A Subjetividade Na Ciência Da Lógica

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6 Veritas Porto Alegre v. 55 n. 3 set./dez. 2010 p. 116-129 A SUBJETIVIDADE NA “CIÊNCIA DA LÓGICA” SUBJECTIVITY IN THE “SCIENCE OF LOGICKonrad Utz* RESUMO O artigo tenciona explicar o conceito da subjetividade na Ciência da Lógica (CdL) a partir de sua forma inicial, diferentemente da maioria dos vários estudos sobre a temática, que discute as formas já mais desenvolvidas, que ocorrem dentro da Lógica do Conceito. Porém, como essa última, desde o início, é “Lógica Subjetiva”, a subjetividade precisa ser constituída antes ou no ponto do começo dela. Essa subjetividade inicial e mínima explica-se por primeiro pela identificação de subjetividade e liberdade, por segundo, pela compreensão da liberdade como autodeterminação. Essa autodeterminação ocorre, na CdL, pela primeira vez na “necessidade absoluta” e torna-se verdadeiramente autônoma na “relação absoluta” da “ação recíproca”. Essa, quando levada até as suas últimas consequências, é autodeterminação conceitual ou conceito autodeterminante – e aí se inicia o reino da liberdade. Mas isso quer dizer que liberdade, inicialmente, não é outra coisa que necessidade internalizada na determinação conceitual, isto é, autodeterminação necessária do conceito. Obviamente, o conhecer, destarte, não faz parte da forma inicial da liberdade e da subjetividade: subjetividade não é, originariamente, autoconsciente. Seu saber-de-si, a subjetividade adquire apenas, através de um desenvolvimento longo e complexo, na “Ideia”, mais especificamente na “Ideia do conhecer”, para plenificar-se na “Ideia absoluta”. O artigo conclui com uma crítica dessa transição à consciência no desenvolvimento imanente da subjetividade, mantendo que a consciência seja algo originário, não reduzível a estruturas conceituais. PALAVRAS-CHAVE Hegel. Subjetividade. Liberdade. Consciência. Ciência da Lógica. ABSTRACT The article tries to explain the concept of subjectivity in Hegel’s Science of Logic, parting from its initial form. In this it differs form other studies on the subject which mostly discuss the more developed forms that are found on the various stages of the Logic of Concept. However, since the latter is “Subjective Logic” right from the beginning, subjectivity must be constituted before pure thinking enters this last stage of its development or at the very beginning of it. This initial and minimal form of subjectivity is explained firstly by its identification with freedom and secondly by understanding freedom as self-determination. This self-determination occurs first * Professor Adjunto da UFC. O presente trabalho foi realizado com o apoio da CAPES, entidade do Governo Brasileiro voltada para a formação de recursos humanos. E-mail: <[email protected]>.

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Filosofia Hegeliana

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6VeritasPorto Alegrev. 55n. 3set./dez. 2010p. 116-129A SUBJETIVIDADE NA CINCIA DA LGICA SUBJECTIVITY IN THE SCIENCE OF LOGICKonrad Utz*RESUMO O artigo tenciona explicar o conceito da subjetividade na Cincia da Lgica (CdL) a partir de sua forma inicial, diferentemente da maioria dos vrios estudos sobre a temtica, que discute as formas j mais desenvolvidas, que ocorrem dentro da Lgica do Conceito. Porm, como essa ltima, desde o incio, Lgica Subjetiva, a subjetividade precisaserconstitudaantesounopontodocomeodela.Essa subjetividade inicial e mnima explica-se por primeiro pela identificao de subjetividade e liberdade, por segundo, pela compreenso da liberdade como autodeterminao. Essa autodeterminao ocorre, na CdL, pela primeira vez na necessidade absoluta e torna-se verdadeiramente autnomanarelaoabsolutadaaorecproca.Essa,quando levadaatassuasltimasconsequncias,autodeterminao conceitualouconceitoautodeterminanteeaseiniciaoreinoda liberdade. Mas isso quer dizer que liberdade, inicialmente, no outra coisa que necessidade internalizada na determinao conceitual, isto , autodeterminao necessria do conceito. Obviamente, o conhecer, destarte, no faz parte da forma inicial da liberdade e da subjetividade: subjetividade no , originariamente, autoconsciente. Seu saber-de-si, a subjetividade adquire apenas, atravs de um desenvolvimento longo e complexo, na Ideia, mais especificamente na Ideia do conhecer, paraplenificar-senaIdeiaabsoluta.Oartigoconcluicomuma crtica dessa transio conscincia no desenvolvimento imanente da subjetividade,mantendoqueaconscinciasejaalgooriginrio,no reduzvel a estruturas conceituais.PALAVRAS-CHAVE Hegel. Subjetividade. Liberdade. Conscincia. Cincia da Lgica.ABSTRACT The article tries to explain the concept of subjectivity in Hegels Science of Logic, parting from its initial form. In this it differs formotherstudiesonthesubjectwhichmostlydiscussthemore developed forms that are found on the various stages of the Logic of Concept.However,sincethelatterisSubjectiveLogicrightfrom the beginning, subjectivity must be constituted before pure thinking enters this last stage of its development or at the very beginning of it.Thisinitialandminimalformofsubjectivityisexplainedfirstly byitsidentificationwithfreedomandsecondlybyunderstanding freedomasself-determination.Thisself-determinationoccursfirst *Professor Adjunto da UFC. O presente trabalho foi realizado com o apoio da CAPES, entidadedoGovernoBrasileirovoltadaparaaformaoderecursoshumanos. E-mail: .K. Utz A subjetividade na cincia da lgicaVeritas, v. 55, n. 3, set./dez. 2010, p. 116-129117within Absolute Necessity and turns fully independent with Mutual InteractionwithinAbsoluteRelation.Inthelastconsequenceof this,self-determinationshowstobeconceptual,formingtheself-determiningconcept.Withthis,thereignoffreedombegins.This means,however,thatfreedominitiallyisjustinternalizednecessity within conceptual determination, that is, necessary self-determination ofconcept.Withthis,knowingandconsciousnessevidentlyarent constitutiveofsubjectivity:subjectivityinitiallyisntself-conscious, but only self-determining. It only gains knowledge of itself when, after alongandintricatedevelopment,ConceptturnsintoIdeaand, more specifically, Idea of Knowledge, and, finally, refers knowledge fully and exclusively to itself in the Absolute Idea. The article finishes with a critique of this transition to consciousness within the immanent development of subjectivity, arguing that consciousness is something original which cant be reduced to conceptual structure.KEYWORDS Hegel. Subject. Freedom. Consciousness. Science of Logic.A importncia da questo da subjetividade para um entendimento adequado da Cincia da Lgica (CdL) de Hegel j foi salientada vrias vezes.KlausDsingdizqueaLgicahegelianaseja,essencialmente, uma teoria da subjetividade.1 Vittorio Hsle2, Petra Braitling3 e Christian Iber4 formulam teses semelhantes. A meta do presente trabalho bem menor e bem mais modesta. No quero explicar toda a CdL como Teoria do Sujeito, quero apenas analisar como o conceito do sujeito formado dentro da CdL. Antes de tudo quero apurar qual seja a forma primria deste conceito do sujeito, isto , a definio mnima e, portanto, bsica dele nessa obra. Os autores mencionados tratam com prioridade das formas mais desenvolvidas da subjetividade na CdL, como a ideia, ou da forma plenamente desenvolvida, isto , da Ideia Absoluta. No vou descrever todo o desdobramento de todas as determinaes da subjeti-vidade a partir do conceito bsico que se completa em toda plenitude e concreo no final da CdL e depois, na Filosofia real, no Esprito absoluto. Tampouco vou explicar o papel fundamental que um tal conceito pleno da subjetividade tem para a filosofia hegeliana como um todo.Quando se discute a questo da subjetividade da CdL, muitas vezes a famosa identificao de sujeito e conceito est no foco do interesse. Como 1Cf.DasProblemderSubjektivittinHegelsLogik.Systematischeundentwick- lungsgeschichtlicheUntersuchungenzumPrinzipdesIdealismusundzurDialektik. Bonn: Bouvier, 1976, p. 15, 22 p.ex.2Hegels System. Der Idealismus der Subjektivitt und das Problem der Intersubjektivitt. Hamburg: Meiner, 1988, p. 53-55.3HegelsSubjektivittsbegriff.EineAnalysemitBercksichtigungintersubjektiver Aspekte. Wrzburg: Knigshausen und Neumann, 1991.4Cf.Subjektivitt,VernunftundihreKritik.PragerVorlesungenberdendeutschen Idealismus. Frankfurt a.M.: Suhrkamp, 1999, p. 188s.K. Utz A subjetividade na cincia da lgica118Veritas, v. 55, n. 3, set./dez. 2010, p. 116-129essa questo j foi muito trabalhada, eu a tocarei apenas brevemente. A perspectiva da minha pergunta, portanto, limitada e simples: quais soasinformaesqueaCdLnosdsobreasubjetividadecomotal, como essas se relacionam com nossas intuies bsicas e quais so os problemas existentes.Subjetividade, conscincia e liberdadeQuandoperguntamos,aumpblicogeral,qualsejaamarcamais fundamentaldasubjetividade,arespostamaiscomumhojeemdia certamenteseria:aconscincianonosentidohegelianodotermo, claro,masnosentidoamplo.Nestesentido,aconscinciaaquilo peloqualsentimos,conhecemos,queremos,enfim,aquilopeloqual algo para ns no sentido da transparncia. Contudo, este aspecto da subjetividadenaCdLsaparecenaideia,explicadonaideiado conhecer e atinge sua plena efetivao somente na ideia absoluta. O prprio Hegel diz que, num certo aspecto, a esfera da subjetividade verdadeira s comea com a ideia. Essa o conceito liberado para sua subjetividade (12/176, itlicos meus). E s na ideia o pensar puro alcana o estado do famoso sujeito-objeto, ou seja, essa relao que, para a intuio moderna sobre o sujeito, a central, a saber, a relao da conscincia. Para Hegel, porm, o mero conceito, no comeo da Lgica do Conceito, j o sujeito, sem que ele contenha este relacionamento; e, assim, a ideia no apresenta a primeira entrada da subjetividade no percurso da CdL, mas efetiva novamente a liberao do conceito da imediatidade (cf. ibid.).5Mas em que sentido, ento, o conceito no incio da lgica subjetiva sujeito? Ou, para expor a pergunta doutra forma, qual a caracterstica bsicadasubjetividadeparaHegel,jque,evidentemente,nopode seraconscincia(nosentidoamplonem,tantomenos,nosentido hegeliano)? A chegamos ao motivo central condutor de todo o Idealismo Alemo: questo da liberdade. Para Hegel, a subjetividade, no fundo, liberdade. Quando h liberdade, pode-se falar tambm em subjetividade. E a liberdade j dada com o conceito. Mas a o assunto fica ainda maisdifcilparanscontemporneoscompreendermos.Porquepara ns, normalmente, a conscincia a base da liberdade.6 Uma liberdade inconsciente no seria liberdade.5Cf. Klaus Dsing, loc. cit. p. 23.6Cf., p.ex., Tomis Kapitan, Selbstbewusstsein und Freiheit (trad. por Catrin Misselhorn), em: Th. Grundman et alii, ed., Anatomie der Subjektivitt. Bewusstsein, Selbstbewusstsein und Selbstgefhl (Festschrift Manfred Frank). Frankfurt a.M.: Suhrkamp 2005, p. 277-299, p. 278-280.K. Utz A subjetividade na cincia da lgicaVeritas, v. 55, n. 3, set./dez. 2010, p. 116-129119Liberdade com autodeterminao conceitualVejamos,ento,comoHegelconcebeoconceitodaliberdadesem conscincia: Para ns tanto como para Hegel, a determinao bsica da liberdade a independncia, isto , o no ser condicionado por um outro. Mas isso no basta, pois se fosse assim, os tomos, numa viso atomista, seriamlivres.Defato,poderamoscham-losassimnumsentido metafrico.Masnosentidoestrito,ameraindependnciaconstitui apenas a acidentalidade, mas no a liberdade. Exige-se, portanto, algo mais.Eestealgoparansaconscincia.Todavia,acombinaode independncia e de conscincia ainda no basta. O aparecer acidental deumafantasianomeupensarnoliberdade.Parece,ento,ser necessrioeliminaraacidentalidade.Aquientraoquerer.Nosomos livresemumaconscinciaqualquer,masnoquereralgo.Masoque constitui a diferena entre uma ideia acidental e um querer, j que ambos, deumacertamaneira,soindependentesdeoutrascoisas?Omeu querer determinado por mim enquanto a mera fantasia involuntria determinada pelo acaso. A independncia, ento, se refere ao determinar. Estou livre, quando querendo, determino algo enquanto eu mesmo no estou determinado por um outro. Estou livre na autodeterminao.7Evidentemente essa foi uma tentativa muito superficial de ganhar um conceito da liberdade. Aqui deve servir apenas para mostrar a diferena entre o conceito hegeliano da liberadade e o nosso, contemporneo comum. Essa diferena, ento, consiste na renncia conscincia na definio dada.Liberdadesimplesmentedeterminaonodeterminadapor algo alheio. A liberdade hegeliana exclusivamente autodeterminao.8 Essaautodeterminaopode,ento,serinterpretadanumamaneira simplesmente formal, pela qual ela no necessita de conscincia. Uma determinao que consiste em si mesma, sem que tenha a necessidade derelacion-laaalgoalheio,jconstituiumaautodeterminaono 7Este, evidentemente, j era a tese central de Kant; cf. Robert P. Pippin, Hegel Begriffslogik als die Logik der Freiheit, em: A. F. Koch, A. Oberauer, K. Utz, ed., Der Begriff als die Wahrheit. Zum Anspruch der Hegelschen Subjektiven Logik. Paderborn: Schningh, 2003, p. 223-237.8Neste sentido aparece, no fundo do conceito da liberdade, a estrutura da causa sui, da autocausao (cf. Ch. Iber, bergang zum Begriff. Rekonstruktion der berfhrung von Substantialitt,KausalittundWechselwirkungindieVerhltnisweisedesBegriffs, em: A.F. Koch, A. Oberauer, K. Utz, ed., Der Begriff als die Wahrheit. Zum Anspruch der Hegelschen Subjektiven Logik. Paderborn: Schningh, 2003, p. 49-66, p. 60-66). Na verdade, j foi formulado por Kant que autonomia autocausao. Em consequncia disso, Manfredo Arajo de Oliveira explica: a liberdade pressupe a autofundamentao ltimadopensamento(Aliberdadeenquantosntesedeopostos.Transcendncia, engajamento e institucionalidade, em: Veritas (Porto Alegre) 44/4, 1999, p. 1019-1040, 1027; cf. tambm ibid. 1023, 1026, 1033).K. Utz A subjetividade na cincia da lgica120Veritas, v. 55, n. 3, set./dez. 2010, p. 116-129sentido formal. Logo, pode haver autodeterminao meramente lgica ou semntica, na qual a conscincia no entra. E assim o mero conceito pode ser livre, quando contm em si sua determinao, independente da relao dele com outros conceitos, percepes ou coisas.9No h dvida de que atualmente a maioria dos filsofos nega uma tal autossuficincia de conceitos em sua definio. Para eles, o conceito da liberdade s faz sentido no contexto da subjetividade consciente. Mas, para Hegel, no assim. Pelo contrrio, ele acredita que a conscincia deveepodeserexplicadaapartirdaautodeterminaoformaldos conceitos.Paraqueconsigamosentenderisso,precisamos,primeiramente, refletirumpoucomaisacercadaautodeterminaoconceitual.Hegel afirma com Espinosa que toda determinao negao. Com isso, ele afirmaquetodadeterminaoimplicaumarelao.Porisso,spode haver autodeterminao, se algo pode conter e efetivar uma relao em si mesmo, permanecendo, ao mesmo tempo, unidade e unio dessa relao. Assim, a autodeterminaco exige a reflexividade, ou seja, o relacionar-se que por um lado constitui de fato uma verdadeira relao, mas, por outrolado,noconstituiumarelao,queorelacionecomumoutro. Hegeltemumconceitoparaumatalautorrestricoeautossuficincia reflexiva, o qual aparece bem no incio da CL: o ser-por-si, o Fr-sich-sein. O ser-por-si faz contraposto ao ser-em-si, o An-sich-sein. O ser-em-si o independente ou o incondicionado por imediatidade. O que imediato, no mediatado e, por isso, no tem uma relao com algo alheio. Neste sentido, ele um absoluto, um no-condicionado. Mas ele um absoluto muitofraco,porqueumabsoluto,doquenopossveldizeroque .Porqueadeterminaoimplicaanegaoeassimexigearelao. 9 verdade que uma vez, na introduo sobre o conceito em geral, Hegel j identifica o conceito com o Eu enquanto autoconscincia (12/17). Mas, por primeiro, ele faz isso numpargrafoqueelemesmocaracterizacomonota,tendo,porisso,apenasuma funo auxiliar. Por segundo, Hegel diz que o conceito s autoconscincia enquanto se desenvolveu numa existncia, que ela mesma livre. Mas essa a caracterizao da ideia, no do mero conceito. A introduo da conscincia no conceito do conceito , ento, uma antecipao. Por terceiro, a seguir Hegel no fala mais da conscincia do Eu, mas apenas da igualdade dele consigo mesmo que constitui sua universalidade, e de sua negatividade reflexiva que constitui sua determinao absoluta e, com isso, sua singularidade e individualidade. Assim, o conceito do Eu serve somente para esclarecer os pontos explicitados a seguir. Mais tarde no texto pode at aparecer que a questo da conscincia ou do conhecer no entre de forma nenhuma no contexto da lgica (12/20). L Hegel diferencia o conceito na natureza orgnica, na qual ele conceito cego, no pensante, que no compreende a si mesmo, do conceito pensante no esprito. Depois ele diz: A forma lgica do conceito independente daquela figura no-espiritual como dessa figura espiritual dele. Mas no pode ter dvida que na ideia e especialmente na ideia absoluta a figura espiritual do conceito, isto , a autoconscincia conceitual, entra na prpria lgica tambm, cf. 12/30.K. Utz A subjetividade na cincia da lgicaVeritas, v. 55, n. 3, set./dez. 2010, p. 116-129121Assim o ser-em-si como tal insuficiente e defeituoso.10 preciso o ser-em-si determinado em si mesmo. E isso apenas pode ser alcanado na autodeterminao, por um relacionar-se reflexivo. O ser-por-si apresenta a forma deste relacionar-se: a autossuficincia autorrestritiva.11A necessidade do Ser-por-siAntesdecontinuarnossareflexosobrealiberdade,procuremos compreender melhor a importncia do que isso significa. Para Hegel evidente que no pode haver um relativismo absoluto, isto , no pode serquetudotenhaseuseresuadeterminaosomenteemvirtude das relaes que ele tem com outros seres, porque se tudo s por um outro e por si nada, ento, tudo por nada. As relaes implodem e seanulam.Ento,nohnada.Porissonopossvelquetudoseja mediatado.Devehaveroimediato,oser-em-si.Masomeroimediato nopodeserdeterminado,porqueadeterminaoimplicaarelao. Assim no pode existir nada, se no h ser-por-si e no simplesmente ser-em-si. possvel, que o ser-por-si s pode ser pensado como reflexo deumser-em-sie,assim,comoalgologicamenteposterior.Masum posterior que o original. um posterior que se revela como a verdade do anterior porque o anterior, o ser-em-si, s possvel como ser-por-si, como mediatado em si mesmo. Deste modo revela-se que o mero ser-em-si ou no tem determinao qualquer e, assim, na verdade, nada, ou, de fato, j era relacionado com um outro, sem que isso tenha aparecido. Logo, a forma refletida e, neste sentido, posterior , na verdade, a forma original e anterior. A forma mais simples do puro imediato s aparentemente anterior e mais original.12Issoimportante,porqueHegelagoraquermostrar,queaforma refletida da irrelatividade, o ser-por-si, logicamente implica a conscincia (nosentidoamplo),isto,opensareoesprito.13Eassimnadapode 10Essa defeituosidade no apenas uma defeituosidade para ns, ela uma defeituosidade em si, isto , da prpria coisa. Desta forma, o Ser puro (que o puro Imediato) no defeituosoapenasporquensnoconseguimosentend-lo;eledefeituosoporque ele,porfaltadedeterminao,indiferenteaoseuoposto,oNadapuro.Elenose diferencia de seu negativo e, portanto, inconsistente.11Ele apresenta apenas a forma na lgica do ser, o ser-por-si ainda no apresenta a prpria autodeterminao (pelo menos no numa maneira explicitada).12Cf. p. ex. V. Hsle, loc. cit. p. 52f, P. Braitling, loc. cit, p. 254 s.13Uma possvel crtica interpretao exposta aqui na verdade uma das duas crticas fundamentais seria que a conscincia no aparece de forma nenhuma na CdL, mas torna-se temtica apenas na Filosofia do Esprito, isto , no na Lgica, mas na Filosofia Real.Ameuver,porm,nopodeterdvidaquenaideiadoconheceroprprio conceito alcana pensar, esprito, autoconscincia (12/192) e que a Ideia absoluta K. Utz A subjetividade na cincia da lgica122Veritas, v. 55, n. 3, set./dez. 2010, p. 116-129existir seno em virtude do esprito e da ideia, porque no possvel que haja um relativismo absoluto e nada pode ser irrelativo ou em si, se no por si na verdade. Assim chegamos ao idealismo absoluto. Tudo tem sua verdade somente no esprito, na ideia.Mas preciso aqui mostrar a conexo necessria entre o ser-por-si que conhecemos no incio da CL, que apresenta uma mera autorrelao reflexiva-formal, e o ser-por-si ou ser-para-si na ideia e na Ideia Absoluta, querepresentaumaautorrelaonosaber-seeefetuar-se.Para compreendermos tal conexo, refletir acerca da questo da liberdade e da subjetividade de suma importncia.O comeo da liberdade: necessidade absoluta e conceitoO primeiro passo na direo da conexo de autodeterminao formal e ideal ns j conhecemos. a despotencializao do conceito da liberdade de uma relao na conscincia para uma mera relao formal. A liberdade, paraHegel,,emprimeirainstncia,ameraautodeterminao.Essa dadapelaprimeiraveznocaptulosobrenecessidadeeacaso,na necessidade absoluta. A necessidade uma relao determinante. Na necessidade relativa ou condicionada, uma coisa determina uma outra coisa, como na causalidade por exemplo. Essa necessidade nunca pode ser absoluta, porque nunca determina totalmente. Sempre pressuposto, independente da necessidade em vigor, a diferena entre o determinante e o determinado, e essa diferena a necessidade no determina. Por isso, a necessidade absoluta s pode ser uma relao determinante que no busqueosrelacionadosdefora,enquantoindependentesdarelao. Osrelacionados,nanecessidadeabsoluta,precisamsertotalmente determinados pela relao determinante mesma, devem ser momentos dela. E a relao determinante deve-se, neles, relacionar no a algo alheio, mas a si mesmo. Ela deve ser autorrelao determinante, ela deve ser verdade que se mesma sabe (12/236). A outra crtica fundamental seria exatamente a oposta, alegando que o lgico ou o pensar puro da CdL seja consciente ou sabendo deste incio, tendo essa dimenso do saber como herana da FdE, nomeadamente do Saber absoluto. A isso eu responderia que, em virtude de sua incondicionalidade, a CdL no pode pressupor nada e, portanto, no receber nenhum contedo da FdE. E mesmo se aceitaramos uma tal herana, ela, evidentemente, no seria explicitada no incio da CdL, no conceito do Ser puro. Mas, ento, o grande desafio seria tornar a conscincia inconsciente, o saber no explcito num prprio contedo da Lgica. Neste caso, a tarefa seria quase a mesma como aqui descrita, porque o tornar-manifesto, na CdL, no pode efetivar-se na forma da descoberta de algo j dado, num salientar nos olhosounumaintuio,masapenasnaformadeumprocessodialtico-discursivo que produz as determinaes de seus conceitos. A questo seria, ento, bem como no caso de minha interpretao: como que (o conceito de) a conscincia ou o conhecer surge dentro da CdL.K. Utz A subjetividade na cincia da lgicaVeritas, v. 55, n. 3, set./dez. 2010, p. 116-129123autodeterminao. E desta forma o conceito da necessidade absoluta em si j representa o conceito da autodeterminao ou da liberdade.Masesteem-siprecisaaindatornar-seem-e-por-si.Aautodeter- minao,quejimplicadananecessidadeabsoluta,deveser postaexplicitamentecomotal.Paraisso,temosquepercorrerum desenvolvimentoque,atravsdoconceitodacausalidade,chegaao conceito da ao recproca. Na ao recproca alcanamos a identidade do determinante e do determinado. Agora, apenas precisamos realizar essaidentidadeenquantotal:aunidadeidntica,queasimesmase determina e por si mesma determinada. Essa unidade explicitamente autodeterminada e autodeterminante o conceito, sem que a questo da conscincia entre na reflexo. Logo, como para Hegel a autodeterminao suficiente para definir a liberdade, o conceito livre. Portanto comea com ele a esfera da liberdade.14 Essa liberdade no outra coisa seno a necessidade refletida em si mesmo, a necessidade emsimismada ela nem a necessidade compreendida no sentido de um compreender consciente, como em Espinosa. Mas, como a subjetividade, para Hegel, definida pela liberdade e no pela conscincia, Hegel pode constatar que o conceito o sujeito.15 a entidade bsica original da autodeterminao explcita e, assim, do ser-em-e-por-si e, por conseguinte, da liberdade.At aqui, a meu ver, no h muito espao para criticar Hegel sem cair no relativismo absoluto. necessrio que haja algo que pelo menos em algum aspecto determinado em si e no s por um outro. Mas ento este aspecto de autodeterminao, tomado por si, s pode consistir numa autorrelaoenquantoasentenadeEspinosavigora,asaber,que todadeterminaonegao.Essaautorrelao,ento,nodeveser apenas formal, como o mero ser-por-si na doutrina do ser, porque nesta formalidade o contedo da determinao no seria autodeterminado, mas dependente de algo alheio e, portanto, relativo. Neste sentido, para sair 14Este o conceito, o reino da subjetividade ou da liberdade (11/409).15Hegel realmente identifica os dois, cf. p. ex. 12/14. Como a subjetividade (lgica) comea junto com a liberdade, acho que a interpretao que P. Braitling (loc. cit, p.ex. p. 163) e, em seguida, Chr. Iber (loc. cit. p. 189s) oferecem seja equivocada. Para eles a marca fundamental da estrutura da subjetividade em Hegel a unio de relao ao alheio e de relao a si mesmo que se pressupe mutuamente. Essa temtica, sem dvida, muito importante quando se discute a questo da subjetividade em Hegel e em geral. Mas essa estrutura nem a forma inicial e, portanto, basal da subjetividade em Hegel, nem a forma ltima e mais desenvolvida. E estrutura inicial aquela da autodeterminao que implica determinao e, portanto, negao, mas no necessariamente a relao aalgoalheio,foradosujeito(pelocontrrio,inicialmenteaautodeterminaopura, formal at exclui dessa relao). E a estrutura do sujeito absoluto na Ideia Absoluto ou no Esprito absoluto implica a relao ao alheio, externo sim, mas ela contm essa apenas enquanto suprassumida na identidade absoluta que se diferencia e se une em si mesma por si mesma.K. Utz A subjetividade na cincia da lgica124Veritas, v. 55, n. 3, set./dez. 2010, p. 116-129do relativismo, precisamos de uma autodeterminao plena e essa s alcanada no conceito do conceito. O conceito, neste aspecto, representa nada mais e nada menos do que a determinao original, a determinao irreduzvel, a determinao autnoma em si e por si. Consequentemente, poderamos criticar o uso dos termos liberdade e subjetividade por essa realidade, mas no poderamos bem criticar, a meu ver, a exigncia original dessa realidade que Hegel chama de conceito.Conceito e subjetividade conscienteA pergunta relevante a fazer ento esta: Ser que Hegel chega a estabeleceraconexonecessriaentreoconceito,assimentendido, easubjetividadeconsciente16,daqualeleclaramentefalanaideia doconhecerenaideiaabsoluta?Infelizmente,oprprioHegel, aparentemente,nodeumuitaimportnciaparaessaquesto.A explicao que ele d breve, pouco detalhada e fica meio escondida na transio entre os captulos a vida e a ideia do conhecer. Nisto podeatsurgirumasuspeita.SerqueHegelcomousoindistinto dos dois conceitos de subjetividade e de liberdade uma vez para uma realidade apenas lgico-formal e outra vez para uma realidade consciente, escondeadiferenaentreeleseilicitamentefingesuaidentidade?A suspeita cresce ainda mais se consideramos o termo ser-por-si. Aqui a lngua portuguesa nos ajuda. Pode ser que ela no consegue distinguir o an-sich e o in-sich, pois para ambos h somente o termo em-si. Mas pode distinguir o por-si e o para-si. Para estes dois, a lngua alem tem apenas um termo, o fr-sich. O por-si indica a autorrelacionalidade formal, o fechamento reflexivo em si mesmo. O para-si indica a autorrelacionalidade consciente. Hegel, claramente, usa o fr-sich uma vez no sentido formal e outras vezes no sentido que implica tambm a conscincia (Hegel faz o mesmo com os termos liberdade e subjetividade). Ento, ser que ele usa essa ambiguidade do termo alemo para esconder a transio entre os dois conceitos, que ele no consegue sustentar?Minha resposta seria no. Hegel consciente da diferena e a explica. Mas pode ser que a ambiguidade do Fr-sich o levou a subestimar as dificuldades. Primeiro, porm, temos que constatar que para Hegel essas equivocaesnoeramacasionaise,assim,oseuusodelasnoera 16Continuo usando o termo consciente no sentido da linguagem comum, no no sentido hegeliano. No contexto do prprio sistema de Hegel, o termo correto seria sabendo. Mas saber, na linguagem comum, normalmente tem o sentido de um conhecer bem sucedido, isto , de um conhecer que certo e verdadeiro. O termo que precisamos aqui precisa ser neutro quanto ao sucesso, portanto me parece menos equvoco para leitores no especialistas em Hegel usar o termo adequado de nossa linguagem comum.K. Utz A subjetividade na cincia da lgicaVeritas, v. 55, n. 3, set./dez. 2010, p. 116-129125ilegtimo. Porque, para Hegel, o ser-para-si consciente constitui a verdade do ser-por-si formal, a subjetividade e a liberdade conscientes apresentam as formas verdadeiras e plenas da subjetividade e da liberdade lgico-formal. S a autoconscincia pode, no fim de tudo, cumprir a tarefa da autodeterminao. Vejamos, ento, por qu.A liberdade verdadeira: a ideiaPrimeiramenteprecisamosentenderporqueaautodetermina- olgico-formalinsuficiente.Somentesecompreendermosseu defeitoimanente,poderemosentenderanecessidadedatransio conscincia e, assim, entender por que a autoconscincia a verdade da autodeterminao. O defeito da autodeterminao do conceito inicial a formalidade dele (cf. 12/29-31). O conceito ainda s forma, o contedo ainda acidental a ele. Mas por que assim? Podemos compreender isso facilmente se lembrarmos a questo da determinao. No pode haver um relativismo absoluto. preciso o imediato. Assim chegamos ao ser-em-si e da ao ser-por-si como autorrelao. Mas se for autorrelao total, temos, de novo, a relao total e, ento, a relatividade total. O ser-por-si no tem relao para um outro, mas em si mesmo, na sua determinao. pura relacionalidade.Precisa,portanto,paranoimplodir,deumimediato. Precisa de um imediato que seja situado dentro dele e, ao mesmo tempo, no seja mediatado pela autorrelao autodeterminante do conceito e isso o contedo em contraposio forma. A forma no conceito j absoluta. Ela totalmente independente na sua determinao pela autorrelao, distinguindo-a da forma na lgica da essncia (cf. 11/294-303). Mas noainda totalmente autnoma.Precisaqueum imediatocaia nela, no para que ela se determine, mas para que ela seja realizada, para que ela tenha existncia. O conceito formal ainda no existente em si e por si. S a ideia alcanar isso. Ela consegui-lo- por integrar ao conceito subjetivooobjeto,queaexplicitaodaquiloquefaltaforma,o imediato em si e por si.Mas, antes de considerar isso, interessante expor um outro aspecto do defeito da forma, um aspecto, porm, que Hegel indica s implicitamente. Eassimtenhoqueadmitirqueumpoucointerpretaominha.A carnciaeanecessidadequeoconceitoformaltemdocontedotem tambm um lado positivo, a saber, a forma pode ter contedo. Ela capaz de acolher algo dentro de si. Ela receptividade. A receptividade, porm, uma caracterstica bsica da conscincia, a saber, no perceber. Mas a forma no s recebe, ela pode tambm formar o que ela recebe. E essa, por sua vez, outra caracterstica bsica da subjetividade consciente. Ela pode dar formas aos objetos. Explicitamente, ela faz isso no querer K. Utz A subjetividade na cincia da lgica126Veritas, v. 55, n. 3, set./dez. 2010, p. 116-129e na realizao do querer. Assim, podemos at conceder a Hegel que o conceito subjetivo formal, de fato, j tem em si os traos da subjetividade verdadeira e que ele foi chamado sujeito no por mera equivocao.Todavia falta-nos ainda integrar a objetividade ao conceito. Para isso, precisamos primeiro obter a objetividade. Obter algo na lgica significa ganhar o conceito dele. O conceito da objetividade recebido facilmente do conceito formal. Quando realizamos o defeito dele e quando tiramos asconsequnciasdestedefeito,chegamosimplosodoconceito. Aautodeterminaoreflexivacolapsapuraimediatidade.Mas,se arelaoemeporsicolapsa,entoganhamosdissoumnovotipode imediatidade, que as formas anteriores da imediatidade, o ser ou o ser-a no tinham, a saber, a imediatidade em e por si. E como a imediatidade real idntica com o ser, obtemos o ser-em-e-por-si (ser aqui entendido no sentido nominal, no predicativo). O nome para este ser-em-e-por-si o objeto: o objeto o conceito da autoexistncia plena. O objeto, ento, o complemento verdadeiro do conceito formal, o contedo autnomo que lhe faltava.Por sua vez, o objeto tambm tem um defeito. Falta-lhe logicamente a determinao em si e por si. Mas, como sem determinao o objeto seria nada e como, ao mesmo tempo, o objeto, como tal, no pode ter a relao determinante dentro de si, as relaes que do determinao ao objeto, em primeira instncia, precisam ser pensadas como algo fora do objeto, como algo alheio, estranho, que no atinge o objeto em si e por si. Este tipo de relao a relao mecnica. Da, num desenvolvimento complicado, o ser-em-e-por-si precisa integrar a determinao em-e-por-si, para, no final, chegar ao conceito realizado, ao sujeito-objeto, que a ideia. A ideia, ento, a unidade e identidade de forma e contedo, mas no de uma forma e um contedo do tipo da lgica da essncia, mas de forma e contedo autnomos em e por si: de sujeito e objeto livre.CrticaAquestoento:suficientetransformararelaodeformae contedo simples em uma relao na qual ambos so refletidos em si e assim autnomos? O prprio Hegel diz: na primeira instncia no. Em primeira instncia, a ideia vida sem que isso implique a conscincia. Essa s aparece pela suprassuno da ideia da vida pela ideia do conhecer. ParaHegel,aideia,primeiramente,svida,porqueaidentidadede sujeito e objeto ainda imediata e, nessa imediatidade, a identidade no posta em e por si. Para alcanar isso, a diferena entre sujeito e objeto tem que se mostrar de novo, mas desta vez por um diferenciar-se autnomo eautodeterminadodaideia.Aquibomlembrarqueaautonomiada K. Utz A subjetividade na cincia da lgicaVeritas, v. 55, n. 3, set./dez. 2010, p. 116-129127diferenciaoexatamenteoquefaltavanatransiodoconceito subjetivoparaaobjetividade.Aaautodeterminaosimplesmente implodiu e o conceito evanesceu no objeto. No se tratava de um ato autnomo do conceito no prprio conceito. Hegel chama este diferenciar-se autnomo da ideia de Urteilen, o julgar no sentido de diferenciao original. Mais uma vez, como vemos, entra em jogo a palavra alem.17 Assim,adiferenaentreobjetoesujeitoproduzidapeloprprioato da ideia e o objeto como o outro da subjetividade no mais um alheio, masvemdelamesmaedamesmaessncia.Oobjetodosujeitono conhecerconceito.Agoraoconceitoautnomonosnosentido da autodeterminao, mas tambm no sentido da autoimediatidade ou autoexistncia e, assim, da autodiferenciao e automediao total. Pensar, esprito, autoconscincia so determinaes da ideia, enquanto ela tem si mesmo como objeto (Gegenstand) e enquanto o ser-a dela, isto , a determinao do ser dela a sua prpria diferena de se mesmo (12/192).Acrescentado autodeterminao da forma, ao auto-ser do contedo e unio dos dois, agora, temos a autodiferenciao dos dois e, assim, a internalidade da diferena entre sujeito e objeto. Mas ser que isso, deverdade,nosforneceenosexplicaaconscincia?Podemosat concederqueHegelnosdumadescrioadequadadasrelaes queestoprevalentesnaconscincia.Masserqueessasdescries formais,defato,explicamaessnciadoser-consciente?Podeatser que essas descries formais so o mximo que podemos dizer sobre a conscincia, porque a essncia dela indescritvel e s pode ser expressa por metforas como a luz da conscincia ou ver e no ser cego. Mas, issonoimpedequeHegelfalheemforneceraexplicitaoplenada conscinciae,portanto,doautoesclarecimentodopensar.Esemisso no h ideia absoluta, esprito absoluto e idealismo objetivo.A irredutibilidade da conscinciaAdmitoqueprecisariademuitomaisdoqueumainvestigaode algumas pginas para provar que as exposies detalhadas e meticulosas na Lgica do Conceito no chegam a mais do que uma descrio formal daconscincia.Masquero,paraconcluir,sustentarminhasuspeita com uma reflexo concisa. A prova e a justificao do resultado da CdL e,comisso,daideiaabsolutaedoidealismoabsolutoencontra-sena necessidade do processo do desenvolvimento da CdL, isto , do proceder do pensar puro. A base e a garantia dessa necessidade a imanentidade 17 Foi Friedrich Hlderlin que usou o termo Ur-teilen neste sentido literrio.K. Utz A subjetividade na cincia da lgica128Veritas, v. 55, n. 3, set./dez. 2010, p. 116-129do processo, a saber, que nada de fora, nada alheio e nada acasional entre nele. A frmula hegeliana para isso aquela que j usamos tantas vezes: o que j dado em si se torna em e para si. O processo do pensar puro no acrescenta nada coisa dada. Ele somente desenvolve a prpria coisa. Eassimodesenvolvimentooprocederdaprpriacoisa.Oprocesso apenas explicita e efetiva o que a coisa j em si.Desta forma, o pensar puro na CdL cria nada de novo e acrescenta nada ao desenvolvimento da prpria coisa. Assim parece. H algo, porm, quenacoisaemsinoestdadoequesomenteopensarproduz:o prprio ser por si. O ser-por-si uma obra originria do pensar puro, ele a aquisio nova dele. Agora lembramos que a conscincia aquilo, no qual algo para mim, e a autoconscincia aquilo no qual algum para si. Mas o para-si, na CdL, no outra coisa que o por-si desenvolvido. Ele a plena explicitao e efetivao desta relao autorreflexiva. Assim, a conscincia um acrscimo original do pensar coisa em si. A conscincia , ento, algo novo e algo que no reduzvel coisa inicialmente dada. Desta forma, a conscincia rompe a imanentidade do desenvolvimento da prpria coisa. Com a entrada dela, o processo no mais determinado exclusivamente por si mesmo. E assim a prpria conscincia no pode ser determinada e explicada totalmente por este processo.Poderamos at aceitar que o ser-por-si inicial na lgica do ser ainda nofereaimanentidadedoprocessolgico.Porquenatransiopara este ser-por-si somente a negao operativa, primeiramente a negao simples,depoisanegaoduplaqueanegaodanegao.Isso, poderamos conceder a Hegel, no fere a imanentidade do desenvolvimento da prpria coisa, porque na prpria coisa, isto , no ser inicial, a negao j era dada, a saber na forma da determinao e da defeituosidade do ser puro. Desta forma, a negao no algo novo e acrescentado coisa emsi.Opensarpuroapenasiteraaefetivaodanegaoe,assim, chega negao reflexiva e com isso ao ser por si. Consequentemente, qualquer desenvolvimento posterior, por complexo que seja e por sutil que sejam seus resultados, consiste somente em formas de negaes e negaes de negaes. Hegel afirma isso em sua explicao do mtodo. Maiscomanegaolgico-formalnuncachegamosaestarelaodo ser-para-siqueconstituiaconscincia.Chegamosaomximoauma descrio formal dela.A conscincia pode ser ou imediatamente autoexplicativa, o que ela evidentemente no , porque desta forma no haveria toda a discusso que h. Ou a conscincia nunca pode ser explicada plenamente para ns. Porque qualquer explicao pode explicar para ns somente em nossa conscincia e, assim, ela nunca explica o prprio explicar que ela realiza. Toda explicao da conscincia explica outra conscincia que essa real K. Utz A subjetividade na cincia da lgicaVeritas, v. 55, n. 3, set./dez. 2010, p. 116-129129e atual no meu ser-consciente desta explicao. Logo, toda explicao da conscincia uma explicao apenas formal. Assim, a negao pode apenas conceber as determinaes da conscincia em contraste a outras coisasounadiferenciaointernadela.Emambasasrelaesno explicado o que a conscincia para mim.A CdL no pode fornecer a plena explicitao da conscincia. Logo, elanochegaplenaautoexplicitaodopensar,isto,dologos. Comisso,aprprialgicanoalcanasuaplenadeterminaoeno consegue cumprir a tarefa que Hegel lhe deu. J foi criticado vrias vezes que a CL contenha a pretenso ilegtima a uma transio do lgico ao ontolgico (na transio objetividade). Eu acho mais grave ainda que elareivindiqueumatransionojustificadadolgicoaoepistmico, isto , das formas aprioristas do pensar luz da conscincia pensante. A luz original no pode ser iluminada.RefernciasOLIVEIRA,ManfredoArajode.Aliberdadeenquantosntesedeopostos. Transcendncia, engajamento e institucionalidade. In: Veritas, Porto Alegre, 44/4, (1999), p. 1019-1040.BRAITLING, Petra. Hegels Subjektivittsbegriff. Eine Analyse mit Bercksichtigung intersubjektiver Aspekte. Wrzburg: Knigshausen und Neumann, 1991.DSING,Klaus.DasProblemderSubjektivittinHegelsLogik.Systematischeund entwicklungsgeschichtlicheUntersuchungenzumPrinzipdesIdealismusundzur Dialektik. Bonn: Bouvier, 1976.HSLE, Vittorio.HegelsSystem. 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