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    Revista de Pesquisa em Polticas Pblicas

    Edio n 03 agosto de 2014

    A TRAJETRIA RECENTE DA POLTICA DE

    HABITAO SOCIAL NO BRASIL

    Simone da Silva Costa1

    RESUMOEste artigo objetiva reetir sobre as mudanas recentes ocorridas na trajetria da poltica de habita-o social no Brasil. Debate as propostas e realizaes do Projeto Moradia, lanado no ano 2000,para a reduo de dcit habitacional brasileiro at a implementao do Programa Minha Casa

    Minha Vida. A partir de um referencial terico sobre o tema e visita aos sites ociais do governo, possvel vericar que, a partir de 2009, ocorreu uma mudana no rumo da referida poltica. A mo -radia deixou de ser vista como um direito e passou a ser tratada como uma mercadoria e objeto deconsumo. Estudos recentes j revelam que os empreendimentos do Minha Casa Minha Vida para apopulao mais pobre esto sendo construdos em localidades distantes dos centros das cidades,onde o preo da terra mais barato. A decincia de transporte pblico, equipamentos sociais esegurana no condizem com o modelo de poltica habitacional sugerido pelo Projeto Moradia. Palavras-chave: Poltica habitacional; habitao social; Projeto Moradia; Programa Minha Casa Mi-

    nha Vida.

    Abstract

    This article reects on the recent changes in the trajectory of public housing policy. Discuss the

    proposals and achievements House Project, created in 2000, to reduce the housing decit in Bra-

    zil, until the implementation of the program Minha Casa Minha Vida. Based on a theoretical re-

    ferential on the subject and visit to the ocial government websites, we can see that there was

    a change in the direction of the policy. The house is no longer seen as a right and began to be

    treated as a commodity and object of consumption. Recent studies have revealed that the pro-

    jects of the Minha Casa Minha Vida for the poorest being constructed in locations distant from the

    centers of cities, where land prices are cheaper. A deciency of public transport, social equipment

    and safety are not consistent with the model of housing policy suggested by the Moradia Project.

    Keywords: Housing policy; social housing; Housing Project; Minha Casa Minha Vida Program.

    1. IntroduoDurante os anos 1980, o crescimento da populao brasileiro foi superior as taxas de cres-

    cimento do Produto Interno Bruto (PIB), de forma a retrair o PIB per capita e ampliar os

    nveis de pobreza no pas. Dados do rendimento familiar per capita derivados da Pesquisa

    Nacional por Amostra de Domiclios (PNAD/IBGE), apresentados por Rocha (1998, p. 165),

    em 1995, a proporo de pobres no Brasil era de 20,5% da populao brasileira.

    Nesse sentido, o problema habitacional brasileiro concentra-se no grupo de trabalhadores

    assalariados que no possuem recursos materiais e financeiros para obter sua prpria habi-

    tao. Estes, por estarem abaixo da linha de financiamento, dependem dos subsdios ofere-

    cidos pelos programas e/ou projetos habitacionais produzidos pelo Estado (Souza, 2006). O

    1. Simone da Silva Doutoranda em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte; e Mestreem Economia do Trabalho pela Universidade Federal de Paraba. E-mail: [email protected]

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    fato que, desde o fechamento do Banco Nacional de Habitao (BNH) em 1986, ficou cada

    vez mais difcil para os trabalhadores que ganham at trs salrios mnimos comprar um

    imvel no mercado imobilirio formal. Sendo assim, como estratgia de sobrevivncia, pas-

    saram a habitar em locais que no oferecem condies de vida adequada, tais como: favelas,

    loteamentos irregulares, morros, palafitas, entre outros. Este tipo de moradia caracteriza-se

    pela precariedade do habitat e, por isso, sofrem constantemente com enchentes, desmorona-

    mentos, poluio dos recursos hdricos, eroses e violncia (CARDOSO e ARAGO, 2013).

    Regies inteiras so ocupadas ilegalmente. Ilegalidade urbanstica convive com a ilegali-dade na resoluo de conflitos: no h lei, no h julgamentos formais, no h Estado. dificuldade de acesso aos servios de infraestrutura urbana (transporte precrio, sane-amento deficiente, drenagem inexistente, difcil acesso aos servios de sade, educao,

    cultura e creches, maior exposio ocorrncia de enchentes e desabamentos) somam-semenores oportunidades de emprego, maior exposio violncia (marginal ou policial),difcil acesso justia oficial, difcil acesso ao lazer, discriminao racial. A excluso um todo: social, econmica, ambiental, jurdica e cultural (MARICAO, 2003, p. 78, 79).

    No intuito de constituir um novo rumo para a poltica habitacional brasileira, no ano 2000, o

    presidente do Instituto Cidadania, Luiz Incio Lula da Silva formulou o Projeto Moradia. Se-

    gundo este projeto era preciso desenvolver aes no campo da habitao que produzisse uma

    residncia digna, ou seja, uma moradia localizada em terra urbanizada, com acesso a todos

    os servios pblicos essenciais por parte da populao. Alm disso, seria preciso desenvolver

    programas geradores de trabalho e renda (INSIUO CIDADANIA, 2000).

    2. DO PROJETO MORADIA AO SISTEMA NACIONAL DE HABITA-O

    O modelo proposto pelo Projeto Moradia para solucionar os problemas habitacionais

    do Brasil estava fundamentado em trs eixos principais: a questo fundiria, a de finan-

    ciamento e a institucional. Nesse contexto props a criao do Ministrio da Cidade, doConselho das Cidades, do Estatuto das Cidades e do Sistema Nacional de Habitao.

    Em 2003, com a eleio de Luiz Incio Lula da Silva foi criado o Ministrio das Cidades,

    consolidando diferentes polticas que tratam sobre o desenvolvimento urbano. Ampliou-se

    a participao do poder pblico local no processo da produo habitacional no pas. Neste

    mesmo ano foi realizada a Conferncia Nacional das Cidades, que alm de definir as diretri-

    zes para a Poltica Nacional de Desenvolvimento Urbano e seus componentes setoriais, ele-

    geu o Conselho das Cidades, hoje a principal instncia de discusso das questes relativas s

    cidades brasileiras. Assim, a retomada do planejamento habitacional de longo prazo, resultou

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    na elaborao da Poltica Nacional de Habitao (PNH), que tem como principal objetivo

    garantir condies ao acesso moradia digna a todos os segmentos da populao.

    O Sistema Nacional de Habitao (SNH), formado pelos trs entes da Federao, operaria de

    forma estruturada sob a coordenao do Ministrio das Cidades. O Conselho Nacional das

    Cidades e os rgos dos estados e municpios deveriam se concentrar na gesto dos fundos

    habitacionais voltados para subsidiar a populao de baixa renda. J o mercado privado de-

    veria atender as faixas de renda inferiores a 5 salrios mnimos. O Fundo de Garantia por

    empo de Servio (FGS) seria utilizado para atender as classes de menor renda, enquanto

    que as classes de maior renda seriam atendidas pelo Sistema Financeiro Imobilirio (SFI).

    Desta forma, o mercado imobilirio conseguiria atender as demandas por moradia da classe

    mdia, pois at ento o mercado privado brasileiro era especializado em produzir moradias

    de luxo para uma pequena parcela da populao (BONDUKI, 2009).

    No que diz respeito a questo fundiria, o Projeto Moradia definia como prioridade a apro-

    vao do Estatuto da Cidade. A partir dos instrumentos desta lei seria possvel regular o ter-

    ritrio, e construir uma ordem urbanstica includente. Ou seja, a populao de baixa renda

    seria beneficiada com a universalizao do acesso a equipamentos, servios, infraestruturas

    urbanas e um ambiente saudvel, assegurando a vida com dignidade, qualidade e diversidade

    cultural e poltica. O Estatuto da Cidade no resolveria nem eliminaria as lutas de classes,mas reconheceria a necessidade de legitimar e legalizar as reas ocupadas num espao mar-

    cado por extremas desigualdades territoriais.

    Sendo assim, em 2001, foi promulgado o Estatuto da Cidade, Lei Federal n. 10.257/2001,

    reiterando e detalhando os princpios estabelecidos na Constituio Federal de 1988 que

    tratam do tema direito urbanstico (art. 24, I) e da poltica urbana (arts. 182 e 183).

    Rolnik (2006), no entanto, explica que o Estatuto da Cidade no tem conseguido alcanar

    seus objetivos. Por exemplo, no se verifica nas cidades brasileiras a articulao da poltica

    habitacional com a poltica urbana; a especulao imobiliria e o elevado preo da terra tm

    contribudo para a construo de habitaes populares em espaos desprovidos de uma in-

    fraestrutura ajustada s necessidades da populao de baixa renda. A ausncia da regulariza-

    o fundiria, por outro lado, acaba por cooperar para o avano desordenado das habitaes

    e prevenir o crescimento imobilirio irregular nos municpios.

    Em 2004, o governo brasileiro aprovou a Poltica Nacional de Habitao (PNH) procurando

    coerncia com a Constituio Federal e com o Estatuto da Cidade. A poltica viabilizada

    por meio do Sistema Nacional da Habitao (SNH) e tambm pelo Desenvolvimento Insti-tucional, Sistema de Informao, Avaliao e Monitoramento, Plano Nacional da Habitao

    PLANAB e pela regulamentao do Estatuto da Cidade. O SNH, por sua vez, divide-se em

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    Sistema Nacional de Habitao de Interesse Social - SNHIS, voltado populao com renda

    entre 0 a 5 s.m, e em Sistema de Habitao de Mercado, que atende, principalmente, s clas-

    ses de renda entre 5 a 10 s.m (BONDUKI et. al., 2009).

    Segundo Bonduki et. al. (2009), a PNH tem por objetivo tratar a moradia como um direito e

    no como uma mercadoria. O importante garantir a moradia digna no sentido de promo-

    ver a incluso social. A PNH atravs do Plano Nacional de Habitao define grupos de aten-

    dimento utilizando outros parmetros, alm da renda familiar, para o acesso das famlias ao

    financiamento habitacional:

    Grupo 1 - famlias sem renda ou abaixo da linha de financiamento;

    Grupo 2 - famlias com rendas informais ou reduzidas e que no podem oferecer ga-

    rantias para o financiamento. Pblico alvo prioritrio para receber a carta subsdio;

    Grupo 3 - famlias com renda mensal que permite assumir compromisso mensal e

    ter acesso a financiamento imobilirio, mas, no suficiente para obter uma moradia

    adequada;

    Grupo 4 - famlias com capacidade de pagamento regular e estruturada, com rendas

    estveis e que podem oferecer garantias reais para os financiamentos contrados;

    Grupo 5 - famlias com renda que d plena capacidade de acesso a um imvel ade-

    quado s suas necessidades, por meio de esquema de financiamento de mercado.

    Neste contexto, foi significativa a aprovao da Lei n 11.124 de 16, de junho de 2005 que

    instituiu o Fundo Nacional de Habitao de Interesse Social (FNHIS) e o Sistema Nacional

    de Habitao de Interesse Social (SNHIS). O FNHIS um fundo contbil, cujo objetivo

    apoiar a elaborao e a implementao de programas de moradia popular. Mas, para que

    os estados, Distrito Federal e municpios tenham acesso aos recursos disponibilizados,

    preciso que haja a elaborao de um Plano Local de Habitao de Interesse Social (PLHIS)(AGUIAR, 2012).

    Alm dos recursos do FNHIS e do oramento geral da unio (OGU), os programas voltados

    para a HIS que contemplam aes de urbanizao de favelas, realocao de famlias em reas

    de risco, alagados, cortios, etc., ainda so utilizados recursos originrios do Fundo de Ga-

    rantia por empo de Servio - FGS, do Fundo de Amparo ao rabalhador FA, do Fundo

    de Desenvolvimento Social FDS e do Fundo de Arrendamento Residencial FAR.

    O Sistema de Habitao de Mercado, por sua vez, atende populao com renda mais alta

    por meio de construtoras e incorporadoras que atuam como agentes promotores. ambm

    pode atender ao segmento popular, desde que sem a ajuda do poder pblico. O financiamen-

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    to deve ser originrio da captao das Cadernetas de Poupana (SBPE), de Consrcios Habi-

    tacionais, de Certificados de Recebveis Imobilirios e demais investimentos institucionais e

    de pessoas fsicas (Brasil, 2011). Os dois subsistemas que compe a PNH, cada qual voltado

    para classes de rendas especficas, podem ser resumidos no quadro 01.

    Quadro 01 O Sistema Nacional de Habitao

    POLTICA NACIONAL DE HABITAOSISTEMA NACIONAL DE HABITAO

    Sistema Nacional de Habitao de Inte-resse Social (SNHIS)

    Sistema Nacional de Mercado

    Fundo Nacional de Habitao de InteresseSocial (FNHIS)

    Sistema Financeiro de Habitao (SFH)

    Fundo de Garantia por Tempo de Servio(FGTS)

    Cadernetas de Poupana

    Outros fundos Mercado de Capitais

    Fonte: MINISRIO DAS CIDADES (2004)

    A partir de 2007, o governo federal lanou o Programa de Acelerao do Crescimento (PAC).

    O principal objetivo do programa consiste em aquecer a economia nacional com o foco vol-

    tado para o social. Neste sentido, contempla investimentos setoriais em infraestrutura ener-

    gtica, logstica e urbana, alm de ampliar a transferncia de recursos para a habitao social.A incluso do eixo urbanizao de assentamentos precrios visava extrapolar as polticas

    de cunho apenas compensatrio, voltadas para o campo da habitao, reforando o direito

    cidade e moradia digna. So aes que procuram promover uma melhoria do ambiente de

    investimentos e definir no pas uma carteira de projetos de infraestruturas.

    O quadro 02 mostra a evoluo dos gastos do governo federal nos anos compreendidos entre

    2005 e 2010, para a urbanizao, regularizao fundiria e integrao de assentamentos pre-

    crios. Conforme possvel verificar, houve um expressivo crescimento nos investimentos

    durante o perodo.

    Quadro 02 Gastos Anuais com Urbanizao, Regularizao Fundiria e Integrao de Assentamentos Precrios

    (2005 2010)

    Ano R$

    2005 3.543.218,22

    2006 2.909.880,50

    2007 2.180.578,15

    2008 2.613.776,17

    2009 15.657.137,482010 14.473.173,31

    Fonte: http://www.portaltransparencia.gov.br. Acesso em 01/03/2014.

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    3. RETROCESSOS RECENTES NA POLTICA SOCIAL DE HABITA-O BRASILEIRA

    A crise financeira que teve origem no mercado de hipotecas norte americano no ano de 2008

    promoveu um retrocesso na formulao da poltica habitacional de interesse social que vinha

    sendo construda desde o Projeto Moradia. Em reao conjuntura desfavorvel, o governo

    adotou uma srie de medidas anticclicas a fim de estimular o crescimento econmico e

    implementou, no ano de 2009, a primeira fase do Programa Minha Casa Minha Vida PM-

    CMV1.

    Segundo a lei 12.424/2011, o PMCMV tem por finalidade criar mecanismos de incentivo

    produo e aquisio de novas unidades habitacionais ou requalificao de imveis urbanos

    e produo ou reforma de habitaes rurais. O programa, em sua primeira verso, na rea

    urbana, dividido por 3 faixas de renda mensal: at R$ 1.600 (faixa 1), at R$ 3.100 (2) e at

    R$ 5 mil (3). Na rea rural, as faixas de renda so anuais: at R$ 15 mil (1), at R$ 30 mil (2) e

    at R$ 60 mil (3). Para as faixas 1 e 2, a meta produzir 400 mil unidades habitacionais. J a

    faixa 3 tem por meta construo de 200 mil unidades habitacionais (ver quadro 03).

    De acordo com o relatrio da Un-Habitat (2013, p. 1), o PMCMV criou mecanismos prprios

    para construir uma poltica habitacional de interesse social nos moldes das parcerias pbli-co-privadas na modalidade patrocinada. Novos arranjos legais e institucionais foram criados

    no sentido de permitir um fluxo de recursos e contratos de trabalhos de forma a dividir a

    responsabilidade entre as esferas municipais, estaduais e federal.

    Quadro 03 - Poltica habitacional Minha Casa Minha Vida 1 urbana

    Faixas de renda mensais Metas das unidades habitacionais

    At R$ 1.600 400 mil

    At R$ 3.100 400 milAt R$ 5.000 200 mil

    Fonte: http://www.pac.gov.br/minha-casa-minha-vida/ms. Acesso em 01/03/2014

    A integrao entre proviso habitacional e desenvolvimento econmico tem estimulado o

    setor de construo civil e a gerao de empregos. No entanto, os recursos que deveriam ser

    destinados a habitao social foram desviados de seu objetivo principal. O crdito passou a

    ser usado para estimular a acumulao de capital e redistribuio de riqueza e renda aos

    grupos de maior poder aquisitivo (ROYER, 2009, p. 22).

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    O fato que o PMCMV, ao ser colocado como o principal programa habitacional do governo

    federal, a partir de 2009, adotou a maior parte da proviso habitacional de interesse social no

    Brasil, atuando fora do marco do FNHIS, e colocando em segundo plano, como orientador

    da poltica habitacional para as famlias de mais baixa renda, o Plano Nacional de Habitao

    (PlanHab) (Krause, et. al., 2013, p. 7).

    A supremacia do setor privado, a presso por resultados e o despreparo dos municpios para

    organizar administrativamente e geograficamente o programa tem repercutido na criao

    de um modelo de cidade menos igualitria. A habitao vista apenas como uma mercadoria

    no capaz de formar uma sociedade urbana, democrtica, justa e sustentvel. Pelo contr-

    rio, a mercantilizao da moradia torna-se mais importante do que a gesto das cidades que

    apresentam um modelo de desenvolvimento urbano predatrio e excludente, apresentando

    uma dinmica econmica que desafiam as cidades a absorver esse crescimento, melhorando

    suas condies de urbanizao de modo a sustent-lo do ponto de vista territorial. Neste

    contexto, a localizao distante dos centros e subcentros urbanos definida pelo setor privado

    gera novos vetores de expanso urbana. A construo de domiclios inadequados promove

    pssimas condies de urbanidade e refora a tendncia ao processo de periferizao da HIS

    (CARDOSO e ARAGO, 2013).

    De fato, a ausncia de uma poltica fundiria impacta negativamente a localizao e a in-sero dos conjuntos nas cidades. Sendo o mercado imobilirio, e no as prefeituras (dota-

    das dos instrumentos legais previstos no Estatuto das Cidades), o responsvel pela escolha

    da localizao da habitao social, os empreendimentos esto sendo produzidos em reas

    perifricas onde, naturalmente, o preo da terra mais barato, o que representa, em parte,

    a transferncia do subsdio para a especulao imobiliria, desvirtuando os propsitos do

    programa.

    Enquanto o problema da terra deve ser equacionado na esfera municipal, o financiamento

    est centralizado na esfera federal. No que diz respeito ao preo da terra, as construtorasdecidem a localizao dos empreendimentos segundo a quantia que tero de pagar ao pro-

    prietrio do solo. Quanto maior esta renda, maiores sero os custos de produo e, portanto,

    menores sero os lucros das mesmas. Essa menor lucratividade implica num entrave ao pro-

    cesso de acumulao de capital, ou seja, no desenvolvimento econmico do pas. Para evitar

    o declnio das atividades econmicas do setor de construo civil, o Estado tem sido coniven-

    te com a produo de moradias para a populao de baixa renda na periferia.

    A produo dos empreendimentos em espaos perifricos marcada pela excluso das clas-

    ses populares no processo de produo e de distribuio da riqueza social, prevalecendo,assim, suas precrias condies de sobrevivncia, que por conseqncia, dificultam a sua

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    mobilidade na cidade. Esta, por sua vez, se apia em quatro pilares: (i) integrao do planeja-

    mento do transporte com o planejamento do uso do solo; (ii) melhoria do transporte pblico

    de passageiros; (iii) estmulo ao transporte no motorizado; e (iv) uso racional do automvel.

    Para Cardoso et. al. (2011), o modelo implementado pelo PMCMV, ao priorizar a gerao de

    renda e emprego, no est preocupado os efeitos de periferizao. Por isso, as moradias esto

    sendo construdas longe dos centros urbanos e de suas centralidades. Na realidade, o debate

    sobre moradia digna foi praticamente abandonado, cedendo espao para propagandas que

    incentivam a compra de um imvel, transformando a moradia em um produto e objeto de

    consumo (FERREIRA, 2012).

    Como resultado, no futuro, os governos locais precisaro elevar seus gastos com a provisoda infraestrutura e das instalaes urbanas nas localidades onde esto sendo edificados os

    empreendimentos. Estes investimentos, por sua vez, dependero da sua capacidade para for-

    mular e programar as aes necessrias. Como existe uma distribuio muito desigual desta

    capacidade, o planejamento em algumas cidades ficar comprometido (BRASIL, 2007).

    Diante desta realidade, a descentralizao poltica instituda pela CF/88 suscita um problema

    de articulao administrativa, principalmente, para os municpios mais carentes de recursos

    administrativos:

    Esse problema se agrava com a enorme diferenciao existente entre os mais de 5.500municpios brasileiros, que vo desde grandes cidades com aparatos administrativos bemconsolidados e competentes a pequenas localidades, com histrico de administraescom baixssima capacidade institucional e administrativa, cujas gramticas polticasconcentram-se no clientelismo. Para complementar essa confuso federativa o mode-lo adotado no confere nenhum papel especfico aos Estados (CARDOSO e ARAGO,

    2013, p. 42).

    4. CONSIDERAES FINAIS

    Conforme analisado anteriormente, o PMCMV provocou uma inflexo na trajetria do reco-

    nhecimento da moradia enquanto direito constitucional e vem contribuindo para a efetiva-

    o do processo de mercantilizao da cidade. Nesse processo, o Estado tem abandonado as

    necessidades da populao de baixa renda por uma moradia digna e protegido os interesses

    da acumulao urbana (proveniente da ao dos agentes privados). Em outras palavras, a po-

    ltica de habitao de interesse social, inicialmente entendida como um mecanismo facilita-

    dor para que a populao mais pobre tivesse acesso ao abrigo adequado, vem sendo utilizada

    como um instrumento voltado para a acumulao de capital.

    Verifica-se, portanto, que o PMCMV parece ter sido elevado esfera de poltica habitacional

    em prejuzo da poltica consubstanciada no SNHIS, instrumentalizada pelo PlanHab e pelo

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    FNHIS, assim como por planos e fundos locais de habitao. Essa passa a ter, a partir de

    2009, um foco mais direcionado para as aes de urbanizao de assentamentos precrios.

    Esta mudana de rumo foi determinante para a alterao das possibilidades e potencialida-

    des da poltica habitacional de interesse social quanto ao enfrentamento efetivo do dficit

    habitacional brasileiro para a populao mais carente, j que o PMCMV no tem adotado os

    princpios, critrios que guiaram a elaborao do Planhab.

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    5. REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    AGUIAR, M. H. O Fundo Nacional de Habitao de Interesse Social: avanos e limites na

    perspectiva da Reforma Urbana. Dissertao de Mestrado.Viosa: Universidade Federal do

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