apesar dos fracassos e

entraves em muitas regiões, o Budismo viria a ter uma boa receção em múltiplos

territórios, onde a sangha acabou por se estabelecer e prosperar, inclusivamente, muitas

vezes, com apoio estatal.

De facto, ainda no decorrer do século I d.C., esta religião começou a sair do

núcleo do Império Kushana101, seguindo dois rumos distintos. Um deles rumou para

98 Idem, pp. 47-49. 99 Idem, p. 52. 100 Idem, p. 2. 101 Idem, p. 42.

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Ocidente, embora sem grande sucesso. Surgem alguns indícios da presença budista na

região iraniana, provavelmente por ser uma área de cruzamento entre as matrizes

helenística e indiana. Mas foi o outro caminho de difusão, que seguiu para Oriente, aquele

que vingou.102 Com as terras afegãs como ponto de partida, e continuando nos trilhos da

Rota da Seda para Este, o Budismo Mahāyāna acabaria por chegar à China, através das

populações dos oásis do deserto do Taklamakan103, a partir da década de 60, quando as

trocas comerciais entre a China dos Hàn e os oásis se tornaram numa realidade

constante104, uma vez que o Império Hàn se estendeu até aos limites ocidentais deste

deserto. A partir daqui, iria atingir outras paragens, já transformado pela força centrífuga

chinesa.

102 Cf. A. Heirman e S. P. Bumbacher, op. cit., p. 6. 103 Cf. X. Liu, op. cit., p. 58. 104 Cf. X. Liu., Ancient India and Ancient China- Trade and Religious Exchanges, AD 1-600, Oxford University Press, Delhi, 1994, p. 4.

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Capítulo II - Chegada e difusão do Budismo na China até à dinastia

Tang

II.1 - A Dinastia Han e a aproximação institucional à Rota da Seda

Desde sempre, o território chinês contactou com paragens distantes, integradas no

sistema da Rota da Seda.1 Contudo, este contacto não era institucional, nem direto, pois,

por um lado, o modelo de tipo feudal (feng jian)2 seguido pelos poderes dinásticos Shang

e Zhou impedia uma centralização governamental forte, originando profundas

instabilidades no seio do território chinês3; por outro, múltiplos agentes não-chineses,

como os nómadas dos territórios estépicos, eram quem controlava as trocas comerciais

entre a China e outros contextos. Esta situação mudou com a afirmação da dinastia Han

(206 a.C. – 220 d.C.), que consolidou o modelo imperial criado por Qin Shi Huang Di

(221-209 a.C.). 4 e concretizou uma presença institucional direta no sistema da Rota da

Seda terrestre, através do controlo do troço que passava pelo deserto do Taklamakan,

como de seguida veremos. É este controlo que irá permitir a chegada do Budismo ao

mundo chinês.

Após séculos de profundas guerras internas entre vários poderes locais, Qin Shi

Huang Di afirmou-se como o primeiro unificador da China, assumindo uma titulatura

imperial, em 221 a.C. [Anexo A, Mapa 9].5 Apesar das diversas reformas centralizadoras

que este governante levou a cabo, a dinastia não sobreviveria à sua morte, em 209 a.C.,

acabando por ser destronada pouco tempo depois. Após uma guerra civil entre várias

fações, Liu Bang conseguiu destacar-se ao conquistar a cidade de Xianyang (Shanxi), a

capital dos Qin. Assim, logo em 206 a.C., Liu Bang declarou-se Imperador, tomando o

nome de Gaozu, e começando, desde logo, a construir uma nova capital, Chang’an

1 A título de exemplo, refira-se a constante presença e trabalho do jade na China, proveniente da Ásia Central, desde o período neolítico. Veja-se P. B. Ebrey, The Cambridge Illustrated History of China, Cambridge, Cambridge University Press, 1996, p. 18 – 21. 2 Note-se, no entanto, que apesar de partilhar caraterísticas com o feudalismo Europeu, o feng jian chinês mantém algumas particularidades. Veja-se, para mais detalhes, D. Zhao, The Confucian-Legalist State – A New Theory of Chinese History, Oxford, Oxford University Press, 2015, pp. 55 – 59. 3 Sobre o contexto Shang e Zhou, veja-se P. B. Ebrey, op. cit., pp. 22 – 60. 4 Acerca da primeira unificação imperial chinesa e da figura do primeiro Imperador, veja-se os diferentes contributos em J. Portal (ed.), The First Emperor – China’s Terracotta Army, London, British Museum Press, 2007. 5 Cf. C. Holcombe, A History of East Asia: From the Origins of Civilization to the Twenty-First Century, New York, Cambridge University Press, 2011, pp. 46-48.

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(Shanxi). O início de um novo tempo foi, então, declarado com a afirmação de uma nova

dinastia, os Han, que iria comandar os destinos do País do Meio nos séculos vindouros.6

Contudo, o modelo imperial inaugurado por Qin Shi Huang Di foi continuado, sob

novas roupagens. A título de exemplo, devemos destacar que embora os Han tenham

protagonizado um apoio institucional aos intelectuais confucionistas e mesmo, nos

primeiros tempos, aos filósofos taoistas, de forma a cortar com o modelo Legalista

seguido pelos Qin, a verdade é que Gaozu e os seus sucessores continuaram a utilizar

algumas lógicas governativas dos métodos legalistas nestas correntes, uma vez que os

mesmos auxiliavam o processo de concentrar o poder no governo central.7

Devemos destacar, igualmente, a importância que a primeira unificação territorial

às mãos de Qin Shi Huang Di, deteve para afirmar a China como uma entidade política

coesa, que se dilatava por um vasto território, e que abria portas a contactos mais estreitos

com outras regiões integradas na Rota da Seda terrestre, assim como com os seus agentes.

A relação que a China foi estabelecendo com as populações estépicas conheceu um novo

momento a partir desta primeira unificação político-territorial.

De facto, no decurso dos problemas internos aquando da mudança dinástica dos

Qin para os Han, as tribos nómadas a Norte uniram-se numa confederação que se

designou por Xiongnu (nome de uma das tribos que a integrava). Estes povos

distinguiram-se pelos raids rápidos efetuados sobre os agricultores chineses da fronteira

Norte, com o objetivo de obter bens para autoconsumo, mas igualmente passíveis de

serem comerciados nas rotas do Taklamakan. O sucesso dos seus ataques deveu-se em

muito à superioridade tática que detinham, nomeadamente com o recurso a uma forte

cavalaria.8 O poder Han teve, então, de lidar com a ameaça desta confederação, o que

desencadeou o estabelecimento institucional chinês neste troço da Rota da Seda.

De modo a pacificar as relações entre os dois poderes, Gaozu e os seus sucessores

tentaram estreitar os laços diplomáticos com uma política de casamentos, que tomava

proporções tributárias, através da entrega de vários bens (como a seda ou os cereais),

incluídas nos dotes das princesas chinesas; e recebendo em troca a promessa de não

6 Cf. C. Benjamin, Empires of Ancient Eurasia – The First Silk Roads Era, 100 BCE-250 CE, New York, Cambrige University Press, p. 58. 7 Idem, pp. 58-60. 8 Certos autores sublinham que a estratégia militar dos Xiongnu apresentava já as particularidades que seriam visíveis noutros poderes nómadas posteriores, como os mongóis. Cf. A. Michel (dir.), Dictionaire de la Civilization Chinoise, Paris, Encyclopaedia Universalis, 1998, p. 777.

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ataque por parte da confederação, assim como a entrega de cavalos, animal essencial à

arte da guerra.9 Contudo, este acordo de paz foi sendo quebrado, sucessivamente, pelos

Xiongnu, através da multiplicação de raids e consequente aumento das exigências

tributárias para parar os mesmos. No seio da corte chinesa começaram, assim, a surgir

vozes discordantes relativamente a esta aliança, muitas vezes vista como uma

subordinação do Imperador a populações consideradas bárbaras.10

O governo do Imperador Wudi, que ascendeu ao trono em 140 a.C., alterou esta

situação.11 Inicialmente, este governante tentou cortar a aliança acima referida,

protagonizando diversas incursões sobre os territórios dos Xiongnu, de modo a pilhar

gado e cavalos, ao mesmo tempo que os tentava afastar das fronteiras. Contudo, a força

bélica desta confederação, materializada em investidas de saque concentradas em

localidades de fronteira, obrigou Wudi a procurar outras soluções, nomeadamente

alianças militares com inimigos dos Xiongnu. A oportunidade surgiu após o estalar de

um conflito entre a confederação e os Yuezhi, um poder nómada originário da atual região

chinesa de Gansu, cujas pretensões expansionistas embatiam com os interesses dos

Xiongnu. De modo a estabelecer contato com os Yuezhi, Wudi preparou uma embaixada,

liderada pelo seu oficial Zhang Qian.12

Esta missão, que partiu da China em 138 a.C., foi capturada pelas forças dos

Xiongnu, na região do deserto do Gobi.13 Zhang Qian e os seus companheiros ficariam

em cativeiro durante cerca de uma década, durante a qual os Yuezhi foram derrotados

pela confederação, e obrigados a recuar para territórios da Ásia Central, como a Báctria

e a região sogdiana. Eventualmente, o emissário Han conseguiu escapar do cativeiro,

9 Mais tarde, a braços com problemas internos, a confederação dividir-se-ia nos Xiongnu do Sul e nos do

Norte, sendo que os primeiros procuraram firmar uma aliança com o Imperador. Esta fomentou as trocas comerciais entre os dois poderes, permitindo uma maior presença de bens chineses nas rotas da Ásia Central. X. Liu, The Silk Road …, p. 4 e 5. 10 É interessante notar que os próprios Xiongnu avaliavam esta aliança como se o Império Chinês fosse seu tributário. Thomas Jay Bartfield sublinha mesmo como o líder desta confederação, Shanyu, se dirigia ao Imperador Han, nas suas missivas, como superior a este. Cf. T. J. Bartfield, The perilous frontier – nomadic empires and China, 221 BC to AD 1757, Cambridge, Blackwell, 1992, pp. 50-53. 11 Este Imperador foi dos mais marcantes da dinastia Han, com uma ação política vasta. Uma das grandes marcas que deixou foi o fomento do sistema de ensino confucionista, como base educacional para os funcionários burocratas, que se manteria por todo o período imperial chinês, não obstante alguns períodos de interrupção. C. Benjamin, op. cit., p. 63. 12 Cf. X. Liu, The Silk Road …, p.6. 13 Cf. C. Benjamin, op. cit., p. 71.

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alcançando a região de Dawan (atual Ferghana, Uzbequistão), de onde foi escoltado até

à corte Yuezhi, em 129 a.C., na região do rio Oxus.

Embora a sua missão política junto deste poder tenha falhado, os registos das suas

viagens14 foram cruciais para futuras políticas Han, pois ofereceram à China informações

geográficas sobre a Ásia Central, e ainda sobre a cultura e estrutura política dos Xiongnu

e de outros povos/poderes. Por exemplo, forneceu informações sobre como os Partos, que

designava de Anxi, cunhavam moedas de prata com efígies dos seus reis; ou sobre a

Báctria, onde identificou a existência de produtos chineses nos mercados locais, que

segundo as informações que lhe tinham sido dadas, chegavam através da Índia (região

que também descreveu sumariamente, embora através de testemunhos indiretos).

Estes relatos suscitaram o interesse imperial para encontrar uma forma de

estabelecer comércio com tais regiões. Contudo, o único meio viável para alcançar a Ásia

Central era a utilização de rotas das estepes, nomeadamente o corredor de Hexi (Gansu),

que passava entre o planalto tibetano e o deserto do Taklamakan, e que estavam sob o

controlo dos Xiongnu. O poder central chinês encontrou, assim, novas motivações para

atacar e vencer esta confederação, concretizadas em novas campanhas de Wudi. Após a

vitória chinesa naquela região, o Imperador conseguiu estender a Grande Muralha até

Dunhuang (Gansu), onde estabeleceu as Portas de Jade, que serviam como grande

entreposto comercial chinês na Rota da Seda terrestre. Para conseguir defendê-la, Wudi

destacou várias guarnições militares, que dotou de meios para se abastecerem e

povoarem, de forma sólida, a região. Aproveitando o oásis, o governo chinês decretou

que os militares ali destacados deviam ser acompanhados pelas suas famílias, oferecendo-

lhes materiais agrícolas, e, assim, tornado as guarnições militares em bases de produção

agrária. A segurança que passou a ser oferecida nesta região atraiu, assim, diversos

mercadores estrangeiros, que ali se começaram a fixar.15

Foi neste contexto que o Budismo entrou em contacto com a China, sobretudo

através das rotas terrestres estabelecidas com a Ásia Central.16 A primeira referência

14 Estes foram compilados na obra de cariz cronístico de Sima Qian, Shiji, redigida no século I a.C. Veja-se P. B. Ebrey, op.cit., p. 67. 15 Cf. X. Liu, The Silk Road …, p.10. Esta conexão seria desvanecida entre 9 d.C. e 23 d.C., quando a dinastia Han foi interrompida. Com o restabelecimento do poder Han, às mãos de Liu Xiu, o domínio deste troço foi retomado. C. Benjamin, op. cit., p. 66. 16 Nesta dissertação, concentraremos a nossa atenção nas rotas terrestres, onde o Budismo Mahāyāna se afirmava como a corrente predominante. Contudo, não devemos esquecer que a Rota da Seda engloba, igualmente, rotas marítimas, e que as mesmas permitiram contactos entre a China Han e o Sudeste

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explícita surge em 65 d.C., quando é mencionado pelos registos taoistas, sendo que data

também desta época as primeiras interações sincréticas do Budismo com as crenças

autóctones. Refira-se a associação de Buda ao culto de figuras religiosas chinesas, como

Huang-Lao17 ou a Rainha Mãe do Oeste. Relativamente, ao primeiro, figura central no

Taoismo, que sincretizava o culto do Imperador Amarelo e de Laozi, Buda parece ter sido

encarado como uma outra representação do mesmo.18 No que diz respeito à Rainha Mãe

do Oeste, responsável na religião popular chinesa por livrar os crentes do sofrimento, a

presença de imagens de Buda em espaços tumulares a si destinados, parecer sugerir um

paralelismo com a figura do Iluminado.19

Paralelamente à progressiva infiltração do Budismo nas crenças chinesas, também

a elite governativa se foi aproximando desta religião. A tradição atribui ao Imperador Han

Ming (57-75 d.C.) a chegada do Budismo à China. Segundo a lenda, este Imperador teria

sonhado com uma figura dourada que afirmava ser Buda. Em consequência, Ming enviou

uma missão diplomática aos Yuezhi para adquirir textos sagrados. Os enviados teriam

regressado com dois monges budistas, para quem o Imperador teria mandado construir o

Templo do Cavalo Branco em Luoyang (Henan), em 68 d.C. Também o irmão de Ming,

apesar de ter voltado a sua atenção para a Alquimia, a partir de 65 d.C., ofereceu algum

patrocínio a esta religião, sendo mesmo elogiado nestas ações pelo Imperador.20

Efetivamente, parece que o Budismo alcançou o País do Meio em meados do

século I d.C., através de estrangeiros oriundos da Ásia Central e que viviam na China

como mercadores, refugiados de guerra e embaixadores. É atribuído um grande grau de

importância ao papel dos estrangeiros, uma vez que as coletâneas de sutras e vinayas

traduzidas do sânscrito para chinês devem ter sido realizadas por eles, uma vez que

chineses só aprenderiam sânscrito no século IV d.C. As barreiras linguísticas, por outro

lado, obrigaram os primeiros tradutores a recorrer a expressões taoistas e confucionistas

Asiático, onde o Budismo Theravada se ia difundido. M. E. Lewis, The Early Chinese Empires: Qin and Han, Cambridge, Harvard University Press, 2007, p. 204. 17 Huang significa amarelo em chinês, enquanto Lao se refere ao mestre Laozi, logo Huang-Lao significa Mestre Amarelo (tradução própria). A. Vervoorn, Men of the Cliffs and Caves – The Development of Eremitic Tradition to the End of Han Dynasty, Hong Kong, The Chinese University Press, 1990, p. 86. 18 Cf. R. de Crespigny, Fire over Luoyang: A History of the Later Han Dynasty 23-220 AD, Leiden, Brill, 2016, p. 93. 19 Cf. M. E. Lewis, op.cit., p. 204. 20 Cf. R. de Crespigny, op. cit., p. 93.

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para explicar as noções budistas indianas21, o que contribuiu para as associações entre as

crenças chinesas e o Budismo.

Atribui-se ao parto An Shigao, que já vivia em Luoyang (Henan) em 140 d.C. a

tradução inicial de vários textos budistas, e que embora fossem de qualidade reduzida,

garantiam algum conhecimento desta doutrina. Também nesta altura, está atestada a

circulação, pelos arredores da capital de um manual da doutrina Theravada, o Sutra nas

42 secções.22 Outro parto importante foi An Xuan, que se estabeleceu como mercador em

Luoyang em 181 d.C., e que teria aderido ao mosteiro liderado pelo tradutor An Shigao.

O Budismo que inicialmente entrou na China não se encaixava, contudo, em

nenhuma das correntes maiores, chegando, ao invés, uma mescla de textos Mahāyāna e

textos Theravada, provenientes de diversas épocas e escolas.23 Por outro lado, a sua

aceitação em larga escala foi dificultada pela importância conferida ao Confucionismo,

pelo governo central. Relembre-se que a doutrina confucionista fazia apologia à figura do

imperador, bem como à estrutura familiar, enquanto o Budismo, com a sangha autónoma,

desafiava a autoridade central e o ideal familiar, ao defender o celibato e o abandono dos

laços familiares.24

Concluindo, a chegada do Budismo à China deveu-se aos contatos estabelecidos

com a Ásia Central, sobretudo pela Rota da Seda. Podemos dizer que os confrontos com

os povos das estepes tiveram um papel importante neste processo, uma vez que

desencadearam a chegada de emissários chineses a regiões com cunho helenístico, que

contactavam com o Budismo há muito, fazendo surgir a vontade de estabelecer relações

comerciais diretas entre a China e essas paragens. O passo dado no desenvolvimento das

rotas comercias e a consequente atração de mercadores estrangeiros para o território

chinês teve um papel fundamental para a chegada dos primeiros missionários e textos

budistas, bem como das primeiras traduções que conferiam algum conhecimento sobre

esta religião. Contudo, a aceitação do Budismo foi fraca, nestes primeiros tempos, pois a

sua total compreensão estava ainda longe de acontecer.

21 Cf. E. Lyons e H. Peters, Buddhism: History and Diversity of a Great Tradition, Philadelphia, University of Pennsilvania Museum of Archeaology, 1985, p. 23. 22 Cf. R. de Crespigny, op. cit., p. 343. 23 Cf. F. Wood, The Silk Road – Two Thousand Years in the Heart of Asia, Berkley, University of Califórnia Press, 2002, pp. 89-94. 24 Cf. E. Lyons e H. Peters, op. cit., p. 22.

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II.2 - Do período de fragmentação política e territorial até à

reunificação Sui

Após a queda dos Han Tardios, em 220, a China iria viver um período de

fragmentação política e territorial, que duraria até à unificação protagonizada pela

dinastia Sui (581-617), embora com alguns curtos períodos de união [Anexo A, Mapa

11]. Contudo, a dissolução do poder central com a queda dos Han, criou condições

favoráveis à infiltração do Budismo em território chinês. A inquietude social provocada

pelas guerras, mas sobretudo o domínio da região Norte da China por populações não

chinesas foram os principais fatores de uma maior adesão ao Budismo. De facto, as

dinastias da região Norte patrocinaram fortemente esta religião, o que permitiu a sua

melhor difusão nas camadas mais baixas da sociedade.25

A progressiva desintegração dos Han começou ainda em meados do século II, com

os crescentes conflitos de fações na corte e a revolta dos “Turbantes Amarelos”, grupo

liderado por taoistas, em 184. O poder central foi sendo dominado por três homens

distintos: Cao Cao, senhor da guerra do Norte chinês; Liu Bei, membro da família

imperial, estante no Sul, em Shu (Shichuan); e Sun Quan de Wu, no vale do Yangzi. Em

220, o último Imperador Han transferiu o poder para Cao Pi, filho de Cao Cao, que

estabeleceu a dinastia Wei (220-265). Nesse mesmo ano, Liu Bei, em Chengdu

(Shichuan), declarou-se Imperador do Estado de Han, poder que permaneceu até 263. Na

mesma década, em 229, Sun Quan declarou-se Imperador da dinastia Wu, estabelecendo

a capital em Jianye (Nanjing, Jiangsu), potentado que só sucumbiu em 280. Este período

ficou conhecido como o período dos Três Reinos, que findou com a ascensão da Dinastia

Jin, em 265, às mãos de Sima Yan, que progressivamente tinha unificado os três poderes

sob a sua alçada.26

Durante os Três Reinos, o Budismo encontrou espaço para se desenvolver,

sobretudo na área de influência da dinastia Wu, a Sul, mas também no território da

dinastia Wei, a Norte. Em Wu, registou-se a presença de três tradutores budistas na cidade

de Wuchang (Hubei), que se transferiram para a capital, aquando da fundação da dinastia.

As personalidades ligadas ao Budismo que mais destaque tiveram foram Zhi Qian e Kang

25 Idem, p. 23. 26 Cf. L. Ye, Z. Fei e T. Wang, China: Five Thousand Years of History and Civilization, Hong Kong, City University of Hong Kong Press, 2007, pp. 56 e 57.

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Senhui, ambos estrangeiros, um de ascendência indiana e o outro de origens sogdianas,

respetivamente. O primeiro foi aprendiz em Luoyang (Henan), numa escola da tradição

Mahāyāna, liderada por missionários Yuezhi. É-lhe atribuída a tradução de uma

considerável quantidade de textos budistas para chinês, incluindo uma versão do

Sūramgamasamadhi sūtra, uma nova tradução do Astasāhasri Kāprajñāparamita e uma

versão melhorada do Sutra em 42 Secções (tradição Mahāyāna), e ainda uma versão

alargada do Dharmapada (corrente Theravada). Além disso, é-lhe atribuída a composição

dos primeiros hinos budistas, que misturavam música instrumental com a recitação de

escrituras.

Já Kang Senhui ficou conhecido pelo seu grande conhecimento sobre o Tripitaka

e sobre os clássicos confucionistas. Assim, recorreu a noções chinesas cruzando as

correntes Mahāyāna e Theravada. Grande parte dos seus trabalhos debruçaram-se nas

práticas Dhyana, em sequência do caminho teórico já realizado pela escola de An

Shigao.27

Por seu lado, a dinastia Wei, no Norte chinês, parece ter tido uma menor atividade.

Mesmo assim, fontes posteriores registaram a presença de monges estrangeiros em

Luoyang (Henan), o grande reduto budista na região, sendo eles o indiano Dharmakala,

o sogdiano Kang Sengkai, e os partos Tanwudì e An Faxian. Os seus trabalhos

debruçaram-se sobre os vinaya, que assim conheceram a sua primeira forma escrita na

China. Dharmakala fez a tradução do Prātimoksa, da escola Mahāsānghika, e Kang

Sengkai traduziu o Karmavācanā, da escola Dharmaguptaka, ambas pertencentes à

corrente Mahāyāna.28 Ainda durante a dinastia Wei, em 250, foi fundada a escola Vinaya,

com principal foco na disciplina monástica, seguindo textos quer Theravadas, quer

Mahāyānas.29

A turbulenta história chinesa desta época conheceu, então, um breve período de

unificação protagonizado pela dinastia Jin, que se divide no tempo entre os Jin Ocidentais

(265-316) e os Jin Orientais (317-420). Conseguindo submeter a dinastia Wu, em 290, o

primeiro Imperador Jin tentou solidificar o poder da sua família elevando diversos

parentes ao título de príncipe. Contudo, em vez de surtir o efeito pretendido, acabou por

27 Cf. E. Zürcher, The Buddhist Conquest of China – The Spread and Adaptation of Buddhism in Early Medieval China, Leiden, Brill, 2007, pp. 46-57. 28 Ibidem. 29 Cf. N. Huai-Chin, Basic Buddhism: Exploring Buddhism and Zen, York Beach, Samuel Weiser, Inc., 1997, p. 90.

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desencadear lutas intestinas que culminaram no designado “Distúrbios dos Oito

Príncipes”, em 290. Esta guerra civil permitiu a invasão do Norte da China pelas forças

dos Xiongnu, em 304, que vivendo um período de renovada força, proclamaram a sua

independência, após a conquista de Luoyang (Henan), em 311, e de Chang’an (Shanxi),

em 316. O poder dos Jin Ocidentais chegava, assim, ao fim. Entre 304 e 588, o Norte

conheceu 21 dinastias distintas, ficando conhecido como o período dos 16 Reinos.

Refugiando-se no Sul, os sobreviventes dos Jin proclamaram a dinastia dos Jin

Orientais, com a capital em Nanjing (Jiangsu), cujo poder durou pouco mais de um século.

A partir da queda destes, o Sul chinês, embora mais estável que o Norte, conheceu mais

quatro dinastias30, até que um general da dinastia Zhou do Norte, Wendì, após ter

dominado esta região e se ter proclamado imperador31, em 581, avançou para sul,

conquistando a capital Nanjing (Jiāngsū), em 588.32 A dinastia Sui foi, assim, inaugurada.

O período de fragmentação política acima descrito permitiu que diversas escolas

budistas se instalassem e se desenvolvessem no território chinês, já que os diversos

governantes das sucessivas dinastias viam com bons olhos o Budismo. Como referido

acima, as camadas populares mais afetadas pelos problemas decorrentes da instabilidade

militar sentiam-se atraídas pela mensagem salvífica de Buda. Assim, esta religião poderia

ser um instrumento para os governantes melhor afirmarem o seu poder. Como veremos

com mais detalhe no ponto seguinte, algumas das escolas que à frente descrevemos, e que

se desenvolveram na China sem antecedentes indianos, foram as grandes promotoras do

processo de sinização do Budismo. Por agora, limitamo-nos a referir o seu surgimento no

País do Meio.

Ainda durante a dinastia dos Qin Tardios (384-417) surgiram duas grandes

escolas: a escola Satyasiddhi, e a escola dos Três Tratados, ambas criadas pelo monge

Kumarajiva, que era originário do reino budista de Kusha. A primeira seguia as escrituras

Theravada, e frisava que a libertação do ciclo de reencarnações se realizava em 27

estágios; sendo que a segunda seguia textos Mahāyāna, como o Madhyamika Shastra, e

repudiava o apego às verdades absolutas e convencionais, revelando as verdades da

vacuidade, existência e impermanência. Por volta de 400, no final da dinastia dos Jin

Orientais, foi fundada a escola Terra Pura, integrada na corrente Mahāyāna, por

30 Veja-se, para saber quais as dinastias, o Anexo B, Figura 1. 31 Cf. X. Li, China at War: An Encyclopedia, Santa Barbara, ABC-Clio, 2012, p. 432. 32 Cf. C. Holcombe, op. cit., p. 92.

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Huiyuan, erudito budista chinês, que seguia textos como o sutra da Vida Infinita, o sutra

da Contemplação de Amitabha, e os Tratados do Nascimento na Terra Pura.

Outras escolas de orientação Mahāyāna foram ainda fundadas previamente à

unificação Suí, mas que se desenvolveram com maior notoriedade durante esta dinastia.

Dentro destas, destaque-se a Tiantai, a Chan, a Huayan, e a Abhidharmakosha. A

primeira foi fundada por Huiwen e Zhiyi, no período dos Qi do Norte (550-577), tendo

como texto base o sutra do Lótus, embora se apoiasse noutros, como o sutra do Nirvāna

e o sutra da Grande Perfeição. Esta escola focava-se no veículo único para alcançar o

Despertar, nas formas de cessar o sofrimento e nos métodos de meditação. Por seu lado,

a escola Chan33, que foi fundada pelo monge indiano Bodhidharma, na dinastia Liang

(502-556), utilizou o sutra do Diamante e o sutra Lankavatara como textos principais,

ensinando a importância da mente humana para a tomada de consciência da real natureza

dos seres, fundamental para se tornarem um Buda. Na dinastia Chen (557-588), o monge

Dushun estabeleceu a escola Huayan, que seguia os princípios dos quatro reinos da

realidade e dos dez portões misteriosos, patentes num sutra homónimo. Por último, no

reinado do Imperador Wen, da dinastia Chen, em cerca de 563, foi fundada a escola

Abhidharmakosha, pelo monge indiano Paramartha Tripitaka. Esta utilizava como textos

principais os sutras Agama e o Abhidharmakosha Shastra, sendo que os seus

ensinamentos consistiam nos 75 dharmas para conter os princípios dos fenómenos na

mente e em forma.34

A fundação destas várias escolas, entre finais do século IV e meados do século

VI, permitem-nos identificar vários aspetos relativos à difusão do Budismo na China,

neste período. O primeiro, desde logo, é a paulatina afirmação da corrente Mahāyāna em

território chinês. O segundo, prende-se com a contínua importância da presença de

agentes estrangeiros como difusores desta religião. Por último, a diversidade dos sutras

nos quais estas escolas se baseavam permite observar o crescente conhecimento teórico

construído no seio do Budismo, concretizado num alargar do seu corpus, que era

rapidamente difundido no País do Meio.

33 Esta, quando chega ao Japão, transformou-se na escola Zen, adaptando-se àquele contexto específico. Veja-se P. D. Hershock, Public Zen, Personal Zen – A Buddhidt Introduction, Lanham, Rowman & Littlefield, 2014, pp. 57 – 72. 34 Cf. N. Huai-Chin, op. cit., p. 90-93.

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Assim, apesar do período entre a queda da dinastia Han e a reunificação Sui ser

marcado por uma confusão política e territorial, e consequentemente social, causada por

guerras e dinastias sucessivas, o Budismo encontrou o seu caminho, sendo absorvido

pelas camadas populares, além de usufruir de uma aproximação a famílias reinantes,

sobretudo as não chinesas do Norte. A afirmação da dinastia Sui alavancou a presença

desta religião no mundo chinês, já que os seus dois imperadores, Wendi (581-604) e

Yangdi (604-617), ofereceram um grande suporte ao Budismo, através do financiamento

à construção de mosteiros, da autorização de ordenação de novos monges e monjas, e do

apoio à veneração de relíquias budistas.35 Seria na dinastia seguinte, com os Tang, que o

Budismo recolheria os frutos deste processo, chegando mesmo a tornar-se numa religião

oficial do estado.

II.3 Budismo na dinastia Tang (617–907)

II.3.1- Afirmação dinástica

A reunificação político-territorial protagonizada pela dinastia Sui teve uma

existência curta [Anexo A, Mapa 12]. Na sequência de três campanhas militares falhadas,

levadas a cabo entre 612 e 614, contra o Norte da península coreana, um

descontentamento generalizado tomou conta do País do Meio, com maior incidência nas

populações do Norte, que organizaram rebeliões. Devido a esta instabilidade social, a

corte e o Imperador mudaram o centro político do Império, pela segunda vez36, desta feita

de Luoyang (Henan) para Yangzhou (Jiangsu), mais a Sul.37

Aproveitando-se deste clima turbulento, Li Yuan, que tinha servido como general

por uma década, e que nesse momento era comandante de uma guarnição militar na

localidade de Taiyuan (Shanxi)38, promoveu e liderou uma revolução. Aliando-se com o

35 Cf. S. Gosch e P. Stearns, Premorden Travel in World History, New York, Routledge, 2008, p. 78. 36Anteriormente, já o Imperador Sui Yangdi mudara a sua capital de Daxingcheng (Chang’an) para Luoyang, em 605. Cf. N. H. Rothchild, Emperor Wu Zhao and Her Pantheon of Devis, Divinities, and Dynastic Mothers, New York, Colombia University Press, 2015, p. 47. 37 Cf. C. Benn, China’s Golden Age – Everyday life in the Tang Dynasty, New York, Oxford University Press, 2004, p. 1. 38 Cf. V. C. Xiong, Historical Dictionary of Medieval China, in Historical Dictionaries of Ancient Civilizations na Historical Eras, vol. 19, Lanham, The scarecrow Press, Inc., 2009, p. 178.

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Canato Turco para a obtenção de uma cavalaria mais forte39, contra os Suí, conduziu as

suas tropas com o objetivo de capturar a antiga capital do Império, Daxingcheng

(Shanxi).40 Li Yuan conseguiu dominar esta cidade, em 617, sendo coroado Imperador

em 618, com o nome de Gaozu.41 Por ter ascendência estrangeira, tentou ligar o seu nome

de família, Li, a anteriores governantes42 e adotou o apelido Tang como nome da nova

dinastia.43 No entanto, só em 624, é que Gaozu seria capaz de eliminar os rivais mais

perigosos [Anexo A, Mapa 13].44

Para restaurar a segurança no território era necessário, numa primeira instância,

resolver a insolvência financeira causada pela guerra, que tinha esvaziado os cofres

estatais. Deste modo, visando a recuperação económica, o governo de Gaozu levou a cabo

a reinstituição do sistema de divisão equitativa da terra, de maneira a poder assegurar a

entrada de verbas, através da taxação das parcelas da mesma.45 Para tal efeito,

reformulou-se simultaneamente o sistema de Prefeituras e Distritos, para assegurar uma

administração local mais ativa e competente, que correspondesse ao anseio de capitalizar

os cofres centrais. Como medida adicional, a partir de 621, o governo começou a cunhar

moedas de cobre, perspetivando a estabilização da circulação monetária.46 Declarando a

cunhagem como um privilégio exclusivo do estado47, a pena de morte foi instaurada para

castigar aqueles que desrespeitassem tal exclusividade.48

39 Cf. H. M. Hung, Li Shi Min Founding the Tang Dynasty – The Strategies that made China the Greastest Empire in Asia, New York, Algora Publishing, 2013, p. 31. 40 No momento da revolta comandada por Li Yuan o nome oficial da capital era Daxingcheng, uma vez que em 582 a dinastia Suí tinha renomeado a cidade de Chang’an. Veja-se J. K. Skaff, Sui-Tang China and its Turko-Mongol Neighbors – Culture, Power, and Connections, 580-800, New York, Oxford University Press, 2012, p. 342. 41 Cf. C. Benn, op. cit., p. 1. 42 Cf. J. Lovell, The Great Wall – China Angaist the World, 1000 BC – AD 2000, New York, Grove Press, 2006, p. 138. 43 Cf. C. Benn, op.cit., p. 1. 44 Ibidem. Note-se, contudo, que a resistência armada a este novo poder permaneceu ativa por mais quatro anos. Veja-se M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire – The Tang Dynasty, Cambridge, The Belknap Press of Harvard University Press, 2012, p.31. 45 Este sistema de divisão de terras consistia na divisão parcelar de terrenos, que em teoria pertenciam na totalidade ao Imperador, através do estado e para os camponeses. Em contrapartida, os agricultores viam-se obrigados a pagar dois tipos de taxas anuais distintas, uma em géneros cerealíferos (2 a 3% do consumo médio de um homem adulto), e outra em seda ou linho, produzido pelas mulheres. Além disso viam-se obrigados a dar vinte dias do seu trabalho em favor do governo central e dois meses à administração local. Cf. C. Benn, op. cit., p. 3. 46 Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, pp. 32 e 33. 47 Cf. D. Lombart, A China Imperial, Lisboa, Editora Arcádia, 1971, p. 111. 48 Cf. C. Benn, op. cit., p. 3.

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41

Não obstante, o desvanecimento da oposição interna, em 623, Gaozu vê o Império

a braços com invasões de povos de matriz semi-nómada. Na esperança de aliviar essa

pressão externa o Imperador estabeleceu pagamentos às forças invasoras. Contudo, seria

só em 627, já no reinado seguinte, que este problema seria resolvido.49

Em 626, assassinando os seus irmãos e relegando o seu pai ao cárcere, Li Shimin

tomou o trono imperial, assumindo o nome de Taizong. 50 Apesar de, no primeiro ano de

governo, este segundo Imperador Tang ter continuado a política de pagamentos

tributários às forças turcas, em 627, as condições geopolíticas iriam sofrer alterações

benéficas à China. Lidando com rebeliões internas e com a destruição dos rebanhos,

consequência de adversidades climatéricas, o poder turco dividiu-se em dois impérios

distintos. Com esta situação, Taizong encontrou a oportunidade para esmagar as forças

invasoras. Destruindo em primeiro lugar o Império turco oriental, colocou outros povos

turcos, seus aliados, à frente deste segmento. A partir de 630, após ver reconhecido o seu

direito de guerrear além das fronteiras chinesas, Taizong utilizou as tropas do inimigo

recém-conquistado, promovendo rebeliões e guerras civis com os turcos ocidentais,

conseguindo que estes se submetessem, em 642. Deste modo, o Imperador chamou a si o

domínio da Ásia Central, ao dominar os territórios entre Yumen (Gansu) e a Pérsia

Sassânida.51 Taizong protagonizou ainda um estreitar de relações com os poderes do

planalto tibetano, os Tubo, fortalecendo-as através do casamento de uma sua filha com o

líder deste povo, em 641.52 Deste modo, fomentou as comunicações mútuas a nível da

tecnologia agrícola e de artesanato.

Os últimos vinte anos de reinado deste Imperador ficaram marcados por alguma

instabilidade na esfera militar, bem como nas relações internacionais, em grande medida

causada por campanhas realizadas contra o poder coreano de Koguryŏ, cujos desfechos

não foram positivos.53

Herdando o sistema intelectual governativo dos Suí, fundado nos princípios

confucionistas e legalistas54, Gaozu e Taizong não se limitaram a seguir o modelo

49 Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p.33. 50 Cf. R. Eno, “The Culture of the Tang Dynasty (618-907)”, EALC E232, Bloomington, Indiana University, 2008, p. 3. 51 Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p.33. 52 Cf. H. G. Gelber, O Dragão e os Diabos Estrangeiros- A China de 1100 a.C. até à atualidade, Lisboa, Guerra e Paz S.A., 2008, p. 68. 53 Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p.34. 54 Cf. R. Eno, art. cit., pp.3 e 4.

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anterior, tentando imprimir as suas marcas pessoais. Por exemplo, embora adotando o

regime dos três Sheng55, mudaram-lhes a designação e as competências: Zhong shu sheng

ficaria responsável por administrar o poder legislativo, administrando as esferas militares

e estatais; Menxian sheng seria o responsável por examinar todos os decretos e ordens,

assumindo assim o papel de assessor imperial; e Shang shu sheng assumiria o papel de

organismo executivo, com alçada sobre os ministérios do Interior, do Pessoal, Educação

e Cultura, Guerra, Justiça e Construção Pública.56

Em termos militares, Gaozu e Taizong contavam com um vasto exército

permanente, tradição mantida da dinastia anterior.57 Este, em tempos de paz dedicava-se

à agricultura e a treinos, bem como a servir as guarnições militares da capital. Inovando

em continuidade, Taizong introduziu o sistema de recruta voluntária, que complementaria

o corpo militar efetivo.58

O método de acesso aos cargos de administração continuou a ser realizado através

do sistema de exames, que se viu fortalecido neste período59, seguindo uma linha ancestral

que recua à dinastia Han. Contudo, com os Tang, os proponentes à realização dos exames

deixavam de ser recomendados pela administração local. Neste sentido, qualquer pessoa

que se sentisse em condições de prestar provas poderia candidatar-se. Como tal, estes

novos contornos dados ao sistema de exames abriram as portas a um maior número de

indivíduos ao oficialato, quebrando certas barreiras de caráter social que anteriormente

existiam.60 O sector burocrático começou, consequentemente, a ser dominado cada vez

mais por uma nobreza de mérito, em detrimento da nobreza de sangue.61 Não obstante, o

segundo Imperador Tang, de modo a conseguir uma melhor consolidação desta nova linha

dinástica, continuou também a admitir no seio dos seus funcionários personalidades

oriundas da nobreza tradicional, assim como com orientações políticas distintas das

55 Os sheng são cargos burocráticos, aos quais competem a regência de alguns departamentos governamentais. Serviam como assessores do Imperador e, como tal, podem ser correspondidos a cargos ministeriais. Ver C. Mu, Government in Imperial China – A Critical Analysis, Hong Kong, The Chinese University Press, 2000, p. 37. 56 Cf. B. Shouyi, Breve Historia de China – desde la antigüidad hasta 1919, Beijing, Ediciones en Lenguas Extranjeras, 1984, p. 201. 57 Cf. H. G. Gelber, op. cit., p. 68. 58 Cf. B. Shouyi, op. cit., p. 203. 59 Cf. R. Eno, art. cit., p. 3. 60 Cf. C. Mu, op. cit., pp. 48-53. 61 Cf. H. G. Gelber, op. cit., p.71.

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suas62, mantendo, desta forma, alguns traços de um sistema do tipo feudal no

mandarinato.

Se por um lado, Gaozu, mostrou uma aproximação ao Taoísmo63, os seus

sucessores aperceberam-se da importância que a comunidade budista da época detinha, e

como tal, da conveniência de se aliarem à mesma.64 Foi durante o reinado de Taizong que

regressou ao solo chinês aquele que foi considerado o mais ilustre dos peregrinos budistas

chineses, Xuanzang.65 O Imperador revelou respeito pelo Budismo, concedendo honras

aos peregrinos regressados de terras da Índia, que traziam para o Império sutras e relíquias

daquela religião.66 Taizong promoveu ainda o estabelecimento de um instituto para a

tradução dos textos que chegavam à China.67 Em consequência destes esforços, sobre as

escrituras trazidas da Índia, a escola budista Abhidarmakosha conheceu uma nova versão

do seu texto central, ganhando novo fulgor. Por outro lado, devido a novos ensinamentos

trazidos por Xuanzang, floresceu uma nova escola, a Yogacara, cujo ensinamento central

era que todos os fenómenos se tratavam de representações da consciência.68

Neste período de afirmação de uma nova dinastia, o Budismo continuou a usufruir

da corrente positiva que já se verificava com os Suí. De facto, manteve-se a tendência das

viagens de peregrinação, bem como o apoio imperial a estas. A viagem de Xuanzang, que

se iniciara em 629, foi paradigmática deste suporte institucional, dado o reconhecimento

que lhe foi demonstrado por Taizong, que lhe abriu portas à implantação de um instituto

próprio, para a tradução de textos indianos. A conceção de honras, a construção de

stūpas69 e a tradução de sutras trazidos da Índia revelaram, de igual modo, a consideração

ao Budismo, por parte da esfera imperial.

II.3.2 Os reinados de consolidação Tang e o Budismo

Morrendo em 649, o segundo governante da dinastia Tang foi sucedido por Li Zhi,

conhecido para a posteridade como Gaozong.70 Apesar de este ter sido um reinado muito

62 Cf. B. Shouyi, op. cit., p. 203. 63 Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p.33. 64 Cf. R. Eno, art. cit., p. 4. 65 Cf. R. Foltz, op. cit., p. 54. 66 Cf. R. Eno, art. cit., p. 4. 67 Cf. N. Huai-Chin, op. cit., p. 89. 68 Idem, pp. 91-93. 69 Cf. T. Sen, Buddhism, Diplomacy, and Trade: The Realignment of Sino-Indian Relations, 600-1400, Honolulu, University of Hawaii Press, 2003, p. 67. 70 Cf. B. Shouyi, op. cit., p. 203.

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marcado pela crescente influência de uma das suas concubinas, Wu Zhao71, a ação deste

Imperador foi percetível em diversos quadrantes. Refira-se, a título, de exemplo as duas

revisões ao código legal Tang levadas a cabo neste governo, que originaram uma versão,

em 653, que seria considerada a mais importante da história chinesa, não só porque

influenciou todos os códigos legais vindouros, mas também porque foi exportada para

vários contextos políticos vizinhos, servindo-lhes de base para os seus próprios códigos.72

Em 653, Gaozong enfrentou um levantamento liderado por uma mulher oriunda

das classes camponesas, Chen Shuozhen, com epicentro em Muzhou (Zhejiang). Esta

sublevação deveu-se ao endurecimento das condições de vida das classes sociais mais

baixas, causado pelo declínio da prosperidade económica, consequente das guerras

levadas a cabo no final do reinado de Taizong.73 Decorrente do mesmo, várias localidades

da província de Zhenjiang foram ocupadas pelas forças revoltosas, levando a líder a

declarar-se Imperatriz. Embora interessante do ponto de vista da ação feminina neste

período da história chinesa, este levantamento foi prontamente esmagado, não tendo sido

capaz de abalar a estabilidade política pré-existente.74

A nível de relações internacionais, o reinado do terceiro Imperador Tang ficou

visivelmente marcado por uma grande estabilidade, não obstante alguns conflitos

pontuais, nomeadamente nas fronteiras Norte e Noroeste da China, com os povos Tujue

de Leste e Tujue de Oeste.75 Os confrontos com os primeiros ultrapassariam o reinado de

Gaozong, só sendo cessados em 716, sete reinados depois. Já os problemas com os Tujue

do Oeste, que provinham, pelo menos, da dinastia anterior, chegaram ao fim em 658, com

a eliminação total desta ameaça.76 Com esta vitória, a dinastia Tang manteve o seu

domínio sobre a região montanhosa de Tianshan, controlando diversas tribos dessa área.

Assim, os intercâmbios económicos e culturais entre o interior do Império e esta região

mais limítrofe foram fortalecidos, com a pacificação do troço das rotas que ligavam a

71 Refira-se que Wu Zhao já tinha sido concubina de Taizong. Cf. C. Benn, op. cit., p. 4. 72 Cf. J. O. Haley, Law’s Political Foundations: Rivers, Rifles, Rice, and Religion, Cheltenham, Edward Elgar Publishing Limited, 2016, p. 75. 73 Cf. L. X. H. Lee e S. Wiles (ed.), Biographical Dictionary of Chinese Women – Tang through Ming, 618-1644, Routledge, New York, 2015, p. 38. 74 Cf. B. Shouyi, op. cit., p. 204. 75 Os Tujue eram povos nomádicos de matriz turca que habitavam as regiões a Norte e Noroeste da China. Cf. V. C. Xiong, Emperor Yang of the Sui Dynasty – His Life, Times, and Legacy, Albany, State University of New York Press, 2006, p. 207. 76 Cf. X. L. Woo, Empress Wu the Great: Tang Dynasty China, New York, Algora Publishing, 2008, p. 168.

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China à zona ocidental da Ásia.77 A influência que os exércitos chineses puderam então

estabelecer na fronteira com a Pérsia, a norte de Caxemira, permitiu à dinastia Tang

reassegurar o domínio comercial desta grande secção da Rota da Seda terrestre.

Na década de 660, as forças chinesas subjugaram ainda o reino de Koguryŏ,

aliados ao poder de Silla, ambos da península coreana.78 Será já no final do reinado de

Gaozong que a China sofreu alguns revezes, perdendo o domínio de algumas localidades

importantes na Bacia Tarim, para as forças expansionistas tibetanas.

Sofrendo Gaozong de uma doença incapacitante, em cerca de 650, Wu Zhao, a

sua concubina, foi elevada a Segunda Imperatriz79, isto é, foi-lhe conferido o estatuto de

mulher do Imperador. Dominando cada vez mais os bastidores políticos, Wu Zhao

começou a exercer uma crescente influência nas decisões centrais, sem, no entanto,

substituir o marido. Seria após a morte de Gaozong, em 683, que esta mulher assumiu em

pleno o seu poder, depondo e exilando o seu filho Zhongzong, que tinha herdado o trono

do seu pai. Colocando o seu filho mais novo, Ruizong, como imperador, Wu, assumiu

prontamente a regência, que duraria os seis anos seguintes e que foi marcada por diversas

revoltas geradas pelos seus opositores políticos.80

Não obstante, Wu conseguiu eliminar a maioria dos seus inimigos81 e, em 690,

declarou-se Imperatriz, mudando o seu nome para Wu Zetian. Instaurando a sua própria

dinastia, a Zhou, da qual ela seria a única representante, a Imperatriz mudou o centro

político de Chang’an (Shanxi) para Luoyang (Henan).82 Esta mudança explica-se por

motivos políticos, uma vez que Chang’an (Shanxi) era o centro político tradicional da

dinastia Tang, albergando, por isso, um largo número de opositores a Wu. Por sua vez,

em Luoyang (Henan) a Imperatriz contava com o apoio de diversas famílias provenientes

das províncias do Nordeste chinês.83

Incrementando o recrutamento de oficialato através do sistema de exames, a

Imperatriz Wu procurou enfraquecer o poder das famílias mais antigas, introduzindo na

77 Cf. B. Shouyi, op. cit., p. 205. 78 Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire … p.35. 79 Cf. R. Eno, art. cit., p. 6. 80 Cf. C. Benn, op. cit., p. 4. 81 Cf. Y. T. Lee, “Wu Zhao Ruler of Tang Dynasty”, Asia: Biographies and Personal Stories, Part II, Education About Asia, vol. 20, nº 2, 2015, p. 16. 82 Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p.36. 83 Cf. A. Cotterell, The Imperial Capitals of China – An Inside View of the Celestial Empire, New York, Random House, 2008, p. 114.

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corte membros de origens humildes, que lhe ficavam devedores da sua ascensão social.

Com o objetivo de tornar o estado cada vez mais autocrático, criou inúmeros novos

postos, onde colocou aliados por si escolhidos. Foi retirando, de modo progressivo, o

poder dos seus ministros, criando um grupo de conselheiros, não oficiais, responsáveis

pelo trabalho administrativo e literário, mas que assumiam funções mais abrangentes,

nomeadamente no respeitante aos éditos imperiais, e sobretudo em fases que os burocratas

oficiais faziam frente à Imperatriz.84 No setor económico, focou-se na agricultura,

ordenando a compilação de textos sobre essa temática, assim como apoiando a construção

de um novo sistema de irrigação, bem como a redução de taxas sobre a produção

agrícola.85

Wu compreendeu as vantagens de se associar ao Budismo, como estratégia de

legitimação política. Declarando-se reencarnação de Maitreya, o Buda do Futuro, a

Imperatriz Wu ordenou, então, a construção de templos budistas em todas as províncias,

de modo a fazer circular o sutra Dayunjing, no qual se profetizava o surgimento de uma

mulher que governaria o mundo, 700 anos após a morte de Buda.86 Esta associação da

Imperatriz a Maitreya levou a que imagens deste Buda proliferassem por todo o Império.87

Assim, estabeleceu o Budismo como religião com patrocínio oficial estatal88, estendendo

o seu patronato a várias escolas e mosteiros budistas, tendo fomentado os trabalhos

artísticos nas grutas de Longmen (Henan) e de Dunhuang (Gansu).89

Estas múltiplas medidas de Wu não impediram, contudo, que em 684 estalasse

uma rebelião com o objetivo de a depor, levada a cabo pelo oficial Xu Jingye. 90 Wu

Zetian, após ter controlado esta revolta, iniciou um período mais duro do seu reinado,

com a criação de serviços secretos, cujo objetivo era perseguir os seus inimigos. Em 690,

estabeleceu um gabinete de investigação às portas de Luoyang (Henan), com ordens para

torturar qualquer suspeito de oposição. Embora o seu foco estivesse, inicialmente,

84 Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, pp. 37 e 38. 85 Cf. Y. T. Lee, art. cit., p.16. 86 Note-se, contudo, que a datação sugerida naquele sutra não era correta, uma vez que, nesta época, Buda já teria atingido o parinirvāna pelo menos há c. de 1100 anos antes. 87 Cf. P. E. Karetzky, Chinese Religious Art, Lanham, Lexington Books, 2014, p. 280. 88 Cf. R. Eno, art. cit., p. 7. 89 Cf. C. Schirokauer e M. Brown, A Brief History of Chinese Civilization, Boston, Wadworth Cengage Learning, 2013, p. 105. 90 Cf. X. L. Woo, op. cit., p. 123.

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direcionado aos membros do clã Li, parentes do seu marido91, foi alargando a repressão

a todo e qualquer indivíduo que representasse uma potencial ameaça ao seu governo.92

Um outro foco de ameaça ao seu reinado proveio da situação internacional. A

pesada derrota sofrida pelos seus exércitos, em 695, contra as forças tibetanas, na

província do Sichuan, espoletou críticas. Ao mesmo tempo, Wu teve de lidar com diversas

incursões dos turcos de leste e com uma revolta dos antigos aliados de Khitan. Resolvida

esta crise, nos dois anos seguintes, a Imperatriz Wu estabeleceu comandos militares

permanentes nas regiões fronteiriças a Norte e a Noroeste.93 Contudo, devemos referir

que durante o seu governo a situação a Oriente manteve-se estável, com a China a

continuar a exercer um domínio cultural sobre a Coreia e o Japão.

Em 705, preocupados com a idade já avançada da Imperatriz94, diversos ministros

e conselheiros começaram a pressionar a sua retirada, colocando como sucessor o seu

filho exilado, Zhongzong. Apercebendo-se da perda de influência, com o afastamento dos

homens de sua confiança, Wu acabou por se afastar do trono nesse mesmo ano, vindo a

falecer pouco tempo depois.95

O período de governança de Wu assume-se como uma época extraordinária, pois

foi aqui que uma mulher conseguiu reinar, de facto, o País do Meio. No que diz respeito

ao Budismo, deve ser sublinhado que, se por um lado, esta religião era já importante o

suficiente, em larga escala, para servir de meio para a legitimação de Wu; por outro, foi

o patronato desta Imperatriz que permitiu a ascendência do mesmo, equiparando-se e, até,

superando, as tradições confucionistas e taoistas. Destaque-se, ainda, que foi graças à

ação de Wu que se assistiu ao crescimento do culto a Maitreya; assim como à instituição

de mosteiros em todas as prefeituras do Império, o que permitiu um melhor enraizamento

do Budismo no País do Meio. Com Wu esta religião estrangeira tornou-se religião de

estado e, como tal, afirmou-se como transversal a todo o mundo chinês.

91 Relembra-se que foi a família Li, pelas mãos de Li Yuan, que fundou a dinastia sucessória aos Suí, e optou pelo nome dinástico de Tang. 92 Cf. C. Benn, op. cit., p. 5. 93Ibidem. 94 Wu Zhao nasceu em 624, tendo assim 81 anos. Cf. Y. T. Lee, art. cit., p. 17. 95 Cf. R. Eno, art. cit., p. 6.

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Zhongzong iniciou o seu segundo reinado, em 705, que duraria apenas cinco

anos.96 O mesmo foi marcado por uma forte influência feminina na corte97, já que a sua

aparente fragilidade98 permitiu que a sua mulher, Wei, aumentasse o poder das suas filhas,

nomeadamente recebendo os mesmos direitos que os príncipes varões, incluindo o

estabelecimento de um grupo de burocratas ao seu serviço, bem como o acesso a

benefícios hereditários.99 Mesmo sendo um reinado curto, foi percetível a afinidade deste

Imperador ao Budismo, uma vez que tinha gosto em receber monges, para escutar os seus

ensinamentos. O facto de promover a realização de rituais budistas na corte permitiu que

esta religião continuasse a usufruir do apoio institucional que adquirira no reinado

anterior.100

Com a morte de Zhongzong, a Imperatriz Wei colocou no trono o jovem Shaodi,

que em menos de um mês foi deposto, pois os oficiais da burocracia, conselheiros e

ministros temiam um novo golpe de estado feminino.101 Assim, após vinte anos afastado

do poder, o Imperador Ruizong voltou a comandar os desígnios chineses.102 Apesar do

seu reinado ser bastante fugaz, durando apenas dois anos, Ruizong deixou marcas

importantes a nível religioso, patrocinando a tradução, edição e publicação de uma vasta

quantidade de textos budistas.103

Em 712, Ruizong abdicou em favor do seu filho, Xuanzong.104 Este longo reinado

que duraria até 756, foi marcado por uma reviravolta económica, com um novo ciclo de

prosperidade.105 Encontrando o estado com os seus recursos exauridos, devido à

corrupção vivida nos anos anteriores, o novo Imperador declarou, em 714, uma política

de austeridade, visando os gastos palacianos. Vários objetos de ouro e prata foram

fundidos, de modo a garantir fundos para o exército e, num ato público, Xuanzong chegou

mesmo a destruir inúmeras peças do seu tesouro. Noutro nível, apoiou a expansão do

96 Cf. C., Benn, op. cit., p. 6. 97 Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, pp. 38 e 39. 98 Durante o período de exilio, ao qual foi obrigado pela Imperatriz Wu, Zhongzong tornou-se um homem deprimido e assustado. Chegou a querer cometer suicídio, sendo impedido pela mulher, da qual se tornou dependente. Veja-se B. B. Peterson, Notable Women of China – Shang Dynasty to the Early Twentieth Century, New York, M. E. Sharpe, Inc., 2000, pp. 202-206. 99 Cf. C., Benn, op. cit., p. 6. 100 Cf. J. Chen, Philosopher, Practicioner, Politician: The Many Lives of Fazang (643-712), Leiden, Brill, 2007, p.261. 101 Cf. C., Benn, op. cit., p. 6. 102 Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p.39. 103 Cf. Y. T. Lee, art. cit., p. 17. 104 Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, pp. 39 e 40. 105 Cf. C. Benn, op. cit., p. 7.

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sistema de silagem, a partir de 719, com a construção de grandes silos em todas as regiões

do Império. Este sistema permitiu a estabilização dos preços de mercado sobre os

alimentos, prevenindo as fomes. A produtividade agrícola pôde então aumentar e o custo

de transporte de mercadorias diminuiu em virtude do incremento do sistema de canais.106

A nível social, este Imperador deixou um cunho muito próprio, pois determinou,

em 722, que se distribuísse as terras pertencentes ao estado pelos mais desfavorecidos.

Na década de 740, decretou medidas de alívio fiscal para as famílias de mais baixo

rendimento, tendo ainda abolido a pena de morte, em 747. O sistema de ensino foi

alargado, sendo que Xuanzong apoiou a consolidação do sistema de saúde, em todas as

províncias. O imperador ofereceu ainda o seu patrocínio a diversas personalidades

artísticas, sobretudo a músicos e cantores, bem como a dançarinos.

Contudo, neste contexto socioeconómico, o Budismo foi alvo de ataque, já que

Xuanzong proibiu o estabelecimento de novos mosteiros budistas por parte de privados,

pois estes eram um meio de fuga ao fisco, retirando ainda da vida religiosa cerca de

trezentos mil monges, obrigando-os a voltar à vida secular e a pagar impostos.107

Efetivamente, a sangha encontrava-se livre do pagamento de impostos e de prestar

serviços ao estado. Além do mais, como já se viu no capítulo anterior, o movimento

Mahāyāna, na sua generalidade, fomentava a doação de terras e bens preciosos à sangha

como uma maneira de transferência de mérito e de aproximação ao Despertar. Como tal,

a acumulação de riqueza por parte da comunidade monástica budista chinesa era uma

realidade que a política económica do governo central quis combater.108

Não se pode considerar, assim, que este ataque ao Budismo tenha sido realizado

por questões meramente religiosas, uma vez que esta ação tinha como principal foco a

avultada posse de recursos da comunidade budista. Aliás, foi precisamente neste reinado

que o Budismo Tântrico foi introduzido na China, e para o qual o Imperador mostrou

alguma inclinação.109 Tendo sido trazida por monges indianos, especificamente por

Subhakarasimha e Vajrabodhi, esta corrente tinha por base o sutra Vairocana e o sutra

da Coroa de Diamante, estabelecendo a utilização de mandalas, mūdras (i.e., gestos

realizados com as mãos) e mantras, numa meditação que consistia em dez passos para

106Ibidem. 107 Ibidem. 108 Idem, p.29. 109 Cf. D. Ikeda, The Flower of Chinese Buddhism, Santa Monica, Middleway Press, 2009, p.138.

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estabilizar a mente.110 É interessante observar que a Budismo Tântrico aproximava-se do

conceito de longevidade, partilhando-o com o Taoismo, fomentando, assim, a sua

aceitação, bem como através de outros processos sincréticos.111

No que diz respeito à política internacional, Xuanzong foi lidando com as

esporádicas incursões protagonizadas pelos povos nomádicos da zona fronteiriça a Norte,

e com a pressão proveniente do planalto tibetano. No entanto, em vez de recorrer a

políticas beligerantes, o Imperador escolheu utilizar a via diplomática para manter a

tranquilidade chinesa.112

À medida que ia envelhecendo, o Imperador foi-se afastando do centro de poder,

sendo que a partir de 736 foi delegando, progressivamente, responsabilidades nos seus

ministros. A partir de 740, nota-se ainda o crescente poder da sua concubina, Yang

Guifei113, que conseguiu mesmo elevar a ministro, um homem da sua esfera de influência,

Yang Guozhong, em 752.114 Foi, também, a partir desta data, que An Lushan, que já

gozava de algum favorecimento por parte do Imperador, fortalece a sua presença na corte.

Destacado como enviado militar para três localidades, Pinglu (Shanxi), Fanyang (Beijing)

e Hedong (Tianjin), acumulando ainda o cargo de supervisor da província de Hebei, An

Lushan dominava uma parte significativa do território chinês, possuindo,

consequentemente, um forte dipositivo militar.115 Foi, já com um certo estatuto e um

poderio vasto, em 755, que este homem iniciou a sua marcha rumo à capital116, naquela

que seria uma das rebeliões que mais marcas deixaria na dinastia Tang, e que só acabaria

em 763.117

Durante estes cinco reinados, marcados por uma relativa estabilidade política, o

Budismo chinês alcançou o seu expoente máximo. Continuando a alimentar a riqueza da

sua comunidade, solidificou as suas raízes na China com a chegada de novos textos que

foram trazidos da Índia, e que cuja tradução e proliferação contaram com um apoio

transversal dos diversos governantes. Resultado disso foi o surgimento de novas escolas,

110 Cf. N. Huai-Chin, op. cit., p. 93. 111 Cf. X. Kang, The Cult of the Fox – Power, Gender, and Popular Religion in Late Imperial and Modern China, New York, Columbia University Press, 2006, p. 31. 112 Cf. C. Benn, op. cit., p. 8. 113 Idem, p. 9. 114 Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p. 43. 115 Cf. B. Shouyi, op. cit., pp. 214 e 215. 116 Idem, p. 215. 117 Cf. J. K. Skaff, “Barbarians at the Gate? The Tang Frontier Military and the An Lushan Rebellion”, War & Society, nº 18, 2ª ed., Taylor & Francis, 2000, p. 23.

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o que revela que o Budismo ainda tinha espaço para crescer. O reconhecimento e

oficialização do patronato imperial pelas mãos da Imperatriz Wu, embora por

conveniência da mesma para se poder legitimar, mostra que o Budismo não era apenas

uma religião que pairava em solo chinês, mas, que ao invés se tinha tornado numa religião

integrada e fundamental na cultura e sociedade do País do Meio. Não obstante, o controlo

sobre a economia budista esboçado por Xuanzong, pode ser visto como um primeiro

sintoma do processo destrutivo que, mais tarde, o Budismo viria a ser alvo.

II.3.3 Declínio da dinastia Tang

Tomando, de início, como falsa a notícia do levantamento de An Lushan, só após

a conquista de diversas localidades, incluindo Luoyang (Henan) pelo mesmo, e da sua

autoproclamarão como Imperador, em 756, Xuanzong reagiu. Acompanhado pela

amante, pelo ministro, pelo herdeiro ao trono, bem como por um pequeno grupo de

funcionários, o Imperador abandonou a capital, protegido pela guarda imperial. Quando

tentava alcançar Chengdu (Sichuan), esta comitiva viu-se a braços com um motim dos

seus soldados, o que obrigou o Xuangzong a eliminar quer o ministro quer Yang Guifei.

Em simultâneo, An Lushan e o seu exército já haviam conseguido conquistar a capital.

Sem recursos, o Imperador cedeu à pressão, perdendo a sua força política, sendo o seu

herdeiro, Li Heng, quem passou a assumir a responsabilidade militar. Chegando a Lingwu

(Ningxia) tomou o trono sob o nome de Suzong.118

An Lushan foi assassinado, em 757, pelo seu filho, An Qingxu, que se proclamou,

também, Imperador. A rebelião continuou, apesar deste ano ser marcado por pesadas

derrotas, nomeadamente a recuperação de Chang’an (Shanxi) e Luoyang (Henan), por

Suzong.119 Em 759, An Qingxu teve o mesmo destino que tinha traçado a seu pai, sendo

assassinado por um general, Shi Siming. Este acabaria também assassinado, em 761, às

mãos de seu filho, Shi Chaoyi, que, após um ano de pesadas derrotas acabou por cometer

suicídio, pondo fim à rebelião em 763, já no reinado do Imperador Daizong.120

Parte do sucesso em reprimir a rebelião foi devida a duas novas políticas tomadas

por Suzong. Em primeiro lugar, a formação de uma aliança com a tribo turca dos Uigures,

fundamentais com a sua força armada para as vitórias da dinastia. Por outro lado, a

118 Cf. B. Shouyi, op. cit., 1984, p. 216. 119 Cf. C., Benn, op. cit., p. 10. 120 Cf. B. Shouyi, op. cit., p. 216.

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implementação de um sistema de governadores militares em zonas interiores, à

semelhança das que existiam em zonas fronteiriças121, permitiu a prevenção de novos

levantamentos. Contudo, apesar dos homens de confiança de An Lushan se terem

submetido à dinastia Tang, preservaram as forças separatistas. Aproveitando a fragilidade

da corte, chegaram a proclamar a hereditariedade dos seus cargos, promovendo uma

descentralização do poder.122 Esta seria uma das consequências mais difíceis de resolver

pelos imperadores vindouros, sendo apenas solucionada, e apenas por breves momentos,

quatro reinados depois, em 819.

Após a morte de Suzong, em 762, foi Daizong quem assumiu o trono chinês, que

governaria até à sua morte, em 779.123 Este reinado deparou-se com marcadas

dificuldades económicas, devedoras dos efeitos da rebelião de An Lushan, que levaram

ao colapso do sistema de impostos e de divisão de terras. Assim, a partir de 766, o

Imperador foi tentando reativar estes antigos sistemas, embora a situação turbulenta na

corte tivesse impedido resultados de maior relevo neste campo.124

De facto, os reinados de Suzong e de Daizong ficariam marcados pelo espaço dado

ao crescimento do poder dos eunucos, processo iniciado ainda no reinado de Xuanzong,

e que contribuiu para tensões internas entre diversas fações. Xuanzong já havia delegado

a Gao Li Shi, um dos eunucos da sua corte, plenos poderes para administrar o oficialato.

No reinado seguinte, Suzong nomeu Li Fuguo como chefe da guarda imperial, como

forma de agradecimento ao apoio que lhe prestou durante a rebelião. Enviou, ainda, outro

eunuco, Yu Chao’en, para supervisionar dois generais, dos quais suspeitava. Deste modo,

os eunucos começaram a usufruir de poder militar, ganhando mais relevância. Em 762,

no ano da morte de Suzong, dois eunucos, entre eles Li Fuguo, assassinaram a Imperatriz

Zhang Liangdi, de modo a elegerem como sucessor Li Yu, que subiria então ao trono com

o nome de Daizong. Assassinando um, mas depositando total confiança noutro, este

Imperador acabaria por ceder à pressão dos seus ministros, que se opunham ao poder

crescente dos eunucos. Assim, Daizong acabou por demitir o eunuco que o apoiara, pondo

fim ao sistema que dava a este grupo acesso a poder militar.125 Contudo, os eunucos viram

121 Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, pp. 58 e 59. 122 Cf. C. Benn, op. cit., p. 13. 123 Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p. 60. 124 Cf. C. Benn, pp. 13 e 14. 125 Cf. B. Shouyi, op. cit., p. 217.

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o seu poder restaurado no reinado de Dezong (779-805), como recompensa por o terem

ajudado a evitar um motim do exército, voltando a ter o controlo da guarda imperial.126

Daizong faleceu em 779, sendo sucedido por Dezong. Continuando o esforço para

relançar as bases económicas do Império Chinês, a partir de 780, protagonizou reformas

profundas127, nomeadamente abolindo o antigo sistema de impostos, e criando um sistema

de coleta, baseado no ciclo agrícola, e que cobrava os impostos duas vezes ao ano.

Abandonando também o antigo cálculo de cobrança de taxas, determinou que os tais

cálculos se fizessem com base na riqueza e posses efetivas dos indivíduos. Esta medida

levava igualmente em conta as diferenças produtivas de cada província, e como tal, os

impostos não eram transversais ao Império. Assim, em conjunto com o monopólio sobre

a produção de sal, o estado foi enriquecendo, permitindo que se iniciasse a busca pela

restituição do poder central.128

Como anteriormente foi referido, alguns dos governadores ligados à rebelião de

An Lushan mantiveram o poder nas suas províncias, incluindo as de Hebei, Pinglu

(Shanxi), Shandong, Xianyang (Shanxi) e Huaxi (Jiangsu). Administrando livremente

estes territórios, limitavam-se a pagar tributos e taxas ao poder central, permanecendo

como uma ferida aberta na autoridade do governo imperial.129 Tentando reverter esta

situação, Dezong levou a cabo campanhas para tentar resgatar a influência nessas regiões,

como por exemplo, a sua recusa, em 781, de reconhecer o herdeiro do governador de

Chengde (Hebei). Apesar das forças leais ao governo terem obtido algumas vitórias sobre

os rebeldes, não foram capazes de colocar um ponto final nesta situação. O exército

chegou mesmo a amotinar-se, com o seu comandante a declarar uma nova dinastia,

obrigando Dezong a sair da capital. Aconselhado por Lu Zhi, um dos seus oficiais,

Dezong ofereceu amnistia aos rebeldes, de modo a poder resolver os motins que ocorriam

em Chang’an (Shanxi). O conflito só terminaria em 786, com o estado a reconhecer a

independência de várias províncias.130

O reinado de Dezong ficou também marcado pela resolução do conflito sino-

tibetano. O Imperador tentou, em 783, estabelecer um pacto de tréguas de um ano, em

que reconhecia diversas conquistas tibetanas. De seguida, e reatando a aliança com os

126 Ibidem. 127 Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire…, p. 61. 128 Ibidem. 129 Idem, pp. 61 e 62. 130 Idem, p. 62.

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Uigures, através de uma política de casamentos, tentou defrontar o Tibete, acabando

derrotado em 790, perdendo o controlo de certas regiões ocidentais. O Imperador tentou

então reavivar os laços com o reino de Nanzhao (Yunnan), a partir de meados da década

de 790. Em conjunto com este poder, as forças chinesas avançaram sobre o Tibete, em

801, obtendo uma vitória que pôs fim a cerca de cinquenta anos de guerra.131

Os primeiros anos do século IX, com o fim do conflito sino-tibetano, permitiram

que o Imperador Xianzong, que chegou ao poder através do apoio dos eunucos132, se

concentrasse em questões internas, nomeadamente na recuperação da autoridade central

em regiões do Leste e do Sul do Império Chinês. Entre 814 e 819, levou a cabo campanhas

contra as forças rebeldes das províncias de Huanxi (Jiangsu), Chengde (Hebei) e Pinglu

(Shanxi), conseguindo resgatá-las para a esfera central.133 Contudo, como os gastos com

estas campanhas foram avultados, o Imperador foi obrigado a reformular as políticas de

impostos, algo que concretizou paralelamente a uma reforma da administração militar,

que, em conjunto, permitiria o enfraquecimento do poder provincial.134

Se, por um lado, conseguiu restaurar o controlo imperial sobre algumas das

províncias, Xianzong deu margem de manobra para os eunucos continuarem a aumentar

o seu poder, tendo-os encarregado de tratar da sua política, e de a impor à administração,

quer central quer provincial. Como os eunucos mantinham o controlo sobre a guarda

imperial, e serviam como supervisores dos generais, o poder deste grupo cresceu

exponencialmente. Em 810, o Imperador criou mesmo um gabinete responsável por tratar

de assuntos de foro privado, que ficou a cargo dos eunucos, institucionalizando de vez o

seu poder. 135

131 Idem, pp. 63 e 64. 132 Xiangzong sucede a Shunzong, que governou por breves meses, após a morte de Dezong, em 805. Cf. B. Shouyi, op. cit., pp. 217 e 218. 133 Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p. 64. 134 Primeiro, para evitar a manipulação na coleta de impostos Xiangzong estabeleceu, em 809, que as prefeituras deveriam pagar impostos diretamente à corte, sem passar pela administração das províncias. Estas apenas receberiam os impostos respetivos à prefeitura da capital provincial. Em 819, introduziu um novo modelo militar, em que os governadores provinciais só podiam utilizar os exércitos respetivos ao território da prefeitura capital. Assim, guarnições e fortes mais pequenos de outras prefeituras, ficavam sob a tutela das mesmas, resultando na retirada do poder de decisão dos governadores militares de mobilizarem as forças de toda a província. Idem, pp. 65-66. 135 Ibidem.

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Nas duas décadas seguintes à morte de Xianzong, em 820, a China foi governada

por três imperadores136, cuja ação se caracterizou, segundo Charles Benn, como desligada

dos deveres políticos.137 A rápida perda do domínio das províncias recuperadas em 819,

permitiu que se efetivasse a cisão entre o estado central e o poder provincial, onde se

voltou a assistir à hereditariedade dos cargos governativos, e onde os decretos imperais

não eram acatados. Por outro lado, a fraca ação dos imperadores abriu portas à formação

de uma fação dentro da corte, composta por ministros e outros membros da administração,

que se opunha ao poderio dos eunucos.138 As lutas entre estes grupos foram constantes,

causando profunda instabilidade. Exemplo disso foi a morte do imperador Jingzong,

arquitetada pelos eunucos.139 Sucede-lhe então Wenzong, que apesar de estar em dívida

para com aqueles, tentou diminuir a sua influência, apoiando-se no grupo dos burocratas.

Contudo, os eunucos acabariam por ver a sua força reafirmada140, sendo que parece que

Wenzong acabou por ficar refém daqueles.141

Em 840, Wuzong chegou ao trono142, tentando desde logo diminuir a influência

dos eunucos143, mas também dos burocratas, ao nomear Li Deyu como seu único ministro.

Com a corte relativamente apaziguada, virou as suas atenções para os Uigures, que

aproveitaram a instabilidade anterior para realizar várias incursões em território chinês.

De notar que o Maniqueísmo, religião oficial dos Uigures, viu consequentemente as suas

pretensões de crescimento na China estranguladas. O ataque a religiões por parte do poder

central Tang era uma vez mais motivado por questões políticas e económicas, e não por

questões culturais e/ou religiosas. De facto, foi também neste reinado que o Budismo se

viu uma vez mais atacado, principalmente entre 845 e 846, período durante o qual grande

parte dos mosteiros foram destruídos ou desmantelados, e os seus bens e terras

confiscados. De novo, monges budistas foram obrigados a regressar à vida secular,

136 Estes três imperadores foram: Muzong, que reinou entre 820 e 824, Jingzong, que reinou entre 824 e 827, e por fim Wenzong, que governou até 840. 137 Cf. C. Benn, op. cit., p. 16. Note-se que os eunucos aproveitaram este período para aumentar a sua influência nos destinos chineses. Cf. B. Shouyi, op. cit., p. 224. 138 Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p. 66. 139 Cf. B. Shouyi, op. cit., p. 224. 140 Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p.68. 141 Ibidem. 142 Cf. C. Benn, op. cit., p. 16. 143 Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p. 69.

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havendo mesmo mortos no seio da sangha. Após esta tomada de posição foram mantidos

apenas 800 monges a operar por todo o Império.144

Embora a China Tang tenha voltado a sentir algum fulgor, durante o reinado de

Xuanzong II, entre 846 e 859, nomeadamente no que respeitava à administração interna

e às relações externas145, a sua morte marcou o declínio definitivo da dinastia Tang. Logo

no início do reinado do seu sucessor, Yizong, que governou entre 859-873, o poder central

voltou a enfrentar problemas decorrentes da força dos eunucos, mas também outros

levantamentos militares ou motins entre múltiplos poderes regionais que procuravam a

sua afirmação. Exemplo disso foi o conflito, iniciado em 868, na prefeitura de Xu,

liderada por Pang Xun, da qual resultaria a perda de algumas regiões do Sul do território

chinês.146

Esta situação turbulenta agudizou-se no reinado seguinte, do imperador Xizong,

durante o qual estalou a rebelião que mais afetou a dinastia nesta fase final. Em 875,

eclodiu uma insurreição a partir de Chengyuan (Fujian), liderada pelo traficante de sal

Wang Xianzhi. A este juntou-se outro traficante, também militar, Huang Chao, sendo que

as suas forças conjuntas protagonizam, em três anos, vitórias de grande importância,

conquistando diversas prefeituras das províncias de Shandong e do Henan. Após a morte

de Wang Xianzhi, em 878, Chao assumiu a liderança das duas forças, dirigindo-se para

Norte, conquistando várias localidades pelo caminho. Em 880, submete Luoyang (Henan)

e Chang’an (Shanxi), obrigando o Imperador a abandonar a capital. Huang Chao chegaria

a declarar-se Imperador, mas lidando com motins dentro das suas hostes, viu o seu poder

enfraquecido. Aproveitando esta instabilidade, e aliando-se a forças estrangeiras, o poder

imperial tentou ripostar, cercando as forças rebeldes em Chang’an (Shanxi). Chao acabou

por cometer suicídio, pondo fim a uma rebelião profundamente destrutiva para a China,

que durou cerca de dez anos.147

As guerras intestinas mantiveram-se durante os dois últimos reinados Tang.

Durante o governo de Zhaozong (888-904), as forças separatistas foram ganhando

144 Cf. C. Benn, op. cit., p. 16. 145 Xuangzong II mostrou-se um governador ativo, quando comparado com os anteriores imperadores, tendo patrocinado a redação de grandes compilações administrativas, legais e históricas. Foi neste reinado também que a China voltou a controlar territórios no Noroeste, que havia perdido para o Tibete quase dois séculos antes. Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan …, p. 69. 146 Idem, p. 70. 147 Cf. B. Shouyi, op. cit., pp. 226 e 227.

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protagonismo, atacando em várias frentes. Foi nesta época que os eunucos sofreram uma

pesada derrota, ao serem massacrados na capital, por ordem do general Zhu Wen.148 Este

ataque seria repercutido por todo o território, esmagando o poder que este grupo vinha a

gozar desde 712.149 Por outro lado, este massacre permitiu a ascendência daquele general,

que em 904 assassinou o Imperador, fazendo subir ao trono o último Imperador Tang,

Aidi.150 Este, ainda adolescente, não passou de uma marioneta política de Zhu Wen, que

o acabaria por depor, em 907, iniciando um período de fragmentação política e territorial,

que só viria a ser resolvida com a afirmação da dinastia Song (960 - 1279).151

O Budismo, durante a situação política e militar acima descrita, ao longo do século

IX, viu-se paulatinamente enfraquecido. Se no reinado de Xuanzong já tinha visto a

sangha ser reduzida e controlada pelo estado, com Wuzong, a partir de 845, esta foi

gravemente lesada. Com a perda da sua riqueza, decorrentes das expropriações que foram

levadas a cabo pelo poder central, o Budismo deixava de ter a força necessária para se

impor, com a agravante de ver a sua comunidade monástica reduzida a um número

mínimo de membros. Deste modo, o Budismo perdeu a capacidade de chegar a múltiplos

setores da sociedade chinesa, sendo que a sua produção literária e artística praticamente

cessou. Com toda a instabilidade vivida nesta época, não houve condições para o

surgimento de novas escolas budistas em solo chinês, sendo que a sua presença aqui se

manteve nos séculos seguintes de forma muito residual. Semelhante ao que acontecera na

Índia, cerca de seiscentos anos antes, o Budismo sinizado encontrou espaço para

sobreviver e crescer fora do Império do Meio, mais precisamente no Japão, com a escola

Zen, e noutros contextos que tinham mantido fortes laços culturais com a China Tang,

como a Coreia e o Vietname.

II.3.4- Marcas da sinização do Budismo

Após se ter descrito o panorama político, é agora tempo de se analisar mais

detalhadamente o processo de sinização do Budismo. Devemos ter em atenção que o

Budismo que chegou à China já era bastante diferente do que tinha saído da Índia, em

148 Cf. D. A. Graff, “Command, control and castration – Eunuch supervisors in the armies of the Tang dynasty”, in K. Roy e P. Lorge (ed.), Chinese and Indian Warfare – From the Classical Age to 1870, New York, Routledge, 2015, p. 206. 149 Cf. B. Shouyi, op. cit., p. 228. 150 Ibidem. 151 Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p. 72.

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virtude das diversas mutações que foi sofrendo ao longo da Rota da Seda, decorrentes do

contacto com variadas tradições locais. Assim, aquando da chegada ao País do Meio, esta

proposta religiosa integrava já múltiplas visões, sintetizadas na corrente Mahāyāna. Já

em terras chinesas, estas novidades voltaram a sofrer transformações, desta feita causadas

pela força civilizacional centrífuga chinesa, que conferiu à doutrina budista uma nova

roupagem, acomodando-a à matriz cultural e religiosa pré-existente naquele território,

nomeadamente a Taoista e Confucionista.

Este processo, iniciado cerca de 600 anos antes da ascensão da dinastia Tang, foi

marcado por duas fases. A primeira, correspondente, grosso modo, ao período da dinastia

Han, caracterizou-se pela forte transferência cultural que o Budismo sofreu, às portas do

mundo chinês, recebendo uma influência mútua, oriunda quer da Ásia Central quer da

China. A segunda fase, durante o período de fragmentação política, ficou caracterizada

pela infiltração do Budismo em diversas camadas sociais. Foi aqui que se foi

desenvolvendo aquilo que consideramos ser o Budismo chinês, ou seja, uma doutrina

configurada de modo a se aproximar e responder à realidade chinesa. Durante o período

Tang, identificamos o culminar deste processo, que se identifica em vários aspetos e que

em muito se deve às conceções trabalhadas pelas escolas que se formaram no País do

Meio sem antecedentes indianos, atrás referidas: Tiantai, Huayan, mas especialmente

Terra Pura e Chan.152

O primeiro aspeto que devemos analisar, e que se assume comum a todas estas

escolas, prende-se com a hierarquização efetuada nos textos. De modo a colmatar

incoerências entre as escrituras originárias da Índia e as elaboradas na China, procedeu-

se à divisão dos mesmos por antiguidade e por nível de ensinamentos, defendendo-se que

o próprio Buda teria predicado a sua doutrina, ao longo da vida, em diversos níveis de

profundidade, consoante o seu público. Assim, cada escola fez as suas seleções textuais,

advogando que as suas eram as que mais representavam os elevados ensinamentos de

Buda. O mesmo processo de seleção e hierarquização ocorreu com as práticas

meditativas, como o dhyana, que permitiam atingir a Iluminação.153

Um segundo aspeto, talvez o mais forte em termos de sinização do Budismo,

prende-se com os ritos. Na China, as práticas cúlticas budistas tornaram-se mais

152 Cf. C. Yü, Kuan-Yin: The Chinese Transformation of Avalokitesvara, New York, Columbia University Press, 2001, p. 18 153 Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p. 223 e 224.

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preponderantes, quando comparadas com o Budismo indiano original, que como vimos,

mostrou algumas resistências, numa fase inicial, ao desenvolvimento das mesmas. O

processo de complexificação ritualístico que o Budismo sofreu quando viajou ao longo

da Rota da Seda foi intensificado em território chinês, para responder à milenar tradição

cúltica chinesa. Note-se que desde o Neolítico estão atestadas práticas rituais das

comunidades chinesas, nomeadamente as que se focavam no culto aos antepassados. Com

efeito, deste este período que era costume enterrar defuntos com alimentos e bebidas, em

conjunto com objetos utilitários, ligado a crenças que visavam uma interdependência

entre os mortos e os vivos, em que estes últimos eram responsáveis pelo bem-estar pós-

morte dos seus antepassados.154

Aliás, posteriormente, a própria doutrina Confucionista, defendia a estruturação

da sociedade através do respeito aos antepassados. Nesta proposta filosófica chinesa

defendia-se que os filhos deviam prestar reverência aos seus pais, cristalizando o conceito

de piedade filial, que se tornaria transversal a toda a sociedade chinesa. No

Confucionismo, esta moral era manifestada nas práticas rituais e expressada em atitudes,

sempre orientadas em proporcionar o bem-estar do outro, e que em última instância tinha

em vista o alcançar da harmonia (ren).155

Neste sentido, observamos que as escolas acima mencionadas vão desenvolver

conceções cúlticas próprias, ligadas aos antepassados, através, por exemplo, da

formulação de lendas específicas, como é o caso das que se referem às figuras de Mulian

e de Dizang. Noutra vertente, também se desenvolveu a conceção de Inferno, que chegou

via Ásia Central. Provavelmente, esta construção criou a ligação entre o Budismo

original, onde a confissão de más ações em público tinha um papel de destaque, com a

adaptação chinesa do Inferno como castigo para os incumpridores das normas morais.

Acabou por se revelar sob o ideal pós-morte dos “10 Reis do Inferno”, em que o morto

seria levado por um desses reis para ser castigado pelos seus “pecados” mundanos. Este

conceito cristalizou-se entre os séculos VII e X, copiando o modelo dos tribunais Tang.156

Esta conceção manifestou-se em cultos e lendas criadas em torno da morte, assim como

nos festivais dos “espíritos famintos”. 157 No extremo oposto encontrou-se a conceção do

Paraíso, onde os que cumpriam os preceitos budistas podiam reencarnar, do qual é

154 Cf. P. B. Ebrey, op. cit., p. 21. 155 Idem, pp. 42 – 43. 156 Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p. 192. 157 Cf. X. Guan, “Buddhist Impact on Chinese Culture”, in Asian Philosophy, vol. 23, nº 4, 2013, p. 314.

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exemplo maior o “Paraíso da Terra Pura Ocidental”, que estaria sob a alçada de Amitabha.

Esta conceção assumiu-se como um dos princípios basilares da escola Terra Pura.158

No que respeita ao culto e às lendas relativas aos mortos, durante a dinastia Tang,

a figura de Ksitigarbha, que alcançou a China como um bodhisattva responsável pelo

Inferno, assumiu-se como um salvador dos seres em sofrimento neste plano, sob o nome

de Dizang.159 A incorporação de Dizang na cultura chinesa pareceu realçar a importância

da estrutura familiar e do dever dos descendentes cuidarem da salvação dos parentes e

dos espíritos domésticos, tão caraterísticos do pensamento chinês. É interessante notar

como o culto a este bodhisattva na China encontra-se atestado a partir do século VI,

enquanto na Índia só se encontram provas do mesmo no século VIII e de forma residual.

Estas diferenças demonstram, por um lado, que esta figura teve origem na Ásia Central e

que dali viajou tanto para a China como para a Índia; por outro os diferentes níveis de

receção da mesma, pois a sua importância em território chinês não é comparável ao seu

papel em contexto indiano.160

Por seu lado, a história de Mulian parece ter origem na tradição oral indiana, onde

assumia o nome de Maudgalyayana.161 Contudo, não existem provas textuais oriundas do

exterior do mundo chinês, sendo que o primeiro texto que surgiu na China foi composto

entre o século IV e V, o Sutra Yulan Bowl. Nesta primeira versão, Mulian queria salvar

os pais do sofrimento pós-morte. Vendo que a sua mãe tinha renascido entre fantasmas

que se encontravam privados de alimento, e sendo incapaz de a alimentar, recorreu a

Buda. Este ter-lhe-ia dito que os “pecados” da mãe eram grandes, e que se Mulian a

quisesse salvar teria de buscar o poder espiritual da comunidade monástica, oferecendo

taças de arroz aos monges no dia 15 do 7º mês, afirmando que esta seria a maneira de

salvar os parentes do Inferno. Já na dinastia Tang, por volta de 800, a lenda de Mulian

tomou novos moldes, canonizados no “Texto transformador de Maha-Maudgalyanana

salvando a sua Mãe do Reino da Escuridão”, em que o herói da história passou a ser

representado como um filho de um pai devoto e de uma mãe que havia abandonado a vida

de piedade após a morte do marido. Mulian, após o falecimento da mãe, tinha-se tornado

158 Cf. M. Unno, Buddhism and Psycothearpy Across Cultures: Essays on Theories and Practices, Somerville, Wisdom Publications, Inc., 2006, p. 285. 159 Ibidem. 160 Cf. Z. Ng., The Making of a Savior Bodhisattva – Dizang in Medieval China, Honolulu, University of Hawai’i Press, 2007, pp. 2 – 9. 161 Cf. R. Berenzkin, Many Faces of Mulian: The Precious Scrolls of Late Imperial China, Seattle, University of Washington Press, 2017, p. xi.

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monge, e confirmado o renascimento do pai no Paraíso, enquanto a progenitora tinha sido

condenada ao Inferno. Esta seria sido libertada através da ação de Buda e da devoção do

filho, sendo reencarnada num fantasma faminto, depois num cão e finalmente no

Paraíso.162 Note-se que esta lenda reúne diversas características do Budismo Chinês

acima referidas, como a conceção de Inferno, bem como o ideal de reencarnação num

Paraíso, muito notório na escola Terra Pura, além de se aproximar das questões filiais

patentes na cultura tradicional chinesa. Note-se ainda que esta lenda era celebrada num

festival muito popular na dinastia Tang, o Yulanpen, ou “Festival dos Espíritos”, que seria

celebrado no 15º dia do 7º mês lunar, com o objetivo de salvar as “almas” dos parentes

do Inferno. 163

Várias outras festividades litúrgicas chinesas, também foram assumidas pelo

Budismo. Um desses festivais era o aniversário de Buda, no 8º dia do 4º mês do calendário

lunar, cuja celebração ocorria nos mosteiros, sendo partilhada pela maioria da população,

mesmo aquela que não se definia como budista. Uma outra data festiva, o La Ba, que

coincidia com o fim de ano e que era marcado pela oferenda a deuses e ancestrais,

festejado no 8º dia do 12º mês, tornou-se, segundo a tradição budista chinesa, na data da

Iluminação de Buda.164

No respeitante às relações de parentesco, o Budismo Chinês da época Tang

introduziu novas características na comunidade monástica. Efetivamente, é neste período

que se começou a celebrar casamentos entre pessoas vivas e espíritos, ou mesmo entre

dois espíritos, de modo a aplacar os problemas causados por espíritos infelizes.165 Por

outro lado, a sangha chinesa, numa perspetiva de se aproximar às crenças populares,

realizava exorcismos, como os xamãs e outros religiosos taoistas.166

Por outro lado, nos mosteiros construídos sob ordens imperais, decorriam

cerimónias de celebração de aniversários de governantes e membros da família real, bem

como serviços memoriais de imperadores e imperatrizes consortes que já tinham falecido.

Os monges realizavam ainda ritos mortuários coletivos para soldados perecidos em

campanhas. Tomando ainda um papel interventivo na guerra, que como vimos acaba por

162 Cf. B. Grant e W. L. Idema, Escape from Blood Pond Hell – The Tales of Mulian and Woman Huang, Seattle, University of Washington Press, 2011, pp. 5 – 7. 163 Cf. X. Guan, art. cit., p. 315. 164Ibidem. 165 Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p.179. 166 Cf. C. Benn, op. cit., p. 240.

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ser constante no período Tang, os mosteiros procediam, a mando do Imperador, à

recitação do sutra Ren Wang Jing, ou “Escritura dos Reis Humanos”, redigido no século

V, e que tinha como objetivo invocar exércitos de espíritos e outros poderes para ajudarem

na defesa do território.167 No decorrer destes festivais e cerimónias, era também usual a

realização de banquetes vegetarianos, oferecidos às populações.168

Estas cerimónias, lideradas pela sangha, fortaleceram, em certa medida, a ligação

entre o Budismo e a ideologia real chinesa, marcadamente confucionista. Esta, expressa

nas conceções do “Filho do Céu” e do “Mandato Celeste”, defendia que o rei/imperador

tinha a legitimidade e condições de estabilidade para governar enquanto tivesse um

favorecimento da entidade celeste, Tian, devendo cumprir com a sua vontade. Caso

entrasse em conflito com as vontades superiores, esse favorecimento poderia ser

transferido para outro indivíduo.169 Assim, estas cerimónias budistas parecem

corresponder ao mesmo princípio, uma vez que o Imperador recorria à ajuda de entidades

budistas para manter a estabilidade do seu domínio e para o defender de inimigos

externos, de modo a manter a sua legitimidade governativa.

Outra grande alteração prende-se com o culto às relíquias que se desenvolveu

exponencialmente a par da organização patriarcal da sangha. No período Tang,

efetivamente, o Budismo Chinês desenvolveu uma particularidade muito própria, o

Patriarcado, que espelhava a própria lógica da sociedade patriarcal chinesa. Este sistema

consistiu na criação de genealogias que organizavam os mestres e discípulos das

respetivas escolas, estabelecendo as ligações entre estes, até firmarem ligações aos

fundadores de cada corrente, fossem eles reais ou imaginários.170 Tendo sido uma ideia

pioneira da escola Tiantai, foi a escola Chan que mais destaque deu a esta prática,

utilizando-a como base à sua fundação171

Por sua vez, a veneração de relíquias, que como vimos se assumiu como central

ao culto budista, desde os seus primórdios, foi adaptada na China, com maior força a

partir do séc. V. Apesar de, inicialmente, manter uma posição marginal face a

peregrinações de crentes, a posição da China inverteu-se na dinastia Sui, quando foram

adquiridas múltiplas relíquias. A partir desta dinastia, começaram a surgir peregrinações

167 Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p. 215. 168 Cf. C. Benn, op. cit., pp. 137 e 138. 169 Cf. P. B. Ebrey, op. cit., pp. 30-33. 170 Cf. E. Lyons e H. Peters, op. cit., p. 25. 171 Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p. 224.

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ao mundo chinês, tando de monges indianos como de crentes provenientes da península

coreana. Deste modo, a partir de 600, o País do Meio tornou-se num centro do mundo

budista, passando a ser um local onde se buscavam sítios sagrados, fazendo-se

peregrinações aos relicários chineses.172

O primeiro local de peregrinação budista, durante a época Tang, foi o Monte

Wutai, no Shanxi. Este surge associado a um bodhisattva de origem indiana, Manjusri,

que também salvava os espíritos do sofrimento, transformando-os em seres sencientes.

Este local, a partir de 664, passou a ser relacionado com o “Monte dos Cinco Cumes”

patentes na forma indiana do bodhisattva, como seu local de residência.173 Deste modo,

o centro do seu culto foi transferido para terras chinesas, contribuindo para a afirmação

do País do Meio como centro do mundo budista.

Esta afirmação da China recorreu à corrente de pensamento que defendia que o

dharma revelado por Buda estaria condenado a ser corrompido e a desaparecer. Esta ideia

estava já, nos séculos V e VI, disseminada por toda a China, em parte devido à pressão

taoista e às tentativas de repressão do Budismo ocorridas em 446 e em 574. Contudo, com

o ressurgimento em força do Budismo nas dinastias Sui e Tang, esta doutrina foi

reinterpretada, passando a afirmar que o Budismo se estava a extinguir na Índia, o que

faria do País do Meio o novo centro budista. A Imperatriz Wu utilizou uma versão desta

teoria para se legitimar, nomeadamente a que referia que seria Maitreya a restaurar a

doutrina, descendo ao mundo terreno. Assim, através do sutra Dayunjing, Wu fez-se

associar a Maitreya, como antes se verificou.174

No que diz respeito aos mosteiros, também estes acabaram por se moldar, em

diferentes aspetos, ao mundo chinês. Os mosteiros budistas, na dinastia Tang, estavam

disseminados por todo o Império, marcando fortemente, a par de templos de outras

religiões, a cidade capital. De facto, em qualquer ponto de Chang’an era possível

encontrar mosteiros ou capelas dedicadas ao Budismo [Anexo A, Mapa 14]. Apesar de

existirem templos do Nestorianismo, do Zoroastrismo, e sobretudo do Taoismo,

estimava-se que a instituição budista possuísse mais do dobro de edifícios do que qualquer

outra religião. Efetivamente, até nos espaços restritos do Palácio Imperial se podiam

172 Idem, pp. 220 e 221. 173 Idem, p. 221. 174 Idem, p. 222.

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encontrar diversos edifícios budistas.175 Encontrando-se tanto em espaços urbanos como

rurais, os mosteiros budistas Tang tomavam características próprias, assemelhando-se às

demais construções chinesas, como palácios imperiais, ou edifícios residenciais das elites,

refletindo os estilos arquitetónicos utilizados pelos seus patrocinadores.176

Devemos destacar a tentativa de alterar o espaço sagrado chinês da escola Chan.

Apesar dos locais de culto e peregrinação dos seguidores desta escola se manterem iguais

aos tradicionais, isto é, pagodas com relíquias, os peregrinos Chan começaram a

desvalorizar aqueles que estavam simbolicamente ligados a Buda, em detrimento de

novos locais ligados a mestres patriarcas desta escola, nomeadamente aqueles que

continham relíquias de tais mestres, incluindo os seus corpos mumificados. Numa

primeira fase, tentaram desenvolver centros de culto nos espaços urbanos, angariando

patrocínios imperiais. A partir do século VIII, contudo, estes espaços acabaram por ser

recolocados em espaços provinciais, estando dependentes da sua capacidade de convocar

crentes e, naturalmente, as suas respetivas doações.177

Patrocinados pelo estado, os mosteiros começaram a desempenhar também o

papel de albergues a viajantes. Além dessa função, e a par da produção cultural e religiosa,

os mosteiros da dinastia Tang prestavam diversos serviços sociais, como assistência a

doentes, alimentação aos desfavorecidos, acolhimento de órfãos e de idosos, construindo

ainda estradas, pontes e canais de navegação.178 A par da sua própria economia, a

presença de mosteiros em diversas localidades, sobretudo nas rurais, teve um profundo

impacto nas economias locais, uma vez que em dias de festividades se formavam

mercados e feiras de província.179 Note-se, ainda, que devido às crescentes doações, estes

mosteiros tornaram-se donos de enorme riqueza.180

Com a escola Chan, a sangha tornou-se autossuficiente a nível económico,

abandonando a prática do peditório e desenvolvendo a produção agrícola própria em

terras doadas aos mosteiros. 181 Paralelamente, esta escola alterou a vida monástica, com

175 Idem, pp. 92 e 93. 176 Cf. F. Xinian, “The Sui, Tang, and Five dynasties”, in N. S. Steinhardt (ed.), Chinese Architecture, New York e China, Yale University Press e New World Press, 2002, p. 110. 177 Cf. B. Faure, “Relics and Flesh Bodies: The Creation of Chan Pilgrimage Sites”, in S. Nanquin e C. Yü (ed.), Pilgrims and Sacred Sites in China, Berkeley, University of California Press, 1992, pp.150-152. 178 Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p. 218 179 Idem, p. 215. 180 Cf. C. Benn, op. cit., p. 61. 181 Cf. N. Huai-Chin, op. cit., p. 95.

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especial enfoque em dois principais vetores: em primeiro lugar, quebraram com a

formalidade rígida em termos de crenças supersticiosas no seio monástico, acreditando

que o caminho para o Despertar era um objetivo coletivo, recorrendo a práticas físicas e

mentais para o alcançar. Nesta perspetiva coletiva, a escola Chan recorria a

professores/mestres que guiavam os alunos nas práticas para atingir a Iluminação. Em

segundo lugar, de modo a adaptar as regras de disciplina indianas ao contexto cultural

chinês, integraram um conjunto de novas normas, as “Regras Puras de Baizhang”, que

correspondiam ao modelo moral de conduta coletiva e individual vigente no País do

Meio.182 Além disso, esta escola começou, a nível doutrinário, a dar mais importância à

possibilidade de se atingir a Iluminação em vida e às experiências pessoais de cada

indivíduo.183

No caminho feito pelo Budismo, via Rota da Seda, os stupas também se foram

transformando. Numa fase inicial, na Índia, esta construção arquitetónica tomava a forma

de uma redoma ovoide, primeiro construída em terra e depois em pedra. Já no percurso

efetuado pela Ásia Central, esta construção foi tomando uma forma mais alongada,

embora mantivesse a forma circular. Quando os stupas chegaram à China, estavam já

configuradas na forma de torres, sendo que no País do Meio voltariam a sofrer alterações,

de modo a se articularem com os paradigmas arquitetónicos chineses. Assim, as torres

passaram a ter forma quadrangular, sendo divididas em diversos andares assumindo a

forma de pagoda, que com o decorrer do tempo, foram crescendo até se tornarem

monumentos colossais. Na China, as pagodas perderam ainda o lugar central do culto,

sendo substituídas por salões/halls de Buda, que possuíam esculturas de diversas

divindades budistas. 184 Já na dinastia Tang, a construção quer de pagodas quer de halls

continuou a florescer, surgindo um novo modelo, o de pagodas gémeas, colocadas em

pontos paralelos dos pátios ou defronte aos halls de Buda.185

Outra grande alteração que o Budismo sofreu no País do Meio prende-se com as

entidades budistas, nomeadamente dos Budas e dos bodhisattvas. Foram, de facto, além

de Manjusri, diversas as entidades budistas que ganharam popularidade na China,

182 Ibidem. 183 Cf. M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire …, p. 225. 184 Cf. F. Xinian, “The Three Kingdoms, Western and Eastern Jin, and Northern and Southern Dynasties”, in N. S. Steinhardt (ed.), Chinese Architecture, New York e China, Yale University Press e New World Press, 2002, pp. 79 e 85. 185 Cf. F. Xinian, “The Sui, Tang, …”, pp. 118.

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influenciando e sendo influenciadas pelas crenças populares chinesas. Maitreya, por

exemplo, viu o seu nome transformado para Milefo, tornando-se, no final da dinastia

Tang, no conhecido Buda Sorridente, assumindo uma aparência jovial e obesa, divergente

da imagem inicial.186

Avalokitesvara, por seu lado, tomou o nome de Guanyin, assumindo uma

identidade feminina, e começando a ser adorada como uma bodhisattva de misericórdia,

tornando-se uma das entidades mais aclamadas e representadas durante a dinastia Tang

187 A transformação de Guanyin numa divindade feminina na China parece ter sido um

caso único. Efetivamente, no sutra de Lótus indiano, Avalokitesvara era apresentado

como tendo 33 formas distintas, das quais apenas sete eram femininas. Por sua vez, na

versão chinesa, que servia de base às crenças da escola Terra Pura, Guanyin foi

apresentada com 33 formas femininas.188

Por último, destaque-se a entidade budista Hariti, um espírito que tivera 500 filhos

que eram utilizados para devorar os filhos dos vivos, que foi transformada, na China, no

“Espírito Mãe da Criança”, uma mulher de meia idade responsável pela proteção de todas

as crianças.189 Este processo revela uma suavização do papel feminino desta entidade,

que por norma possuía características salvíficas e de misericórdia no mundo chinês.

Todas estas alterações acabaram por marcar, também, a literatura chinesa.

Efetivamente, foi com os monges budistas que se começou a utilizar linguagem vernácula

na literatura, deixando de lado uma linguagem mais refinada, de modo a expressar, mais

facilmente, as conceções desta religião. Além disso, com a afirmação da escola Chan, na

dinastia Tang, os seus monges influenciaram as temáticas poéticas, recorrendo a este

estilo literário para descreverem as suas experiências pessoais e as atitudes que tomavam

no decorrer do seu dia a dia, que como se viu, tornou-se num ponto fulcral da sua

doutrina.190

Como se pode verificar, a China Tang ficou, de facto, marcada pelo surgimento

de um novo Budismo, mais adequado à sua realidade. Não só se criaram escolas mais

próximas do contexto cultural chinês, como se recriaram e se adaptaram mitos e

186 Cf. X. Guan, art. cit., p. 313. 187 Ibidem. 188 Cf. C. Yü, op. cit., pp. 18 e 19. 189 Cf. X. Guan, art. cit., p. 314. 190 Idem, p. 317.

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personagens. Também a sangha se adaptou ao mundo chinês, aproximando-se da

realidade pré-existente, e os mosteiros e stupas adquiriram características da arquitetura

chinesa. Note-se, contudo, que apesar do surgimento de um Budismo sinizado, foram

muitas a vozes que continuaram a clamar que esta religião era estrangeira. Um dos mais

marcantes períodos de crítica ao Budismo ocorreu entre 842 e 845, no reinado de

Wuzong, com os éditos imperiais que pretendiam expulsar os estrangeiros do território

chinês. Estes acabaram por impactar a comunidade monástica, que como se viu

anteriormente foi gravemente reprimida.191

Paralelamente a todas as mudanças acima referidas, também as representações

artísticas budistas sofreram alterações. Partindo de uma base indiana que se reconstruiu

ao longo da Rota da Seda, a arte budista adequou-se aos modelos chineses, como veremos

no próximo capítulo.

191 Cf. J. Gernet, A History of Chinese Civilization, Cambridge, Cambridge University Press, 1996, pp. 194 – 196.

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Capítulo III – As representações artísticas budistas no I milénio

Como vimos anteriormente, as questões teóricas e práticas do Budismo não se

mantiveram iguais desde a sua génese, no contexto gangético. Do mesmo modo, as

expressões artísticas ligadas a esta religião foram-se alterando, primeiro em terreno

indiano, e depois no curso da Rota da Seda. Assim, as representações que chegaram à

China já não correspondiam, em fidelidade, aos modelos indianos, sendo que ainda

sofreram alterações sinizantes. É, então, neste capítulo que se procederá à análise deste

processo transformativo e transmissor das características artístico-pictóricas, com

especial enfoque nas peças Tang patentes na coleção permanente do Museu do Centro

Científico e Cultural de Macau.

III.1 Da arte Indiana às representações na Ásia Central

Logo após o paranirvāna, os mitos sobre a vida de Siddhartha foram crescendo

exponencialmente. Porém, nos séculos posteriores não houve produção artística que

refletisse os mitos criados em torno da personagem central do Budismo. De facto, só no

século I a.C. é que surgiram as primeiras representações de Buda. 1 Neste período inicial,

contudo, Buda não era representado na forma humana, mas sim através de símbolos a ele

associados.2 Estes, por norma, prendiam-se a eventos da sua vida, nomeadamente: a sua

conceção, representada por um elefante a entrar no ventre da mãe de Siddhartha; o seu

nascimento, representado por uma flor de lótus; o abandono da vida no palácio, cujo

símbolo era um cavalo; a sua Iluminação, simbolizada por um trono vazio, em baixo de

uma árvore, com duas pegadas, ou simplesmente pela árvore; o seu primeiro sermão, em

Benares, que se representava pela roda do dharma; e por último, o paranirvāna

simbolizado através de um stupa [Anexo D, Imagens 1-3].3

Neste período também se nota a utilização mais sistemática da pedra como matéria

base das representações, deixando-se de lado materiais mais frágeis como o tijolo, a

madeira e o bambu. Deste modo, os stupas passaram a contar com decorações neste

1 Cf. M. McArthur, Reading Buddhist Art – An Illustrated Guide to Buddhist Signs & Symbols, New York, Thames & Hudson, 2004, p. 13. 2 Cf. R. Fais, Birth of the Buddha in the Early Buddhist Art Schools, in Pontillo, T. e Candotti, M. P., Signless Signification in Ancient India and Beyond, London, Anthem Press, 2013, pp. 239-260, p. 239. 3 Cf. Y. Krishan, The Buddha Image – Its Origin and Developement, New Delhi, Munshiram Monoharlal Publishers Pvt. Ltd., 1996, p. 1.

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material mais duradouro, como painéis e portais, adornados com baixos-relevos e

esculturas que expressavam as temáticas acima enunciadas.4

A utilização de símbolos para representar Buda poderá estar relacionada com

certas questões levantadas pela corrente Theravada. Efetivamente, nesta tradição,

defendia-se que Buda não podia ser representado em termos antropomórficos, dado ter

quebrado o ciclo de reencarnações e, por isso, ter-se dissolvido aquando do paranirvāna.

Por outro lado, para esta corrente, Buda tinha tido uma existência humana, logo não

deveria ser divinizado e cultuado, algo que a sua representação artística antropomórfica

poderia pressupor. Contudo, em alguns locais indianos onde se encontram estas

representações simbólicas, como por exemplo em Bharhut ou Sanchi, encontram-se

também inscrições que atestam que tais símbolos eram alvo de culto por parte da

comunidade leiga. 5

Tal como noutros aspetos da construção religiosa budista inicial, que abordámos

anteriormente, nota-se uma vez mais a ativa participação secular no estabelecimento e

discussão dos cânones artísticos, assim como nos contributos para a afirmação das

correntes Mahāyāna e Theravada.6 De facto, o desenvolvimento da imagem

antropomórfica de Buda, que surgiu por volta do séc. I d. C, já durante a dinastia Kushana,

nomeadamente nos centros budistas de Mathura e Gandhara [Anexo A, Mapa 4]

respondeu ao crescente devocionismo indiano, e, consequentemente, ao fortalecimento

da corrente Mahāyāna, que chamou ao plano artístico representações de outras

divindades.7

Note-se, contudo, que nos dois centros budistas acima referidos surgiram modelos

artísticos que seguiam duas tradições distintas. Em Mathura, as representações de Buda

ficaram mais ligadas à matriz indiana, enquanto que em Gandhara, emergiu uma figura

antropomórfica de Buda que possuía traços fisionómicos decorrentes da tradição greco-

romana, cuja presença na Ásia Central se deveu ao processo de helenização, via as

4 Cf. V. Dehejia, Buddhism and Buddhist Art, in Metropolitan Museum of Arts, https://metmuseum.org/toah/hd/budd/hd_budd.htm, 2007, consultado pela última vez a 12/09/2018 5 Idem, pp. 12-14. 6 A corrente Theravada acabará por ter as suas próprias representações antropomórficas de Buda, sendo que ainda hoje a comunidade académica se debate sobre o início deste tipo de representações nas diversas correntes budistas. Sobre esta questão veja-se, por exemplo S. L. Huntington, “Early Buddhist Art and the Theory of Aniconism”, in Art Journal, Vol. 49, No. 4, New York, College Art Association, 1990 pp. 401 - 408. 7 Cf. M. McArthur, op. cit., p. 14.

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conquistas de Alexandre, o Grande. Consequentemente, a arte de Gandhara também ficou

conhecida como estilo greco-budista.8

Relativamente à imagética de Buda na arte de Mathura, esta caraterizava-se por

representar Siddhartha com um rosto amigável, de olhos abertos e boca suavemente

sorridente. O seu corpo era representado segundo as proporções indianas, com ombros

largos e cintura estreita, vestindo um saiote (dhoti), em que uma das pontas cobria o

ombro esquerdo9. Apresentava sinais anatómicos que indicavam características

específicas de Buda, como uma protuberância no crânio (ushnisha), descrita em certos

textos como sendo uma espécie de reservatório para a sabedoria que Siddhartha tinha

adquirido aquando da Iluminação, e que era coberta por cabelos curtos e em forma de

caracol.10 A sua postura, ora sentado ora em pé, seguia a conceção popular indiana da

realeza. Numa pose frontal, o corpo de Buda ganhava coxas e pernas arredondadas, com

a parte média da barriga elevada e, no peito, mamilos carnudos e baixos. O pescoço

detinha três pregas, sendo que a nível facial, surgiam círculos incisos entre as

sobrancelhas, que simbolizavam a sabedoria, e lóbulos das orelhas alongados, sinal de

realeza, uma vez que se tornavam descaídos pelo uso de joalharia pesada [Anexo D,

Imagem 4].11

No que respeita à figura de Buda em Gandhara, as influências para os artífices desta

escola manifestam os múltiplos processos de transferência cultural que a Rota da Seda

sempre estimulou. Às feições de Apolo, foi-se buscar os traços faciais essenciais, sendo

ainda transformado o ushnisha num penteado tipo coque, associado naquelas paragens a

essa mesma divindade. As vestes de Buda evocavam as togas romanas, cobrindo os dois

ombros, e com múltiplos drapeados que caiam pesadamente pelo seu corpo.12 Por outro

lado, ecos das convenções iranianas, no que respeitava a representação de Ahura Mazda,

8 Cf. D. P. Leidy, “Buddhism and Buddhist Sculpture in China – A Brief Overview”, in D. P. Leidy e D. K. Strahan, Wisdom Embodied – Chinese Buddhist and Daoist sculpture in the Metropolitan Museum of Art, New York, Metropolitan Museum of Art, 2000, pp. 3-26, pp. 4-6. 9 Cf. U. Singh, A History of Ancient and Early Medieval India – From the Stone Age to the 12th Century, London, Pearson Education Ltd., 2008, p. 464. 10 Cf. B. Rowland Jr., The Evolution of the Buddha Image, The Asia Society INC., New York, 1963, pp. 9-12 11 Cf. W. Willetts, Foundation of Chinese Art – From Neolithic pottery to Modern Architecture, London, Thames & Hudson, 1965, pp. 184-185. 12 Cf. B. Rowland Jr., op. cit., pp. 9-11.

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divindade do Zoroastrismo, através de um disco solar, faziam-se sentir na atribuição de

halos/nimbos tanto a Buda, como a outras entidades budistas [Anexo C, Imagem 5].13

Note-se que a influência iraniana predominou nos territórios da Rota da Seda mais

Ocidentais, nomeadamente a partir da afirmação dos Sassânidas (200-635), que chegaram

a anexar a região de Gandhara [Anexo A, Mapa 8]. No espaço controlado por estes, os

templos em grutas acabaram por receber influência dos templos zoroastristas,

transformando o espaço do hall, onde se encontrava o stupa, em formas quadradas,

ladeadas por dois corredores; bem como a forma do próprio stupa, que passou a ser

representado por um pilar quadrangular. A nível iconográfico, a arte sassânida

influenciou a imagética dos bodhisattvas, sobretudo no respeitante às coroas e lenços

usados pelos mesmos. Em relação a Buda, este passou a ser representado com chamas a

elevarem-se dos ombros, sendo que Maitreya adquiriu uma nova postura, sentado com as

pernas pendentes, cruzadas pelos tornozelos, quando o objetivo era representar o Buda

do Futuro no paraíso.14

Regressando a Gandhara, nota-se também neste estilo a presença de elementos

indianos, como a manutenção da simbologia do leão, que em Mathura também se fazia

sentir, e cujo uso se tinha desenvolvido durante o reinado de Ashoka. Este elemento felino

surgiu em Gandhara associado às lendas relativas às vidas passadas de Buda.15 Nesta

corrente artística, a figura de Siddhartha antes de ter atingido a Iluminação também era

contemplada, apresentando diversos adornos, como diademas, colares e pulseiras.16 Estes

objetos viriam, mais tarde, a ser associados aos bodhisattvas, uma vez que representavam

a ligação ao mundo terreno.17

Durante o século II, as conceções de Gandhara e Mathura foram-se influenciando,

originando um estilo sintetizado, que partiu para a Ásia Central até à China, deixando as

suas marcas no atual Afeganistão e nos oásis da bacia do Tarim. Exemplos desta

13 Para um entendimento mais aprofundado do Zoroastrismo, veja-se Boyce, M., Zoroatrians: Their Religious Belifs and Practices, New York, Routledge, 2000. 14 Cf. B. N. Puri, Buddhism in Central Asia, Delhi, Motilal Banarsidass Publishers Private Limited, 1993, p. 284. 15 Cf. S. Mitra, Gir Forest and the Saga of the Asiatic Lion, New Delhi, Indus Publishing Company, 2005, p. 36. 16 Cf. V. Dehejia, art. cit. 17Cf. M. Kamata, M. e M. E. Shaw, “A New Identity: The Vow of a Being Destined for Enlightenment -Bodhisattvas: Perfected Beings as Exemplars”, pp. 176-207, in J. C. Huntington e D. Bangdel, The Circle of Bliss – Buddhist Meditational Art, Ohio, Columbus Museum of Art, e Chicago, Serindia Publications Inc., 2003, p. 176.

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transferência são as vestes de influência greco-romana, que Gandhara emprestou a

Mathura. Aqui, estas foram trabalhadas, com o objetivo de se tornarem mais leves e

reveladoras de detalhes anatómicos. Os drapeados foram reduzidos a linhas simétricas

que caiam pelo corpo a partir dos ombros, fazendo com que os volumes fossem criados

pela estrutura corporal, e não pela representação da veste. Este tipo de trabalho oferecia,

assim, uma sensação de quase transparência do tecido. Devolvido a Gandhara, este estilo

difundiu-se, então, pela Rota da Seda.18

Após a queda do poder Kushana, no primeiro quartel do século IV, os Gupta

tornaram-se os governantes em Magadha19, onde surgiu um novo estilo artístico. Este

período ficou conhecido como a época dourada da arte budista indiana, em que se fixaram

normas estéticas, baseando-se nas tradições artísticas pré-existentes, e em que se procurou

alcançar uma imagem idealizada de Buda. 20 As vestes tornaram-se ainda mais estilizadas,

sendo formadas por um conjunto complexo de linhas, em seguimento das transformações

acima descritas.21 Por outro lado, o halo/nimbo foi complexificado, sendo adornado com

motivos florais. A cabeça de Buda ficou mais suave e ovoide, adquirindo um rosto mais

sereno, com os olhos em forma de pétalas de lótus, e as linhas da testa e das sobrancelhas

mais arqueadas. O cabelo foi, também, redefinido em forma de caracóis individuais,

assumindo-se que Sakyamuni o tinha rapado quando renunciou à sua vida palaciana. A

nível corporal, o modelo da tradição de Mathura foi acentuado, com o peito mais largo

do que a cintura [Anexo D, Imagem 6]. 22

O culto dos bodhisattvas, durante o período Gupta, tornou-se mais marcado,

sobretudo no que diz respeito a Maitreya e a Avalokitesvara, sendo que se assistiu ainda

à introdução de novas entidades budistas, derivadas do panteão bramânico, como Tārā e

Vaisravana23. Note-se que este período corresponde à forte difusão do Mahāyāna, sendo

que várias escolas desta corrente se começaram a manifestar em territórios extra-indianos,

como vimos. A dilatação do panteão budista Mahāyāna acarretou, assim, uma

multiplicação de representações das suas entidades, o que, consequentemente, reduziu a

18 Cf. W. Willetts, op. cit., pp. 187-189. 19 Cf. P. Jermsawatdi, Thai Art with Indian Influence, Delhi, Abhinav Publications, 1997, p. 49. 20 Cf. V. Dehejia, art. cit. 21 Cf. B. Rowland Jr., op. cit., p. 12. 22 Cf. P. Jermsawatdi, op. cit., p.49. 23 Tārā, divindade feminina, seria mais tarde associada a Avalokitesvara, funcionando como sua parceira, e que, segundo lendas, teria nascido de uma lágrima desse bodhisattva da compaixão. Vaisrava é o Lokapala guardião do Norte e do Inverno, e possivelmente adaptado da divindade Kubera. Cf. M. McArthur, op. cit., p. 47 e p. 67, respetivamente.

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representação de Sakyamuni. Desta época, assistiu-se também ao aumento da variedade

de mūdras que foram sendo adicionados às representações de Buda, sendo que se

introduziu ainda uma postura reclinada do mesmo.24

A representação de Buda convencionada com os Gupta tornou-se no modelo que seria

seguido pelos artistas indianos vindouros, mas não só. Este modelo difundiu-se pelas

regiões do Sudeste asiático, via Rota da Seda marítima, mas também para a China, via

rotas terrestres, uma vez que peregrinos chineses e indianos levaram estes novas formas

de representação para o País do Meio.25 Aliás, no que respeita ao caminho percorrido

através da Ásia Central, devemos sublinhar como estas correntes artísticas – de Gandhara,

de Mathura e Gupta – adaptaram-se ao gosto e referências locais, à semelhança do que

aconteceu com os sutras, que foram sendo editados, no processo de tradução para as

línguas nativas das regiões de chegada.

Os trabalhos artísticos da Índia e da Ásia Central partilharam, então, os mesmos

grandes temas, sobretudo no que dizia respeito à representação de Buda, de bodhisattvas

e de discípulos importantes, mas também alguns motivos específicos, como é o caso do

uso dos apsarases, figuras mitológicas indianas que se deitavam sobre seda em nuvens,

marcando a sua superioridade ao mundo terreno.26 Contudo, sentia-se a marca

local/regional em diversos outros aspetos. Na pintura, por exemplo, as representações

antropomórficas foram adotando novos traços faciais, cores de pele e vestuário.

Simultaneamente, as representações pictóricas dos paraísos de alguns Budas

apresentavam características específicas, não só dos estilos arquitetónicos locais, mas

também da flora regional.27

As transformações sentiram-se, assim, tanto em pequenos pormenores como em

grandes conceções, sendo marcadas por influências cruzadas de múltiplas origens. Note-

se ainda o papel dos patrocinadores e doadores budistas, ao longo da Rota da Seda, já que

estes faziam-se representar, muitas vezes, nas pinturas e nos baixos-relevos dos mosteiros

que apoiavam, numa lógica de imortalizar as suas contribuições, adquirindo assim o

24 Cf. P. Jermsawatdi, op. cit., p.49. 25 Cf. V. Dehejia, art. cit. 26 Cf. L. Xinru, The Silk Road in World History, Oxford, Oxford University Press, 2010, pp. 65-66. 27 Cf. A. Getty, The Gods of Northern Buddhism – Their History, Iconography and Progressive Evolution Through the Northern Buddhist Countries, Clarendon Press, 1914, p. xliv.

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mérito necessário à salvação. Assim, não só estes indivíduos agiam como mecenas, como

eles próprios influenciavam os motivos iconográficos representados. 28

Os estilos que chegaram à China foram, então, alvo de múltiplos processos de

transformação no espaço da Ásia Central, nomeadamente nas rotas que circundavam o

deserto do Taklamakan, indo confluir nas Portas de Jade, no famoso complexo de Grutas

de Dunhuang [Anexo A, Mapa 5].29 Não sendo o foco do presente trabalho analisar

detalhadamente estes processos de transformação, devemos, contudo, referir alguns

núcleos que se destacaram na produção artística budista e que contribuíram para os

produtos que chegaram à China.

Em primeiro lugar, refira-se o grande oásis de Khotan, onde o modelo Gupta se fez

sentir com maior força, embora integrando vários traços iranianos.30 Aqui, nota-se a

introdução do uso de terracota pintada na escultura, bem como a predominância da cor

dourada. 31 Afirmando-se como ponto difusor, de Khotan os estilos viajaram para a região

de Kashgar, onde as expressões artísticas aproximaram-se mais do estilo indiano, e para

Kusha, onde se identifica o uso de uma nova cor de origem iraniana, o azul.

Temos, então, em segundo lugar, o oásis de Kusha, cuja pintura budista começou por

se caracterizar pela utilização de cores suaves, com traços mais finos, que contribuíam

para um efeito mais fluído dos drapeados das roupas. Com o tempo, este estilo acabou

por alargar o espectro de cores, afastando-se da quase monocromia inicial, chegando

mesmo a utilizar cores não naturais na representação de pele e de cabelos, sendo que os

traços de contorno se tornaram mais rígidos. A joalharia e os adornos na cabeça tornaram-

se, também, mais complexos e extravagantes, incluindo a representação de pérolas. O

fundo das pinturas era adornado com frutos e outros motivos florais, recorrendo-se a

montanhas estilizadas em preto, branco e verde, como pano de fundo para a representação

de lendas budistas.32

De Kusha, os estilos viajaram para os oásis da região de Turfan, onde se

acrescentaram influências Uigures, nomeadamente nos frescos ali identificados. O

28 Cf. L. Xinru, op. cit., pp. 65-66. 29 Idem, p. 257. 30 Cf. Puri, B. N., op. cit., pp. 255-256. 31 Cf. Getty, A., op. cit., p. xliv. 32 Cf. Härtel, H., Introduction, pp. 13-56, in Metropolitan Museum of Art, Along the Ancient Silk Routes – Central Asia Art – From the West Berlin Museums, New York, Metropolitan Museum of Art, 1982, pp. 47-48.

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impacto Uigur no complexo artístico de Dunhuang foi reduzido, mas não deixa de ser

interessante notar o contributo desta matriz de cariz nómada na arte budista da Ásia

Central. 33

Por fim, as Portas de Jade eram alcançadas, chegando aqui uma síntese artística, com

contributos greco-romanos, iranianos, indianos, uigures, entre outros. Ao receber esta

síntese, a China respondeu com os seus traços artísticos, originando, assim, a formação

de um sistema simbiótico, que se difundiu a partir de Dunhuang.

III.2 - A arte budista na China

No Budismo chinês, as imagens sempre tiveram um papel central, porque, desde logo,

os textos budistas que chegavam à China eram acompanhados por imagens, que

representavam entidades budistas, para melhor expressarem as conceções desta nova

religião. Note-se que segundo os ensinamentos da corrente Mahāyāna, as representações

de Budas e dos bodhisattvas eram vistas como intermediárias entre os pedidos dos crentes

e as próprias entidades, na lógica de transferência de mérito, anteriormente discutida.34

Paralelamente, no decorrer dos séc. II e III, o Budismo recorreu a expressões taoistas para

melhor transmitir os seus ensinamentos ao mundo chinês, sendo que o surgimento de

ícones budistas neste contexto também estimulou o desenvolvimento da representação

das divindades taoistas. Assim, as expressões artísticas budistas na China, especialmente

na pintura e na escultura, tiveram um profundo impacto na afirmação desta religião,

passando por múltiplas fases de desenvolvimento.

Recuando aos inícios da presença budista na China, durante a dinastia Han, nota-se

que as esculturas funerárias ilustravam principalmente cenas taoistas ou da história

chinesa. As expressões artísticas budistas que iam surgindo nesta época eram assim

residuais, embora já ligadas ao culto. As figuras escultóricas apresentavam-se austeras e

simples, sendo que o corpo da peça não tinha um papel relevante, nem expressava

naturalidade ou tensão meditativa. Por vezes, o corpo apresentava-se

desproporcionalmente pequeno em relação à cabeça, sendo que as vestes eram muito

33 Cf. A. Getty, op. cit., p. xliv. 34 Cf. J. Kiechnick, The Impact of Buddhism on Material Culture, Princeton, Princeton University Press, 2003, p. 53-55

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esquematizadas, com os drapeados reduzidos a linhas, relembrando a arte de Mathura,

mas sem revelar as formas do corpo. Outra característica da escultura budista chinesa

deste período era a predominância do trabalho na parte frontal da estátua, uma vez que,

nos templos em grutas, estas deviam ser apenas observadas de frente, como acontecia em

nichos e estelas.35

A evolução posterior da estatuária chinesa ficou marcada pelos constantes contactos

com a Índia, de onde recebeu influência dos seus modelos. A chegada de imagens de

Budas e de bodhisattvas notou-se sobretudo a partir do Período dos 3 Reinos (c. 220-

280)36, sendo que na dinastia dos Jin Ocidentais (265-316), no Sul chinês, surgiram

também figuras que seguiam já o modelo da tradição de Gandhara.37

A partir daqui identificam-se várias fases de desenvolvimento: uma primeira fase, que

ocorreu entre as dinastias dos Wei do Norte (385-535) e a dos Wei do Oeste (535-557); a

segunda fase que decorreu ao longo das dinastias dos Qi do Norte (550-577), dos Zhou

do Norte (557-580), e dos Sui (580-618); e uma terceira fase, durante a dinastia Tang

(618-907). 38 Nestes períodos, recorreu-se a diferentes tipos de escultura: estátuas votivas

em bronze e de pequena dimensão; estelas religiosas de pedra, que adaptavam ao

Budismo o modelo Han de pedras memoriais, inclusivamente nas decorações com

dragões; e em estátuas de grande porte, presentes em templos de grutas.39

No que diz respeito à primeira fase da estatuária chinesa, esta apresentou dois estilos.

O primeiro, também designado por superior, seguia o modelo artístico de Mathura, onde

a face da figura era construída num modelo abstrato, tendo uma testa larga, um nariz em

forma de cunha, e sobrancelhas em forma de semicírculos, que partiam da base do septo

nasal. A boca, pequena, exibia um leve sorriso. Este tipo de rosto não oferecia qualquer

indicação sobre identidade racial, emoções ou estados de espírito da divindade

representada. A veste empregue neste estilo era sintetizada, como no modelo indiano,

com os drapeados representados por linhas.

Já o segundo estilo, também conhecido como inferior, revelava uma certa

personificação de beleza formal, apesar de ter uma produção mais massificada. As figuras

35 Cf. W. Willetts, Foundation of Chinese Art - From Neolithic Pottery to Modern Architecture, Thames & Hudson, 1965, pp. 173-174. 36 Cf. X. Guan, Buddhist Impact on Chinese Culture, in Asian Philosophy, vol. 23, nº 4, 2013, p. 318. 37 Cf. D. P. Leidy, art. cit., p. 8. 38 Cf. W. Willetts, op. cit., p. 176. 39 Idem, p. 196.

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representadas tinham um ar mais intimista e sentimental, embora continuando a seguir

padrões de produção massificada que não encorajavam um tratamento individualizado

das peças. As vestes caíam em drapeados pelo corpo tenso, terminando de forma

pontiaguda, cobrindo parcialmente, no caso das imagens sentadas, os seus assentos. A

cara também era tratada de forma mais abstrata, apesar das formas do rosto variarem.

Tinham, apesar das bocas serem pequenas, os sorrisos mais pronunciados, o que conferia

o ar mais intimista à peça. Os olhos eram reduzidos a fendas alongadas, e as sobrancelhas

partiam da base do nariz, sendo mais arqueadas. As orelhas possuíam os lóbulos

alongados e o queixo terminava de forma angulosa. Outro aspeto marcante era a

existência de nimbos em forma de folha, utilizados tanto em Budas como em

bodhisattvas, quer estivessem de pé ou sentados. A este halo, nas estátuas de bronze,

acrescentavam-se bordas externas flamejantes.40

Este segundo estilo parece corresponder ao modelo representativo que surgiu no final

da dinastia dos Wei do Norte, quando a sua capital foi transferida para Luoyang (Henan).

Como Denise Leidy descreve, os seus exemplares possuíam halos em forma de folha e

pedestais com leões, de influência persa, sendo as vestes uma derivação dos modelos

indianos. A autora avança com mais detalhes, descrevendo um acrescento específico

chinês ao vestuário: uma peça de roupa que ligava as vestes com os lenços, e que tinha os

seus drapeados trabalhados de forma mais naturalista. Por esta altura, os Budas sentados

associados a Maitreya, surgiram com uma perna pendida e a outra dobrada na horizontal,

com o pé a repousar no joelho oposto. Assim, segundo Leidy, desenvolveu-se um modelo

figurativo intermédio, revelando diferentes influências.41

A segunda fase, apesar de ser consideravelmente mais curta que a anterior,

protagonizou um progresso significativo na escultura budista na China. O estilo da

primeira fase entrou em franco declínio, com a introdução mais forte da arte Gupta

embora esta não tenha sido integrada na sua totalidade. Os motivos decorativos foram

bem aceites, como por exemplo o halo decorado com motivos florais, que foi fielmente

reproduzido nas esculturas da dinastia dos Qi do Norte. Mas, nas vestes, o tratamento

esquematizado Gupta não foi assumido pelo mundo chinês. Nesta fase, a tendência foi

desprover as vestes do seu interesse decorativo. A fórmula de tratamento da face e do

corpo foi-se aproximando de um certo realismo, perdendo a qualidade abstrata do rosto,

40 Idem, p. 196-198. 41 Cf. D. P. Leidy, op. cit., pp. 11-12.

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que começou a personalizar-se. Tal como na arte Gupta, contudo, o rosto ganhou uma

forma mais arredondada, perdendo os vestígios de sorriso dos lábios. As restantes

caraterísticas faciais da primeira fase acima descritas começaram a ser executados com

menos profundidade. A posição rígida que se via anteriormente perdeu espaço, uma vez

que os corpos ganharam algum movimento, em consequência do aumento do peso

suportado por uma das pernas. Os corpos também ganharam volume, sobretudo visível

em ombros mais arredondados. Nesta segunda fase, a marca anatómica das três pregas no

pescoço de Buda foi utilizada, assim como medalhões de influência sassânida,

representações de vinhas do mundo helénico, e rosetas de lótus, como detalhes

decorativos. Contudo, no final desta fase já com os Suí, a arte budista chinesa afastou-se

dos modelos da arte Gupta.42

Na segunda metade do século VI, de facto, surgiu um interesse por formas mais

presas, quase colunares, de origem sogdiana, ainda havendo, no entanto, motivos

decorativos oriundos da India e da Ásia Central a serem aplicados nas figuras dos

bodhisattvas, como flores, medalhões flamejantes e figuras leoninas. Também neste

século, Avalokitesvara (Guanyin) tornou-se num foco de devoção pessoal, o que

provocou um aumento da produção de figuras desta entidade, ao mesmo tempo que

Amitabha e a escola Terra Pura estavam em franco crescimento.43 Este afastamento das

tradições até então seguidas, fez com que este novo paradigma escultórico fosse

considerado uma fase transitória, voltando-se a usar uma expressão mais abstrata e linear

nas suas representações.44 As imagens, no século VI, não se limitavam ao espaço dos

templos, sendo também encontradas em espaços leigos, como palácios ou lojas. As

representações das entidades budistas eram consideradas como fontes de poder sagrado,

tornando-se, assim, parte integrante da vida devocional de todos os budistas.45

Ressalte-se que, no início desta fase, na dinastia dos Qi do Norte (550-577), a pintura

também conquistou progressos. De facto, Cao Zhongda, recorrendo aos modelos indianos

de pintura, criou um modelo específico, conhecido como modelo Cao, que trabalhava as

vestes das imagens de Buda de modo a que estas parecessem que tinham saído de água.46

42 Cf. W. Willetts, op. cit., pp. 198-200. 43 Cf. D. P. Leidy, art. cit., p. 13. 44 Cf. M. Sullivan, Introducion à l’art Chinoise, Le Livre de Poche, Paris, 1968, p. 189 e p. 197. 45 Cf. J. Kiechink, op. cit., p. 55. 46 Cf. X. Guan, op. cit., p. 318.

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Já no respeitante à terceira fase, com a dinastia Tang, assistiu-se ao revitalizar das

tradições indianas, sobretudo entre 645 e 705, voltando a escultura a ser submetida à arte

Gupta, que surgiu mais aprimorada. O corpo era trabalhado, sobretudo nos bodhisattvas,

de uma forma mais naturalista, sendo que o seu movimento ficou mais marcado, com as

cinturas mais estreitas e as ancas realçadas.47 A escola Chan provocou ainda o surgimento

de novas representações de Avalokitesvara, o culto a Vairocana, bem como o surgimento

de diagramas cósmicos, as mandalas.48

No respeitante à arte Tang dos templos de grutas, são percetíveis algumas

caraterísticas específicas. Em relação às esculturas, foram trabalhados vários grupos de

figuras, representando Budas a pregar, ladeados de bodhisattvas vários, Lokapalas e

outras entidades budistas, sempre em números pares. Por norma, os Budas eram

representados com vestes chinesas, com golas quadradas, e sentados. Os bodhisattvas

eram também representados em estilo chinês, com caras mais rechonchudas, perdendo,

assim, as poses Gupta. As figuras humanas adquiriram ainda olhos oblíquos, claramente

uma marca da sinização da imagética budista.

Na representação dos Lokapalas, que podiam ser o Vadurya, guardião do Sul, ou

Vaisravana, o guardião do Norte, também se notam marcas de sinização. Estes podiam

ser eram representados vestindo armaduras, com olhos grandes, narizes empinados e

bigodes, mas quando eram trabalhados num estilo mais chinês, os olhos tornavam-se

carrancudos, os punhos cerravam-se, e o cabelo ficava apanhado num coque.

Na época Tang também se identificam representações específicas de bodhisattvas,

por exemplo, a alcançarem o nirvana; assim como estátuas colossais dos mesmos, que no

reinado da Imperatriz Wu representavam, sobretudo, Maitreya. 49 Como se viu no capítulo

anterior, este viu a sua imagem profundamente alterada, sobretudo no final do período

Tang. Maitreya ao se transformar em Milefo adquiriu uma forma corporal mais

avantajada e com uma expressão mais sorridente. Claro está que esta nova conceção se

refletiu nas suas representações artísticas.

No que diz respeito às pinturas murais de templos em grutas, note-se que estas

encontravam-se repletas de entidades budistas. Tal como na escultura, também aqui se

47 Cf. W. Willetts, op. cit., pp. 201-202. 48 Cf. D. P.Leidy, op. cit., p. 15. 49 Cf. W. Duan, Dunhuang Art: Through the Eyes of Duan Wenjie, New Delhi, Indira Gandhi National Centre of Arts, 1994, pp. 136-156

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representavam grupos de figuras. Surgiram também cenas de pregação com

Avalokitesvara, com a sua identidade feminina chinesa de Guanyin representada com

onze cabeças e oito braços, como consequência da crescente popularidade da escola Terra

Pura. Outros bodhisattvas, mesmo que menos consagrados, eram também representados

com frequência.

As pinturas murais eram ilustradas, igualmente, com representações de sutras, com

especial incidência aqueles ligados a Amitabha e a Maitreya. Eram, ainda, feitas

representações de cenas da história do Budismo, incluindo episódios da vida de

Sakyamuni e dos seus discípulos. Por último, e como já se verificava anteriormente,

existiam representações de doadores. Neste período, e neste meio artístico, a influência

Gupta mantinha-se, mas a paleta de cores utilizadas era mais vasta, revelando influências

da Ásia Central, como vimos anteriormente. Recorria-se assim a vários tons de azul,

vermelhos e verdes, aos quais ainda se juntavam dourados e pretos.50

A arte chinesa, por outro lado, acabou também por se fazer sentir na Ásia Central,

sobretudo entre os séculos III e VIII, partindo de Dunhuang para Ocidente. A arte

produzida na dinastia Tang refletiu-se, neste espaço, no esquema de cores, mais brilhantes

e temperadas, mas também na representação do rosto das figuras, que ganharam rostos

mais arredondados e olhos oblíquos. Além disso, o surgimento de figuras flutuantes sobre

nuvens, traço tipicamente chinês, também denota a influência artística do País do Meio

em complexos artísticos da Rota da Seda.51

Devemos ainda caracterizar um pouco a cerâmica Tang, dada a sua originalidade no

contexto artístico chinês. Esta cerâmica, tanto a monocromática como policromática,

ganhou mais destaque nesta época, deixando de estar tão limitada ao uso funerário. As

terracotas vidradas com cores base a variar entre o branco e o tom camurça rosado, além

de se libertarem dos modelos antigos de bronze, representavam as influências ocidentais.

As peças policromáticas podiam ser cobertas por vidrados sancai (obtidos através da

cozedura entre os 750º e os 800º C). Detinham três cores (creme, verde e âmbar/castanho)

conseguidas através da mistura de óxidos metálicos ao vidrado básico de chumbo; através

50 Cf. W. Duan, Dunhuang Art: Through the Eyes of Duan Wenjie, New Delhi, Indira Gandhi National Centre of Arts, 1994, pp. 136-156. 51 Cf. B. N. Puri, op.cit., pp. 281-284.

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da adição de óxido de cobre; e com óxido de ferro, respetivamente. 52 Não obstante, as

tonalidades dos vidrados eram mais variadas, podendo ter tons azulados, pretos, brancos

e avermelhados. Algumas peças tinham ainda decorações gravadas, relevos ou aplicados.

A cerâmica sancai tornou-se num estilo marcante da dinastia Tang, devido à sua

originalidade.53

Outro método de cobertura vidrada, derivado das peças monocromáticas, eram os

vidrados manchados. Para este efeito, recorria-se à utilização de um vidrado escuro, preto

ou castanho na maioria dos casos, como cor de fundo, sendo-lhe aplicado, por cima,

vidrados de cores mais claras, como azuis, cinzas ou lavandas. Este vidrado superior

podia ser aplicado ao acaso ou de forma controlada, criando efeitos únicos. Por vezes, o

contraste podia ser criado de forma inversa, utilizando cores de base claras e aplicações

de vidrado escuro.54

No respeitante a peças funerárias, variantes em temas e tamanhos, podiam ser

vidradas em sancai, de modo monocromático, ou até sem vidrado algum. Nas figuras de

entidades e de indivíduos humanos, por norma, as mão e rostos eram deixadas por vidrar,

sendo pintadas à mão, após a cozedura. Outra tipologia de peças que é típica da dinastia

Tang é a cerâmica marmoreada, que parece ter sido introduzida na China neste período.

Esta cerâmica era obtida através da mistura de barros de cores contrastantes, que depois

de moldados e cozidos davam a sensação de as peças ser feitas de mármore.55

Apesar de nem sempre estar diretamente relacionada com o Budismo, esta cerâmica

Tang também refletiu a influência de culturas estrangeiras com que a China contatou,

importando formas e motivos da Índia, da Pérsia, e do mundo Helénico, que acabaram

por ser incorporados no reportório chinês.56 Estes refletiam o cosmopolitismo Tang,

associado ao comércio na Rota da Seda, representando tanto comerciantes estrangeiros

como animais externos à China, como os cavalos e os camelos, e ainda, relevos florais

ou cordões de pérolas.57

52 Cf. M. A. P. Matos, “A Cerâmica dos Shang aos Qing – Alguns Apontamentos”, in M. A. C. Gomes (coord.), Do Neolítico ao Último Imperador- A Prespetctiva de um Coleccionador de Macau, Macau, Governo de Macau, 1994, p.39. 53 Cf. F. Lilif, Chinese Ceramics, New York, Cambridge University Press, 2010, pp. 52-53 54 Cf. S. G. Valenstien, A Handbook of Chinese Ceramics, The Metropolitan Museum of Art, New York, 1989, p. 63. 55 Idem, pp. 64-66. 56 Cf. S. G. Valenstein, op. cit., p. 74. 57 Cf. M. A. P. Matos, art. cit.,1994, p.39.

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III.3 As peças Tang do CCCM e as marcas budistas na China

Neste último ponto, iremos focar a nossa atenção em alguns exemplares do conjunto

de peças Tang estantes no Museu do Centro Científico e Cultural de Macau, dado que uns

expressam claramente influências budistas, outros, sugerem marcas trazidas do Ocidente,

através da Rota da Seda. Em conjunto, as peças selecionadas estabelecem, de um modo

ou de outro, a ligação entre mundos distintos através da chegada e afirmação do Budismo

na China Tang, permitindo ilustrar as características deste período, que fomos

apresentando nos capítulos anteriores.

Esta análise focar-se-á em quatro grupos distintos, que definimos pelas suas

caraterísticas: um primeiro, que se centrará em duas peças, que representam duas

entidades budistas; um segundo, no qual se dará atenção a agentes transmissores desta

religião; um terceiro, dedicado a peças que podem refletir uma alteração do paradigma

mental chinês; e um último, que se debruçará em peças do quotidiano que apresentam

reflexos do Budismo e da Rota da Seda.

Assim, o primeiro grupo consiste em duas peças que claramente expressam a presença

do Budismo em solo chinês. Foquemo-nos, primeiramente, numa pequena estátua de

bronze dourado, que representa uma entidade antropomórfica, cujas características

permitem a sua associação a esta religião [Anexo C, Ficha 1]. Note-se que esta figura

detém traços vincados do estilo artístico originário no período Gupta com algumas

influências sassânidas, possuindo ainda características dos cânones figurativos de Kusha,

o que nos remete, assim, a um trabalho baseado em modelos dos oásis do Taklamakan.

Contudo, alguns pormenores indicam já transformação chinesa.

Analisando esta peça com mais detalhe podemos verificar que a mesma possui uma

cabeça mais ovoide, com um rosto sereno e olhos em forma de pétalas de lótus, marcas

claramente Guptas. A estrutura corporal fluida, com os ombros e peito mais largos que a

cintura, que fica assim mais vincada, e com a presença de uma barriga levemente saliente

segue os mesmos modelos indianos. No entanto, a representação do dothi, elemento que

provém de Mathura, como vimos, é aqui aplicado de outra forma: as linhas que marcam

o drapeado são mais leves; sendo que a própria veste parece terminar de forma

pontiaguda, a cobrir parcialmente o assento, como foi típico da segunda fase de

representação budista chinesa, descrita no ponto anterior.

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No que diz respeito ao halo/nimbo que enquadra a figura, devemos destacar as flamas

presentes na sua decoração interior, elemento claramente sassânida. Por seu lado, os

adornos da cabeça e as jóias, nomeadamente a coroa e o colar, são extremamente

complexos, refletindo já a arte Kusha. O colar com as suas linhas incisas manifesta assim

elementos deste oásis, mas os traços sassânidas ainda ecoam, nomeadamente na

representação de pérolas. Interessante, contudo, é o halo parecer assumir a forma de folha

que, como se viu, se afirma como outro elemento chinês.

A utilização destes traços decorativos, aos quais se juntam pulseiras em ambos os

pulsos, como visto anteriormente, costuma ser associada a bodhisattvas. Esta estátua pode

então representar Maitreya, uma vez que a posição em que se encontra (sentada, num

trono) parece ser, embora de forma invertida, a posição Maitreyasana58, associada ao

Buda do Futuro59. Por outro lado, a presença de uma figura miniatura no topo do halo,

que parece ser um Buda sentado em posição de meditação, corrobora a identificação de

Maitreya, já que esta é uma caraterística da sua representação, em geral.60

Esta peça mostra, assim, uma ligação com os processos de adaptações teóricas do

Budismo chinês, que, como vimos no capítulo anterior, transformaram Maitreya numa

entidade bastante representada. Embora não se tenha uma datação precisa, sabe-se que

durante o reinado da Imperatriz Wu houve uma proliferação de imagens desta divindade,

e como tal, esta imagem poderá ser desta época.

A outra escultura deste grupo é uma peça em terracota com vidrado sancai, que

representa um Lokapala [Anexo C, Ficha 2] Lembre-se que estas entidades budistas,

guardiãs de stupas e dos pontos cardeais eram oriundas da Índia, onde se faziam

representar em cores e com objetos diferentes, o que os distinguia. Por exemplo,

Dhrtarasharta, guardião do Este, era representado em cor branca e segurando uma espada,

enquanto Virupaksha, guardião do Oeste, era representado em vermelho e segurando um

sutra. Contudo, na China, as cores tornaram-se diferentes, consoante as correspondências

58 Podemos identificar esta posição para Maitreya, tanto na sua expressão de Buda como na de bodhisattva. Aqui, o uso das jóias remete claramente para a segunda hipótese. Cf. W. Willetts, op. cit., p.195. 59 Esta posição, conhecida também por posição de contemplação, é associada a Maitreya, e é expressa por o Buda do Futuro ter a perna esquerda pendida, enquanto a direita se encontra fletida na horizontal, com o pé a repousar no joelho oposto. O braço direito dobra-se, enquanto o cotovelo descansa no joelho direito, e os dedos parecem tocar na cara. Veja-se M. McArthur, op. cit., p. 105. 60 Cf. M. McArthur, op. cit., p. 105.

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religiosas ali realizadas. Virupaksha passou a ser branco, enquanto Dhrtarasharta passou

a ser azul ou verde.61

Ao possuir uma cobertura vidrada sancai, tipicamente chinesa, e por não possuir

qualquer objeto que o distinga, torna-se impossível discernir qual dos Lokapalas que aqui

se encontra representado. No entanto, podemos tecer outras considerações. A figura

aproxima-se muito do modelo figurativo chinês, utilizado na dinastia Tang nas imagens

destas entidades em templos de grutas. Como se viu anteriormente, estas figuras budistas

com adaptações chinesas eram representadas envergando uma armadura típica, com o

cabelo apanhado no cimo da cabeça num coque, ao estilo do País do Meio, apresentando

olhos agressivos e punhos fechados, caraterísticas que a peça em análise possui, embora

seja uma estatueta funerária e não uma peça de templo. A cobertura vidrada sancai não

lhe cobre nem as mãos nem o rosto, como acontecia com as estátuas funerárias de

antropomórficas chinesas. Note-se, também, que sendo uma entidade responsável pela

proteção de stupas e templos na tradição budista, na China foi adotada e adaptada ao culto

funerário, que como se viu no capítulo anterior, se afirmava como basilar ao País do Meio.

Esta peça, contrariamente à anterior, expressa, então, uma clara sinização do

Budismo, uma vez que é demonstrativa das adaptações artísticas que foram

protagonizadas na China. Paralelamente, ajuda a entender o modo como o Budismo se foi

acomodando à realidade cúltica do mundo chinês. Veja-se que, uma vez que esta entidade

foi associada a um contexto funerário, ela foi, provavelmente, adaptada a realidade

próxima das conceções taoistas e confucionistas da piedade filial, assumindo assim o

papel de guardiã de túmulos de indivíduos comuns, e não só de personalidades

transcendentes, como originalmente eram concebidas. Recorde-se que tanto no contexto

indiano como na Ásia Central, os Lokapala eram representados em associação à vida de

Buda.

Passando para o segundo conjunto de peças, devemos começar pela análise de um

exemplar que, embora não expresse uma ligação direta ao Budismo à primeira vista,

retrata uma personagem fulcral para a disseminação desta religião. Falamos da estátua

em terracota, com vidrado sancai, que representa um palafreneiro estrangeiro, com traços

ocidentais, tratando-se, talvez de um persa [Anexo C, Ficha 3].62 Esta peça revela-se

61 Idem, p. 65. 62 Cf. M. A. C. Gomes (coord.), Do Neolítico ao Último Imperador- A Prespetctiva de um Coleccionador de Macau, Governo de Macau, Macau, 1994, p. 97.

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importante, uma vez que os estrangeiros tiveram, como vimos, um papel extremamente

importante na introdução e na fixação do Budismo na China. Eram os agentes que

percorriam a Rota da Seda até Dunhuang e/ou capital que faziam a entrada de peças

artísticas e de sutras, assim como se deve a várias personagens estrangeiras a tradução e

edição dos conceitos budistas ao contexto teórico-religioso chinês.

No período Tang, o estrangeiro era, com efeito, uma temática popular na arte cortesã,

o que deixa transparecer, em certa medida, o cosmopolitismo deste império, e mais

especificamente da capital Chang’an, aonde confluíam gentes de diversas partes da Ásia.

Assim, também em esculturas se representavam estrangeiros, cuja imagética mantinha os

traços fisionómicos e culturais, como nas vestes, da origem da pessoa retratada.63

De facto, esta última questão é bastante percetível nesta peça. Veja-se que a figura é

representada com um nariz bolboso, uma barba e cabelos crespos, envergando uma veste

mais simples, apertada na cintura com um cinto com um medalhão. Assim, esta figura

afasta-se, nitidamente, das representações da população chinesa. Contudo, é fácil de

deslindar a presença de técnicas chinesas, uma vez que o corpo da estátua se encontra

vidrado com sancai. As mãos e rosto por vidrar são elementos que indicam o uso da

estatueta em contexto funerário. Assim, pode-se concluir que até os agentes que traziam

o Budismo e que habitavam o território chinês eram incluídos no culto funerário.

Ainda na mesma lógica, é importante analisar as duas estátuas que apresentam

camelos [Anexo C, Fichas 4 e 5], cobertas com vidrados sancai, e também utilizadas em

contexto funerário. A representação de comerciantes estrangeiros era frequente na corte

Tang, sendo associados, muitas vezes, a este animal.64 Os camelos não eram autóctones

ao território chinês, sendo um animal associado à região da Báctria. Contudo, eram

utilizados como meio de transporte na Ásia Central e, como tal, detiveram um papel na

transmissão do Budismo daquele espaço para a China, através da Rota da Seda.

Passando agora para o terceiro grupo, constituído por três vasos e um pote, os mesmos

não parecem, à primeira vista, associados ao Budismo. Os vasos, de utilização funerárias,

apresentam o vidrado sancai, manifestando, assim, a sua identidade totalmente chinesa

[Anexo C, Fichas 6, 7, 8]. Contudo, no pote, pertencente ao tipo de cerâmica policromada

manchada, encontra-se a cor azul [Anexo C, Ficha 9]. Relembre-se de esta cor,

63 Cf. M. E. Lewis, op. cit., pp. 164 – 167. 64 Idem, pp. 165-168.

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proveniente da região sassânida, teve bastante utilização na pintura de imagens budistas

em grutas no oásis de Kusha, o que revela a importância deste entreposto na ligação

artística entre a Ásia Central e a China. Como tal, o uso do azul num objeto cerâmico

chinês reflete o impacto colateral da Rota da Seda e do Budismo na cultura material do

País do Meio.

Mas a grande característica que notamos nestas peças tem a ver com a decoração das

suas coberturas. A fluidez vincada que identificamos em todas, obtida pelo escorrer do

vidrado colorido nas peças sancai e pelas manchas do pote, parece quebrar com a tradição

decorativa chinesa. De facto, observando outras peças patentes no Museu, de épocas tanto

anteriores como posteriores à dinastia Tang, estas mostram uma decoração rígida, com

traços definidos e geométricos.65 A ausência de formas neste conjunto pode ser um reflexo

da mudança de mentalidade Tang, decorrente do inundar do Império por pessoas,

mercadorias, religiões e estilos artísticos vindos do exterior. O cosmopolitismo do

período, assim como as marcas de uma nova religião, cujas formas se assumem mais

naturalistas, podem então ser identificados neste aspeto do conjunto.

Por último, passemos à análise do quarto grupo, que diz respeito aos objetos do

quotidiano. A primeira peça que devemos examinar é o espelho [Anexo C, Ficha 10].

Note-se que na China os espelhos, embora sendo objetos de uso comum, vinham, desde

há muito tempo, a ser associados com processos mágicos. Assim, apresentavam na sua

decoração simbologias abstratas ligadas a esta vertente religiosa. Nos espelhos Tang nota-

se uma particularidade, o uso no verso de símbolos figurativos, associados a bons agoiros,

de índole taoista, substituindo os motivos abstratos. Usando-se as cores dourada e

prateada, no revestimento do verso, os espelhos Tang representavam, entre outros

elementos, dragões entrelaçados, fénixes, flores e pássaros.66

O espelho estante no Museu apresenta esses mesmos símbolos, mas apresenta ainda

um leão.67 Como já se viu anteriormente, o uso deste animal na arte budista surgia

aquando da representação de lendas sobre as vidas passadas de Buda. Podendo relacionar-

se com a crença de reencarnações futuras, verifica-se que este motivo simbólico foi

apropriado pelos Tang como um símbolo de bom agoiro, fazendo-se representar em

65 Idem, pp. 82-94. Sobre as origens neolíticas dos motivos decorativos geométricos na cerâmica chinesa, veja-se P. B. Ebrey, op. cit., pp. 15-18. 66 Cf. M. Sullivan, op. cit., p. 251. 67Cf. M. A. C. Gomes., op. cit., p. 101.

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conjunto com a simbologia das tradições chinesas. Além disso, note-se que para além do

leão, animal estranho à China, o espelho também é decorado com motivos vegetais, que

tinham origens estrangeiras.

Resta fazer referência a duas peças miniaturas, um pássaro e um vaso [Anexo C,

Fichas 11 e 12], ambos em cerâmica vidrada. O primeiro, que possivelmente era utilizado

com brinquedo, inclui uma vez mais o azul no seu vidrado sancai. 68 Já no vaso miniatura,

o que se destaca são os motivos decorativos, uma vez que possui quatro medalhões florais,

com pequenas esferas em seu redor, lembrando pérolas.69 Sendo aplicados nesta peça,

mostram uma vez mais que, ao serem de inspiração sassânida, a influência desta arte era

real em solo chinês. Como já se viu, estes cânones artísticos foram importados via Rota

da Seda, amalgamados com a arte budista, sendo depois utilizados em peças chinesas.

Após esta análise pode-se concluir que, de facto, o Budismo não só entrou na China

como uma nova religião, que se adaptou a esta realidade cultural; como ainda trouxe

outros elementos consigo que foram aplicados noutras materialidades. A nível religioso,

podemos perceber que entidades budistas foram absorvidas, adaptadas e utilizadas pelo

mundo chinês, quer em processos de legitimação real, quer integrando conceções mágicas

e de culto funerário, aspetos importantes na conceção da morte e do pós-morte no País do

Meio. A presença de indivíduos e animais estrangeiros, associados à Rota da Seda e ao

Budismo, revelam a abertura da dinastia Tang, bem como o cosmopolitismo das suas

cidades. A utilização de motivos decorativos e cores, adotados pela arte budista nos

espaços da Ásia Central, deixam transparecer como esta arte religiosa acabou por se

espraiar para a arte chinesa, alcançando também a arte secular.

68 Idem, p. 98. 69 Ibidem.

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Conclusão

Após a redação desta dissertação, é possível retirar algumas conclusões sobre o

Budismo na Índia, sobre os processos de difusão desta religião via Rota da Seda, e

também, sobre a cristalização do Budismo Chinês na época Tang.

Em primeiro lugar, e relativamente ao Budismo indiano, tornou-se percetível que

a Índia gangética deu todas as condições para o surgimento de novos movimentos

religiosos, uma vez que a sua sociedade, deteriorada pelos comportamentos de meados

do I milénio a.C., já não se refletia no pensamento religioso e moral existente. Deste

modo, o Budismo manifestou-se, numa primeira fase, como uma resposta moral e como

guia de vida para esta sociedade em crise. Não detendo restrições de cariz

socioeconómico para os seus seguidores e aderentes, esta religião revelou, desde logo,

uma natureza salvífica, aberta a todos, procurando romper com o sistema de castas que

havia sido introduzido pelos invasores indo-europeus. Note-se, no entanto, que o

Budismo não foi uma criação totalmente nova, uma vez que, em continuidade com as

tradições pré-existentes, adotou e adaptou diversos conceitos à sua nova visão. Pode-se

dizer, então, que na sua génese, o movimento budista tomou a forma de uma nova

abordagem ao quadro moral e religioso indiano.

Quando chegou ao solo chinês, o Budismo foi, também, entendido, como uma

nova proposta de moral salvífica. Respondendo, igualmente, a um período de profunda

agitação social, marcado pelas guerras que se sucederam à queda do Império Han, o

Budismo encontrou espaço para uma aceitação transversal na sociedade chinesa, que

procurava ver respondida as suas dúvidas, geradas, em grande medida, pelo medo da

miséria e morte. Os governantes chineses de origem estrangeira perceberam a dimensão

social do Budismo, sendo que o utilizaram como meio de afirmação do seu poder. O

Budismo, quer na Índia, quer na China, afirmou-se assim como uma religião que

respondia a crises e como tal o seu desenvolvimento não pode ser analisado em separado

dos contextos históricos que integrou.

É, também, interessante notar que, após a morte do seu fundador, o Budismo foi

imediatamente alterado. De uma proposta de vida, seguindo certas regras

comportamentais, avançadas por Siddhartha Gautama, o Budismo passou a afirmar-se

como uma proposta de contornos religiosos. Logo após o paranirvāna, a comunidade

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leiga indiana fomentou o culto a Siddhartha, sobretudo no que diz respeito à recolha e

tratamento das suas relíquias. Ao mesmo tempo, iniciou a construção de lendas e mitos

sobre a vida do mesmo. Esta transformação parece ter sido promovida pela necessidade

de a comunidade secular ter algo mais tangível, ao qual se pudesse ligar, uma vez que as

questões metafísicas, discutidas e elaboradas pela sangha, se afirmavam como mais

distantes. De facto, porque a comunidade leiga estava enquadrada numa tradição védica,

onde os cultos e mitos eram centrais, fez sentido que esta transformação ocorresse, em

continuidade com as tradições anteriores. Destaque-se que, assim, a mensagem inicial de

Buda foi alterada de imediato, uma vez que o culto não tinha lugar nesta primeira

conceção.

Como vimos, a comunidade monástica ofereceu resistência numa primeira fase,

mas após os cismas que foram ocorrendo no seu interior, verificou-se que a corrente

Mahāyāna acabou por incorporar estas conceções leigas na vida religiosa, adaptando-as

e canonizando-as na sua nova abordagem. Buda, antes visto como um humano excecional

e que servia de modelo, passou a ser idealizado como um ser transcendente, com poderes

muito mais amplos. Esta corrente também permitiu a incorporação de outras entidades,

como os bodhisattvas, que auxiliavam outros a alcançar a Iluminação. Estes também

viram o seu culto ser desenvolvido, com base no conceito de transferência de mérito.

Estas alterações à construção religiosa original tiveram um impacto profundo no percurso

que o Budismo tomou, uma vez que permitiu o crescimento económico da sangha, o que

criou espaço a uma maior difusão desta religião.

Em segundo lugar, devemos ressaltar a importância que a Rota da Seda deteve

para a difusão do Budismo até à China. Funcionando como palco de transformações, a

Rota da Seda permitiu que esta religião fosse incorporando não só novas abordagens

teóricas, mas também práticas e expressões artísticas próprias das populações que

habitavam os diferentes espaços ligados por si. Contudo, é necessário referir que não foi

só o Budismo que se foi aproximando da China, mas que também esta foi protagonizando

uma paulatina aproximação à Ásia Central. Efetivamente, a dinastia Han estabeleceu uma

ligação oficial com esta região, através da conquista e domínio de diversos entrepostos

dos oásis da Bacia do Tarim, no Deserto do Taklamakan. Durante os Han, esta ligação

oficial concretizada nas Portas de Jade (Dunhuang) permitiu que a China contatasse com

a Índia, embora de maneira indireta, e recebesse as tradições budistas que na Ásia Central

se iam formando. Durante os séculos vindouros, a China foi mantendo as suas pretensões

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territoriais neste espaço, aproximando-se do mesmo e, consequentemente, do Budismo

que ali se consolidava.

As transformações acimas descritas também se manifestaram no plano artístico,

uma vez que a arte budista se desenvolveu, logo em contexto indiano, integrando

múltiplas influências que permitiram a passagem de um estado anicónico para a exaltação

da figura antropomórfica de Buda e de outras entidades budistas. Destaque-se que, ao

longo da Rota da Seda, diversas características da arte helenística, iraniana e das

populações das múltiplas regiões da Ásia Central, com destaque para as comunidades dos

oásis do Taklamakan, foram sendo integradas nas representações budistas, sobretudo da

corrente Mahāyāna. Estes acrescentos foram percetíveis tanto em pequenos pormenores,

como a introdução de motivos decorativos de fauna e flora específicos, como em grandes

linhas temáticas e estilísticas, como o uso de halos.

Em terceiro lugar, devemos destacar o papel dos agentes estrangeiros, que foi

crucial para as primeiras abordagens budistas na China. Sendo os responsáveis pela sua

entrada naquele espaço, fizeram-se valer dos conceitos das correntes filosófico-religiosas

chinesas na tradução dos sutras, para melhor expressarem a sua mensagem, àquele

público. O Budismo sofreu, assim, alterações de cariz sincrético às mãos destes agentes.

Por outro lado, foi o seu constante movimento que permitiu manter a China a par das

diversas novas escolas budistas que iam surgindo, quer na Índia quer na Ásia Central. A

partir da afirmação da dinastia Sui, mas sobretudo durante os Tang, as escolas budistas

chinesas ocuparam o lugar destes agentes estrangeiros na formulação do Budismo na

China. Contudo, estes mantiveram uma presença forte na sociedade do País do Meio,

sendo representados na arte da época. Será com o declínio dos Tang, que os estrangeiros

acabaram por se tornar alvos de ataque, paralelamente ao cair do pano de um período de

abertura e cosmopolitismo chinês.

Em relação à dinastia Tang e à sua relação com o Budismo, são várias as

conclusões que podemos apresentar. Em primeiro lugar, destaque-se que a fase inicial

deste período, na sua globalidade, proporcionou as condições políticas necessárias para a

afirmação do Budismo em solo chinês. De facto, os primeiros reinados Tang foram

cruciais para o forte crescimento desta religião, pois existiu um forte apoio estatal às

escolas budistas e aos seus tradutores chineses. À medida que se avançava no século VII,

os governos Tang alcançaram uma estabilidade a todos os níveis que permitiu consolidar

a presença budista. Na viragem para o século VIII, com o governo de Wu, o Budismo

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alcançou o seu expoente máximo, pois ao tornar-se religião com patrocínio oficial do

estado, conseguiu dilatar a sua influência, com um aumento extraordinário do número de

mosteiros, e consequente poder económico destes. Assim, a sangha conheceu um poder

não antes visto, com uma influência na sociedade chinesa ímpar. Note-se que foi nesta

época que os monges desenvolveram uma ação social profunda relativamente aos

cuidados dos mais desfavorecidos, com os mosteiros a servirem como hospitais, orfanatos

e asilos

Contudo, na segunda parte deste período deu-se uma inversão deste crescimento

budista. Os imperadores Tang do século VIII, sobretudo a partir de Xuanzong,

começaram a restringir o apoio a esta religião, nomeadamente ao controlarem o poder

económico dos mosteiros e ao limitarem o crescimento da própria sangha. A turbulência

política crescente, que se agudizou no século IX, com o reinado de Wuzong, viria a

estrangular a presença estrangeira, em termos gerais. Curiosamente, o Budismo, que se

manifestava já como chinês, continuou a ser observado como estrangeiro, sendo alvo de

uma forte repressão.

Em segundo lugar, devemos destacar o processo de sinização do Budismo,

decorrente da boa relação entre o poder imperial e esta religião, na primeira parte do

período Tang. Como vimos, foi nesta época que diversas escolas, criadas de raiz ou

reinventadas, se desenvolveram de forma extraordinária, permitindo a afirmação de um

Budismo marcadamente chinês. Estas conjugaram a tradição ritualística chinesa com as

práticas budistas, nomeadamente no que diz respeito ao culto das entidades budistas

(cujas lendas também conheceram um novo desenvolvimento), das suas relíquias e

festividades, assim como da própria atividade cúltica da sangha, que passou a realizar

diversos rituais tradicionais chineses, como por exemplo os exorcismos. Esta conjugação

permitiu ainda que novas noções, como o Inferno e o Paraíso, fossem desenvolvidas no

seio do Budismo chinês, como resposta às conceções pós-morte deste contexto. Note-se

a importância da mimetização da sociedade chinesa por parte da sangha, através da

afirmação da lógica de organização Patriarcal, para todas estas transformações.

No respeitante à arte, a dinastia Tang também deixou a sua marca, embora

continuasse a recorrer aos modelos estrangeiros como base artística. Note-se que a própria

fisionomia e roupa das representações das entidades budistas adquiriram traços chineses.

Por outro lado, a organização chinesa das entidades budistas fez com que certas

personagens tivessem um maior destaque maior nas representações artísticas, do qual é

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exemplo a proliferação de imagens de Maitreya durante o reinado da Imperatriz Wu. A

nível arquitetónico, também as construções budistas se adaptaram, com perfeição, à

paisagem chinesa, alterando definitivamente a sua configuração. Exemplo disso são as

modificações nos stupas, que se transformaram em pagodas. Como as trocas ao longo da

Rota da Seda foram sempre dinâmicas, devemos sublinhar que, a partir da China, estas

transformações artísticas do Budismo sinizado tomaram o caminho inverso, infiltrando-

se na Ásia Central.

Uma última conclusão prende-se com a transformação da China como grande

centro do Budismo. O País do Meio, durante os Tang, tornou-se num centro de

peregrinação, devido à existência de múltiplas relíquias, que foram sendo adquiridas,

tanto por mosteiros, como por governantes, ao longo do tempo. Foi ainda percetível a

transferência de centros de culto indianos para a China, como aconteceu com a

identificação geográfica da habitação de Manjusri em território chinês. A centralização

da China no mundo budista foi ainda aprofundada com o desenvolvimento da crença da

disrupção do dharma, e que foi assumida pela dinastia Tang, sobretudo no reinado de

Wu. Neste reinado, Maitreya foi associado à reformulação do dharma, numa sua

encarnação em espaço chinês.

As peças selecionadas da coleção do Centro Científico e Cultural de Macau

permitiram, através da arte, entender todas estas mudanças. Através delas foi possível

ilustrar o longo caminho que o Budismo percorreu até à China, uma vez que nas mesmas

se encontram marcas tanto de origem indiana, como iraniana, ou de outras paragens da

Ásia Central. Assim, notam-se as alterações que o Budismo provocou no País do Meio.

Simultaneamente, as peças mostram traços chineses na sua conceção, sendo por isso

objetos que revelam a construção do Budismo chinês na época Tang.

Após a conclusão desta dissertação, identificámos novas pistas de trabalho futuras,

relacionadas com a Rota da Seda, com o Budismo chinês e com os seus mecanismos de

transmissão. Seria importante, no futuro, aprofundar o impacto que o Budismo teve no

Confucionismo e no Taoísmo, numa lógica de entendimento do próprio desenvolvimento

do pensamento religioso chinês nesta época. Uma outra linha de investigação interessante

seria a avaliação do caminho inverso, via Rota da Seda terrestre, que o Budismo sinizado

fez para a Ásia Central. Decorrente desta linha, poder-se-ia aprofundar a relação do

Budismo chinês com outras religiões estantes em territórios asiáticos. No mesmo sentido,

mas numa lógica de Rota da Seda mais oriental, poderíamos avaliar mais detalhadamente

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o processo de difusão do Budismo para a Coreia e para o Japão, dando destaque ao papel

da escola Chan e das suas novas relíquias. Uma outra vertente de estudos, bastante atual

na agenda historiográfica internacional, poderia conduzir a uma investigação sobre o

papel feminino na China Tang, uma vez que várias mulheres se destacaram nesta dinastia.

Neste sentido, o papel da sangha feminina afirma-se como um campo de estudo rico.

Assim, esta dissertação afirma-se, a título pessoal, como um primeiro ponto de

partida de um caminho de investigação em torno da História da China e das História das

Religiões que pretendo continuar a trilhar.

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Anexos

Anexo A- Mapas

Mapa 1 – Rota da Seda.1

1 Unesco, “Silk Roads: Dialogue, Diversity & Development”, in https://en.unesco.org/silkroad/about-silk-road, 20/09/2018.

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Mapa 2 – Território atual da China, com as respetivas divisões administrativas.2

2 M. E. Lewis, China’s Cosmopolitan Empire – The Tang Dynasty, Cambridge, The Belknap Press of Harvard University Press, 2012, p. 7.

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Mapa 3 - Índia Gangética (c. 1000 a.C. – 500 a.C.).3

3 H. Kulke e D. Rothermund, A History of India, New York, Routledge, 2004, p.46.

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Mapa 4 - Império Mauria no reinado de Ashoka (262 a.C. - 233 a.C.).4

4 H. Kulke D. Rothermund, op. cit., p. 69.

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Mapa 5 - Difusão do Budismo pela Ásia.5

5 P. B. Ebrey, The Cambridge Illustrated History of China, Cambridge, Cambridge University Press, 1996, p. 98.

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Mapa 6- Domínio Kushana (c. 150 a.C. – 200 d.C.).6

6 W. J. Duiker e J. J. Spielvogel, The Essential World History, Belmont, Thomson Wadsworth, 2008, p. 192.

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Mapa 7 - Império Gupta (c. 320 – 600 d.C.).7

7 W. J. Duiker e J. J. Spielvogel, op. cit., p. 195.

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Mapa 8 – Império Sassânida em c. de 600.8

8 P. Crawford, The War of the Three Gods: Romans, Persians and the Rise of Islam, Barnsley, Pen & Sword Military, 2013, p. 13.

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Mapa 9 – Unificação da China com Qin Shi Huang Di (221 – 206 a.C.).9

9 W. J. Duiker e J. J. Spielvogel, op. cit., p. 83.

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Mapa 10 – Dinastia Han (202 a.C. – 220 d.C.).10

10 C. Benjamin, Empires of Ancient Eurasia – The First Silk Roads Era, 100 BCE-250 CE, Cambridge University Press, Cambridge, 2018, p. 65.

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Mapa 11 – O território chinês em diversas fases do período de fragmentação política pós

Han.11

11 P. B. Ebrey, op. cit., p. 57.

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Mapa 12 – Extensão territorial da dinastia Sui (586 - 618) em 609.12

12 A. F. Wright, “The Sui dynasty”, in D., Twitchett, The Cambridge History of China – Volume 3 – Sui and T’ang China, 586-906, Part I, Cambridge, Cambridge University Press, 1979, p. 129.

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Mapa 13 - Dinastia Tang, a sua divisão administrativa e rotas comerciais (618 – 906).13

13 P. B. Ebrey, op. cit., p. 110.

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Mapa 14 – Distribuição de templos, de diversas religiões, na capital Tang, Chang’an.14

14 M. E. Lewis, op. cit., p. 93.

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Anexo B – Cronologias

Figura 1 – Dinastias e períodos da China.15

Qin 221a.C. – 206 a.C.

Han Ocidentais 206 a.C. – 9 d.C.

Han Orientais 25 d.C. – 220 d.C.

Período dos Três Reinos 220 d.C. – 280 d.C.

Wei 220 d.C. – 265 d.C.

Shu 221 d.C. – 263 d.C.

Wu 229 d.C. – 280 d.C.

Jin Ocidentais 265 d.C. – 316 d.C.

Jin Orientais 317 d.C. – 420 d.C.

Período dos Dezasseis Reinos – Norte 304 d.C. – 439 d.C.

Período das Dinastias do Norte e do Sul

Sul

Song 420 d.C. – 478 d.C.

Qi 479 d.C. – 501 d.C.

Liang 502 d.C. – 556 d.C.

Chen 557 d.C. – 588 d.C.

Norte

Wei do Norte 386 d.C. – 533 d.C.

Wei do Leste 534 d.C. – 549 d.C.

Wei do Oeste 535 d.C. – 557 d.C.

Qi do Norte 550 d.C. – 577 d.C.

Zhou do Norte 557 d.C. – 588 d.C.

Sui 581 d.C. – 617 d.C.

Tang 618 d.C. – 907 d.C.

15 T. K. San, Dynastic China: An Elementary History, Malasya, The Other Press Sdn. Bhd., 2014, pp. xv e xvi.

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Figura 2 – Lista de reinados dos Imperadores Tang.16

Gaozu 618 – 626

Taizong 626 – 649

Gaozong 649 – 683

Zhongzong (1º reinado) 684

Ruizong (1º reinado) 684 – 690

Imperatriz Wu 690 – 705

Zhongzong (2º reinado) 705 – 710

Shaodi 710

Ruizong (2º reinado) 710 – 712

Xuanzong 712 – 756

Suzong 756 - 762

Daizong 762 – 779

Dezong 779 – 805

Shunzong 805

Xianzong 805 – 820

Muzong 820 – 824

Jingzong 824 – 827

Wenzong 827 – 840

Wuzong 840 - 846

Xuanzong II 846 – 859

Yizong 859 – 873

Xizong 873 – 888

Zhaozong 888 – 904

Aidi 904 – 907

16 C. Benn, China’s Golden Age – Everyday Life in Tang Dynasty, New York, Oxford University Press, 2004, pp. xxi e xxii.

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Anexo C- Fichas técnicas das peças do CCCM

Ficha 1- Divindade em Bronze.

Dimensões: 16 cm (altura), 5 cm (largura).

Material: Bronze dourado.

Cores: Dourado.

Cronologia: Dinastia Tang (618-906), provavelmente anterior a 750.

Análise temática: Entidade budista antropomórfica.

Descrição: Estatueta em bronze dourado A figura apresenta-se sentada, num trono, e

parece estar, embora de forma invertida, na posição Maitreyasana, associada a Maitreya.

Encontra-se vestido com um dhoti e com o que parece ser um lenço que lhe cai pelos

braços. Utiliza um colar, que parece ser de pérolas, uma pulseira no braço esquerdo, tendo

ainda a cabeça coberta com um adorno. Possui, atrás de si, um halo, decorado com

motivos flamejantes e uma miniatura do que parece ser um Buda a encabeçá-lo.

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Referência de Catálogo: Museu do Centro Científico e Cultural, Lisboa, inv. 650.

Palavras chave: China – Tang – Cultura Material – Entidades Divinas - Budismo

Observações: As características acima descritas parecem indicar que estamos na presença

de uma representação de Maitreya.

Ficha 2 – Estatueta Funerária- Lokapala (Guardião de Túmulo).

Dimensões: 69,5 cm (altura), 24 cm (largura), 16 cm (profundidade).

Material: Terracota vidrada.

Cores: Sancai – verde, castanho âmbar e creme.

Cronologia: Dinastia Tang (618-906).

Análise temática: Entidade budista antropomórfica

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Descrição: Estatueta em terracota vidrada sancai representando um Lokapala. O

revestimento vidrado não cobre o rosto e as mãos da figura, sendo que se apresenta em

pé, vestido com uma armadura tipicamente chinesa. O rosto apresenta-se feroz, com olhos

semicerrados e o cabelo encontra-se apanhado no topo da cabeça, em coque. Os punhos

da estátua encontram-se fechados.

Referência de Catálogo: Museu do Centro Científico e Cultural, Lisboa, inv. 316.

Palavras chave: China – Tang – Cultura Material - Budismo –Entidade divina - Sancai

Ficha 3 – Palafreneiro Estrangeiro.

Dimensões: 33,8 cm (altura).

Material: Terracota vidrada.

Cores: Sancai – verde, castanho âmbar e creme.

Cronologia: Dinastia Tang (618-906), primeira metade do século VIII.

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Análise temática: Estrangeiro.

Descrição: Estátua de indivíduo estrangeiro, com traços fisionómicos não chineses.

Revestido a vidrado sancai, que não cobre o rosto e as mãos. O rosto apresenta

sobrancelhas grossas, nariz bolboso, bigode e barba. Tem um braço levantado e o outro

dobrado, com o punho fechado. Utiliza uma veste, cruzada à frente, com um cinto com

fivela em forma de medalhão.

Referência de Catálogo: Museu do Centro Científico e Cultural, Lisboa, inv. 672.

Palavras chave: China – Tang – Cultura Material – Rota da Seda – Estrangeiro - Sancai

Observações: A estatua apresenta traços fisionómicos ocidentais, provavelmente persas.17

Ficha 4 – Estatueta Funerária – Camelo.

17 Cf. Gomes, M. A. C. (coord.), Do Neolítico ao Último Imperador- A Prespetctiva de um Coleccionador de Macau, Governo de Macau, Macau, 1994, p. 97.

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Dimensões: 37,5 cm (altura), 28 cm (largura), 10 cm (profundidade).

Material: Terracota vidrada.

Cores: Sancai – verde, castanho âmbar e castanho escuro.

Cronologia: Dinastia Tang (618-906).

Análise temática: Animal.

Descrição: Estatueta em terracota vidrada sancai. Representa um camelo parado.

Referência de Catálogo: Museu do Centro Científico e Cultural, Lisboa, inv. 311.

Palavras chave: China – Tang – Cultura Material – Rota da Seda – Animal - Sancai

Ficha 5 – Estatueta Funerária – Camelo.

Dimensões: 57,5 cm (altura), 43 cm (largura), 13,5 cm (profundidade).

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Material: Terracota vidrada.

Cores: Sancai – verde, castanho âmbar e castanho escuro.

Cronologia: Dinastia Tang (618-906).

Análise temática: Animal.

Descrição: Estatueta em terracota vidrada sancai, que não cobre as boças e parte da

cabeça. Representa um camelo parado. Possui um adorno em torno da boças.

Referência de Catálogo: Museu do Centro Científico e Cultural, Lisboa, inv. 312.

Palavras chave: China – Tang – Cultura Material – Rota da Seda – Animal - Sancai

Ficha 6 – Vaso Funerário.

Dimensões: 16,5 cm (altura), 11,5 cm (largura).

Material: Terracota vidrada.

Cores: Sancai – verde, castanho âmbar e creme.

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Cronologia: Dinastia Tang (618-906).

Análise temática: Objeto funerário.

Descrição: Vaso em terracota, com vidrado sancai. Simples e sem pegas.

Referência de Catálogo: Museu do Centro Científico e Cultural, Lisboa, inv. 299.

Palavras chave: China – Tang – Cultura Material – Culto Funerário - Sancai

Ficha 7 – Vaso Funerário.

Dimensões: 14 cm (altura), 10 cm (largura).

Material: Terracota vidrada.

Cores: Sancai – verde, castanho âmbar e creme.

Cronologia: Dinastia Tang (618-906).

Análise temática: Objeto funerário.

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Descrição: Vaso em terracota, com vidrado sancai. Simples e sem pegas.

Referência de Catálogo: Museu do Centro Científico e Cultural, Lisboa, inv. 300.

Palavras chave: China – Tang – Cultura Material – Culto Funerário - Sancai

Ficha 8 – Vaso Funerário.

Dimensões: 16,8 cm (altura), 11 cm (largura).

Material: Terracota vidrada.

Cores: Sancai – verde, castanho âmbar, castanho escuro e creme.

Cronologia: Dinastia Tang (618-906), primeira metade do século VIII.

Análise temática: Objeto funerário.

Descrição: Vaso em terracota, com vidrado sancai. Simples e sem pegas.

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Referência de Catálogo: Museu do Centro Científico e Cultural, Lisboa, inv. 673.

Palavras chave: China – Tang – Cultura Material – Culto Funerário – Sancai

Ficha 9 – Pote.

Dimensões: 23,5cm (altura), 18,5 cm (largura).

Material: Terracota vidrada.

Cores: Preto acastanho, azul e creme.

Cronologia: Dinastia Tang (618-906), século IX.

Análise temática: Objeto do quotidiano (?)

Descrição: Vaso em terracota, com vidrado manchado, com cores contrastantes. Parte

inferior do pote deixada por vidrar. Possui uma boca larga, com duas pequenas pegas

aplicadas.

Referência de Catálogo: Museu do Centro Científico e Cultural, Lisboa, inv. 697.

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Palavras chave: China – Tang – Cultura Material – Pote – Vidrado manchado

Ficha 10 – Espelho.

Dimensões: 21,8 cm (diâmetro).

Material: Bronze.

Cores: Prateado.

Cronologia: Dinastia Tang (618-906).

Análise temática: Objeto quotidiano (?)

Descrição: Espelho circular, em bronze prateado. O reverso apresenta uma decoração

vegetal e uma inscrição circular. O centro é decorado com oito animais, um dos quais

representa um leão, e ainda um dragão, um cão e um rato. Estas representações circundam

uma meia esfera perfurada, que serviria, provavelmente, para encaixar uma pega.

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Referência de Catálogo: Museu do Centro Científico e Cultural, Lisboa, inv. 651.

Palavras chave: China – Tang – Cultura Material – Objeto do Quotidiano – Espelho

Ficha 11 – Ave Miniatura.

Dimensões: 5 cm (comprimento).

Material: Terracota vidrada.

Cores: Sancai – Castanho âmbar, verde azul e creme.

Cronologia: Dinastia Tang (618-906), primeira metade do século VIII.

Análise temática: Animal.

Descrição: Pequena estátua representando uma ave, com as asas fechadas. Apresenta

linhas incisas a marcar as penas e a cauda. O bico curto e aberto provoca a sensação de

que se encontra a cantar. A parte inferior da estátua não se encontra vidrada.

Referência de Catálogo: Museu do Centro Científico e Cultural, Lisboa, inv. 675.

Palavras chave: China – Tang – Cultura Material – Objeto do Quotidiano – Miniatura -

Animal – Sancai

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Ficha 12 – Vaso Miniatura.

Dimensões: 4,3 cm (altura), 3.8 cm (diâmetro).

Material: Terracota vidrada.

Cores: Verde.

Cronologia: Dinastia Tang (618-906), primeira metade do século VIII.

Análise temática: Objeto do quotidiano (?).

Descrição: Pequeno vaso monocromático. Apresenta quatro pegas, intercaladas por

apliques de medalhões florais e circundados por pequenas esferas que fazem lembrar

pérolas.

Referência de Catálogo: Museu do Centro Científico e Cultural, Lisboa, inv. 676.

Palavras chave: China – Tang – Cultura Material – Objeto do Quotidiano – Miniatura -

Monocromático

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Anexo D – Exemplos de representações budistas

Imagem 1 – Representação em baixo relevo, do mito da conceção de Siddhartha.

Bharhut, c. de 100 – 80 a.C.18

18 V. Dehejia, “On Models of Visual Narration in Early Buddhist Art”, in The Art Bulletin, Vol. 72, No. 3, New York, College Art Association, 1990, p. 375.

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Imagem 2 – Representação em baixo relevo da Iluminação de Buda. Barhut, c- de 100 –

80 a.C. 19

19 S. L. Huntington, “Early Buddhist Art and the Theory of Aniconism”, in Art Journal, Vol. 49, No. 4, New York, College Art Association, 1990, p. 403.

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Imagem 3 – Representação, em baixo relevo, do paranirvāna, simbolizado com a

iconografia do stupa.20

20 Idem, p. 404.

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Imagem 4 – Estátua de Buda sentado, em estilo Mathura, do período Kushana.21

21 Kimbell Art Museum, Fort Worth, Texas, in https://www.kimbellart.org/collection-object/seated-buddha-two-attendants, 23/09/2018.

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Imagem 5 – Estátua de Buda sentado, em bronze, de Gandhara, datada entre o século I e

meados do século II.22

22 Metropolitan Museum of Art, New York, in http://metmuseum.org/art/collection/search/72381, 23/09/2018.

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Imagem 6 – Estátua representando Buda em pé, do período Gupta, datada do final do

século V.23

23 Metropolitan Museum of Art, New York, in http://metmuseum.org/art/collection/search/38198, 23/09/2018.