A Utilidade Da Filosofia

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS (UFPEL) CURSO DE LICENCIATURA EM FILOSOFIA – EAD INTRODUÇÃO À FILOSOFIA POLO DE CACHOEIRA DO SUL PAULO ROGÉRIO DA ROSA CORRÊA Teria a filosofia alguma utilidade? É de conhecimento de muitas pessoas uma frase atribuída ao dramaturgo inglês William Shakespeare: "Entre o céu e a terra há mais coisas do que sonha a nossa VÃ filosofia". Se tomarmos a frase tal qual está escrita podemos entender que existe uma brecha no conhecimento, um elo faltante na longa cadeia de eventos naturais e sociais que não é captada pela filosofia, ainda que ela arrogue para si tal tarefa. No sentido em que está escrita, a frase sugere que questões existências e aquelas que são tidas como grandes mistérios permanecem tal qual são: grandes mistérios e que a filosofia ao não realizar a explicação de que se propõe torna-se vã; por mostrar-se incapaz de desvendar e explicar as grandes perguntas de cunho existencial a filosofia torna-se pedante e por conseqüente inútil. Em outras palavras, o que se quer dizer é que as grandes sínteses explicativas propostas pelos filósofos ao longo do tempo não conseguem dar conta de perguntas constantemente repostas pelos seres humanos: “de onde viemos?”, “para onde vamos?”, “o que existe depois da morte?”. É necessário chamar a atenção para o fato de que Shakespeare jamais proferiu tal frase, não da forma como está escrito acima. O que o dramaturgo inglês disse na obra Hamlet,

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Apontamentos sobre a utilidade da filosofia

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS (UFPEL)CURSO DE LICENCIATURA EM FILOSOFIA EADINTRODUO FILOSOFIAPOLO DE CACHOEIRA DO SULPAULO ROGRIO DA ROSA CORRA

Teria a filosofia alguma utilidade? de conhecimento de muitas pessoas uma frase atribuda ao dramaturgo ingls William Shakespeare: "Entre o cu e a terra h mais coisas do que sonha a nossa V filosofia". Se tomarmos a frase tal qual est escrita podemos entender que existe uma brecha no conhecimento, um elo faltante na longa cadeia de eventos naturais e sociais que no captada pela filosofia, ainda que ela arrogue para si tal tarefa. No sentido em que est escrita, a frase sugere que questes existncias e aquelas que so tidas como grandes mistrios permanecem tal qual so: grandes mistrios e que a filosofia ao no realizar a explicao de que se prope torna-se v; por mostrar-se incapaz de desvendar e explicar as grandes perguntas de cunho existencial a filosofia torna-se pedante e por conseqente intil. Em outras palavras, o que se quer dizer que as grandes snteses explicativas propostas pelos filsofos ao longo do tempo no conseguem dar conta de perguntas constantemente repostas pelos seres humanos: de onde viemos?, para onde vamos?, o que existe depois da morte?. necessrio chamar a ateno para o fato de que Shakespeare jamais proferiu tal frase, no da forma como est escrito acima. O que o dramaturgo ingls disse na obra Hamlet, foi: "H mais no cu e na terra, Horcio, do que supe a nossa filosofia" (There are more things in Heaven and Earth, Horatio, / Than are dreamt of in our philosophy). [footnoteRef:2] O filsofo brasileiro Leandro Konder ao se dar conta dessa situao inusitada vai esboar uma reflexo do porque a palavra V foi erroneamente acrescentada frase de Shakespeare. No entendimento de Konder o tempo e as crendices populares acrescentaram a palavra V frase original. [footnoteRef:3] V algo que intil, que no serve pra nada. Ao no explicar (ou fornecer explicaes convincentes para os grandes mistrios da vida) a filosofia no passaria de um mero proselitismo e, portanto, intil. [2: SHAKESPEARE, William. Hamlet (primeiro ato, quinta cena). Disponvel: http://atragediadehamlet.blogspot.com.br/2011/03/ato-i-cena-5.html Acesso: 05/04/2014] [3: KONDER, Leandro. A dialtica e o marxismo. Disponvel: http://laurocampos.org.br/2009/09/a-dialetica-e-o-marxismo Acesso: 05/04/2014.]

Podemos perguntar dessa forma o que o til? Por que a filosofia (muitas vezes) considerada intil? Geralmente quando uma pessoa diz que algo til ela est querendo afirmar que possvel vislumbrar um efeito concreto e objetivo de sua atividade. Por exemplo, se perguntarmos qual a utilidade da medicina dizemos que ela serve pra diagnosticar e sanar problemas de sade, se perguntarmos a utilidade da matemtica chegaremos a resposta de que ela serve de base para as engenharias, com o seu conhecimento constri-se pontes, prdios, naves espaciais, pirmides, etc. E quando perguntamos: qual a utilidade da filosofia? Se a palavra utilidade estiver se referindo a um desdobramento concreto, visvel, prtico e material podemos afirmar que a filosofia intil. intil porque a nfase de sua atividade no est centrada sobre construes concretas que se objetivam no mundo material sobre a forma de pontes, pirmides, frmacos, mesas, etc. Na nossa organizao social, que coloca nfase sobre a produo de objetos (mercadorias, produtos, servios) o "til" passa a ser aquilo que capaz de produzir coisas e de gerar riquezas. Qual seria ento a nfase da atividade da filosofia e no que precisamente reside a sua utilidade? A atividade da filosofia fundamentalmente intelectiva, reflexiva e crtica. Isto significa dizer que a atividade fundamental da filosofia esta no campo das ideias (sempre lembrando que as ideias possuem desdobramentos no mundo material), atravs da razo, de regras metodolgicas e da preciso conceitual a filosofia busca afastar-se de opinies apressadas, falsas generalizaes, pr-conceitos e da arrogncia intelectual que em nome de um saber (pseudo-saber) coagula as suas snteses para todo o sempre. Dessa forma, muito mais do que fornecer respostas finais e ltimas sobre situaes naturais, sociais e os grandes mistrios existenciais a filosofia objetiva a construo de perguntas. Perguntar o que somos e pra onde vamos uma pergunta filosfica por excelncia. Ao no dar a sua aceitao a tudo, a filosofia aparece como um grande complicador da vida, aos seres humanos envoltos em suas atividades cotidianas (precisando dar respostas prticas e concretas a problemas concretos e prticos) a filosofia aparece como algo perturbador, as perguntas causam angstia e desconforto porque nos pedem para explicarmos o que fazemos, o que pensamos, como fazemos e porque fazemos.Ao atuar sobre o mundo das ideias a filosofia atrai pra si a pecha de intil e os filsofos no raro s vezes so vistos com certo misticismo, como se fossem pessoas descoladas do mundo real e das atividades cotidianas; frases como: vivem no mundo da lua ilustrativo dessa situao. Retomamos a pergunta inicial que deu mote a esse texto: Teria a filosofia alguma utilidade? Para respond-la preciso desconstruir, a prpria noo de utilidade utilizada correntemente. S podemos responder afirmativamente a pergunta se entendermos por utilidade no a construo de objetos materiais ou de efeitos prticos imediatos na vida dos seres humanos, mas uma certa perspectiva que objetiva fundamentalmente colocar o homem como demiurgo de sua prpria histria, autnomo na tomada de decises e construtor da realidade social.A filsofa Marilena Chau falando sobre a utilidade da filosofia lana a ideia de que se for til conhecer os fundamentos da vida social, da poltica, da cultural... se for til entender as relaes intra humanas...os afazeres da cincia e das artes... se for til pensar sobre as condies de conhecimento e o prprio pensamento... ento a filosofia o mais til de todos os saberes. [endnoteRef:2] [2: CHAU, Marilena. Convite filosofia. So Paulo: Editora tica, 1997.]

Referncias Bibliogrficas:CHAU, Marilena. Convite filosofia. So Paulo: Editora tica, 1997KONDER, Leandro. A dialtica e o marxismo. Disponvel: http://laurocampos.org.br/2009/09/a-dialetica-e-o-marxismo Acesso: 05/04/2014.

SANTOS, Robinson. Introduo a filosofia. Texto disponvel na plataforma moodle como material didtico.

SHAKESPEARE, William. Hamlet (primeiro ato, quinta cena). Disponvel: http://atragediadehamlet.blogspot.com.br/2011/03/ato-i-cena-5.html Acesso: 05/04/2014