A Tirania Empresarial Peter Drucker e José Pio Martins

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PETER DRUCKER E A TIRANIA EMPRESARIAL José Pio Martins Em meados de 2007, quando grandes bancos dos Estados Unidos apresentaram gigantescos rombos financeiros, começou a estourar a crise imobiliária norte-americana. Daí em diante, a crise se alastrou e contaminou toda a economia do país. A partir de 2008, a tragédia ganhou o epíteto de “crise financeira mundial”, em razão de sua força destruidora nos Estados Unidos e na Europa. Em meio ao cipoal de problemas, George Bush anunciou um imenso pacote de ajuda financeira para salvar bancos e empresas, na tentativa de evitar o fundo do poço. Logo após ser salva com dinheiro público, a gigante de seguros AIG decidiu pagar 165 milhões de dólares de bônus aos mesmos executivos que arruinaram a empresa e ajudaram a quase levar o sistema financeiro nacional para o buraco. Esse episódio nos remete a Peter Drucker. Austríaco radicado nos Estados Unidos, onde veio a falecer em 2005 aos 96 anos, Peter Drucker é considerado o pai da administração moderna e seu principal expoente. Ao longo de sua extensa carreira, Drucker escreveu 39 livros e foi ironizado algumas vezes por dizer coisas que pareciam não fazer sentido ou por parecerem um tanto exageradas. No prefácio da edição de 1973 do livro “Management: Tasks, Responsibilities, Practices”, Drucker fala da tirania empresarial e do perigo que ela representa. “No período curto de 50 anos, nossa sociedade tornou-se uma sociedade das instituições, na qual cada tarefa social relevante tem sido confiada às grandes empresas, desde a produção de bens econômicos até os serviços de assistência médica, seguro social, previdência e educação”, dizia ele; para acrescentar que “fazer nossas instituições atuarem de forma responsável, autônoma e em alto nível é a única salvaguarda da liberdade e da dignidade. Mas são os administradores que fazem as instituições atuarem. Uma administração responsável é a alternativa à tirania e nossa única proteção”. Nesse texto de 1973, Drucker dizia estar horrorizado com a ganância dos executivos, e muitos acharam que ele estava sendo pessimista e sentimental demais. “As empresas

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Mostra como os interessesa de grandes empresários pode se contrapor aos interesses comunitários.

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PETER DRUCKER E A TIRANIA EMPRESARIAL

José Pio Martins

Em meados de 2007, quando grandes bancos dos Estados Unidos apresentaram

gigantescos rombos financeiros, começou a estourar a crise imobiliária norte-americana.

Daí em diante, a crise se alastrou e contaminou toda a economia do país. A partir de 2008,

a tragédia ganhou o epíteto de “crise financeira mundial”, em razão de sua força

destruidora nos Estados Unidos e na Europa.

Em meio ao cipoal de problemas, George Bush anunciou um imenso pacote de ajuda

financeira para salvar bancos e empresas, na tentativa de evitar o fundo do poço. Logo

após ser salva com dinheiro público, a gigante de seguros AIG decidiu pagar 165 milhões

de dólares de bônus aos mesmos executivos que arruinaram a empresa e ajudaram a quase

levar o sistema financeiro nacional para o buraco. Esse episódio nos remete a Peter

Drucker.

Austríaco radicado nos Estados Unidos, onde veio a falecer em 2005 aos 96 anos,

Peter Drucker é considerado o pai da administração moderna e seu principal expoente.

Ao longo de sua extensa carreira, Drucker escreveu 39 livros e foi ironizado algumas

vezes por dizer coisas que pareciam não fazer sentido ou por parecerem um tanto

exageradas. No prefácio da edição de 1973 do livro “Management: Tasks,

Responsibilities, Practices”, Drucker fala da tirania empresarial e do perigo que ela

representa.

“No período curto de 50 anos, nossa sociedade tornou-se uma sociedade das

instituições, na qual cada tarefa social relevante tem sido confiada às grandes empresas,

desde a produção de bens econômicos até os serviços de assistência médica, seguro social,

previdência e educação”, dizia ele; para acrescentar que “fazer nossas instituições atuarem

de forma responsável, autônoma e em alto nível é a única salvaguarda da liberdade e da

dignidade. Mas são os administradores que fazem as instituições atuarem. Uma

administração responsável é a alternativa à tirania e nossa única proteção”.

Nesse texto de 1973, Drucker dizia estar horrorizado com a ganância dos executivos,

e muitos acharam que ele estava sendo pessimista e sentimental demais. “As empresas

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estão longe de ser perfeitas. Como os gestores sabem, elas são muito difíceis; cheias de

frustrações, tensão e atritos; desajeitadas e incômodas. Mas elas são as únicas ferramentas

que temos para alcançarmos propósitos sociais tais como produção e distribuição de bens,

assistência médica, serviços pessoais, educação”, assim ele se expressava.

Diante dos desmandos e desatinos de alguns empresários e executivos, cabe à

sociedade e ao governo dotar o país de legislação eficiente para regular as atividades

empresariais e punir exemplarmente o comportamento antiético e fraudulento. Drucker

ainda queria que as empresas colocassem o ser humano no foco de suas preocupações.

Sem descuidar dos imperativos da eficiência e da competição, os executivos deveriam

impedir que a empresa se tornasse uma máquina trituradora de gente e geradora de

infortúnio e infelicidade para funcionários e clientes.

Relendo Peter Drucker, vemos que, quando o bolso do acionista ou do executivo é

abastecido à custa do empregado, do cliente e do contribuinte – como ocorreu no caso dos

bônus dos homens que destruíram a AIG – é hora de a sociedade e dos políticos reagirem

com regulação inteligente. Como disse o filósofo André Comte-Sponville: “Na ausência

da ética, a lei”.

José Pio Martins, economista, é reitor da Universidade Positivo.

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