A Vida Nua Como Conceito Politico, uma Genealogia (CORREA, M. D. C., Captura Criptica, n2, V2, 2010)

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINACENTRO DE CINCIAS JURDICAS

    CURSO DE PS-GRADUAO EM DIREITO

    Ca p t u r a Cr p t ica :direito, poltica, atualidade______________________________

    Revista Discente do Curso de Ps-Graduao em Direitoda Universidade Federal de Santa Catarina

    Captura Crptica:direito, poltica, atualidade.Revista Discente do CPGD/UFSCUniversidade Federal de Santa Catarina (UFSC)Centro de Cincias Jurdicas (CCJ)Curso de Ps-Graduao em Direito (CPGD)Campus Universitrio TrindadeCEP: 88040-900. Caixa Postal n. 476.Florianpolis, Santa Catarina Brasil.

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    Exped ien te

    Conselho CientficoProf. Dr. Jess Antonio de la Torre Rangel (Universidad de Aguascalientes - Mxico)

    Prof. Dr. Edgar Ardila Amaya (Universidad Nacional de Colombia)Prof. Dr. Antonio Carlos Wolkmer (UFSC)

    Prof Dr Jeanine Nicolazzi Phillippi (UFSC)Prof. Dr. Jos Antnio Peres Gediel (UFPR)

    Prof. Dr. Jos Roberto Vieira (UFPR)Prof Dr Deisy de Freitas Lima Ventura (IRI-USP)

    Prof. Dr. Jos Carlos Moreira da Silva Filho (UNISINOS)

    Conselho Editorial

    Ademar Pozzatti Jnior (CPGD-UFSC)Carla Andrade Maricato (CPGD-UFSC)

    Danilo dos Santos Almeida (CPGD-UFSC)Felipe Heringer Roxo da Motta (CPGD-UFSC)

    Francisco Pizzette Nunes (CPGD-UFSC)Leilane Serratine Grubba (CPGD-UFSC)Liliam Litsuko Huzioka (CPGD/UFSC)Luana Renostro Heinen (CPGD-UFSC)

    Lucas Machado Fagundes (CPGD-UFSC)Marcia Cristina Puydinger De Fzio (CPGD-UFSC)

    Matheus Almeida Caetano (CPGD-UFSC)Moiss Alves Soares (CPGD-UFSC)

    Renata Rodrigues Ramos (CPGD-UFSC)Ricardo Miranda da Rosa (CPGD-UFSC)

    Ricardo Prestes Pazello (CPGD-UFSC)Vincius Fialho Reis (CPGD-UFSC)

    Vivian Caroline Koerbel Dombrowski (CPGD-UFSC)

    Captura Crptica: direito poltica, atualidade. Revista Discente do Curso de Ps-Graduaoem Direito. n.2., v.2. (jan/jun. 2010) Florianpolis, Universidade Federal de Santa Catarina,2010

    Periodicidade Semestral

    ISSN (Digital) 1984-6096ISSN (Impresso) 2177-3432

    1. Cincias Humanas Peridicos. 2. Direito Peridicos. Universidade Federal de Santa

    Catarina. Centro de Cincias Jurdicas. Curso de Ps-Graduao em Direito.

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    A vida nua como conceito tico-poltico: umagenealogia

    Murilo Duarte Costa Corra

    O conceito de vida nua surge na literatura agambeniana em textos muitodiversos; desde Homo sacer I(2007), originalmente publicado em 1995, suaformulao conceitual atravessa igualmente as preocupaes mais

    contemporneas de Giorgio Agamben, encontradas emMezzi senza fine (1996),passando por O que resta de Auschwitz (1998), seguindo-se at umdesenvolvimento ulterior emLAperto: luomo e lanimale (2002).

    Nesse percurso, uma das chaves na genealogia da nuda vita agambeniana o texto que Agamben escreve em homenagem a Gilles Deleuze, por ocasiode seu falecimento;Limmanenza assoluta , depois, incorporado a um livro deric Alliez (2000) e republicado, mais tarde, em uma coletnea de artigos de

    Giorgio Agamben denominadaLa potenza del pensiero (2005).Nele, Agamben revela aquilo que, disseminando-se por seus textos

    posteriores, permitiria esquadrinhar o pano de fundo de sua filosofia: o projetode uma filosofia da vida como uma filosofia que vem. Na base de seu projeto,encontra-se a problematizao, desde logo poltica, da vida como objeto dopoder da operao de poder que, a fim de engendrar uma produo da vidahumana e politicamente predicada (bios), toma por ponto de inflexo o viventea fim de aplicar-se sobre ele, excluindo de seu mbito a vida animal (zo). Tal

    conceito encontra-se presente em textos como Limmanenza assoluta (2005) eHomo sacer: o poder soberano e a vida nua I(2007). Eis o desenvolvimentoque Agamben, passando por Foucault, retoma da fundao aristotlica da plisgrega.

    Professor de Filosofia do Direito e Teoria do Direito, vinculado ao Departamento dePropedutica do Direito da Faculdade de Direito do Centro Universitrio Curitiba(UNICURITIBA); Professor do Curso de Direito do Centro de Cincias Sociais e Aplicadas da

    Fundao de Estudos Sociais do Paran (CCSA/FESP-PR). Mestre em Filosofia e Teoria doDireito pelo Curso de Ps-Graduao em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina(CPGD/UFSC). Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal doParan (FD/UFPR). Contato: http://murilocorrea.blogspot.com

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    No mesmo sentido, Agamben descartar os conceitos puramentebiolgicos de vida, como o caso da concepo vitalista de Xavier Bichat

    (1822), que compreendia a vida como o conjunto de funes capazes deresistirem morte, e retornar uma vez mais a Aristteles, emDe Anima, a fimde demonstrar que o isolamento de uma funo orgnica que permite descer aosmodos pelos quais a vida pode se expressar, rearticulando-a segundo uma sriede atividades correlatas (nutrio, sensao, pensamento), afigura-seinsuficiente para definir vida.

    Ao redor desse ncleo conceitual, Agamben articular toda aproblemtica de sua filosofia, que passa por temas de ordempoltica e teolgica ao empreender a releitura do conceito de soberania vinculado ao estado deexceo schmittiano (SCHMITT, 2006), a fim de demonstrar a implicao dopoder sobre a vida no seio dos conceitos de soberania e de exceo , tica aotrabalhar o conceito de poltica como o dar forma vida de um povo e, a ums tempo, metafsica ao perceber uma misteriosa simetria entre os fenmenosde poder e a tradio filosfica ocidental. Do entrecruzamento e da extensodessas linhagens, surge a possibilidade de pensar a captura da vida nua pelobiopoder como o fenmeno estruturante da soberania poltica conhecida noOcidente.

    Conscientes de que esses fios encontram-se emaranhados sobre o canevsde uma filosofia da vida, que Agamben busca desentocar, no sem carregar algodos demais fios conosco, puxamos a linhagem da vida nua para caracteriz-lacomo conceito tico-poltico. Interessa-nos, sobremaneira, a conceituao docorpo biopoltico do Ocidente como forma de vida, e sua articulao, um tantoambivalente, com o conceito de vida nua.

    Agamben refere-se ao conceito de vida nua de forma ambgua. Longe deconstituir um paradoxo insolvel, ou uma evidente inconsistncia conceitual, aequivocidade pragmtica do termo parece despertar uma sutil pregnncia. Porvezes, encontraremos nos textos de Agamben uma referncia aparentementenegativa ao conceito de vida nua; trata-se disso, precisamente, quando vaidesvendar as relaes de simetria entre o homo sacer e o soberano poltico(AGAMBEN, 2007), ou na ocasio em que Agamben descreve o Lger, e

    afirma que, no campo de concentrao, A vida nua a que o homem foireduzido, no exige nem se adapta a nada: ela prpria a nica norma, absolutamente imanente (AGAMBEN, 2008, p. 76).

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    Ao mesmo tempo, possvel encontrar referncias positivas ao conceitode vida nua. Uma das mais marcantes delas encontra-se ao final deHomo sacer:

    o poder soberano e a vida nua I. Refutando momentaneamente a tesefoucaultiana de uma nova economia do corpo e dos prazeres como formas desubjetivao, Agamben escreve que seria preciso fazer do prprio corpobiopoltico, da prpria vida nua, o local em que constitui-se e instala-se umaforma de vida toda vertida na vida nua, um bos que somente a sua zo(AGAMBEN, 2007, p. 194).

    Outra referncia a uma positividade imanente ao conceito de vida nuapode ser encontrada no primeiro ensaio de Mezzi senza fine (1996), intituladoForma-di-vita. Revisitando a recorrente distino grega entre zo (o simplesfato de viver, comum a todo vivente) e bos (a forma ou maneira de viverprpria de um singular ou de um grupo), Agamben forja o conceito que dnome ao ensaio forma-di-vita:

    (...) una vita che non pu mai essere separata dalla sua forma, una vita in cui non

    mai possibile isolare qualcosa come una nuda vita. [...]. Una vita che non pu

    essere separata dalla sua forma, una vita per la quale, nel suo modo di vivere, ne

    va del vivere stesso, e nel suo vivere, ne va innanzitutto del suo modo di vivere.

    Che cosa significa questa espressione? Essa definisce una vita la vita umana in

    cui i singoli modi, atti e processi del vivere non sono mai simplicimente fatti, ma

    sempre e innanzitutto possibilit di vita, sempre e innanzitutto potenza.

    (AGAMBEN, 1996, p. 13-14).

    Utilizando-se dos hfens para demarcar a inseparabilidade ontolgico-

    poltica do conceito deforma-di-vita, Agamben d a ver um sentido positivo davida nua. Olhando atentamente, o corpo biopoltico pode ser objeto de umaafirmao cujo contedo a de uma forma de vida toda vertida na vida nua,um bos que somente a sua zo (AGAMBEN, 2007, p. 194). Ao mesmotempo,forma-de-vida a vida na qual j no se pode isolar qualquer coisa comouma vida nua uma vida que no pode ser separada de sua forma.

    Nesse ponto, intervm a vida nua como conceito tico-poltico; se, de umlado, a vida humana assim predicada por sua forma, persiste uma negatividadede fundo, intrnseca quilo que Agamben chama macchina antropologica.

    O que define a mquina antropolgica antiga ou moderna acontradio que, segundo Agamben, estaria em obra em nossa cultura

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    (AGAMBEN, 2002, p. 42). Nela, est em jogo a produo do humano atravsda oposio homem/animal, humano/inumano; eis o que elucida o

    mecanismo de captura da vida nua pelo biopoder: tomando por base essasoposies, a mquina funcionaria necessariamente por meio de uma excluso(que, segundo Agamben, sempre j uma captura) e uma incluso (que sempre j uma excluso), nessa articulao entre dentro e fora, excluso eincluso, que , no fundo, uma zona de indeterminao, um espao de exceptio.O que deve ser obtido no nem uma vida humana, nem uma vida animal, maspropriamente uma vida separada e excluda de si mesma, ou, como dizAgamben, soltanto una nuda vita (AGAMBEN, 2002, p. 43).

    Esse isolamento da vida nua por um dispositivo antropolgico, querecorta e articula a forma humana sobre o suporte biolgico do ser humanoimplica, pois, a sacralizao da parcela de positividade intrnseca ao conceito devida nua. Isolada da vida nua, a forma de vida humana puramente atual isto, absolutamente impotente. Para dot-la de um princpio de agitao, necessrio, antes de tudo, desativar os dispositivos de captura da vida pelomecanismo biopoltico. Em um mesmo gesto filosfico, pensar a forma de vidainseparvel da vida nua, isto , como forma-di-vita, cujos modos de existnciatornam-se variveis e potentes unicamente ao passo em que a variao contnuada vida nua aplica-se inoperosidade (NANCY, 1990) das formas de vida.

    Na medida em que se afirma um bos que unicamente sua zo, comoAgamben sugere ao final do primeiro volume do trptico inacabado Homosacer, desfaz-se a captura da nudez da vida que sustentava as formas de vidapuramente atuais. Justamente a, onde pudemos desentocar a vida nua comouma biopotncia, como princpio de uma variao contnua das formas de

    existncia, dela j inseparveis, podemos extrair em proximidade quilo queDeleuze referia com suas hecceidades, processos de individuao e com oconceito de uma vida... (DELEUZE, 2003, p. 359-363) , uma forma de vida jno mais separada daquilo que uma vida... pode. A um s tempo, restaesclarecida, ao menos por ora, a dimenso tico-poltica do conceito de vidanua, e a atualidade do problema de se pensar sua afirmao como uma tarefa,no apenas da poltica que vem, mas de um devir que desafia prpriametafsica. Nesse sentido, Agamben nos fala de uma filosofia da vida que vem

    (2005), como Deleuze convida a pensar uma vida... como a prpria imanncia pois a subjetivao, a forma-homem, o que pde constituir, at hoje, a maisbem-acabada obra do dispositivo biopoltico.

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    Referncias

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    ______. LAperto: luomo e lanimale. Torino: Bollati Boringhieri, 2002.

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    ______. Limmanenza assoluta. In: ______. La potenza del pensiero. Saggi econferenze. Vicenza: Neri Pozza Editore, 2005, p. 377-404.

    ______. O poder soberano e a vida nua. Homo sacer I. Traduo de HenriqueBurigo. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007.

    ______. O que resta de auschwitz: o arquivo e a testemunha. (Homo sacer III).Traduo de Selvino J. Assmann. So Paulo: Boitempo, 2008.

    BICHAT, Marie Franois Xavier. Recherches phssiologiques sur la vie et lamort. 4. ed. Paris: Bchet Jeune et Gabon, 1822.

    DELEUZE, Gilles. Deux rgimes des fous. Textes et entretiens (1975-1995).dition Prpare par David Lapoujade. Paris : Les ditoins de Minuit, 2003.

    NANCY, Jean-Luc.La communaut desuvre. Paris : Bourgois, 1990.

    SCHMITT, Carl. Teologia poltica. Traduo de Elisete Antoniuk. BeloHorizonte: Del Rey, 2006.