A ÚLTIMA CRÔNICA Com Interpretação

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  • 8/18/2019 A ÚLTIMA CRÔNICA Com Interpretação

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     A ÚLTIMA CRÔNICA  (Fernando Sabino)

     A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão.Na realidade estou adiando o momento de escrever. A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar 

    com êxito mais um ano nesta busca pitoresco divertido! ou do irris"rio insi#nificante! no cotidiano de cada um. $u pretendiaapenas recolher da vida diária al#o de seu disperso conte%do humano, fruto da convivência, que a fa& mais di#na de ser vivida.'isava ao circunstancial situa(ão! , ao epis"dicoacontecimento!. Nesta perse#ui(ão do acidental, quer num fla#rante de esquina,quer nas palavras de uma crian(a ou num acidente doméstico, torno)me simples espectador e perco a no(ão do essencial. *emmais nada contar, curvo a cabe(a e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembran(a+ assim eu quereria o

    meu %ltimo poema-. Não sou poeta e estou sem assunto. an(o então um %ltimo olhar fora de mim, onde vivem os assuntos quemerecem uma cr/nica. Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar) se, numa das %ltimas mesas de mármore ao lon#o da parede

    de espelhos. A compostura modéstia! da humildade, na conten(ão de #estos e palavras, deixa)se acentuar pela presen(a de umane#rinha de seus três anos, la(o na cabe(a, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também 0 mesa+ mal ousabalan(ar as perninhas curtas ou correr os olhos #randes de curiosidade ao redor. 1rês seres esquivosdesconfiados! quecomp2em em torno 0 mesa a institui(ão tradicional da fam3lia, célula da sociedade. 'ejo, porém, que se preparam para al#o maisque matar a fome.

    4asso a observá)los. 5 pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o #ar(om, inclinando)se para trás na cadeira, e aponta no balcão um peda(o de bolo sob a redoma. A mãe limita)se a ficar olhando im"vel, va#amenteansiosa, como se a#uardasse a aprova(ão do #ar(om. $ste ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta paraatendê)lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reasse#urar)se da naturalidade de sua presen(a ali. A meu lado o #ar(omencaminha a ordem do fre#uês. 5 homem atrás do balcão apanha a por(ão do bolo com a mão, lar#a)o no pratinho 6 um bolosimples, amarelo)escuro, apenas uma pequena fatia trian#ular.

     A ne#rinha, contida na sua expectativa, olha a #arrafa de coca)cola e o pratinho que o #ar(om deixou 0 sua frente. 4or que não come(a a comer7 'ejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno 0 mesa a um discreto ritual. A mãe remexe nabolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. 5 pai se mune de uma caixa de f"sforos, e espera. A filha a#uardatambém, atenta como um animal&inho. Nin#uém mais os observa além de mim.

    *ão três velinhas brancas, min%sculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. $ enquanto ela serve acoca)cola, o pai risca o f"sforo e acende as velas. 8omo a um #esto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopracom for(a, apa#ando as chamas. 9mediatamente p2e)se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que ospais se juntam, discretos+  parabéns pra você, parabéns pra você. . . :epois a mãe recolhe as velas, torna a #uardá)las na bolsa. A ne#rinha a#arra finalmente o bolo com as duas mãos s/fre#as e p2e)se a comê)lo. A mulher está olhando para ela com ternura6 ajeita)lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo, 5 pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito,como a se convencer intimamente do sucesso da celebra(ão. :e s%bito, dá comi#o a observá)lo, nossos olhos se encontram, elese perturba, constran#ido 6 vacila, amea(a abaixar a cabe(a, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.

     Assim eu quereria a minha %ltima cr/nica+ que fosse pura como esse sorriso.

    1! A cr/nica é um #ênero textual que oscila entre literatura e jornalismo e, antes de ser publicada em livros, costuma ser veiculada

    em jornal ou revista. No in3cio da cr/nica, o cronista ao falar da falta de assunto, o cronista revela onde procura material paraescrever.

    a! 5nde ele procura assunto7 b! $m que consiste esse material7 :ê exemplos.

    2! ;etire do primeiro pará#rafo as informa(2es abaixo+

    a!

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