A TRAMA DA REDE

download A TRAMA DA REDE

of 3

Transcript of A TRAMA DA REDE

A TRAMA DA REDE (BRANDAO, C.R)Carlos Rodrigues Brando I Essa a trama da rede: o tecido das trocas que fabricam o pano de uma rede de dormir enreda o corpo do homem na tarefa de criar na mquina a rede com a mo.

A armadilha do trabalho em casa alheia engole o homem e enovela todo o corpo no fio no fuso na roda na teia do maquinrio da manufatura que produz o seu produto: a rede e reduz o corpo-operrio produo. [...]

III O corpo-bailarino que transforma a coisa bruta em objeto (a fibra em fio e o fio em pano) e o objeto na mercadoria (o pano pronto na rede e sua valia) transforma o corpo do homem operrio em outro puro objeto de trabalho pronta a fazer e refazer no fuso aquilo de que a fbrica faz sua riqueza de que, quem faz no se apropria. [...]

VII Sob a trama do trabalho em tear alheio o corpo no possui seu prprio tempo e intil que lhe bata um corao.

O relgio interior do operrio o que existe na oficina, fora dele, de onde controla o tear e o tecelo.

VIII

De longe o dono zela por quem faz: pela fora do homem que trabalha, no pela vida do trabalhador. Aqui no h lugar para o repouso ainda que o produto do trabalho seja uma rede de pano, de dormir e que comprada serve ao sono e ao amor.

IX Durante a flor da vida inteira fazendo a mesma coisa e refazendo uma operao simples de memria o operrio condena o prprio corpo a ser to automtico e eficaz que domine o gesto que o destri. A reproduo contnua, diria, igual de um mesmo gesto repetido e limitado todos os dias, sobre os mesmos passos, ensina ao arteso regras de maestria do trabalho que afinal ento domina atravs de saber sua cincia com a sabedoria do corpo massacrado. [...]

XI Quem fia e enfia? Quem carda e corta? Quem tece e trana? Quem toca e torce? A moa o menino. A velha o homem. Eles so, artistas, parte do trabalho coletivo que faz a trama da rede e a rede pronta: o objeto bonito do descanso que inventa a necessidade da servido do trabalho do corpo produtivo.

XII A dana ritmada desse corpo de bailarino-operrio de um ofcio de que o produto feito no seu, cria o servo de quem lhe paga aos sbados Para o que sobra da vida de trabalho do corpo de quem fez e no viveu. O trabalho-pago, alheio e sempre o mesmo obrigando o operrio bailarino rotina de fazer sem possuir torna-o, artista, servo do ardil de entretecer panos e redes sem criar e recriar-se servo sem saber. [...]

XIV No conhece descanso o corpo na oficina. Ele parte das mquinas que move e que movidas no sabem mais parar. Os ps descalos prologam pedais os braos so como alavancas e as mo estendem pontas de um fio que existe no fuso e no tear.

O trabalho do corpo o objeto que o homem vende ao dono todo o dia. O corpo-livre pertence ao maquinrio que o homem converte no operrio de que reira o preo do sustento: a comida a cama a casa o agasalho o que mantm vivo o corpo e o seu trabalho.

______________ Fontes: (SO PAULO-SEE, Caderno do professor: Sociologia, EM, 2 S., V.3, 2009, pp.07-08)