A TV, O OUTRO E O MESMO: FIGURAS DA ALTERIDADE · PDF fileidentidade e alteridade que nos...

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  • V ENECULT - Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura 27 a 29 de maio de 2009

    Faculdade de Comunicao/UFBa, Salvador-Bahia-Brasil.

    A TV, O OUTRO E O MESMO:

    FIGURAS DA ALTERIDADE NO JORNAL HOJE DA REDE GLOBO

    Cibele Cristina Barbosa Costa1

    Resumo O presente trabalho tem o propsito de aprofundar o debate sobre a televiso brasileira, especificamente o telejornalismo, e sua influncia na expresso de identidades e alteridades. A questo pertinente numa poca em que a TV deixa de ser um simples eletrodomstico para se tornar um centro de poder poltico ou de controle social e cultural (CHAU, 2006), como acontece nos dias atuais. A anlise do Jornal Hoje, da Rede Globo, tem o objetivo de verificar qual o grupo identitrio de referncia e como transparecem as figuras da alteridade, na concepo de ric Landowski (2002), no telejornal transmitido em rede e padronizado para todo o Brasil. Consideramos aps breve investigao que o JH promove tratamento diferenciado em relao a seu grupo de referncia e seus Outros.

    Palavras-chave: televiso, telejornalismo, identidade, alteridade, TV Globo

    INTRODUO

    A televiso exerce papel central nas culturas de todo o mundo, especialmente no

    Brasil onde serve no s como entretenimento, mas como principal fonte de informao,

    de lazer e at de educao. Isto j seria argumento bastante convincente para justificar

    os estudos a respeito desse meio de comunicao to influente em nosso pas. H

    tempos, de fato, estudiosos de comunicao se debruam sobre suas caractersticas e os

    efeitos provocados nos espectadores pela pequena caixa transmissora de sons e imagens.

    Mas so poucas as pesquisas que relacionam TV e cultura, que buscam avaliar como e

    em que medida a televiso pode influenciar (ou formar) identidades culturais. E se as

    emissoras em rede, no caso do Brasil, partem de um referencial cultural bem demarcado

    ao levar sua programao para cada canto de nosso pas mltiplo e diverso por sua

    1 Jornalista, mestranda pelo programa multidisciplinar de ps-graduao em Cultura e Sociedade UFBa. E-mail: [email protected]

  • prpria natureza tambm importante observar qual o lugar ocupado pelo outro

    (aquele que no faz parte do grupo identitrio de referncia) na tela da TV.

    Este o objetivo principal deste trabalho, que parte de pesquisa de mestrado

    em andamento no programa de ps-graduao em Cultura e Sociedade da Universidade

    Federal da Bahia. Optamos pela anlise do Jornal Hoje da Rede Globo por ser um

    programa jornalstico apresentado em cadeia nacional que tem a pretenso de unificao

    do pas, por ser um dos mais antigos da emissora, por registrar altos ndices de

    audincia - chega a 43% de participao no mercado nacional, trs vezes mais do que o

    principal concorrente na faixa horria e por pretender desenvolver um estilo mais

    flexvel que o Jornal Nacional com linguagem mais coloquial e abertura a reportagens

    mais amenas sobre arte e cultura em todo o Brasil2

    Desta forma, nossa inteno verificar se existe um grupo de referncia

    identitrio que predomina no programa e como so mostradas as alteridades os grupos

    ou sujeitos que no se enquadram no padro. O padro Globo conhecido entre os

    profissionais da emissora e nas escolas de Jornalismo atravs do Manual de

    Telejornalismo da Rede Globo, que chegou a ser editado formalmente na dcada de 80,

    mas hoje figura como documento sigiloso interno, voltado aos profissionais da redao.

    Na primeira parte deste artigo apresentaremos o percurso conceitual sobre

    identidade e alteridade que nos levar segunda parte, na qual ser feita a anlise de

    uma reportagem levando em conta os pressupostos tericos do trabalho. A reportagem

    escolhida para anlise foi exibida em 25 de outubro de 2008 e enquadra-se no que

    comumente se chama em telejornalismo de matria de comportamento: trata dos

    costumes e, especialmente, do jeito de falar do povo baiano.

    IDENTIDADE CULTURAL E ALTERIDADE

    O termo identidade ainda hoje controverso e est permanentemente sendo posto

    prova. Vrias, portanto, so as definies e as possibilidades de entendimento. Segundo

    Kupper (2002, p. 298), identidade no apenas um assunto pessoal: ela deve ser

    entendida na relao do sujeito com o mundo, num dilogo com os outros. O eu

    interior descobre seu lugar no mundo ao participar da identidade de uma coletividade.

    Por conseqncia, identidade cultural seria o que une (ou diferencia) um indivduo a

    outros dentro de uma mesma prtica cultural.

    2 Disponvel em http://jornalhoje.globo.com. Acessado em 23 de outubro de 2007.

  • Hall explora em seus trabalhos questes sobre a identidade cultural na ps-modernidade

    e avalia a chamada crise de identidade mundial. Ele adianta, porm que o termo

    identidade controverso e aberto contestao; segundo ele, tema demasiadamente

    complexo, muito pouco desenvolvido ou compreendido pela cincia social para ser

    definitivamente posto prova. Por isso, impossvel oferecer afirmaes conclusivas

    ou fazer julgamentos seguros sobe as alegaes e proposies tericas que esto sendo

    apresentadas (HALL, 2005, p. 9).

    Para Hall, as velhas identidades, que por muito tempo estabilizaram o mundo

    social, esto em declnio. Novas identidades esto surgindo e fragmentando o indivduo

    moderno, at ento visto como um sujeito unificado. Ele distingue trs concepes de

    identidade: a do sujeito do Iluminismo, a do sujeito sociolgico e a do sujeito ps-

    moderno. Interessa-nos aqui a identidade ps-moderna, que, na definio do autor,

    torna-se uma celebrao mvel: formada e transformada continuamente em relao s formas

    pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam [...]

    Dentro de ns h identidades contraditrias, empurrando em diferentes direes, de tal modo que

    nossas identificaes esto sendo continuamente deslocadas [...] A identidade plenamente

    unificada, completa, segura e coerente uma fantasia. (HALL, 2005, p.13)

    Ao invs de falarmos em identidade como uma coisa acabada, deveramos falar de

    identificao, e v-la como um processo em andamento. Para Hall, ns continuamos

    buscando a identidade e construindo biografias que tecem as diferentes partes de

    nossos eus divididos numa unidade porque procuramos recapturar esse prazer

    fantasiado de plenitude. Em tempos de globalizao, ele sugere trs possveis

    conseqncias dessa forma contempornea de vivenciar o mundo: as identidades

    nacionais estariam se desintegrando como resultado do crescimento da homogeneizao

    cultural e do ps-modernismo global; as identidades nacionais e outras identidades

    locais seriam reforadas pela resistncia globalizao; ou, as identidades nacionais

    entrariam em declnio, mas novas identidades tomariam seu lugar. (HALL, 2005, p. 69).

    Muniz Sodr (1996) caminha na mesma direo ao discorrer sobre a identidade nos

    tempos atuais. Para ele, a identidade no localizvel num espao determinado, no

    tem contenes fsicas. O imaginrio perspassa com tal fora as instituies que a

    conscincia do sujeito e suas relaes so afetadas. Por isso, a palavra identificao, por

    sugerir processo e alterao, provavelmente mais forte do que identidade, com seus traos de

    estabilidade e unidade (SODR, 1996, pp. 178-9).

  • No texto Quem precisa da identidade? (2007), Hall considera a crtica severa que o

    termo identidade tem sido alvo pelos estudos desconstrutivistas, por supostamente no

    dar mais conta das relaes na contemporaneidade. Ele justifica a continuidade do

    estudo das questes de identidade por dois motivos: primeiro porque, se o conceito est

    sob rasura, ele ainda no foi dialeticamente superado e, portanto, no h ainda outros

    conceitos que possam substitu-lo (se a identidade no pode mais ser pensada da forma

    antiga, como significando a unidade estvel e imutvel, sem ela h certas questes-

    chaves que no podem ser sequer pensadas); segundo porque o termo importante para

    a poltica, no contexto das polticas de identidade. Por isso ele refora que, ao se pensar

    a questo da identidade na relao entre sujeitos e o processo de subjetivao, melhor

    falar em identificao (embora, para o autor, identificao conceito quase to

    ardiloso embora prefervel quanto o de identidade (HALL, 2007, p. 105)

    J Canclini (2006, p.190) afirma que ter uma identidade seria, antes de mais nada, ter

    um pas, uma cidade ou um bairro, uma entidade em que tudo o que compartilhado

    pelos que habitam esse lugar se tornasse idntico ou intercambivel. Nesses territrios

    a identidade, para ele, posta em cena, celebrada nas festas e dramatizada tambm nos

    rituais cotidianos. Quem no compartilha o mesmo territrio, nem o habita (e, portanto,

    no tem os mesmos objetos e smbolos, os mesmos rituais e costumes) so os outros, os

    diferentes. Canclini (2006, p. 93) refora a influncia das grandes corporaes miditicas

    na formao da identidade cultural dos cidados:

    Ao subordinar a interao entre os agentes do campo artstico a uma nica vontade

    empresarial, tendem a neutralizar o desenvolvimento autnomo do campo (artstico).

    Quanto questo da dependncia cultural, apesar de a influncia imperialista das

    empresas metropolitanas no desaparecer, o enorme poder da Televisa, da Rede Globo e

    de outros rgos latino-americanos est transformando a estrutura de nossos mercados

    simblic