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www.tiberiogeo.com.br – A Geografia Levada a Sério Página 1 Universidade Estadual Vale do Acaraú – UVA – Disciplina: Espaço Urbano – Professor: Tibério Mendonça A URBANIZAÇÃO SOB O CAPITALISMO E SEUS PROBLEMAS A industrialização dá o "tom" da urbanização contemporânea. Embora historicamente tenha resultado dos avanços técnicos necessários ao desenvolvimento do capitalismo, a industrialização marca predominantemente as relações entre a sociedade e a natureza e é a forma dominante de produção até mesmo nos países socialistas. A cidade é o território- suporte para a atividade industrial, por se constituir num espaço de concentração e por reunir as condições necessárias a esta forma de produção. Contudo, o desenvolvimento da urbanização não é apenas condição para o desenvolvimento industrial, mas também este mudou o caráter da cidade, ao lhe dar, de forma definitiva, um traço produtivo e transformá- la no "centro" de gestão e controle da economia capitalista, subordinando até mesmo a produção agrícola que se dá no campo. A acentuação da especialização funcional que a indústria provocou, estendeu-se para o campo. Quando viajamos observando a paisagem rural, é marcante a monotonia imposta por quilômetros e quilômetros de soja em determinadas áreas e quilômetros e quilômetros de cana ou de espaços para criação de gado em outras áreas. As grandes propriedades monocultoras, sem espaços disponíveis para a produção alimentar nem mesmo dos que trabalham nesta produção, refletem os interesses do capitalismo. Neste contexto, a cidade deixou de ser apenas o lugar onde se concentra o excedente agrícola produzido no campo (lembram-se de sua origem?), mas passou a ser o lugar de toda a produção agrícola da sua transformação industrial, da sua comercialização, e, portanto, da sua redistribuição para o campo. A dona de casa de uma cidade do interior paulista talvez nem se dê conta de que ao escolher uma lata de massa de tomate ou um melão na prateleira do supermercado, está pagando por algo produzido, muitas vezes, a vinte quilômetros dali, mas que já circulou até a Grande São Paulo, para passar por um processo de industrialização ou para receber o selo da distribuição do CEAGESP. Até mesmo os trabalhadores do campo, algumas vezes boias- frias moradores da cidade, estão sujeitos a este esquema para satisfazerem suas necessidades de alimentação. Os trabalhadores da cidade têm que comprar muito mais bens e serviços necessários à sua vida do que o homem do campo. Além disso, devido à alta densidade populacional, a vida na cidade não pode prescindir de infraestrutura, equipamentos e serviços urbanos que a vida no campo dispensa. As transformações, que historicamente se deram, permitindo a estruturação do modo de produção capitalista constituem consequências contundentes do próprio processo de urbanização. A cidade nunca fora um espaço tão importante, e nem a urbanização um processo tão expressivo e extenso a nível mundial, como a partir do capitalismo. Industrialização e urbanização têm aparecido sempre associadas, como se se tratasse de um duplo processo, ou de um processo com duas facetas. A identidade entre estes dois "fenômenos" é tão forte, que não podemos fugir de sua análise, se queremos refletir sobre a sociedade contemporânea.

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A URBANIZAÇÃO SOB O CAPITALISMO E SEUS PROBLEMAS

A industrialização dá o "tom" da urbanização contemporânea. Embora historicamente tenha resultado dos avanços técnicos necessários ao desenvolvimento do capitalismo, a industrialização marca predominantemente as relações entre a sociedade e a natureza e é a forma dominante de produção até mesmo nos países socialistas. A cidade é o território-suporte para a atividade industrial, por se constituir num espaço de concentração e por reunir as condições necessárias a esta forma de produção. Contudo, o desenvolvimento da urbanização não é apenas condição para o desenvolvimento industrial, mas também este mudou o caráter da cidade, ao lhe dar, de forma definitiva, um traço produtivo e transformá-la no "centro" de gestão e controle da economia capitalista, subordinando até mesmo a produção agrícola que se dá no campo.

A acentuação da especialização funcional que a indústria provocou, estendeu-se para o campo. Quando viajamos observando a paisagem rural, é marcante a monotonia imposta por quilômetros e quilômetros de soja em determinadas áreas e quilômetros e quilômetros de cana ou de espaços para criação de gado em outras áreas. As grandes propriedades monocultoras, sem espaços disponíveis para a produção alimentar nem mesmo dos que trabalham nesta produção, refletem os interesses do capitalismo. Neste contexto, a cidade deixou de ser apenas o lugar onde se concentra o excedente agrícola produzido no campo (lembram-se de sua origem?), mas passou a ser o lugar de toda a produção agrícola da sua transformação industrial, da sua comercialização, e, portanto, da sua redistribuição para o campo. A dona de casa de uma cidade do interior paulista talvez nem se dê conta de que ao escolher uma lata de massa de tomate ou um melão na prateleira do supermercado, está pagando por algo produzido, muitas vezes, a vinte quilômetros dali, mas que já circulou até a Grande São Paulo, para passar por um processo de industrialização ou para receber o selo da distribuição do CEAGESP. Até mesmo os trabalhadores do campo, algumas vezes boias-frias moradores da cidade, estão sujeitos a este esquema para satisfazerem suas necessidades de alimentação.

Os trabalhadores da cidade têm que comprar muito mais bens e serviços necessários à sua vida do que o homem do campo. Além disso, devido à alta densidade populacional, a vida na cidade não pode prescindir de infraestrutura, equipamentos e serviços urbanos que a vida no campo dispensa.

As transformações, que historicamente se deram, permitindo a estruturação do modo de produção capitalista constituem consequências contundentes do próprio processo de urbanização. A cidade nunca fora um espaço tão importante, e nem a urbanização um processo tão expressivo e extenso a nível mundial, como a partir do capitalismo.

Industrialização e urbanização têm aparecido sempre associadas, como se se tratasse de um duplo processo, ou de um processo com duas facetas. A identidade entre estes dois "fenômenos" é tão forte, que não podemos fugir de sua análise, se queremos refletir sobre a sociedade contemporânea.

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A urbanização é um processo que remonta à Antiguidade, e que a cidade é um fato desde que determinadas condições históricas, o permitiram há cerca de 5.500 anos atrás na Mesopotâmia.

A expressão indústria traduz, no seu sentido mais amplo, o conjunto de atividades humanas que têm por objeto a produção de mercadorias, através da transformação dos produtos da natureza. Portanto, a própria produção artesanal doméstica, a corporativa e a manufatureira representaram formas de produção industrial, ou seja, um primeiro passo no sentido de transformar a cidade efetivamente num espaço de produção.

O sistema fabril já havia começado a se constituir quando o capital comercial deu início à organização da produção manufatureira. Daí ao advento da maquinofatura foram alguns passos.

Ainda que a indústria seja a forma através da qual a sociedade apropria-se da natureza e transforma-a, a industrialização é um processo mais amplo, que marca a chamada Idade Contemporânea, e que se caracteriza pelo predomínio da atividade industrial sobre as outras atividades econômicas. Dado o caráter urbano da produção industrial (produção essa totalmente diferenciada das atividades produtivas que se desenvolvem de forma extensiva no campo, como a agricultura e a pecuária) as cidades se tornaram sua base territorial, já que nelas se concentram capital e força de trabalho.

Esta concentração é decorrência direta da forma como se estruturou a partir do mercantilismo, o próprio modo de produção capitalista. Decorrentes desse processo, as cidades deram ao mesmo tempo suporte a ele.

É importante destacar que as relações de comércio sofreu mudanças porque foi com base nela que a circulação foi transformada. Antes o objetivo era obter as mercadorias necessárias (valores de uso), e depois, a circulação era o dinheiro; assim a mercadoria passava a valer enquanto valor de troca (no qual estava também embutido o seu valor de uso). Karl Marx em sua obra O Capital afirma que o dinheiro que circulava desta maneira, tornava-se capital. Portanto, aqueles que dele se beneficiavam desde o fim do período medieval – a burguesia – eram os capitalistas, e nesta primeira fase do desenvolvimento do novo modo de produção ocorreu à acumulação primitiva do capital.

O capitalismo, enquanto modo de produção encontra terreno firme para sua formação a nível político, através da aliança estabelecida entre o capital comercial e a realeza, e em nível do ideológico, através das doutrinas mercantilistas. É o processo da acumulação primitivista.

Com o crescimento das cidades retomava-se, de forma acentuada, a divisão do trabalho entre a cidade e o campo. Para uma população urbana crescente, havia necessidade de um aumento da produção agrícola. Isto se deu através do aumento da produtividade, com o desenvolvimento intensivo da agricultura, e através da extensão das áreas cultivadas.

A cidade é, particularmente, o lugar onde se reúnem as melhores condições para o desenvolvimento do capitalismo. O seu caráter de concentração, de densidade, viabiliza a realização com maior rapidez do ciclo do capital, ou seja, diminui o tempo entre o primeiro investimento necessário à realização de uma determinada produção e o consumo do produto. A cidade reúne qualitativa e quantitativamente as condições necessárias ao desenvolvimento do capitalismo, e por isso ocupa o papel de comando na divisão social do trabalho.

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Nesta perspectiva, entender a urbanização a partir do desenvolvimento industrial, é procurar entender o próprio desenvolvimento do capitalismo.

A expressão da urbanização via industrialização não deve ser tomada apenas pelo elevado número de pessoas que passaram a viver em cidades, mas, sobretudo porque o desenvolvimento do capitalismo industrial provocou fortes transformações nos moldes da urbanização, no que se refere ao papel desempenhado pelas cidades, e na estrutura interna destas cidades. Ao invés de se falar de urbanização, que se fale de produção social das formas espaciais, na perspectiva de apreender as relações entre o espaço construído e as transformações estruturais de uma sociedade. Assim, não devemos apenas enxergar na urbanização que se dá via industrialização, uma acentuação da proporção de pessoas vivendo em cidades.

Devemos analisá-la no contexto da passagem da predominância da produção artesanal para a predominância da produção industrial (entendida aqui, no seu sentido mais restrito, pós-Revolução Industrial), ou seja, da passagem do capitalismo comercial e bancário para o capitalismo industrial ou concorrencial.

As cidades, como formas espaciais produzidas socialmente, mudam efetivamente, recebendo reflexos e dando sustentação a essas transformações estruturais que estavam ocorrendo em nível do modo de produção capitalista.

Um dos resultados concretos da articulação entre os lugares, que permitiu a constituição da rede urbana, foi à interdependência entre as cidades, que provocou, ao longo do tempo, a subordinação de umas às outras, ao que se deu o nome de hierarquia urbana.

O modelo urbanístico dominante é hoje amplamente contestado. Paralelamente, a cidade saída do passado, contra a qual foram dirigidas as ironias e as ofensas do urbanismo progressista, é objeto de uma reabilitação que felizmente não é sempre póstuma. Um urbanismo desumano. Esta é a principal crítica endereçada atualmente ao modelo dominante. É forçoso constatar essa recusa pelo usuário das cidades modernas e do sistema de valores que lhes é subjacente. Cada vez mais nossa sociedade recusa as caixas de habitação e o concreto que invade e que agride a cidade antiga e desnatura os espaços rurais.

Contudo, isto de certa forma é inevitável, devido a evolução econômica e demográfica. No pós-guerra, na Europa, é necessário construir abundantemente em função das destruições, do crescimento demográfico e do êxodo rural que acompanhava o crescimento econômico e o progresso social. Volta-se para uma produção maciça de habitações sociais. Os grandes conjuntos habitacionais proliferam-se. Esse urbanismo, embora sob certo ponto de vista insatisfatório, ao menos assegura à grande massa da população o benefício das principais conquistas da técnica moderna tanto no sanitário quanto no econômico. É um grande resultado. Mas poder-se-ia ter adotado fórmulas de habitat mais humanas.

O emprego do concreto e de outros materiais modernos é inevitável. Jamais se construirá como no passado, em nome do qual nos regozijamos ou não. Os materiais e as técnicas modernas permitem um grande aumento da produtividade: a construção necessita de bem menos horas de trabalho humano que outrora. No mais, o metal e o concreto armado permitem alturas e cargas impossíveis para a pedra e a madeira. Esse aumento da produtividade é algo excelente, pois o trabalho humano é caro nas sociedades industriais, mesmo quando é pouco produtivo.

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Se a produtividade na construção não tivesse aumentado nos últimos cem anos, não se pagaria aos operários como se paga atualmente. E, como o número de horas de trabalho necessárias para um dado edifício teria permanecido bastante elevado, a construção seria bem mais cara: viveríamos cinco em cada cômodo. Para subsistir nas sociedades industriais, a atividade da construção exige uma produtividade o mais alta possível.

Esse imperativo proíbe praticamente em nossos dias o emprego de material tradicional, desuniforme, lento para separar, trabalhar e colocar no devido lugar.

A civilização dos cortadores de pedra e dos montadores de belos telhados está praticamente morta. Nós somos uma triste civilização de empilhadores de tijolos furados, de concreto de estruturas metálicas. Tal é o prêmio técnico, da nossa vida materialmente fácil e da nossa habitação decente.

Tudo isso está unido de maneira indissociável, e ninguém pode fazer nada, não mais os urbanistas e os arquitetos que o comum dos mortais. Não é o emprego do concreto que se deve censurar no urbanista progressista, mas o fato de ter construído como dogma a superioridade estética intrínseca do concreto. Sobretudo a grande culpabilidade do urbanismo progressista é de apresentar a cidade futurista, com seus imóveis coletivos gigantes, formigueiros extremamente confortáveis com inúmeras células habitacionais, como o lugar da felicidade perdida. De modo que quando chega a hora de construir bastante e depressa, arquitetos e urbanistas, impregnados da ideologia progressista, julgam normal e desejável a realização de grandes conjuntos.

A industrialização e a urbanização tornaram-se um fenômeno mundial na segunda metade do século XIX; a partir de então, o debate sobre os problemas urbanos nos países industrializados se intensificou. Sobre esses países pairava uma constatação: o crescimento econômico conquistado com a industrialização não havia levado à melhoria da qualidade de vida da população urbana.

A miséria e as condições insalubres de moradia do proletariado urbano constituíam ameaças permanentes de convulsões sociais e revoltas populares. Nas cidades industriais europeias do século XIX, um número crescente de trabalhadores vivia em habitações deterioradas, em locais sem saneamento básico nem serviço de coleta de lixo. Nessa época, os socialistas acreditavam que a insatisfação latente das camadas populares em relação aos problemas sociais levaria à Revolução Socialista. Diante da situação, o Estado adotou o planejamento urbano para resolver os problemas sociais causados pelo desenvolvimento do capitalismo industrial: procurou reorganizar as cidades para estabelecer uma relação mais equilibrada entre o espaço urbano e a sociedade.

As intervenções urbanas no século XIX, que marcaram a origem do urbanismo, não tiveram objetivos e concepções idênticos. Algumas não partiram de uma perspectiva progressista e reformista, e não tinham a preocupação em resolver de fato os problemas da miséria e das grandes disparidades existentes entre as camadas sociais.

A remodelação de cidades como Viena, Londres, Florença e Paris atendeu a problemas comuns: a melhoria sanitária, a criação e preservação de espaços públicos, o alargamento de ruas e avenidas. Mas cada cidade tinha seus aspectos peculiares e visões distintas de como reorganizar sua estrutura e o modo de vida urbana.

A fase urbano-industrial vem se desenvolvendo há dois séculos. Apesar de constituir um intervalo de tempo desprezível na escala geológica, ela tem representado

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transformações ecológicas sem precedentes em termos dos fluxos de energia e da dinâmica dos ciclos naturais, com enormes consequências ambientais.

O desenvolvimento industrial começou fora das cidades, nas proximidades das áreas fornecedoras de matéria-prima e dos grandes mananciais de água. As cidades resistiam então ao domínio fabril, mantendo-se sob o controle do capital comercial. O êxodo rural e o rápido crescimento da população urbana iriam transformar profundamente essa situação.

Dada a enorme reserva de mão de obra de que passou a dispor, a cidade transformou-se num lugar bastante atrativo para a atividade industrial. Cada vez mais as chaminés passaram a disputar o horizonte com as torres das catedrais e a ocupar os espaços vazios das cidades. A população urbana duplicou em poucas décadas, impulsionada pelo fluxo migratório de camponeses expulsos do campo e atraídos pela atividade fabril. O rápido crescimento urbano verificado em quase todo o mundo, após a Revolução Industrial, provocou diversos tipos de impacto ambiental no sistema terrestre, abalado muitas vezes de maneira irreversível as relações ecológicas.

A urbanização no século XX aconteceu de maneira explosiva e generalizada, impulsionada pela industrialização. A população urbana aumentou de 14%, em 1900, para 40%, na década de 1990, e suplantou a marca de 50%, em 2008. A transformação da cidade em um lugar de produção provocou maior concentração nos centros urbanos da força de trabalho, das atividades comerciais e dos serviços.

Essa explosão urbana provocou mudança radical no comportamento das pessoas e nas dinâmicas econômica e cultural dos países. O processo de urbanização e de industrialização gerou a concentração das atividades comerciais e dos serviços mais importantes em algumas cidades, acumulando capital e poder político nesses espaços urbanos, chamados de metrópoles.

A metrópole é formada por cidades reunidas pelo processo de conurbação, que consiste na ocupação urbana até o limite entre municípios. A paisagem formada por esses municípios conurbados constitui uma área contínua, cuja fronteira só pode ser percebida por indicações de placas ou faixas no solo.

As metrópoles não se definem apenas pelo seu tamanho, mas, sobretudo por sua capacidade de centralização das atividades produtivas, culturais e de serviços. Elas comandam uma densa rede urbana, que pode se estender por um vasto território.

As primeiras metrópoles surgiram no final do século XIX, na Europa e nos Estados Unidos. Naquela época, o crescimento urbano dependeu não apenas da Revolução Industrial, mas também da integração das cidades por meio de uma rede de transportes, da homogeneização cultural e da consolidação das fronteiras políticas entre as nações.

Até o século XVIII, ainda que mantivessem intensos intercâmbios comerciais, as cidades desenvolviam funções distintas. Algumas eram famosas por suas universidades, outras por abrigarem monumentos religiosos ou pelo patrimônio artístico e arquitetônico. No final do século XIX e no começo do século XX, Paris assumiu o papel de capital cultural. Escritores e artistas do mundo inteiro dirigiam-se para lá, consolidando a cidade como lugar de difusão de diversas tendências artísticas. Viena, Berlim e Barcelona são exemplos de cidades europeias que dividiram com Paris esse papel de centro cultural, ainda que nunca tenham efetivamente ameaçado a primazia da capital francesa.

As duas guerras mundiais desarticularam as cidades europeias como centros de comando do intercâmbio cultural internacional, deslocando esse papel para as grandes

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cidades norte-americanas. Atores, cineastas, dramaturgos e escritores europeus migraram para os Estados Unidos, ajudando a transformar Los Angeles na capital mundial do cinema e movimentando os teatros da Broadway, em Nova York. Os museus, as galerias de arte, os centros de pesquisas e as universidades, localizados nas cidades norte-americanas e financiados pelos milionários locais, fortaleceram os Estados Unidos como um dos grandes centros culturais do planeta.

A globalização da produção transformou algumas metrópoles em centros da economia internacional. Esses centros urbanos, denominados de cidades globais, formam uma rede urbana por onde transita a maior parte do capital que circula pelos mercados financeiros mundiais. São as empresas sediadas nessas cidades que lançam as inovações tecnológicas e comandam os serviços especializados para a indústria, como a publicidade e o marketing.

A fusão de várias metrópoles num único e gigantesco tecido urbano denomina-se megalópole e pode ser associada ao processo de globalização da produção e ao comando do comércio e dos serviços pelos grandes grupos empresariais em escala mundial. Nos Estados Unidos, existem vários exemplos: Boswash (de Boston a Washington, passando por Nova York e Filadélfia); Chipitts (de Chicago a Pittsburgh, passando por Detroit); Sansan (de San Francisco a San Diego, passando por Los Angeles). Na Europa, temos a megalópoles que engloba uma área de Londres a Milão. O mesmo se verifica com a formação da megalópole de Tóquio a Fukuoka, no Japão.

A cidade dos negócios e transições comerciais e financeiras produziu espaços cada vez mais amplos de circulação. Como encontrar o ponto de equilíbrio entre essas necessidades econômicas e aquelas geradas pelas relações de vizinhança tecidas pelos transeuntes ao redor das moradias? Como garantir definitivamente a todos o acesso à luz solar, ao espaço livre e ao verde? Pouco a pouco, a cidade foi transformada em objeto de saber e intervenção dos engenheiros, arquitetos, geógrafos e artistas modernistas. As grandes exposições internacionais, promovidas nas décadas no início da década de 1920, permitiram comparar pela primeira vez a realidade urbana de diferentes lugares, propondo políticas urbanas que garantissem a regularidade de exposição das habitações ao sol, a delimitação de distritos industriais considerando-se a direção dos ventos e a proteção dos bairros residenciais contra a exposição à fumaça tóxica e poeira, a valorização e a disseminação de parques públicos e áreas verdes pelo tecido urbano, o direito de acesso à rede de distribuição de água potável e ao escoamento do esgoto por gravitação em rede ramificada. O uso de planos diretores como ferramenta básica para o planejamento urbano fundamentou-se em previsões de longo prazo.

Planos de intervenção em áreas centrais degradadas resultaram em vias expressas, calçadões ou centros comerciais. Nos moldes fordistas de padronização industrial em larga escala, sob intervenção direta e ampla do poder público no espaço urbano, realizou-se a produção em massa de habitações e infraestrutura urbana, como rede de água e esgoto. Empregando-se também o planejamento urbano, removeram-se favelas e cortiços, que não se enquadravam no zoneamento da cidade de acordo com sua divisão funcional. Brasília, inaugurada em 1960, foi uma cidade planejada e construída com base nos princípios urbanísticos que se apoiaram em teses do Modernismo.

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Brasília, uma cidade planejada

Ao contrário do que se supunha, a ação do poder público, ainda que delineada por

políticas sociais de combate à pobreza, interferiu nos preços do solo urbano e acarretou maior valorização dos espaços providos de equipamentos coletivos, reforçando ainda mais a concentração de renda e a especulação imobiliária. O financiamento dos conjuntos habitacionais, por exemplo, era demasiadamente caro e implicava prestações que as famílias de baixa renda não podiam pagar o que tornava os benefícios desses projetos muito limitados. A melhoria do padrão de vida de uma parte da população levou à exclusão da grande maioria, que continuou sem a garantia de acesso a serviços e infraestrutura.

A produção do espaço urbano As cidades não param de crescer. Engana-se quem pensa que o poder público é o único responsável pela produção do espaço urbano, realizando obras de infraestrutura tais como capeamento asfáltico, expansão da rede de água e esgoto, limpeza pública, entre outras. Vários outros agentes atuam na expansão da área urbana. Entre os mais importantes, estão os proprietários de terras, os incorporadores imobiliários, a indústria da construção civil, o capital financeiro e os sem-teto. A produção do espaço urbano é resultante da relação política entre esses agentes.

O crescimento urbano

O incorporador imobiliário é o agente que se associa ao proprietário de terras para implementar um loteamento. É preciso aprovar o projeto na prefeitura, desmatar e terraplanar a terra, abrir ruas, definir os lotes, colocar guias entre outros. A venda dos lotes

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pode ficar a cargo das corretoras de imóveis, que ganham uma porcentagem da negociação efetuada, completando o circuito do mercado imobiliário. Participa desse circuito quem tem dinheiro para comprar o imóvel. Entra em cena o capital financeiro: bancos públicos e privados possuem linhas de financiamento para a obtenção da casa própria. Nesse caso, as pessoas precisam demonstrar que possuem renda suficiente para honrar a dívida, que será paga parceladamente. É claro que o valor final do imóvel fica bem acima do preço de mercado para a compra à vista. O custo do dinheiro emprestado é incorporado ao cálculo das prestações, resultando no lucro do banco. Outra forma de o capital financeiro participar do mercado imobiliário é financiado as indústrias da construção civil. Empresas de diferentes portes produzem moradias como numa linha de montagem. Quanto maior a quantidade de unidades habitacionais produzidas, mais viável é a produção padronizada e em série, baixando os custos de material de construção, projeto, preço do terreno e mão de obra. O poder público municipal também participa do circuito do mercado imobiliário, pois é ele quem aprova os projetos de loteamentos e realiza as obras de infraestrutura que valorizam diferenciadamente os bairros da cidade. A prefeitura, assim como o governo estadual, também utiliza linhas de financiamento dos bancos para a construção de conjuntos habitacionais. Nesse caso, empresas da construção civil são selecionadas em concorrências públicas para a realização da obra. A escolha da área desses conjuntos habitacionais acelera o processo de valorização das terras urbanas, alterando o preço dos terrenos, dos imóveis e dos alugueis. De modo geral, a produção do espaço urbano por meio do circuito do mercado imobiliário corresponde à menor parte das unidades habitacionais disponíveis nos países pobres. Neles, o mais importante processo de produção do espaço urbano é a autoconstrução da moradia. A população de baixa renda participa do mercado imobiliário de maneira marginal. Para comprar lotes baratos, essa população vai morar em bairros distantes do centro e em loteamentos clandestinos que não possuem nem mesmo a infraestrutura básica. Pagando o material de construção a prestações e construindo por conta própria nos finais de semana e nas horas de folga, muitas pessoas conseguem se livrar do aluguel e de adquirir com sacrifício a casa própria.

A luta pela melhoria das condições de vida nos bairros que surgem da autoconstrução fica para depois. As associações de moradores desses bairros populares costumam reivindicar da prefeitura, por anos a fio, a infraestrutura que o loteador deveria ter efetuado. Aos poucos, os movimentos reivindicatórios vão conquistando as benfeitorias urbanas desejadas, como asfalto, iluminação, praças, rede de água e de esgoto.

A construção de barracos em favelas e as ocupações de terras têm sido outras alternativas encontradas pelas pessoas mais pobres nos diversos países, pois vivem com baixos salários e tem apenas está alternativa de moradia.

O acesso a uma moradia decente não depende de se dar tempo para a construção de mais casas, mas de se poder pagar por elas. Alguns podem fazê-lo; para a maioria isto se apresenta como um problema. A possibilidade de acesso à moradia, por exemplo, está subordinada ao nível salarial.

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Quando a migração para as cidades é intensa demais, formam-se bolsões de miséria, com a proliferação de favelas e o surgimento de moradores de rua. Isso ocorre na maior parte das cidades de países em desenvolvimento e é uma questão-chave no Brasil. A maioria das megalópoles abriga favelas, e essa situação tende a se agravar, especialmente na África e na Ásia. Após migrarem em busca de oportunidades, as pessoas defrontam com o desemprego ou subemprego e não conseguem pagar os custos de habitação, alimentação e serviços nos bairros centrais e urbanizados. A solução é morar em barracos ou na rua. A favelização é uma grave chaga, difícil de curar. Seus moradores sofrem pela falta de acesso a direitos humanos básicos (alimentação, trabalho, moradia) e têm enorme dificuldade para sair da condição em que se encontram.

A favela é formada por famílias que levantam seus barracos individualmente, em áreas públicas ou em terrenos particulares mais próximos do centro da cidade, sem uma prévia organização coletiva. Em alguns casos, as ocupações de terra são planejadas antecipadamente por grupos organizados de sem-teto, que se unem para dessa forma resolver o problema da moradia.

Na economia capitalista, tudo se torna mercadoria até mesmo a terra. O preço do aluguel ou da compra do imóvel é determinado pelo fato de ser um bem indispensável à vida, de ser propriedade de alguns homens e não ser de outros, e de que nas cidades o seu valor se eleva pelo alto nível de concentração populacional e de atividades.

Favela na cidade de Salvador-BA

O crescimento urbano desordenado provoca graves problemas, e as sociedades tentam resolvê-los para garantir a qualidade de vida. Com o crescimento das cidades, as áreas próximas a rios, por exemplo, ficaram superpovoadas e a população começou a ocupar as áreas circundantes, o que inclui as encostas e os morros, e com frequência esse processo foi descontrolado. Derrubada a mata, o solo fica exposto e os mananciais de água diminuem. Quando há chuvas fortes, a terra é levada pela água e assoreiam os rios, as cidades ficam alagadas e congestionadas. Nas encostas e nos morros, a infiltração da água provoca aluviões e deslizamentos que causam soterramentos e tragédias.

Esse é apenas um exemplo dos vários desafios de planejamento enfrentados atualmente nas cidades, que já abrigam a maioria da população mundial. O modo de tratar esses problemas é por meio de políticas públicas.

As cidades atraem as pessoas por oferecer melhores oportunidades. Por isso mesmo, é a migração para as cidades que faz, hoje em dia, a taxa de crescimento populacional urbano ser quase duas vezes maior que a rural.

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Planejar a construção das cidades e de suas estruturas ajuda a garantir seu funcionamento. No Brasil, esse planejamento passou a ser obrigatório apenas em 2001 para todas as cidades com mais de 20 mil habitantes, por um plano Diretor decenal. Mesmo assim, no decorrer do tempo, fórmulas que eram muito utilizadas estão sendo repensadas com a urbanização. Veja alguns exemplos.

Calçadas e asfalto: Tornaram-se símbolos da urbanização, mas impermeabilizam o solo, pois a água das chuvas não consegue penetrar, e agravam as enxurradas e as enchentes. Em boas práticas urbanas, estão sendo substituídos por calçadas de blocos e faixas de grama, que permitem a drenagem da água, e com rebaixamentos de acesso para os cadeirantes;

Rios: Tiveram seus traçados retificados, tornando-os menos sinuosos, foi dragado o

leito para garantir a vazão da água, e muitas cidades construíram avenidas nas suas margens. Com a impermeabilização do solo, a água chega mais depressa ao rio, que fica assoreado de lixo, lama de esgoto e terra da periferia. Como resultado, há enchentes e engarrafamentos de trânsito nas vias afetadas. Entre as soluções, estão canalizar e tratar o esgoto para limpar o rio, deixar as margens livres para absorver a água, construir reservatórios subterrâneos para adiar a chegada da água ao rio (piscinões) e melhorar a coleta de lixo. Em Seul, na Coreia do Sul, o governo revitalizou o rio Cheong Gye, canalizou os esgotos e despoluiu o curso d’água, construiu áreas verdes de absorção, passeios e parques nas proximidades do rio. É considerado um plano exemplar de revitalização;

Viadutos: Viadutos longos e caros foram construídos em áreas centrais para ligar

diferentes áreas e garantir o fluxo de veículos, ônibus e caminhões. Mas eles engarrafam, bloqueiam o sol e desvalorizam os imóveis, resultando em prédios-fantasma, bairros decadentes, criminalidade e maior estresse urbano. Uma das soluções possíveis tem sido derrubar esses viadutos, encontrar alternativas, repensar as pistas e replanejar uso das áreas degradadas. É o que foi feito em cidades como Boston, Pittsburgh, São Francisco e Seattle, nos Estados Unidos;

Bairros decadentes: Ocorrem em áreas centrais, em que só há empresas diurnas. À

noite, atraem prostituição e criminalidade. Para restaurar essas áreas, são adotados planos de revitalização urbana, com isenção de impostos para atrair novas empresas e comércio, entre outras medidas. Um plano assim foi adotado para o centro velho de Nova York, bem como para a região de São Paulo;

Conjuntos habitacionais: São feitos na periferia, em larga escala, para evitar ou substituir favelas, mas com frequência sem projetos para áreas de lazer, comércio, transporte público com ligação as áreas centrais. Costumam ter escolas do ensino básico, mas não faculdades, podem se transformar em cidades dormitório, degradar-se e fazer com que seus moradores se desloquem por grandes distâncias para trabalhar e estudar. Núcleos assim tendem a isolar seus moradores, dificultar o estudo e a ascensão social e dar base a bolsões de miséria. Entre as soluções, podem-se criar melhores vias de ligação entre bairros

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e com as áreas centrais, dotar essas áreas de serviços e instituições e atuar com programas de inclusão social;

Tráfego: Priorizar as soluções de trânsito baseado em automóveis não dá certo em

grandes cidades. Para evitar o congestionamento nas grandes cidades, a solução passa por ampliar e melhorar os transportes públicos - metrô, ônibus e trem - além de desestimular o uso individual do automóvel. O planejamento deve incluir a integração dos vários tipos de transporte, além da criação de ciclovias, áreas para estacionar bicicletas, motos e carros.

O uso combinado do planejamento do solo urbano com o sistema de transporte público resultou em que 75% dos curitibanos utilizam ônibus, apesar de o Brasil ter a segunda maior taxa per capita de proprietários de carros. Curitiba é um maravilhoso exemplo de por que as cidades que seguem essa diretriz, desenvolvimento sustentável com qualidade de vida, conseguem alavancar sua economia, combater a pobreza, assistir seus pobres e manter suas cidades limpas.

Não há uma solução isolada para o problema dos engarrafamentos nas grandes cidades, mas é preciso um conjunto delas. O começo é um investimento pesado dos governos na construção de um sistema variado e eficiente de transporte coletivo. O princípio é simples: se o cidadão tiver condições de se locomover rapidamente e a preço baixo em transporte público, poderá abrir mão do carro de boa vontade.

Congestionamento em São Paulo

Podem-se dar benefícios ao usuário, como bilhetes integrados, ampliação do tempo de valor da tarifa, isenção de tarifas nos fins de semana, melhoria na pontualidade e conforto. Um bom planejamento urbano prevê a articulação de diversos sistemas de transporte, que interliguem ônibus, metrô, trens de superfície, ciclovias e tenham áreas para estacionar bicicletas, motocicletas e carros. Para o transporte de carga, podem ser construídos anéis viários ao redor da área urbana, para desviar os caminhões e abastecer o comércio durante a madrugada.

Mas, estranguladas pelo excesso de carros e em busca de soluções a prazo mais curto, diversas cidades adotaram políticas para forçar a restrição no uso de automóveis.

Após estimularem a fabricação e venda de carros por muito tempo, os governos sofrem para resolver os problemas que eles causam nas cidades.

A indústria automobilística foi um dos motores da economia mundial no século XX, ligada à supremacia do petróleo como fonte de energia. Mas os carros transformaram-se em um grande problema mundial com o crescimento da população. Todas as grandes

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metrópoles enfrentam engarrafamentos que tendem a se tornar crônicos, e não é mais possível ignorar o problema: os automóveis em excesso prejudicam a atividade econômica. Os engarrafamentos encarecem o transporte de mercadorias e pessoas, pois desperdiçam combustíveis, aumentam o tempo de transporte, reduzem o período de descanso dos cidadãos, produzem barulho, poluem o ar e aumentam o estresse urbano. Tornaram-se também vilões do aquecimento global.

Há razões para explicar por que chegamos a essa situação. Do ponto de vista dos cidadãos, o automóvel parece resolver vários problemas: com ele, uma pessoa vai aonde quer, sob a chuva ou no frio, e carrega quase tudo de que precisa, seja a mochila da escola, sejam as compras; com transporte público, a pessoa vai até onde é possível e tem de levar o que dá para carregar andando a pé. O carro é um produto sedutor.

Do ponto de vista econômico, há uma razão predominante: a indústria automobilística cria grande quantidade de empregos, paga altos impostos e foi o coração do capitalismo industrial no século XX. Os governos sempre tiveram interesse em estimular a fabricação de carros, para receber o dinheiro de impostos das vendas internas e das receitas de exportação.

No século XX, os governos financiaram e frequentemente protegeram os mercados para suas fabricantes de automóveis. Na globalização econômica, os mercados foram abertos, o que aumentou a produção e a venda de carros.

A cidade recebeu diretamente as consequências do rápido crescimento populacional imprimido pela Revolução Industrial, e sofreu, em nível de estruturação de seu espaço interno, muitas transformações.

O amontoamento de pessoas nas cidades leva a um dos maiores males de saúde da era urbana: o estresse. As pessoas perdem cada vez mais tempo no trânsito, ficam expostas a cargas de barulho crescentes e têm menos tempo para se alimentar corretamente, praticar atividades físicas e dormir. A situação agrava-se em áreas de alta densidade populacional, em que há muita gente por metro quadrado, seja levando em conta um bairro, seja considerado moradias apertadas ou superlotadas, em que falta privacidade.

O rápido crescimento populacional gerava uma procura por espaço, e por outro lado o crescimento territorial das cidades no século XVIII e primeira metade do século XIX estava restrito a um determinado nível, além do que ficava impossível percorrer a pé as distâncias entre os locais de moradia e trabalho. Ou seja, o crescimento populacional não podia ser acompanhado em seu ritmo pelo crescimento territorial.

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Paralelamente, o desenvolvimento do modo de produção capitalista já tornara a terra também uma mercadoria, o que significava que o acesso a uma parcela do espaço destas cidades estava mediado, pela compra ou aluguel de terrenos, com construções ou não.

O crescimento das cidades tornou centro à área antes compreendida por todo o núcleo urbano, formando-se ao seu redor uma faixa nova, considerada a periferia.

Cem anos após a Revolução Industrial, o chamado centro guardava a sua estrutura original, com seus monumentos, suas ruas estreitas, algumas casas pequenas e compactas, jardins e pátios anexos às residências dos mais ricos. Estes foram abandonando, aos poucos, o centro, onde se amontoavam trabalhadores pobres e recém-migrados do campo. Nos pátios e jardins eram feitas novas construções — casas, indústrias, barracões — tornando a densidade elevadíssima.

A cidade era a própria desordem, e já na primeira metade do século XIX percebia-se a quebra de uma certa homogeneidade do seu padrão arquitetônico, e o fim da cidade como ambiente comum. O desenvolvimento capitalista e os inúmeros "problemas" urbanos advindos da rápida industrialização incentivaram o comportamento individual e a separação espacial das classes sociais dentro da cidade: os bairros de pobres, os bairros de ricos. Ter uma residência individualizada cercada de espaços era sinal de prestígio social, só possível para os mais ricos.

Podemos agora discutir um pouco estes "problemas" urbanos. A falta de coleta de lixo, de rede de água e esgoto, as ruas estreitas para a circulação, a poluição de toda ordem, moradias apertadas, falta de espaço para o lazer, enfim, insalubridade e feiura eram problemas urbanos, na medida em que se manifestavam de forma acentuada nas cidades, palco de transformações econômicas, sociais e políticas.

Contudo, é fundamental observar que estes problemas constituíam manifestações claras da etapa pela qual o desenvolvimento do modo de produção capitalista estava passando.

Dá para imaginar uma cidade de cinco milhões de habitantes, onde mais da metade da população não é servida por coleta de lixo? Ela existe, por aí, em muitos cantos do chamado Terceiro Mundo. E o esgoto é dispensável? Ele falta em muitas cidades. O que acontece com o descanso de um trabalhador se ele gasta quatro horas por dia para se deslocar de casa para o trabalho e de volta para casa?

Estes problemas poderiam ser amenizados ainda que os salários não fossem altos, porque a solução deles não precisava passar pela compra individual de um caminhão de lixo para recolher o lixo da minha porta, ou pelo pagamento também individual dos custos de abertura de canaletas para implantar o esgoto no meu bairro, ou pela aquisição de um veículo para cada membro da família — o que o trânsito da cidade nem suportaria. Estes bens e serviços são coletivos e devem ser implantados pelo Estado, que numa economia dependente não dispõe de recursos para todas estas necessidades — muito embora alguns como a Índia e o Brasil apliquem enormes verbas para o desenvolvimento nuclear. E como o Estado (com tutela do FMI) investe estes poucos recursos?

A nível intra-urbano, o poder público escolhe para seus investimentos em bens e serviços coletivos, exatamente os lugares da cidade onde estão os segmentos populacionais de maior poder aquisitivo; ou que poderão ser vendidos e ocupados por estes segmentos, pois, é preciso valorizar as áreas. Os lugares da pobreza, os mais afastados, os mais densamente ocupados vão ficando no abandono.

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Será que a cidade cresce desordenadamente, porque ela não está sob planejamento? Será que o Estado (subjugado pelas classes dominantes) é neutro ao planejar seus investimentos?

Um passeio pelas ruas de muitas cidades permite-nos verificar que a escolha dos lugares dos investimentos públicos não é imparcial (e existe a imparcialidade?). Há inúmeros terrenos desocupados nestas cidades, mas o tecido urbano cresce desmesuradamente na periferia. As contradições sociais impostas pelo desenvolvimento capitalista estão impressas na estrutura e na paisagem urbana. A opção do Estado parece clara. O que fazer com o lixo? Rios contaminados, lixo crescente, barulho, fumaça e estresse. As grandes cidades cobram um preço alto a seus moradores. Uma campanha lançada em 2009 pela entidade SOS Mata Atlântica chamou atenção: ela sugere fazer xixi durante o banho. A proposta busca conscientizar as pessoas da necessidade de economizar água, no caso uma descarga média de 12 litros por dia, que já faria diferença. A campanha ensina que a urina é basicamente 95% água, mais ureia e sal. Mesmo assim, parece nojento, não? Geralmente, nos esquecemos de que a água do banho e da louça se junta à sujeira fedida da privada depois que descem pelos canos. Que desgosto é reencontrá-la a seguir, no rio em frente, multiplicada milhares de vezes e muito mais malcheirosa. Há poucas décadas, esse problema era tratado como de longo prazo nos países em desenvolvimento, sem impacto imediato. Mas agora ele se soma a outros, tudo começou a ficar grave demais com o gigantismo das cidades.

Levar o esgoto ao rio ou ao mar até que não era má ideia séculos atrás, pois a água carregada de oxigênio limpa significativamente a sujeira orgânica. Mas, no mundo de hoje, com 6 bilhões de produtores diários de esgoto e consumidores de água, sobra esgoto e é preciso economizar água limpa. Uma consequência séria desse quadro é a expansão dos patógenos que causam a cólera, a meningite e a hepatite, eliminados só quando a água é tratada.

Um sinal de alerta foi a epidemia de cólera que atingiu a América do Sul em 1991 e deixou 400 mil doentes e 4 mil mortos. Naquele ano, apenas 13,7% do esgoto canalizado no continente era tratado. Atualmente, mais de um quarto da população do mundo em desenvolvimento vive sem condições sanitárias adequadas, segundo as Nações Unidas.

O Brasil corre atrás do prejuízo, pois ainda falta muito para dar saneamento básico (água e esgoto) a toda a população brasileira. O último levantamento nacional, com dados de 2007, indica que metade do esgoto urbano produzido tem coleta adequada, mas apenas 32,5% do esgoto total do país recebe algum tratamento. O fornecimento de água tratada atinge 80% das pessoas, número que sobe para 94% nas zonas urbanas.

Hoje, a água contaminada é uma das causas principais da elevação da mortalidade infantil e da ocupação dos leitos dos hospitais por doenças infecciosas intestinais. Não podemos transformar nossos rios em cloacas da sociedade.

O consumo hoje vem tornando-se um dos grandes problemas nas cidades e que acaba causando a destruição do meio ambiente. Por quê? Simplesmente porque todo o material necessário para a fabricação de celulares, computadores, roupas, carros, asfalto, casas etc.,

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vêm da natureza; e como, a cada dia que passa, o mundo tem mais gente, a necessidade das indústrias de retirarem matérias-primas do meio ambiente torna-se mais agressiva. E para onde vai todo o material que descartamos? Para os bueiros, rios, para o ar que respiramos.

Produtos que consomem uma enorme variedade de recursos extraídos da natureza, não são oferecidos como necessidades, e tornaram-se emblemáticos na sociedade de consumo que se traduz como democrática, pois teoricamente, todo esse poder está ao alcance dos ricos e dos pobres.

Impedir que a interferência do ser humano degradasse o meio ambiente é um grande desafio nas cidades. Há o grande volume de lixo, ao qual é difícil dar destino. Quanto maior e mais rica a cidade, maior o volume de lixo produzido por cabeça e maior o volume total. Quando não há coleta, o lixo fica em terrenos baldios e ruas, atrai ratos e insetos, entope galerias de coleta das chuvas, agrava as enchentes e dissemina doenças como a leptospirose, a dengue, a febre amarela e a malária. Essas três últimas atacam cada vez mais nas cidades, onde os mosquitos transmissores encontram local com água favorável para a reprodução, o que inclui entulho, latas, pneus etc.

Nos grandes conglomerados urbanos, a falta de coleta de lixo provoca a contaminação de todo o ambiente, não apenas da água, mas dos terrenos baldios e das ruas. Nas megalópoles e nas conurbações, há cada vez mais dificuldade de encontrar locais para novos aterros sanitários. Mas há iniciativas importantes, como construir nos aterros usinas termelétricas que queimam gás metano originado do lixo. É o caso da usina Bandeirantes, em São Paulo. Ela foi construída com dinheiro dos créditos de carbono previstos no Protocolo de Kyoto, gera energia e evitar atirar na atmosfera esse gás, que agrava o efeito estufa. O crescimento da coleta e reciclagem dos materiais nobres também é uma boa iniciativa. Na capital do Egito, Cairo, apenas um terço do lixo é recolhido pela prefeitura, mas a coleta para a reciclagem, pela população, tornou-se uma intensa atividade econômica, que mantém a cidade viável.

Veja no gráfico como cidades ricas geram mais lixo por cabeça, por seu alto padrão de consumo. Mas, se as cidades pobres produzem menos, a falta de destino e tratamento adequado dos resíduos cria um enorme problema.

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Estima-se que, no mundo, entre o lixo domiciliar e comercial são produzidas 2 milhões de toneladas/dia. Imagine o que significa esse volume de lixo. Já parou para pensar? Isso equivale a 700 gramas por habitante de áreas urbanas. Só a população de Nova York, devido ao alto poder aquisitivo e tendo acesso a este consumismo desenfreado, tem uma média bem superior a essa. Estima-se que cada cidadão nova-iorquino gere 3 kg de lixo/dia. Vindo para o Brasil, estima-se que o paulistano gere 1,5 kg/dia.

Indianos garimpam lixo nos arredores de Nova Délhi

O Brasil concentra 3% da população mundial e é responsável por 6,5% da produção de

lixo no mundo. Aliás, países pobres e ricos têm estimativas diferentes para a quantidade de lixo. Os habitantes dos países pobres produzem de 100 a 220 kg de lixo a cada ano ou de 0,27 kg a 0,6 kg por dia. E os dos países ricos produzem de 300 a uma tonelada por ano ou de 0,82 kg a 2,7 por dia. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CARLOS, ANA FANI ALESSANDRI. O espaço Urbano: Novos Escritos Sobre a Cidade. São Paulo: Labur, 2007. CORRÊA, ROBERTO LOBATO. O Espaço Urbano. 4ª ed. São Paulo: Ática, 2000. SANTOS, MILTON. Metamorfoses do espaço habitado: Fundamentos teóricos e metodológicos da Geografia. 5ª ed. São Paulo: Hucitec, 1997. SPOSITO, MARIA ENCARNAÇÃO B. Capitalismo e Urbanização. 14ª ed. São Paulo: Contexto, 2004. Um Mundo Urbano. Atualidades Vestibular. São Paulo: Abril, 2010. ZMITROWICZ, WITOLD; NETO, GENEROSO DE ANGELIS. Infraestrutura Urbana. São Paulo: Epusp, 1997.