A violência enraizada na Amazônia - Reportagem

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A violência enraizada na Amazônia - Reportagem IndependenteLeo Barbosahttp://historiaincomum.com.br/

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  • A violncia enraizada na Amaznia

    Embora derivada de uma cidade do sculo XVIII, Tabatinga um municpio

    novo que recebeu sua autonomia em 1983. A cidade, localizada no corao da

    Amaznia, ao lado esquerdo do Rio Solimes, fica a 1008 quilmetros de

    Manaus e faz fronteira com a Colmbia e o Peru. A cidade pequena, cerca de

    50 mil habitantes, sem contar os estrangeiros que fincam estacas por l,

    carrega nos ombros o peso da violncia causada pelo Narcotrfico

    Internacional.

    Segundo o levantamento feito pelo jornal O Estado de S. Paulo, nos trs

    primeiros meses de 2015, nove pessoas foram assassinadas em Tabatinga.

    Foram 17 mortos no ano passado, 27 em 2013 e 47 em 2012. Segundo a

    Polcia Militar do local 80% dos casos tinham a ver com o trfico de drogas e

    acerto de contas.

    Antnio Jorge Pevas (40) Conselheiro Tutelar na cidade h trs anos e

    militante pela causa da criana e do adolescente h dez, viu nascer o primeiro

    Conselho Tutelar da cidade em 1999, ano do seu primeiro mandato como

    Conselheiro. Ele explica que um dos grandes problemas do lugar,

    principalmente para o jovem e o adolescente, a ociosidade: no temos muita

    coisa para oferecer aos jovens e aos adolescentes e, com isso, eles se

    envolvem com o narcotrfico. Hoje tem muitos envolvidos com a questo da

    pistolagem. Uma coisa que no tnhamos aqui assalto mo armada e est

    comeando a acontecer.

    O Conselheiro explica que com as poucas opes os jovens optam pelos bares

    e danceterias, e a falta de cooperao por parte de alguns comerciantes viola

    uma srie de determinaes do Estatuto da Criana e do Adolescente (ECA).

    Os comerciantes contribuem negativamente para a preveno. Permitem que

    os jovens e adolescentes usem drogas e lcool, e fazem vista grossa

    explorao sexual.

    O desemprego outro dilema que o municpio enfrenta. Com a falta de

    estrutura da cidade e a distncia de Manaus, o principal mercado consumidor

    do estado, as empresas no se interessam pela regio e acabam restando

  • apenas trs opes para os moradores: o comrcio local, a prefeitura e o

    exrcito. De acordo com o Centro de Comunicao Social do Exrcito

    (CCOMSEx), historicamente, o Exrcito partcipe do processo de integrao

    e desenvolvimento da regio, sendo que muitas reas evoluram com a

    implantao das unidades especiais de fronteira, valendo-se, inclusive, da

    infraestrutura existente e mantida pelo Exrcito.

    A presena de soldados em regies fronteirias de longa data. Por exemplo,

    em 1950 eram 1000 homens que atuavam nas fronteiras do Amazonas, hoje o

    nmero de 31 mil. Segundo o Coronel Amauri Sivestre, a Amaznia hoje a

    grande prioridade do Exrcito, e ao mesmo tempo um grande desejo

    internacional. Na nossa contribuio, temos a responsabilidade de, at 100

    quilmetros da fronteira, tomar as providncias cabveis de operao policial,

    pela lei! Ento, se at 100 km estiver tendo um desmatamento, ns podemos

    interromper, alm disso, s com autorizao da presidente da repblica,

    explica.

    O Exrcito Brasileiro atua, permanentemente, no combate aos delitos

    transfronteirios e ambientais da Regio Amaznica. As operaes na faixa de

    fronteira, normalmente, so desencadeadas em coordenao com os diversos

    rgos e agncias governamentais responsveis pela fiscalizao, afirma o

    CCOMSEx - alm do Exrcito, importante frisar que esta tambm uma

    questo a ser tratada no nvel da Segurana Pblica do Estado. Apesar desses

    esforos, Antnio lamenta a atual condio da cidade: a fronteira com o Peru

    muito grande e no existe uma fiscalizao no rio, apesar do exrcito. Para

    combater a criminalidade preciso combater a droga. Essa uma regio

    estratgica e, se no olharem com olhos diferenciados pra c, a situao no

    vai melhorar. Quem sofre com isso so nossos jovens, crianas e adolescentes

    que se tornam vtimas das drogas.

    Procurada pela equipe de reportagem, a Secretaria de Segurana Pblica do

    Estado do Amazonas no se manifestou at a publicao desta reportagem.

    A cidade das pessoas sem nome

  • Outro lugar da regio amaznica que vive o drama da violncia So Gabriel

    da Cachoeira. A cidade, fronteiria Colmbia e Venezuela, tem uma das

    maiores extenses territoriais do Brasil. Cerca de 90% da populao

    indgena, e estes, possuem aproximadamente 80% do territrio municipal. O

    lugar encarna o medo e, segundo alguns moradores, esse medo tem nome:

    Marcelo Carneiro Pinto, Arimatia Carneiro Pinto e Manuel Carneiro Pinto, e

    outros empresrios da regio.

    Os irmos foram presos pela Polcia Federal, com o apoio da Fora Area

    Brasileira (FAB), em 2013, na Operao Cunhat, que desarticulou uma rede

    de explorao sexual de adolescentes indgenas no municpio a 852

    quilmetros de Manaus. Alm deles, empresrios, um ex-vereador, militares do

    Exrcito e um motorista tambm foram presos. O crime foi denunciado por 12

    famlias ao Conselho Tutelar da cidade, as adolescentes acusaram nove

    homens, mesmo com a vida sob ameaa.

    Durante as entrevistas para esta reportagem ningum quis se identificar, em

    alguns casos, sequer se apresentaram. So Gabriel da Cachoeira abriga uma

    populao que convive com a violncia e, para sobreviver, se omite o nome por

    medo e precauo. Ao questionar uma funcionria pblica da cidade sobre a

    violncia e seus impactos no dia a dia do morador, ela logo foge da conversa.

    Apenas diz que um dos problemas do municpio a falta de conhecimento dos

    pais quanto aos direitos da criana e adolescente, mas que no tinha muita

    coisa a dizer, alm de que so feitas palestras para orientar as famlias.

    Pergunto seu nome, ela responde enftica: voc no vai pr meu nome nisso

    a, no, n?.

    Para a Presidente Estadual de Conselhos Tutelares do Estado do Amazonas,

    Silvia Carla Cardoso, o problema maior esta na morosidade da justia. O

    conselheiro tutelar teme a prpria vida. A cidade pequena e a demora no

    julgamento dos casos um grande problema. O conselheiro encontra esse

    agressor na rua, cruza com ele na calada, necessria uma rede apropriada

    para o trabalho dele. O juiz passa uma vez por ms na cidade! Seguir com os

    procedimentos necessrios nessas condies complicado, explica.

  • A primeira coisa que Simone (nome fictcio), que viveu durante 10 anos na

    cidade, diz, depois de pedir para omitir sua identidade, : no existe lei em

    So Gabriel da Cachoeira, pessoas poderosas mandam ali. Ela conta sobre as

    violaes que acontecem na cidade e se tornam um ciclo vicioso: em So

    Gabriel uma coisa leva a outra, pedofilia... drogas... explorao sexual.

    Ela tambm teme os poderosos da cidade e explica que por serem gente

    grande se escondem atrs dos benefcios que isso traz. Seu irmo foi

    violentado por um gente grande e carrega esse fardo que o atormenta h

    anos. Ele nunca disse quem foi, ameaaram ele, mas quando viu as prises

    na TV chorou muito e disse: Deus existe e vai fazer justia. Ele foi abusado no

    dia do aniversrio dele, todos os anos ele chora e se isola. No gosta de

    festas!.

    O municpio foi a primeira cidade brasileira a reconhecer outros idiomas como

    oficiais, alm do portugus. Em 22 de novembro de 2002, o nheengatu, o

    tucano e o banua, lnguas tradicionais faladas pela maioria dos habitantes do

    municpio, tambm foram consideradas oficiais. Com isso, por grande parte das

    crianas e adolescentes no saberem o portugus, o nmero de vtimas da

    violncia cresce, conta Simone. Eles so atrados por qualquer novidade e,

    como no entendem, entram em qualquer veculo. So Gabriel tornou-se uma

    alegoria sobre parte da histria do Brasil, mas no lugar dos espelhinhos

    europeus, os aparelhos eletrnicos so a moeda de troca com os indgenas

    para um mundo de dor e abusos.