A TENTAÇÃO DO HAIKAI E A EXPERIÊNCIA TRAUMÁTICA DA FOTOGRAFIA EM ROLAND BARTHES

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    Poticas das imagensAA

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    A TENTAODOHAIKAIEAEXPERINCIATRAUMTICADAFOTOGRAFIAEMROLANDBARTHES

    THETEMPTATIONOFHAIKAIANDTHETRAUMATICEXPERIENCEOFPHOTOGRAPHYINROLANDBARTHES

    Leda Tenrio da Motta*Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-SP)

    Rodrigo Fontanari*Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)

    RRRRR E S U M OE S U M OE S U M OE S U M OE S U M OEste artigo quer fornecer subsdios para um entendimento doconceito barthesiano de punctum. Particularmente atento sreferncias poticas, notadamente a do haikai japons, a quefaz apelo definio de Barthes, busca igualmente assinalar aconvergncia entre punctum e escritura, deduzindo dela apoeticidade que muitos tm reconhecido na teoria barthesianada fotografia. Acreditamos que tal enfoque inove as muitasaproximaes aopunctumhoje existentes.

    PPPPP A L A V R A SA L A V R A SA L A V R A SA L A V R A SA L A V R A S ----- C H A V EC H A V EC H A V EC H A V EC H A V EFotografia, haikai, escritura, Roland Barthes

    HHHHHAIKAIAIKAIAIKAIAIKAIAIKAI PORPORPORPORPOR UMAUMAUMAUMAUMA FORMAFORMAFORMAFORMAFORMA POTICAPOTICAPOTICAPOTICAPOTICA DEDEDEDEDE ANOTAOANOTAOANOTAOANOTAOANOTAO DADADADADA VIDAVIDAVIDAVIDAVIDA

    Estamos em dezembro de 1978, Roland Barthes prope sua cadeira de Semiologialiterria no Collge de France, aps Como viver juntoe O neutro, um terceiro e longo cursoque durar dois anos (1978-1980) intituladoA preparao do romance . Como se anunciano prprio resumo para o anurio do Collge, Barthes, nesse primeiro ano, com o subttulo

    Da vida obra, consagra seu curso [] prtica inicial de toda escrita (romanescaou potica): a anotao.1 E ento, como realizao exemplar de toda anotao, toma-se de emprstimo o haikai japons, em seu aspecto, apressa-se a notar ainda Barthes, deforma breve. Essa primeira parte do curso de A preparao do romance quasetotalmente dedicada a determinados aspectos dessa forma breve. Vrias sesses sointeiramente destinadas a discuti-los. Passadas algumas semanas de reflexo sobre essa

    * [email protected]

    * [email protected]. A preparao do romance, p. 256.

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    forma potica oriental, Barthes, em aula de 17 de fevereiro de 1979, envereda peloefeito de real que os dizeres do haikai suscitam. Suas reflexes deslocam-se,supreendentemente, em direo fotografia. Para entrever que: a forma de arte quepermite conceber o haikai = [] a Fotografia.2

    Ora, atravs dessa proposio, Barthes parece reabrir o embate texto-imagem,mas para impulsion-lo para alm daquele dilogo tradicional de complementaridadeentre o textual e o imagtico. Ele estaria a s voltas em tentar repensar o estatutosemitico do haikai e da fotografia. O haikai e a fotografia so expresses da concretizaode um desejo barthesiano: um mundo que fosse isento de sentido.3 Em termossemiolgicos barthesianos, o texto de Aula surge dessa busca: Algum em quem sedebateu, nos bons e nos maus momentos, essa diabrura, a linguagem, s pode ser fascinadopelas formas de seu vazio [vide] que o contrrio absoluto de seu oco [creux].4 Nose trata assim de uma in-significao, mas, ao contrrio, h sentido, mas esse sentidono se deixa pegar; ele permanece fluido, tremulando numa leve ebulio, escreve

    Barthes na sua autobiografia em fragmentos, Roland Barthes por Roland Barthes. O queresta a no , seno, o arrepio do sentido. Essa capacidade paradoxal da linguagemde se apresentar como puro significante sem significado. Em termos menos lingusticosou semiolgicos, diramos uma ofuscao da linguagem; pura salincia que teima emproduzir uma estranha e perversa pulso, em que imagino ver o que escuto,5 diz Barthes.

    Se, de fato, aceitarmos essa proposio barthesiana de que possvel vislumbraruma forma pela outra, a pergunta que nos resta a fazer a seguinte: em que ponto aslinguagens desses dois regimes de expresso aparentemente to diferentes seentrecruzam? Em outros termos ainda, como a materialidade verbal do poema podecriar a visualidade fotogrfica, e como a materialidade icnica do fotogrfico pode, por

    sua vez, suscitar a verbalidade poema?6O caminho para tentarmos responder a essas questes voltarmos, primeiramente,

    a algumas caractersticas pertencentes a essa forma potica oriental. O haikai apresenta-se, tanto ao Oriente quanto ao Ocidente, como uma forma de olhar para o mundo e detrabalhar a linguagem a tal ponto de fazer ressoar no verbal a experincia sensvel econcreta tal como experimentada, anteriormente, pelo poeta.

    A forma potica do haikai se caracteriza por trs versos cuja mtrica de cinco,sete, cinco slabas que surge como forma potica autnoma no sculo XVIII, atravs dequatro principais autores: Bash, Busso, Isa e Shiki.7 Esses trs versos escalonam-se por

    2BARTHES. A preparao do romance, p. 144.3BARTHES. Roland Barthes por Roland Barthes, p. 100.4BARTHES.Aula, p. 36.5BARTHES. Roland Barthes por Roland Barthes, p. 179.6Roland Barthes entrev uma arte pela outra em O terceiro sentido. Notas de Pesquisa sobre algunsfotogramas de S. M. Eisenstein, em 1970, logo que se debrua sobre o fotograma que mostra a aflio deuma senhora aos prantos, que no se constitua a de uma reao imediata a um choque potico, mas,sobretudo, do fruto de uma diligncia intelectiva. Essa cena [] teria o mesmo corpo do haikai japons:gesto anafrico sem contedo significativo, espcie de rctus que se suprime o sentido (o desejo de sentido).BARTHES. O bvio e o obtuso: ensaios sobre fotografia, cinema, pintura, teatro e msica, p. 55.7

    MUNIER. Haku, p. IV. Todas as tradues das citaes so de nossa autoria.

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    justaposio, como se de uma montagem de versos quaisquer se tratasse, dando-nos asensao de estarmos diante de um simples quadro pintado a partir de trs pinceladas,isto , uma vinheta, um esboo, um registro de uma impresso cotidiana. O haikaimostra-se como uma escritura da percepo, que Barthes logo associa a um estilo

    Zen,8 uma vez que para ele o olho que percebe o acontecimento e o revela sobre umpedao de papel um olho mental.

    Para que se possa entender esse encantamento do haikai, talvez devssemos nosater ao escrito barthesiano inteiramente dedicado ao mundo sgnico do Oriente, Oimprio do signos. O haikai opera pelo sentido em vistas de obter uma linguagem plana,que no se desdobra (como acontece sempre na poesia ocidental) em camadas superpostasde sentido, o que poderamos chamar de folheados de smbolos.9

    Barthes encontra no haikai um momento forte, em que a linguagem cessa seufalatrio, enxuga a tagarelice interna da alma, [] uma suspenso pnica dalinguagem, o branco que apaga em ns o reino dos Cdigos, a quebra dessa recitao

    interior que constitui nossa pessoa [].10 Sabe-se que o encantamento barthesianopelo haikai deve-se a sua brevidade. Essa brevidade no se refere simplesmente aoplano da forma (o terceto), ou seja,

    [] no se trata de ser conciso (isto , de encurtar o significante sem diminuir a densidadedo significado), mas ao contrrio de agir sobre a prpria raiz do sentido, para fazer comque esse sentido no se difunda, no se interiorize, no se torne implcito, no se solte, nodivague no infinito das metforas, nas esferas dos smbolos.11

    A impresso sensorial se sobressai na escrita. Trata-se de uma escrita que imprime,na conscincia do leitor, uma experincia corriqueira da vida cotidiana. O haikai a

    expresso, se assim poderia dizer, do reverso do tempo; um aqui e agora de um outrora.O real deixa seu rastro sobre o papel sem, entretanto, permitir-se envolver por digresses,alegorizaes, comentrios, ou qualquer outro tipo de infuso lrica.

    Breve, para a tradio japonesa, o haikai seria uma percepo sbita (iluminao)a partir de uma sensao concreta e imediata. Essa anotao sensvel que o haikaicoloca o acontecimento no tempo presente, pois sua escritura lancinante no rememoranada, ela busca restituir a emoo primeira que dele provm e toca o poeta haikaista.O haikai no faz portanto uma descrio ou uma pintura exata do real, mas um ajusteentre o significante e o significado, que s possvel pois o poeta procura captar aessncia do momento do acontecimento que o fez despertar diante daquele fato: Esse

    algo que etimologicamente uma aventura de ordem infinitesimal: uma

    8No nos parece um equvoco de Roland Barthes fazer essa leitura numa dimenso Zendo haikai, pois,como afirma esse estudioso brasileiro do haikai, Paulo Franchette, dominar essa arte [] adquirir aestranha forma de conscincia inconsciente de si mesma de que nos falam tantos textos budistas umaforma de agir pela no-ao []. FRANCHETTI. Introduo, p. 25.9BARTHES. O imprio dos signos, p. 97.10BARTHES. O imprio dos signos, p. 98.11BARTHES. O imprio dos signos, p. 98.

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    incongruncia de roupa, um anacronismo de cultura, uma liberdade de comportamento,um ilogismo de itinerrio etc.,12 lembra ainda Roland Barthes.

    GGGGGRAURAURAURAURAU ZEROZEROZEROZEROZERO DADADADADA ANOTAOANOTAOANOTAOANOTAOANOTAO

    Muito embora o haikai seja percebido pelo Oriente como a expresso, aqui eagora, da emoo que o originou, o que, de fato, levou Barthes aproxim-lo da imagemfotogrfica, seria, talvez, uma caracterstica bastante singular que o semilogo nota namaterialidade mesmo dessa forma potica oriental: a de ser tangibilis (o que se podetocar, o que da ordem do palpvel). Na materialidade verbal do signo, essa tangibiliacorresponderia presena de palavras cujos referentes so objetos concretos, como nosexemplos seguintes: No orvalho da manh, / Sujo e fresco, / O melo enlameado. 13

    (Bash), ou ainda esse: Eis a forma / Do vento do outono: / O capinzal. (Kigin). 14

    Philippe Forest, revisitando a presena do haikai japons na obra barthesiana emseu artigo Haku et phiphanie: avec Barthes du pome au roman, sugere que o textobreve, para Barthes, [] a expresso do isso sbita revelao do real surgindona nudeza mesmo de uma apario irredutvel a todo comentrio. E, nesse ponto,continua Forest, [] o haikai se assemelha fotografia, entregando uma experinciado isso [Cest a] a qual Barthes dar o nome tornado clebre punctum.15

    A fora figural da palavra nesse poema produz a impresso de captura do real.Portanto, para o olhar barthesiano o que fascina no haikai so: o tempo presente e o real(esse efeito de real). No por acaso, Barthes ainda sublinha que o haikai essa espciede anotao a partir da percepo despertada por um terceiro olho. Nas palavras do prprio

    Barthes, aquilo que cai, aquilo que produz dobra, e, no entanto no outra coisa.16

    Barthes ainda volta-se a uma figura da retrica clssica, hipotipose, que comoassinala o Dictionnaire de la langue franaise, trata-se de uma descrio animada, viva eimpressionante, que coloca, por assim dizer, a coisa sob os olhos ou ainda, essa palavragrega significa imagem; quadro; quando nas descries, se pinta os fatos de que sefala como se o que se diz estivesse atualmente diante dos olhos.17 Assim, conclui Barthes:a tangibilia do haikai: espcies de micro-hipotiposes.18 Bernard Comment, em seu Versle neutre, detendo-se a essa figura grega da retrica clssica evocada inmeras vezes porBarthes, notadamente, em relao ao haikai, percebe, nessa aproximao, uma reduo

    12BARTHES. O imprio dos signos, p. 106.13FRANCHETTI. Haikai, p. 11214FRANCHETTI. Haikai, p. 139.15[] expression du Cest a soudaine rvlation du rel surgissant dans la nudit mme duneapparition irrductible tout commentaire. [] haku sapparente la photographie, livrant galementune exprience du Cest ca, laquelle Barthes donnera le nom devenu clbre de punctum. FOREST.Haku et piphanie: avec Barthes, du pome au roman, p. 163.16BARTHES. A preparao do romance, p. 115.17Description anime, vive et frappante, qui met, pour ainsi dire, la chose sous les yeux. .18

    BARTHES. A preparao do romance, p. 117.

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    semiolgica caracterizada pela eliso do significado. O haikai em toda sua tcnica,segue apontando Comment, [] soube evaporar o significado; s resta uma magracamada de significante. Sente-se uma hesitao, e uma certa dificuldade a teorizar anatureza do haikai, onde o significado claramente esvaziado e ausente, mas do qual

    Barthes no sabe bem o que lhe resta na verdade, da linguagem real.19Toda essa percepo que se pode extrair a partir da leitura barthesiana do haikai

    faz-se pela via da imagem fotogrfica (a isso ainda voltaremos). A fora potica do bomhaikai, aquele que pega, provoca, na fragilidade de um instante, naquele que o l, asbita impresso de ver aquilo que se diz (apresenta-se diante dos seus olhos). 20 Poressa razo, Barthes sentencia em A preparao do romance: O haikai no me pega, nome atinge, sem tangibile, sem hipotipose.21

    Figurar cultural, esmagar o significado em detrimento do significante delirar.Como todo poeta, o haikaista tambm fala por meio de figuras, formas de linguagemque do vivacidade lngua. No entanto, tudo ao contrrio do trabalho do poeta

    ocidental, a linguagem, nas mos do poeta oriental, parece no saltar para a imaginao,ela torna-se fosca isenta de sentido, colocando o significante num infinito deslizar, semse deixar nem apreender por um significado ltimo, constituindo-se assim numa listade detalhes insignificantes, nem mesclar a uma estrutura interpretativa. Nota entoHidetaka Ishida, professor da Universidade de Tokyo, em Lcriture japonaise de RolandBarthes, que a escritura do haikai esse traado [] consistindo num puroretardamento do sentido; ela ressalta desta temporalidade do gesto e do corpo, que oaparecimento final do sentido no pode apagar.22

    IIIIIMAGENSMAGENSMAGENSMAGENSMAGENS QUEQUEQUEQUEQUE TRAUMATIZAMTRAUMATIZAMTRAUMATIZAMTRAUMATIZAMTRAUMATIZAM

    Enveredamo-nos, nesse momento, pela trama da imagem fotogrfica no pensamentobarthesiano. Toda essa primeira parte de A preparao do romance: da vida obra sobrea qual fizemos aluso no incio do texto, encerra-se um pouco mais de trinta dias antesque Barthes se debruce sobre a escrita de A cmara clara, cujo subttulo Nota sobrefotografia, seu derradeiro ensaio em vida, que coroa toda sua reflexo sobre o tema. 23

    19[] a su vaporer le signifi ; il ne reste plus quun mince nuage de signifiant. On sent une

    hsitation, et une certaine difficult thoriser la nature du haku, o le signifi est clairement vid etabsent, mais dont Barthes ne sait pas bien ce quil lui reste, au juste, de langage et de rel. COMMENT.Roland Barthes, vers le neutre, p. 186.20EmA cmara clara, Barthes ento dir da fotografia, para ele essa imagem empreinte do mundo, queela uma espcie de tableau vivantque, como no teatro primitivo, mostra [] a figurao da faceimvel pinta sob a qual vemos os mortos., escreve Barthes. BARTHES.A cmara clara, p. 54.21BARTHES. A preparao do romance, p. 119.22ISHIDA. Lcriture japonaise de Roland Barthes, p. 91.23Barthes inicia a escrita deA cmara clara em quinze de abril e a encerra em trs de junho de 1979.Quarenta e oito dias. Quarenta e oitos pequenos e fulgurantes fragmentos, uma meditao sobre afotografia e sobre a experincia do tempo, pois, nota ric Marty em sua apresentao do tombo V dasOeuvres Compltes, [] a fotografia coloca o tempo num reverso exorbitante, a lembrana se torna

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    Esse livro provoca um duplo espanto. No to somente por se tratar de uma inesperadadisposio de um crtico literrio que trabalhava o mundo das belas-letras voltar-se aosbaixos repertrios dos mass media, mas, sobretudo, de v-lo tambm se curvar, depois dadenncia impiedosa do giro em falso das imagens miditicas em Mitologias, ao aspecto

    qumico e, para ele, bastante traumtico da imagem fotogrfica ao vislumbrar nelas umfundo tenebroso e estremecedor.

    Atentemo-nos a essa pea em prosa que A cmara clarae ao novo estatuto paraimagem fotogrfica que Roland Barthes acaba por fundar nesse livro: a de que certasimagens aquelas tidas por ele como pungentes (a isso voltaremos) podem significarsem necessariamente se deixar apreender pelo discurso verbal que tudo busca reinterpretar.

    a partir da indagao da essncia do noema da fotografia, ou mesmo daquiloque a difere dos outros tipos de imagem, da pintura, do cinema, que deveramos examinaressas fotos. Tomando muito seriamente as reflexes barthesianas a respeito da fotografia,deparamo-nos com o fragmento 35, no qual o autor relata a razo pela qual a fotografia

    sempre lhe espantava. Seu espanto nascia do aspecto qumico da imagem, pois, emboraa arte fotogrfica seja devedora da cmara escura dos pintores, foi a descoberta dasensibilidade luz dos sais de prata, pela Qumica, que possibilitou o registro e a fixaoda imagem. Insistindo bastante no aspecto qumico da imagem, Barthes atribui fotoum carter mgico, uma imagem no produzida pela mo do homem acheiropoietos .Declara assim Barthes: A Fotografia espanta-me sempre, como um espanto que perdurae se renova inesgotavelmente. Talvez esse espanto, essa teimosia, mergulhe na substnciareligiosa a que estou afeioado. Tal o fascnio perturbador que esse tipo de imagemdesperta em Roland Barthes que, algumas linhas adiante, nota ainda o autor: A fotografiatem algo a ver com a ressureio: no se poder dizer dela o que diziam os Bizantinos da

    imagem de Cristo de que est impregnado do Sudrio de Turim [].24A fotografia impe-nos outra reflexo sobre o tempo, pois ela nos diz que algo

    aconteceu assim, tal qual est dado aos nossos olhos. Pura contingncia ou conflunciade tempo e espao. Foi preciso que o fotgrafo estivesse l, naquele exato momento, eque voltasse o olho da cmara para aquela cena e que disparasse o clique naqueleexato momento em que ela acontecia. Eis a o noemada fotografia, a confluncia issoaconteceu [a a t] e ter estado l [avoir t l]. Essa ltima incurso de Barthes imagem fotogrfica o levou a forjar a seguinte concepo: uma chamuscada [ tuch] doreal sob o filme fotogrfico. Numa imagem fotogrfica, por fora de uma estranhacondensao, isso e aquilo, concomitantemente, coabitam esse mesmo espao. O que ,

    ser e, em seu sendo, j foi. O instante capturado pelo aparelho essa equivalnciaabsurda. O tempo na fotografia sem intervalo. H, portanto, na fotografia duas noesde tempo que correm paralelas e concomitantemente: de um lado, um tempo que

    contralembrana, toda sensao se transforma no seu prprio luto, e todo medo, no medo de umacatstrofe que j aconteceu. [] la photographie place alors le temps dans un envers exorbitant, lesouvenir y devient contre-souvenir, toute sensation y devient son propre deuil, et toute crainte celledune catastrophe qui a dj eu lieu. Tudo isso nos faz crer que essa Nota sobre fotografia se assemelhamuito a um dirio em que Barthes vai contando as suas perdas e a gravando a tinta a dor do seu luto pelaperda da me, Henriette Barthes. MARTY. Prsentation, p. 20.

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    aquele do ato fotogrfico que, para que a foto exista ou mesmo para que a foto sejafeita necessrio que aquilo que est representado tenha acontecido. E, de outro, otempo do registro, da impresso, ou seja, simplesmente o tempo que se imprime sobre aimagem em si mesma, aquela que se revela diante dos nossos olhos, e que nos coloca

    num tempo sempre presente: aquilo vivo enquanto registro de algo ou algum, o queno se pode mudar enquanto os sais impregnados do sujeito fotografado existirem. Dessaconfluncia no se pode dizer outra coisa seno aquilo que Barthes mesmo j disse: oretorno do morto.25 Morto enquanto representao de um sujeito que est morto e aomesmo tempo, a morte iminente, na medida em que aquele que foi capturado naqueleinstante, no minuto anterior, j no existe mais, e, se algo ainda existe daquele mesmosujeito foto, talvez pelo desgaste do tempo anuncia a prpria morte (apagamento).Quer queira ou no, em toda foto a vida est suspensa, emergindo da a figura de ummorto. Uma verdadeira trama de horror. Porm, por efeito espectral prprio da fotografia,o que retido na pose est viva. No mais a lgica, mas uma potica. Fato esse que faz

    com que Barthes escreva em relao foto do jovem Lewis Payne condenado por tentarassassinar o secretrio do Estado americano feita por Alexander Gardner, que isso estmorto e isso vai morrer.26

    Se para que a imagem fotogrfica seja produzida necessrio que haja a presenade um referente, e ainda, se tomarmos a palavra fotografia a partir do que nos mostrasua prpria raiz etimolgica grega, ftons (luz) e graphie (escrita, inscrio), grafiada luz a ao de inscrio da luz sobre certas superfcies sensveis (superfcie de saisde prata) , a imagem disso resultante torna-se, de algum modo, uma espcie de imagemrelquia, pois, afinal, essa imagem se forma a partir de algo que emanou do sujeitofotografado e ali permaneceu para sempre, eternizado, ou mesmo fixado ou congelado

    para sempre, na emulso dos sais de prata. Jacqueline Guittard, acompanhando oprogressivo interesse de Barthes pela imagem, sobretudo a fotogrfica, em sua tese dedoutorado intitulada La photographie ou lpreuve de lcriture, sob a direo de ricMarty, na Universit de Paris VII, nota, em sntese, nesse ltimo Barthes, que A fotografia o intratvel: nela, permanece sempre um suplemento de sentido, um resto irredutvel,impossvel de se metabolizar pelo aparelho terico; tal a lio de Roland Barthes.27

    Barthes tambm guia o olhar do espectador a perceber a fotografia no como umsigno, pois, Seja o que for o que ela d a ver e qualquer que seja a maneira, uma foto sempre o invisvel: no aquilo que vemos,28 nota o autor. E poeticamente prossegueainda o crtico: Diramos que a Fotografia traz consigo seu referente, ambos atingidos

    pela mesma imobilidade amorosa ou fnebre, [] [esto] colados um ao outro, membroa membro (p. 16).

    24BARTHES.A cmara clara, p. 123-124.25BARTHES.A cmara clara, p. 20.26BARTHES.A cmara clara, p. 142.27La photographie est intraitable: en elle, demeure toujours un supplment de sens, un resteirrductible, impossible mtaboliser par lappareil thorique; telle est la leon de Roland Barthes.GUITTARD. La photographie ou lpreuve de lcri ture, p. 436.28BARTHES.A cmara clara, p. 17.

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    Nessa imagem quimicamente produzida, coabitam a cena, segundo o olhar deBarthes, dois conceitos que se tornaram norteadores da leitura que o autor faz das fotos.So eles: o studium e opunctum. Esse pode ser considerado um no sei o qu que procededa cmara clara. quando, ento, a imagem se oferece ao mundo da sensibilidade, do

    afeto, pois no punctumno mais o intelecto que responde, mas o corpo que age e reagequilo que lhe posto. Como espectador, eu s me interessava pela Fotografia porsentimento; eu queria aprofund-la, no como uma questo (um tema), mas como umaferida: vejo, sinto, portanto, noto, olho e penso (p. 42). Opunctum refere-sena concepobarthesiana a algo que fascina o corpo; o campo do indizvel da imagem: aquilo que calana alma do observador porque embora olhar seja capaz de capturar, a linguagem noconsegue traduzir. Ela somente aponta a cena. o campo cego da imagem.

    Portanto, o punctum o detalhe da fotografia; algo que parte da cena, e vemme transpassar (p. 68). Na segunda parte, esse conceito se expande e toma a dimensoda nostalgia, da dramaticidade e da intensidade: a ideia de isso aconteceu (noema).

    Enquanto o studium aquilo que da ordem da cmara escura, aquilo que est inscritono enquadramento fotogrfico e que, geralmente, est condensado numa imagem quese oferece ao olhar e, sobretudo, ao intelecto. Nos termos do prprio Barthes, studiumaplicao a uma coisa, o gosto por algum, uma espcie de investimento geral, ardoroso, verdade, mas sem acuidade particular. pelo studium que me interesso por muitasfotografias quer as receba como testemunho poltico, quer as aprecie como bons quadroshistricos (p. 45).

    Demoremos um pouco mais sob o conceito depunctum. Ele interessa-nos, na medidaem que esse elemento da imagem que vem estilhaar o studium, esse acaso que me

    punge (mas tambm me mortifica, me fere) (p. 46), escreve Barthes que, por sua vez,

    leva-nos de volta ao haikai japons. Em A cmara clara, o autor retoma essa aproximanos seguintes termos:

    Um detalhe conquista toda minha leitura; trata-se de uma mutao viva de meu interesse,de uma fulgurao. Pela marca de alguma coisa, a foto no mais qualquer coisa. Essaalguma coisa de um estalo, provocou em mim um pequeno abalo, um satori, a passagemde um vazio [] a leitura dopunctum(da foto pontilhada, se assim podemos dizer) aomesmo tempo curta e ativa, encolhida como uma fera. Ardil do vocabulrio: diz-sedesenvolver [dvelopper] uma foto; mas o que a ao qumica desenvolve oindesenvolvvel, uma essncia (de ferida), o que no transformar-se, mas apenas repetir-se [] Isso aproxima a Fotografia (certas fotografias) do haikai. Pois a notao de umhaikai tambm indesenvolvvel: tudo est dado, sem provocar a vontade ou mesmo a

    possibilidade de uma expanso retrica. Nos dois casos, poderamos, deveramos falar deuma imobilidade viva: ligada a um detalhe (a um detonador), uma exploso produz umaestrelinha no vidro do texto ou da foto: nem o Haikai nem a Foto fazem sonhar (p. 78).

    O punctum arraiga o trauma.29 da certeza de que a cena realmente aconteceu,e que aquilo que foi registrado no pode ser transformado, que nasce o trauma fotogrfico.Quando opunctumadvm aos olhos do espectador, um terceiro olho que atingido, j

    29Lembremo-nos que trauma, em grego, significa ferida, em sua raiz indo-europeia indica atrito ouchoque, do qual nasce, justamente, a ferida, remetendo assim, a nosso ver, ao sentido primeiro danoo depunctum barthesiano. RAYE. Le Robert, p. 3899.

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    no se v a imagem. A percepo ocular se detm insistentemente dimenso minsculade algo corriqueiro da vida que salta da cena fotogrfica e vem perturbar e desarranjara emoo do espectador, atravs de experincias profanas ligadas dimenso do nossocotidiano, o que leva a imagem fotogrfica a uma dimenso epifnica. Ento, essa

    dimenso da fico qumica, atravs da qual a fotografia repensada em A cmaraclara, vem preencher o esprito barthesiano de afago pela crena ou a esperana numaressureio da foto (trao luminoso) em meio a essa confuso perversa do real e do vivo essa imobilidade viva30 de que fala Barthes , que nela insiste em permanecer.

    Ora, parece-nos, de fato, que se Barthes no separa a foto pungente do bomhaikai porque, de alguma maneira, o punctum toma de assalto, a partir de outrostermos, aquelas mesmas prerrogativas, aquelas mesmas dimenses que Barthes apontavado haikai, (tangibile e hipotipose) para imagem fotogrfica. O fotogrfico salta do quadrocnico, tal a fora mimtica da imagem que faz crer que o olho est diante da prpriacena no momento mesmo em que ela acontece. Ouamos Barthes: [] sob o efeito de

    uma experincia nova, a da intensidade, eu induziria, da verdade da imagem, a realidadede sua origem; eu confundia verdade e realidade numa emoo nica, na qual eucolocava doravante a natureza o gnio da Fotografia [] (p. 116). No por acaso,

    A cmara clara gira em torno da ideia de que a imagem fotogrfica aponta para umaemanao do referente que pulsa vivamente na emulso de sais de prata que a registroupara sempre e vem salientemente tocar o olhar desse sujeito que se pe a v-la: um realque no se pode tocar. Uma imagem louca, friccionada pelo real. Tanto que o prprioBarthes nos deixa de alerta: A Fotografia torna-se uma nova forma de alucinao: falsano nvel da percepo, verdadeira no nvel do tempo: uma alucinao temperada, decerto modo, modesta, partilhada (de um lado, no est l, do outro, mais isso realmente

    este) imagem louca, como tinturasde real (p. 169).Para arrematarmos a aproximao entre o haikai e a fotografia, Bernard Comment

    ainda quem lembra que o haikai o modelo que incarnaria suficientemente bem noato fotogrfico, j que ambos buscam apreender pedaos do mundo em suainstantaneidade antes de desaparecer.31 A essa constatao somaramos a seguinteproposio: tanto a escritura do haikai quanto a prpria escritura da luz que a fotografia,semiologicamente, nos conduzem, mais longe que a um significado, em direo a umapura materialidade do referente.

    UUUUUMMMMM DETALHEDETALHEDETALHEDETALHEDETALHE QUALQUERQUALQUERQUALQUERQUALQUERQUALQUER DERRAMADODERRAMADODERRAMADODERRAMADODERRAMADO NUMNUMNUMNUMNUM INSTANTEINSTANTEINSTANTEINSTANTEINSTANTE

    O desejo barthesiano do haikai no se prende, notadamente, s suas exignciasmtricas ou a quaisquer outras regras formais desse poema. Seu interesse volta-se habilidade potica do haikaista de conseguir conservar toda a fulgurncia de um instante. o que o encanta tambm diante de uma fotografia pungente, esse instante que indica

    30BARTHES.A cmara clara, p. 78.31[] sincarnerait assez bien dans lacte photographique, qui saisit des morceaux du monde dans leur

    instantanit aussitt vanouie. COMMENT. Roland Barthes, vers le neutre, p. 190.

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    para o espectador que a olha que [] algum viu o referente (mesmo que se trate deobjetos) em carne e osso, ou ainda em pessoa. Por isso, assinala, por fim, Barthes: []se a fotografia se torna ento horrvel, porque ela certifica, se assim podemos dizer,que o cadver est vivo, enquanto cadver: uma imagem viva de uma coisa morta.32

    Essa instantaneidade, esse flashdo qual nascem os haikais e a fotografia, Barthes insisteem l-los de uma perspectiva bastante orientalista ao denomin-los de satori. Ele entendeessa noo como uma aquisio de um novo ponto de vista, uma experincia sbita;uma reverso do esprito em que a linguagem falha e no resta mais do que o desejo e anecessidade de dizer: isso exatamente isso [] tal como .33

    Por implodir com qualquer rigorosidade do haikai, Barthes coloca-o muito prximodas formas de escrituras que lhe so caras, a saber: a anamnese e o biografema. Asanamneses so biografemas que permitem dizer a vida sem cont-la, de ficar naimpessoalidade sem ceder fico. o que faz Barthes na entrada Pausa anamnese,de Roland Barthes por Roland Barthes, em que escreve: Chamo de anamnese a ao

    mistura de gozo e de esforo que leva o sujeito a reencontrar, sem o ampliar nem ofazer vibrar, uma tenuidade de lembrana: o prprio haikai. O biografema nada mais do que uma anamnese factcia: aquela que eu atribuo ao autor que amo.34 Anamnese,biografema, fragmento so outras nomenclaturas que aderem glosa barthesiana e quebuscam recuperar, de maneira bastante ocidentalista, a fulgurncia da escritura poticado haikai, pois eles quebram [] o que eu chamarei de cobertura [nappe], a dissertao,o discurso que se constri na ideia de dar um sentido final ao que se diz,35 testemunhao prprio crtico numa entrevista de 1975 concedida revista Magazine Littraire, Vingtmot-cls pour Roland Barthes.

    A fotografia pungente e o haikai so escrituras do presente, que tendem a

    escrituras brancas ou, ainda, a uma espcie de anotao tomada em seu grau zero,em sua literalidade que atribui toda uma outra dimenso noo mesma de compreenso.Compreender no reter o sentido, mas apelo ao sentido. Noutras palavras, umaceno breve do referente sobre o fluxo da vida, to breve que mal se consegue mant-lo sobre o pedao de papel ou sob a chapa fotogrfica. O que vemos sobre essas superfciesso traos que reproduzem [] o gesto designador da criana pequena que apontacomo o dedo qualquer coisa [] dizendo apenas: isto!, com um movimento to imediato(to privado de toda mediao: a do saber, do nome ou mesmo da posse).36 Por issomesmo, talvez, Barthes, em O imprio dos signos,observando o gesto grfico do haikai,recorra ideia de uma fotografia tirada japonesa [] mas tendo esquecido de carregar

    o aparelho com a pelcula, j que a foto , no limite, esse trao de um gesto designador.Tal experincia relatada por Barthes diante da fotografia do Jardim de Inverno (1898),em que se figura sua me com 5 anos de idade e o irmo dela, com essas palavras: []

    32BARTHES.A cmara clara, p. 118.33BARTHES. A preparao do romance, p. 166.34BARTHES.A cmara clara, p. 126.35[] ce que jappellerai le napp, la dissertation, le discours que lon construit dans lide de donnerun sens final ce quon dit. BARTHES. Vingt mots-cls pour Roland Barthes, p. 855.36

    BARTHES. O imprio dos signos, p. 113.

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    a Fotografia do Jardim de Inverno, na qual fao mais do que reconhec-la (palavragrosseira): na qual eu a encontro: brusco despertar, fora semelhana, satori no qual aspalavras falham, evidncia rara, talvez nica, do Assim, sim, assim, e nada mais .37

    Philippe Forest, naquele mesmo ensaio de que falvamos, quem resume bem a trama

    entre o haikai e foto. Para ele, [] atravs do poema, como atravs da fotografia,alguma coisa faz imagem e tem valor de marca deixada no tempo por um acontecimento,acontecimento que no pode ser exatamente recontado mas designado, apontado como dedo [].38 Eles produzem o efeito de real, isto , denotaes diretas do real, odesvanecimento da linguagem em proveito de uma certeza de realidade: a linguagemse volta, foge e desaparece, deixando a nu o que diz.,39 pondera, por sua vez, Barthes.

    Enfim, so formas poticas imagticas e verbais que, no limite, fazem pulsar alinguagem e escut-la de modo sensvel como se ela tocasse o real. quando, ento, alinguagem j no funciona mais como um mecanismo de representao, reproduo doreal (um plgio malogrado porque a linguagem sempre o lugar da falta), porm como

    uma salincia, um gesto que nos fazer perceber o latejar do signo. Fora que silenciao cdigo e seu encadeamento, e suspende todo o desejo e necessidade de um sentidoltimo que leva paz das nomeaes. Fiquemos, para arrematar as ideias, com as palavrasde Marie Gil em Roland Barthes: au lieu de la vie, que sublinha nos escritos barthesianosuma escuta progressiva da linguagem com meio carnal, sensual, e no mais simplesmenteestrutural e fechada em suas convenes:

    Da lingustica ao prazer do texto, h a realizao da semiologia no romanesco emque a ruptura com a lingustica estrutural, no plano institucional, uma ertica dosignificante que reconduz Barthes quando ele se volta aos procedimentos de O impriodos signos, contra o dogmatismo intelectual. Ele define seu combate desde ento como

    uma batalha pelo significante, pela sua suntuosidade ertica, pela sua pulso, pela sualiberao. No mais a lngua em sua estrutura, no sentido abstrato, que o interessadoravante, mas a lngua falada, incarnada, carnal e fontica, uma lngua corporal que eletanto pode apreciar no Japo, que, no se agarrando nem a referente nem a significado,s lhe restaria a fontica.40

    37BARTHES.A cmara clara, p. 160, grifos do original.38Par le pome, comme par la photographie, quelque chose fait image et qui a valeur de marque laissedans le temps par un vnement, vnement qui ne peut pas tre exactement racont mais dsign,point du doigt. FOREST. Haku et piphanie: avec Barthes, du pome au roman, p. 163.39BARTHES. A preparao do romance, p. 144.40 De la linguistique au plaisir du texte, il y a ralisation de la smiologie dans le romanesque - dola rupture avec la linguistique structurale, sur le plan institutionnel. Cest une rotique du signifiantque renvoie Barthes lorsquil revient sur la dmarche de lEmpire des signes, contre le dogmatismeintellectuel. Il dfinit son combat ds lors comme une bataille pour le signifiant, pour sa somptuositrotique, pour sa pulsion, pour sa libration. Ce nest plus la langue dans sa structure, au sens abstrait,qui lintresse dsormais, mais la langue parle, incarne, charnelle et phonique, une langue corporellequil a dautant pu apprcier au Japon que ne saisissant ni rfrent ni signifi, il ne restait que laphontique. GIL. Roland Barthes: au lieu de la vie, p. 345-346?

    AA

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    AAAAA B S T R A C TB S T R A C TB S T R A C TB S T R A C TB S T R A C TThis article aims to provide support for an understanding ofthe concept of Barthesspunctum. Particularly attentive to thepoetic references, notably the Japanese haiku, which thedefinition of Barthes appeals to, this article also search to

    highlight the convergence between punctum and writing,deducting from it the poeticity that many have recognized inBarthes theory of photography. We believe that such anapproach innovates the many existing approaches to the

    punctum.

    KKKKKE Y W O R D SE Y W O R D SE Y W O R D SE Y W O R D SE Y W O R D SPhotography, haikai, writing, Roland Barthes

    RRRRR E F E R N C I A SE F E R N C I A SE F E R N C I A SE F E R N C I A SE F E R N C I A SBARTHES, Roland. A cmara clara: nota sobre a fotografia. 9. ed. Traduo de JlioCastaon Guimares. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2004.

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