A VIGILÂNCIA E A REPRESSÃO POLÍTICA DURANTE O GOVERNO...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL DAS RELAÇÕES POLÍTICAS DINORÁH LOPES RUBIM ALMEIDA A VIGILÂNCIA E A REPRESSÃO POLÍTICA DURANTE O GOVERNO ERNESTO GEISEL (1974-1979): AS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS SOB A MIRA DA DITADURA VITÓRIA-ES 2019

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E NATURAIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA SOCIAL DAS RELAÇÕES POLÍTICAS

DINORÁH LOPES RUBIM ALMEIDA

A VIGILÂNCIA E A REPRESSÃO POLÍTICA DURANTE O GOVERNO ERNESTO GEISEL (1974-1979): AS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS

SOB A MIRA DA DITADURA

VITÓRIA-ES

2019

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DINORÁH LOPES RUBIM ALMEIDA

A VIGILÂNCIA E A REPRESSÃO POLÍTICA DURANTE O GOVERNO ERNESTO GEISEL (1974-1979): AS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS

SOB A MIRA DA DITADURA

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História do Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito para a obtenção do título de Doutor em História, na área de concentração em História Social das Relações Políticas.

Orientador: Prof. Dr. Pedro Ernesto Fagundes.

VITÓRIA-ES

2019

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182 f.

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DINORÁH LOPES RUBIM ALMEIDA

A VIGILÂNCIA E A REPRESSÃO POLÍTICA DURANTE O GOVERNO ERNESTO GEISEL (1974-1979): AS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS

SOB A MIRA DA DITADURA

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História do Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em História na área de concentração História Social das Relações Políticas.

Aprovada em 30 de agosto de 2019.

COMISSÃO EXAMINADORA

____________________________________ Prof. Dr. Pedro Ernesto Fagundes

Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) Orientador

____________________________________ Profa. Dra. Juçara Luzia Leite Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

____________________________________

Prof. Dr. Ueber José de Oliveira

Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

____________________________________ Prof. Dr. Aldieris Braz Amorim Caprini Instituto Federal do Espírito Santo (IFES)

____________________________________ Prof. Dr. José Cândido Rifan Sueth Instituto Federal do Espírito Santo (IFES)

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A minha mãe Dalva Lopes Rubim e a minha irmã Sabrina Lopes Rubim Almeida, que são as principais personagens da minha história de vida.

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AGRADECIMENTOS

Foi uma jornada difícil até aqui, confesso que em alguns momentos perdi o rumo

e pensei em parar. Anos atribulados, de negação, de conflitos do segmento da

pesquisa e até períodos de desânimo. Só resolvi que poderia reverter todo esse

quadro negativo, porque tive apoio de amigos pesquisadores, e outros sem

nenhuma ligação com a área acadêmica, mas que me ajudaram com abraços,

palavras de incentivo e sorrisos. Por isso, tenho muitas pessoas para agradecer:

À minha mãe Dalva, à minha irmã Sabrina e ao meu padrasto Osenir, verdadeiras

colunas, que acreditarem neste projeto, cujo a paciência nos momentos de crise e

nervosismo, o incentivo e o amparo me mantiveram firmes nos momentos mais

críticos, bem como, aos demais familiares, pelo estímulo e apoio incondicional.

Aos meus tios José Almeida e Albina Valadares, bem como a minha prima Josenery

Valadares (Josy), que com sua hospitalidade e carinho fizeram de sua casa a minha

casa durante o semestre que cursei uma disciplina na Universidade Federal do Rio

de Janeiro (UFRJ). Momentos de estudo e convívio em família, que me revigoraram

naquele período.

Aos amigos e grandes companheiros Diego Stanger (meu maior incentivador),

Brenda Bernardes (revisora e parceira), Janderson Coswosk, André Serafim, Davi

Rangel, Oséias Ferreira, Renata Alves da Silva, Patricia Torres de Souza Cardoso,

Claudia da Silva Ferreira, Maria Patrícia Olmo e Solange Prado, que de maneira

diferenciada ajudaram-me, seja nas essenciais observações e críticas, ou com

simples, mas importantes palavras de apoio e incentivo nos momentos de desânimo

e crises depressivas por que passei. Sem eles, teria ficado no meio do caminho.

Eles me fizeram acreditar que eu conseguiria.

Agradecimento especial a minha amiga, prima e irmã Elaine Nogueira da Rocha,

que não desistiu de mim, mesmo quando eu achava que não chegaria ao fim deste

trabalho e quando tudo parecia ter perdido o sentido e o rumo, mas que com sua

força de espírito, nunca me deixou sentir só e me ajudou a manter o foco.

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Aos amigos e colegas de trabalho do Instituto Federal do Espírito Santo (IFES),

Campus de Alegre, que sempre me incentivaram na busca dessa capacitação, bem

como aos colegas e aos novos amigos e companheiros do Campus Vitória, que me

acolheram com carinho e foram grandes incentivadores nos momentos finais da

pesquisa e conclusão deste trabalho.

Aos professores do Programa de Pós-graduação em História (PPGHIS) da UFES,

que durante as aulas ministradas deram-me suporte e uma visão diferenciada sobre

o trabalho de pesquisa.

Aos professores Dr. Ueber José de Oliveira (UFES), Dra. Juçara Luzia Leite (UFES)

e Dr. Aldieres Braz Amorim Caprini (IFES), que participaram da minha banca de

qualificação e fizeram importantes observações, críticas e sugestões que foram

essenciais para a construção desta tese. Reforço o agradecimento aos mesmos, por

honrarem-me aceitando o convite para compor a minha Banca de Defesa,

juntamente com o Dr. José Cândido Rifan Sueth (IFES).

Ao meu orientador, professor Dr. Pedro Ernesto Fagundes, pelos desafios de

pesquisa que me apresentou, o incentivo e a credibilidade no desenvolvimento deste

trabalho, pois sem seu apoio, orientação e consentimento nada disso seria possível.

Realmente aceitar o desafio do meu orientador e pegar outro viés de pesquisa,

ampliando o trabalho que originalmente seria apenas da atuação da AESI na Ufes,

para o estudo dos Relatórios da Comissão da Verdade de várias universidades do

país, trouxe-me inicialmente uma frustração e consequentemente um desânimo em

analisar muitas fontes secundárias, além das primárias que tinha pela frente. Essa

pesquisa foi realmente desafiante, e precisei vencer minha resistência e ampliar os

olhos para além da repressão na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).

Apesar do leque de estudo ter ampliado, isso me fez crescer como pesquisadora.

Agradeço ao Criador Supremo, pois aprendi, que as reviravoltas da vida, sempre

nos ensinam coisas novas e nos dão experiências incríveis, nos fazendo evoluir em

todas as áreas.

A todos vocês, minha sincera gratidão!

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Um povo que não conhece sua história está condenado a repetí-la.

George Santayana,

The Life of Reason (1905)

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RESUMO

A presente tese tem como objetivo discutir o contexto político do governo do General

Ernesto Beckmann Geisel (1974-1979), enfatizando a vigilância e a repressão

política nas universidades brasileiras. Buscamos problematizar o paradoxo entre a

propalada política da distensão com o adensamento da atuação da Comunidade de

Informação no interior das Universidades. Para isso, serão analisados documentos

do Serviço Nacional de Informação (SNI), destacando a atuação da Assessoria

Especial de Segurança e Informação (AESI). Também será realizada a análise do

relatório final da Comissão da Verdade da Universidade Federal do Espírito Santo

(CVUFES), estabelecendo conexões com os relatórios da Universidade de Brasília

(UnB), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), da Universidade Federal

da Bahia (UFBA) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). A

hipótese que norteia esse estudo é comprovar que a intenção inicial do presidente

Geisel era institucionalizar o regime militar, e, portanto, não foi moderado no

consoante à política de repressão. No entanto, alguns fatos o levaram a tornar-se o

presidente que iniciou a abertura política. Com isso, expomos o paradoxo da

abertura, bem como o acirramento da vigilância política no interior das

universidades. Esta pesquisa utiliza a linha teórica da Nova História Política, com

ênfase para a aplicação do conceito de Cultura Política, fontes documentais de

caráter qualitativo, sob o parâmetro das propostas metodológicas da pesquisa

documental em acervos pertinentes e análises bibliográficas.

Palavras-chave: AESI. Geisel. Repressão Política. Transição Política.

Universidades.

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ABSTRACT

The thesis brings to light Brazilian Army General Ernesto Beckmann Geisel’s

government political context (1974-1979), by placing emphasis on political repression

and vigilance in Brazilian universities, putting into dialogue the paradox between the

political distension, reported at that time, and the strong impacts of the Information

Community’s actions within universities. In so doing, we analyzed documents from

the National Information Service (NIS), focusing on the Special Advisory on Security

and Information’s operation (EASI). We also took into consideration an analysis of

the Brazilian Truth Commission final report from Federal University of Espírito Santo

(CVUFES), establishing connections with Brasília University’s, Federal University of

Minas Gerais’s, Federal University of Bahia’s and Pontifical Catholic University of

São Paulo’s reports. Given such circumstances, our objective is to show that,

inicially, Geisel’s administration intended to institutionalize the military regime, by

employing a severe political repression, although some facts led him to become the

president who initiated the political opening. Thus, we exposed this paradoxal

political opening as well as an extremely severe political vigilance within the

universities. Our theoretical framework is based on the New Political History,

emphasizing the application of Political Culture concept, qualitative documentary

sources, under the assumptions of documentary research methodology in relevant

collections and bibliographical analyzes.

Keywords: EASI. Geisel. Political Repression. Political Transition. Universities.

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RESUMEN

La presente tesis tiene como objetivo discutir el contexto político del gobierno del

general Ernesto Beckmann Geisel (1974-1979), enfatizando la vigilancia y la

represión política en las universidades brasileñas. Buscamos problematizar la

paradoja entre la llamada política de distensión y el aumento de la actividad de la

Comunidad de la Información dentro de las Universidades. Para ello, se analizarán

los documentos del Servicio Nacional de Información (SNI), destacando el

desempeño de la Asesoría Especial sobre Seguridad e Información (AESI). También

se analizará el informe final de la Comisión de la Verdad de la Universidad Federal

de Espírito Santo (CVUFES), estableciendo conexiones con los informes de la

Universidad de Brasilia (UnB), Universidad Federal de Minas Gerais (UFMG),

Universidad Federal de Bahía (UFBA) y la Pontificia Universidad Católica de São

Paulo (PUC-SP). La hipótesis que guía esta investigación es demostrar que la

intención inicial del presidente Geisel fue institucionalizar el régimen militar y, por lo

tanto, no fue moderada en consonancia con la política de la represión. Sin embargo,

algunos hechos lo llevaron a convertirse en el presidente que inició la apertura

política. Con esto, exponemos la paradoja de la apertura, así como la mayor

vigilancia política dentro de las universidades. Esta investigación utiliza la línea

teórica de la Nueva Historia Política, con énfasis en la aplicación del concepto de

Cultura Política, fuentes documentales de carácter cualitativo, bajo el parámetro de

las propuestas metodológicas de la investigación documental en colecciones

pertinentes y análisis bibliográficos.

Palabras clave: AESI. Geisel. La represión política. Transición política. Las

universidades

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

AESI - Assessoria Especial de Segurança e Informação

AI – Ato Institucional

AN – Arquivo Nacional

APES - Arquivo Público do Espírito Santo

ARENA – Aliança Renovadora Nacional

ASI - Assessoria Especial de Segurança

ASI/DEMEC - Assessoria Especial de Segurança da Delegacia do Ministério da

Educação e Cultura

CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CBA - Comitê Brasileiro pela Anistia

CIE - Centro de Informações do Exército

CIA - Agência Central de Inteligência (do governo dos Estados Unidos)

CNV – Comissão Nacional da Verdade

CONCINE - Conselho Nacional de Cinema

CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

CONTAP - Conselho de Cooperação Técnica para a Aliança para o progresso

COVEMG - Comissão da Verdade em Minas Gerais

CV – Comissão da Verdade

CVUFES – Comissão da Verdade da Universidade Federal do Espírito Santo

D.A. - Diretório Acadêmico

DAU/MEC – Departamento de Assuntos Universitários do Ministério da Educação e

Cultura

D.C.E. - Diretório Central de Estudantes em cada Universidade

DCPD – Divisão de Censura de Diversões Públicas

D.E.E. - Diretório Estadual de Estudantes

D.N.E. - Diretório Nacional de Estudantes

DOI-CODI - Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de

Defesa Interna

DOPS – Delegacia de Ordem Política e Social

DSI - Divisões de Segurança e Informações

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EMC – Educação Moral e Cívica

Embrafilme - Empresa Brasileira de Filmes

EPB - Estudos de Problemas Brasileiros

ESG – Escola Superior de Guerra

FUNARTE - Fundação Nacional da Arte

HTP – História do Tempo Presente

IMBEL - Indústria de Material Bélico do Brasil

LAI - Lei de Acesso a Informação

MDB – Movimento Democrático do Brasil

ME – Movimento Estudantil

MEC – Ministério da Educação e Cultura

MEC/USAID – Ministério da Educação e Cultura / United States Agency for

International Development

MFPA - Movimento Feminino pela Anistia

OSPB - Organização Social e Política do Brasil

PUC-SP – A Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

II PND - Plano Nacional de Desenvolvimento

SBPC - Sociedade Brasileira para o Programa da Ciência

SNEL - Sindicato Nacional dos Editores de Livros

TRC - Comissão da Verdade e Reconciliação TRC

UEEs - Uniões Estaduais Estudantis

UFBA – Universidade Federal da Bahia

UFES - Universidade Federal do Espírito Santo

UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais

UFRN - Universidade Federal do Rio Grande do Norte

UFSC - Universidade Federal de Santa Catarina

UNB - Universidade de Brasília

UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas

UNIFESP – Universidade Federal de São Paulo

UNE – União Nacional dos Estudantes

USAID - United States Agency for International Development

USP - Universidade de São Paulo

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 15

2

2.1

2.2

2.3

2.4

2.5

A POLÍTICA ANUNCIADA PELO GOVERNO GEISEL:

INSTITUCIONALIZAÇÃO, DISTENSÃO OU TRANSIÇÃO? ...................

UMA RADIOGRAFIA DA COMPOSIÇÃO POLÍTICA DO GOVERNO

GEISEL .......................................................................................................

A “DISTENSÃO RELATIVA” DE GEISEL: POLÍTICA AUTORITÁRIA E

CONCILIATÓRIA.........................................................................................

PRESSÕES INTERNAS E EXTERNAS......................................................

DO AUTORITARISMO À DEMOCRACIA: VERDADES E UTOPIAS........

A MEMÓRIA CONSTRUÍDA: GEISEL, O PRESIDENTE DA

ABERTURA? ..............................................................................................

2.5.1 GEISEL COMO “O SACERDOTE” ..................................................

2.5.2 GEISEL SABIA DE TUDO ..............................................................

27

32

38

49

58

65

76

84

3 A POLÍTICA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR: DO GOLPE CIVIL-MILITAR

DE 1964 AO FINAL DO GOVERNO GEISEL EM 1979 .............................

92

3.1 O MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SUA ATUAÇÃO NO REGIME

MILITAR .................................................................................................................

93

3.2 GESTÃO DO MINISTRO NEY BRAGA: MODERNIZAÇÃO E

REPRESSÃO .............................................................................................

107

4

4.1

4.2

4.3

A ATUAÇÃO DOS ÓRGÃOS DE VIGILÂNCIA E REPRESSÃO NAS

COMUNIDADES UNIVERSITÁRIAS NACIONAIS ...................................

O CONTROLE POLÍTICO SOBRE AS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS:

O MODUS OPERANDI DAS ASI`S - UM PADRÃO DA POLÍTICA DE

VIGILÂNCIA E DA REPRESSÃO ...............................................................

A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NO BRASIL: O SURGIMENTO DAS

COMISSÕES DA VERDADE ......................................................................

A FUNÇÃO SOCIAL DAS COMISSÕES DA VERDADE ............................

118

119

130

146

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CONCLUSÃO ....................................................................................................... 149

REFERÊNCIAS ....................................................................................................

153

ANEXOS ..............................................................................................................

166

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1 INTRODUÇÃO

Este trabalho se insere na linha de pesquisa Sociedade e Movimentos Políticos do

Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal do Espírito Santo

e tem como tema de reflexão a vigilância e a repressão política nas universidades

brasileiras durante a ditadura militar, em especial no mandato do presidente general

Ernesto Beckmann Geisel (1974-1979), em contraponto ao processo de abertura e

da transição democrática desenvolvido ao longo do seu governo.

A problemática que norteia essa tese consiste em responder a seguinte questão: Se

Geisel foi o presidente da abertura, o porquê do paradoxo em seu governo entre

abertura política e acirramento da repressão política nas universidades?

Defendemos a hipótese de que o governo do presidente General Ernesto Geisel não

idealizou a abertura política e durante os anos de 1974 a 1979 aplicou uma política

de institucionalização do regime seguida de uma distensão autoritária, não sendo

moderado no consoante a política de Estado de repressão e extermínio, e, ao

contrário do que dizia, o mesmo tinha total conhecimento da atuação dos órgãos de

vigilância e repressão.

Para defender nossa hipótese, temos como objetivo específico estudar a repressão

política nas Universidades brasileiras durante o Governo Geisel. Para tanto, nos

baseamos no anúncio de uma propalada abertura política (que acabou virando a

principal imagem histórica de Geisel), paradoxalmente ao adensamento da atuação

da Comunidade de Informação no interior das universidades. Em contrapartida,

verificaremos a reação de vários movimentos sociais através da chamada

“Resistência democrática”, com ênfase ao movimento estudantil na segunda metade

da década de 1970.

Esclarecemos, que os relatórios das Comissões da Verdade (CVs) Universitárias

encerrados até dezembro de 2018, jornais, análise de obras escritas sobre os

assuntos em questão, serão nossas fontes secundárias. E os documentos do

Serviço Nacional de Informação (SNI) e da Assessoria Especial de Informação (ASI),

pesquisados no Arquivo Nacional-RJ (Memórias Reveladas), bem como, o

Memorando da CIA de 11 de abril de 2018, serão utilizados como fontes primárias

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nesta tese. No entanto, aprofundaremos nosso estudo na atuação da ASI nas

Universidades, para demonstrar o modus operandi desse órgão.

Defendemos a ideia de que Geisel não pode ser identificado como o presidente

idealizador da “distensão”, da “abertura” e da chamada “transição democrática”,

considerando, entre outros fatores, que seu projeto inicial era de institucionalizar o

regime, através de medidas liberalizantes e controle da chamada “Linha dura” das

forças militares, expressão controversa que será analisada no segundo capítulo; e

não promover, inicialmente, a abertura política e a redemocratização no país. Estes

processos só se desenvolveram ao longo de seu mandato, de maneira controlada e

autoritária, como a repressão política sobre as comunidades acadêmicas, que

também é nosso objeto de estudo. Diante disso, analisaremos essa memória

positiva que foi construída sobre a figura do presidente Geisel, utilizando conceitos

de memória e da história do tempo presente.

A temática deste trabalho é desenvolvida através da vertente da História do Tempo

Presente (HTP), que é uma modalidade ou especialidade da história que surgiu no

século XX, e após diversos debates de nomenclatura, ganha força científica em

1978 com a criação do Institut du Temps Présent (IHTP), sendo François Bédarida

seu fundador e o primeiro diretor do IHPT até o ano de 1991. Conforme citado em

Ferreira (2012, p.104), Bédarida afirmou que “O IHTP nascente enfrentou muitas

dificuldades, o parto foi duro, e a primeira infância, agitada. Só depois de vários

anos, o barco, afastando da zona de tempestade, adentrou águas mais calmas.”

No Brasil, a História do Tempo Presente fortificou-se a partir dos anos de 1990.

Indubitavelmente, a presente pesquisa, com seu aparato em cultura política, tem

como parte estruturante o fato de estar inserida na modalidade da História do Tempo

presente, que enfrenta críticas e grandes desafios, como a questão de falta de recuo

dos fatos, problemas de fontes, confronto do historiador com o testemunho dos

coetâneos, o desafio de tratar de fatos inacabados, problemas de delimitação

cronológicas, legitimidade científica, entre outros. No entanto, ao longo do tempo,

tais questões vem sendo vencidas e tal especialidade vem ganhando

reconhecimento e espaço, o que se percebe através da elaboração deste e de

muitos trabalhos acadêmicos, que tem desenvolvido pesquisas ligadas a História do

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Tempo Presente e através de investigações e de demonstrações empíricas, tem

vencido as interdições e as resistências contra as quais sempre lutou.

A noção de “história do tempo presente” teve uma ampla difusão tanto no mundo germânico, em que nasceu, quanto, posteriormente, no mundo francófono a contar dos anos 1980-90. Ela teve também um desenvolvimento notável na América Latina, sobretudo no Brasil, em que os centros e revistas do “tempo presente” se multiplicaram nos anos 1990 -2000. Esse interesse se explica pelas atenção que as historiografia francesa e alemã, deram as crises do século XX, à violência das guerras e às violências políticas, que interessam por definição países que saíam da ditadura e da guerra civil, daí a noção de presença de noções muito próximas, como a de “historia actual”, mais próxima da história imediata, de “história vivida”, ou de “passado vivo”, forjadas também no mundo hispanófono, em que o adjetivo “vivo” remete à presença tanto do passado quanto de atores vivos. Portanto, houve lá cerca de 30 anos uma circulação de conceitos e das noções que exprimem a necessidade de agarrar o legado das catástrofes recentes para as analisar ou compreender o impacto a médio prazo. (ROUSSO, 2016, p.233)

Portanto, para Rousso, as catástrofes têm trazido interesse e inquietações na

sociedade e por isso exigido dos historiadores uma resposta, daí a valorização da

História do Tempo Presente. O Holocausto, a 2ª Guerra Mundial, a Guerra Fria, o

terrorismo, tem sido temas muito requisitados na Europa e América anglo-saxônica,

porém na América Hispânica e no Brasil, o tema que tem sido levantado é

justamente as ditaduras militares, no qual essa tese se insere.

A HTP tem singularidades em sua modalidade histórica, que se bem aproveitadas

passam a ser um valioso instrumento para o pesquisador. Quanto a sua

periodização, podemos afirmar que ela tem variações cronológicas que não a

prendem a apenas um momento histórico, como cita Rousso (2016, p.246) “o

território da história do tempo presente é uma fronteira constantemente móvel”. Há

discussões que a HTP possa ter começado em 1915, 1940, 1945 ou 1989, não

existe um marco definitivo, mas há a concordância de que uma catástrofe serve de

marco inicial, e como Rousso menciona acima, tivemos muitas. Defendemos a ideia

de que enquanto houver testemunhas vivas, coetâneos, há história do tempo

presente. Se essa abordagem perdurar, daqui uns anos, quando todos os

contemporâneos da 2ª Guerra mundial e do holocausto tiverem falecido, o marco se

moverá. Essa história de acontecimentos recentes, traz desafios metodológicos,

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éticos, mas também um estilo de história acelerada, sempre em movimento, e cada

vez mais rápido.

“Nada muda tanto quanto o passado”. Esse provérbio russo traz em sua essência

uma realidade que o historiador deve ter a sensibilidade de perceber. Dentro da

História do Tempo presente isso é uma constante. Destacamos que um dos

instrumentos da HTP é a memória. E por afirmarmos que se construiu por alguns

autores e a imprensa uma memória coletiva positiva, quase heróica, sobre a imagem

do presidente Geisel. E também por compreendermos que a memória está

associada aos trabalhos das Comissões da Verdade das Universidades

pesquisadas, temos a responsabilidade de explanar alguns conceitos de memória,

ao longo da tese, para melhor desenvolvermos o trabalho. Afinal, não existe só uma

memória, como afirma Halbwachs (2006), a memória é coletiva e há várias

memórias sobre um mesmo fato, sobre ângulos e pontos de vista diferentes.

Halbwachs (2006, p. 109), também afirma que “a história é um painel de mudanças”,

justamente devido às distintas memórias que a compõe.

Tratar de memória é, sem dúvida, mexer em um terreno movediço, que requer

cautela, uma vez que as memórias não estão isoladas de um contexto e das

influências externas que se tornam manipulações conscientes ou inconscientes que

atuam sobre os atos mnemônicos. Entendemos por memória um conjunto de

registros episódicos ou semânticos sobre um acontecimento, que pode ser

transmitida por meio de relatos orais, de monumentos, das artes, de comemorações

tradicionais ou de arquivos escritos que trazem os apontamentos de determinado

fato. Reconhecemos, no entanto, que os monumentos, os símbolos, os arquivos

escritos, tanto quanto os relatos orais, correspondam a uma memória seletiva,

filtrada de acordo com as percepções de quem as escreveu, narrou ou cristalizou, ou

seja, uma memória que o historiador francês Pierre Nora chama de “memória

historicizada”. Esse tipo de construção de memória, foi aplicada na formação da

imagem histórica de Geisel, conforme iremos expor no segundo capítulo.

Verificamos que a História do Tempo Presente é uma modalidade da história que

utiliza o presentismo, a contemporaneidade e a memória como instrumentos para a

sua construção. No entanto, levando em conta o presente estudo, devemos destacar

que quando se constrói uma memória coletiva positiva sobre um acontecimento ou

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pessoa, automaticamente gera o “esquecimento” de todos os atos negativos ligados

à pessoa ou ao acontecimento. É justamente isso que o historiador deve questionar:

o que há de negativo por detrás de uma memória positiva?

Diante disso, questionamos essa memória positiva que se criou em torno da figura

do presidente Geisel, como o grande mentor e responsável que resolveu dar início

ao processo da abertura política que voltaria o poder aos civis, resultando na real

redemocratização do país. É imperativo que tal afirmação é questionável e suscita

muitas dúvidas. Temos ciência, que na época programada e conveniente, o governo

Geisel iniciou de fato, a distensão, mas não abriu mão da vigilância e da repressão

em sua administração frente ao Executivo Federal.

Para essa pesquisa, embasaremos nosso referencial teórico na Nova História

Política e sua aplicação, que foge das orientações positivistas que impedia o diálogo

com as demais ciências. Ressaltamos que essa história renovada sai da perspectiva

factual, elitista e das minorias e passa a enfatizar a história que integra todos os

atores, abandonando a superficialidade e passando a explorar muitas realidades,

para a elaboração de um estudo profundo dos fatos. De acordo com Rémond (2006,

p.208) “o historiador do tempo presente sabe o quanto sua objetividade é frágil, que

seu papel não é o de uma chapa fotográfica que se contenta em observar fatos, ele

contribui para construí-los.”

Dentro da vertente dessa Nova História Política, enfatizamos o conceito de Cultura

Política, que será a base teórica para a discussão que a presente tese propõe. A

noção de cultura política surge de uma renovação de métodos e conceitos sobre

uma nova visão da história política surgida na França no final dos anos de 1960.

Consiste em um grupo de representações e identidades de grandes famílias

políticas, que nos leva a interpretação de comportamentos políticos de atores

sociais. Na década de 1990, historiadores franceses como Berstein e Sirinelli

trouxeram esse conceito à tona buscando identificar as diferentes culturas políticas

que integram e disputam um mesmo espaço nacional.

No Brasil, o enfoque nas culturas políticas começou a ser explorado recentemente

pela historiografia, e merece reflexões cuidadosas. Devemos considerar que a base

de uma política conciliatória não é padrão para caracterizá-la, tendo que haver um

estudo mais profundo entre os laços de cidadania, o modesto envolvimento popular

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na política institucional, a ação das elites no monopólio nos espaços políticos, entre

outros.

O presente estudo, visa analisar algumas de suas características como a

heterogeneidade, a pluralidade, os sistemas que explicam e motivam certos

comportamento políticos. Não há cultura política que compreenda uma sociedade

ideal, porém o historiador deve estar atendo ao discurso, a razão, o sentimento e a

psicologia coletiva nos processos de expressão das culturas políticas.

A análise da cultura política, remonta da renovação da história política, operada por

pesquisadores como Rémond (2003), que questiona a predominância dos

vencedores sobre os vencidos, a história dos heróis e as massas silenciadas ao

longo do relato dos principais acontecimentos históricos da humanidade.

De acordo com Barros (2011) “Cultura política é um conceito que permite

estabelecer uma ponte entre os sistemas políticos propriamente ditos e os aspectos

culturais e imaginários de uma sociedade, seus rituais, práticas, discursos e

representações políticas.” Essa abordagem facilita nossa percepção conceitual.

Sirinelli (1992) propôs que a cultura política é “uma espécie de código e (...) um

conjunto de referências, formalizados no seio de um partido ou mais largamente

difundidos no seio de uma família ou de uma tradição política”. Para Berstein (2009,

p. 41), “o objetivo historiográfico do estudo das culturas políticas, (...) é fornecer uma

resposta para o problema fundamental das motivações do político”. Nesse viés

nortearemos nossa pesquisa.

Os historiadores entendem por cultura política um grupo de representações, portadoras de normas e valores, que constituem a identidade das grandes famílias políticas e que vão muito além da noção reducionista de partido política. Pode-se concebê-la como uma visão global do mundo e de sua evolução, do lugar que aí ocupa o homem e, também, da própria natureza dos problemas relativos ao poder, visão que é compartilhada por um grupo importante da sociedade num dado país e num dado momento da história. (BERSTEIN, 2009: 31)

De acordo com Berstein (2009), podemos reconhecer as características da cultura

política como um fenômeno plural e evolutivo. A pluralidade das culturas políticas

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podem ser percebidas ao buscarmos aprofundamento nas análises de diferentes

representações e percepções dentro de uma nação.

Podemos ainda destacar o seguinte comentário:

No que se refere às relações com o conceito de cultura política, pode-se assinalar que uma das razões mais apontadas para sua retomada pela história é o fato de permitir explicações/interpretações sobre o comportamento político de atores sociais, individuais e coletivos, privilegiando-se seu próprio ponto de vista: percepções, vivências, sensibilidades. Dentro desses parâmetros, a categoria cultura política vem sendo entendida como “um sistema de representações, complexo e heterogêneo”, mas capaz de permitir a compreensão dos sentidos que um determinado grupo (cujo tamanho pode variar) atribui a uma dada realidade social, em determinado momento e lugar. (GOMES, 2007: 47-48)

Segundo a análise de Berstein (1998), existem vetores sociais responsáveis pela

reprodução das culturas políticas, como a família (onde a criança recebe sua

primeira bagagem política, que poderá ser rejeitada ou não), os partidos, as

instituições educacionais, as corporações militares, os sindicatos, sendo sugeridos

por Motta (2009) mais dois vetores: a mídia e a igreja.

Enfim, se a abordagem por meio de culturas políticas parece funcional para a explicação histórica nos períodos e países em que as representações políticas são fortemente estruturadas e diversificadas, convém questionar sua pertinência para o período mais contemporâneo, a partir do momento em que o desaparecimento dos grandes projetos alternativos de sociedade tende a confundir as fronteiras entre as grandes famílias políticas, a provocar uma crise da representação democrática e a fazer emergirem movimentos sociais não diretamente partidários em torna de questões setoriais cuja justaposição não resulta claramente num todo coerente, capas de constituir o germe de culturas políticas em gestação, quer se trate da ecologia, do feminismo ou do antiglobalismo. (BERSTEIN, 2009: 45)

A pluralidade da cultura política, defendida por Berstein (2009) nos leva a refletir as

diferentes culturas políticas que integram e disputam espaço em âmbito nacional.

Para Motta (2009, p.34): “as culturas políticas resultam da imbricação entre práticas

e representações, e o olhar sensível a apenas uma das esferas é empobrecer”,

percebemos tal fato ao considerarmos que as representações são pautadas na

realidade, na interação e no diálogo social, interferindo no seu desenrolar.

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O Brasil, em sua história, passou por momentos políticos distintos e portanto, por

diferentes características que classificariam sua cultura política. No entanto, é

perceptível que uma política de conciliação é predominante em sua história, o que

nos leva a poder considerar esse estilo político, como o mais generalizado para a

classificação de nossa cultura política.

A política de conciliação entre distintas classes/grupos políticos esteve presente em

vários momentos de nossa história, quando estas/estes defendiam seus interesses,

sejam políticos ou econômicos. Podemos destacar: a independência do Brasil em

1822, que evitou rupturas bruscas; a proclamação da República em 1889,

encabeçada pela elite cafeeira e os militares; a política do café com leite durante a

Primeira República (1889-1930); a política getulista de integração de forças

aparentemente opostas; a transição da período da ditadura militar para o período da

“Nova República”, onde podemos destacar a Lei de Anistia de 1979, que trouxe o

perdão para torturados e torturadores, buscando promover a política da conciliação

e do esquecimento; bem como a vitória presidencial de Luís Inácio Lula da Silva pelo

Partido dos Trabalhadores em 2002, deixando nítida a conciliação entre a esquerda

e a direita.

É perceptível que ao longo da nossa história, o Brasil viveu em sua política,

momentos de conciliação e não de drásticas rupturas. O que nos leva a suscitar

dúvidas: como seria a nossa história, se ao invés de usarmos a conciliação,

utilizássemos em algumas circunstâncias a ruptura? Infelizmente essa questão é

algo que não poderemos, até o momento, responder, considerando que somos um

país marcado por negociação e conciliação de elites em momentos cruciais.

Para Motta (2009), o tema da conciliação pode ser explorado para caracterizar a

cultura política brasileira, mas não deve se restringir somente a ela:

[...] O enfoque pluralista não é incompatível com o uso de cultura política no singular, aplicada a grupos nacionais. [...] Um tema que poderia ser explorado é o da conciliação, para muitos traço marcante da cultura brasileira de modo geral, não dizendo respeito apenas à política. [...] Evidentemente, a presença de tradição conciliadora não basta para caracterizar uma cultura política. No caso brasileiro, há outros temas a explorar, como os laços frágeis entre povo e cidadania, discussão já clássica no pensamento político. Seria o caso de restringir a explicação à ação nefasta das elites, responsáveis por fechar aos setores subalternos os espaços de participação política, ou não haveria um pouco de auto-exclusão

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também? Outra questão a merecer reflexões: a modesta participação popular na política institucional tem sido pontuada por explosões de fúria e momentos de mobilização. (MOTTA, 2009: 29; 31-32)

Essas pontuações de Motta nos leva a refletir sobre a participação popular na

política brasileira, o que nos conduz a episódios como as revoltas: Cabanagem,

Balaiada, Malês, Sabinada, no século XIX; a revolta da Vacina, a greve geral de

1917, a reação do povo diante do suicídio do presidente Getúlio Vargas em 1954, a

mobilização popular no campo e na cidade em 1962-64, os movimentos de

resistência à ditadura militar (1964-1968), a campanha das “Diretas Já” de 1984; os

cara-pintadas de 1992, ao longo do século XX; as passeatas de 2013, no século

XXI. Não podemos, como historiadores, deixar que tais manifestações passem

apenas como movimentos momentâneos e fugazes na história do país. É preciso

analisarmos como uma tentativa, muitas vezes não efetivada de mudar o curso dos

acontecimentos e questionar a política conciliatória da elite política brasileira, que

busca sempre persuadir as pessoas e a estruturarem os acontecimentos de acordo

com seus interesses.

Percebemos uma dimensão individual e coletiva na cultura política, bem como sua

organização, comunhão e fatores de coesão que podem ser demonstrados através

de símbolos, língua, gestos, patrimônios culturais. Portanto, a cultura política é

variante quanto às épocas, os lugares, as civilizações e a cultura. Devido a sua

pluralidade, é necessário identificar as diferentes culturas políticas que integram e ao

mesmo tempo disputam um mesmo espaço nacional.

No Brasil notamos uma fragilidade na cultura política ao analisarmos a efêmera

cidadania e o pouco envolvimento popular na política e na coisa pública; o que vem

permitindo a predominância decisória de uma política conciliatória ao longo da

história nacional. Destacamos também, considerando a pluralidade da cultura

política, que nossa história é marcada, além da política conciliatória, pelo

autoritarismo, demonstrados nitidamente em momentos marcantes como 1889

(Proclamação da República, golpe contra o Império), 1937 (Golpe de Estado, que

inaugurou o Estado Novo ditatorial de Getúlio Vargas) e 1964 (Golpe Civil-Militar), e

nos governos que se seguiram a partir dessas datas.

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É indiscutível que a cultura política abrange um campo conceitual amplo e muito

fértil, e apesar de ser um sistema de representações heterogêneo e complexo, cria

para a historiografia instigantes potencialidades de novos horizontes de

investigações e conhecimentos.

Esta tese é composta por quatro capítulos, sendo o primeiro deles, esta introdução.

No segundo capítulo apresentamos uma explanação do governo do presidente

General Ernesto Geisel (1974-1979), enumerando as principais medidas políticas de

seu governo, bem como, as contradições entre institucionalização do regime, a

abertura política para a redemocratização e o acirramento da vigilância e da

repressão; discutiremos as implicações sobre as questões da abertura, distensão e

transição democrática; bem como a questão do autoritarismo e da democracia no

Brasil contemporâneo. Analisaremos a memória construída sobre a imagem do

presidente Geisel, que enaltece a sua vital e inquestionável atuação na abertura e

na transição política brasileira, jogando no esquecimento, todos os atos de

repressão e autoritarismo ocorridos durante seu governo.

Ainda no segundo capítulo, serão apresentadas as pressões internas e externas

sobre o governo Geisel, que lutavam pela implementação de um estado de Direito. A

resposta a repressão política do Estado, veio dos movimentos sociais, que

associados nesse ideal, passaram a serem chamados de resistência democrática.

Entre tais movimentos merece destaque a atuação do novo sindicalismo e ao

movimento estudantil. Demonstraremos, que apesar da abertura política ser

negociada entre a elite militar e a elite burocrática econômica brasileira, os

movimentos sociais, apesar de não atingirem seus objetivos centrais na abertura,

fizeram parte de um contexto histórico de pressão política, em especial na

campanha da anistia, que entre diversos grupos sociais, contou com a participação

das Universidades, que se desenrolou desde 1975. Tal mobilização viu em 1979 a

promulgação da Lei de Anistia, sendo um dos marcos da chamada transição

democrática, embora não fosse a anistia idealizada pelos segmentos sociais que se

organizaram em prol de sua consolidação. A partir disso, analisaremos se essa

resistência democrática foi inócua ou até que ponto interferiu no processo de

abertura política.

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No terceiro capítulo, faremos uma breve contextualização sobre a situação do

sistema educacional brasileiro, com foco nas universidades e nas entidades

estudantis nos anos iniciais do Regime Militar até chegarmos ao início do governo

do presidente Geisel em março de 1974. Trataremos da legislação educacional e da

modernização das universidades, com o objetivo de compreender os avanços e as

dificuldades geradas nas instituições de ensino superior. Logo, analisaremos a

atuação do Ministério da Educação e Cultura (MEC) durante a gestão do Ministro

Ney Braga, enfatizando a contradição entre modernização dos cursos de retorno

econômico e tecnológico para o país e o aumento da repressão política nas

comunidades universitárias.

No quarto capítulo, listaremos as Comissões da Verdade das Universidades que

apresentaram até o momento seus relatórios finais. Logo, realizamos a análise do

relatório final da Comissão da Verdade da Universidade Federal do Espírito Santo

(CVUFES), estabelecendo conexões com os relatórios da Universidade de Brasília

(UnB), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), da Universidade Federal

da Bahia (UFBA) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Buscaremos observar um modus operandi dos órgãos de informação do governo, e

a intensidade com que o mesmo foi aplicado na década de 1970 sobre as

Comunidades acadêmicas. Também analisaremos as perseguições, a vida na

clandestinidade, com o intuito de compreender a estruturação de uma resistência ao

governo.

Nesse capítulo, faremos um estudo mais detalhado sobre a ASI, sua implantação,

seu modus operandi, tomando como padrão a UFES, modelo que se seguiu sobre

as demais Universidades, analisando a política de vigilância e repressão sobre os

estudantes e funcionários.

Portanto, buscaremos através de análise de fontes primárias e secundárias,

apresentar as contradições do discurso do governo Geisel e sua prática política, o

que embasará a defesa da hipótese apresentada, com ênfase para a repressão

sofrida pela comunidade universitária brasileira.

De acordo com Alberti (2005, p. 23), “[...] é sabido que jamais poderemos

compreender o real como ele é [...]”, o que pretendemos é obter uma aproximação

“cada vez mais acurada dele, para aumentar qualitativa e quantitativamente nosso

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conhecimento”. Diante da procura desse conhecimento mais qualitativo, buscar-se-á

responder algumas questões que, acredita-se, sejam fundamentais para o estudo e

para o entendimento do assunto em questão e sua conjuntura.

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2 A POLÍTICA ANUNCIADA PELO GOVERNO GEISEL: INSTITUCIONALIZAÇÃO,

DISTENSÃO OU TRANSIÇÃO?

Há 55 anos, o Golpe civil-militar de 1964, que retirou da presidência do Brasil João

Belchior Marques Goulart, conhecido popularmente como "Jango", deu início a uma

fase de governos militares (1964-1985), que com autoritarismo, impuseram o

controle político, econômico e social do Brasil, deixando marcas profundas na

sociedade brasileira. O meio científico e as Universidades também foram atingidos,

por serem considerados “nichos” de pensadores que se opunham à política

antidemocrática do governo, ou seja, os subversivos de plantão.

Esclarecemos, que todas as vezes que nos referirmos ao golpe de 31 de março de

1964 neste trabalho, o mesmo deverá ser entendido como “golpe civil-militar”, dada

a participação direta de vários segmentos sociais civis no seu processo e desfecho.

É notório que vários setores se uniram em torno do objetivo de impedir a

continuidade do governo de Jango. Portanto, a convergência de forças endógenas e

exógenas teve capacidade suficiente para gerar a queda do presidente João

Goulart.

Os militares têm razão quando enfatizam que “não estavam sós”, isto é, que a iniciativa de dar um golpe de estado em 1964 não foi de sua exclusiva iniciativa, e sim resultado da confluência e do apoio de importantes segmentos da sociedade, preocupados com a possibilidade de que a esquerda conquistasse o poder no Brasil. (CASTRO, 2004, p. 44)

Ferreira (2012, p. 24) analisa o golpe como uma conspiração civil-militar e enumera

seus principais atores:

Jango percebeu que não eram grupos civis e militares minoritários que tentavam golpear as instituições, como ocorrera em episódios anteriores. Era um movimento conjunto das Forças Armadas com apoio de empresários, de amplos setores das classes médias e dos meios de comunicação. O movimento ainda contava com os governadores da Guanabara, de Minas Gerais, de São Paulo e do Rio Grande de Sul, com suas polícias civis e militares. No Congresso Nacional, grande parte dos parlamentares deu aval ao golpe. O Supremo Tribunal Federal calou-se diante da crise política. Além disso, o movimento golpista tinha o apoio do governo norte-americano.

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Não podemos desconsiderar no entanto, que apesar do governo ser dirigido por

militares, havia uma participação consideravelmente expressiva de civis, que

participaram do golpe e continuaram ao lado dos militares, tirando proveitos políticos

e principalmente econômicos no período; e participando assiduamente da máquina

governamental. Diante disso, muitos pesquisadores têm classificado o governo que

se seguiu ao golpe de 1964, de governo civil-militar; porém outros historiadores

continuam mantendo a nomenclatura de ditadura militar ou governo militar. Como

não é de interesse desta pesquisa entrar no mérito dessa discussão, optamos por

denominar o governo do período de “ditadura militar” e “regime militar”, levando em

consideração que apesar do profundo envolvimento de civis no período, a decisão

final era dada pelos detentores do poder, ou seja, os militares, que controlavam

inteiramente o regime. O que podemos perceber na explanação seguinte:

No período a 1964 o novo formato de representação política que resulta na crise de hegemonia burguesa nessa formação social, parecia apontar menos para um processo de burocratização que para militarização do aparelho do Estado. Vale dizer, o papel que passam a representar as Forças Armadas como “partido político da burguesia”, com o afastamento dos representantes propriamente políticos expressa-se institucionalmente no surgimento e consolidação de sedes de poder castrenses – a presidência e seus órgãos de assessoria castrenses – a presidência e seus órgãos de assessoria militar, os ministérios das três armas, os comandos dos exércitos, os estados-maiores das Forças Armadas e, depois de 1967, o Alto Comando das Forças Armadas – que, no aspecto político marcam-se como acentuada “desigualdade estrutural” em relação a outros ramos e aparelhos do Estado. Nesse sentido, a preponderância da burocracia militar no conjunto da burocracia obriga o analista a enfatizar sobretudo as características específicas desse setor enquanto ramo dominante do aparelho repressivo, nos quadros de uma forma de Estado ditatorial. O conceito mais pertinente para entender esses regimes seria o de ditadura militar e não de autocracia burocrática. (MARTINS FILHO, 1993, p.28)

Logo após, o golpe civil-militar de 1964, uma onda de censura, cassações políticas e

militares, prisões, extinção dos partidos políticos e fechamento de instituições

inundaram o país, sendo legalizados através de Atos Institucionais (AIs) autoritários

que se seguiram. A ditadura militar durou 21 anos (1964-1985) e teve cinco

presidentes militares, que se alternavam no poder, por eleição indireta de um colégio

eleitoral. Para Fico, os AIs não eram meios de institucionalização do regime:

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A busca da normalidade institucional do regime supunha a incorporação na Constituição de mecanismos rigorosos de controle da sociedade que tornassem desnecessários os atos institucionais que, apesar do seu nome, não eram capazes de institucionalizar, ao contrário, eram excepcionais, eram revolucionários, não permitindo a normalização do regime no sentido de sua juridicidade constitucional. (FICO, 2017, p. 58).

Desde o golpe, observamos a preocupação dos militares de legitimar o regime, ou

seja, alcançar o reconhecimento social, a aceitabilidade de suas ações pela

sociedade, para uma hipotética pretensão democrática. De acordo com os

ensinamentos e doutrinas difundidos pela Escola Superior de Guerra (ESG), a busca

e os meios utilizados pelos militares eram justificados, desde que defendessem a

sociedade brasileira da ameaça subversiva e conseguissem consolidar uma suposta

democracia. Não queremos dizer com isso que a invenção desse ideário

democrático, possa justificar ou amenizar seu caráter ditatorial e repressivo,

somente enfatizar a contínua busca por legitimidade e institucionalização do seu

governo, mesmo porque, quem se colocava contra sua política de legitimidade, era

severamente punido.

Devemos perceber essas ações dos militares em momentos distintos de seu período

à frente do governo militar. No primeiro momento, há a procura dessa aceitação por

parte do regime, objetivando o apoio de vários segmentos sociais, era o período da

busca de legitimidade e institucionalidade, com os valores por eles defndidos. Os

militares procuravam essa aceitação, utilizando estratégias e propagandas de ordem

econômica e também social, como a exaltação dos valores conservadores da

família, defesa a pátria e apelo à religiosidade cristã dos cidadãos. A intenção era

trabalhar a aceitação da maioria da sociedade para as medidas tomadas pelo

regime à frente do governo. Logo, passamos ao período de distensão política

controlada; e por fim, a proposta de abertura controlada do regime, que resultaria na

redemocratização consensual entre os detentores do poder político e econômico do

país. Ressaltamos que em todos esses momentos, a busca pelo apoio social e o

combate aos opositores a sua política de Estado, nortearam a atuação do regime.

Neste capítulo, analisaremos o contexto político do governo do quarto presidente

deste período, o presidente General Ernesto Beckmann Geisel, que também buscou

a institucionalização do regime e tramitou para a política de distensão, de maneira

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gradual e ditatorial. O General assumiu o poder quase doze anos após o golpe e

teve seu mandato no período 1974 a 1979, quando entregou a presidência ao seu

sucessor General João Baptista de Oliveira Figueiredo.

Como vamos falar desse personagem da história brasileira, e analisar seu governo

sob a ótica da legitimação x vigilância e abertura, modernização e distensão x

repressão política, consideramos ser importante relatar uma breve biografia, a fim de

conhecermos melhor a trajetória desse ex-presidente brasileiro.

Na obra de D’ARAÚJO & CASTRO (1997), que sitematizou os depoimentos de

Ernesto Geisel, dados em longas entrevistas, podemos ter um visão da pessoa, do

militar e do político. Geisel de descendência paterna alemã (filho do imigrante

alemão Wilhelm August Geisel, e da brasileira Lydia Beckmann, filha de alemães),

nasceu em Bento Gonçalves, no estado do Rio Grande do Sul, em 03 de agosto de

1907, sendo o caçula da quatro irmãos. Oriundo de uma família, Geisel foi criado

com rígida disciplina e educação de princípios conservadores e valores luteranos, de

classe média baixa.

Ingressou na escola militar de Porto Alegre em 1921; e aos aos 17 anos foi a para a

Escola Militar do Realengo, no Rio de Janeiro, atual Academia Militar das Agulhas

Negras, formando-se aspirante militar na área de artilharia, em 1928. Era o início de

uma longa e promissora carreira militar, onde obteve diversas promoções por

merecimento. No ano de 1960 chegou a general de brigada, e em 1964 foi

promovido a general de divisão.

Na política ingressou ainda tenente, a partir de su participação como tenente nas

ações militares da Revolução de 1930, que deu início a Era Vargas. Em 1932,

também participou junto as tropas federais no combate a Revolução

Constitucionalista, em São Paulo. Em 1931, foi nomeado Secretário Interior do Rio

Grande do Norte e, em 1932 assume a Secreataria da Fazenda, Agricultura e Obras

Públicas da Paraíba. Na década de 1950, Geisel comandou a guarnição

de Quitaúna e gerenciou a refinaria de Cubatão, ambas no estado de São Paulo.

Em 1961 passou a exercer o cargo de general do comando da guarnição militar de

Brasília. Passou a estar mais próximo dos bastidores do poder. No mesmo ano, o

presidente em exercício, Ranieri Mazzilli, nomeou-o chefe da casa Militar. Geisel

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passa a negociar entre os ministros militares e os parlamentares, tendo papel

relevante na garantia da posse do presidente João Goulart em setembro de 1961,

sob o sistema parlamentarista, que vigorou até 1963.

Geisel participou do movimento militar que impetrou o golpe civil-militar de 1964.

Logo, recebeu do então presidente Castelo Branco, o convite para a chefia da Casa

Militar. Em 1966, Castelo o promoveu a General do Exército; e em 1967 foi nomeado

ministro do Superior Tribunal Militar, cargo que exerceu até 1969, quando saiu para

assumir a presidência da Petrobras, aceitando o convite do presidente Costa e Silva,

permanecendo até 1973.

Ernesto Geisel teve dois irmãos que também seguiram a carreira militar e chegaram

a patente de general. Seu irmão, Orlando Geisel tornou-se Ministro do Exército, e

seu apoio foi muito importante no contexto político, quando Médici resolver indicar o

nome de Ernesto Geisel como candidato à Presidência do Brasil.

Geisel foi eleito presidente do Brasil em 15 de janeiro de 1974 e, como já

mencionado, foi o quarto presidente do período de militar. Assumiu seu mandato

como Chefe do Executivo Federal em 15 de março de 1974, sucedendo Emílio

Garrastazu Médici, cargo que exerceu até 15 de março de 1979, gestão que iremos

analisar a partir deste capítulo.

Após a presidência, continuou exercendo sobre o exército brasileiro ao longo da

presidência. Ao apoiar a candidatura de Tancredo Neves, nas eleições indiretas de

1985, diminuiu a resistência dos militares em relação a aceitação da eleição de

Tancredo. Ainda presidiu a Norquisa, uma empresa ligada ao setor petroquímico.

Geisel foi casado com Lucy Markus (1939-1996), com quem teve dois filhos, Amália

e Orlando. O general morreu em 12 de setembro de 1996, aos 89 anos, devido a

um câncer. A partir do anúncio de seu falecimento, passou a postular títulos dados

pela impressa como “herói da abertura”. Na década de 2000, através de uma série

de livros publicados pelo jornalista Elio Gaspari, com ênfase na figura do presidente

Geisel, o mesmo volta a movimentar as catracas da história, sendo realizadas várias

pesquisas sobre seu governo e sua reputação como o “sacerdote”, parafraseando

Gaspari, e o grande ícone do movimento de abertura e do processo de

redemocratização do Brasil. Fica a questão a ser analisada e respondida no

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presente trabalho: Geisel foi realmente o bom sacerdote que idealizou e guiou o

Brasil para a abertura política e a democratização? É assim que deve ser

lembrado?

2.1 A RADIOGRAFIA DA COMPOSIÇÃO POLÍTICA DO GOVERNO GEISEL

Geisel foi eleito pelo colégio eleitoral, sendo sucessor do presidente General Emílio

Garrastazu Médici. Havia todo um cuidado por parte dos militares para que

houvesse um consenso nas forças armadas a respeito da indicação do nome que

iria concorrer à presidência no Colégio Eleitoral.

O lançamento oficial do candidato Geisel ocorreu apenas em 18 de junho de 1973, depois de obtido o “consenso militar”, ou seja, o aval do generalato. Pela primeira vez, um processo sucessório parecia não ser traumático para as Forças Armadas, desde que tomaram o poder em 1964. Médici, ecoando vozes na tropa e da Linha Dura, tomou até o cuidado de saber se Geisel ainda era próximo de Golbery do Couto e Silva, figura mal vista pelo próprio presidente e pela linha dura. “Estão completamente separados”, respondeu o general João Baptista Figueiredo, então chefe do Gabinete Militar. Mal sabia Médici que Figueiredo era do círculo de confiança do grupo castelista-geiselista, disposto a retomar o controle do Estado. (NAPOLITANO, 2016, p.236)

Notamos que Geisel resolveu esconder suas intenções de trazer o general Golbery

do Couto e Silva ao seu governo, que desde a posse de Costa e Silva estava

afastado da política, por não concordar com sua ascensão ao cargo de chefe do

executivo federal. Entre os anos de 1968 a 1973. Golbery trabalhou na presidência

da filial brasileira da empresa norte-americana Dow Chemical. Porém, voltaria ao

cenário político como um dos mais próximos ministros de Geisel, portanto, um dos

homens mais poderosos de seu governo.

A oposição reunida no Movimento Democrático Brasileiro (MDB), lançou uma chapa,

apelidada de anticandidatura, por não ter nenhuma chance de vitória, tendo como

candidato à presidente Ulysses Guimarães e à vice-presidente, Barbosa Lima

Sobrinho.

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Como era o óbvio no quadro político da época, em janeiro de 1974, Geisel foi eleito

Presidente da República através da eleição indireta pelo Colégio Eleitoral, obtendo

400 votos contra 76 da oposição e 21 abstenções. Logo, a chamada “Linha dura” 1

dos militares recebe um recado de afronta, ao ter conhecimento da indicação do

general Golbery do Couto e Silva para comandar a Casa Civil da Presidência. Essa

era o alerta que o chamado grupo “Linha branda”, “Castelista” ou “Sorbonne” 2

voltavam ao poder, o que poderia significar para alguns, o início data transição

política, e a retirada para os quartéis.

Já nesta quadra inicial de seu período de poder, estariam em outro lugar os processos que iriam marcar de forma decisiva a dinâmica do governo Castelo Branco. Refiro-me ao surgimento de um conjunto de pressões da jovem oficialidade, as quais, no complexo de forças dessa fase, encontram eco não apenas entre alguns dos “herdeiros civis” do regime, como também em setores de hierarquia militar. A esses grupos, desde o início heterogêneos, de composição variável e ideologia difusa, atribuiu-se, logo no alvorecer do novo regime, a denominação de “linha dura”. No período que venho analisando, a “linha dura” parece que ter encontrado seu denominador comum em duas características: em primeiro lugar, nas investigações de maior vigor na “depuração” do sistema político; em segundo, nas expectativas de influenciar diretamente o processo de tomada de decisões do governo militar. Tanto em um como em outro aspecto, suas ações provocariam problemas para o governo de Castelo Branco. Cedo, assim, o regime militar teve que se deparar com a questão da forma como se daria a participação política do conjunto da categoria militar no regime militar. As tensões daí originárias seriam responsáveis pela cizânia militar de novo tipo. (MARTINS FILHO, 1993, p. 68)

É notório que as forças armadas não eram homogêneas em sua visão de

administração política, notoriamente surgiram pós 1964 a denominação dos dois

1 A expressão “linha dura”, que começou a ser empregada pouco depois do golpe de 1964, se referia aos militares radicais que defendiam o endurecimento do regime. Mas também serviu para caracterizar os que atravessavam a fronteira da indisciplina. Espalhada pelos quartéis e à direita do regime, a “linha dura” se opunha à vontade do então presidente Castello Branco de limitar os poderes excepcionais de que dispunha, a fim de normalizar a vida política nacional. O general Geisel, no entanto, preferia nomear essa turma de um modo particular. Foi o que revelou em 1975, durante conversa com o chefe do Gabinete Militar da Presidência, general Hugo Abreu, quando este afirmou que “a linha dura não existe”. “Existe sim”, rebateu o presidente. “Chaves, Ruy, os dois Helios, o Boaventura, o Araripe, o Natalino (Sebastião Chaves, Ruy Castro, Helio Lemos, Hélio Mendes, Luis de Alencar Araripe, Francisco Boaventura e Natalino de Brito). Os zurrapas de maneira geral”, definiu. A conversa foi registrada no dia 15 de abril pelo secretário do presidente, Heitor Ferreira, em seu diário. Disponível em: <http://arquivosdaditadura.com.br/documento/galeria/linha-dura-regime-visao-presidente-geisel>. Acesso em: 04 ago 2016. 2 Tratava-se de um grupo mais moderado e intelectualizado dos militares, que possuíam uma visão política estratégica bem delineadas. Eram seguidores das teorias de Castelo Branco, por isso, por vezes eram chamados também de “castelistas”.

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grupos mencionados acima: Linha Dura e Castelistas. No entanto, dentro de cada

grupo ainda haviam subdivisões, com castrenses mais extremistas em seus

posicionamentos e outros mais voltados ao diálogo. Portanto, dentro dos próprios

grupos haviam conflitos de interesses. Isso ficou muito visível no processo de

sucessão presidencial do Marechal Castelo Branco, quando houve uma latente

desunião na hierarquia e uma crise sucessória. A corrente “Linha dura” montou um

esquema, que conseguiu eleger seu candidato, o Marechal Arthur da Costa de Silva,

por acreditar que o mesmo manteria o governo sob o domínio dos militares, sem

entregá-lo dos civis.

No que tange ao militares, a chamada “crise dos coronéis” parece expressar com rara nitidez uma contradição específica surgida com a ascensão dos generais ao poder em 1964: qual deveria ser o papel dos militares na definição dos rumos do regime militar? Em junho de 1965, o choque entre o governo Castelo e alguns expoentes da “linha dura” contribuiu para definir as posições em jogo. O pressuposto que fundamentou então as acusações dirigidas ao governo Castelo Branco pelo coronéis Martinelli e Pina – voltadas basicamente contra a tibieza do presidente no trato com os corruptos e subversivos - aparecia com nitidez num documento da Liga Democrática Radical (LIDER): aí se definia o marechal presidente como “nada mais que um delegado do Supremo comando da Revolução.” (MARTINS FILHO, 1993, p. 65)

Observemos a posição dos “Castelistas” dentro da ótica política dos militares:

Entretanto, a compreensão que iriam assumir as tensões entre o governo militar e a oficialidade no período Castelo Branco exige examinar, ainda que brevemente, alguns aspectos históricos da formação do chamado “grupo da Sorbonne”. Como é sabido, o núcleo dirigente no primeiro governo “revolucionário” constituiu-se de um equipe restrita e seleta de oficiais originários da Escola Superior de Guerra, assessorados por uma “elite” de parlamentares e de tecnocratas, em sua maioria udenistas. A análise de Alfred Stepan sobre a elite “castelista” mostrou como o padrão de carreira desses oficiais configurava uma trajetória profissional atípica. Coerente com essa abordagem burocrática, Stephan fundou tal atipiciadade nas características acadêmicas e profissionais do chamado “grupo da Sorbonne”, com ênfase na participação da ESG, no mérito escolar, na experiência em missões no exterior e na capacidade técnica. Nessas perspectivas, ele deixou de lado as características típicas do castelismo, reveladas na sua filiação à corrente antinacionalista e antipopular das Forças Armadas brasileiras no período de 1945-64. No entanto, a análise de Stepan sobre o padrão de carreira revela-se útil para explicar os obstáculos específicos que os castelistas encontrariam após o golpe para ampliar suas bases nas Forças Armadas. A particular forma de elitismo “intelectual” e “iluminista” dos militares castelistas constituiu-se, no pós 64, num fator

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agravante específico da cinzânia militar, fator permanente de crise do regime castrense. (MARTINS FILHO, 1993, p. 68)

Essa posição ambígua em diversos setores entre a “linha dura” e os “castelistas” vai

seguir durante toda a ditadura militar. Porém em seu âmbito primordial de decisões

da política de Estado, há uma linha tênue entre essas duas correntes, que nos leva

a questionar se realmente havia distinções profundas entre os presidentes militares

do período. É claro que não havia unanimidade nas Forças Armadas, tanto no Golpe

civil-militar de 1964, quanto nos 21 anos de governo que se seguiu. Na verdade o

questionamento maior se dá sobre a definição exata do que seria “Linha Dura” e

“Sorbonne ou Castelista”. Se levarmos em consideração a visão de O’Donnell, que

“define os “duros” como aqueles que desejavam a perpetualidade do regime

autoritário e acreditavam nessa possibilidade” (Soares, 1995, p.33), poderemos

considerar Geisel como “moderado”, uma vez que pretendia a abertura política

controlada antes de assumir, por considerar ser impossível para o Exército manter a

ditadura por muito tempo. Mas se “Linha Dura” for interpretada como uma política de

Estado de exceção e extermínio, nenhum presidente do regime militar pode ser

classificado como moderado. Dessa forma, não consideramos primordial utilizar

esses termos como denominações que definem radicalmente esses grupos e, por

haver interpretações que possam considerar que certa figura, como Geisel, ora

possa transitar como “linha dura”, ora como “castelista”, definimos que tais termos

devam ser utilizados com cautela e não de maneira frequente, Nesse trabalho

optamos por concordar com O’Donnell e interpretar “Linha Dura”, apenas sob o

critério de ser a parte dos militares que defendiam a perpetualidade do regime

ditatorial e os “Castelistas” ou “Moderados”, como os que defendiam a distensão e a

abertura política, desde que pudessem conduzir essa política, disseminando uma

consciência positiva sobre o regime como um todo.

Geisel compôs seu ministério, em sua maioria, por pessoas ligadas a chamada “ala

moderada”, tendo ao longo de seu governo que fazer algumas alterações, sendo a

mais marcante a substituição de Sylvio Frota, da pasta do Exército, o que será

comentado adiante.

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O MINISTÉRIO GEISEL (15.03.1974 – 15.03.1979)

Ministério Titular Período

1 Aeronáutica Joelmir de Araújo Macedo Início – fim

2 Agricultura Alysson Paulinelli Início – fim

3 Casa Militar Hugo de Andrade Abreu

Gustavo Moraes Rego Reis

Início – 4.1.1978

6.1.1978 – fim

4 Casa Civil Golbery de Couto e Silva Início – fim

5 Comunicações Euclides Quandt de Oliveira Início – fim

6 Educação e Cultura Ney Amintas de Barros Braga

Euro Brandão

Início – 31.5.1978

31.5.1978 – fim

7 Estado-Maior das Forças Armadas

Antônio Jorge Correia Início – fim

8 Exército Vicente de Paulo D. Coutinho

Sylvio Frota

Fernando Belfort Bethlem

Início – 24.5.1974

28.05.1974-13.10.77

13.10.1977 – fim

9 Fazenda Mario Henrique Simonsen Início – fim

10 Indústria e Comércio Severo Fagundes Gomes

Ângelo Calmon de Sá

Início – 8.2.1977

8.2.1977 – fim

11 Interior Maurício Rangel Reis Início – fim

12 Justiça Armando Ribeiro Falcão Início – fim

13 Marinha Geraldo Azevedo Henning Início – fim

14 Minas e Energia Shigeaki Ueki Início – fim

15 Planejamento João Paulo dos Rei Velloso Início – fim

16 Previdência Luiz Gonzaga do Nascimento e Silva Início – fim

17 Relações Exteriores Antônio Francisco Azeredo da Início – fim

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Silveira

18 Saúde Paulo de Almeida Machado Início – fim

19 SNI João Batista de Oliveira Figueiredo Início – fim

20 Trabalho Arnaldo da Costa Prieto Início – fim

21 Transporte Dirceu Araújo Nogueira Início – fim

Fonte: CASTRO, Celso & D’ARAÚJO, Maria Celina (Org.). Dossiê Geisel. Rio de Janeiro: FGV, 2002, p.28.

Segundo Castro & D’Araújo (2002, p.11), havia um grupo de ministros que se

reuniam diariamente com o presidente, e “o tempo de reunião desse grupo de quatro

ministros-chefes representa mais do que a soma do de todos os outros 17

ministros”. Eram eles: João Paulo dos Reis Veloso, João Batista de Oliveira

Figueiredo, Golbery do Couto e Silva e Hugo Abreu, substituído no final por Gustavo

Moraes Rego Reis. Tal fato nos leva a observar a importância que Geisel dava as

pastas do Planejamento, SNI, Casa Civil e Casa Militar. A preocupação com a

vigilância e a segurança era algo notório em seu governo.

Ao analisarmos os ministros do governo do general Geisel, notamos um perfil

altamente autoritário, porém, alguns mais alinhados à proposta de distensão.

Tomamos por base dois de seus ministros mais próximos, com quem Geisel se

reunia constantemente para despachar assuntos governamentais, são eles: Golbery

de Couto e Silva e João Batista de Oliveira Figueiredo. Ambos participaram do

Golpe de 1964 e tinham assíduo papel nos trâmites do governo. Golbey seria o

braço direito de Geisel e Figueiredo o braço esquerdo, tanto que Figueiredo foi

indicado e escolhido como o sucessor de Geisel, e concretizou a abertura política,

com o fim dos governos militares e a transição política para os civis, em 1985.

Merece destaque também, a figura do senador Petrônio Portella Nunes, advogado e

político, que se tornou um grande mediador de conflitos nos governos de Geisel e

Figueiredo, e ficou conhecido como a “estrela civil da ditadura”, o que demonstra

seu poder de articulação nos bastidores do poder.

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De acordo com Fico (2017), todos os governos militares, com exceção de Médici,

procurou institucionalizar o regime, porém, somente Geisel logrou sucesso:

Havia, sobretudo, as tentativas de institucionalização, desde o governo do marechal Castelo Branco, feitas com base na constitucionalização, por meio de salvaguardas que implicavam tornar mais rigoroso o Estado de Sítio e instrumentos assemelhados. Tais salvaguardas sempre foram pensadas como substituição dos mecanismos de controle da sociedade previstos nos atos institucionais excepcionais. Foi exatamente isso que Geisel fez. A diferença é que, ao contrário de Castelo Branco e de Costa e Silva, ele foi bem-sucedido, Médici simplesmente não tentou, embora tenha estabelecido transmitir o governo a um civil, caso a “luta armada” estivesse inteiramente derrotadas. Segundo seu filho, ele optaria por um general da ativa se o confronto fosse grave e, por um general da reserva, “se as coisas estiverem a meio caminho” – alternativa em que se fixou (MÈDICI, 1995, p.31). Geisel foi o escolhido e, portanto, seu projeto de distensão não foi resultado de seu perfil psicológico, como sugere a obra de Gaspari, mas decorreu do acúmulo histórico dessas experiências. (FICO, 2017, p.65)

Concordamos com a afirmação do historiador FICO, tanto a instituição do regime

como o projeto de distensão não surgiu com o Geisel, mas foi construído desde

Castelo Branco, e utilizando-se de exemplos dos governos anteriores, Geisel pode

dispor dessas experiências para poder enfrentar problemas parecidos e lograr

sucesso em seu projeto.

2.2 A “DISTENSÃO RELATIVA” DE GEISEL: POLÍTICA AUTORITÁRIA E

CONCILIATÓRIA

A distensão do regime, no plano dos militares, correspondia permitir que as

instituições políticas representativas tivessem uma participação limitada no processo

decisório, e dessa forma o governo poderia ter seu controle sobre a administração

do Estado, uma vez que se fosse aplicada uma repressão ilimitada, levaria a uma

debilidade da segurança nacional, não pretendida pelos castrenses.

A “teoria da distensão” e as políticas derivadas dessa análise, constituem uma derradeira busca de legitimação do Estado. Tentava-se negociar e incorporar algumas das principais exigências da oposição de elite, num esforço de ampliação da base de sustentação do Estado. Simultaneamente, garantia-se o controle da sociedade civil pela aplicação seletiva do processo coercitivo. (ALVES, 1989, p. 180)

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Como afirmamos, o programa de distensão ou descompressão do regime, não

nasceu junto com o Governo Geisel, ele já vinha sendo discutido antes pelo

Presidente Castelo Branco e alguns militares, porém ele se desenhou ao longo de

seu mandato, levando o governo a tomar as rédeas do processo.

O projeto inicial de moldar o sistema político brasileiro em uma democracia restrita não foi abandonado, sendo, na verdade, retomado com a ascensão de Geisel ao poder em 1974. Por volta de 1973-74 a situação do país parecia preparada para esta empreitada: a “subversão” havia sido neutralizada com o desmantelamento das organizações de guerrilha, a oposição legal estava sobre controle, certo grau de prosperidade econômica havia sido alcançada. Para boa parte dos militares, o Brasil gozava das condições ideais para a instauração de uma “nova ordem democrática”, e consequente retorno dos militares à caserna após tantos anos de exercício direto do poder. (KINZO, 1988, p. 221)

Porém, o quadro econômico e político brasileiro teve um reverso no ano de 1974: as

eleições de 1974 foram favoráveis à oposição; o milagre econômico começou a

apresentar sinais de decadência, iniciando uma crise na economia. Notamos que o

governo militar procurou se institucionalizar e ter uma aceitação popular através do

controle inflacionário e um desenvolvimento econômico, com uma crise nessa área,

poderia haver também uma desestabilidade política. Geisel quando assume, já não

encontra um país preparado para a nova ordem democrática e o retorno aos

quartéis. Temos que enfatizar ainda, que uma parcela dos militares, não queriam

transferir o governo aos civis. Era preciso organizar o país para a retomada dessa

ideia, ou seja, manter o governo autoritário, com instrumentos como o AI-53 e os

órgãos de informação e vigilância. Kinzo (1988) compreende esse novo panorama:

3 Ato Institucional nº 5, AI-5, baixado em 13 de dezembro de 1968, durante o governo do general Costa e Silva, foi a expressão mais acabada da ditadura militar brasileira (1964-1985). Vigorou até dezembro de 1978 e produziu um elenco de ações arbitrárias de efeitos duradouros, concedendo amplos poderes ao Executivo Federal, limitando os poderes legislativo e judiciário, além de restringir vários direitos civis. Segundo seu texto, são mantidas a Constituição de 24 de janeiro de 1967 e as Constituições Estaduais; O Presidente da República poderá decretar a intervenção nos estados e municípios sem as limitações previstas na Constituição, suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos e cassar mandatos eletivos federais, estaduais e municipais, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/AIT/ait-05-68.htm.>. Acesso em: 20 jan. 2017; <http://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/FatosImagens/AI5. Acesso em: 20 jan. 2017. Texto completo do AI-5 ver em: FICO, Carlos. Além do Golpe: versões e controvérsias sobre 1964 e da Ditadura Militar. Rio de Janeiro: Record, 2004, p. 382-385.

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Tendo aprendido com as lições da experiência mal sucedida de Castelo Branco, o General Geisel protegeu seu governo e sua política contra todos os fatores intervenientes que haviam contribuído para o fracasso do projeto de Castelo Branco. O ponto crucial era manter o AI-5. [...] Mais do que Castelo Branco, Geisel fez uso de todos os seus poderes excepcionais e de um estilo autoritário e austero de governo a fim de neutralizar ambas as fontes de pressão e de levar avante seu projeto. Para enfrentar um partido oposicionista mais forte e audacioso, as regras eleitorais foram alteradas, o AI-5 foi usado de forma intermitente para cassar parlamentares e os procedimentos legislativos foram alterados para bloquear a oposição. Com essas medidas Geisel conseguia, por outro lado, acalmar os radicais do regime, na medida em que mostrava ter comando absoluto sobre o processo político. (KINZO, 1988, p. 221)

Apesar de uma tímida distensão em 1974 (com a extinção da censura prévia), um

efetivo programa de abertura política só vai se efetivar a partir de 1978. Logo, ao

falarmos de distensão no início do governo Geisel, é necessário considerarmos a

seguinte observação:

Quando olhamos para alguns dados isoladamente, o saldo repressivo do governo Geisel não autoriza falar em democracia ou mesmo em distensão: durante seu governo houve 39 opositores desaparecidos e 42 mortos pela repressão. A censura à imprensa, às artes e às diversões foi amplamente utilizada, abrandando-se somente em meados de 1976; o Congresso foi fechado durante 15 dias. (NAPOLITANO, 2016, p.234)

O autor prossegue em seu comentário:

O processo de “distensão” e “abertura” era, sobretudo, um projeto de institucionalização do regime. Como estadista de visão estratégica, Geisel sabia que o aparato policialesco de repressão era insuficiente e arriscado para tutelar o sistema político, sob o risco do governo isolar-se dele. Efetivamente, há uma agenda de abertura, quando muito, só após 1977. Até então “abertura”, dentro da concepção palaciana, era sinônimo de institucionalização da exceção, descompressão pontual, restrita e tática e projeto estratégico de retirada para os quartéis sine die. A agenda de transição iniciada em 1977 se reafirma em 1978, seguida da indicação oficial de João Figueiredo para Presidência. Ou seja, a partir de então, já com a pressão das ruas e do próprio sistema político (nesta ordem), é que a abertura se transforma em um projeto de transição democrática, ainda que de longo prazo. (NAPOLITANO, 2016, p.234)

Essa análise de Napolitano (2016), deixa claro o projeto de institucionalização do

governo, com medidas pontuais. Portanto, Geisel não era o presidente da distensão

no momento que assumiu o governo, ele se torna ao longo do seu mandato, o

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presidente da distensão e do início da abertura. Seria muito irônico atribuir ao

governo Geisel a identidade direta com a abertura ou a redemocratização, pois isso

nos levaria a esquecer as mortes violentas causadas pelo governo, os

desaparecimentos, o fechamento do Congresso por 15 dias (1977), a cassação de

mandatos parlamentares, a censura à imprensa e às artes (abrandada a partir de

1976), a relutância quanto a Lei de Anistia, a assídua vigilância dos órgãos de

informações, a Lei Falcão, o Pacote de Abril, e a manutenção do AI-5 (extinto

somente em dezembro de 1978), que funcionou como um salvaguarda, bem como a

manutenção do Decreto 477 (entre suas prerrogativas, expulsava estudantes e

funcionários das universidades contrários ao governo militar).

Geisel utilizou de mecanismos autoritários, ditatoriais, para conduzir o processo de

distensão da maneira que os castrenses queriam. Uma distensão controlada, que

resultou em um processo de abertura e transição política, cheios de aparatos e

salvaguardas militares, e em uma redemocratização frágil, incrustada de resquícios

autoritários. Esse era o projeto dos militares, o projeto que eles cumpriram de

maneira exemplar.

Passamos a analisar um ponto crucial ocorrido no governo Geisel: as eleições

parlamentares de 1974, que sem dúvida mexeu com o ritmo político do governo e as

pretensões iniciais do processo de abertura de Geisel. O cenário político que marcou

grande parte do período ditatorial foi desenhado pelo Ato Institucional nº 2 (AI-2) 4,

de 27 de outubro de 1965, que em seu artigo 18, extinguiu os partidos políticos,

cancelando seus registros. O bipartidarismo passou a vigorar no Brasil durante o

regime de exceção, sendo legalmente reconhecidos os seguintes partidos: a Aliança

Renovadora Nacional (Arena), que englobava os militares e civis da direita política, e

o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), considerado partido de oposição, sem

na prática apresentar uma real postura de oposição frente ao regime.

Segundo Araújo (2007, p. 335), “[...] sua estrutura partidária foi aproveitada por um

grupo de deputados mais identificados com as posições de esquerda, que criaram o

movimento dos autênticos do MDB”. Na verdade o MDB, era utilizado pelos militares

para dar um ar de legalidade ao regime. Porém, esse quadro começou a mudar a

4Texto completo do AI-2 ver em: FICO, Carlos. Além do Golpe: versões e controvérsias sobre 1964 e da Ditadura Militar. Rio de Janeiro: Record, 2004, p. 355-362.

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partir de 1974, quando o MDB passou a exercer uma oposição de fato, conseguindo

uma grande vitória eleitoral.

O primeiro problema [do governo Geisel] emergiu com os resultados inesperados das eleições de 1974. Embora se esperasse que elas fossem fornecer alguma legitimidade para o regime, estas eleições, ao contrário, puseram à mostra um sentimento generalizado de insatisfação que se manifestou pelo apoio ao partido de oposição legal que a “Revolução” havia permitido criar. (KINZO, 1988, p. 221)

Importante destacar que a ARENA, apesar de perder para o MDB a maioria das

cadeiras nas eleições de 1974 para Senado Federal (MDB: 16 cadeiras; ARENA: 06

cadeiras), é perceptível um equilíbrio de parlamentares da Câmara dos Deputados

Federais (MDB:160 deputados; ARENA: 204 deputados), demonstrando que a

ARENA era composta de políticos que tinham vínculo com o eleitorado muito

anterior ao golpe de 1964. O resultado das eleições parlamentares de 1974, revela

quão grande foi o susto do governo:

Eleições de 1974 ARENA MDB

Deputados Federais:

- Nº de deputados federais nas eleições de 1970

- Resultados eleitorais de 1974 (deputados)

223

204

87

160

Senadores Federais:

- Nº de senadores federais nas eleições de 1970

- Resultados eleitorais de 1974 (senadores)

40

06

06

16

Fonte: Dados Estatísticos Eleições Federais e Estaduais realizadas no Brasil em 1970 (V.9) e em 1974 (V.11). Brasil. Tribunal Superior Eleitoral. Biblioteca Digital. Acesso: <http:// bd.camara.leg.br>

Devemos ressaltar a vitória expressiva do MDB no Senado, porém, sem esquecer

que em 1974, a eleição foi para apenas um terço das cadeiras, por isso a ARENA,

partido de sustentação do regime, conseguiu manter maioria no Senado.

Posteriormente o governo iria se resguardar e criar o “Senador Biônico” (onde um

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terço do Senado seria indicado pelo governo), dentro da reforma política apelidada

de “Pacote de Abril”.

Grinberg (2009, p.29), apresenta uma tabela com os resultados eleitorais das

eleições proporcionais para a Câmara dos Deputados (1966-1978), e nas eleições

de 1974 e 1978, apesar do crescimento do MDB na esfera pública, podemos

constatar o equilíbrio parlamentar dos partidos: “1974: ARENA: 40,9% dos votos;

MDB: 37,8%; Brancos/Nulos: 21,3%, num total de 28.981.015 votos. Em 1978:

ARENA: 40,0%; MDB: 39,3%; Brancos/Nulos: 20,7%, num total de 37.629.180

votos.”

Na análise de Napolitano (2016, p. 246), os resultados das eleições de 1974 era

preocupador para o governo: “com mais de um terço do Congresso, o MDB poderia

bloquear emendas constitucionais, complicando o projeto de “institucionalizar o

regime”, atrapalhando, assim, o projeto de distensão.”

Portanto, como afirma Gaspari (2014b, p. 13), “O resultado da eleição de 1974

encurralou a ditadura”, pois era preciso que o governo militar encontrasse uma

solução para barrar o avanço da oposição. Perder um terço do congresso era algo

muito preocupante, que poderia atrapalhar os planos e os projetos do governo.

Realmente as eleições parlamentares de 1974, abalaram a ditadura.

O governo percebeu tal situação, ao ponto de criar mecanismos (descritos adiante)

que tentassem driblar o avanço do MDB nas urnas. Nesse critério, Geisel mostrou

sua habilidade política, ao não perder o controle do processo, mesmo nos momentos

mais críticos, utilizando para isso recuos estratégicos e também a repressão política.

Em 1º de agosto de 1975, Geisel discursou em cadeia nacional, fazendo um balanço

econômico, social e das políticas interna e externa de seus 16 meses de governo

“revolucionário”, anunciando medidas que representavam um nítido recuo na política

de distensão, que já demonstrava lentidão. Eis um trecho do discurso, extraído do

site da Biblioteca da Presidência da República:

[...] Quanto à segurança, manteve-se a ordem e a tranquilidade em todo o país. Os órgãos de segurança prosseguiram nas medidas preventivas contra as articulações, inclusive preparatórias, que possam concorrer para a subversão interna. Em diversas regiões, indivíduos integrantes de

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organizações ilegais têm sido presos e submetidos a inquéritos policiais e à posterior ação judicial, com incursos na Lei de Segurança. Os serviços de informação acompanham atentamente a infiltração comunista em órgãos de comunicação, órgãos de classes, na administração pública – particularmente na área do ensino - e também nos partidos políticos. (Geisel, 1 Ago 1975)

A parte final de seu discurso, Geisel abordou “o tema político relacionado com o que

vem se chamando de distensão”:

[...] A palavra está no final do discurso de 29 de agosto de 1974 aos dirigentes da ARENA. Nele me referi à missão que cabe ao Governo de promover o máximo de desenvolvimento possível e, a propósito, aludi ao processo de lenta, gradativa e segura distensão requerida. A partir de então, e principalmente depois das eleições de 15 de novembro, muito se tem publicado e discutido sobre a distensão, atribuindo-se ao Governo – e notadamente ao Presidente da República – intenções, objetivos, avanços, recuos, submissão a pressões, etc. que - uns e outros – absolutamente não correspondem à realidade, mas constituem fruto da imaginação e, por vezes, além do que contém de intriga e de ação negativista, representam apenas o desejo íntimo de seus autores. A distensão, e aí é apresentada com a conotação exclusivamente política, visando pelo que se diz, ao indispensável restabelecimento do chamado Estado de Direito, mediante a pura e simples supressão do AI/5 e, complementarmente, a revogação do DL-477, a revisão da Lei de Segurança, a concessão de ampla anistia. Preconiza-se, também, reforma da Constituição, com a redução dos poderes Executivo. – considerados excessivos, - e a ampliação das atribuições do Legislativo. Sente-se nessas proposições, um indisfarçável saudosismo pelo passado não muito remoto, em que amplas disposições livres constavam do papel, nele estavam escritas, obedeciam ao aspecto teórico e formal do sistema, mas, de fato, iludiam a boa fé de muitos, pois não eram praticadas, servindo ao invés, apenas, aos apetites e poderios de poucos em detrimento aos verdadeiros interesses da Nação, que se debatia na pobreza e na desordem porque aquelas disposições estavam dissociadas da realidade. Acredito que, em meu Governo, muito já se fez no sentido de uma distensão na própria área política. Para comprová-lo, basta ver o clima em que se exercem a atividade dos Partidos e o funcionamento do Poder Legislativo, em toda a parte, e ler os jornais e outros órgãos de divulgação, com a volumosa matéria política que publicam.

(GEISEL, 1 Ago 1975) 5

Para Geisel, a distensão não deveria ser apenas política, mas também econômica e

social, e ele segue seu discurso citando índices positivos nas áreas social e

econômica do país, tirando nitidamente o foco da distensão política, e buscando a

5 Pronunciamento completo, ver: <http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/presidencia/ex-presidentes/ernesto-geisel/discursos/1975/27.pdf/view>. Acesso em: 01 set. 2017.

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aceitabilidade da população para as atitudes do governo que viriam frear o avanço

da oposição e dos movimentos que sociais que isso poderia estimular. Portanto,

ficou nítido nesse pronunciamento de Geisel, uma parada com o tímido movimento

de distensão, ao rejeitar a revogação do Decreto nº 4776 (que, entre outras coisas,

expulsava estudantes e funcionários das universidades contrários ao governo

militar), o fim do AI-5 e negar a promulgação de uma lei de anistia, bem como a

redução de algumas prerrogativas do Executivo ou abrandar a Lei de Segurança

Nacional.

Como disse Napolitano (2016, p. 247) “Em 1º de agosto de 1975, o presidente foi à

TV, em cadeia nacional, e proferiu o discurso conhecido como “pá de cal”,

redefinindo o sentido da “distensão”. Sem dúvida, tais medidas demonstraram uma

resposta do governo aos resultados das urnas de 1974. A abertura poderia ocorrer,

desde que controlada pelo governo, que buscava uma distensão lenta e gradual, de

acordo com os interesses do regime.

[...] O constante e progressivo aperfeiçoamento do regime é o ideal que obstinadamente buscamos, sem açodamentos contraproducentes. Por isso o Governo não abrirá mão dos poderes excepcionais de que dispõe, nem admite sobre quaisquer disfarces, pressões de facções ou grupos de interesses visando, artificialmente, a queimar etapas no processo de desenvolvimento político – que se requer, ao contrário, lento, meditado e progressivo para que seja seguro, realmente duradouro, construtivo e socialmente justo. (GEISEL, 1 Ago 1975)

É perceptível, que a distensão pregada por Geisel, nada mais é do que um projeto

de instituição do regime militar. Ele não cita transição política ou mesmo levanta a

hipótese de que a distensão seria uma abertura para a volta do governo a mão dos

civis de maneira democrática. Essa postura só vai se alterar abertamente a partir de

1978; devemos lembrar que todo o governo de Geisel, foi marcado por medidas de

avanços e recuos rumo à abertura política.

6 Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/Del0477.htm >. Acesso em: 20 jun. 2017.

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O governo Geisel promoveria, então, a “política de distensão”. Tratava-se de um programa de medidas de liberalização cuidadosamente controladas, definido no slogan oficial de “continuidade sem imobilidade”. A “continuidade” traduzia-se numa política fiel de obediência às linhas mestras do modelo econômico de desenvolvimento já estabelecidos e aos preceitos teóricos da Doutrina de Segurança Nacional. Desse modo, a “continuidade” preserva os principais aspectos do modelo e da engrenagem do aparato repressivo. “Sem imobilidade” encarnava-se o plano governamental de reformas que pretendia constituir um passo adiante na liberação progressiva, para um retorno à democracia. A distensão da sociedade seria obtida em estágios bem planejados: haveria, em primeiro lugar, a suspensão parcial da censura prévia, seguida de negociações com a oposição para o estabelecimento dos parâmetros de tratamento dos direitos humano. Posteriormente, seriam promovidas reformas eleitorais, para elevar o nível de representação política. Em seguida, as medidas mais explicitamente coercitivas, inclusive o Ato Institucional nº 5, seriam revogadas, incorporando-se outros mecanismos de controle à Constituição. (ALVES, 1989, p. 180)

Todos esses estágios para a abertura, citados acima por Alves, foram

acompanhados rigorosamente em todo o processo, conforme perceberemos no

decorrer desta pesquisa. Assim, a cultura política brasileira não apresenta mudança,

ela segue os mesmo trâmites controlados, coercitivos e autoritários, buscando uma

solução que não afetasse os detentores do poder em razão da maioria da

sociedade. Novamente o ciclo de uma cultura conciliatória e consensual entre os

poderosos políticos e econômicos começa a se desenhar na história do Brasil.

Em se tratando de repressão política, os sequestros, as torturas e mortes, tão

comuns nos governos anteriores, especialmente na gestão de Médici, dão lugar à

figura dos desaparecidos. De acordo com Napolitano (2016, p. 243), “dos 169

militantes desaparecidos no Brasil, 53 ocorrências foram no ano de 1974, boa parte

após a posse de Geisel”.

O assassinato do padre Henrique Pereira Neto, assessor de Dom Helder Câmara,

arcebispo de Olinda e Recife, e a prisão e tortura de frades dominicanos, durante a

busca por Carlos Marighella, gerou um desconforto das forças religiosas e um atrito

definitivo entre a Igreja Católica e o Estado. Atrito este agravado após a morte em

1973 do líder estudantil Alexandre Vannuchi Leme, de 22 anos, que cursava

geologia na USP, após ter sido levado ao DOI-CODI de São Paulo.

Dom Paulo Evaristo Arns, nomeado cardeal em 05 de março de 1973, pelo papa

Paulo VI, inicia um ataque ao governo na defesa dos Direitos Humanos. Em 1973,

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rememorou a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Em 1974, Dom Evaristo

Arns, entrega ao governo uma lista de 22 desaparecidos, exigindo respostas, sendo

que 21 dos desaparecimentos ocorreram no governo Geisel. Em 1975, foi celebrado

um culto ecumênico na Catedral da Sé, em memória do jornalista Vladimir Herzog,

morto após se apresentar ao DOI-CODI. A cerimônia foi dirigida por Dom Paulo

Evaristo Arns, pelo pastor Jaime Wright e pelo rabino Henry Sobel, e reuniu cerca de

8 mil pessoas na Catedral da Sé e no seu entorno.

Em Janeiro de 1976, com a morte do operário Manuel Fiel Filho, nas dependências

do DOI-CODI, o presidente Geisel, que já havia solicitado ao comando do II Exército

que controlasse a atitude dos seus agentes, chegou à conclusão que essas mortes

eram um recado da “Linha dura” contra o processo de abertura. No entanto, essa

teoria passa a ser questionada, devido ao fato de que Geisel sabia das execuções

sumárias que aconteciam em seu governo, conforme memorando da CIA, divulgado

em maio de 2018, que será analisado ainda neste capítulo.

No entanto, podemos constatar um grande enfrentamento de Geisel dentro das

Forças Armadas, em especial quando houve a demissão do Ministro do Exército,

Sylvio Frota, como forma de mascarar e amenizar a responsabilidade do Governo

pelas execuções sumárias. Tal enfrentamento se deu especialmente nos episódios

acima citados, ou seja, a morte do jornalista Vladimir Herzog (1975) e do operário

metalúrgico Manoel Fiel Filho (1976), nas dependências do II Exército, DOI-Codi de

São Paulo, que tiveram grandes repercussões populares e manifestações de vários

segmentos sociais contra as arbitrariedades do Governo. Em resposta, Geisel se

impôs, exonerando o comandante do II Exército Ednardo D’Ávila Melo, em janeiro de

1976; e posteriormente decretou a demissão do Ministro do Exército Sylvio Frota,

em outubro de 1977. Era a primeira vez que um presidente militar, explicitou o

conflito com essa pasta. Definitivamente havia um racha dentro das Forças

Armadas. O’Donnell e Schmitter (1986), chegaram a afirmar que “não há transição

cujo início não seja a consequência, direta ou indireta, de importantes divisões

dentro do próprio regime autoritário.”

Segundo Soares (1995, p.31), “no caso brasileiro, desde a conspiração até depois

de terminado o regime militar, fortes diferenças de opinião no interior das Forças

Armadas a respeito de vários aspectos.” A contraposição entre a chamada “Linha

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Dura” e os “Castelistas” acentuava-se de maneira cada vez mais perceptível,

embora os governos militares no Brasil sempre foram de composição mista. Sendo

assim, podemos afirmar a alternância desses grupos na cúpula do poder?

O’Donnell, foi um dos primeiros a sugerir, no caso argentino, a existência de dois grandes eixos configurados em “duros” e “moderados”, divisão que também se aplica ao Brasil, ainda que deixe de fora um grande número de oficiais ideologicamente indefinidos. O’Donnell define os “duros” como aqueles que desejavam a perpetuidade do regime autoritário e acreditavam nessa possibilidade. Argumenta, em coincidência com nossos dados, que os “duros” também tinham divisões internas e que alguns adotavam essas posições extremas devido a razões oportunistas, preocupados exclusivamente com a sua sobrevivência em posições do poder, inclusive com o acesso a maneiras corruptas de enriquecimento pessoal, e não com objetivos políticos nacionais de longo prazo. [...] Seguindo nessa mesma direção, O’Donnell atribui uma certa racionalidade ao sistema militar, sugerindo que os “duros” teriam mais influência enquanto o regime estivesse funcionando, e que os “moderados” assumiriam o comando quando houvesse problemas requerendo uma atitude conciliatória. (SOARES, 1995, p.33-34, grifo nosso)

O governo Geisel que já havia reconhecido os resultados das eleições de 1974, e

declarado o fim da censura prévia, prosseguiu em sua estratégia de distensão. Era

preciso mostrar força governamental para controlar a cisão que se fazia notória

dentro das forças armadas, e garantir uma abertura controlada.

Em resposta ao avanço do MDB, foi idealizada pelo ministro da Justiça Armando

Falcão, em 01 de julho de 1976, a Lei nº 6339/767, conhecida como “Lei Falcão”,

que de acordo com o Art 1º,§ 1º, Inciso I, estabelece que “na propaganda, os

partidos limitar-se-ão a mencionar a legenda, o currículo e o número do registro dos

candidatos na Justiça Eleitoral, bem como a divulgar, pela televisão, suas

fotografias, podendo, ainda, anunciar o horário local dos comícios”. Essa Lei

representou mais um recuo no processo de abertura política, sendo uma reação aos

resultados da eleição de 1974, que, como já demonstrados, tiveram saldos positivos

para a oposição.

Após fechar o Congresso por quinze dias, Geisel decretou, em 13 de abril de 1977,

um conjunto de leis (emenda constitucional e seis decretos-Leis) que ficou

7 Disponível em: < http://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/103382/lei-falcao-lei-6339-76>. Acesso em: 03 ago. 2016

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conhecido como “Pacote de Abril”. Esse pacote mostrava nitidamente avanços e

recuos no processo de abertura. Entre os recuos desse pacote, estava a criação do

Senador Biônico, que consistia na eleição indireta de um terço do Senado. Uma

medida que buscava reverter os resultados das eleições de 1974 para o Senado

Federal.

Próximo ao final de seu mandato, em 13 de outubro de 1978, Geisel decretou o fim

do Ato Institucional nº 5 (AI-5), através da promulgação da emenda constitucional nº

11, restaurando o habeas corpus. Sem dúvida, a revogação do AI-5, foi uma grande

conquista no processo de transição política, porém não podemos deixar de frisar que

havia um salvaguarda na Emenda, onde os militares poderiam recorrer a qualquer

intervenção, caso decidissem ser necessários. Afinal, era preciso assegurar que o

projeto de abertura política, não saísse do controle dos militares.

2.3 PRESSÕES INTERNAS E EXTERNAS

O Presidente Geisel assume o governo num momento em que o chamado “milagre

econômico” apresentava claros sinais de esgotamento e o mundo vivia a crise do

petróleo. O Produto Interno Bruto (PIB) de 1974, cresceu pela metade em relação a

1973, e a inflação mais que duplicara. Economicamente, a situação estava sob uma

melindrosa linha, colocar o país no prumo econômico era um desafio que Geisel

teve que encarar e arrumar soluções para aprumar a economia brasileira. Ele

aplicou um II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND), procurando reorganizar a

economia e retomar o crescimento, e fez acordos econômicos e diplomáticos fora do

eixo de controle norte-americano, o que sem dúvida, não agradou aos Estados

Unidos.

Portanto, podemos afirmar que as pressões externas ocorreram em especial pelos

Estados Unidos (EUA), considerando que Geisel ao fazer um acordo nuclear com a

Alemanha Ocidental em maio de 1975, acabou por gerar uma crise internacional.

Com uma política de diplomacia independente, em plena Guerra Fria, Geisel

resolveu tomar atitudes que contrariavam os interesses de Washington, como:

reconhecer Angola como país independente, ex-colônia portuguesa que adotava

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regime comunista. Geisel também reconheceu a Organização para a Libertação da

Palestina, o que ia contra os planos geopolíticos de Israel, aliado dos norte-

americanos, e se aproximou da China.

O governo brasileiro passou a ser visto pelos estadunidenses como um aspirante na

concorrência da Indústria bélica, quando Geisel criou em julho de 1975, a Indústria

de Material Bélico do Brasil (Imbel). De acordo com Napolitano:

Os sinais de uma política externa autônoma e heterodoxa e, sobretudo, a suspeita de que o Brasil queria chegar à bomba atômica e se afirmar como uma potência com dinâmica própria na geopolítica mundial foram os grandes motivos de conflito com a administração de Jimmy Carter. No bojo, veio a crítica à violação dos direitos humanos por parte do governo Carter, tema central em sua diplomacia, isolando ainda mais o regime no plano internacional. O reconhecimento oficial dos EUA de que o Brasil não respeitava os direitos humanos somava-se à antiga campanha de exilados e da esquerda, marxista e católica, europeia nas denúncias de torturas e desaparecimentos. (2016, p. 253)

As pressões internas vieram de distintos movimentos sociais, unidos pela luta dos

direitos humanos, pela lei de anistia e pelo fim da ditadura. Apesar de reconhecer

que os militares não perderam o controle da situação política, nós não podemos

cometer o erro de atribuir uma onipotência aos militares no processo de abertura,

desconsiderando e omitindo as manifestações populares das décadas de 1970 e

1980, sendo inegável, nesse processo, a presença de formas não-armadas de luta,

o que podemos denominar de luta ou resistência democrática.

Araújo (2004) pontua oito atores políticos que foram essenciais na luta democrática

que se travou na segunda metade da década de 1970 e na primeira metade da

década de 1980, são eles: o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), o movimento

estudantil, a Igreja Católica, a imprensa alternativa, as associações de moradores,

as associações de profissionais liberais, o movimento sindical e os movimentos das

minorias políticas.

Napolitano (2016), reforça a afirmação de Araújo e acrescenta outros atores:

A partir de 1974, esboçou-se uma grande frente oposicionista formada por empresários, políticos liberais, políticos de esquerda, movimentos sociais, movimentos estudantis. Mesmo as organizações armadas de esquerda fizeram sua autocrítica e assumiram a “questão democrática” como sua

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plataforma. Esse frentismo durou até começo de 1980, implodido sintomaticamente quando a questão democrática encontrou a questão operária. A entrada desse novo e vigoroso ator na luta pela democracia assustou os liberais e autoritários, que aceleraram as articulações para uma saída negociada do regime. (2016, p. 248)

As eleições de 1974 passaram a ser um marco para a resistência democrática, uma

vez que boa parte da esquerda passou a apoiar ou participar do MDB, lançando

candidatos sob a legenda desse partido MDB, com exceção para a POLOP e o

Movimento de Emancipação do Proletariado (MEP), que mantiveram seu radicalismo

de esquerda, não aceitando congregar-se com os emedebistas.

O movimento estudantil merece um grande destaque na luta democrática. Depois de

sofrerem repressões violentas nas passeatas do ano de 1968 e da prisão de cerca

de setecentos estudantes no XXX Congresso da União Nacional dos Estudantes

(UNE) em Ibiúna, sul do Estado de São Paulo, em outubro de 1968, o movimento de

massas recuara. Com a UNE na ilegalidade desde 1966, bem como o fechamentos

das Uniões Estaduais Estudantis (UEEs), os centros acadêmicos e diretórios

estudantis, o movimento estudantil passou por uma fase de reorganização interna.

Os universitários e secundaristas mais radicais resolveram buscar na luta armada

um meio de combater o autoritarismo do regime militar; porém, com o fracasso da

ação armada –quando muitos jovens foram torturados, exilados, mortos,

desaparecidos –, era preciso buscar outro meio de resistência.

Araújo (2007, p. 336-337) ressalta que após 1974, “[...] o movimento estudantil

começou a viver um processo de reconstrução e revitalização”. Segundo a autora, o

movimento passa a atuar “em dois níveis: de um lado, na reconstrução de suas

entidades”, que seriam os diretórios, centros acadêmicos e a UNE; e, “de outro,

atuando na frente de luta pelas liberdades democráticas”. Essa luta espalhou-se

pelos universitários de todo o país. Os movimentos estudantis passaram a ser

dirigidos por “tendências políticas”, e estavam ligados aos principais partidos e

organizações de esquerda da época, todos em atividades clandestinas.

O ME levou o movimento político de volta às ruas em 1977, ganhando a simpatia da

população e o apoio de outros setores de oposição ao regime. Os estudantes

denunciavam prisões políticas, torturas e defendiam causas importantes, como a

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Campanha pela anistia. A grande vitória dos estudantes ocorreu em 1979, quando a

UNE foi recriada. O movimento se fortaleceu como ator radical na resistência

democrática.

A Igreja Católica, que em 1964 encampou a luta contra o governo de João Goulart,

apoiando o que foi considerada a “Revolução Democrática” feita pelos militares,

vendo-os como os salvadores que iriam livrar o Brasil do perigo comunista contra a

moral e a religião cristã, após uma década, levantou a bandeira de luta contra o

regime militar. É certo que algumas autoridades católicas, como o bispo D. Hélder

Câmara, em meados dos anos 1960, já haviam feito duras críticas ao autoritarismo

do governo, denunciando a violação dos direitos humanos, e mais tarde a Igreja

acabou por concordar que a ditadura militar deveria acabar. Perseguições a clérigos

estremeceram as relações entre a Igreja e o regime.

Segundo Angelo (2011, p. 136), a partir de 1974, a ala progressista voltou a assumir

o controle da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), “[...] fazendo com

que a instituição assumisse posições mais à esquerda, juntando-se à frente de

oposição à ditadura que se formava na época”. A igreja passou então a dar suporte

a movimentos sociais e “[...] atribuiu a si mesma um papel político e social [...]”,

defendendo uma profunda transformação na política do Brasil.

Em 1975, no episódio da morte do jornalista Vladimir Herzog nas dependências do

DOI em São Paulo, mencionado anteriormente neste capítulo, a Igreja promoveu um

culto ecumênico na Catedral da Sé, declarando abertamente que a barbárie do

governo deveria acabar. Destacou-se a liderança de D. Paulo Evaristo Arns, o qual,

mais tarde, em São Paulo, criaria a Comissão de Justiça e Paz na luta pelos Direitos

Humanos e coordenaria um trabalho de denúncias das atrocidades do governo

ditatorial, concretizando-se na publicação do livro Brasil: Nunca Mais, que traz

relatos de pessoas torturadas pelo regime de exceção e apresenta claramente a

violação dos direitos humanos pela ditadura militar.

Segundo Araújo (2004, p. 167), “[...] a Igreja Católica teve enorme papel na luta pela

defesa dos direitos humanos, principalmente por meio das Comunidades Eclesiais

de Base (CEBs) e as Pastorais”. Nesses órgãos, a Igreja levava aos seus membros

discussões sobre as condições de trabalho no campo e nas cidades, desde a classe

média aos moradores das favelas. Essa instituição acabava por garantir a discussão

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política nesses locais, em especial a atuação política dos grupos de esquerda. A

igreja passou encobrir a atuação da esquerda com discurso e denúncias contra o

regime e acobertar líderes populares, o que gerou a ira dos militares e civis de

direita.

Outro importante ator político característico da resistência democrática foram as

associações de moradores, tanto populares como de classe média. As associações

não se restringiam apenas à questão de moradia, criação de creches, violência

doméstica. Com a infiltração de grupos de esquerda, as associações se tornaram

muito politizadas. A Igreja Católica transformou-se em parceira nos movimentos dos

bairros e favelas, cedendo sedes para os encontros e discussões e apoiando os

projetos sociais de tais associações.

As associações de profissionais liberais também tiveram importante papel na

resistência democrática, destacando-se na denúncia de crimes e autoritarismo do

regime. Podemos citar: o Sindicato dos professores, a Ordem dos Advogados dos

Brasil (OAB), o Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB), o Sindicato dos Médicos e a

Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Interessante observar que as associações

que antes apoiaram o golpe, como a OAB e a ABI, na década de 1970 passaram a

lutar com a oposição para derrubar a ditadura instaurada a partir de 1964.

De acordo com Ângelo (2011, p. 141), “[...] da mesma forma que a OAB, uma das

principais preocupações da ABI na fase inicial da ditadura, foi defender seus

membros da repressão, e não lutar pelo retorno à democracia”. Após a morte de

Herzog, tanto a OAB como a ABI tomaram uma postura mais austera e passaram a

compor o grupo de oposição ao regime.

Interessante notar que a Igreja, a classe média, a OAB e a ABI, assim como os ex-

guerrilheiros, segundo Ângelo (2012, p. 183) “[...] buscavam legitimar suas posições

presentes, por meio da releitura e do esquecimento das ações anteriores”, ou seja,

queriam reconstruir o passado durante o processo de abertura política e desejavam

ser associados e lembrados apenas pela luta de uma nova ordem política contra a

ditadura, luta esta que começaram a travar cerca de uma década após o golpe.

Mas é preciso tomar cuidado com a valorização excessiva do papel da sociedade civil no processo de “abertura” e não subestimar os efeitos dessa

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nova cultura democrática, apesar de suas fragilidades programáticas e ideológicas. O conceito de sociedade civil, que se consagrou nos anos de 1970, como lugar da democracia em si mesma contra um Estado autoritário pelo simples fato de ser Estado, é problemático. Essa visão obscureceu as íntimas conexões do autoritarismo do regime no tecido social, ao mesmo tempo em que serviu de álibi para muitos aliados civis do regime serem absolvidos diante da história, pois se colocavam sob o epíteto vago de membros da “sociedade civil”. (NAPOLITANO, 2016, p. 249 [grifo nosso])

Araújo (2007, p. 340) enfatiza a participação da imprensa alternativa na luta pela

democracia. Segundo a autora, “[...] a imprensa alternativa foi um fenômeno típico

do período de resistência e luta democrática contra a ditadura militar”. Tratavam-se

de tabloides de tiragem irregular, vendidos em bancas ou de circulação restrita,

sendo todos de oposição.

Havia aqueles mais intelectuais, que enfatizavam as análises políticas e econômicas. Entre os mais importantes estavam: Pasquim, Opinião, Movimento, Em Tempo, O Companheiro, Versus. Havia também jornais feministas, como Brasil Mulher, Nós Mulheres e Mulherio; jornais do movimento negro, como Sinba, Tição, Coisa de Crioulo e, jornais ligados ao movimento gay, como O Lampião. Por mais diferentes que fossem suas linhas editoriais, esses jornais ajudaram a criar uma opinião pública antiditadura, a disseminar uma cultura de esquerda, com padrões de comportamento e pensamento marcados por valores de esquerda (ARAUJO, 2007, p. 339-340).

Nos anos de 1978 e 1979, o país passou por uma grande mobilização do movimento

sindical na região industrial metropolitana de São Paulo: Santo André, São Bernardo

do Campo e São Caetano do Sul (ABC paulista), onde milhares de metalúrgicos

desafiaram a legislação antigreve do regime e se mobilizaram, sob a liderança de

Luís Inácio da Silva, o Lula. Era a volta do movimento operário e sindical, que ficou

conhecido como o “Novo Sindicalismo” e que passou a colocar em sua pauta de

discussão as arbitrariedades cometidas pelo governo militar.

Araújo (2007) destaca, na conjuntura da resistência democrática, os movimentos de

minorias políticas, como os movimentos feministas, o Movimento Negro Unificado

(MNU) e o movimento gay em prol da liberdade de opção sexual. Apesar de esses

movimentos lançarem jornais que abordavam assuntos específicos de suas

vivências, tais grupos não deixaram de dialogar com as esquerdas e denunciar os

crimes da ditadura militar.

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Portanto, formou-se uma ampla frente na luta democrática contra o regime militar na

década de 1970. Tais forças unificaram-se em duas grandes campanhas nacionais:

a campanha pela anistia e a campanha Diretas Já. Infelizmente, nenhuma delas

logrou o sucesso almejado.

A campanha pela anistia, já invocada desde de 1975, mas que tomou força em 1977

e 1978, era organizada pelo Movimento Feminino pela Anistia (MFPA) e pelo Comitê

Brasileiro pela Anistia (CBA), e se espalhou por vários estados do Brasil. O

movimento alcançou também os exilados no exterior, e Lisboa e Paris passaram a

sediar Comitês de defesa da anistia no Brasil. Segundo Rollemberg (1999), formou-

se o Tribunal Bertrand Russell II, por iniciativa do jurista, professor e senador italiano

do Partido Socialista Independente Lelio Basso, que tinha o objetivo de trazer à

opinião pública a verdade dos acontecimentos da ditadura no Brasil, fazendo

emergir um esclarecimento que viria levantar debates sobre as condições dos

exilados e presos políticos, bem como o fim da ditadura no Brasil e na América

Latina. O Tribunal Russell II serviu para reforçar a luta pela anistia em âmbito

internacional.

A campanha pela anistia levantava a bandeira de uma anistia “ampla, geral e

irrestrita”. Porém, a Lei de Anistia nº 6.6838, sancionada em 28 de agosto de 1979,

no Governo do presidente-general João Baptista Oliveira de Figueiredo, não atendeu

ao apelo do movimento. Conforme Araújo (2007, p. 345), “[...] ficavam de fora

aqueles que tinham sido condenados pelo crime de “[...] terrorismo, assalto,

sequestro”, ou seja, muitos militantes da esquerda armada”.

Não era a anistia sonhada pelos familiares de presos políticos, de mortos e de

desaparecidos, dos militantes de esquerda, dos exilados, dos movimentos

estudantil, sindicalista, artístico, feminista, associações de profissionais liberais e

vários outros segmentos que se empenharam na campanha. Entretanto, os

brasileiros receberam com festa os exilados que começaram a chegar a partir de

outubro de 1979.

Reforçamos ainda, que junto com essas forças internas expostas acima, os visíveis

sinais de divisão dentro das Forças Armadas no segundo semestre de 1976, como

dito anteriormente, apresentados a partir da morte do jornalista Vladimir Herzog e do 8 Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6683.htm>. Acesso em: 29 jun. 2016.

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operário Manuel Fiel Filho, nos porões do Doi-Codi, em São Paulo. Fatos esses

realizados pelos que queriam acirrar o autoritarismo contra os que defendiam a volta

dos militares aos quartéis e a instalação de medidas democratizantes. O General e

Ministro do Exército Sylvio Frota tentou um golpe contra o governo de Geisel,

quando buscou se firmar como candidato à Presidência em outubro de 1977; o

contragolpe veio quando Geisel demitiu Frota e mudou o comando de 22 batalhões

de Infantaria. Nesse contexto, havia uma nítida ruptura entre os militares. Era hora

de Geisel agir com pulso firme e tomar uma decisão quanto a institucionalização do

regime e a abertura política. O presidente optou pela transição, e assumiu um

enfrentamento contra os chamados “duros”, que seriam da ala que não aceitavam a

distensão.

A abertura política anunciada pelo governo Geisel, foi controlada pelos militares até

a década de 1980, quando houve a abertura consensuada do regime. Segundo

Napolitano (2016, p. 234) “a pressão das ruas talvez tenha sido o elo perdido e

esquecido entre a tímida distensão de 1974 e a efetiva agenda de abertura em

1978”.

Porém, essa afirmação de Napolitano merece certa análise, sendo importante ser

discutido: qual a importância da resistência democrática para a transição política

brasileira? Ou seja, qual o seu papel na abertura política? Realmente ela pressionou

os militares para acelerar sua agenda de abertura?

Essas são questões polêmicas. Muitos historiadores defendem que esses

movimentos que compuseram a resistência democrática serviram para acelerar a

abertura política; ou mesmo para alargar os limites impostos pelos projetos militares.

Não podemos ser incautos em dizer que esses movimentos que compuseram a

resistência democrática não tiveram sua importância. Eles fizeram parte de um

momento muito delicado e decisivo da história brasileira e romperam barreiras ao

retornarem às ruas. Porém, é certo que esses movimentos que lutavam pela lei de

anistia (especificamente MFPA, CBA, ME), pela eleição direta para presidente e o

fim da ditadura, não conseguiram de imediato seu intento.

Defendemos a ideia de que a resistência democrática, pressionou a abertura, mas

não alterou o controle dos militares sobre o projeto: eles fizeram a Lei de

Anistia/1979 (que não contemplava os anseios sociais, pois isentava os militares dos

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crimes contra os direitos humanos, e deixava de fora vários presos políticos,

enquadrados em “crimes de sangue”); e a campanha “Diretas Já”, foi derrotada na

votação parlamentar de 25 de abril de 1984. E tudo aconteceu no tempo e de

acordo com o planejamento dos militares, visto que Geisel e Figueiredo cumpriram

na íntegra seus mandatos, e as leis feitas nesses governos atendiam os interesses

protecionistas sobre os militares, garantindo que não sofreriam nenhuma sanção no

processo de transição ou abertura política.

É difícil reconhecer que a resistência democrática desses grupos não conseguiu a

ruptura política da maneira que tanto ansiava. Ela apresentou certa pressão, que

pode ter acelerado o rumo de alguns acontecimentos, no entanto, a cultura política

conciliatória e autoritária da história brasileira, impunha-se novamente.

[...] foi uma transição política. Os líderes da oposição sabiam que só podiam passar a um regime aberto com a cooperação dos militares. Poderia haver futuras tentativas de reabrir a questão, especialmente por parte daqueles mais próximos das vítimas da tortura. Mas por enquanto os políticos brasileiros receberam uma lição, para o melhor ou o pior, sobre a arte da “conciliação.” (SKIDMORE, 1991, p.426)

Por outro lado, não podemos afirmar que a resistência democrática não serviu para

nada, isso seria uma afronta e uma visão muito limitada desse processo. É óbvio

que ela teve sua relevância e grande importância no papel histórico da construção

da cidadania. Só que sua maior contribuição pode ser percebida no processo de

organização e elaboração da Constituição de 1988.

Mas nem tudo saiu conforme planejado. Diferentemente das experiências constituintes anteriores, em que setores sociais estavam silenciados ou desorganizados, 1985 representava o ápice de um processo de retomada do espaço público pela sociedade. As campanhas pela Anistia e pelas “Diretas Já” propiciaram o reflorescimento da sociedade civil, obrigando a Comissão de Notáveis a dialogar com um contingente social que demandava direitos e exigia ser ouvido. [...] O regimento interno autorizava a participação popular direta. Emendas ao anteprojeto poderiam ser apresentadas por coletivos de 30 mil cidadãos, desde que propostas por pelo menos três entidades sociais representativas. Por meio deste mecanismo, 122 emendas foram levadas à votação. A despeito da aversão do regime pela participação popular, o povo foi ouvido e se fez presente no texto final, apelidado, pelo deputado Ulysses Guimarães, de “Constituição Cidadã”. (TORELLY, 2015, p.40)

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A organização dos movimentos sociais resultantes da resistência democrática,

iniciada na segunda metade da década de 1970, teve seu ápice na Constituição de

1988, quando a sociedade pode, finalmente, fazer valer sua luta pela democracia.

Essa constituição foi a única lei magna brasileira com genuína participação popular,

embora alguns parlamentares conservadores ainda tivessem seu vínculo com as

sombras da ditadura e tenham deixado um legado ditatorial permeando as leis

constitucionais, como veremos adiante.

Após a análise feita neste capítulo, podemos contestar a afirmação de Gaspari

(2014b, p.35) que quando Geisel assumiu “havia uma ditadura sem ditador. No fim

do seu governo, havia um ditador sem ditadura”. Seria correto simplificar tanto assim

esse período histórico? E em que ponto de seu governo, Geisel não assumiu uma

postura ditatorial? Em nenhum momento. E ele tinha um governo democrático no

final de sua gestão? A resposta é não.

Ainda hoje prevaleça a percepção de que Geisel passou para a história como o

presidente da distensão, mesmo que controlada, e deu início a negociada transição

política, que culminou na passagem do poder aos civis, em março de 1985, com a

garantia de que não haveriam quaisquer punições aos militares devido os crimes

cometidos durante os anos de ditadura. Mas será que ele foi o presidente

“moderado”, que só queria redemocratizar o Brasil? Seria ele realmente o herói da

transição?

2.4 DO AUTORITARISMO À DEMOCRACIA: VERDADES E UTOPIAS

Muitas são as análises sobre o regime constituído pós-1964, porém entendemos que

autoritarismo seja a forma mais adequada de conceituá-lo. Observemos as

definições de regimes autoritários de Juan Linz:

Sistemas políticos com: pluralismo limitado, não responsável, sem ideologia orientadora, mas com mentalidades distintas, sem mobilização política extensiva ou intensiva, exceto em alguns pontos de seu desenvolvimento, e no qual um líder ou, ocasionalmente um pequeno grupo exerce o poder dentro de limites formalmente mal definidos, mas, na realidade, bem previsíveis (1980, p. 121).

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No entanto, para aprimorar sua definição, Linz denomina de “regimes autoritários

burocrático-militares” para o caso do Brasil:

Regimes autoritários, onde uma coalização, na qual oficiais das Forças Armadas e burocratas ocupam uma posição predominante, mas não detêm poder exclusivo, estabelece o controle do governo excluindo ou incluindo outros grupos sem se comprometer com uma ideologia específica, agindo pragmaticamente dentro dos limites se sua mentalidade burocrática e sem criar ou permitir um partido único de massa desempenhasse um papel dominante. (LINZ, 1980, p.149)

Não resta dúvida que o Brasil viveu entre 1964 a 1985 uma ditadura militar e

consequentemente autoritária; embora seja inegável a participação de burocratas e

altos executivos, que apesar de alguns denominarem de “regime executivo-

ditatorial”, é conhecido que a última palavra, em quaisquer assuntos

governamentais, era dada pela alta cúpula militar, por isso usamos a definição de

ditaddra militar e um regime militar de governo autoritário, conforme explicado no

início deste capítulo. Eles, os militares, decidiam em última instância, os rumos

educacional, cultural, social, político e econômico da nação. Tanto que no processo

de transição política brasileira, notamos o rígido controle dos milicos até os mesmos

passarem o poder para os civis e retornarem aos quartéis.

No caso brasileiro, o processo transitório foi desencadeando-se de forma gradual,

intensificando-se quando o presidente Geisel afastou o Ministro do Exército, Sylvio

Frota (1977), e colocou essa pasta sob a autoridade da Presidência da República;

além do mais, foi o único presidente do ciclo dos militares a conseguir fazer o seu

sucessor, o General João Baptista Figueiredo, que era seu ministro-chefe do Serviço

Nacional de Informação (SNI), mesmo contra toda a oposição da “Linha Dura”.

Nessa altura, Geisel enfrentou todos os riscos dessa ruptura e levou o governo rumo

à abertura totalmente conduzida e negociada com os civis, que seria concretizado

na administração do seu sucessor. Nesse contexto a distensão não era mais

sinônimo de liberalização e institucionalização, mas sim de abertura política

consensuada.

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[...] Castelo evitou a ruptura, e a “linha dura” ascendeu ao poder contra seus compromissos públicos, suas convicções e as preferências nacionais; Geisel aceitou os riscos da ruptura e empurrou a abertura mesmo contra as decisões do grupo “duro” que, naquele momento, tinha os seus grandes núcleos no ministro do Exército, Silvio Frota, e na comunidade de informações. O episódio Frota foi o ponto culminante no conflito entre Geisel e os “duros”. Frota era o ministro do Exército quando ocorreram as mortes Herzog e Fiel nas dependências do II Exército, o que levou o presidente a tomar medidas disciplinares severas. (SOARES, 1995, p.32)

Portanto, no início do mandato do presidente Geisel, entendemos a distensão como

a institucionalização do regime, ou seja, tomar medidas liberalizantes, dando certa

elasticidade aos civis, mas sem deixá-los no controle das instituições, procurando

com isso amenizar a repressão e o descontentamento social. Porém a partir de

meados de seu mandato, a distensão passou a ser sinônimo de abertura política ou

transição política (negociada e consensuada). No fim das contas, para o setor

“castelista” dos militares, a institucionalização traria o equilíbrio para o

desenvolvimento econômico e a segurança do país e, com isso, os militares teriam

cumprido seu papel, afastando as ameaças comunistas, garantindo a ordem e a

modernização do país, e poderiam voltar aos quartéis. Portanto, a institucionalização

do regime militar seria o caminho para a abertura.

Os militares pretendiam aplicar o que o Presidente Geisel chamou de “democracia

relativa”:

A meta global da política de distensão era concluir a institucionalização do Estado de Segurança Nacional e criar uma representação política mais flexível, de modo a abaixar os níveis de dissensão e tensão que haviam tornado muito fortes as tensões as “pressões”. O resultado final do sistema político a ser desenvolvido constituiria o que o presidente Geisel chamou de “democracia relativa” ou “democracia forte”. Neste modelo de democracia relativa, o Estado disporia, pela Constituição, de salvaguardas e poderes repressivos de emergência para suspender os direitos individuais e governar por decreto sempre que se manifestasse ameaça direta da contestação organizada. (ALVES, 1989, p. 180)

As salvaguardas foram garantidas na emenda constitucional de nº 119, de 13 de

outubro de 1978, especialmente no Capítulo V: “Das Medidas de Emergência, do

Estado de Sítio e do Estado de Emergência”, que estabeleciam que o governo

9 Emenda na íntegra, disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Emendas/Emc_anterior1988/emc11-78.htm>. Acesso em 30 de out. 2017.

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impetrasse medidas coercitivas. Essa emenda passou a vigorar em 1º de janeiro de

1979, e apesar do governo ter revogado Atos Institucionais, ou seja, os atos de

exceção, aquela assegurava aos militares poder interferir no processo de abertura

política, caso algo saísse dos seus planos.

Na hipótese de decretação ou de prorrogação do Estado de Emergência, a decisão presidencial é meramente comunicada ao Congresso, cindo dias depois de tomada pelo chefe de governo. O Legislativo, nesse caso, passa a ser um mero expectador da aplicação de um dos mais violentos remédios para preservação das instituições existentes em todo o ordenamento constitucional [...] o presidente tem a mais ampla autonomia para decretar o Estado de Emergência, posto que não se encontra tolhido de qualquer modo pelos demais poderes da República [...] A consulta ao conselho Constitucional é meramente formal. (LEWANDOWSKI, 1984, p. 158)

Diante do exposto, podemos concluir que a transição de poder dos militares para os

civis, foi articulada para que ocorresse de maneira pacífica, resultando numa

negociação repleta de garantias e salvaguardas. A ideia de uma aliança para uma

abertura negociada e pacífica com os civis, desenrolou-se ao longo do governo do

general Geisel, surgindo a chamada “transição democrática” brasileira, que envolveu

vários movimentos sociais e, culminou na entrega do governo aos civis.

Novamente recorremos a um exemplo dessa política moderada e conciliatória, que

foi a Lei de Anistia de agosto de 1979, decretada já no início do governo do General

João Baptista Figueiredo, demonstrou que os militares não seriam punidos pelos

anos de repressão que efetuaram em nome do governo militar, sairiam impunes

todos os torturadores; era a garantia da salvaguarda que tanto os militares queriam

no processo de abertura.

Importante ressaltar que quando o processo de transição política se encerra, com a

posse de José Sarney em 1985 (devido a morte do presidente eleito indiretamente

de Tancredo Neves, anunciada em 21 de abril de 1985), não se inicia aí de imediato

a democracia tão sonhada pelos brasileiros. Para que isso aconteça depende de um

processo de mudança na cultura política, algo que obviamente trará profundas

mudanças sociais:

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A construção da democracia, não é uma decorrência natural do fim do autoritarismo [...] as sociedades que saíram da ditadura e querem ser democráticas têm que se transformar em alguns ou em vários sentidos para chegarem a ser democracias modernas. (MOISÉS, 1990, p.119)

Engana-se quem defende que essa redemocratização acontece de forma

automática, isso não passa de uma utopia. Percebemos que pode haver transição

de poderes, sem haver uma plena e real democratização do regime do governo, seja

de ditadura militar para ditadura civil, ou de ditadura militar para governos civis.

Constatamos que na transição política da ditadura militar brasileira para a

“democracia civil”, ocorrida oficialmente em 1985, é notório uma carência latente de

uma democracia plena que atenda aos anseios da sociedade. Em nosso país,

verificamos uma passagem da ditadura militar para a democracia civil, através de

uma transição que foi negociada pelas elites do país. Diante disso, observamos que

todo o sistema posterior se organizou para atender aos anseios políticos e

econômicos dessa elite.

Segundo Safatle (2014, p. 36) “na contramão das democracias, o Brasil ignora seus

crimes contra a humanidade amparado em Lei de Anistia ilegal e ilegítima”. E ao

analisarmos essa questão, esse fato antidemocrático agrava-se devido a Lei de

Anistia no Brasil, ser perpetuada pela “incapacidade de construir uma repulsa

coletiva visível à ditadura”.

É notório que a democracia brasileira é incompleta, pois a cidadania plena está

longe de ser atingida por milhões de brasileiros. Podemos constatar, que a cultura

política autoritária e conciliatória ainda é a protagonista de nossa história política.

Para se atingir a democracia moderna, é necessário que a sociedade passe por uma

processo de transformação em sua cultura política, não basta apenas o fim da

ditadura, o fim da censura ou eleições diretas com sufrágio obrigatório, e

infelizmente, o Brasil está longe de ter uma real transformação em sua cultura

política.

É justamente esse quadro incompleto da democracia brasileira, que procuramos

discutir, ao expor todo o processo de transição política iniciada no final do governo

do General Ernesto Geisel e concretizada no governo do General João Batista

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Figueiredo, assinalando que as análises de transições democráticas tem sérios

problemas empíricos e conceituais.

Verificamos que ao assumir o governo em março de 1985, através de eleições

indiretas, os civis, mantiveram uma política controladora, concedendo algumas

liberdades ao povo, sem permitir ao mesmo, todos os direitos que teriam mediante

uma democracia dita moderna. O povo brasileiro passou pela transição, com um

certo desencanto, pois a eleição presidencial foi indireta, o presidente Tancredo

Neves eleito, morreu antes de assumir, e o governo foi entregue ao vice José

Sarney, que era um preposto do regime militar. A euforia do Plano Cruzado, logo foi

substituída por uma decepcionante realidade mediante a crise econômica. O sonho

democrático brasileiro passou a dar lugar ao descrédito.

Como citado anteriormente, o autoritarismo e a presença dos militares, ainda é

notória em nossa sociedade. Os brasileiros vêem os militares como símbolo de

autoridade e segurança, é uma das instituições mais queridas e respeitada pelos

brasileiros. No caso de reforço na segurança pública, a convocação do Exército é

sempre vista com bons olhos pela grande maioria da população. Não é de se

estranhar que na Constituição de 1988 haja resquícios da ditadura, sem isso que

seja questionado pela população brasileira.

Mesmo nossas leis constitucionais continuaram permeadas pelo legado ditatorial. O Brasil foi capaz de legalizar o golpe de Estado em sua Constituição de 1988. No artigo 142, as Forças Armadas são descritas como “garantidoras dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.” Ou seja, poderemos ver situações nas quais, por exemplo, o presidente do Senado pede a intervenção militar em garantia da lei (mas qual?, sob qual interpretação?) e da ordem (social?, moral?, jurídica?) para legalizar constitucionalmente ações arbitrárias. (SATAFALE, 2014, p.39)

Há muito pra se lutar e conquistar na política brasileira, para que alcancemos um

Estado de Direito que realmente se aproxime dos anseios do povo, dando ao

mesmo as condições básicas de cidadania, e a vivência de uma democracia plena.

Por enquanto, continuamos vivendo uma democracia anêmica, que está em marcha

lenta e muitas vezes estagnada rumo a uma democratização de fato. Os constantes

escândalos de corrupção política, a falta de aplicação de recursos públicos em

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elementos básicos da sociedade, como saúde, segurança, educação e transporte,

tem trazido um desgosto popular e uma descrença no governo.

Se formos voltar ao conceito original de democracia oriundo da Grécia antiga: “um

governo que emana do povo, pelo povo e para o povo”, constataremos que o Brasil

peca e não consegue exercer um governo direcionado de fato aos anseios

populares.

Podemos ainda citar uma fala de Geisel em uma entrevista em Brasília a jornalistas

franceses, em 02/05/1977: “A democracia, em sentido absoluto, não existe. Todas

as coisas no mundo, exceto Deus, são relativas.”

Após essa visão sobre o autoritarismo e sobre uma democracia capenga que

persiste na atualidade brasileira, temos que reconhecer o desconhecimento histórico

que leva as forças armadas serem queridas pelos brasileiros e muitas vezes vistas

como solução de salvação política. Com isso, constatamos que a processo de

retirada dos militares do poder e seu recolhimento aos quartéis, logrou o êxito

esperado: saíram impunes, sem nenhum julgamento, mantiveram suas patentes e

respeito perante a sociedade brasileira.

Sem dúvida, Ernesto Geisel, que acabou articulando a abertura conciliada, foi um

presidente complexo, de contradições, que trouxe uma nova dinâmica ao regime

militar:

Anticomunista convicto, foi o primeiro a reconhecer o governo comunista de Angola, em 1975. Mandatário de um regime acusado de ser braço do imperialismo estadunidense, entrou em conflito com o “grande irmão do Norte” por conta do acordo nuclear com a Alemanha e por causa dos direitos humanos. Abusou da censura para controlar a oposição, mas patrocinou uma política cultural que beneficiou muitos artistas que era notoriamente contra o regime. Essas políticas, longe de serem expressões de um governo hesitante ou indefinido, inscrevem-se em uma estratégia clara de reforçar a autoridade do Estado e, consequentemente, dotar o regime e o governo de instrumentos para conduzir a transição para o governo civil com mão de ferro. (NAPOLITANO, 2016, p.236)

Interessante frisar a afirmação de Napolitano, de que Geisel não foi um governo

indefinido ou hesitante, mas traçou uma estratégia de reforçar a autoridade do

governo para o processo de transição. Portanto, essas aparentes contradições, bem

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como, as demais medidas tomadas em seu mandato, acabaram por fazer parte de

um plano claro de condução à abertura lenta, gradual e segura.

Ao analisar o processo que acabou levando o governo Geisel, da intenção de uma

institucionalização do regime para uma transição conciliatória, negociada ou

pactuada com a elite econômica, indaga-se: Porquê, apesar da política de abertura e

transição, os órgãos de vigilância nas Universidades continuaram atuando de forma

tão assídua? Essa questão pode ser respondida considerando o seguinte: durante o

governo Geisel, as ASIs agiam de maneira frenética dentro dos campi, sendo

compreensível, uma vez que essas Assessorias se aperfeiçoaram e puderam ter

uma melhor organização com o passar do tempo. Outra coisa que podemos colocar

é, que a partir do momento que se abranda a repressão, aumenta-se a vigilância.

Deduzir isso é algo aparentemente óbvio, mas em história, precisamos ter

argumentos pautados em fontes documentais. Considerando isso, discutiremos tais

pontos, buscando comprová-los através da explanação e de documentos analisados

nos próximos capítulos.

2.5 A MEMÓRIA CONSTRUÍDA: GEISEL, O PRESIDENTE DA “ABERTURA”?

Depois de tudo que aqui foi exposto, torna-se intrigante constatar que Geisel passou

a ser lembrado pela memória nacional como o presidente da “abertura política” ou

da “transição política”, conforme estampado na capa do Jornal Folha de São Paulo,

em 13 de setembro de 1996, um dia após sua morte: “Geisel, que fez a abertura,

morre aos 88 anos”. Na ocasião de sua morte, o então presidente Fernando

Henrique Cardoso (FHC) e o vice-presidente Marco Maciel, divulgaram notas oficiais

sobre o assunto:

FHC disse que Geisel “marcou sua presença política no empenho pelo fim da repressão e da democratização do Brasil, na ótica que que parecia mais adequada”. Maciel foi bem mais enfático. Segundo ele, a vida pública do presidente foi “um incontestável tributo à restauração democrática” (Folha de São Paulo, 13/09/1996, p. 5)

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É nítida a exaltação da figura de Geisel ao fim da ditadura e a volta da democracia

no Brasil. Na mesma edição da Folha de São Paulo (13/09/1996, p. 6), Thomas

Skdimore, um brasilianista, afirmou sobre Geisel: “Será lembrado como o soldado

austero que deu outra chance para a democracia.” Podemos entender a nítida

perspectiva de exaltar a imagem política do ex-presidente, como um militar de pulso

forte, que impôs a democracia sobre a parcela dos militares que não aceitavam a

abertura política.

Interessante notar que outro importante veículo jornalístico brasileiro, o jornal O

Globo, trouxe reportagens de exaltação ao ex-presidente Geisel, na sua edição

matutina, do dia 13 de setembro de 1996, onde destacamos na matéria de capa:

“Morre Geisel, o patrono da distensão”; logo seguem reportagens com as seguintes

manchetes: “A morte do pai da distensão lenta, gradual e segura.” (p.13); e na

página subsequente, outra matéria: “O general que matou a ditadura no país:

Quando Ernesto Geisel deixou Brasília, o AI-5 não existia mais. Sua política de

distensão lenta, gradual e segura triunfara” (p.14).

O Jornal do Brasil, de 13 de setembro de 1996, trouxe na capa a seguinte manchete:

“Morre Ernesto Geisel, o ditador da abertura”. Esse foi o Jornal que publicou a maior

reportagem sobre Geisel (nove páginas), relatando a morte, a vida pública, toda a

sua carreira militar e política (detalhando às áreas da política interna, externa,

economia e repressão durante seu mandato presidencial), e assinalou algumas

coisas de sua vida privada, além de publicarem depoimentos de historiadores

(Skidmore e Dreyfus) e políticos, que enalteciam a imagem Geisel. No chamada da

capa, o Jornal acrescenta:

Governou o Brasil de 1974 a 1979 e passou ao sucessor um país liberto dos traços essenciais da ditadura: desestabilizou os aparelhos de tortura de presos políticos, abrandou a Lei de Segurança Nacional, eliminou a censura à imprensa e revogou o Ato Institucional nª 5, o instrumento do poder arbitrário. Usou o arbítrio, porém, quando julgou conveniente. (JORNAL DO BRASIL, 13 set. 1996, capa)

Apesar da chamada jornalística da capa, o Jornal do Brasil foi o único entre os

citados, a relatar as medidas autoritárias de Geisel frente à Presidência da

República, entre os quais destacou: o fechamento do Congresso, cassação de

mandatos políticos, relatando através de textos e de um gráfico linear, os

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movimentos de contradição entre repressão e distensão do seu governo. Na página

3 da edição de 13 de setembro de 1996, lê-se a manchete: “A face cruel do ditador:

Geisel conduziu a abertura usando o ato de ditadura para cassar mandatos”. Apesar

do Jornal abordar os dois lados do Governo Geisel, no término da reportagem, cita

que “Nos planos de Geisel, estava aplainando o caminho para a distensão que se

faria no ano seguinte”; e enfatizam: “Sua conquista foi desmantelar o terror militar”.

Portanto, no fim a figura do presidente da abertura, acabou por abolir Geisel de

todos os seus atos autoritários.

É perceptível em todas as reportagens citadas, que a imagem do presidente Geisel

como o responsável pelo fim da ditadura e pela redemocratização brasileira, foi

sendo construída e culminou no acolhimento de tal memória pela mídia que a

transpassou para a sociedade, que em sua maioria adotou essa “verdade” como

parte da memória coletiva da nação. Como essa memória foi construída, é uma

questão que merece um estudo detalhado, que não é um tema que pretendo

desenvolver nesse trabalho, pois apenas necessito, neste momento, analisar a

memória resultante dessa construção.

Silva (2014), analisa a imprensa brasileira e a memória do golpe, e não poupa

palavras ao criticar a imprensa como manipuladora:

A grande imprensa, ao mesmo tempo que teve um papel ativo no processo de transição, assumiu o discurso dos ditadores ao defender uma ruptura entre passado e presente, alegando a necessidade de esquecimento coletivo como condição para a construção de um futuro próspero. Esquecer a ditadura seria condição para construir uma “nova nação”. [...] Os meios de comunicação constroem versões edulcoradas sobre o que foi a ditadura, em sintonia com a visão construída pelos militares que propõem sua própria “visão de golpe”. Ao considerarmos os meios de comunicação como lugares de representação de interesses concretos de seus proprietários, anunciantes e intelectuais, percebemos que sua atuação não fica restrita a um estrato ideológico, mas que se amplia, tornando o discurso uma ação concreta, política e social. Por isso, seu papel de construir versões sobre a história e interferir na memória coletiva é uma questão a ser levada em conta, sobretudo em temática de tal relevância como é o caso da Ditadura. (SILVA, 2014, p.195-194)

Não podemos ser displicentes a ponto de não reconhecer que o governo de Geisel

teve papel de destaque no projeto de abertura política, porém, enfatizamos que ao

assumir o poder, não era bem esse tipo de política que o presidente Geisel tinha em

mente, na verdade, como mencionamos anteriormente, a intenção inicial era a

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institucionalização do regime e uma distensão liberalizante. Em seu breve discurso

de posse, em 15 de março de 197410, Geisel fala sobre o projeto de

desenvolvimento e de modernização da economia, exalta a “Revolução” de 1964,

bem como, o governo de seus antecessores.

[...] Eis aí a tônica que trouxe ao país a Revolução de 64, que breve completará um decênio criador e que não se esvaiu em promessas vãs, antes demonstrou, com realidades e com números, a que veio realmente, através de obra fecunda que ora ostenta aos olhos todos do mundo. Natural é, portanto, que ela dramaticamente nascida, como tinha de ser, de um dissenso dilacerador e profundo, enfume agora velas de esperança a um futuro, mais promissor ainda, de generoso consenso nacional em torno do decidido e magnífico propósito da criação de um Estado, próspero, soberano e justo – O Brasil dos nossos filhos. O Brasil dos nossos netos. (Folha de São Paulo, 16/03/1974, p. 3)

Na sequência de seu discurso, Geisel traça ávidos elogios aos “presidentes

revolucionários” que o antecederam: Médici, Castelo Branco e Costa e Silva. Em

momento algum de sua fala, Geisel menciona a questão da democracia ou

abrandamento da repressão. Ao contrário, exalta a política governamental do

governo ditatorial. A “abertura negociada” acabará ocorrendo ao longo de seu

governo, no acompanhamento do contexto histórico que irá se desenrolar. No

entanto, como dito anteriormente, a planejamento inicial do governo Geisel era

institucionalizar o regime, e não preparar caminho para entregá-lo aos civis, pois de

acordo com a visão que apresenta em seu discurso, os militares conseguiram

cumprir suas promessas, impetraram desenvolvimento e segurança ao país, motivo

pelo qual, poderia levar o país a um futuro mais promissor ainda.

Mas como, diante desses fatos, a figura de Geisel é associada ao contexto de

abertura política e democratização? Para tanto, de acordo com a análise conceitual

da memória e da história do tempo presente feita na introdução desse trabalho,

podemos compreender o uso político do passado, que muitas vezes é construído de

maneira a satisfazer certos setores da sociedade. Usando teoria conceitual, notamos

que a História do Tempo Presente revitalizou e abrigou um amplo movimento de

renovação historiográfica, com ampliação de fontes, interdisciplinaridade, a nova

história política, a diversidade temática, a valorização da história oral e a relação

dialética entre memória e história.

10 Discurso na íntegra, ver: Folha de São Paulo, de 16 de março de 1974, p. 3.

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Seixas (2004, p. 39, grifos da autora) tece o seguinte comentário em relação à

memória-história:

Recentemente, a partir do início da década de 80, a historiografia vem afirmando noção diversa; ela toma consciência de que a relação memória-história é mais uma relação de conflito e oposição do que de complementaridade, ao mesmo tempo – aqui se inscreve a novidade da crítica – em que coloca a história como senhora da memória, produtora de memórias.

Essa construção da memória histórica é um assunto essencial a ser abordado nos

trabalhos historiográficos, que pretendem analisar a história oficializada, ou seja, a

história que se tornou nacional, a partir das memórias, com o objetivo de confrontar

as distintas fontes de memórias e observar as confirmações, os esquecimentos, as

contradições, os silêncios e as possíveis distorções que possam vir apresentar. O

que importa é incluir tais ocorrências em uma reflexão mais ampla, questionando o

porquê das memórias diferirem uma das outras a respeito de um mesmo

acontecimento histórico e as razões e em que medida isso contribui para a formação

qualitativa da história.

O historiador francês Pierre Nora, sofreu a influência da sociologia de Halbwachs e

elaborou a teoria de divisão e oposição entre memória e história:

Nora retoma e apropria-se das ideias básicas de Halbwachs – a oposição que estabelece entre memória individual e memória coletiva e, sobretudo, entre memória coletiva e história. À memória coletiva, Halbswachs confere o atributo de atividade natural, espontânea, desinteressada e seletiva, que guarda do passado apenas o que lhe possa ser útil para criar um elo entre o presente e o passado, ao contrário da história, que constitui um processo interessado, político e, portanto, manipulador. A memória coletiva, sendo, sobretudo, oral e afetiva, pulveriza-se em uma multiplicidade de narrativas; a história é uma atividade da escrita, organizando e unificando numa totalidade sistematizada as diferenças e lacunas. Enfim, a história começa seu percurso justamente no ponto onde se detém a memória coletiva. [...] Pierre Nora as oporá mais radicalmente. Afirma que é impossível, hoje, operar-se uma distinção clara entre memória coletiva e memória histórica, pois a primeira passa necessariamente pela história, é filtrada por ela [...] (SEIXAS, 2004, p. 40, grifos da autora).

Expondo uma reflexão entre história e memória, notamos que a memória não

escapa ilesa aos procedimentos historiográficos, que na verdade faz um processo

de seleção, retirando dela o que podemos chamar de história oficial, que passará a

dominar a memória coletiva. Nessa perspectiva, toda a memória coletiva passa a ser

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deturpada pela problematização e sistematização histórica, que escreve a memória

a partir de sua interpretação intelectual e crítica. A memória é vista como uma

tradição vivida, a história, como uma representação interessada e seletiva do

passado. Seixas (2004, p. 41), analisando o pensamento de Nora, chega a afirmar

que “[...] a memória encontra-se prisioneira da história ou encurralada nos domínios

do privado e do íntimo, transformou-se em objeto e trama da história, em memória

historicizada”, termologia esta, utilizada por Nora.

Nora (1993) defende que na atualidade foram criados os lugares da memória, que

podem ser material (museus, cemitérios, monumentos, arquivos, bandeiras e outros)

simbólico (rituais, aniversários, funerais, celebrações) e funcional (manuais,

testamentos, associações). Para o autor, os lugares de memória existem porque não

há mais meios de memória, e são nesses lugares que a memória de cristaliza e se

refugia. A história transporta a memória, e nesse transporte há uma seleção, com

discurso intelectual e laicizante, que muitas vezes a torna limitada e incompleta.

[...] A historiografia inevitavelmente ingressada em sua era epistemológica, fecha definitivamente a era da identidade, a memória inelutavelmente tragada pela história, não existe mais um homem-memória, em si mesmo, mas um lugar de memória. (NORA, 1993, p.21).

Nora discute a problemática dos lugares entre a memória e a história.

Memória, história: longe de serem sinônimos, tomamos consciência que tudo opõe uma à outra. A memória é vida, sempre carregada por grupos vivos e, nesse sentido, ela está em permanente evolução, aberta à dialética da lembrança e do esquecimento, inconsciente de suas deformações sucessivas, vulnerável a todos os usos e manipulações, susceptível de latência e de repentinas revitalizações. A história é a reconstrução sempre problemática e incompleta do que não existe mais. A memória é um fenômeno sempre atual, um elo vivido no eterno presente, a história, uma representação do passado. [...] A memória se enraíza no concreto, no espaço, no gesto, na imagem, no objeto. A história só se liga às continuidades temporais, às evoluções e às relações das coisas. A memória é um absoluto e a história só conhece o relativo. (NORA, 1993, p.09).

Com esse pensamento, Nora contrapõe história e memória, apresentando uma visão

bem pessimista da história. Ele coloca a história como um instrumento de

deslegitimação do passado, a anulação do que realmente aconteceu. O autor nos

leva a refletir esse antagonismo entre história e memória usando afirmações

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instigantes, como “[...] a lâmina entre a árvore da memória e a casca da história”

(1993, p.10); “Na mistura, é a memória que dita e a história que escreve” (1993, p.

24); “a memória pendura-se em lugares, como a história em acontecimentos” (1993,

p.25). Em contrapartida, devemos ressaltar que Nora afirma que na sociedade atual

há uma necessidade por se compreender historicamente, por isso o historiador

acaba se tornando uma figura central nessa sociedade arrancada de sua memória

pela magnitude de suas mudanças: “o historiador é aquele que impede a história de

ser somente história” (1993, p. 21).

Nora, vê o historiador como um algoz, que utiliza a memória como um objeto de seu

pensamento político e social. No entanto, temos que levar em consideração, que a

função do historiador é escrever a história, e a memória é apenas um dos

instrumentos para isso, uma vez que nos baseamos em uma pluralidade de fontes

para embasar nossos argumentos.

Para Le Goff, a memória alimenta a história e cabe aos profissionais científicos da

memória lutarem prioritariamente pela democratização da memória social em suas

pesquisas científicas.

A memória, na qual cresce a história, que por sua vez a alimenta, procura salvar o passado para servir ao presente e ao futuro. Devemos trabalhar de forma que a memória coletiva sirva para a libertação e não para a servidão dos homens. (LE GOFF, 2012, p.457)

Hartog (2014) também traz à discussão a história e a memória, dizendo que cabe ao

historiador definir o modo como o passado vai ressurgir no presente.

O importante é, inicialmente, o entre: posicionar-se entre história e memória, não opô-las, nem confundí-las, mas servir-lhe de uma e de outra. Apelar a memória para renovar e ampliar o campo da história contemporânea. [...] Decorre disso a abertura de um novo campo: o de uma história da memória. [...] Contra a história, Péguy invoca resolutamente a memória. Contra o sacrossanto método histórico, ele escolhe Hugo e Michelet. Em Clio, ele opõe a história “essencialmente longitudinal” à memória “essencialmente vertical”. A história “passa ao longo”, diz, que dizer, “ao lado”, enquanto “a memória consiste, antes de tudo, por estar ligada ao acontecimento, em não sair dele, em ficar e em fazer o caminho inverso de dentro. [...] No fim das contas, para retomar seu vocabulário, a história é “inscrição”, enquanto a memória é “rememoração.” Estamos em plena contestação do regime moderno de historicidade. (HARTOG, 2014, p.161; 167)

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Rousso é um historiador francês que analisa a “história da memória”, defendendo

ser esta um excelente exercício para o historiador.

Portanto, a história da memória é um excelente exercício crítico – e um exercício permanente – sobre o próprio ofício do historiador, muito diferente de qualquer pretensão à normatividade. Ela permite resistir a essa outra ilusão nefasta que consiste em acreditar que os historiadores são os depositários da verdade histórica: ao recolocar a história erudita simplesmente em seu lugar, ao ser forçado a reconhecer que nenhum historiador jamais escapa às indagações de seu tempo, inclusive quando escreve uma história da memória – como se vê pela escolha dos temas mais frequentemente estudados nessa nova tendência historiográfica -, ele reafirma energicamente que a história do presente sobretudo àqueles que a viveram e que ela é um patrimônio comum que cabe ao historiador exumar e tornar inteligível a seus contemporâneos. (ROUSSO, 2006, p.98)

Rousso concorda com Halbwachs que o passado nunca corresponde a de um

indivíduo sozinho, mas de alguém que está inserido num grupo social e nacional.

Segundo o Rousso (2006, p. 94) “A memória, no sentido básico do termo, é a

presença do passado” e portanto, “é uma reconstrução psíquica e intelectual que

acarreta de fato uma representação seletiva do passado.”

Quanto a discussão de história e memória, vale ressaltar o ponto de vista de Rousso

(2000, p.97), que afirma que o fato de se escrever uma história de memória significa

“que se ultrapassa essa oposição sumária entre história e memória, pois isso

equivale a admitir que a memória tem uma história que é preciso compreender.”

Portanto, para ele considera ultrapassada a questão ritual das diferenças entre

história e memória, com base no seguinte argumento:

Primeiro porque é hoje pacífico (ou assim esperamos) que opor de um lado a reconstrução historiográfica do passado, com seus métodos, sua distância, sua pretensa cientificidade, e de outro as reconstruções múltiplas feitas pelos indivíduos ou grupos faz tão pouco sentido quanto opor o “mito” à “realidade”. A tarefa do historiador é pois dupla. Por um lado, e essa é uma exigência fundamental, cumpre-lhes satisfazer a necessidade de estabelecer ou restabelecer verdades históricas, com base em fontes de informação tão diversas quanto possível, a fim de descrever a configuração de um fato ou a estrutura perene de um prática social, de um partido político, de uma nação ou mesmo, hoje em dia, de um entidade continental (pensamos aqui em novas histórias da Europa), em suma, fazer uma história positiva, ainda que seja ilusão descrever ou explicar “o que realmente aconteceu”. Por outro lado, com métodos e questionamentos diferentes, eles têm que expor e explicar a evolução das representações do passado, como sempre se tentou escrever a história dos mitos e das

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tradições que são as formas mais evidentes da presença do passado. (ROUSSO, 2006, p.96)

Ao analisarmos os contrapontos expostos sobre a história e a memória, observamos

que a história demarca um tempo cronológico, enquanto a memória não demarca

tempo na história. A memória alimenta a história, que a seleciona e a utiliza de

acordo com os questionamentos de seu tempo e espaço.

A memória é um objeto complexo, utilizado por vários campos científicos e ela pode

ser usada de diferentes formas para evocar o passado. No entanto, não podemos

ser ingênuos no estudo de documentos, monumentos, arquivos e memórias, uma

vez que não existe um objeto inócuo. A memória não é imutável e não é neutra, ela

é sempre seletiva e pode ser utilizada como objeto de poder.

Tais percepções nos permitem chegar às seguintes reflexões: as fontes escritas e as

memórias que utilizamos em nossas pesquisas fazem parte da coletividade e

carregam consigo visões que sofrem as intempéries do tempo, das ideologias, das

lutas e das conjunturas sociais pelas quais passaram. Isso nos leva a diferentes

visões, interpretações e representações sobre o mesmo fato histórico.

Por isso a importância de ter toda a cautela e habilidade para nortear a pesquisa nos

moldes das memórias, que muitas vezes tornam-se oficiais, representando na

verdade uma história defendida por determinado grupo ou classe, que busca

perpetuar seu poder por meio de representações e reconstruções da realidade

histórica, segundo seus interesses, o que nos leva a considerar que a memória é a

representação de poder. Diante dessa afirmação chega-se à conclusão de que há

uma luta de classes quanto ao domínio e introdução de uma memória coletiva.

Enfim, como afirma Huyssen (2000, p.37): “A memória é sempre transitória,

notoriamente não confiável e passível de esquecimento; em suma, ela é humana e

social.” Portanto, sempre sujeita a constantes mudanças.

Como relatamos na introdução desta tese, a memória pode ser seletiva, distorcida,

dividida, negativa, positiva ou subterrânea, isso depende de quem as narra; e é

necessário a utilização de métodos históricos interpretativos e investigativos para

lidarmos com ela. Porém, algo deve ser sempre o foco do historiador: não podemos

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embarcar na onda memorialista com uma visão sacralizada; sem que a mesma

possa ser questionada.

No caso de nossa análise a respeito do caso da figura do presidente Geisel, a

memória coletiva é utilizada como, afirma Le Goff (2012) como “um instrumento e

um objeto de poder”; algo reforçado por Huyssen (2000) que aplica regularmente a

expressão de “política da memória”, utilizada por governos para defender seus

interesses. Ao averiguarmos que a memória é sempre construída e reconstruída,

não havendo memória genuína, não é de se espantar que muitas vezes a memória

oficializada e aceita pela maioria da população seja seletiva e não total.

Portanto, associar Geisel ao presidente de abertura ou da transição democrática é

generalizar todo o seu governo. O presidente Geisel, não tinha a intenção inicial,

como constatado em seus discursos (alguns trechos citados ao longo deste

trabalho), de entregar de imediato o governo aos civis. Então, podemos afirmar dois

momentos do governo Geisel, um primeiro momento, onde ele procura

institucionalizar o regime; e um segundo momento, a partir de 1978, quando se abre

para uma transição conciliatória e negociada, garantindo as salvaguardas para os

militares.

É indiscutível, porém, que a partir de 1978, começamos a notar uma política de

distensão do governo Geisel, porém, distensão está ligado a liberalização e não

democratização, conforme a citação abaixo:

A distensão proposta pelo presidente Geisel incluía várias medidas de liberalização, mas a democratização que o país experimentou foi além, em extensão e rapidez, da preconizada pelos seus mentores. Essa diferenciação entre liberalização e democratização é importante e, nesse sentido, a contribuição de O’Donnell e Schmitter é fundamental. Liberalização seria a proteção de indivíduos e grupos contra o arbítrio do Estado ou de outros grupos. Como dizem aqueles autores, no nível individual, essas garantias incluem elementos clássicos da tradição liberal: o habeas-corpus; a inviolabilidade residencial e da correspondência; o direito de defesa num tribunal justo e imparcial, de acordo com leis pré-estabelecidas; as liberdades de imprensa, de expressão, de petição, de associação e assim por diante. No nível grupar, esses direitos cobrem ainda garantias como as de que não haverá punição contra expressões de dissídio e dissensão coletivos em relação a políticas governamentais. A democratização mais elementar, por sua vez, implica na possibilidade real de transferência de poder. As duas não são iguais: O México é um exemplo extremo, onde encontramos, ao longo de décadas, ampla liberalização, mas uma democracia quase nula. A democratização, assim como a liberalização, são um contínuo, ou seja, variam: no Brasil, a democratização é obviamente

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incompleta no sentido de que a cidadania plena, conceito básico da democracia, está longe de ser atingida por dezenas de milhões de brasileiros. (SOARES, 1995, p. 13)

Essa colocação de Soares (1995), gera uma série de polêmicas e reflexões a

respeito do processo de redemocratização ou transição democrática brasileira, uma

vez que nos leva a questionar, que o fato do poder governamental ter passado das

mãos dos militares para os civis, não é garantia de uma democracia plena. Soares

analisando Thomas Bruneau (1995, p.26), sublinha “certo grau de consenso e

unidade tem existido entre as elites brasileiras, mas baseado na oposição à entrada

das massas. É um consenso antidemocrático.”

Portanto, a distensão que Geisel começa a se referir em seu governo, nada mais era

que medidas liberalizantes e controle do “porão”, ou seja, os radicais da “Linha

dura”, sua verdadeira intenção inicial, era institucionalizar o regime militar. Ele

governou até o fim de seu mandato com medidas arbitrárias e trabalhou para uma lei

de anistia, promulgada pelo seu sucessor, que foi a demonstração inequívoca de

que a abertura estava totalmente controlada pelos militares. Claro que não era a

anistia pedida e sonhada pelos vários setores populares e pelas Comitês pela

Anistia espalhadas pelos estados brasileiros e países como Portugal e França.

Assinada pelo último general-presidente, João Figueiredo, a lei [de anistia] foi antecedida por uma campanha popular que se iniciou em 1975, a partir do reclamo de mulheres e mães de exilados. A campanha assumiu um tom esperançoso, alastrou-se pelo Brasil sob o lema “anistia ampla, geral e irrestrita”, mas o governo militar via a questão sob outro ponto de vista: no contexto da abertura, a anistia deveria servir para eximir os militares de responsabilidades quanto à repressão e permitir a volta de lideranças políticas que, no Brasil, criariam novos partidos, enfraquecendo o até então único partido de oposição, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB). O projeto de lei foi enviado ao Congresso Nacional em 1979 e as negociações parlamentares resultaram em um tipo de pacto, segundo o qual a anistia aos exilados políticos era concedida em troca do perdão aos crimes da repressão. (FICO, 2013, p.246)

Outro demonstrativo de força dos militares no processo de transição, foi a derrota

na Câmara dos Deputados, por 22 votos, da Emenda Dante de Oliveira (PEC nº

05/1993), em 25 de abril de 1984, que propunha eleições diretas para Presidente.

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Antes da votação o país envolveu-se numa Campanha conhecida como “Diretas Já”,

que levou milhões de brasileiros às ruas, porém, nem a pressão popular, de

intelectuais, artistas, partidos contrários ao regime, foi capaz de deter a sequência

do projeto de abertura dos militares, ou seja, lenta e gradual, primeiro fim do AI-5 em

1978, promulgação da Lei de Anistia em 1979 e, eleição indireta em 1984, onde o

presidente civil seria escolhido por um colégio eleitoral majoritariamente adeptos ao

governo militar e ao pacto firmado para a abertura.

Apesar de Geisel ter negociado a abertura, não podemos aceitar apenas a memória

de “presidente da abertura”, pois seria generalizar sua administração,

desconsiderando as medidas de recuos, os desaparecimentos, as mortes, a

vigilância política (inclusive nas universidades), a censura e as punições aos que

discordavam do governo, as cassações políticas, o fechamento do Congresso. Seria

injusto apagar mais da metade de seus cinco anos de governo presidencial em prol

dos últimos anos de abertura. Claro que não podemos ser levianos e tirar o mérito

de Geisel encarar parte da chamada “linha dura” para conseguir seu intento, nem

que ele tenha conseguido uma abertura negociada, que beneficiariam todos os

militares. Mas ter uma visão geral de um presidente que sempre lutou pela plena

abertura política, seria negligenciar muitos fatos da história de seu governo

autoritário.

2.5.1 GEISEL COMO “O SACERDOTE”

A “reabilitação” da imagem de Geisel foi intensificado no início da década de 2000.

Nessa época, o jornalista e escritor ítalo-brasileiro Elio Gaspari começou a publicar

os primeiros livros de uma série que tinha como pano de fundo a ditadura militar

brasileira, tendo como protagonistas Ernesto Geisel e seu ministro chefe da Casa

Civil Golbery do Couto e Silva, que são chamados pelo autor, respectivamente, de

“sacerdote” e “feiticeiro”.

Vale ressaltar que Golbery foi um dos principais teóricos da Doutrina de Segurança

Nacional e um dos criadores do Serviço Nacional de Informação (SNI). Ele

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comandou uma verdadeira “caçada às bruxas” nos anos anos iniciais da ditadura

militar. Também foi apelidado de "O Bruxo" por sua notável capacidade de

articulação e inteligência, e chamado de o "Mago da Abertura" por parte da imprensa

brasileira. Diante desses “atributos” recebeu o pseudônimo “feiticeiro”, nas obras de

Gaspari.

Durante os anos do Governo Geisel, Golbery retorna a vida política, após ter

presidido de 1968 a 1973 a filial brasileira da empresa norte-americana Dow

Chemical. Tornou-se Chefe da Civil até 1981 (quando saiu definitivamente da

política) e passou a ser responsável por redigir grande parte dos discursos de

Geisel. Mas o presidente sempre fazia supressões e acréscimos aos mesmos,

utilizando expressões como “distensão política” e evitando enaltecer os sacrifícios e

inauditos esforços dos agentes da segurança interna, em desacordo com a visão de

Golbery. No entanto, apesar de discordar, o “feiticeiro” sabia que o “Sacerdote”

mandava.

Como jornalista, durante os anos 1970, Gaspari trabalhou na cobertura do cotidiano

político-administrativo do Palácio do Planalto. Nesse período, manteve uma relação

próxima com Golbery do Couto e Silva e Heitor Aquino Ferreira, um dos principais

assessores do ministro Golbery. Anos depois, ambos cederam ao jornalista acesso

privilegiado a documentos oficiais, agendas pessoais, áudios e documentos dos

órgãos da Comunidade de Informação. Ademais, com as controvérsias em relação

ao acesso privilegiado do autor às fontes documentais, o jornalista reuniu, ainda,

inúmeras horas de entrevistas com os dois personagens centrais de seus livros:

Ernesto Geisel e Golbery do Couto e Silva. Esse acesso a tais informações

documentais e entrevistas, permitiu ao autor criar uma série de cinco livros, que

estariam entre os mais vendidos da área. De posse desse material, Elio Gaspari,

reconstruiu os episódios mais importantes da ditadura militar brasileira. Aliás, nos

anos seguintes, essas publicações se tornaram referência obrigatória entre os

especialistas da temática e, ao mesmo tempo, um sucesso editorial.

Na obra que inaugurou a coleção, A Ditadura Envergonhada, o autor concentrou

seus esforços em apresentar o panorama político dos principais acontecimentos que

marcaram os anos iniciais da ditadura. Já A Ditadura Escancarada, volume 2, enfoca

os acontecimentos a partir da edição do Ato Institucional nº 5, em 1968. Como foi

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dito, o autor reproduziu diálogos até então inéditos sobre a reunião entre o

presidente Costa e Silva (1967-1969) e seus ministros para debater os termos da

medida. A partir de gravações da discussão, chamada de “missa negra” pelo autor,

essa reunião culminou no mais notório dos atos institucionais. Esses dois primeiros

volumes, fazem parte da coleção “As ilusões armadas”, que em geral trata do

período compreendido entre o golpe civil-militar que gerou a deposição do

presidente João Goulart, em 1964, e a aniquilação da guerrilha do Araguaia, em

1973.

Pouco depois, o autor lançou os livros que analisaram os principais acontecimentos

do governo do General Geisel. São eles o livro A Ditadura Derrotada, volume 3, de

2003, e A Ditadura Encurralada, volume 4, lançado em 2004. Estes volumes

compõem a coleção “O Sacerdote e o Feiticeiro”. Como o nome da coleção indica,

as obras abordam questões sobre as biografias de Geisel e Golbery, desde suas

origens familiares, suas carreiras militares e políticas.

Os principais acontecimentos do governo de Ernesto Geisel (1974-1979) foram o

tema central de A Ditadura Encurralada, quarta obra da série. Os desdobramentos

das eleições de 1974, com expressiva vitória do MDB, são tratados no início do livro.

Outro tema analisado foram os desencontros nas relações entre o governo Geisel e

a nova política de direitos humanos de Jimmy Carter (1977-1981), na época,

ocupando o cargo de presidente dos Estados Unidos. Conforme Fagundes (2018),

neste livro, Gaspari aponta uma constante hesitação de Geisel em continuar com a

abertura e manter a ordem no país, o que para o autor justificaria a continuidade de

um sistema ditatorial durante o governo.

Outro ponto de destaque nesse volume são os episódios que marcaram os

assassinatos do jornalista e diretor da TV Cultura Vladimir Herzog e do metalúrgico

Manoel Fiel Filho, respectivamente em outubro de 1975 e janeiro de 1976, nas

dependências do DOI-CODI de São Paulo. O autor indica que a repercussão

negativa, sobretudo da morte de Herzog, foi um evento determinante para definir o

enfrentamento entre Ernesto Geisel e a chamada “linha-dura”.

Frota chegou ao gabinete de Geisel e, antes que pudesse falar, viu o presidente bater várias vezes na mesa com a mão direita espalmada:

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“Merda! Merda! Vocês querem criar um problema! Eu não quero ser ditador! A ser ditador, que seja um de vocês!”. (GASPARI, 2014b, v.4, p.189)

Geisel exigia que fosse aberto um inquérito destinado a investigar a morte de

Herzog, contrariando as ordens do general Sylvio Frota – ministro do Exército e

postulante a sucessor presidencial, e também de Figueiredo, que defendiam o

anonimato dos torturadores. Segundo Gaspari (2014b, v.4, p.189), o inquérito não se

destinava a apurar as causas determinantes da morte do preso da cela especial nº

1, mas “as circunstâncias em que ocorreu o suicídio do jornalista Vladimir Herzog.”

A demissão do general Sylvio Frota foi narrada pelo autor como uma verdadeira

disputa de xadrez: lance a lance. Para Gaspari, a vitória ou, melhor dizendo, o

xeque-mate de Geisel na disputa contra os frotistas foi fundamental para definir a

sucessão presidencial – com a escolha do general João Baptista Figueiredo como

candidato do Palácio do Planalto. Afinal, era necessário culpar alguém pelos

assassinatos políticos, que o presidente alegava não ter conhecimento, e, ao mesmo

tempo, para garantir o ritmo da distensão política.

O autor também apresentou os efeitos da chamada “Lei Falcão” e do “Pacote de

Abril”, respectivamente, em 1976 e 1977. A Lei nº 63339/76, mais conhecida como

“Lei Falcão” – uma alusão a Armando Falcão, Ministro da Justiça da época – foi uma

manobra do governo Geisel para impedir o crescimento eleitoral do MDB. Ainda

sobre o impacto da massiva votação da oposição, nas eleições de 1974, essa

mudança nas regras eleitorais pretendia limitar o acesso à propaganda eleitoral

gratuita no rádio e na televisão.

Em 1977, o governo militar enviou uma série de propostas de reformas para

aprovação no Congresso Nacional. Entretanto, os membros do Poder Legislativo

reagiram às tentativas do governo militar em aprovar tais reformas. Diante dos

impasses com o Congresso Nacional, em 1º de abril de 1977, através do Ato

Complementar n.º 102, o governo militar colocou o Congresso Nacional em recesso.

O general Geisel baixou ainda uma série de atos constitucionais e decretos-lei que

ficaram genericamente conhecidos como “Pacote de Abril”. Essas medidas

significaram a imposição das almejadas reformas políticas e judiciárias.

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As duas medidas pretendiam frear o crescimento eleitoral da oposição no

parlamento e retomar o controle sobre o Poder Legislativo. Entretanto, se no campo

institucional a cúpula do Governo Geisel obteve êxito, como destaca Elio Gaspari, o

mesmo não ocorreu em relação a outros setores da oposição, em especial, os

militantes estudantis.

As manifestações estudantis de 1977 são outro tema abordado pelo autor. Para

tratar desses acontecimentos protagonizados pelos estudantes, Elio Gaspari

dedicou um capítulo inteiro às manifestações estudantis. Com o sugestivo título “A

geração de 1977 vai para a rua”, esse trecho apresentou as reações do governo

Geisel à radicalização das manifestações da oposição. Como salienta o autor,

surpreendidos pelas manifestações de maio de 1977, os militares intensificaram o

acompanhamento do chamado “problema estudantil”. A Universidade de São Paulo

iniciou um movimento que que levou 10 mil, estudantes às ruas, onde foram

aclamados pela população. A mobilização irradiou-se por Brasília, Rio de Janeiro,

Salvador, Belo Horizonte e Porto Alegre. Segundo Gaspari (2014, v.4, 405p.), o

governo não utilizou o Decreto 477, de 1969, que “permitia a expulsão dos alunos

envolvidos em atividades políticas”, os ministros usaram outra tática: “o ministro da

educação, Ney Braga, foi televisão pedir “paz” aos estudantes. Armando Falcão

determinou aos governadores que tomassem “medidas preventivas, apropriadas e

efetivas”, com a finalidade de impedir a realização de manifestações contra o

governo.

Mas os estudantes não paravam diante das pressões, dos de cortes de verbas para

realizações de eventos científicos, como o de o governo sabotar a reunião anual da

Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), negando subsídios e

apoio logístico. Reitores. Pelo governo considerar parte dos trabalhos aprovados de

cunho político e contestatório, muitas Instituições proibiram professores de enviar

trabalhos a Sociedade. No entanto, com o apoio da Igreja Católica, dos estudantes

e apoio financeiro de populares, a reunião realizou-se, e a SBPC demonstrou a

vitalidade acadêmica do país.

O Estado ouvia o grito das ruas, e isso causou incômodo, gerando bloqueios

policiais às manifestações e detenções. Para os militares, as mobilizações

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estudantis de 1977, relembravam 1968, e era visível que queriam reabilitar a UNE.

O governo não poderia perder o controle da situação, era preciso agir:

[...] O governo tinha de um lado a radicalização da UnB e, de outro, a possível realização, em Belo Horizonte, do Encontro Nacional de Estudantes. O problema de Minas Gerais foi resolvido em 348 detenções e o bloqueio das estradas que levavam à cidade. O de Brasília foi agravado com a invasão da universidade por uma tropa de 2 mil PMs. A essa altura haviam sido detidos cerca de oitocentos estudantes, e paralisadas s atividades den três das maiores universidades públicas do país (Unb, UFRJ e USP), além de duas grandes escolas católicas (as PUC do Rio de de São Paulo). (GASPARI, 2014b, v.4, p.419)

A repressão só serviu para radicalizar o movimento dos estudantes, o número nas

ruas aumentaram, em menos de um mês as manifestações mobilizaram cerca de 50

mil jovens em diversas cidades; e os estudantes levantaram a bandeira da anistia e

da volta ao estado de direito.

De acordo com Fagundes (2018), esses volumes da obra de Elio Gaspari tiveram

como efeito a consolidação da abordagem que enfatizou o papel dos militares,

especialmente no período de Geisel, como moderadores da transição política

brasileira. Nesse aspecto, os livros serviram para enfatizar o protagonismo dos

militares na condução da “Abertura”. O presidente Geisel e Golbery são apontados

como os defensores da distensão política, com enfrentamento direto aos militares

que se opunham a tal decisão. Insistentemente o autor cita Geisel contrapondo-se

ao título de ditador e a continuidade do governo ditatorial dos militares, o que pode

ser observado na seguinte citação de uma conversa com o general Dale Coutinho

em 1974:

GEISEL: Inclusive, Coutinho, vamos pôr a mão na consciência. O nosso Exército não tem condição de durar numa ditadura? Com os nossos homens? Porque os nossos homens, dentro do Exército tem muita gente boa, mas também tem muita gente que não presta. Você sabe muito bem disso, tem de tudo. [...] O Exército pode manter uma ditadura? Eu acho que o Exército pode manter uma ditadura, mas não a longo prazo. Não dura. Outro setor onde a Revolução não conseguiu fazer nada é que está aí, continua a mesma porcaria, é a justiça. (GASPARI, 2014a, v.3, p.314)

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Mas há muitas contradições quanto a isso, pois ao mesmo tempo que Geisel não

quer ser o ditador, ele não abre mão de instrumentos que lhe outorgam tais poderes:

Eu não abro mão do Ato 5. O Ato 5 é um cajado. Eu sou besta de abrir mão desse negócio? Eu sei lá o que que vem. Como essa história de abertura e descompressão. Ah, eu sou um sujeito profundamente democrático. Toda a minha vida eu fui. Eu sempre fui um homem muito simples, despido de coisas, e cansei de ir com minha mulher fazer compra na feira. Agora, não sou nenhum burro de amanhã fazer uma vasta abertura, fingir aí uma democracia e depois ter que recuar dois, três, quatro passos. Eu não vou recuar. [...] Seria uma beleza eu chegar: não há mais censura, e agora o troço é vontade, e a Câmara voto como quer e não sei o quê. E no dia seguinte está o estudante fazendo bagunça na rua, está o padre fazendo meeting, estão não sei o quê. Não aconteceu isso com Costa e Silva? Quer dizer, o Castello fez uma Constituição, convencido de que aquilo era para valer, o Costa e Silva na sua boa intenção quis cumprir, e dali a pouco estava a esculhambação aí. Os estudantes foram inclusive apedrejar e pintar lá o Tribunal Militar. Então eu não vou voltar para trás. [...] (GASPARI, 2014a, v.3, p.315)

Nessa citação Geisel deixa claro sua intenção: promoveria aos poucos a abertura,

sem abdicar de seus atributos ditatoriais, para manter a ordem no país e evitar a

balbúrdia popular. A distensão seria negociada e consensual, sob as regras

militares; era mais uma vez a demonstração de nossa cultura política autoritária.

Depois do sucesso editorial e dos prêmios dos primeiros livros sobre a ditadura

militar, foi preciso esperar doze anos para que o jornalista Elio Gaspari publicasse,

em 2016, o quinto volume da série. Na primeira parte do livro, intitulado A Ditadura

Acabada, o autor retoma a narrativa sobre as articulações de Geisel e Golbery para

garantir o controle sobre a sucessão presidencial, o ritmo da abertura e as

manifestações hostis da “tigrada” 11.

O tom geral de A Ditadura Acabada, como nas obras anteriores, foi acentuar o

protagonismo do projeto de distensão de Geisel. Tanto que, ao longo do livro, são

utilizados vários sinônimos – “descompressão”, “distensão” e “abertura” – para

demarcar o papel dos militares no controle do ritmo e da velocidade dos

acontecimentos. Fata este inegável, pois a cúpula militar, juntamente com grandes

empresários brasileiros, colocaram em prática a velha cultura política brasileira de

conciliação, quando controlou e ditou o ritmo do processo de transição política.

11Termo empregado pelo autor para denominar os integrantes dos órgãos de repressão política.

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Para o autor, a aprovação da Lei da Anistia, o retorno dos exilados, o

pluripartidarismo, as eleições de 1982 e, finalmente, a entrega do poder aos civis,

em 1985, foram ações conduzidas de maneira “linear” e “cadenciada” pelos

militares. Utilizando um termo recorrente do autor, Geisel e seus comandados

souberam controlar a “calibragem” da transição política. Em outras palavras, o

projeto de distensão de Geisel se transformou na abertura política executada pelo

general Figueiredo.

Mesmo enfatizando o caráter “militar” do projeto de abertura dos militares, o autor

também reservou um capítulo da Parte I de A Ditadura Acabada para abordar a

campanha pela anistia. Nesse capítulo, com o título “A Anistia”, foram destacados

alguns aspectos da campanha pela anistia, especialmente as atividades do MFPA e

de Therezinha Zerbine sua fundadora. A preocupação com as atividades das CBA’s

e a situação dos exilados políticos, que poderia arranhar a imagem do país no

exterior, também foram destacados no trecho. Apesar disso, o movimento pela

anistia foi apresentado como mais um “obstáculo” ao projeto de “Abertura” de Geisel.

Em outras partes do livro, o autor apresentou os principais acontecimentos

econômicos e políticos que marcaram o governo do general Figueiredo. São

destacados, ainda, os acontecimentos que levaram à saída de Golbery no governo,

em 1981. Os últimos momentos da ditadura, como a campanha pelas Diretas Já e a

“construção de Tancredo” na disputa no colégio eleitoral, em 1985, são os temas

que encerram o livro.

Em suma, as obras de Elio Gaspari consolidaram uma narrativa que enfatizou o

protagonismo dos militares no comando da transição democrática. Como salienta

NAPOLITANO (2014), na atualidade, as narrativas que destacam os militares,

especialmente o ex-presidente Ernesto Geisel, como os grandes condutores da

“abertura” são as mais aceitas, por exemplo, entre os setores liberais e da grande

imprensa.

Apresentadas essas perspectivas sobre esse momento da ditadura militar, cabe

agora uma interrogação: qual a opinião dos ex-militantes dos movimentos pela

Anistia, dos ex-presos políticos, dos familiares de mortos e desaparecidos sobre

essa temática?

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Geisel, foi realmente o “sacerdote da abertura”? A imagem de Geisel acabou sendo

revitalizada por Gaspari, dando ao mesmo uma credibilidade um tanto questionada.

Geisel queria institucionalizar o regime e acabou conduzindo a abertura de maneira

controlada, sem que respingasse sangue nos militares e nos tecnocratas do

governo, obedecendo a todo o planejamento previamente definido.

Na obra de Gaspariana, onde Geisel ganha o pseudônimo de “Sacerdote” e Golbery

de "Feiticeiro", o autor pretende demonstrar que os dois fizeram, desfizeram e

fizeram de novo a Democracia no Brasil, e isso os tornam os “mocinhos” que

formularam a transição política. Isso é, no mínimo, superestimação dos fatos.

2.5.2 GEISEL SABIA DE TUDO

Para contrapor a imagem de Geisel como salvador ou resgatador da democracia

brasileira, após 02 anos do lançamento do último livro de Elio Gaspari, o Brasil teve

um reencontro, com essa personagem, que é uma das mais controversas da sua

história recente ou do tempo presente. Em em 10 de maio de 2018, Matias Spektor,

pesquisador e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV/SP), divulgou numa rede

social um memorando proveniente do Departamento de Estado dos Estados Unidos

(EUA). O autor do documento foi William Colby, diretor da Agência Central de

Inteligência (CIA).

O memorando de seis parágrafos confirma que assassinato era política de Estado

durante a ditadura, inclusive com anuência dos presidentes.

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Reprodução: Document 99. Memorandum From Director of Central Intelligence Colby to Secretary of State Kissinger. Foreign Relations of the United States, 1969–1976, Volume E–11, Part 2, Documents on South America, 1973–1976.Disponível em: <https://history.state.gov/historicaldocuments/frus1969-76ve11p2/d99?platform=hootsu>. Acesso em: 15 mai. 2018.

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O documento, datado de 11 de abril de 1974, descreve uma reunião realizada em 30

de março de 1974, entre o general Ernesto Geisel, recém empossado na

presidência, com integrantes da cúpula da Comunidade de Informação. Entre os

presentes dois personagens centrais dos órgãos de repressão: os generais João

Batista Figueiredo e Confúcio Danton de Paula Avelino, que na época, atuavam

respectivamente, na chefia do Serviço Nacional de Informação (SNI) e no Centro de

Informações do Exército (CIE).

A reunião poderia ser mais um encontro rotineiro entre os dirigentes do governo

militar. Contudo, para muitos setores da sociedade, em especial os meios de

comunicação, o teor das tratativas dos militares apresentou informações

consideradas “chocantes”. Em parte, porque o documento da CIA, divulgado por

Spektor, fez referência a uma prática recorrente utilizada pelas forças de segurança

no enfrentamento dos opositores do regime: as execuções sumárias.

A leitura do documento permite algumas reflexões sobre dois importantes aspectos

que marcaram o início do mandato do general Ernesto Geisel (1974-1979). O

primeiro, Geisel tinha pleno conhecimento dos mecanismos utilizados pelos órgãos

de repressão contra os guerrilheiros, inclusive às citadas execuções sumárias.

Durante o encontro, segundo o documento, o general Milton Tavares de Souza, que

estava deixando a chefia do CIE, informa a Geisel sobre a execução sumária de 104

pessoas feita pelo CIE durante o governo do presidente Emílio Garrastazu Médici, e

pede autorização para continuar a “política” de extermínio no novo governo. O

segundo aspecto, mas não menos perturbador, o general-presidente teria solicitado

que todas as execuções, a partir daquele momento, deveriam acontecer apenas

após sua anuência.

Apesar de relatos sobre Geisel conhecer as ações repressivas serem notórias, como

aponta Elio Gaspari em suas obras, a informação de Matias Spektor causou um

grande impacto. Tanto que, a postagem de Spektor foi compartilhada e comentada

por milhares de pessoas. Horas depois, estava nos principais sites de notícias e

programas jornalísticos da televisão.

Mas qual seria a justificativa para tamanha repercussão? Indicamos que uma das

possíveis respostas para essa questão é a maneira como, nas últimas décadas, a

imagem do general Geisel foi reconstruída pela chamada grande imprensa, no geral,

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e nas obras escritas pelo jornalista Elio Gaspari, em especial, conforme comentado

anteriormente.

Geisel não era “o sacerdote” descrito por Gaspari, tampouco um líder ingênuo que

não sabia a fundo de tudo que se passava nos porões da repressão. A imagem

construída como o presidente da “abertura” ou do início do processo de

“redemocratização”, torna-se exagerada, uma vez que o memorando da CIA

demonstra que o presidente soube e autorizou a execução de presos políticos: "No

dia 1° de abril (de 1974), Geisel disse ao general Figueiredo que a política (de

extermínio) deveria continuar, mas que devia tomar muito cuidado (sic) para ter

certeza (sic) de que só perigosos (sic) subversivos fossem executados", diz o

documento da CIA.

Logo dois dias depois, o regime matou integrantes do Comitê Central do Partido

Comunista, em São Paulo: João Massena, Luiz Ignácio Maranhão Filho e Walter de

Souza Ribeiro. E seguindo a ação exterminadora, realizada pelo Centro de

Informações do Exército (CIE), centenas de comunistas foram detidos e três

morreram nas dependências do DOI-CODI: o tenente José Ferreira de Almeida, o

jornalista Vladimir Herzog e o operário Manoel Fiel Filho.

Há portanto, um perigo em se generalizar uma memória em torno de uma pessoa ou

personagem político, afinal de contas, as memórias são transitórias. É justamente a

desconstrução dessa memória de Geisel como o “sacerdote da abertura” que

proponho fazer neste trabalho.

Conforme os relatórios das Comissões da Verdade das universidades, é sabido que

o governo e o próprio presidente, através de seus assessores mais próximos, sabia

da censura, das expulsões, dos cortes, das perseguições, das prisões e das mortes

que ocorreram em decorrência da repressão políticas nas Universidades brasileiras.

Porém, Gaspari desenvolveu em suas obras um relato tendencioso e omisso, ele

controlava as informações e as interpretações, já que monopolizava as fontes. Esse

trabalho acabou por projetar Geisel com a imagem do mais agraciado dos

presidentes militares, que derrotou a linha dura do regime. E nesse ponto, vem uma

questão à tona, sabendo e permitindo as torturas e as execuções como Política de

Estado, Geisel pode ser considerado um presidente moderado? Havia realmente a

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distinção entre linha dura e moderada dentro da cúpula das forças armadas? Eu

afirmo que não, diante da evidência documental apresentada.

Geisel reaparece na história recente como uma “déspota esclarecido” que desafiou e

combateu a chamada “linha dura”, abrindo caminho para a democracia. Porém esse

documento divulgado em maio de 2018, joga por terra a teoria construída por

Gaspari de que Geisel era um lutador anti-tortura, e que aprovava a contragosto a

tortura, desde que aplicada contra quem “merecia morrer'”, ou seja, os opositores

do regime militar. Isso o torna tão “linha dura” como qualquer outro militar que

defendesse a prática de extermínio.

Embora, seja cruel, não podemos dizer que essa política de estado de extermínio de

"subversivos" seja novidade, uma vez que a Comissão Nacional da Verdade (CNV)

concluiu em seu relatório em 2014, que a violação dos direitos humanos foi uma

política de Estado, sendo uma prática comum e com anuência dos 05 presidentes

militares. Na época a Comissão foi criticada por revanchismo, uma vez que essas

declarações compunham o relatório feito no Governo Dilma Rousseff, que participou

da Luta armada. Outra crítica recebida pela Comissão da Verdade, foi de

parcialidade ideológica em favor dos opositores ao governo militar. Esse documento

é contundente, e comprova e reforça as afirmações do relatório da Comissão

Nacional da Verdade.

O general Milton Tavares, segundo o documento, disse que o Brasil não poderia

ignorar a "ameaça terrorista e subversiva", que os métodos "extra-legais deveriam

continuar a ser empregados contra subversivos perigosos" e que, no ano anterior,

1973, 104 pessoas "nesta categoria" tinham sido sumariamente executadas pelo

Centro de Inteligência do Exército". De acordo com a documentação, e conforme

mencionado acima, Geisel "disse ao general Figueiredo que a política deve

continuar, mas deve-se tomar muito cuidado para assegurar que apenas

subversivos perigosos fossem executados". Portanto, entendemos que os

subversivos perigosos eram justamente os inimigos do regime militar, e todos que

tomaram atitudes de execução sumária como política de Estado, são enquadrados

na descrita “Linha Dura”. Se analisarmos a fundo, fazendo as devidas ponderações,

podemos dizer que a Linha Dura e a Sorbonne (moderada), são nomenclaturas

ultrapassadas, uma vez que tentam mascarar uma política de Estado autoritária,

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portanto, antidemocrática, excludente, violenta e com crimes contra os direitos

humanos, comum a todos os 05 governos militares do período.

Relembramos que a Comissão Nacional da Verdade (CNV) encerrou os trabalhos

em dezembro de 2014, quando apresentou o relatório final que responsabiliza 377

pessoas por crimes cometidos durante a ditadura militar. Geisel é um dos 377 da

lista da comissão. A CNV sempre defendeu a existência da política pública de

extermínio aplicada contra os opositores do regime, implementadas na época da

ditadura Militar. A cúpula do poder dava o aval para as execuções.

Para Pedro Dallari, o último coordenador da CNV, o memorando confirma as

conclusões a que a Comissão Nacional da Verdade tinha chegado no relatório final,

no qual os cinco presidentes da República no período militar são apontados como

responsáveis por violações aos direitos humanos durante o regime. Em entrevista

cedida ao Jornal A Gazeta de Alagoas em 12 de maio de 2018, Dallari afirmou "É

um documento [o memorando] estarrecedor, sem dúvida nenhuma, porque descreve

com minúcia uma conversa que evidencia práticas abjetas e que um presidente da

República com sua equipe tratou do extermínio de seres humanos".

Analisando o levantamento que foi feito a partir da análise do relatório da Comissão

Nacional da Verdade (CNV), entregue em dezembro de 2014, ainda no governo da

presidente Dilma Rousseff, constatamos que de 1º de abril de 1974 até o fim do

regime militar, ao menos 89 pessoas foram mortas ou desapareceram no país. Os

dados obtidos equivalem a pouco mais de 20% de 434 mortes e desaparecimentos

durante o regime militar, conforme o Relatório da CNV. Não podemos omitir que

Gaspari, em suas obras, apresenta de maneira moderada, sem muita exaltação o

conhecimento de Geisel das torturas e assassinatos nos porões da ditadura. Em

trechos de conversa entre Geisel e Dale Coutinho, um mês antes da posse,

observamos essas considerações:

Coutinho tinha o recado do porão: “E eu que fui para São Paulo logo em 69, o que eu vi naquela época para hoje… Ah, o negócio melhorou muito, Agora, melhorou, aqui entre nós, foi quando nós começamos a matar. Começamos a matar”. Geisel: Porque antigamente você prendia o sujeito e o sujeito ia lá para fora [...] Ó Coutinho, esse troço de matar é uma barbaridade, mas eu acho que tem que ser.” (GASPARI, 2014a, v. 3, 317p.)

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Portanto, antes de assumir, Geisel já tinha decidido sobre a continuidade da política

de Estado de extermínio. Em outro trecho, Gaspari (2014a, v. 3, 379p.) escreve: “Em

1974 chegou ao apogeu a política de extermínio de presos políticos. As versões

oficiais já não produziam mortos em tiroteios, fugas ou suicídios farsescos nas

cidades. Geisel sabia de tudo.” No entanto, as citações de Gaspari sobre esse

assunto são superficiais e não aprofunda a responsabilidade de Geisel nos crimes

de Estado cometidos durante o seu governo. A preocupação de suas obras é

enfatizar o papel de Geisel como personagem fundamental para a abertura política e

o início do processo de redemocratização do país.

O Ministério da Defesa e a assessoria do Exército informaram que os documentos

sigilosos referentes ao período do regime militar foram destruídos, ou seja, os

documentos relativos a esse assuntos e que poderiam comprovar esses fatos do

memorando da CIA, foram destruídos, conforme política da época.

Abaixo a íntegra de nota divulgada pelo Ministério da Defesa:

O Ministério da Defesa informa, em consonância com mensagem já divulgada da assessoria do Exército Brasileiro, que os documentos sigilosos, relativos ao período em questão e que eventualmente pudessem comprovar veracidade dos fatos narrados foram destruídos, de acordo com as normas existentes à época - Regulamento para Salvaguarda de Assuntos Sigilosos - em suas diferentes edições. (<https://g1.globo.com/politica/noticia/para-ex-membro-da-cnv-documento-sobre-geisel-e-estarrecedor-e-forcas-armadas-deveriam-reconhecer-responsabilidade.ghtml>. Acesso em: 12 jun de 2018)

Incrível como o Brasil, destroça sua memória ao destruir documentos sigilosos. E

mais uma vez, o Brasil precisa recorrer a arquivos estrangeiros para reconhecer

detalhes da sua própria história.

Diante do documento apresentado pela CIA em 2018, há de se observar de maneira

mais crítica as obras de Elio Gaspari, pois o mesmo não tem como absorver o

“sacerdote” Geisel, diante dessas evidências documentais e mantê-lo como o

moderado militar palatino do processo da abertura política. Afinal, o “sacerdote” de

Gaspari virou o ditador exterminador. E manter documentos históricos, que deveriam

ser de alcance público, em sua posse pessoal, é algo, no mínimo, contraditório.

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Havia divisão sim no meio das Forças Armadas, mas dizer que o Geisel não

controlava seus subordinados (os exterminadores dos porões) é desconhecer o

funcionamento da hierarquia militar e a história da trajetória militar e política, bem

como a gestão de Geisel frente à Presidência da República do Brasil.

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3 A POLÍTICA DA EDUCAÇÃO SUPERIOR: DO GOLPE CIVIL-MILITAR DE 1964

AO FINAL DO GOVERNO GEISEL EM 1979

Neste capítulo analisaremos como o governo militar interviu na estrutura do ensino

superior, buscando o desenvolvimento tecnológico e consequentemente econômico

do país. No entanto, tal intervenção acabou por gerar uma controvérsia para o

Governo, uma vez que a comunidade universitária, buscou confrontar as atitudes

arbitrárias tomadas pelo governo. Após 1964, o governo aprovou uma série de leis

relativas ao ensino superior, como por exemplo, a lei 5.540/1968 que fixa normas de

organização e funcionamento do ensino superior e sua articulação com a escola

média, que introduziu um conjunto de alterações autoritárias na estrutura da

universidade, que de fato, tinham por objetivo limitar a autonomia das instituições e

exercer maior controle sobre a comunidade universitária. Alexandre Lira (2012)

esclarece que em 1968, dentro das reformas elaboradas e implementadas pelo

MEC, mesmo que tenham sido compostos grupos de trabalho que apresentaram

relatórios acerca das reformas a serem instituídas no âmbito daquele ministério, os

estudantes não puderam participar das comissões, além do mais, na prática,

estudantes e professores não puderam envolver-se nas reformas. Lira (2012)

continua seu texto enfatizando que foi o tecnicismo que conduziu a reforma

universitária empreendidas pelos militares, sendo a diretriz primordial de qualquer

preceito educacional.

Como já afirmamos anteriormente, é perceptível que o MEC sofreu grande

interferência militar em suas áreas de atuação nos anos de 1964-1985. De acordo

com Mathias (2004) “o termo militarização se desdobra em nossa análise: ele passa

de simples ocupação de cargos por membros fardados a um conjunto de atitudes do

governo que refletem uma visão de mundo que tem por base a organização

castrense.” Neste capítulo analisaremos essa militarização na educação e

mostraremos algumas reações estudantis às arbitrariedades do governo.

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3.1 O MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E SUA ATUAÇÃO NO REGIME MILITAR

O Ministério da Educação e Cultura (MEC), foi criado em 14 de novembro de 1930

no governo de Getúlio Vargas, com a nomenclatura de Ministério dos Negócios da

Educação e Saúde Pública (MES). Como podemos notar, a educação não era

assunto exclusivo dessa pasta. Somente em 1953, quando a saúde ganhou sua

autonomia como ministério, surgiu a sigla MEC. Interessante notar a mudança de

atuação de área nesse ministério ao longo de sua história, de acordo com o portal

oficial do MEC: “Em 1985, foi criado o Ministério da Cultura. Em 1992, lei federal

transformou o MEC no Ministério da Educação e do Desporto. Somente em 1995, a

instituição passou a ser responsável apenas pela área da educação.”12

Essa tese analisa o desenrolar da política de distensão e abertura durante o governo

do quarto presidente militar, o General Ernesto Geisel (1974-1979), em contraponto

ao paradoxo da vigilância e da repressão política nas universidades brasileiras. Para

tanto, demonstraremos a atuação dos órgãos de informação do governo dentro das

Instituições superiores, interferindo no ensino e na administração das comunidades

universitárias. Visando uma melhor contextualização do assunto, faremos uma

análise do período dos dez anos anteriores a posse de Geisel, no que concerne ao

cenário educacional:

A política educacional do regime militar abrangeu, ao longo dos seus vinte e um anos de duração, todos os níveis de ensino, alterando a sua fisionomia e provocando mudanças, algumas das quais visivelmente presentes no panorama atual. Pautado pela repressão, o Estado editou políticas e práticas que, em linhas gerais, redundaram no tecnicismo; na expansão quantitativa da escola pública de 1º e 2º graus às custas do rebaixamento da sua qualidade; no cerceamento e controle das atividades acadêmicas no interior das universidades; e na expansão da iniciativa privada no ensino superior. Reexaminando o conjunto dessas políticas, podemos afirmar que a educação, tal como ocorrera na ditadura Vargas (1937-1945), porém, em maior escala, foi totalmente instrumentalizada como aparelho ideológico de Estado. Sob uma ditadura que perseguiu, prendeu, torturou e matou opositores, a escola foi um dos meios mais eficazes de difusão da ideologia que respaldou o regime militar. (FERREIRA & BITTAR, 2006, p. 1161).

12 Para mais detalhes acessar: http://portal.mec.gov.br/institucional/historia; Ver também: SAVIANI,

Dermeval. História das ideias pedagógicas no Brasil. 4 ed. Campinas/SP: Autores Associados, 2013.

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Notamos portanto, uma militarização da educação, onde os agentes do governo,

passam a ter mais comando nas instituições educacionais do que os próprios

profissionais pedagógicos. Diante da política de modernização empregada no país,

via-se a necessidade de formar cidadãos de nível médio técnico, devido a visível

carência de mão-de-obra.

A Reforma Universitária, instituída pela Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 196813,

no governo do presidente Marechal Arthur da Costa e Silva, tinha como prerrogativa

dois princípios norteadores: o controle político das universidades brasileiras e a

formação de mão-de-obra para economia.

As transformações na organização das universidades do Brasil, com a Lei 5540, de 28 de novembro de 1968, possibilitou o aumento das matrículas em instituições de ensino superior, principalmente em estabelecimentos de iniciativa privada, permitiu o prolongamento da interferência dos ideais “revolucionários” na educação superior. A Reforma ao declarar a autonomia econômica e didático-científica das universidades públicas, estabelece a escolha dos Reitores ao Presidente da República; cria a unificação das unidades acadêmicas; surge a figura do Departamento; a anulação dos movimentos estudantis; maior interação ensino-pesquisa, a criação da monitoria, o aumento de programas de extensão, atividades desportivas, culturais e cívicas, que viabilizassem a “ocupação” do corpo discente. (BARBOSA, 2013, p.1)

Explicitanto seu eixo modernizante, as atribuições da citada reforma, abrangeu entre

outras determinações: a expansão efetiva das vagas de graduação; racionalização

de recursos; o docente federal sofreu uma reorganização em sua carreira, com

melhoramento da remuneração e dedicação exclusiva; aumento de financiamentos

à pesquisa; maior incentivo a participação na iniciativa privada no ensino superior;

substituição do sistema de cátedras, com a criação de departamentos; mudanças

dos exames de vestibular, que passaram a ser por classificados de acordo com o

número de vagas, excluindo o caso dos excedentes; incentivo à formação de

docentes do exterior, como o maior incremento de bolsas; criação de cursos de pós-

graduação; criação de novos campi para universidades federais e estaduais,

destacando o estilo arquitetônico dominante nos campi erguidos nos anos de 1970.

Observamos a contradição explicita desses estilos arquitetônicos, que eram

13 Para mais informações ver: < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-5540-28-novembro-1968-359201-publicacaooriginal-1-pl.html>. Acesso em: 06 mar. 2017.

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distribuídos em blocos que favoreciam o controle por parte dos militares, mas foram

projetados por arquitetos modernistas que eram desafetos do regime, e muitas

vezes vítimas de expurgos políticos.

Portanto, de maneira geral, a reforma universitária foi uma ideia que os militares

aproveitaram da reforma que já vinha sendo reivindicada pré 1964, e buscou

conciliar modernização e autoritarimo, atendendo alguns pleitos dos acadêmicos no

intuito de controlar o andamento das universidades, para utilizar os profissionais e

suas pesquisas na busca da modernização tecnológica e econômica do país, mas

em contrapartida, tinha o objetivo de desmantelar o radicalismo estudantil e dos

profissionais do campo intelectual.

CRESCIMENTO EM NÚMEROS

Dados 1964 1974 1976 1979

Universidades públicas 20 31

Cursos de Pós-graduação 23 400 700

Estudantes Universitários 140 mil 1 milhão de 300 mil

Bolsas de pós graduação financiadas pelo Capes e CNPq

1.000 10.000 13.000

Tabela montada por dados extraídos de MOTTA, Rodrigo Patto Sá. A modernização autoritário-conservadora nas universidades e a influência da cultura política. In: REIS FILHO, Daniel Aarãao, RIDENTI, Marcelo & MOTTA, Rodrigo Patto Sá (Org.). A Ditadura que mudou o Brasil: 50 anos do Golpe de 1964. Rio de Janeiro: Zahar, 2014, p. 57.

Logo, é perceptível que a reforma universitária tinha a intenção de expandir as

vagas para o ensino universitário, mas em contrapartida, buscava acirrar o controle

político sobre as comunidades universitárias. A repressão às universidades também

se intensificou na década de 1970 e contava com um suporte jurídico específico, o já

mencionado Decreto nº 477/1969, que permitia expulsar estudantes e funcionários

universitários, que se envolvessem em atividades políticas “inapropriadas”.

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No Relatório da Comissão da Verdade Anísio Teixeira da Universidade de Brasília

(Unb) fica evidenciada a utilização desses mecanismos repressivos quando

observamos que os três estudantes desaparecidos, Paulo de Tarso Celestino da

Silva (1944-1971), Honestino Monteiro Guimarães (1947-1973) e Ieda Santos

Delgado (1945-1974). Também podemos citar o impedimento da realização de uma

missa pelos Direitos Humanos. Quantos a expulsão de alunos foram 3 expulsões em

1970, 7 em julho de 1976 e em 1977 foram realizadas 30 expulsões. O relatório

ainda salienta:

“Em 1977, uma nova grande invasão policial e militar tem lugar na UnB, após a crescente mobilização que se registra contra a punição de algumas lideranças e as severas restrições impostas à organização da representação discente. Nessa época, a cúpula do regime militar, que sinalizara uma abertura política (“lenta, gradual e segura”), enfrenta sérias dissensões internas, batendo-se contra segmentos civis e militares postulantes de um ainda maior endurecimento do trato com as oposições (embora as organizações oposicionistas que optaram pela luta armada já tivessem sido destroçadas havia anos). Numerosas assembleias e manifestações estudantis precedem a greve estudantil que paralisaria por três meses a Universidade naquele ano, e continuam a ocorrer durante a greve, à revelia do recesso acadêmico imposto pelo Reitor Azevedo para dissolver o movimento. Vários estudantes já haviam sido punidos com suspensão, jubilamento ou mesmo expulsão ainda em 1976, quando da retomada da luta pela representação estudantil autônoma. A crise de 1977 elevou em muito tais punições.” (Relatório da Comissão da Verdade UNB, 2015, p.236)

Com os dados apresentados pela Relatório da Comissão Anísio Teixeira fica

evidente que apesar da abertura política proposta pelo regime, na prática se percebe

um aumento das atividades repressivas dentro do ambiente universitário. Na medida

em que estudantes e funcionários percebem a possibilidade de mais uma vez

contestar o regime, eles foram duramente reprimidos pelas forças governamentais.

O Relatório da Comissão da UNB ainda destaca:

Assim, em meio a sinais contraditórios dados pelo governo ditatorial (aceno para lenta abertura política, por um lado, impunidade para continuados assassinatos, desaparecimentos e torturas contra opositores, por outro lado), crescem o controle e a repressão institucional. Nesse panorama, a luta estudantil começa a ressurgir: muda seu foco da revolução social para a luta pelas liberdades democráticas, reorienta-se para ocupar espaços institucionais e começa, timidamente, a contagiar as ruas. (Relatório da Comissão da Verdade UNB, 2015, p.154)

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É nesse espaço contraditório, entre um discurso governamental de abertura política

com a coexistência de práticas repressivas, que o movimento estudantil buscou

retomar os espaços de luta política perdidos nos anos anteriores, então,

percebemos que no ano de 1974 marca o início de uma nova fase das lutas

estudantis.

Conforme citado anteriormente, logo após os primeiros anos pós-golpe, os

movimentos estudantis voltaram a se articular, em especial nos anos 1968 e 1969, e

o governo militar voltou a atuar de forma enérgica, com repressões a manifestações

e a prisão de lideranças estudantis brasileiras que se reuniram no XXX Congresso

da UNE, em Ibiúna (SP), ocasião onde segundo Fagundes (2013, p. 309), “13

estudantes do Espírito Santo foram detidos.” O regime ditatorial fechava-se contra

os inimigos “subversivos”. Apesar da UNE ser fechada, segundo Müller (2016), os

estudantes não pararam de atuar, agiram na clandestinidade, de forma mais

discreta, até reaparecerem nas ruas em 1975, e de forma mais atuante em

passeatas de 1977, quando encamparam bandeiras de luta, como a da

redemocratização do país, da anistia e da reabertura da UNE, que ocorreu em 1979.

No entanto, o Estado continuou a implementar reformas jurídicas no campo

educacional, das quais podemos destacar (de acordo Saviani, 2013):

a) a Lei 770, de outubro de 1968, que criou as disciplinas de Educação Moral e

Cívica (EMC) – 1ª a 6ª série do 1º grau - e Organização Social e Política do Brasil

(OSPB) – 7ª e 8ª série do 1º grau, ensino médio e superior -, visando estimular o

patriotismo e o civismo;

b) a Lei n. 5.540, de 28 de novembro de 1968, que reorganizou o funcionamento do

ensino superior e sua articulação com a escola média;

c) o Decreto-Lei 477, de 26 de fevereiro de 1969; que colocava toda a comunidade

universitária sob vigilância e punição aos considerados “subversivos”;

d) a Lei n. 5.692, de 11 de agosto de 1971, que reestruturou os antigos primário e

ginásio, criando o ensino de 1º e 2º graus, com destaque para o ensino

profissionalizante; e) a Lei 5.700, de 1º de setembro de 1971, que se refere a

apresentação de símbolos nacionais e a criação de Centro Cívicos, destaque para o

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artigo 39 que trata sobre a obrigatoriedade do ensino e manuseio dos símbolos

nacionais nos estabelecimentos de ensino; entre outras Leis e decretos.

Segundo Motta (2015, p.43), “no ensino superior, os conteúdos de EMC eram

oferecidos na disciplina Estudos de Problemas Brasileiros (EPB), que geralmente

era atribuída a professores conservadores, alguns com formação militar.”

Consequentemente, o civismo ensinado era a versão militarista autoritária, e a moral

era voltada para os padrões cristãos tradicionais.

Destacamos também o projeto de alfabetização entre os anos de 1967 e 1973,

sendo os de maior repercussão os seguintes programas: o Mobral, o Projeto

Minerva e a Televisão Educativa. Devemos nos atentar de que a alfabetização de

adultos, bem como, o ensino profissionalizante, tinha um aspecto político: formar

eleitores.

O governo militar tomou uma série de medidas autoritárias na reforma educacional,

destacando-se o chamado Acordo do Ministério da Educação e Cultura com United

States Agency for International Development (MEC/USAID), que compunha um

projeto de vários acordos ocorridos na década de 1960. Muitos desses acordos

foram agrupados na Lei nº 5.540/68, que ficou conhecida de “Reforma Universitária”.

Segundo Martins Filho (1987, p. 187), era essencial “sanar” as universidades dos

“elementos perigosos”, e preparar novos dirigentes e intelectuais que se ajustassem

aos moldes do regime de governo em vigor.

Para Mathias (2004, p. 159) este acordo “segundo os educadores, representa a

verdadeira invasão dos tecnocratas na área de educação, substituindo, com perda

de qualidade, os educadores e especialistas na formação na formação de política de

ensino.” Os convênios do MEC com o USAID, visavam implantar uma reforma

universitária no país, pois havia uma preocupação com os profissionais que seriam

formados para o desenvolvimento da economia brasileira, que deveria ser forjada

alinhada com a política norte-americana. Esses acordos também, abrangiam todos

os níveis de ensino, ou seja, ensino primário, médio e superior, treinamento de

professores e elaboração de livros didáticos, com o auxílio de assessores norte-

americanos, como podemos notar através da citação das principais medidas dos

Acordos MEC-USAID:

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a) 26 de junho de 1964: Acordo MEC-USAID para aperfeiçoamento do ensino primário; b) 31 de março de 1965: Acordo MEC-Contap (Conselho de Cooperação Técnica para a Aliança para o progresso) – USAID para melhoria do Ensino Médio; c) 29 de dezembro de 1965: Acordo MEC-USAID para dar continuidade e suplementar com recursos e pessoal o primeiro acordo para o ensino primário; d) 5 de maio de 1966: Acordo do Ministério da Agricultura-Contap-USAID, para treinamento de técnicos rurais; e) 24 de junho de 1966: Acordo MEC-Cotap-Usaid, de assessoria para a expansão e aperfeiçoamento do quadro de professores de ensino médio e proposta de reformulação das faculdades de Filosofia do Brasil; f) 30 de junho de 1966: Acordo MEC-USAID, de assessoria para modernização da administração universitária; g) 30 de dezembro de 1966: Acordo MEC-INEP-Contap-USAID, sob a forma de termo aditivo dos acordos para aperfeiçoamento do ensino primário; nesse acordo aparece, pela primeira vez, entre os objetivos , o de “elaborar planos específicos para melhor entrosamento da educação primária com a secundária e a superior”; h) 30 de dezembro de 1966: Acordo MEC-Sudene-Contap-USAID, para a criação do Centro de Terinamento Educacional de Pernambuco; i) 6 de janeiro de 1967: Acordo MEC-SNEL (Sindicato Nacional dos Editores de Livros) – USAID, de cooperação para publicações técnicas, científicas e educacionais (por esse acordo, seriam colocados, no prazo de três anos, a contar de 1967, 51 milhões de livros nas escolas; ao MEC e ao SNEL caberiam apenas responsabilidades de execução, mas aos técnicos da USAID todo o controle, desde os detalhes técnicos de fabricação do livro até o detalhes de maior importância como: elaboração, ilustração, editoração e distribuição de livros, além da orientação das editoras brasileiras no processo de compra de direitos autorais de editores não-brasileiros, vale dizer, norte-americanos); j) Acordo MEC-USAID de reformulação do primeiro acordo de assessoria à modernização das universidades, então substituído por assessoria do planejamento do ensino superior, vigente até 30 de junho de 1969; k) 27 de novembro de 1967: Acordo MEC-Contap-USAID de cooperação para a continuidade do primeiro acordo relativo à orientação vocacional e treinamento de técnicos rurais; l) 17 de janeiro de 1968: Acordo MEC-USAID para dar continuidade e complementar o primeiro acordo para desenvolvimento do ensino médio. (CUNHA & GOES, 1991, p. 33-34)

Ressaltamos que os Acordos MEC/USAID sofreram severas críticas e objeções por

parte dos profissionais da educação e também dos estudantes, em especial

universitários, que temiam a privatização do ensino brasileiro.

Um órgão extremamente usado na repressão à comunidade universitária foi o

Decreto nº 477, de 26 de fevereiro de 1969, conhecido como o “AI-5 do movimento

estudantil”, que em seu artigo 1º, delimita seus alvos: estudantes, professores e

funcionários das instituições de ensino superior público ou particular. Neste decreto

também, são especificados atos considerados “subversivos” e apresentadas as

punições correspondentes. Os professores e os funcionários poderiam sofrer

demissão, não podendo ser contratados novamente por cinco anos; e os estudantes

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poderiam sofrer desligamento, sendo proibidos de ingressar em outras instituições

de ensino pelo período de três anos.

Como essa pesquisa concentra-se nas vigilâncias e repressões ocorridas nas

comunidades universitárias, iremos focar apenas o campo universitário. Para tanto,

é interessante notar que as universidades brasileiras já nasceram tarde, se

comparadas as dos países hispânicos-americanos, conforme essa colocação de

Cunha & Góes:

Há muito tempo que olhamos com inveja para os nossos vizinhos hispano-americanos, que tem a universidade como padrão para o ensino superior, com faculdades isoladas só em casos excepcionais – e isso desde o século XVI. No Brasil ao contrário, as universidades já nasceram tarde (a primeira que vingou foi em 1920) e são elas a exceção. Aqui, as instituições de ensino superior nasceram fragmentadas, uma para cada profissão (ou grupo de profissões assemelhadas). Só lá por volta de 1960 é que começou a vingar um movimento pela agregação das faculdades em universidades. A “federalização” das faculdades foi o caminho para isso. O governo encampava as faculdades de uma cidade, fossem estaduais ou particulares, e as juntava numa universidade. A maioria das universidades federais autárquicas nasceu assim. (1991, p. 87)

No entanto, sabemos que esse processo não teve seguimento, pois se o tivesse

(como previa a Reforma Universitária de 1968) teríamos as universidades públicas

como padrão do ensino superior. Hoje, contamos com um ensino superior

fragmentado, onde temos as universidades que não atendem toda a demanda

social, o que acabou impulsionando o crescimento do setor privado do ensino

superior, que em muitos casos, não passa de máquinas de venda de diplomas, sem

a devida qualificação. Há uma heterogeneidade muito grande no ensino superior

brasileiro, temos instituições que estão entre as melhores do mundo e outras que

são extremamente restritas na questão de pesquisa científica e desenvolvimento

cultural, sendo estas, infelizmente, as mais numerosas em nosso país na atualidade.

Retornando ao contexto específico do período ditatorial, é interessante notar a

observação de Góes sobre o Ensino Superior, registrado em seu livro publicado em

1978:

[...] Em 1968, o estrangulamento do acesso à universidade, que oferecia apenas 150 mil vagas, foi apontado como causa principal do movimento estudantil de protesto. É claro que já existia, então, o componente político da insatisfação com o regime, mas a expansão do número de vagas – um milhão atualmente - tornou mais crítica a qualidade de ensino e

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potencializou os sentimentos políticos. Os projetos de reforma não foram executados com eficiência e os investimentos não foram nem suficientes nem corretamente utilizados para fazer face às novas demandas de ensino qualificado. Paralelamente, cresceu o contingente de professores jovens, geralmente pós-graduados, trabalhando em regime de horário integral, muitos deles com cursos no exterior e, portanto, com padrões de comparação que estimulam insatisfações. Os professores com tais características, menores de 35 anos de idade, significam hoje cerca de 50% do corpo docente total das universidades federais. Construíram-se elos de solidariedade política fáceis e fortes entre professores e alunos, alterando a realidade histórica caracterizada pela discrepância ideologicamente reguladora dos corpos docente e discente. (GOÉS, 1978, p.137)

Essa comunhão de ideais políticos entre professores e alunos, surgiu como um

problema ao Estado, uma vez que essa massa intelectual ativa, começou a

questionar o autoritarismo e a falta de liberdades civis imposta pelo governo militar.

Diante disso, os estudantes passam a sofrer represálias, como as repressões

violentas nas passeatas do ano de 1968 e a prisão de cerca de setecentos

estudantes no XXX Congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) em Ibiúna,

sul do Estado de São Paulo, em outubro de 1968. Nesse ano é baixado o AI-5,

considerado o mais arbitrário de todos os Atos. Assim, o Executivo Federal fechava

o poder em suas mãos, e fazia o movimento de massas recuar.

Temos que destacar que a União Nacional dos Estudantes (UNE) sofreu represália

no primeiro momento pós-golpe, devido a postura da entidade em defesa das

Reformas de Base14 propostas pelo governo de João Goulart (1961-1964). O

governo passou a reprimir a massa intelectualizada e politizada do Brasil, que se

concentrava nas universidades brasileiras.

A Lei nº 4.464, de 09 de novembro de 196415, passou a reger todos os órgãos de

representações estudantis, e determinou como órgãos estudantis de regime

superior, subordinado as condições desta Lei: a) o Diretório Acadêmico (D.A.), em

cada estabelecimento de ensino superior; b) o Diretório Central de Estudantes

(D.C.E.), em cada Universidade; c) o Diretório Estadual de Estudantes (D.E.E.), em

cada capital de Estado, Território ou Distrito Federal, onde houver mais de um

estabelecimento de ensino superior; d) o Diretório Nacional de Estudantes (D.N.E.),

14 Para mais informações ver: < http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-5540-28-novembro-1968-359201-publicacaooriginal-1-pl.html>. Acesso em: 06 mar. 2017. 15 Ver Lei completa em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1950-1969/L4464.htm>

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com sede na Capital Federal. Portanto, o movimento estudantil passou por uma fase

de reorganização interna após o golpe de 1964, sendo seus atos vigiados pelas

Faculdades ou Universidades de origem, bem como, o Ministério da Educação e

Cultura.

Conforme dito anteriormente, segundo Müller (2016, p.21), “A partir de 1969 a UNE

passou a atuar na clandestinidade, até sua última diretoria ser desmantelada em

1973”, porém, o Movimento Estudantil (ME) continuou agindo na clandestinidade,

voltaram às ruas efetivamente em 1977; mas sempre lutaram para sua

reorganização nacional, o que ocorreu em 1979.

Os movimentos estudantis passaram a ser dirigidos por “tendências políticas”, e

estavam ligados aos principais partidos e organizações de esquerda da época, todos

em atividades clandestinas. Os universitários e secundaristas mais radicais

resolveram buscar na luta armada um meio de combater o autoritarismo do regime

militar; porém, com o fracasso da ação armada no início dos anos de 1970 –quando

muitos jovens foram torturados, exilados, mortos, desaparecidos –, era preciso

buscar outro meio de resistência.

Observamos que onda repressiva contra os estudantes brasileiros foi violenta,

ocorrendo perseguições e detenções de vários estudantes, abertura de inquéritos

administrativos nos centros das universidades. A repressão se estendeu a toda a

Comunidade Universitária, havendo afastamento de reitores, inclusive o reitor da

Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Manoel Xavier Barreto Filho, em

abril de 1964, conforme descrito no Relatório da Comissão da Verdade da UFES.

Importante ressaltar que, ao contrário do que a historiografia tradicionalmente

defende, de que o movimento estudantil passou por um período de latência e quase

inoperância no final da década de 1960 e início da década de 1970, aparecendo

novamente no cenário nacional somente na segunda metade dos anos de 1970;

Müller (2016, p.18) defende a tese de que o Movimento Estudantil (ME) “apresentou

propostas de resistência ao regime militar durante todo o período, inclusive no

chamado “anos de chumbo”, através de ações diversificadas.” Para a autora, houve

uma continuidade do movimento, mesmo em momentos de grande perseguição, o

que permitiu “sua presença como ator de primeira grandeza nas lutas pela

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redemocratização do país”, isso juntamente com os demais movimentos sociais que

se sobressaem na luta democrática em finais dos anos de 1970.

Interessante é notar, como os estudantes e alguns intelectuais, mantiveram a

resistência ao regime militar, mesmo com o seu recrudescimento durante os anos de

1969 a 1973, após a decretação do AI-5:

[...] Contrariando a historiografia que salienta a quase inatividade do movimento devido à opção de boa parte dos estudantes/militantes pela luta armada (e outra que foi para o exílio), procuro mostrar as formas de atuação adotadas pelos militantes das associações que atuavam no âmbito das universidades: empunhando bandeiras em prol da melhoria da educação, articulando com outros setores da sociedade uma resistência realizada através de manifestações variadas, com destaque para o campo cultural. As fontes permitem concluir que, apesar do esmorecimento da UNE e das UEEs devido à repressão excessiva, o ME encontrou formas de organização para manifestar a resistência daqueles estudantes à ditadura militar capitaneadas por diferentes organizações de esquerda que aderiram ou não à luta armada. (MÜLLER, 2016, p. 22-23)

Quanto a atuação dos governos militares nas universidades, notamos avanços e

retrocessos, modernização e repressão; tudo isso gera uma polêmica entre alguns

pesquisadores sobre a verdadeira intenção dos militares quanto aos projetos e as

reformas no setor educacional. A respeito da modernização que se intensificou na

década de 1970, é importante assinalar um crescimento de ofertas de cursos

superiores; expansão de vagas; a ampliação das universidades (reformas e

construção de novos prédios), bem como do ensino privado superior; a expansão

dos cursos de pós-graduação e da infraestrutura de pesquisa; alteração da estrutura

curricular (inspirado pelo modelo norte-americano, passou-se a adotar as disciplinas

com sistema de créditos); a extinção das cátedras e a criação de Departamentos;

organização da carreira docente. Porém, em contrapartida, houve a queda na

qualidade do ensino, em especial no nível de graduação.

Destacamos que a Reforma Universitária, era algo pregado, antes do Golpe de

1964, e acabou sendo apropriada e moldada pelos militares:

[...] É importante lembrar que, em seu cerne, as propostas de reforma universitária haviam sido elaboradas, defendidas e colocadas em prática inicialmente na UnB, e por inimigos ideológicos do regime militar. A reforma

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afinal implantada pelos militares foi versão autoritária, tecnocrática e também mais elitista daquele projeto, mas permanece o paradoxo de que eles se apropriaram de parte das ideias da esquerda acadêmica do pré-1964. (MOTTA, 2014, p. 293).

Consideramos, portanto, o caráter autoritário por trás da Reforma Universitária:

[...] O AI-5 coincidiu com a decisão política de implantar efetivamente a reforma universitária, ao fim de um processo de debates e indefinições que se arrastaram entre 1964 e 1968. O impulso modernizador guardava relação umbilical com o recrudescimento do autoritarismo, já que o poder discricionário foi utilizado para remover obstáculos às alterações e impor agenda única aos grupos que se digladiavam em torno das propostas de mudança. Além disso, a aposta nas reformas significava, simultaneamente, uma estratégia de seduzir lideranças descontentes com os novos rumos políticos, oferecendo a elas, como uma espécie de compensação, aumento de investimentos na educação superior e na pesquisa. [...] Em fevereiro de 1969 foi editado o Decreto-Lei n.464, que estabelecia prazo de noventa dias para todas as universidades adaptarem seus estatutos às prescrições da Lei da Reforma Universitária (n.5.540). Claramente, o comando militar desejava acertar o passo da ofensiva repressora com o ritmo da modernização. (MOTTA, 2014, p. 242).

Durante a ditadura militar brasileira (1964-1985), os órgãos de repressão do governo

atuaram assiduamente na esfera educacional, e segundo Motta (2008b, p.38)

monitorou “33 Universidades”, através da Assessoria Especial de Segurança e

Informação (AESI), sendo as primeiras criadas pela Portaria nº 10, BSB, de 13 de

janeiro de 1971, com intuito de coibir manifestações contrárias à ditadura.

Posteriormente, a AESI passou a adotar a nomenclatura de Assessoria Especial de

Segurança (ASI).

O principal objetivo da ASI era espionar as atividades da comunidade universitária

(federal e estadual), investigando e levantando informações de docentes, técnicos

administrativos e discentes que tivessem uma postura política inconveniente ao

governo ditatorial, e de maneira geral, eram rotulados de “comunistas” ou

“subversivos”. O órgão interferia no cotidiano da instituição, na estrutura e no ensino,

e foi empregado para silenciar e desarticular as entidades estudantis.

[...] A atuação das ASI (ou AESI) revela verdadeira obsessão em impedir a infiltração comunista e soviética nas universidades, dedicando-se, por

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exemplo, a monitorar o ensino de russo nas instituições brasileiras e a vigiar os estudantes retornados da URSS com diplomas obtidos naquele país. Essas agências não protagonizaram ações espetaculares, tampouco tinham poder inconteste, uma vez que alguns reitores nem sempre obedeciam a suas recomendações. Mas, em sua ação cotidiana, miúda, elas ajudaram a retirar da vida acadêmica um de seus elementos mais preciosos, a liberdade. Durante sua existência, elas contribuíram para criar nas universidades ambiente de medo e insegurança, que certamente atrapalhou a produção e reprodução do conhecimento, sobretudo nas áreas de saber mais visadas, para não falar do empobrecimento do debate político. (MOTTA, 2008a, p. 45-46).

A ASI coletava informações sobre atividades das lideranças estudantis e de

professores, interferia na nomeação de cargos, controlava viagens de docentes e

discentes para eventos científicos, censurava livros e materiais estudantis, proibia

manifestações, proibia ou suspendia entidades estudantis, efetuava prisões, vigiava

cerimônias de colação de grau, entre outras coisas. Nesse contexto de suspeição

vários professores e técnicos administrativos foram perseguidos ou demitidos.

Muitos alunos foram suspensos das aulas, perderam bolsas e outros benefícios ou

foram desligados da Universidade.

Ainda existem poucos trabalhos na área, pois somente a partir da Lei nº 12.527, de

18 de novembro de 2011 (Lei de Acesso a Informação: LAI), que passou a vigorar

em 16 de maio de 2012, os documentos passaram a ser recolhidos e catalogados,

dando assim abertura e condições aos pesquisadores de efetuarem seu trabalho.

No entanto, vários problemas surgiram para reunir e catalogar documentos das

AESIs, muitas vezes perdidos, espalhados ou destruídos. Como exemplo podemos

mencionar o caso da AESI/UFES, que conforme Fagundes (2013, p. 297) vários

problemas surgiram relacionados ao acesso aos seus documentos, desde que em

agosto de 2012 foi solicitado a todas as universidades públicas, federais e estaduais,

que se realizasse um “Levantamento e Identificação dos documentos do Regime

Militar a serem recolhidos ao Arquivo Nacional.” Portanto, em outubro de 2012, a

Reitoria da Universidade do Espírito Santo, solicitou ao Departamento de

Arquivologia que fizesse o referido levantamento. Segundo relata o autor iniciou-se

uma procura aos “documentos perdidos”, e encontraram documentos espalhados

por vários centros da UFES.

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[...] Em novembro de 2012, os primeiros documentos específicos foram encontrados junto ao arquivo do Departamento de Arte/UFES. São em torno de 350, que reúnem memorandos, ofícios, pedidos de informação, relação de livros censurados, solicitações de informação sobre o Diretório Acadêmico, entre outros. [...] Foram realizadas buscas em inúmeros locais da Ufes, tais como banheiros desativados, que haviam sido convertidos em “arquivos” no prédio da Reitoria, em almoxarifados, embaixo de escadas e em salas desativadas no ginásio de esportes do Centro de Educação Física. Toda essa busca permitiu que, até outubro de 2013, fossem recuperados 1.200 páginas de documentos em quase todos os centros da universidade. No momento, esse conjunto documental está em processo de tratamento e descrição, tarefa realizada por discentes dos departamentos de Arquivologia e História, sob a orientação da Comissão da Verdade da UFES. (FAGUNDES, 2013, p. 306)

Destaca-se que foram encontrados, pelo Prof. Pedro Ernesto Fagundes e sua

equipe, documentos da AESI/UFES, em pesquisas realizadas sobre a trajetória da

Delegacia de Ordem Política e Social do Estado do Espírito Santo (DOPS/ES), que

se encontram no Arquivo Público do Espírito Santo (APES), e no acervo do Serviço

Nacional de Informação (SNI), custodiado no Arquivo Nacional no Rio de Janeiro e

em Brasília.

Devido tratar-se de acervo documental até recentemente proibido para pesquisas,

há pouca produção sobre o assunto. Porém, vários pesquisadores vem debruçando-

se sobre o estudo da atuação das AESI em vários campi universitários do Brasil. O

trabalho das Comissões da Verdade nas Universidades tem sido um grande veículo

para reunir e analisar tais documentações; infelizmente poucas conseguiram até o

momento concluírem seus relatórios.

Ao analisarmos o trabalho das AESIs em Universidades brasileiras, em especial no

governo Geisel, que apesar de declarar ser um governo de abertura e distensão

política, manteve atuante os órgãos de repressão e as punições aos membros das

universidades brasileiras, esperamos engrossar as fileiras dos estudos dessa

temática. Reconhecemos, ser de notável importância histórica realizar um trabalho

de análise desses documentos da AESI, reunindo dados e elaborando uma pesquisa

que possa ser uma fonte fidedigna, dando o devido enfoque histórico que tal assunto

merece, procurando discorrer sobre os episódios ainda obscuros da repressão nas

universidades durante a ditadura militar.

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3.2 A GESTÃO DO MINISTRO NEY BRAGA: MODERNIZAÇÃO X REPRESSÃO

Enfatizamos o paradoxo repressão versus modernização, que é nítido no governo

Geisel. Apesar de toda perseguição impetrada às comunidades universitárias, o

presidente conseguiu atingir o projeto da modernização universitária que vinha

sendo desenvolvido pelos governos anteriores, pelo menos concernente a área

quantitativa:

As vagas para alunos de graduação foram ampliadas de maneira acelerada, o que levou o número de estudantes a aumentar em 10 vezes entre 1964 e 1984; tal expansão foi viabilizada pelo boom de instituições privadas, que tiveram o maior crescimento, mas também pelo aumento de vagas nas universidades públicas (o número de alunos triplicou entre 1968 e 1979). Foram criadas muitas instituições novas, principalmente no setor privado e, também no público, tanto estadual (Unicamp e Unesp, por exemplo) quanto federal, que passou de 20 universidades em 1964 para 31 em 1979. [...] O Estado militar aumentou as verbas para a pesquisa e instalação de laboratórios, com criação de fundos públicos para investimento em pesquisa e infraestrutura, incluindo bolsas para pesquisadores. Foi criado um sistema de cursos de pós-graduação que, partindo dos cerca de 20 mestrados existentes em 1964, culminou em aproximadamente 700 programas de pós-graduação (incluindo o nível de Doutorado) no fim dos anos de 1970. Para viabilizar o crescimento da pós-graduação houve aumento na oferta de bolsas, parte delas para a realização de estudos no exterior: em 1964, Capes e CNPq financiavam juntas cerca de 1.000 bolsas; em 1979, esse número havia subido para cerca de 13.000. (MOTTA, 2015, p. 46)

Sabemos que tais índices, apesar de consideráveis, não refletiram um crescimento

qualitativo da educação superior brasileira, havia nitidamente um desequilíbrio entre

o crescimento estrutural e a baixa qualidade no ensino durante esse “boom”. Mas,

de qualquer forma, a estrutura implantada no período ditatorial, estabeleceu um

novo modelo universitário e de pesquisa no Brasil, que vem sendo mantidos até os

dias de hoje, apesar das alterações aplicadas por orientações democráticas.

Ao nos referirmos a área educacional destacamos o ministro da pasta durante o

governo do Presidente Geisel, Ney Amynthas de Barros Braga, paranaense (1917-

2000, viveu 83 anos). Ele era major do exército brasileiro, mas seus interesses

sempre estiveram voltados para a atuação política, onde logrou longa carreira de

grande influência, ocupando os seguintes cargos: Prefeito de Curitiba (1954-1958);

Governador do Paraná por dois mandatos (1961-1965; 1979-1982); Ministro da

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Agricultura (1965-1966); Senador da República (1967 - 1974); e Ministro da

Educação e Cultura (1974-1978). Em 1985, Ney Braga assumiu a presidência

da usina hidrelétrica Itaipu Binacional, onde ele encerrou sua carreira política em

1990. Ficou conhecido por promover a modernização do estado do Paraná, devido

sua grande influência política; bem como, teve papel fundamental na instituição das

principais lideranças políticas paranaenses.

Porém, o que nos interessa nesse trabalho é sua função como Ministro da

Educação. Pesquisar Ney Braga é entrar num terreno de paralelos extremos, elogios

por sua visão de modernização econômica, sua postura contra a instituição do AI-5;

versus a sua íntima ligação com os militares, em especial no governo Marechal

Carlos Humberto Castelo Branco e no governo de Ernesto Geisel, o que lhe dá um

perfil de aquiescência com medidas autoritárias e repressivas, embora considerada

mais moderada.

Sem dúvida, foi durante o Governo Geisel que sua carreira política tem seu ápice, o

que acontece na sua gestão frente ao Ministério da Educação e Cultura (MEC), no

período de 15 de março de 1974 a 30 de maio de 1978, quando sai para assumir

pela 2ª vez, o cargo de governador do Paraná. Ney Braga foi empossado no

Ministério, no mesmo dia que Geisel assumiu a Presidência da República.

Analisando o documento Brasília/BR_AN_BSB_AA1_ASR_008, cópia em anexo,

constatamos uma carta enviada por Ney Braga a todos os reitores em 24 de

dezembro de 1975. Falando de maneira branda, o então Ministro da Educação,

ressalta o apoio do MEC ao “aprimoramento educacional”, mas também reforça que

é “necessária manutenção de tranquilo clima de trabalho no “Campus”, o que

constitui responsabilidade do Reitor.” É uma demonstração do apoio de

desenvolvimento vinculado ao controle político e ideológico, pregado pelo governo.

No decorrer de sua gestão, com o aumento da pressão da comunidade acadêmica

contra o autoritarismo do governo, Ney Braga passou a usar instruções mais diretas,

exigindo providências contra os subversivos.

Em Avisos direcionados aos reitores da Universidade de Brasília (UnB) e a

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em anexo, verificamos alertas do

ministro. No documento Brasília/BR_AN_BSB_AA1_ASR_009, de 28 páginas, há

vários cartas direcionadas a reitores da UnB. Escolhemos o Aviso-Circular n° 878,

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datado de 21 de dezembro de 1976, através da qual, Ney Braga adverte ao reitor a

verificar a “existência de publicações estudantis nessa Univerdidade, em desacordo

com a legislação vigente”, bem como exige que “os responsáveis sejam alertados

das consequências do descumprimento da legislação em vigor para a edição de

publicações”. Também nesse mesmo documento, extraímos as “Diretrizes para a

ação dos reitores”, encaminhado através do Aviso-Circular n° 468, de 26 de julho de

1977. Tais documentos expressam ditidamente, a vigilância, a repressão e a

censura vigente na gestão de Geisel.

Ao comentar a escolha de Ney Braga para o Ministério da Educação, Geisel disse:

Ney Braga, que foi para a Educação, eu conhecia desde que servi no Paraná. Era governador do estado e depois foi ministro do Castelo. E era um homem ligado a mim. Eu achava que pelo seu feitio, pela sua ponderação, pelo seu diálogo, poderia se dar bem com a classe estudantil. Queria alguém que tivesse predicados essenciais, tivesse habilidade, soubesse lidar, não fosse radical. E realmente, no meu governo, não houve muita perturbação, exceto na Universidade de Brasília, que mais se agitou. No conjunto da área, no país, houve relativa tranquilidade. (D’ARAUJO; CASTRO, 1997, p. 267)

Essa “relativa tranquilidade” citada na fala do presidente Geisel, procura amenizar

de forma ineficaz, a grande mobilização estudantil que se deu no país, não só na

Universidade de Brasília (UnB), mas em várias outras Universidades. Apesar das

arbitrariedades do AI-5 e do Decreto 477, e do fechamento da União Nacional dos

Estudantes (UNE) – em 1969 passa atuar na clandestinidade e em 1973 tem sua

última diretoria desmantelada -, o movimento estudantil continuava a se mobilizar, e

a partir de 1975, essa mobilização voltou a ter forte projeção, ganhando as ruas a

partir de 1977, conforme a seguinte citação:

O ano letivo de 1977 começou com uma série de greves em várias universidades: os alunos sextanistas da Medicina da UERJ permaneceram em greve os primeiros catorze dias de março, reivindicando a diminuição da carga horária e o aumento do valor das bolsas. Os acadêmicos da Medicina na UNESP também entraram em greve, pedindo verbas para o hospital e denunciando a redução de 20% em seus leitos. Os “novos sinais de vida”, como salientou a revista Veja, ao se referir à movimentações estudantis,

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naquele início de ano, também foram observados na UFMG, UFPE e UFGRS. (MULLER, 2016, p.129 )

Araújo (2007: 336-337) ressalta que após 1974, “[...] o movimento estudantil

começou a viver um processo de reconstrução e revitalização”. Segundo a autora, o

movimento passa a atuar “em dois níveis: de um lado, na reconstrução de suas

entidades”, que seriam os diretórios, centros acadêmicos e a UNE; e, “de outro,

atuando na frente de luta pelas liberdades democráticas”. Essa luta espalhou-se

pelos universitários de todo o país. Os movimentos estudantis passaram a ser

dirigidos por “tendências políticas”, e estavam ligados aos principais partidos e

organizações de esquerda da época, todos em atividades clandestinas.

Em 05 de maio, aproximadamente, 10 mil estudantes saíram da concentração em frente ao Largo de São Francisco com faixas, cartazes, palavras de ordem, como: “anistia; soltem nossos presos, liberdades democráticas, abaixo a carestia”. [...] A passeata foi reprimida por tropas comandadas pelo próprio secretário de Segurança de São Paulo, Erasmo Dias, no Viaduto do Chá, no momento em que todos os participantes, sentados no chão, liam em coro a carta e gritavam slogans de protesto. A resposta oficial foram bombas de gás lacrimogênio para dispersar a manifestação. (MULLER, 2016, p.132)

O movimento estudantil (ME) levou o movimento político de volta às ruas, ganhando

a simpatia da população e o apoio de outros setores de oposição ao regime. Os

estudantes denunciavam prisões políticas, torturas e defendiam causas importantes,

como a Campanha pela anistia. Embora o Ministro Ney Braga tratasse os

movimentos estudantis como “expressão de uma minoria que pretendiam perturbar a

ordem interna”, os ME só se avolumavam. A grande vitória dos estudantes ocorreu

em 1979, quando a UNE foi recriada; e o movimento se fortaleceu como ator radical

na resistência democrática.

O governo, em contrapartida, atua de modo a reprimir e tentar evitar ao máximo os

alardes estudantis e da academia como um todo. As ASIs das Universidades

atuaram de forma acelerada, na identificação de alunos, professores e auxiliares

administrativos que estavam espalhando ideias contrárias ao governo, o que

podemos verificar ao analisar os documentos do Serviço Nacional de Informação

(SNI), das ASIs e Relatórios da Comissão da Verdade de algumas Universidades,

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como a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e a Universidade de Brasília

(UnB). Logo depois dos relatórios expedidos pelas Assessorias, os “agitadores”

recebiam a devida punição por parte da reitoria e/ou outros órgãos do governo.

Em contraponto com a modernização que se efetuava no meio universitário, Ney

Braga deparou-se com uma série de manifestações estudantis pelo país. O ano de

1977 foi marcada por grandes mobilizações, que reuniam cerca de 3 a 10 mil

pessoas, acontecendo em São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Brasília,

Minas Gerais, Bahia e outros estados. Os estudantes protestavam contra o regime e

solicitavam liberdades democráticas e a libertação dos presos políticos. Nesses

movimentos os órgãos de repressão agiram e dezenas de manifestantes foram

presos.

Em maio de 1977, durante as manifestações estudantis, Ney Braga falou em cadeia

de rádio e televisão:

[...] Nós que entendemos a importância da universidade, não aceitamos que agitadores procurem tumultuar a vida tão calma, tão orientada, das instituições de ensino desta nação. A universidade repele a agitação. A universidade não aceita a radicalização. Tivemos demonstração disso nos dias da semana passada, quando parcela extraordinária de brasileiros ficou realmente nas salas de aula, estudando, se dedicando e sabendo que juntos estamos construindo o futuro desta nação. [...] O bom estudante aí está, participando nos estudos e participando no trabalho. [...] Esses merecem o nosso respeito. (GAZETA DO POVO, 1977, Mai, Dia 18, p.9)

Esse trecho do discurso do Ministro Ney Braga retrata bem a política educacional

que procurava implantar pensadores “dóceis” que desenvolvessem o país, sem

questionar as decisões políticas. Essa ideia torna-se um paradoxo, impossível de se

construir simultaneamente, embora Ney Braga, a fim de não afrontar a oposição,

dando-lhe motivos de protestos, muitas vezes, usando de tom moderado, instruia os

reitores a agir com prudência na aplicação da repressão.

No que tange ao Decreto 477, por exemplo, o ministro Jarbas Passarinho fez gestões nessa direção, enquanto seu sucessor, Ney Braga, adotou a mesma linha e anunciou que pretendia terminar o mandato sem aplicar o 477. Em julho de 1977, em meio à retomada do movimento estudantil, Braga enviou dizeres aos reitores para lidar com o “problema”: as forças de segurança seriam convocadas em caso de perturbação da ordem, mas

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deveriam ter cautela e discernimento para não punir injustamente e piorar a situação; os reitores deveriam manter canal aberto ao diálogo com estudantes não envolvidos na mobilização a fim de isolar os radicais, bem como abrir inquérito antes das punições, para avaliar melhor “a oportunidade e gradação das penas.” (MOTTA, 2014, p. 297)

É claro que tal cautela, em algumas circunstâncias, não impediu que houvesse a

repressão por parte dos órgãos de informação, que apesar da proposta de cuidado e

negociação com alguns docentes e discentes, acabavam por tomar iniciativas de

aposentar, prender, demitir, entre outras punições repressivas.

Quanto aos movimentos estudantis, analisamos ofícios direcionados ao reitor da

UnB (parte integrande do documento Brasília/BR_AN_BSB_AA1_ASR_009, em

anexo). No Aviso-Circular-Reservado nº 335, de 12 de maio de 1977, Ney Braga

orienta que as “normas acadêmicas e disciplinares devem ser utilizadas sem

qualquer exceção” contra os “agitadores” que são inspirados “em ideologias

incompatíveis com o sentimento do povo brasileiro”. Também em outras páginas do

mesmo documento verificamos um texto intitulado “O Problema Estudantil”, que se

incial com o seguinte comentário “que o exame dos últimos acontecimentos da área

estudantil, leva à conclusão de que não se trata de um problema isolado mas de

procedimento inserido num contexto mais amplo de ação subversiva”. E coloca o

setor estudantil como prioridade, seguido de outros setores preocupantes, por

ordem: “político, imprensa, científico, artístico e Igreja Católica. Notamos aí, que os

movimentos sociais, geravam preocupação na cúpula governamental.

Destacam ainda nesse documento, problemas de agitações em outras

Universidades além de Brasília, como as de São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e

Belo Horizonte; e recomendam as medidas repressivas a serem adotadas. Os

movimentos estudantis, que se intensificaram a partir de 1977, tornaram-se um

incômodo contínuo ao regime.

Interessante notar o paralelismo que há durante a gestão do Ministro Ney Braga,

entre modernização e repressão. Podemos destacar como avanços com as

seguintes realizações: desenvolvimento da Política Nacional de Pós-Graduação e o

Crédito Educativo; reformulação da Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme),

fundindo dois órgãos que atuaram na mesma área (Instituto Nacional de Cinema e a

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própria Embrafilme); foram criados a Fundação Nacional da Arte (FUNARTE), o

Conselho Nacional de Cinema (CONCINE) e o Conselho Nacional de Direito Autoral.

A profissão de artista foi regulamentada.

BRAGA (1996, p.257), expõe algumas citações do Ministro da Educação e Cultura,

podemos destacar uma, onde Ney Braga afirma que o MEC não teve problemas

com a censura: “Ao contrário, atuava como uma espécie de poder moderador do

governo. Os órgãos de censura de espetáculos e diversões públicas estavam em

outros setores.” Quanto a isso, o ministro referia-se a Divisão de Censura de

Diversões Públicas (DCDP) 16. Destacamos que a intenção do MEC seria fazer uma

articulação de aproximação com a classe artística, como o próprio Ney Braga

afirmou: “O MEC servia de canal para o governo de aproximar da classe artística,

que era porta-voz de vastos setores da sociedade.”

Portanto, a intenção era de desenvolver e controlar; calar os artistas diante dos

desmandos de um governo ditatorial, concedendo algumas aquisições para a classe.

No entanto, notamos que tal estratégia não alcançou o êxito esperado, pois a grande

maioria artística posicionou-se a favor da abertura política e da Campanha pela

anistia. Como esse trabalho se restringe a parte da Educação Superior no período

Geisel, não iremos nos aprofundar na área cultural, para não desviarmos do nosso

foco.

Nos anos de 1960 e início dos anos de 1970, houve uma expansão desordenada do

crescimento de instituição destinadas ao ensino superior. Notamos no governo de

Geisel, um esforço do MEC para a habilitação dos cursos ainda não reconhecidos,

conforme tabela abaixo:

16 Tendo em vista que os meios de comunicação expressam uma importante máquina de manifestação das massas, era necessário controlá-la. E essa função coube ao órgão da Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP), formalizada oficialmente em 1972, era a responsável pela censura no cinema, teatro, circo, espetáculos musicais e televisão (novelas, shows humorísticos, programas femininos), alegando a defesa da moral e dos bons costumes. Fonte: <http://dibrarq.arquivonacional.gov.br/index.php/divisao-de-censura-de-diversoes-publicas-dcdp> Acesso em 30 de out. 2017. Mais informações ver Lei de censura 5.536/1968, disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/1960-1969/lei-5536-21-novembro-1968-357799-publicacaooriginal-1-pl.html.> Acesso em 30 de out. 2017.

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Números de cursos/habilitações não

reconhecidos e com turmas formadas em:

Instituições Jan.

1974

Jan.

1975

Jan.

1976

Jan.

1977

Nov. 1977

Universidades Federais 239 215 145 72 2

Universidades Estaduais 69 58 49 21 _

Universidades particulares 183 137 93 36 1

Estabelecimentos isolados e

Federações de escolas

1.299 990 678 219 3

Total 1.790 1.400 965 348 6

Fonte: Documento EG/pr 74.04.10 (V-20), Arquivo Ernesto Geisel, Cpdoc/FGV.

Analisando a tabela acima, observamos o crecimento gradativo das Insituições de

Ensino Superior, bem como, o reconhecimento de seus cursos por parte do

Governos. No entanto, o crescimento acelerado dos cursos superiores, não foram

acompanhados de uma infraestrutura que comportasse esse “boom”.

A expansão acelerada do Sistema Federal de Ensino Superior, cujo número de matrículas iniciais aumentaram de 75 mil em 1966 para 212 mil em 1973, um crescimento de 14,5%, não foi acompanhado de ampliação correspondente do espaço físico destinado a receber essa nova clientela. O investimento não era apenas uma expectativa, mas uma exigência que a realidade já impunha ao administrador público. Num dos documentos do arquivo “Previsão de recursos para a construção dos campi universitários” (II-10), a associação entre implantação da reforma universitária e necessidade de investimento de infraestrutura é explícita. (CASTRO & D’ARAUJO; 2002, p. 97)

A gestão de Geisel foi marcada na parte educacional, por uma atenção a

regularização do Ensino Superior e a implantação efetiva de cursos de pós-

educação, visando a modernização e a qualificação que fosse útil ao

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desenvolvimento do Estado. Segundo Motta (2015, p. 39) “o propósito do projeto

modernizador se concentrou na perspectiva econômica e administrativa, com vistas

ao crescimento, à aceleração da industrialização e à melhoria da máquina estatal.”

Frisamos que a política de modernização do país, advindas do trabalho de

profissionais que atuavam nas pesquisas universitárias e da produção oriundas de

suas formações profissionais específicas, bem como dos profissionais que os campi

formavam para a sociedade, também era uma forma de legitimação do regime, pois

buscavam com isso o apoio social e a consequente desmoralização dos opositores.

A modernização visava um crescimento econômico, um dos pilares usados pela

ditadura para controlar a massa popular.

Os cursos de especialização eram voltados para as áreas de saúde, educação e

engenharia. Portanto, o MEC foca sua atuação no Ensino Superior, que no período

de Geisel prosseguia com a política investimento nos cursos de Pós-graduação,

incentivando a pesquisa e a formação de mão-de-obra que ajudaria no processo de

modernização e desenvolvimento da economia do país.

Em certas circunstâncias, já que grupos diversos ocupavam lugares distintos no aparelho do Estado, adotaram-se políticas contraditórias. Por exemplo, enquanto certos líderes batalhavam pelo sucesso da reforma universitária, criando melhores condições de trabalho para os professores, os comandantes da máquina repressiva intensificavam os expurgos, lançando insegurança e desânimo nos meios acadêmicos. (MOTTA, 2014, p. 290)

A partir do momento que o regime militar decide pela modernização e incentivo a

pesquisa nas universidades, com a ampliação da oferta de vagas estudantis, e

consequentemente aumento de docentes acadêmicos, era inevitável que um grupo

intelectual, pensante e questionador, começasse a se organizar e a incomodar a

cúpula da política brasileira.

Nisso fica latente um paradoxo no governo militar: modernizar e reprimir. Quando se

ampliaram as vagas universitárias, expandiram o leque de professores acadêmicos,

e se investiram em pesquisa e avanços técnicos e tecnológicos, os governos

ditatoriais começaram a pisar em uma zona movediça, pois era natural que

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emergisse uma massa pensante que conflitasse com a atuação do governo

ditatorial. Desenvolver e modernizar as universidades sem gerar um grupo sólido de

visão contrária as atrocidades de um regime autoritário, era algo impossível.

O grande paradoxo do regime militar brasileiro – e essa afirmação não vale apenas para o sistema universitário brasileiro – residiu no fato de expressar, a um só tempo, impulsos conservadores e modernizantes que por vezes geraram ações contraditórias. O desejo modernizador implicava desenvolvimento econômico e tecnológico. [...] No entanto, o sucesso das políticas modernizadoras colocava em xeque as utopias conservadoras, pois solapava as bases da sociedade tradicional ao promover a mobilidade social e urbana em ritmo acelerado. Aí reside uma das mais peculiares manifestações contraditórias do regime: seu sucesso econômico levava à destruição da ordem social defendida por muitos de seus apoiadores. Por outro lado, se levado às últimas consequências, o programa conservador oporia obstáculos à modernização, pois o expurgo de todos os “suspeitos” e “indesejáveis”, grupo bem presentado na elite universitária do país, significaria perda de quadros fundamentais para o projeto modernizante. (MOTTA, 2014, p. 289)

Surge, portanto, uma contradição, o governo tecnocrata passa a ter que vigiar e

reprimir a massa que ajudou a constituir para que fosse utilizada no processo de

modernização da nação. Controlar isso, era um desafio que se avolumou na

segunda metade da década de 1970, e acabou contribuindo para o processo de

transição política que se firmou a partir de 1978, envolvendo diversos grupos sociais,

com maior destaque para os movimentos estudantis.

Ridenti (2003), ressalta a expressão modernização-conservadora da educação

nesse período:

A atuação cultural do regime civil-militar também implicou a modernização-conservadora da educação, com a massificação (e a degradação) do ensino público de primeiro e segundo graus, o incentivo ao ensino privado e a criação de um sistema nacional de apoio à pós graduação e à pesquisa para as Universidades, nas quais a ditadura encontrava alguns dos principais fogos de resistência, que reprimiu duramente, mas sem deixar de oferecer uma alternativa de acomodação institucional. (RIDENTI,2003, p.156)

No trabalho do historiador Rodrigo Pato Sá Motta, sobre “As Universidades e o

Regime Militar” (2014), é frisado o paradoxo entre modernização e repressão, bem

como o conceito de uma modernização autoritária-conservadora:

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O argumento é de que, em torno do paradoxo central do regime militar – a modernização autoritário-conservadora -, paradoxos menores se articulam, como se orbitassem ao redor daquele grande eixo. Considerando o “eixo central”, as universidades foram simultaneamente submetidas a expurgos que, no limite, poderiam tê-las destruído. Para alguns membros do Estado, as universidades tinham importância estratégica e deveriam ser tratadas com cautela e modernizadas. Autoridades empenharam-se em desmoralizar a oposição, mostrando-se dispostas ao diálogo e à tolerância. (MOTTA, 2014, p. 293)

Seguindo o raciocínio de Motta, podemos ver que esse diálogo se deu através de

projetos como a Operação Rondon, que buscava aproximar os estudantes do regime

e afastá-los da esquerda; e também da Operação Retorno, que incentivou a vinda

de vários pesquisadores de volta ao Brasil. Porém, havia setores militares, que

defendiam a posição de que era melhor perder professores e pesquisadores

qualificados em prol da manutenção da segurança e da ordem.

Quanto ao Projeto Rondon, ele foi instituído em 1967 e lançou raízes duradouras a tal ponto que foi recriado pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva cerca de 15 anos após sua extinção. O propósito era atrair os universitários mobilizando-os pelo idealismo e o patriotismo, em benefício das metas nacionalistas dos militares. Secundariamente, a operação estava integrada aos planos de interiorizar o surto modernizador e desenvolvimentista, por meio do deslocamento de estudantes e professores para lugares mais atrasados, O projeto Rondon consistia em enviar estudantes universitários para áreas remotas e carentes de recursos humanos, na maioria situadas em regiões fronteiriças com países vizinhos. Era uma espécie de atividade de extensão universitária, pois se recrutava preferencialmente estudantes das áreas de saúde, ciências agrárias e engenharia, cujos conhecimentos poderiam ser aplicados em comunidades alvo. (MOTTA, 2015, p. 44)

No entanto, notamos que a operação desses projetos e outros semelhantes, tinha a

motivação de amenizar a impressão de que o regime atuava apenas através da

violência, tendo apenas a repressão a oferecer à comunidade acadêmica.

Procurando o investimento em pesquisa e melhores salários, o governo esperava

que os intelectuais se afastassem dos valores da esquerda política e apresentassem

menos críticas ao regime militar. Porém, através das manifestações estudantis e de

todo corpo acadêmico que se acentuaram em 1977, observamos que o governo não

logrou o êxito esperado.

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4. A ATUAÇÃO DOS ÓRGÃOS DE VIGILÂNCIA E REPRESSÃO NAS

COMUNIDADES UNIVERSITÁRIAS BRASILEIRAS

Buscando demonstrar que a repressão política atuava com grande força dentro dos

campi universitários, analisaremos neste capítulo como foi montado o aparato de

vigilância e controle da vida universitária pelos órgãos repressores. Assim,

apresentaremos alguns aspectos comuns a todas as instituições educacionais

superiores, especialmente a resistência aos ditames militares, tendo como ponto

correspondente às atividades de vigilância e controle ocorridas na Universidade

Federal do Espírito Santo – UFES.

Nossa intenção é demonstrar a repressão política pelo governo ditatorial de forma

ampla, analisando como essa desenrolou-se, como já dito, em algumas

universidades. Não pretendemos com isso, fazer uma história comparada, mas uma

apresentação de casos múltiplos, a fim de verificar a uniformidade dos meios

repressivos do governo sobre as comunidades universitárias.

Segundo relatório da Violação dos Direitos Humanos um levantamento parcial indica

que está entre 800 e 1000 o número de pesquisadores perseguidos durante o

Regime Militar,o texto ainda aponta:

Em 2 de outubro de 2012, a CNV enviou ofício aos reitores de universidades públicas solicitando os seguintes dados: lista com nomes completos de todos os professores, servidores e funcionários cassados, aposentados compulsoriamente, mortos ou desaparecidos por motivação política referente ao período de 1964 a 1985. Das cinquenta respostas apenas oito instituições apresentaram dados, a saber: UFSM, dois funcionários e dois professores; UFPA, quatro professores; Unicamp, dez professores; UFSC, dois professores; UFRGS, 31 professores; UNESP, 23 professores; UFRRJ, três professores e três funcionário; e UFMA, um professor. As demais universidades responderam que não tinham acervo/dados sobre o assunto. (CNV, Relatório Violação dos Direitos Humanos, p. 266)

Para entender o modus operandi dos órgãos de vigilância analisaremos os relatórios

das Comissões da Verdade criadas nas universidades em que pareceres, fichas

sobre pessoas da comunidade universitária consideradas “subversivas” pelos órgãos

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de repressão, serviram de fonte para conhecermos as ações que coibiam

estudantes, professores e funcionários. Segundo Bauer e Gertz (2011, p. ????), foi

necessário ao pesquisador/relator certa cautela ao analisar tais documentos, como a

necessidade de se conhecer o funcionamento do órgão que produziu o documento;

a contextualização e o objetivo do material analisado; o cruzamento das informações

levantadas, buscando diferentes origens; e o cuidado com a divulgação de nomes,

evitando o constrangimento da exposição da intimidade das pessoas envolvidas.

A partir da abordagem do processo de formação da Comissão da Verdade no Brasil,

discutiremos sua importância para a historiografia nacional e para a questão da

“Justiça de transição” no país. No entanto, sabemos que muitas universidades

tiveram seus relatórios inconclusos seja por motivo de falta de documentação, de

embargos burocráticos dentro dos campi, ou interesses de resquícios do regime que

ainda possam perdurar num corporativismo nessas universidades. Acreditamos que

assim poderemos ter a noção real do problema que as mesmas enfrentam e o que

isso significa para a História do Tempo Presente do Brasil.

4.1 A JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO NO BRASIL: O SURGIMENTO DAS COMISSÕES

DA VERDADE

Sancionada em 28 de agosto de 1979, a Lei de Anistia coibiu o desejo de muitos

militantes de verem torturadores serem punidos. Essa lei tirou do povo brasileiro o

direito à memória, à verdade, à justiça que reconheceria que houve atrocidades e

violências contra os direitos humanos num passado não muito distante, ao qual

precisamos ter registradas memórias para que tais ações não mais retornem e que

possamos dizer “nunca mais!”. A Justiça de transição demoraria um pouco.

Entendemos como Justiça de transição as averiguações e julgamentos de crimes

políticos e contra os direitos humanos cometidos por um governo ditatorial, justiça

essa que deve ser aplicada logo após o processo de transição do governo autoritário

para o democrático. No entanto, o Brasil não teve de imediato sua justiça de

transição, e até hoje, não houve punição para os crimes cometidos contra os direitos

humanos no período da ditadura militar. Isso tem uma explicação simples: nós não

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passamos por uma ruptura política, e sim por uma transição política conciliatória,

que garantiu direitos aos militares, isentando-os de toda a culpa e impedindo por lei

que os mesmos sejam punidos por seus crimes.

Sobre esse assunto, vale considerar a discussão levantada pelo historiador Carlos

Fico, a qual concordamos e sustentamos, de que no Brasil não se constituiu uma

memória traumática a respeito da ditadura militar; e sim uma memória de frustração,

em especial por parte da esquerda, por não ter havido uma ruptura política e as

devidas punições aos agentes da repressão e aos seus superiores.

O trauma diante da violência brutal do regime militar marca a transição argentina. No caso do Brasil, os traços fundamentais de sua transição são a impunidade e a frustração causadas pela ausência de julgamento dos militares e de ruptura com o passado – que, por assim dizer, tornaram a transição inconclusa, em função da conciliabilidade das elites políticas. Foi esse componente de frustração – diante da anistia que perdoou os militares, da campanha pelas eleições diretas que fracassou, enfim, da constatação de que os militares conduziram a transição como queriam – que, de algum modo, estimulou as tímidas iniciativas de justiça de transição no Brasil a partir da chegada ao poder dos governos presididos por pessoas que combateram a ditadura, Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. (FICO, 2013, p.248)

A Justiça de transição, que demorou 10 anos após o fim da ditadura, para

timidamente iniciar-se no Brasil, engloba as seguintes medidas: 1. a concessão de

atestados de óbito para os mortos e desaparecidos políticos (Lei nº 9.14017, de 04

de dezembro de 1995). 2. a abertura dos acervos da ditadura militar (em

consonância com a Lei de acesso à informação, Lei nº 12.52718, de 18 de novembro

de 2011, e o Decreto nº 7.72419, de 16 de maio de 2012); 3. a criação da Comissão

da Verdade (Lei nº 12.52820, de 18 de novembro de 2011), instalada oficialmente em

16 de maio de 2012, no governo da presidente Dilma Viana Rousseff, com a

finalidade de examinar e esclarecer as graves violações de direitos humanos

17Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9140.htm>. Acesso em: 29 set. 2017. 18Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm>. Acesso em: 29 set. 2017. 19Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/Decreto/D7724.htm>. Acesso em: 29 set. 2017. 20Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12528.htm>. Acesso em: 29 set. 2017.

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praticadas no período de 18 de setembro de 1946 até 5 de outubro de 1988, data da

promulgação da sétima Constituição brasileira, sem nenhum caráter punitivo.

O Relatório Final da Comissão Nacional de Verdade21, foi entregue à presidente

Dilma Rousseff em 10 de dezembro de 2014, dando por terminado os trabalhos

desta Comissão. No entanto, várias Comissões da Verdade Estaduais e

Universitárias continuam com seus trabalhos em aberto. Dessa maneira, o que

chamamos de “Justiça de transição”, aconteceu tardiamente no Brasil e se

comparado a países vizinhos, como a Argentina, não percebemos grande interesse

da sociedade brasileira quanto a nossa justiça de transição. O relatório não tratou de

um acerto de contas de um grupo contra o outro, é o acerto de contas do Brasil com

a sua história.

Essa latência do povo brasileiro em relação a um passado tão recente da sua

história e que ainda hoje possui milhares de pessoas que viveram tal época, cria

uma questão intrigante: por que, a maioria dos cidadãos não se envolvem ou dão

importância a tão relevante assunto de sua história? Por que a maioria da geração,

ainda viva, que viveu esse período não se envolve com o processo de justiça de

transição? Por que a grande maioria da nova geração, que não foi coetânea dessa

época, não se interessa pelo tema?

Tal desinteresse pode ser motivado, pelo menor uso de violência explícita na

ditadura brasileira (não sugerimos com isso, a ideia de que não houve violência),

devido a assídua utilização da censura e da divulgação de propagandas que

mostravam uma boa imagem do governo militar, expressando segurança, ordem e

desenvolvimento econômico e social. Também o número de mortos e desaparecidos

políticos foi extremamente inferior aos argentinos, considerada uma das ditaduras

mais violentas da América.

Na Argentina conta-se cerca de 30 mil mortos e desaparecidos durante a ditadura

militar (1976-1983), além das centenas dos filhos que foram tirados de suas mães e

entregues para adoção. No Brasil, segundo a Comissão Nacional da Verdade, foram

434 mortos e desaparecidos. Comparando a extensão da ditadura: 8 anos na

21 Disponível em: <http://www.cnv.gov.br/index.php/outros-destaques/574-conheca-e-acesse-o-relatorio-final-da-cnv> Acesso em: 05 out. 2017.

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Argentina e 21 anos no Brasil; e o número populacional, que vem seguindo a média

de o Brasil ter um índice demográfico quatro vezes maior que a Argentina; esse

número torna-se alarmante.

Enfatizamos, porém, que não queremos com essa colocação causar a impressão de

uma minimização ou falta de reconhecimento do sofrimento dos torturados, as vidas

perdidas em brutos assassinatos e a dor dos familiares brasileiros. Procuramos

apenas enfatizar que o impacto da violência na Argentina foi mais forte e visível à

sociedade, devido ao expressivo volume dos mortos e desaparecidos, que acabou

por comover a população que se voltou para uma justiça de transição logo após a

ruptura política argentina, que teve como marco o episódio da Guerra das Malvinas,

quando o governo militar perdeu a posse das ilhas para o Reino Unido em 1982,

vindo a enfraquecer os militares, que caíram do poder em 1983. Uma caso de

ruptura nítida, ao contrário do Brasil, em que os militares controlaram e passaram o

poder aos civis, com acordos de isenção de seus crimes contra os direitos humanos.

Percebemos que os militares brasileiros esforçaram-se através da censura e da

atuação dos órgãos de informação e de segurança, ocultar a repressão, evitando

que as torturas e mortes chegassem ao conhecimento do grande público, buscando

manter alienados a maioria da população brasileira. Enquanto os assassinatos de

populares em confronto com a força de repressão do governo argentino, aconteciam

até nas praças públicas, além do crescente número de desaparecidos, no Brasil, em

contrapartida, as torturas, “desaparecimentos” e os assassinatos ocorriam nos

porões da ditadura.

A luta armada na Argentina foi muito intensa e os confrontos dos militantes com o

governo militar eram visíveis. Enquanto no Brasil, ocorria o contrário, o movimento

da luta armada não teve a proporção dos argentinos e eram, ao máximo, abafados

pela censura. A propaganda de subversão e de anticomunismo propagada pelo

governo em torno dos contrários ao regime militar, era intensa, levando parte da

população a apoiar o governo e denunciar os “desordeiros” e os “subversivos”.

Sem tirar o mérito dos que decidiram pegar em armas para lutar e contrapor-se ao

governo, a conclusão que podemos chegar é de que a luta armada no Brasil não

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conseguiu atingir o seu objetivo de derrubar o governo e acabou por se tornar um

meio de justificação dos militares para a permanência no poder, a fim de manter a

segurança e a ordem, protegendo o país da ameaça comunista.

Também devemos salientar que o Brasil logo após a volta dos militares aos quartéis

e do poder ser entregue de forma controlada e pacífica aos civis, o país viveu um

período de silêncio, ao contrário da Argentina, que sofreu uma drástica ruptura,

seguida de julgamento e condenação de diversos militares envolvidos no período

ditatorial. As testemunhas falavam e eram ouvidas, criminosos contra os direitos

humanos, eram punidos. No Brasil, a justiça de transição serviu de esclarecimento e

em nenhum momento, houve qualquer punição aos crimes contra a violação dos

direitos humanos. Motivo de frustração por parte de familiares e alguns esquerdistas;

mas sem acompanhamento de uma indignação nacional.

O Brasil, após a assinatura do Estatuto de Roma22, que criou uma corte internacional

para verificação de crimes de guerra, lesa humanidade e genocídios, se

comprometeu a reconhecer as violações de direitos de muitos militantes torturados,

mortos ou simplesmente desaparecidos no período da ditadura vivida entre 1964 e

1985.

Neste contexto era necessário constituir Comissões da Verdade para que a memória

desses brutos anos fossem registradas e, assim fossem feitas reparações jurídicas

àqueles e àquelas que, como suas famílias e o povo brasileiro de maneira geral,

foram vítimas de torturas, sequestros, prisões arbitrárias e outras atrocidades nos

porões dos DOI-CODIS espalhados pelo Brasil. Dessa forma, apesar de algum

atraso, pela Lei 12.528 de 18 de novembro de 2011, constituiu-se a Comissão

Nacional da Verdade (CNV).

No Relatório da Comissão Nacional da Verdade que trata da Violação dos direitos

Humanos na Universidade é esclarecido que a ditadura exerceu uma política

autoritária dentro dessas instituições em meio de um contexto de perseguições e

violências contra a comunidade universitária.

Esse contexto se caracteriza principalmente por atos normativos que redundaram em afastamentos e demissões, por um lado, de professores e

22 O Estatuto de Roma foi criado em 1998 e o Brasil assinou esse tratado se comprometendo a executá-lo em 2002

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funcionários e, por outro, de estudantes. Também, as inúmeras invasões de faculdades ou de universidades demonstram a cultura política repressiva que conduziu os militares à prática de graves violações. Uma série de projetos, linhas de pesquisas, cursos e grupos foram afetados, e, muitas vezes, banidos do sistema. (BRASIL, 2014, p. 266)

De acordo com Müller e Fagundes (2014, p.45) a instalação da CNV

[...] motivou uma série de iniciativas interministeriais, como a do Ministério da Justiça (MJ), que, através do Aviso nº 1.069, de 04 jul. (sic) 2012, solicitou que todos os ministérios procedessem ao levantamento, à identificação e recolhimento – junto ao projeto “Memórias Reveladas”, do Arquivo Nacional (NA) – de documentos do período do regime militar que se encontrassem sob sua guarda.”

Após a Lei 12.528, segundo os autores, várias Comissões foram constituídas nas

universidades com o intuito comum de causar uma ruptura com o surdo grito de

silêncio referente àqueles anos de ditadura, criando ainda uma postura de revelação

e acesso a toda e qualquer informação que recriassem os episódios que marcaram

nossas universidades naquele momento. Assim, desde o ano de 2013 muitas

comissões universitárias, como as da UFES, UFBA e Unicamp, entre outras, se

reuniam para buscar formas de atuarem em conjunto na elaboração de relatórios

finais de suas comissões.

Universidades que concluíram seus relatórios da Comissão da Verdade

até junho de 2019

Universidade Nome da Comissão da

Verdade

Quant. de

Membros

Período de Trabalho

Volumes e páginas

Universidade Federal da Bahia (UFBA)

Comissão Milton Santos de Memória e Verdade

11 25 de outubro de 2013 a 18 de agosto de 2014

01 vol. 170 p.

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)

Comissão da Verdade da PUC-SP Reitora Nadir Gouvêa Kfouri

7 18 de novembro de 2011 a

dezembro de 2014.

Relatório on line,

sem paginação

Universidade de Anísio Teixeira de 14 10 de agosto de 01 vol.

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125

Brasília (UnB)

Memória e Verdade 2012 a 22 de abril de 2015

331p.

Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

Comissão da Verdade da UFRN

8 31 de outubro de 2012 a 2015

01 vol. 489p.

Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)

Comissão da Verdade e Memória “Octávio Ianni”

8 20 de setembro de 2013 a 1 de abril de 2016

01 vol. 60p.

Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)

Comissão da Verdade da UFES

10 27 de fevereiro de 2013 a 2016

01 vol. 192 p.

Universidade de Santa Catarina (UFSC)

Comissão Memória e Verdade da UFSC

10 16 de dezembro de 2014 a

dezembro de 2016

02 vol. v.1 – 421

v.2 - 400

Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP)

Comissão da Verdade Marcos Lindenberg

21 12 de junho de 2013 a 14 de dezembro de

2016

Relatório on line,

sem paginação

Universidade de São Paulo (USP)

Comissão da Verdade da Universidade de São Paulo

06 8 de maio de 2013 a 2018

10 vol.*

2.861 p.

Conforme a tabela acima, podemos averiguar que alguns relatórios não

apresentaram dia e mês de encerramento, apenas o ano.

* VOLUMES DO RELATÓRIO DA COMISSÃO DA VERDADE DA USP

Apresentação: 50 p.

Volume 1: A Assessoria Especial de Segurança e Informação (AESI) na

Universidade de São Paulo – 577 p.

Volume 2: Mandados de Segurança – 222 p.

Volume 3: Mortos e Desaparecidos – 281 p.

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Volume 4: Faculdade de Medicina – 323 p.

Volume 5: Faculdade de Arquitetura E Urbanismo – 349 p.

Volume 6: Faculdade de Direito – 215 p.

Volume 7: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, Ipm e Professores Cassados –

119 p.

Volume 8: Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo – 398 p.

Volume 9: Depoimentos de Ex-Estudantes – 230 p.

Volume 10: Fontes Documentais – 97 p.

É necessário destacar que os Relatórios da Comissão da Verdade da UFMG e da

UFPE estão inclusos em capítulos das Comissões Estaduais de Minas Gerais e

Pernambuco, e não foram feitas separadamente como as Universidades citadas no

quadro acima, sendo as únicas até o momento a apresentar esse trabalho em

conjunto.

Universidade Nome da Comissão da Verdade

Quant. de Membros

Período de Trabalho

Capítulo destinado a

Universidade

1. Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)

Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara

09 01 de junho de 2012 a 21 de dezembro

de 2016

Volume 02

Capítulo 13

221-250

2. Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Comissão da Verdade em Minas Gerais (COVEMG)

07 17 de julho de 2013 a

2017

Volume 05 Capítulo 12

01-168p.

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Os membros das Comissões da Verdade das Universidades eram compostos de

docentes e discentes de diversas áreas de conhecimento (História, Direito, Ciências

Sociais, Filosofia, Sociologia, Serviço Social, Relações Internacionais,

Administração, Física, Ciências Econômicas, etc) e servidores técnico-

administrativos. Devido ao árduo trabalho de pesquisa, ressaltamos que todas as

Comissões contaram com a participação de estagiários, colaboradores e voluntários.

A criação de dezenas de Comissões da Verdade por todo país, sejam estaduais,

municipais e institucionais, como as instauradas em muitas instituições de ensino

superior, decorreu da instituição da Comissão Nacional da Verdade (CNV), em maio

de 2012, criada pelo Congresso Nacional, através da Lei 12.528/2011. Eram

comissões criadas para auxiliar e dar suporte às investigações da CNV.

Nesse contexto, o Ministério da Educação (MEC), por meio do Ofício-Circular nº

11/2012/SAA/SE/MEC, de agosto de 2012, remeteu a todos os reitores das

universidades públicas, estaduais e federais, uma solicitação para que fosse

realizado um “Levantamento e Identificação dos documentos do regime militar a

serem recolhidos ao Arquivo Nacional”. Na prática, o ofício solicitava que as

universidades buscassem em seus arquivos documentos referentes à atuação dos

chamados “órgãos de informação” durante o período militar, como as Assessorias

Especiais de Segurança e Informação (Aesis) e as Assessorias de Segurança e

Informação (ASIs). Diante disso, foram criadas muitas das Comissões da Verdade

das Universidades.

No entanto, é interessante ressaltar a criação da Comissão da Verdade da UFRN,

que foi instituída diante da solicitação dos estudantes do Curso de Direito, em uma

carta intitulada “Pela abertura da Comissão da Verdade na Universidade Federal do

Rio Grande do Norte”, apresentado pelo do Centro Acadêmico Amaro Cavalcanti

(CAAC), entidade representativa dos alunos do referido curso, campus Natal. O

documento foi entregue à Reitora Ângela Maria Paiva Cruz, durante a VII Aula

Magna do Curso de Direito “Direito à Memória e à Verdade” do período letivo 2012,

2° semestre. Atendendo o pedido, a Comissão da Verdade da UFRN foi instalada

foi instituída através da Portaria nº 1.809/12-R, datada de 31 de outubro de 2012,

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assinada pela reitora Ângela Cruz. Segue Cópia da carta do Centro Acadêmico

Amaro Cavalcanti, cedida pela aluna do curso de Direito Aline Juliete Abreu:

O Brasil não conhece o Brasil. Num tempo de páginas infelizes de nossa história, as mãos distantes do peito e a súbita impressão do incesto são passagens desbotadas na memória das novas gerações. Retratos sem cores, recados sem vozes. Mães que apenas queriam embalar os seus filhos, que hoje habitam a escuridão do mar. É necessário compreender o período da ditadura para reconhecer os seus resquícios no que persistiu ao tempo e assomou-se ao autoritarismo e à violência em nossa realidade. Para compreender o hoje é preciso estar ciente das engrenagens da História que nos trouxe até aqui, nesta imensa roda viva, roda gigante. Feita por homens que nadaram contra a corrente até não poder resistir, com um saldo de centenas de professores e estudantes expulsos, presos, mortos ou desaparecidos, as Universidades brasileiras foram extremamente atingidas pela repressão da ditadura brasileira. A Universidade, desenvolvida para pensar o Brasil e seu povo como problema, deve resgatar a História enquanto espaço de efervescência, questionamento, crítica e empoderamento dos rumos da nação. Dotada de autonomia, a Universidade Federal do Rio Grande do Norte deve vincular-se ao compromisso de examinar e esclarecer todas as graves violações aos Direitos Humanos ocorridas durante a ditadura militar – para que não se esqueça, para que não se repita. O Centro Acadêmico Amaro Cavalcanti convida a Magnífica Reitora, por meio desta formalidade de abertura da VII Aula Magna do Curso de Direito da UFRN, a instaurar a Comissão da Verdade dentro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Até que tudo cesse, nós não cessaremos. Centro Acadêmico Amaro Cavalcanti (Comissão da Verdade da UFRN, p.35-36)

Todas as Comissões da Verdade Universitárias, tinham a finalidade de examinar e

esclarecer as graves violações aos direitos humanos praticadas contra discentes,

docentes e servidores técnico-administrativos. Umas trabalharam com abundante

acervo, e outras tiveram mais dificuldades devido à escassez de material

documental. Em comum as Universidades utilizaram fatos levantados em

documentos encontrados nos arquivos das próprias Instituições, em arquivos do SNI

e DOPS, AESI, em jornais, artigos, livros e relatórios e em depoimentos de

estudantes, professores e funcionários da época em questão. No entanto, todas

desenvolveram de forma satisfatória o objetivo a que se propuseram, considerando

as limitações de tempo, recursos e em grande parte, documentais, com que foram

obrigadas a trabalhar.

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Notamos um diferencial nos registros do Relatório da Comissão da Verdade da

PUC-SP em relação as demais universidades, que é bem descrito no seguinte

parágrafo:

A PUC-SP, amparada que esteve pela Cúria de São Paulo, diferentemente da USP e de outras universidades do país, não sofreu as quase irreversíveis perseguições institucionais e desmonte de seus projetos educacionais. Mas, também não passou ilesa, é certo; sofreu vários atos de violência perpetrados pelo regime de exceção. Contudo, soube resistir e ficou historicamente marcada como espaço de resistência, de denúncia dos atos de perseguição e violência da ditadura, e de apoio e proteção aos atingidos por estes atos do regime militar. Sua comunidade mostrou que a conivência ou a indiferença não são as únicas alternativas, e que é sempre possível resistir às situações de exceção. (Relatório da Comissão da Verdade da PUC-SP, 2014, disponível on line)

Em sua conclusão, todas as instituições apresentaram recomendações que têm em

comum os seguintes pontos:

1- Reparação simbólica de todos os indivíduos ligados às universidades que foram

afetados pela perseguição política, ou qualquer atitude arbitrária do governo

ditatorial.

2- Criação de um memorial em homenagem às vítimas da ditadura.

3- Mudança do nome de locais que homenageiam indivíduos envolvidos com o

governo militar, para marcar a ruptura que se busca com o passado.

4- Promoção de atividades de extensão que permitam o contato de estudantes do

ensino fundamental e médio com questões ligadas à temática das Comissões.

5- Revisão da Lei de Anistia para assegurar a responsabilização dos agentes do

Estado perpetradores de graves violações de direitos humanos.

6- Localização e abertura de acervos documentais ainda não depositados no

Arquivo Nacional.

7- Produção de material audiovisual, editorial e jornalístico para apurar o

desrespeitos aos direitos humanos no período ditatorial.

8- Identificação nos regulamentos universitários de eventuais permanências de

mecanismo autoritários.

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Percebemos que ao concluir os seus relatórios, as comissões instituídas em cada

universidade preocuparam-se em deixar recomendações que buscam determinar e

garantir a ruptura com o passado ditatorial, e reparar todos aqueles que foram

afetados pelas práticas violentas do regime, além disso, percebemos a preocupação

em abrir e levar para a comunidade externa, através de projetos de extensão, as

informações que foram averiguadas com os trabalhos das comissões para

conscientizar as novas gerações acerca dos perigos de um governo autoritário.

Dessas 11 universidades que concluíram os relatórios, analisaremos o relatório final

da Comissão da Verdade da Universidade Federal do Espírito Santo (CVUFES),

estabelecendo conexões com os relatórios da Universidade de Brasília (UnB), da

Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), da Universidade Federal da Bahia

(UFBA) e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Buscamos

contemplar as regiões geográficas brasileiras das Universidades que concluíram o

relatório: sudeste, sul, nordeste e centro-oeste. Nenhuma universidade da região

norte apresentou o relatório final, até o encerramento desta pesquisa. E na região

sudeste, foco de grandes repressões políticas, apenas as Universidades do Rio de

Janeiro, não concluíram seus trabalhos da Comissão da Verdade.

No entanto, o simples fato de comissões universitárias da verdade se reunirem com

o objetivo de criarem um conjunto de ações para atuarem juntas, já demonstra que

as práticas repressivas contra estudantes, funcionários administrativos e professores

foram comuns a todas as instituições. Práticas repressoras e violentas que incluíam

desde invasões dos campi, salas de aulas, espaços de convivência, expulsão de

estudantes, demissões de professores e funcionários, prisões, torturas,

desaparecimentos e mortes. Além de proibição de livros, revistas, jornais, panfletos,

etc. na vã tentativa de coibir a liberdade e expressão do pensamento político e

científico.

4.2 O CONTROLE POLÍTICO SOBRE AS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS: O

MODUS OPERANDI DAS ASI`s - UM PADRÃO DA POLÍTICA DE VIGILÂNCIA E

DA REPRESSÃO

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As mudanças no ensino universitário, reivindicadas pelos estudantes desde a

década de 50, a partir do ano de 1968 foram viabilizadas e, junto com a tão

esperada reforma escolar, veio a edição do Ato Institucional número 5, que como já

dito, foi a expressão mais requintada da truculência e violência contra os direitos

humanos no Brasil. No entanto, a reverberação de protestos vindos dos mais

diversos campi universitários eram, com certeza, fonte de preocupação da cúpula

militar. Receava-se que o perigo comunista ali, fincasse raízes.

Como se não bastasse a violência do AI5, os militares julgaram pertinente

recrudescer a repressão especificamente junto aos estudantes. E, logo no início do

ano de 1969, foi editado o Decreto 477/69, um dos eficientes tentáculos do AI5.

Esse Decreto, acirrou a repressão contra estudantes, professores e funcionários

administrativos das universidades. Era necessário ter maior controle dos meios

estudantis. O Decreto 477/1969, como já mencionado, permitia a expulsão de

estudantes e funcionários que atuassem frente às atividades políticas de oposição

ao regime militar.

Para dar vazão à capilaridade da repressão nas universidades, o regime implantou,

conforme (MOTTA, 2014), mecanismos que pudessem coibir ações contrárias ao

regime acirrando a repressão nas universidades. Assim, a partir dos anos 70, mais

especificamente em 1971, de acordo com Cunha (1991), foram criadas as

Assessorias Especiais de Segurança e Informações (AESI). Órgãos que seriam, em

conformidade a Fagundes (2013), os mais atuantes no quesito cuidado com a

segurança nacional, uma vez que tinham como maior objetivo vigiar e monitorar

todos campi universitários.

As atividades das AESI’s, bem como das Assessorias de Segurança e Informações

(ASI’s), no intento de reprimir toda e qualquer ação nas universidades, submetiam-

se à toda e qualquer regra que vinha das Divisões de Segurança e Informações que,

por sua vez, atendiam às determinações do Plano Setorial de Informações. Esse

Plano Setorial, segundo o que foi apurado pela Comissão Nacional da Verdade

(BRASIL, 2014, p. 277), tinha como responsabilidade criar contrainformações,

monitorar estudantes, professores e funcionários que deveriam alimentar todo o

sistema repressor das ASI’s.

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A Divisão de Segurança e Informação – DSI do ministério da Educação estava

ligada diretamente ao ministro e recebia orientações e normativas do SNI e da CSN,

no entanto, as assessorias-AESI era apresentada aos dirigentes como que

subordinada aos mesmos. A partir de suas seções e chefias e, mesmo assessorias,

esse aparato grande controlava e vigiava as instituições educacionais superiores

sempre por receio da infiltração de indivíduos que poderiam influenciar os

estudantes quanto à ideologia comunista.

A criação ou viabilização de órgãos como a Divisão de Segurança encontrou

respaldo nas manifestações de maio de 1968 quando estudantes exigiram reformas

educacionais levando o alto comando revolucionário se resguardar dos chamados

“inimigos da ordem”, silenciando qualquer ação ou atitude que contrariasse a

ideologia vigente de Segurança Nacional.

A Divisão de Segurança e Informação (DSI), definida no Decreto-Lei no 200/1967 como órgão de assistência direta e imediata ao ministro, não foi necessariamente uma inovação da Reforma Administrativa. Em julho daquele ano, as antigas Seções de Segurança Nacional foram transformadas em Divisões de Segurança e Informações, que passaram a cooperar com o Conselho de Segurança Nacional (CSN) e o Serviço Nacional de Informações (SNI). Merece destaque a criação de um quadro de cargos em comissão disponibilizado para operacionalização da Divisão. Apesar de preconizar a autonomia administrativa, o regulamento apontava indícios de maior controle sobre as atividades de informação no país. As Divisões poderiam receber atribuições diretamente da Secretaria-Geral do CSN e do SNI e, além disso, apesar de estarem submetidas diretamente ao ministro. (BRASIL, 2014, p. 282)

Ao analisar os relatórios das Comissões da Verdade das Universidades,

observamos que todos relatam o mesmo modus operandi da AESI, sofrerem

monitoramento em diversas áreas, sendo que seus relatórios junto ao SNI

resultaram em repressões e censura quanto aos materiais e livros utilizados em sala

de aula, reuniões acadêmicas, cortes de verbas para viagens e participações de

congressos científicos, suspensão ou expulsão de discentes e servidores,

transferências de docentes, prisões, desaparecimentos. A seguir, iremos descrever

alguns exemplos constantes nos relatórios analisados.

Segundo as pesquisas realizadas pela Comissão da Verdade da Universidade

Federal do Espírito Santo-UFES, após a localização de diversos documentos que

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nos revelava a maneira como esses órgãos repressores agiam, muitos desses

documentos nos afirma que a chefia da AESI/UFES foi entregue a um civil. O chefe

da AESI/UFES durante os anos de 1971 a 1986, era o advogado Alberto Monteiro

que no ano de 1972 chegou a frequentar o curso da Escola Superior de Guerra –

ESG, local em que apresentou, conforme suas palavras23, um estudo sobre a

ameaça vermelha na UFES e o quanto isso representava de insegurança para o

Estado brasileiro.

Logo após o golpe, a representação estudantil em todo o país foi desmantelada e

com os estudantes da UFES, essa realidade não foi diferente. Desde o golpe suas

atividades estavam sendo monitoradas. O aparato repressor já havia demitido e

mandado prender funcionários e professores, além de vários inquéritos policiais

militares abertos juntamente com a proibição de alguns estudantes se matricularem

devido às suas atividades políticas. Após a edição do Decreto-Lei n. 477/1969, ao

lado do AI5, o mais potente tentáculo do Leviatã brasileiro, a repressão recrudesceu

sobremaneira, colocando toda e qualquer atividade dos estudantes sob as lentes

microscópicas militares.

A necessidade de acabar com quaisquer vestígios ditos subversivos, levou Elias

Haddad, subdelegado regional da Polícia Federal no Espírito Santo a mandar retirar

35 livros de circulação nos campi da UFES. Tais livros foram considerados tóxicos à

juventude. Segundo apuração da Comissão da Verdade UFES (2016. p.51) na

relação de livros, estavam

[...] obras como História militar do Brasil, de Nelson Werneck Sodré; O Manifesto do Partido Comunista, de Karl Marx e Friedrich Engels; Política e revolução social no Brasil, de Otavio Ianni, Paulo Singer, Gabriel Cohn e Francisco Weffort; O golpe de abril, de Edmundo Munis; O canhão e a foice, de P. E. Lapide; Que foi o tenentismo, de Virgílio Santa Rosa; Que é o imperialismo, de Eduardo Balby; 1º de abril, de Mario Lago; A crise geral do capitalismo, de N. Draguilley; História contemporânea, de V. N. Ivestov e L. I. Zubeck; História da Idade Média, de B. A. Kominshy; Terra e sangue, de Mikhail Chelakhov; Marxismo e alienação, de Leandro Konder; A diplomacia do dólar, de L. Viadinirev; e até exemplares da Coleção Histórias Novas, de diversos autores.

23 O documento em que consta tais informações são da lavra do próprio Alberto Monteiro que o redigiu no estado da Guanabara em 15 de junho de 1972. Esse documento está disponível no Acervo da Comissão da Verdade UFES. Oficio s/n. Vitória. 1972.

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134

Observamos que qualquer livro que tivesse no título o termo revolução e/ou era de

autor cujo nome era de grafia russa ou pronúncia cirílica, foi condenado. Além da

proibição da circulação de livros considerados subversivos, era muito comum a

solicitação de informações sobre a maneira de agir de alguns professores, a

ideologia que pregavam e quais eram suas convicções políticas. Um desses casos

foi o do professor Affonso Bianco, então diretor da faculdade de Medicina que enviou

para Oswaldo Simões Sales, delegado do DOPS/ES, apenas 50 ofícios requisitando

informações político-ideológica de professores da unidade.

Diante desse quadro não é difícil inferir que o clima tão salutar de liberdade de um

campus universitário tenha ganhado nuances de um matiz cinza, opaco e sem

qualquer brilho. Havia no meio, muito receio em não obedecer os ditames da

repressão, embora muitos reitores faziam vistas grossas para os movimentos

políticos e culturais tanto de estudantes quanto de professores e funcionários. Como

que sofrendo de paranoia, os responsáveis pelas AESI’s, que posteriormente teve a

nomenclatura alterada para ASI’s, perseguiam obsessivamente o objetivo de evitar

que o fantasma do comunismo pairasse sobre nossas universidades.

Para termos do controle e vigília dos órgãos de repressão sobre as universidades

apresentaremos trechos de um Parecer Especial, identificado sob o nº 13/19/AC/78,

de 13 de dezembro de 1978 produzido pela CH/SNI, sobre as atividades do

Movimento Estudantil em 1978. O documento discrimina as atividades de

movimentos estudantis em várias cidades brasileiras. Quanto a 1977 ele avalia que

os movimentos persistiram em características político-ideológicas, articulando

panfletagens, greves, palestras, conferências, debates para conquistar a simpatia da

opinião pública e adentrar no ensino secundário. Quanto ao 1º semestre de 1978, o

documento discorre sobre os movimentos estudantis mais expressivos que

ocorreram nas cidades brasileiras. No 2º semestre de 1978, os movimentos se

apresentam de forma mais coordenada e organizada e apresentam novas

“bandeiras de reivindicações”, como anistia, volta dos banidos e cassados, fim das

prisões e torturas, fim do arrocho salarial, criação do Partido Socialista, liberdade

Sindical e direito de greve, melhores condições de ensino e maiores verbas para a

educação.

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No Parecer, o que diz respeito a Vitória/ES, constam as seguintes informações:

ESPÍRITO SANTO: Centro Biomédico/UFES; Faculdade de Farmácia e Bioquímica do Espírito Santo, greve em apoio a funcionários e protestos quanto ao projeto de regulamentação da profissão de Biomédicos. Atividades realizadas pelo Movimento Estudantil durante o segundo semestre de 1978: - em 03 e 04 Jul, reunião da Comissão Organizadora dos Encontros de Estudantes de. Administração (COEEAD); - em 25 Ago, assembléia geral de estudantes de Medicina, Odontologia, Farmácia e Biologia, na UFE5, em apoio à "Semana Nacional Por Melhores Condições de Ensino" e à regulamentação da profissão de biomédico; - em 30 Ago, reunião estudantil, na UFES, para discutir a proposta de reabertura do DCE; - de 12 a 15 Set, ciclo de debates sobre "Realidade Brasileira", no Colégio do Carmo, promovido pela Comissão Pró DCE/UFES; - em 03 Nov, reunião da Comissão Pró-Executiva dos ENEAD, para decidir sobre a realização do VI ENEAD; - em 09 Nov, eleições para o DCE/UFES; e - em 13 Nov, passeata de estudantes e candidatos do MDB às eleições de 15 Nov, do restaurante universitário à Catedral de Vitória, onde participaram de culto ecumênico pela libertação de "CAJÁ", celebrado por D. João da Mota Albuquerque e Pe. Lency Smaniotto. (AC_ACE_056_79.pdf HISTÓRICO 78 2, p 35.)

FIGURA 1: Documento do SNI FONTE: AC-ACE – 056/79.

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A figura anterior é um trecho extraído do documento citado acima, no qual

percebemos que além das atividades realizadas no ano corrente, no caso 1977, os

agentes realizavam levantamento das atividades que seriam desenvolvidas no ano

seguinte. Infelizmente, além da liberdade, esses organismos e expedientes

repressores e violentos, conforme Motta (2014, p.46), auxiliaram na criação

[...] nas universidades [de um] ambiente de medo e insegurança, que certamente atrapalhou a produção e reprodução do conhecimento, sobretudo nas áreas de saber mais visadas, para não falar do empobrecimento do debate político.

A figura a seguir é outro exemplo de documento que retrata a vigilancia das

atividades universitárias:

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FIGURA 2: Ficha de Pedro José Mansur FONTE: AC_ACE_105267_77, P. 5.

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FIGURA 2: Ficha de Pedro José Mansur FONTE: AC_ACE_105267_77, P. 6.

A ficha representada nas figuras anteriores foi solicitada em 29 de junho de 1977

pela ARJ/SNI, com o intuito de averiguar as atividades desenvolvidas pelo professor

Pedro José Mansur, e, percebemos como a descrição presente no documento é

uma amostra do controle que a Ditadura Militar exercia sobre as universidades. O

Relatório da Comissão da verdade da UFES (BRASIL, 2016, p. 141) cita a

intensificação das de vigilância do SNI em relação ao Movimento Estudantil, como a

figura seguinte nos mostra.

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FIGURA 4: Ficha de Benedito Tadeu César FONTE: BR_AN_BSB_VAZ_137_0189.

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140

A repressão aos estudantes e à comunidade universitária era feita de maneira legal

e, como já dito, havia o desejo de extirpar todos e todas que eram contrários à

ideologia em vigor. Situação semelhante à da UFES ocorrera também na

Universidade Federal da Bahia - UFBA, embora não tivesse sido completamente

organizada e selecionada a documentação referente a esse período, pois encontra-

se espalhada nas muitas unidades, a comissão da verdade dessa instituição foi

possível historiar algumas agressões e desrespeito aos direitos humanos. Assim, o

relatório escrito pela Comissão Milton Santos de Memória e Verdade da UFBA,

pode-se dizer que está inconcluso.

É interessante observar que a UFBA nem sempre concordou com os ditames dos

órgãos repressores, já que

[...] há indícios e mesmo provas de que nem sempre a Universidade obedeceu às determinações dos órgãos de vigilância e repressão para cassar matrículas, demitir professores e funcionários, ou deixar de contratá-los por razões de “subversão” (R.C.V. UFBA, 2014, p. 10)

Embora nos primeiros dias o golpe tenha sido comemorado pela classe média e

alguns funcionários das universidades – atitude que repercutiu em boa parte, o

pensamento de toda sociedade –, na UFBA não foi diferente. O flerte com a cúpula

“revolucionária” não tardaria esvair-se, pois a crueldade e violência das ações

repressoras cercando toda comunidade universitária, fez com que muitos não se

deixassem sucumbir.

Exemplos do que acabamos de apresentar, de acordo com a Comissão Milton

Santos de Memória e Verdade – UFBA, podem ser observados em vários episódios.

Um desses foi o ocorrido em 07 de abril de 1964 quando reunida a Congregação da

Escola Politécnica, o grupo solidarizou-se às ações do Comando da 6ª Região

Militar, felicitando e aplaudindo seus feitos à democracia brasileira. Outro episódio,

foi o que ocorreu dois dias depois (09/04/1964) por ocasião da reunião do Conselho

Universitário, em que o reitor Albérico Fraga regozijava-se ao comunicar que havia,

arbitrariamente, demitido Isidório Bispo de Oliveira, que de acordo com sua própria

fala, era um negro comunista e analfabeto.

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É possível inferir o quanto os dirigentes universitários eram conservadores,

preconceituosos e racistas. Todavia, como já dito, o fato de não informar ao

Comando Militar faltas de alunos considerados subversivos, já demonstra certa

resistência à ordem implantada. Tal resistência pode ser também evidenciada no

episódio ocorrido em 08 de abril de 1968, quatro anos após o golpe, quando em

reunião, a Escola Politécnica

[...] aprovou moção de pesar, de iniciativa do estudante Salomão Ghelfgot, representante discente na Congregação, e do professor Magno Valente, pela morte do estudante Edson Luiz, no Rio de Janeiro. A moção teve o seguinte teor: “A Congregação da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia, profundamente sensibilizada, une-se ao luto da juventude brasileira pelo assassinato do estudante Edson Luiz de Lima Souto e proclama o seu repúdio a todas as violências”. (R.C.V. UFBA, 2014, p. 19. Grifos nossos)

Por mais que a UFBA estivesse acuada e houvesse certa resistência por parte dos

dirigentes à ordem implantada em 1964, os militares tinham como mira, os

estudantes, funcionários e professores. Como na UFES, a UFBA, de acordo com

correspondência sigilosa do gabinete da reitoria, também teve livros censurados

com circulação proibida pelo ministério da Justiça cujas edições foram publicadas

em Portugal. Em conformidade ao relatório da Comissão da Verdade da UFBA

(2014, p.38), foram proibidos os livros dos seguintes títulos: “[...] A União Popular e o

Domínio da Economia; Um Português em Cuba; A Concepção das Superpotências.”

Além disso, posteriormente, nos idos de 1973, qualquer material informativo como

panfletos, revistas, jornais, boletins, etc.: para terem consentimentos de circulação

deveria receber a aquiescência da Procuradoria Jurídica da universidade e serem

registradas no Registro Civil das Pessoas Jurídicas, caso essa norma fosse

ignorada, seriam enquadradas como clandestinas e sofreriam os rigores da lei.

O desejo obsessivo de cercear a liberdade da comunidade universitária fez com que

nesse mesmo ano, 1973, a DSI enviasse correspondência sigilosa à reitoria da

UFBA, admoestando sobre algumas publicações de “cunho tendencioso”. Para a

DSI, os organismos contrários à ordem implantada no Estado brasileiro infiltravam-

se nas entidades estudantis cooptando seus líderes para que pudessem difundir “[...]

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ensinamentos antidemocráticos, insuflando a desordem, o descontentamento e o

desprestígio das autoridades constituídas” (R.C.V. UFBA, 2014, p. 27).

Retomando Motta (2014), a insegurança e o receio de ser indiciado e/ou preso e

torturado empobreceu o debate político nas universidades. A saída encontrada que

houvesse minimamente liberdade de expressão foram as artes cênicas. A vigilância

com espiões intra muros na universidade era tão acirrada que, para tentar burlá-los,

os locais das apresentações das peças eram alterados pouco antes de iniciar.

Exemplo dessa manobra foi o que ocorreu em novembro de 1973 por ocasião da

encenação da peça Alfaiate que já havia sido proibida pela DSI. Embora extenso

reproduziremos o relatório do senhor Sinval Mota Mascarenhas, agente 17, infiltrado

aos estudantes, cuja cópia foi descoberta pela Comissão Milton Santos de Memória

e Verdade, para que possamos ter uma ideia do quanto havia cerceamento das

liberdades agredindo os direitos humanos sem discriminação.

Em cumprimento da ordem recebida do Sr. Chefe do SCDP desta SR, relato que estive na [Faculdade de Filosofia]/UFBA, onde cheguei por volta das 10.10 horas, ficando em ponto de observação, nas proximidades do Auditório “Alfredo Brito”, local onde constava que a peça seria levada, sendo que no entanto, a mesma foi transferida para a sala de nº. 13, localizada próxima ao citado Auditório. Após algumas sondagens, apurei que o pessoal iria se reunir na referida sala 13, onde alguns estudantes universitários guardavam a porta de entrada, como a efetuar um serviço de triagem e fiscalização. Discretamente, e procedendo da mesma maneira, penetrei na sala utilizada como auditório, onde por volta das 10.45 horas, foi iniciada a encenação da peça Alfaiate, contando com oito figurantes e cerca de setenta estudantes, na condição de espectadores. Verifiquei ainda, que entre os figurantes cinco estavam vestidos de vermelho, um de branco (menina) e os demais vestidos normalmente. 2. Iniciada a apresentação, as portas da sala 13 foram fechadas, durante a apresentação da peça aproximadamente uns 30 minutos, com monólogos entre três dos oito participantes, com a participação principal da jovem de branco. Quanto ao texto em si de Alfaiate, retratava a figura de Tiradentes e a Inconfidência Mineira, de maneira dedutiva, servindo de crítica para o Governo Revolucionário Brasileiro. 3. Ainda no texto da peça constou a apresentação (encenada) da poesis Pesadelo, encaminhada com informação ao Sr. Superintendente, pelo Agente Mendonça, há poucos dias. [...] (R.C.V. UFBA, 2014, p. 28-29)

Dias mais tarde, o mesmo agente complementa seu relatório, pontuando que

por volta das 10.50 horas, estive na Faculdade de Filosofia da UFBA, no mesmo local onde ocorreu a apresentação da peça Alfaiate, a fim de verificar se a peça Canudos seria encenada hoje, conforme fora anunciada,

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oportunidade em que constatei que na sala de nº. 13 e no Auditório “Alfredo Brito”, não existia nenhum movimento que indicasse a apresentação da aludida peça. 2. Através informações de um colega universitário, estudante da UFBA – curso de Jornalismo, que ali se encontrava para assistir uma aula referente ao curso que faz, o qual me informou que a peça Canudos chegou a ser iniciada, todavia, por ordem superior, possivelmente do diretor da casa, a mesma fora suspensa. 3.Outrossim, esclareço, que um dos cartazes que anunciava a apresentação e que se encontrava afixado junto ao mural da Escola, havia sido retirado. (R.C.V. UFBA, 2014, p. 29-30)

Como podemos verificar, estudantes, professores e funcionários eram vigiados

constantemente, no entanto, a traquinagem típica da juventude burlava e burilava a

capacidade de vigilância dos agentes.

Como nas universidades já citadas, havia muitos dirigentes com comportamentos

contraditórios. Mesmo no olho do furacão ora defendiam, ora condenavam membros

da instituição que dirigiam. Exemplo disso é possível citar as ações do professor

Zeferino Vaz, criador e reitor da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP,

pelo período de 1966 a 1978.

Aplaudindo e auxiliando fervorosamente o golpe civil-militar de 1964, Zeferino Vaz,

de certa forma, tolerava bem a presença de “comunistas” no interior da instituição. O

que não admitia era que usassem aquele espaço para propagar ideias contrárias ao

governo. Com a mesma obstinação que defendia o governo dos militares, defendia

os membros da instituição contra qualquer arbítrio do mesmo regime. Valendo-se de

algum prestígio no seio do comando militar, Zeferino Vaz visitava docentes e alunos

nas prisões e porões da repressão.

Outra ação contraditória era o fato de a UNICAMP receber, praticamente de braços

abertos, estudantes que foram expulsos de outras instituições por atos lesivos ao

comando procedendo ainda o acolhimento e admissão como docentes, profissionais

que fugiam de seus países de origem devido a ditadura. Essas atitudes apenas

demonstra como que, embora tendo crescido sob as asas do regime militar, a

UNICAMP, não coadunou com as arbitrariedades do regime.

Como já dito, o SNI, a partir do DSI e das AESI’s/ASI’s controlava toda e qualquer

ação de estudantes, professores e funcionários, mas a UNICAMP sempre resistiu a

qualquer forma e autoritarismo. Um fato ocorrido no ano de 1981, no apagar das

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luzes do regime, demonstra claramente como a UNICAMP agiria a qualquer ação no

que tange em tolher sua autonomia. O senhor Paulo Maluf, então um dos

governador biônicos do estado de São Paulo quis impor nomes para dirigir as

unidades da universidade, tentativa que teve resposta quase de imediato da

comunidade universitária ao denunciar, a intervenção do governador, colocando a

sociedade contra o mesmo.

Em todas as universidades foi comum a intervenção de militares que usaram de

truculência para rechaçar qualquer possibilidade de liberdade para o debate

acadêmico, político ou científico. No caso da UNICAMP, podemos dizer que o mais

grave desses momentos em que a liberdade foi tolhida foi a tentativa da reforma

sanitária na busca de melhorar a medicina preventiva. Esses trabalhos tratavam o

processo da doença como um todo complexo como, também determinado por

questões sociais. Essa perspectiva de mudança do modo de profilaxia, alterava todo

o diagnóstico da doença, uma vez que a Sociologia e a Psicologia tinham um papel

preponderante.

Houve muita perseguição aos profissionais que por muitas vezes eram tidos como

personas non gratas. É importante observar que a perseguição que houve entre os

envolvidos do projeto de medicina preventiva, especialmente Sergio Arouca,

eminente figura política e militante do PCB, se deu logo após o fim da guerrilha.

Anamaria Testa Tambellini, companheira de Sergio Arouca na época, ao depor à

comissão da verdade da UNICAMP, Comissão da Verdade e Memória “Octávio

Ianni” apontou o quão grave foi aquela perseguição pois

[...] não foi uma perseguição a uma pessoa, ou duas, ou três que sejam. Foi a destruição de uma possibilidade muito rica de trabalho científico e de pensamento sobre serviço de saúde moldada em elementos muito avançados, e que até hoje no SUS não existe, mas que a gente ainda acredita que isso vai existir. (R.C.V, 2015, p. 28 – 29)

É interessante observar o quanto a obsessão em extirpar qualquer sombra de

hostilidade ao regime militar acabou com um projeto bastante inovador na área da

saúde. Tambellini relatou, na mesma ocasião, que o projeto havia iniciado pequeno

e que em pouco tempo já havia se propagado em várias cidades no entorno de

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Campinas e, principalmente, nas periferias em que havia o atendimento médico e

uma análise complexa entre a condição de vida e a saúde daquela população, que

participava inclusive das discussões.

A equipe, ao discutir com o paciente seu problema de saúde, explicava

minuciosamente quais os motivos do aparecimento da doença indicando sempre o

meio de vida, das condições de moradia, a falta de educação, a falta de um nutrição

e alimentação saudável, etc. Para os agentes da AESI, ao discutir com os habitantes

sobre o rizoma que causava a doença em si, havia uma doutrinação política que

poderia ser fatal ao regime.

A perseguição foi tamanha que houve proibição de reuniões entre os professor-

médicos e alunos, em seguida proibiu-se discutir com os pacientes o problema de

saúde e, finalmente, chegou a proibição de os professores, que estavam no projeto,

lecionarem.

Lendo os relatórios, não temos como contabilizar o número exato de presos,

perseguidos ou mortos no meio acadêmico, muitas vezes pela documentação

incompleta com que as Comissões dessas Universidades tiveram que trabalhar.

Como exemplo, podemos citar o relatório da Comissão da Verdade em Minas Gerais

(COVEMG), que tem um capítulo específico para a repressão na UFMG, notamos

que o relatório final descreve que entre presos, torturados e ou mortos, chegou-se

ao total de 1.026 pessoas, sendo que, entre elas, havia dois padres. Não há,

portanto, separadadmente, uma especificidade numérica.

Ao ler os relatórios das Comissões da Verdade das Universidades, retomamos Motta

(2014) que habilmente, classificou esse tempo como aquele que atrasou, em muito

com a produção e reprodução da inovação e do conhecimento em todas as áreas.

Acrescentamos às falas de Motta que a maneira como aqueles estudiosos

participavam a população, explicando as mazelas que estavam ao seu redor,

prestavam um grande serviço à construção da cidadania, que tanto nos faz falta

atualmente.

Diante do exposto, fica claro que a educação superior sofreu bastante durante o

período de 1964 a meados da década de 80. Mesmo com a extinção das

DSI/AESI’s/ASI’s, é indiscutível o prejuízo causado ao povo brasileiro e às

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instituições universitárias, principalmente no que tange à afirmação de uma cultura e

consciência política.

Trazer à tona a memória desses árduos anos faz-nos pensar o quanto o passado é

terreno movediço e a certeza de que não entrar nessa seara e tornar o futuro mais

longínquo. É preciso mudar algumas visões e buscar mais rapidamente a justiça de

transição, ainda que tardia. Acreditamos que essa é uma das maneiras para evitar

que a sociedade atual avente a possibilidade de retorno daqueles sombrios anos.

Mesmo concordando com Motta (2014) de que os governos militares tentaram

desmoralizar a oposição às ideias do comando revolucionário, as universidades

eram, e ainda o são, eixo central da sociedade para inovar e trazer mais discussões;

produzir e reproduzir conhecimentos com liberdade pedagógica e de expressão,

tornando ponto estratégico para disseminação da tolerância, igualdade e cidadania.

É preciso educar a memória coletiva de que aqueles anos foram vencidos e, o que

hoje vigora é um Estado Democrático de Direitos.

4.3 A FUNÇÃO SOCIAL DAS COMISSÕES DA VERDADE

As Comissões da Verdade pelo mundo, foram criadas para averiguar atos

autoritários e violações dos direitos Humanos. Bevernage (2019, p. 36), relata que

sociedades enfrentarem legados violentos de ditaduras ou guerras civis é uma

necessidade que remonta à Atenas Clássica, pois, entre os anos de 411 e 403 A.C.

Os atenienses, por duas vezes, precisaram restaurar a democracia que havia sido

derrubada por oligarcas. Mas, é somente depois da Segunda Guerra Mundial que

conseguimos compreender a justiça de transição como algo internacional e

extriordinário. O autor continua o texto (Bevernage, 2019, p. 36) estabelecendo 3

fases para a justiça de transição na contemporaneidade, a primeira se dá os

julgamentos de Nuremberg, que ele chama de fase pós-guerra, a segunda fase,

intitulada pós-Guerra Fria, está ligada com as transições democráticas do final da

década de 1980, enquanto a terceira fase, intitulada de fase de curso estável, se

associa com “[...] as condições contemporâneas de conflitos persistentes que

assenta a fundação para uma lei normalizada.” (Bevernage, 2019, p. 36)

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Comissões da Verdade foram formadas no final do século XX em países como

Argentina, Uruguai, Zimbabwe, Uganda, Nepal, Chile, Chade, Alemanha, El

Salvador, Sri Lanka, Haiti, Burundi, Equador, Guatemala, Nigéria, Serra Leoa,

Paraguai, Timor Leste, República Democrática do Congo, Libéria e Quênia, mas,

ressaltamos que a Comissão da Verdade e Reconciliação (TRC)24 da África do Sul

em 1995, que foi a primeira a realizar audiências públicas e argumentar que a

revelação de verdades até então ocultas ao grande público, poderia ser uma forma

alternativa de justiça, pelo menos a mais adequada, dentro das limitações das

Comissões da Verdade, que não possuem poder de julgamento ou punição. Diante

disso, a TRC sul-africana, passou a ser um modelo padrão de comissão a ser

seguido, como parte do processo de justiça de transição de um país.

Mas se os relatórios produzidos pelas Comissões da Verdade não tem caráter

punitivo, qual seria sua utilidade? Essa pergunta ressoa na cabeça de muitos, mas a

resposta a essa questão aplica-se a função histórico-social dessas Comissões.

[...] Acredita-se que revelar a verdade sobre o passado é altamente

instrumental no objetivo de alcançar a paz social e restaurar a confiança cívica em nações feridas, pois, de acordo com um de seus principais defensores, “uma sociedade não pode reconciliar-se sobre a base de uma memória dividida”. A verdade, além disso, tem sido considerada cada vez mais um valor absoluto e irrenunciável”, e, como observado por Luc Huyse, comissões da verdade recentes estão baseadas na ideia de que a lembrança da verdade traz consigo um forma suprema ou definitiva de justiça. Ao invés de ser uma troca que sacrifica a busca da justiça em prol da estabilidade política, como alguns estudiosos argumentam, defensores das comissões da verdade afirmam que conceitos legais inovadores como “verdade como reconhecimento (acknowledgment)” e “justiça como reconhecimento (recognition)”, diminuem as tensões entre verdade e justiça e proporcionam legitimação moral para essas comissões. (BEVERNAGE, 2019, p. 45)

Defendemos que a verdade é relativa, fatos ou documentos novos podem alterá-las,

ampliá-las. Na ciência histórica, a verdade não é algo estático ou pronto. Mas essa

verdade defendida pela Comissões da Verdade, fazem alusão para uma verdade

factual, documental, de análises técnicas de “memórias subterrâneas”. Muitas vezes,

24 Para saber sobre a TRC ver: DU TOIT A., The Moral Foundations of the South African TRC. Truth as Acknowledgement and Justice as Recognition. In: Rotberg & Thompson, Truth vs. Justice. p. 112-140.

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os trabalhos das Comissões por serem regulamentadas por leis federais, acabam se

tornando verdades oficiais, mas devemos nos atentar que para o historiador, algo

novo pode sempre surgir do passado, através de gritos documentais, que até então

repousavam no silêncio histórico, nenhum fato ou acontecimento histórico tem sua

verdade esgotada, pois nunca sabemos qual fênix pode ressurgir das cinzas do

passado.

Indubitavelmente, afirmamos que a história é um patrimônio nacional de um povo, e

ela deve ser preservada. Recolher, organizar, disponibilizar a história da violação

dos direitos humanos durante regimes de governos autoritários, é, sem dúvida, a

grande e valorosa contribuição das Comissões da Verdade.

Claro, que esses relatórios engavetados não surtirão o efeito esperado, que é trazer

à tona as memórias renegadas e escondidas do período autoritário. É preciso que as

informações cheguem ao povo, é preciso circular, é preciso reviver essa história,

para que realmente haja justiça em relação às muitas perdas sofridas nessas

ditaduras, sejam perdas de vidas, sociais, culturais, econômicas, em síntese, os

direitos democráticos cerceados nesses anos de governos.

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CONCLUSÃO

Um trabalho de pesquisa, como é o caso dessa tese, que se propõe a trabalhar de

forma crítica os eventos do regime militar brasileiro, se mostra de fundamental

importância quando nos damos conta que nosso país é o único onde questões

morais da ditadura são discutidas, e, ainda se ressalta as supostas virtudes do

regime militar. Na era das mídias sociais ficou fácil para que qualquer indivíduo

exponha opiniões que carecem de maior aprofundamento, fenômeno que afeta o

período ditatorial brasileiro, em períodos de ruptura, como o que vivemos nesse

momento. Como esclarece Schwarcz (2019, p.20) sabemos que o conhecimento

total do passado não é possível, mas, pretendemos fazer as pessoas “lembrar”,

fazê-las repensar o presente e planejar um futuro melhor.

A Ditadura Militar foi um período obscuro, violento, e autoritário e não podemos

permitir que as pessoas se apossem da narrativa história e proponham um

revisionismo acerca do conhecimento desse período, aproveitando-se de momentos

de crise profunda da nossa sociedade, buscando estabelecer que a época da

ditadura foi um período que usam de violação dos direitos humanos com o intuito de

manter e ordem e estabelecer uma suposta democracia no país, justificando-se pelo

que a perseguição foi somente contra indivíduos perigosos, tidos como inimigos do

país. Além de exaltarem o grande desenvolvimento econômico, mascarando as

crises, recessão, aumento considerável da divída externa e índices inflacionários

galopantes, resultantes desse período.

Frisamos que com a utilização dos fatos expostos nos capítulos da tese,

defendemos a hipótese que norteia esse estudo, que apesar da propalada abertura

política anunciada pelo presidente general Ernesto Geisel durante os anos de 1974

a 1979, houve um adensamento da atuação da Comunidade de Informação no

interior da universidades brasileiras, ou seja, apesar do discurso moderado, de

defesa de abertura lenta e gradual do regime, na prática se percebe a manutenção

das práticas autoritárias que marcaram os anos anteriores do regime.

Devemos nos atentar para a repercussão da repressão para a história educacional

e política brasileira, bem como, a resistência estudantil que se levantou contra essa

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ditadura. O Estado Ditatorial Brasileiro implementou uma Reforma Universitária que

acabou por se voltar contra o próprio governo, pois, na medida em que a

universidade se caracterizava como espaço de circulação de ideias, o terreno se

tornava promissor para o surgimento de estudantes críticos do regime, afinal, eram

indivíduos cujo acesso ao ensino superior possibilitou o aprimoramento do senso

crítico, daí o aumento dos questionamentos contra o regime na segunda metade da

década de 1970 e, consequentemente o aumento da repressão política.

Retornamos a problemática e a hipótese que abriram esse trabalho: Se Geisel foi o

presidente da abertura, o porquê do paradoxo em seu governo entre abertura

política e acirramento da repressão política nas universidades?

Defendemos a hipótese de que o governo do presidente General Ernesto Geisel não

idealizou a abertura política e durante os anos de 1974 a 1979 aplicou uma política

de institucionalização do regime seguida de uma distensão autoritária, não sendo

moderado no consoante a política de Estado de repressão e extermínio, e, ao

contrário do que dizia, o mesmo tinha total conhecimento da atuação dos órgãos de

vigilância e repressão.

Geisel deu continuidade a política de modernização autoritária do regime, e isso

acirrou a política de repressão de seu governo. Concluimos, portanto, que o regime

militar é cheio de paradoxos e contradições, e como diz Motta (2014), ás vezes era

preciso contornar as demandas conservadoras, embora mantendo o autoritarismo,

para poder implantar a política de modernização. É perceptível que o resultado das

políticas modernizadoras para desenvolver os setores econômicos e tecnológicos do

país, com a utilização de mão-de-obra profissional especializada seria

obstacularizada pelo conservadorismo do regime. Embora houvesse alguns

contornos no conservadorismo para que os resultados da modernização fossem

alcançados, o aparato autoritário do governo agiu de maneira enfática procurando

reprimir os inimigos ideológicos, sendo portanto, um instrumento essencial para a

implantação da pauta modernizadora.

Estava claro na política do governo que era preciso desenvolver o país com a

expansão industrial e mecanização agrícola, sem perder o controle do Estado,

apesar dos problemas de instabilidades sociais que o aumento da urbanização e do

operariado poderia gerar, além do aumento do contato com o exterior. Além, é claro,

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dos problemas surgidos nas comunidades acadêmicas, onde desenvolver e expandir

a pesquisa dos cursos superiores, resultariam em um aumento do fluxo de alunos e

professores, e consequentemente de questionamentos e das insatisfações políticas,

e para monitorar isso, a ASI tinha que trabalhar, monitorando e relatando todo

comportamento considerado subversivo, evitando que a situação saísse do controle

do governo. Daí a intensidade dos trabalhos das ASIs nas Univerdidades

espalhadas pelo território nacional, durante o governo de Geisel.

Geisel foi realmente o bom sacerdote que idealizou e guiou o Brasil para a sua

democratização? É assim que deve ser lembrado? A resposta é não. A ideia de

abertura já existia entre parte da cúpula militar. E inicialmente ele procurou a

institucionalização, buscando a contínua legimitade do governo, controlando todas

as áreas de forma autoritária, para a partir de 1978 iniciar a distenção que geraria a

abertura no governo posterior. Portanto, ele não foi o idealizador da abertura,

promoveu um governo através de uma modernização autoritária, que não tinha nada

haver com os anseios democráticos, e buscava legitimar o regime ao promover um

desenvolvimento econômico que acalmasse as massas populares. Apesar da

resistência democrática de vários movimentos sociais do período, com destaque

para os movimentos estudantis e do novo sindicalismo, é perceptível que essa

legimidade alcançou boa parte da sociedade, pois até na atualidade, percebemos

em muitas pessoas essa política de moralização que os militares aplicaram, devido a

aceitação de muitos brasileiros aos desmandos dos castrenses em favor da ordem e

da dita “democracia”. Enfim, Geisel desenvolveu a recorrente cultura politica da

história do Brasil, que de forma autoritária, busca a negociação entre as elites e a

conciliação em momentos de transição política.

Se faz necessário atentarmos para o pensamento de Dankwart Rustow, que define a

mudança da cultura política como parte da democratização. Assim, levantamos as

seguintes questões: Houve uma mudança da cultura política brasileira após 1985? O

Brasil vive uma democracia plena? A verdade é que não superamos a Ditadura

Militar, não foi possível estabelecer uma adequada ruptura, afinal, a transição para a

democracia esteve sob o controle dos chefes do regime militar, logo, não realizamos

um julgamento contra os perpetradores de atos que desrespeitam os direitos

humanos. A falta dessa ruptura possibilita a existência, nos dias de hoje, de

discursos que enaltecem a ditadura como um período do passado em que o país era

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um lugar melhor, por isso, podemos afirmar que nossa democracia ainda é muito

frágil e que a cultura política brasileira não sofreu nenhuma mudança redundante.

Como disse Santayana, “um povo que não conhece sua história está condenado a

repetí-la”. Portanto, o objetivo das Comissões da Verdade é reconstituir a

participação da Comunidade acadêmica no período da ditadura militar brasileira,

seja nas inúmeras repressões sofridas, ou seja na resistência ao arbítrio e à

violência do regime. Isto significa, de um lado, buscar registrar as memórias, até

então silenciadas, dos que resitiram a opressão. E, de outro lado, preservar um

passado que busque ativar memórias que nos instruam na condução do presente e

no rumos do futuro da hisória do país, que cabe a todos os cidadãos brasileiros,

assumir. Daí a importância do registro, que leve ao conhecimento, ao debate e ao

discernimento histórico-político-social de um povo, para que ele realmente venha

conhecer a sua história e contribuir para a construção consciente e crítica da

mesma.

Esperamos, portanto, contribuir para a importância histórica dessa temática, através

de um trabalho que possa ser uma fonte fidedigna, dando o devido enfoque histórico

que tal assunto merece, procurando discorrer sobre os episódios ainda um tanto

obscuros da repressão nas universidades, em especial no período de 1974 a 1979.

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ACERVOS PESQUISADOS

Arquivo Nacional – Rio de Janeiro e Brasília: Acervo do Serviço Nacional de Informação (1974 a 1979).

Documentos da AESI/ASI catalogados pela Comissão da Verdade da UFES.

Document 99. Memorandum From Director of Central Intelligence Colby to Secretary of State Kissinger. Foreign Relations of the United States, 1969–1976, Volume E–11, Part 2, Documents on South America, 1973–1976.

Gazeta do Povo, 18 de mai.1977, p.9

Jornal do Brasil, 13 de set.1996.

Jornal Folha de São Paulo, em 16 de mar.1974.

Jornal Folha de São Paulo, em 13 de set. 1996.

Jornal O Globo, em 13 de set. 1996.

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RELATÓRIOS DAS COMISSÕES DA VERDADE PESQUISADOS

Relatório Anísio Teixeira de Memória e Verdade - UnB, Brasília-DF, 2015. 331 p.

Relatório da Comissão da Verdade da PUC-SP Reitora Nadir Gouvêa Kfouri, São Paulo-SP, 2014.

Relatório da Comissão da Verdade da UFES, Vitória-ES 2016. 192p.

Relatório da Comissão da Verdade da UFRN, Natal-RN, 2015. 489p.

Relatório da Comissão da Verdade da Universidade de São Paulo - USP, 10 vol, 2018.

Relatório da Comissão da Verdade e Memória “Octávio Ianni” - Unicamp, São Paulo, 2016. 60p.

Relatório da Comissão da Verdade Marcos Lindenberg - UNIFESP, São Paulo, 2016.

Relatório da Comissão Estadual da Memória e Verdade Dom Helder Câmara: Recife-PE, 2016. Vol. 02, Cap. 13. 221-250p.

Relatório da Comissão Estadual da Verdade de Minas Gerais, 2017. Belo Horizonte-MG, Vol. 05, Cap. 12. 01-168p.

Relatório da Comissão Memória e Verdade da UFSC, Florianópolis-SC, 02 vol, 2016.

Relatório da Comissão Milton Santos de Memória e Verdade - UFBA. Salvador-BA, 2014, 180p.

Relatório da Comissão Nacional da Verdade. Volume II, texto 06: Violação dos direitos humanos na universidade. 2014.

ARQUIVOS ON LINE:

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<http://www.encontro2012.rj.anpuh.org/resources/anais/15/1338430408_ARQUIVO_AsbasesdaReformaUniversitariadaditaduramilitarnoBrasil.pdf> Acesso em: 17 mar 2019. <https://www.pucsp.br/comissaodaverdade/sobre-a-cvpuc-apresentacao.html. Acesso em: 28 mai. 2019.

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ANEXOS

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Carta do Ministro da Educação e Cultura Ney Braga aos reitores Fonte: Brasília/BR_AN_BSB_AA1_ASR_008.

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(14 páginas de anexo)

Fonte: Brasília/BR_AN_BSB_AA1_ASR_009