A VISÃO DO CEGO -...

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A VISÃO DO CEGO

E OUTRAS HISTÓRIAS

E. ALYSON RIBEIRO

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Agradeço a Deus por tudo que Ele tem feito por mim. Dedico

esse livro aos meus pais, Edy e Adriana, a minha querida Bruna

e a minha irmã Ana. Sou grato a todos os professores por serem

heróis que, lamentavelmente, poucos valorizam e em especial

sou grato ao professor José Davi Barbosa.

E. ALYSON RIBEIRO

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“A VISÃO DO CEGO E OUTRAS HISTÓRIAS” é uma obra

independente de E. Alyson Ribeiro. Essa obra foi

registrada no Escritório de Direitos Autorais e, portanto,

está sob o os cuidados da LEI Nº 9.610, DE 19 DE

FEVEREIRO DE 1998.

Preparação de Texto Edy Alyson A Ribeiro

Revisão José Davi Barbosa

Capa Bruna Caroline Costa Oliveira e Edy Alyson A Ribeiro

Diagramação Edy Alyson A Ribeiro

REEDITADO

ISBN : 978-85-67765-84-6

B.869.8 ; B869.3

156p.

TODOS OS DIREITOS RESERVADOS A EDY ALYSON A

RIBEIRO.

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SUMÁRIO

PREFÁCIO........................................................................9

CONTOS:

A VISÃO DO CEGO ............................................................ 15

O AMOR EM FORMA DE LEMBRANÇASError! Bookmark

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MISTÉRIOS DA VIDA ....................................................... 21

O SABER DA LOUCURA .................................................... 43

O CÁRCERE DO CIÚME .................................................... 61

O AMOR REVELADO POR UMA CRIANÇA ................... 67

SONHOS NO DESENHO DO DESTINO ......................... 85

O HERÓI FORMADOR DE CARÁTER ........................... 100

PARALISIA DA GRATIDÃO ............................................ 111

QUANDO O OURO NÃO TEM VALOR .......................... 120

TENDO AULA COM A VERDADE ................................... 126

DOIS FILHOS, UMA INJUSTIÇA ................................. 132

CARTA AO GOVERNADOR ............................................ 134

O RENASCIMENTO DE NEPOS ..................................... 138

CRÔNICAS E PENSAMENTOS:

PROFESSOR, O HERÓI QUE POUCOS VALORIZAM

............................................................................................ .143

EU SÓ QUERIA UM TEXTO SEU ................................... 147

O MÉDICO E O CAIPIRA: QUANDO A COMPAIXÃO

PODERIA SALVAR VIDAS ............................................. 150

HOJE EU APRENDI ......................................................... 155

BREVE BIOGRAFIA DO AUTOR.............................158

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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PREFÁCIO

Honra-me sobremaneira prefaciar esta “obra inacabada”

do jovem escritor E. Alyson Ribeiro. E eu digo “inacabada”

porque toda obra de arte tem o seu fim naquele que a

aprecia e emite o seu juízo de valor. Eu acredito que toda

obra deve ser analisada sob vários aspectos e tão

somente depois é que podemos expressar a nossa opinião

sobre suas principais características e o seu valor literário.

Após tomar conhecimento da produção literária deste

jovem e talentoso escritor, faço as minhas considerações

sempre me pautando na sua brilhante iniciativa de

traduzir em palavras as suas “viagens literárias” através

dos inúmeros contos cuidadosamente por ele produzidos

que nos concitam a conhecer o universo do seu

imaginário que perscruta de maneira sapiente o cotidiano

das pessoas, passeia pelo “surreal”, navega nos mares da

subjetividade e nos apresenta lições de vida ora com

fundamentos bíblicos ora com suas experiências das

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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leituras de vários escritores brasileiros, ressaltando

Augusto Cury de quem o jovem escritor é leitor assíduo.

A característica juvenil está presente em seus contos

contidos nesta coletânea de maneira bem visível, pois fica

evidente no processo de elaboração textual o uso de uma

linguagem simples para transmitir suas ideias de modo

que a leitura se torne agradável para todas as faixas

etárias. A beleza que emana de cada conto contido nesta

obra não está somente no enredo da narrativa, mas no

modo peculiar e singular do jovem escritor em nos instigar

à leitura criando momentos de tensão e expectativa que

se elucidam de maneira contagiante na medida em que o

seu leitor vai se aproximando do desfecho de cada um

dos seus contos. Percebe-se o seu talento literário

observando o modo como ele constrói cada situação e

como ele conduz a narrativa fazendo uso de elementos

descritivos que criam o cenário na mente do leitor que

embarca com o escritor nas suas fantásticas “viagens”.

Ressalte-se que E. Alyson Ribeiro tem em suas veias o

“sangue de escritor”, pois é oriundo de uma família que se

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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interessa pela arte literária. Segundo o jovem escritor, ele

foi influenciado pelo seu tio Cláudio Ribeiro, o ex-vereador

maracaiense “Claudinho”, que produziu um livreto

religioso de muita aceitação no mercado literário.

Desde a sua mais tenra idade, E. Alyson Ribeiro

demonstrou o seu gosto pela arte literária e aos dezessete

anos publicou o sua primeira crônica “Professor, o herói

que poucos valorizam” que se junta aos demais para

compor este seu primeiro livro. Interessante foi saber que

o livro inspirador que conduziu o jovem escritor ao

universo da leitura foi o “Best-seller” Marley & Eu do

escritor John Grogan. Todavia, o seu livro de cabeceira é

a Bíblia Sagrada; o jovem escritor é evangélico e divulga

na emissora de rádio da cidade, através do programa “A

voz missionária”, a palavra de Deus.

É importante ressaltar que nada escapa aos olhos

sempre atentos deste jovem escritor que busca as

inspirações para os seus contos em tudo o que ele

observa, seja nas relações pessoais, nos eventos sociais,

no cotidiano, na natureza, nas canções de fino gosto que

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ele ouve, enfim, tudo ao seu redor se torna tema para

mais um brilhante e contagiante conto. Às vezes ele

também se aventura na produção de crônicas que são

elaboradas com o mesmo carinho dos seus belíssimos

contos. No fim desta obra ele apresenta algumas delas

que merecem ser lidas com “olhos de ler”. E assim, eu o

concito a “viajar” nas bem traçadas linhas deste contista

que já é um talento indubitável e que vai alçar voos bem

maiores porque as “estrelas” foram feitas para brilharem e

se posicionarem no firmamento para que todos vejam e

se deixem iluminar por elas. E. Alyson Ribeiro é a mais

nova “estrela” do firmamento literário contemporâneo

brasileiro.

Os contos deste seu primeiro livro, A VISÃO DO CEGO,

falam por si só. Eu, seu leitor primeiro, sou suspeito para

falar e tecer elogios merecidos. Portanto, eis que eu

deixo a porta aberta para que os leitores entrem,

perscrutem, leiam e tirem as suas próprias conclusões.

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Finalmente, eu abraço carinhosa e respeitosamente

este jovem menino escritor por quem eu tenho enorme

apreço e admiração. Paz e luz!

Professor José Davi Barbosa (Duda).

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A VISÃO DO CEGO

Os meus olhos sempre verão aquilo que eu imagino.

Afinal, nunca conseguirei saber como é o mundo criado

por Deus, pois a minha visão observa apenas o infinito da

escuridão. Mas eu não me deixo abater e também não me

julgo incapaz de ser feliz. Confesso que me adaptei à

situação e faço do meu cão-guia a minha visão e da

minha bengala o meu reflexo. Meus sentidos estão

apurados, ouço melhor que qualquer pessoa e consigo

sentir os aromas das mais belas flores melhor do que

qualquer um. Algumas pessoas, portanto, perguntam-me

como eu consigo sobreviver sendo cego, digo a elas que a

falta de visão não me impede de amar e, por isso, consigo

viver.

Claro que seria bom poder enxergar o mundo, todavia,

o meu mundo é criado por mim e isso basta! Tudo bem

que não sei como são as suas flores, mas sei que as

minhas são lindas e, ainda, as minhas flores são tão

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especiais e exclusivas que você mesmo com sua bela e

saudável visão nunca as verão. Por favor, não me julgue

egoísta, apenas tento ver (não sei se esse seria o termo

certo a usar aqui) o lado bom da minha vida. Ora,

quantos não se sentiriam inúteis por não conseguirem

vislumbrar a beleza da mulher que ama? Ou então

quantos sofreriam amargamente por não verem o

semblante dos seus filhos? Pois é, nunca vi o rosto da

minha esposa e nem os olhos do meu filho. Eu apenas

sinto o belo e suave cheiro da minha companheira,

sempre que posso eu acaricio o rosto delicado dela para

sentir a maciez de sua pele, os seus lábios grossos e,

ainda, passo minhas mãos em seus cabelos e os deduzo

encaracolados. Já o meu pequeno menino, coloco-o em

meus braços e aproximo o meu nariz do rostinho dele e o

acaricio com o meu rosto, enquanto degusto o seu cheiro

infantil. Será que a criança que tenho em meus braços se

parece comigo? Será que tem os cabelos da mãe? Nunca

saberei lhe responder tais perguntas.

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Minha maior dificuldade não é andar junto com Bob, o

meu cão labrador, e arrastar minha bengala para evitar

que eu me machuque, mas sim é imaginar aquilo que os

olhos dos outros buscam me passar. Sempre quando saio

com Manu, minha esposa, e nos sentamos nos bancos da

praça fico a ouvir o canto dos pássaros, o zumbir dos

insetos, o passar dos carros. Mas quando o amor da

minha vida tenta, por compaixão, descrever-me a

paisagem local, logo eu começo a ficar tenso; pois é difícil

imaginar o tronco das árvores, o sorriso dos meninos

soltando pipa, o cachorro latindo por causa gato, o meu

filho, ainda “banguela”, rindo ao ver minha esposa

brincando com ele. Essa é a minha maior dificuldade,

apesar de todo tempo apenas fazer isso: imaginar.

Conheci Manu na universidade e ali iniciamos nossa

história de amor. Nós gostávamos de aprender música,

ouvíamos Chopin, Bach, Beethoven e vários outros

adeptos da música erudita. Ela me ensinava a tocar flauta

transversal e sempre que podíamos estávamos em algum

lugar ensaiando. Mesmo cego via a beleza de Manu,

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mesmo cego sentia algo muito profundo por ela, contudo,

até então nunca lhe contei os meus sentimentos, pensava

que ninguém namoraria um cego. Mas a vida nos

aproximou.

Certa vez nós estávamos num local denominado por

ela como campo, lembro-me que nos encontrávamos

sentado no chão e ela me perguntou “Você já se

apaixonou por alguém?”, fiquei trêmulo naquele momento

e disse “sim, já me apaixonei”. Ela, então, disse-me:

- Como é gostoso saber que alguém nos ama! Porém

nunca me senti amada e busco na música expressar esses

sentimentos.

Foi nesse momento que falei “Eu sempre amei uma

pessoa, contudo, penso ‘quem iria sentir algo por uma

pessoa cega? ’ Além dos meus pais, nunca me senti

amado por ninguém e isso me entristece. Queria alguém

que risse comigo, que me respeitasse, que me

protegesse, porém, sei que isso é impossível.” Desse

modo, vagarosamente, sentia um cheiro suave

aumentando, ouvia lentamente os passos de Manu e

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percebi que ela estava frente a frente comigo, percebi que

ela me olhava, o ar quente que saia do seu nariz chegava

a minha boca, percebi que ela levantou as suas mãos e as

colocaram em meu rosto. Lentamente o rosto dela se

aproximou ainda mais do meu e nós nos beijamos por um

longo tempo, foi nesse instante que conheci a felicidade e

descobri o quanto a vida é bonita.

Por isso, eu quero agradecer a Deus por presentear-me

com uma esposa maravilhosa e com um filho cheio de

saúde. Quero lhe agradecer, Marcos Jaus, por escrever as

palavras que pronunciei e pronuncio aqui neste texto.

Quero agradecer as pessoas que têm paciência comigo

quando ando nas ruas, os motoristas de ônibus que

param os veículos para mim, os vendedores que me

voltam o troco correto. Sou grato pelos amigos que tenho

e pelos os meus alunos. Ah! Perdão por eu não me

apresentar, chamo-me Rubens Dalmuth sou escritor e

professor universitário de história, aprendi o Braille aos

quinze anos e foi nesse instante que descobri o amor pela

literatura.

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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Na verdade, eu sou grato por viver e isso me basta!

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O AMOR EM FORMA DE LEMBRANÇAS

Não sei se o amanhã ainda reinará sobre minha

vida, porém sei que o hoje ainda me faz

companhia. Apesar desse pensamento pessimista,

ainda tenho a esperança de encontrar Sophia em

algum lugar. Amei essa mulher durante quarenta

anos, sendo que antes de nos casarmos, durante

dez anos, amei-a sem saber que ela seria a minha

musa; pois ainda éramos crianças e apenas

brincávamos nos parques das praças. Como todo

ser vivo que nasce e morre, perdi o meu grande

amor para o último verbo que quem vive será um

dia o sujeito. Sophia era morena, com os olhos

levemente saltados como os dos judeus e com o

rosto arredondado como uma típica portuguesa.

Sua boca era sutil, o lábio superior era fino,

enquanto o inferior era grosso. Seu corpo era

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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comum aos padrões femininos da época, isto é,

magra, com os seios medianos e pernas

brevemente grossas. Talvez o leitor esteja me

achando muito detalhista e me comparando (claro,

sem levar em conta o mérito literário e com as

devidas diferenças) com José de Alencar, contudo,

peço-lhe perdão pelos detalhes, mas minha musa

nunca será como as do inestimável autor, afinal,

mesmo possuindo a personalidade forte de Aurélia

Camargo, a sedução de Lúcia e a simpatia de Berta

e a ousadia de Iracema.

Sophia era mística e usava o seu charme para

me envolver. Como toda mulher que conhece o seu

marido, ela sabia usar de suas "caras e bocas" para

conseguir o que queria. Por favor, caro leitor, não

me julgue como uma pessoa fraca e mandada por

sua mulher. Mas era difícil dizer não a Sophia.

Quando queria algo, ela me olhava meiga e

carinhosa, fazia um biquinho e suas bochechas

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ficavam rosadas. E se me reprovava em algo, logo

me olhava semelhantemente à Capitu de Machado

de Assis, com os olhos de ressaca.

Como todo ser humano ela também cometia

erros. No entanto, eram bobos e sem grandes

amplitudes; por exemplo, ela era eufórica e queria

tudo na hora, sua paciência estava longe do modo

como Lenine interpretou em uma de suas canções.

Às vezes eu ficava com raiva por ela ser assim,

mas esse era um dos seus únicos defeitos e,

portanto, só me restava ficar um pouco bravo,

apenas para não lhe dar o braço a torcer e ter

motivos para uma briguinha com ela. Pois é, caro

leitor, talvez você me julgue como um articulador

de brigas, porém, eu gostava de brigar com

Sophia. O melhor da briga é fazer as pazes e isso

nós fazíamos muito bem. Como era bom sentir-se

em paz com ela, afinal, nossos pedidos de

desculpas só terminavam quando nos amávamos à

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noite toda. E era nesses momentos que via em

Sophia a Lúcia de Alencar, porém, vou lhes poupar

os detalhes.

Obrigado, amigo leitor, por me permitir

relembrar de minha musa. Não quero estender

este texto, pois imagino que você se sentirá

cansativo ao ler tudo que passei com o meu grande

amor. Por isso, quero apenas lhe dizer mais

algumas coisas.

Talvez você me pergunte por que não me casei

de novo ou por que eu não tenho algum novo

amor. Quero lhe dizer que amei apenas Sophia e

nunca achei que outra mulher poderia ser digna do

meu amor quanto ela. Afinal, como poderia

dedicar-me de coração e corpo à outra pessoa

sendo que não terei a certeza de que receberei o

mesmo beijo, o mesmo amor, a mesma sinceridade

e o mesmo respeito que me disponho a promover?

Se me lançasse na busca do amor poderia ser pego

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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numa armadilha. Permitir que outra mulher

recebesse o que somente Sophia teve é trair a

história de quarenta anos de casado e dez de

brincadeiras inocentes e saudáveis.

Meus sentimentos estão frios quanto o corpo de

minha musa. Que bom que você não consegue me

ver, pois me veria chorando agora. Como ela me

faz falta, como é triste saber que não a verei mais

aqui nesta terra. Por favor, se você ama alguém

então a valorize, console-a quando ela estiver

chorando, ame-a verdadeiramente e

intensamente, beije-a quando o cheiro e o calor

do corpo dela lhe servir de cobertor e respeite-a

quando o desejo dela não for igual ao seu. Confie

em mim, pois estas palavras são de um homem

que daria o seu coração por mais um dia ao lado

de quem mais amou; Sophia.

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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MISTÉRIOS DA VIDA

Cerca de 100 mil pessoas habitavam aquela cidade, sua

localização próxima ao trópico de câncer davam aos

quatro climas suas respectivas divisões, mas era a

primavera quem estava reinando. As flores começaram a

abrir, os pássaros não precisavam migrar para o sul e o

dia estava lindo. Tudo estava uniforme, os carros

percorriam as grandes avenidas, o seu Jair vendia os seus

lanches próximo à Catedral.

Na casa de Pedro Costa, contudo, popularmente

conhecido por Pinguinha, os sentimentos estavam à flor

da pele.

Como acontecia todos os dias, Pinguinha, após sair do

seu serviço de gari se dirigia ao “Bar do Mosca” e para

fazer jus ao seu apelido sempre pedia uma “pinguinha”.

Seu corpo precisava sentir os efeitos da aguardente,

necessitava sentir o calor provocado. Apesar de tudo,

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Pedro não percebia que uma das consequências era a

mudança de personalidade, pois antes de beber era

calmo, depois ficava agressivo. E era nesse estado que

sua esposa Mônica o recebia todos os dias, sendo

desagradável para uma mulher jovem, com os seus

cabelos negros e longos, de estatura baixa, porém, de

bondade enorme, ver a situação em que o homem da sua

vida chegava da rua. O pior, portanto, não era o que ela

via, mas sim o que Pedrinho Costa Júnior, o seu filho com

apenas 10 anos de idade que possuía o nariz pontudo,

boca fina, olhos castanhos e cabelo crespo, assim como o

pai, sentia ao vê-lo entrando em casa com os olhos

vermelhos, com as pernas cambaleantes e com a roupa

toda suja de barro devido aos tombos que a vista turva

lhe possibilitara.

O dia até estava lindo, mas Pinguinha teve uma atitude

incomum naquele dia. Após sair do bar, seguia sempre

pelo mesmo caminho até a sua casa. Entretanto, algo o

motivou a mudar a sua trajetória, logo, dirigiu-se à praça

e vendo a Catedral subitamente desejou estar dentro

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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dela. Sua visão turva o fez tropeçar nos degraus, fato que

lhe rendeu alguns arranhões, mas estava destinado a

entrar ali. Com muito esforço Pedro consegue vencer as

escadarias e fica frente a frete com a Igreja. Lentamente

caminhou até a porta de entrada e quando finalmente

entrou, foi surpreendido pelo clarão causado pela refração

solar nas vidraças desenhadas com as passagens bíblicas.

Sua visão o confundia, por isso, colocou suas mãos sobre

os olhos e vagarosamente abriu os dedos buscando o lado

mais escuro para confortar a sua visão. Após muito

procurar, o gari, consegue visualizar à direita um local

escuro onde havia alguns dos bancos de madeira e, sobre

um pilar, uma escultura de mulher com vestes de cor azul

e branca. Aproximou-se dela a fim de tocá-la. Conforme

andava, não conseguia manter o equilíbrio sobre a

madeira que se localizava abaixo do banco para que os

fiéis ali pudessem fazer as suas rezas. Quando conseguiu

chegar próximo àquela mulher, caiu em frente ao pilar. E

erguendo-se apoiado nos bancos, finalmente, estava

diante da escultura. Seus olhos a olhavam com piedade,

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pois sentia no semblante dela uma tristeza. Reconheceu

que era a imagem da virgem Maria. Pedro simplesmente

iniciou uma oração e pedia perdão por suas atitudes, mas

por estar bêbado queria ouvir aquela mulher falar e como

nada acontecia o seu sangue ferveu.

O gari dizia:

- Como pode você ser Mãe de Cristo e não falar

comigo? Vamos! Diga algo! Você perdoa por eu beber

pinga? - sua fúria aumentou e inesperadamente empurrou

a escultura e a quebrou.

O barulho fez com que o padre, que estava em outro

compartimento, entrasse na parte central da Igreja. E ao

ver o que ocorrera ficou atônito, no primeiro momento

não teve atitude, contudo, sem titubear ligou para a

polícia. Pedro, entretanto, ajoelhou-se diante dos

destroços e chorou. Pedia perdão incessantemente, mas

nada ouvia a não ser o barulho das sirenes dos carros de

polícia.

Na casa de Pinguinha, após receber a ligação da polícia

e saber que o seu marido acabou de ser preso em plena

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luz do dia, dentro da Catedral e, ainda, por ter quebrado a

figura de Maria, Mônica ficou com os nervos à flor da pele.

Sentiu ódio, rancor e, ao mesmo tempo, pena de Pedro.

Contudo, ela não podia fazer nada a não ser continuar a

vida e manter esse sentimento paradoxal dentro de si.

Cabia, portanto, a ela cuidar do seu filho e educá-lo, além

disso, ser ao mesmo tempo pai e mãe de um ser que teria

um longo futuro pela frente. Contudo, após desligar o

telefonema recebido pela polícia, Mônica ouve o seu filho

lhe perguntar:

- Mamãe, por que você está chorando?

- Nada filho! – respondeu enquanto limpava as suas

lágrimas.

- Papai brigou com você de novo? – perguntou Juninho

(modo carinhoso como o filho era chamado) referindo-se

às vezes em que Pedro a agredia sem saber que o seu

filho os via.

Mônica ficou surpresa e não sabia o que dizer, mas

procurou apresentar um semblante calmo e maternal e

pausadamente foi dizendo:

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- Papai não volta mais pra casa! – tentando ser mais

rápido que as suas lágrimas colocou as mãos nos olhos e

continuou – Papai foi viajar e nunca mais voltará.

- Que bom, mamãe, assim nunca mais você vai sofrer,

nunca mais vou vê ele bater em você, nunca mais vou

apanhar por ir abraçar você, após as surras que ele dava

em você!

Aquela mulher ficou confusa, pois não sabia se o modo

como Juninho pensava era bom ou ruim, afinal, seria

melhor que um menino de 10 anos já nutrisse uma raiva

por seu pai? Contudo, tal pergunta somente o futuro

poderia responder. Sendo assim, a conversa entre mãe e

filho terminou com um abraço longo e emocionante. Mas,

foi quando a criança disse: “Mamãe você nunca mais vai

sofrer!”, foi que os olhos de Mônica se tornaram a

nascente do rio da dor.

Desse modo, o tempo foi passando e Pedrinho Costa

Júnior foi crescendo e ajudando a sua mãe da forma como

podia. Mesmo com os seus 12 anos já limpava a sua casa

e almoçava a péssima comida que sua tia Camila fazia

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para ajudá-lo. Com 15 anos teve o seu primeiro emprego

como empacotador de mercado, algo que lhe rendia

alguns dólares que era integralmente passado à sua mãe.

E finalmente aos 18 anos de idade, ele ingressou na

universidade escolhendo o curso de Assistente Social.

Além disso, Mônica nunca mais teve notícias de Pedro,

pois pediu às autoridades locais que não lhe dessem

informação sobre o seu ex-marido. Por isso, não se sabia

o que ocorreu e ocorria com Pinguinha, os seus amigos do

bar também não possuíam informações. O gari nunca

mais foi visto por ali, na verdade, todos preferiram assim.

Dessa forma, em mais um dia de aula cabia aos alunos,

como modo de aprendizagem, visitar os maltrapilhos,

creches, asilos, hospitais, Casa Abrigo da cidade e

encaminhar quem precisasse à sede da Assistência Social.

Juninho era o líder de um dos grupos de seis pessoas que

fora dividido na própria universidade. A atividade deles

seria fazer visitas debaixo dos viadutos à procura de

mendigos e meninas que se prostituíam ou que

estivessem grávidas e orientá-los. Tudo ocorria de forma

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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tradicional, alguns preservativos eram distribuídos, a

polícia como sempre era acionada para tomar uma criança

de uma mãe drogada. Embaixo da ponte Harry S. Truman

havia dois cilindros feitos de cimento, os quais

sustentavam a obra e, como decoração, possuíam

desenhos feitos por pichadores. O inverno obrigava alguns

moradores acenderem fogueiras em latões, outros,

todavia, pegavam folhas de jornais velhos e colocavam

dentro das roupas que estavam usando, a saber, faziam

isso para auxiliar na retenção do calor do corpo. Sendo

assim, Pedrinho distribuía algumas blusas para quem

estava ali, entretanto, avistou um maltrapilho próximo ao

cilindro de sustentação da ponte, o homem era barbudo

e, sem motivos, desejou conversar com ele. O mendigo

estava com meias e chinelos, calça de moletom preta e

uma blusa escrita “Life and its mysteries” (A VIDA E OS

SEUS MISTÉRIOS). O universitário se aproximou e logo

perguntou:

- Será que a vida possui tantos mistérios assim?

O homem barbudo disse com um tom melancólico:

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- Tem!

- Acho que não! – tentou instigá-lo. E rindo o jovem

continuou - Você nasceu e morrerá e a sua vida vai se

resumir a isto? - apontou para todo o redor- se você me

disse que a vida possui os seus mistérios então me diga o

porquê de você ficar aqui?

O velho com os olhos lacrimejando ao ver aquele

universitário respondeu:

- Quer ouvir um mistério?

- Diga!

- Você se chama Pedro Costa Júnior.

Àquele instante Pedrinho ficou tenso, sabia que alguns

maltrapilhos dali o conheciam, contudo, nunca havia

falado todo o seu nome, apenas se apresentava por

Juninho. E instigado perguntou:

- De onde você me conhece?

- Por acaso você não está me reconhecendo?

Pedrinho olhou fixamente àquele homem, mas não

conseguia notar qualquer detalhe familiar. Viu que tinha

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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lábios finos, porém, a falta de alguns dentes deixava a

boca mais fina ainda. Desistindo de tentar diz:

- Não o conheço! - e olhando uma última vez concorda

- De fato, não o conheço!

- Porém eu o conheço meu jovem - disse o mendigo -

você faz aniversário em 27 de janeiro e sua mãe, Mônica,

faz aniversário em 14 de abril.

- Como assim minha mãe! - o universitário ficou atônito

- Sim você acertou, mas como? Quem é você?

- Quem sou eu? - deu uma longa gargalhada, porém

logo ficou sério e emotivo.

- Sempre maltratei a Mônica e o nosso filho. Bebia

muito, principalmente aguardente. Mas o pior era que por

beber muito ficava agressivo e batia em minha esposa e,

ainda, não me importava se estava perto do meu filho. Fui

preso e sete anos do meu tempo foram gastos lá na

prisão. Mas o pior – disse olhando para o chão – é saber

que fui preso por quebrar a virgem Maria - fitou o jovem e

continuou - Ainda não paguei minha dívida por maltratar

você e a sua mãe.

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Juninho chorou e não sabia o que fazer. Diante dele

estava o seu pai, o homem que fez sua mãe sofrer e

consequentemente a ele também. A sua raiva misturada à

confusão das palavras que ouvira o fez se sentar. O então

revelado Pinguinha continuou:

- Perdão filho. Sei que os fiz sofrer e, agora, olhe para

mim. Estou morando na rua, ao lado de prostitutas, do

tráfico de drogas, da fome – fez uma pausa maior e

continuou - da miséria. Filho, eu decidi pagar o crime que

fiz com vocês vivendo aqui, passando frio, sede. Confesso

que já me prostituí para ter um pão com manteiga para

comer e, também, já apanhei por denunciar casos de

pedofilia aqui. Filho, cada vez que eu apanhava me

lembrava de sua mãe gritando de dor por causa dos meus

tapas e socos que dava nela. Apesar de tudo, agora que o

encontrei vou perguntar se mereço a honra de poder ser

chamado por você de pai.

Pedrinho chorava incessantemente, pois queria

perdoar, entretanto não conseguia. Afinal, nos momentos

mais importantes de sua vida não possuía o seu pai por

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perto. O jovem sempre quis perguntar ao pai o que fazer

quando desse o primeiro beijo, queria, também, aprender

dirigir com ele. Enfim, Juninho queria seu pai na

adolescência, contudo, não teve. E isso lhe foi tomado,

sua mãe até se esforçou, mas havia conselhos que apenas

homens podem dar aos homens. O jovem universitário,

portanto, olhou aquele velho todo sujo e diz:

- Por acaso você acha que pagou pelo maior roubo que

me fez?

- E qual seria? – perguntou o velho.

- Roubar-me o meu pai nos momentos em que mais

precisei.

Os anos duros que Pedro Costa teve na cadeia e nas

ruas o fizeram refletir sobre a vida. Pinguinha ficou mais

sábio, lia muito, sempre pedia livros aos universitários que

ali faziam um trabalho social. Apesar de tudo, ainda bebia,

mas apenas para manter o corpo aquecido e não para

sustentar o vício. Por adquirir esses anos de conhecimento

disse:

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

38

- Sei disso filho, mas estou aqui lhe pedindo perdão.

Sei que não mereço, mas me disponho a tentar. Quero

vê-lo casando, quero ver os meus netos, quero mudar de

vida e estudar, quem sabe até fazer uma faculdade.

Quero - abaixou a cabeça e chorando disse – reconquistar

o amor da mulher da minha vida e lhe pagar com amor,

carinho e afeto, por cada momento em que a fiz sofrer.

- Quem disse que mamãe quer vê-lo?

- Quem lhe disse que não quer?

Pedrinho fora surpreendido, pois realmente Mônica

nunca dissera que não o desejava vê-lo, apenas não

queria saber notícias dele dentro da prisão. O

universitário, portanto, decidiu quebrar o rancor que lhe

tomava a alma. Seu pai estava diante dele e lhe implorava

o perdão. A sensação que teve foi que seu pai estava

morto e foi ressuscitado, não podia perder a oportunidade

que lhe foi tirada na adolescência, a de ter um pai. Desse

modo, disse:

- Sabe! Apesar de tudo vou lhe dar uma chance. Eu

quero tê-lo como o meu pai.

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

39

Pedro Costa ficou feliz, sem pensar abraçou o seu filho

e lhe beijou a face. Juninho meio sem jeito apenas

retribuiu o abraço. Todos que estavam ali ficaram olhando

aquela cena. Os colegas de Pedrinho ficaram sem reação

ao verem aquela atitude, pois nunca presenciaram uma

ação dessas com as pessoas que ali viviam. Mal sabiam

que um filho havia encontrado o seu pai. O próximo

desafio, contudo, era de Pinguinha reconquistar a mulher

da sua vida. Ambos começaram arquitetar um plano para

que o “ex-gari” pudesse se apresentar diante da Mônica.

Tudo fora arquitetado pelo próprio Pedro e seria durante a

noite que o tal plano seria imposto. O plano era o

seguinte: Mônica sempre ia à feira comprar algumas

verduras para serem consumidas durante o jantar, como

era somente ela e o filho optou por assim fazer e todos os

dias mantinha essa atividade. E sempre que chegava à

sua casa logo iniciava os preparativos do jantar. Sendo

assim, Pedro ficaria sentado à mesa esperando Mônica

chegar e assim que isso ocorresse, subitamente, iniciaria

os seus versos alexandrinos repletos de rima rica, aguda,

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

40

que fizera para ela e, após pronunciá-los, ajoelhar-se-ia

diante dela e lhe pediria perdão.

Quando a noite chegou, Juninho foi buscar o seu pai

para levá-lo até a sua casa, porém, foi a pé mesmo, pois

assim poderiam conversar mais e passar alguns

momentos juntos. Pedro estava usando um terno que

ganhou do seu filho. Sua barba estava feita, seu longo

cabelo estava penteado, apenas a falta de alguns dentes

lhe faziam fugir do ideal da beleza. E assim seguiram até

a casa de Mônica. Entretanto, a vida mostrou que pode

ser misteriosa. Quando eles passavam pela Catedral,

aquela que foi o estopim das péssimas atitudes de Pedro,

um homem encapuzado os abordou e disse:

- Quero tudo que vocês têm! – e apontou a arma para

Pinguinha.

- Mas não temos dinheiro! – disse o “ex-gari”.

- Não me faça estourar sua cara seu velho! Você aí

todo de terninho e não tem dinheiro?

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

41

A verdade era que eles realmente não possuíam nada

de valor e muito menos dinheiro. A única coisa que Pedro

carregava em seu bolso era os versos de seu poema.

- E você? – disse olhando para o Juninho - Cadê o

celular?

- Eu não tenho... Vendi para comprar o terno que meu

pai está usando! – respondeu o jovem

O ladrão perdendo a paciência engatilha a sua arma e

mira no coração do Pedrinho. O “ex-gari” percebendo que

o homem iria atirar, saltou sobre o seu filho. E nesse

instante o homem encapuzado atirou. A bala penetrou no

peito de Pinguinha que caiu e ficou sem ar. O assassino,

contudo, correu e os deixou a mercê do desespero.

- Pai! – Gritou o filho ao ver o pai perecendo. Abaixou-

se e colocou cabeça do seu pai em seus braços e disse -

Calma vai dar tudo certo! – olhando ao redor gritou -

Socorro! Tem um homem baleado aqui!

Pedro Costa olhou a imagem embaçada do seu filho e

disse:

- Eu vou morrer!

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

42

Pedrinho apavorou-se e colocando o seu rosto próximo

ao do seu pai disse;

- Não você não vai! Preciso de você, mamãe também.

Por favor, pai não nos abandone novamente.

- Filho - disse Pedro pausadamente e com a voz rouca

disse - Eu amo você. Por favor, entregue os meus versos

para a sua mãe e diga a ela que eu sinto muito por tudo

que a fiz. Diga a ela, também, que eu a amo muito e,

mais uma vez, peço perdão por ter bebido tanto. Mas

agora sinto que paguei o preço por tê-los feito sofrer

tanto.

E subitamente os olhos de Pedro se fixaram na fachada

da Catedral e olhando para ela, tendo-a como a última

imagem vista durante a vida, Pedro Costa, o Pinguinha,

morre nos braços de seu filho. Contudo, apesar de ter

feito várias ações adversas em sua vida, o “ex-gari” sentiu

que fora justo o seu destino.

Certamente Pinguinha ficaria feliz se soubesse que

Mônica chorou ao ler os versos que ele havia feito e que,

ainda, desejou tê-lo de volta. Mas também ficaria triste se

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

43

soubesse que tudo o que aconteceu, poderia ser evitado

se ele não tivesse sido por um tempo, escravo da bebida.

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

44

O SABER DA LOUCURA

Um casal de loucos, por ironia do destino ou instinto

animal, teve uma filha; e talvez sem saber o porquê

deram-lhe o nome de Cleópatra. Apesar disso, a criança

foi bem cuidada por sua mãe débil, não se sabe como,

mas todos os dias aquele pequeno ser era alimentado

corretamente por sua progenitora. Os outros loucos que

ali viviam ficaram espantados com o que viam, alguns

pegavam troncos de árvores e personificava uma criança

e delas se tornavam pais, outros fingiam ser um bebê. O

local onde essa comunidade de loucos vivia era a floresta,

próximo às fazendas de soja no norte do país.

Mesmo assim, aquela criança cresceu e por sua

inocência se divertia com os demais loucos, afinal, para

ela todos eram os seus amigos de infância. Os loucos de

forma misteriosa a tratavam como rainha, como deusa.

De fato, aquela pequena Cleópatra gostava do modo

como era reverenciada. A verdade, para eles, a menina

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

45

era o ser mais rígido e forte daquele local e tinham nela a

esperança de proteção.

O pastor Marcos Miranda em um dos seus trabalhos

missionários conheceu aquele povo e sempre levava

comida aos loucos. E enquanto distribuía o alimento,

também lia a Bíblia e falava sobre Jesus Cristo; apesar

disso, nunca tentou tirar ninguém dali, pois sabia que eles

se sentiam felizes naquele lugar. A menina, contudo,

nunca revelou ao Pastor que era normal, sempre fingia,

pois ainda tinha medo de ser separada de seus pais.

Cleópatra possuía os seus 16 anos quando Miranda

apareceu.

Mesmo não tendo contado com o mundo, o pecado de

Adão e Eva a fez ter consciência para tapar o seu belo e

curvilíneo corpo moreno. Um vestido longo que ganhara

de presente do reverendo Miranda era usado por ela

como proteção, antes, porém, usava cascas de frutas ou

folhas para tampar suas partes íntimas. Sendo assim, seus

cabelos eram negros e lisos, porém pela falta da vaidade

os possuíam desarrumados. Seu cheiro era natural do

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

46

mato, contudo, quando se banhava no rio era possível

sentir o frescor da água nascente. A rainha dos loucos

achava normal o mundo de seus pais, ali a imaginação era

mais importante do que a sabedoria. Não era necessário

haver nenhuma universidade ou livros ali, notar-se-ia a

presença de pessoas que se autodenominavam pilotos de

avião, médico, advogado, Napoleão Bonaparte, Pedro

Álvares Cabral, Emílio Garrastazu Médici, Joana D’Arc e,

de modo curioso, o nome do homem que descobriu as

primeiras jazidas de ouro em Minas Gerais no ano de

1693, Antônio Rodrigues Arzão.

Um dia aquele local foi atacado por pessoas que se

afirmavam normais. Os intrusos habitavam ali ao lado, na

fazenda de Moacyr Abba, um homem com 60 anos de

idade, pele clara e descendência judaica, de estatura alta

e proprietário da maior produção de soja daquela região.

Vários homens e mulheres com seus intelectos apurados e

visão de mundo baseada no lucro queriam derrubar as

árvores dali e usar o terreno como pastagem de animais.

Os loucos, ao se verem em perigo devido ao ataque,

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

47

ficaram medrosos, correram e se esconderam no meio da

floresta. Apenas o débil Napoleão e a jovem Cleópatra

ficaram esperando pelos invasores. O fazendeiro, que

liderava o ataque montado sobre o seu cavalo da raça

Quarto de Milha cuja pelagem era marrom, vendo que

restaram duas pessoas ali, pediu aos seus subordinados

que voltassem e o deixasse sozinho com eles. A jovem

mulher, portanto, quando viu que Moacyr se aproximava,

logo tentou dialogar:

- Bom dia!

- Como você sabe se é dia ou não? Sua loucura não lhe

permite isso! - replicou em tom provocador, Moacyr.

- Quem disse que sou louca? Quem lhe falou que aqui

só existem pessoas com defeito cerebral?

O fazendeiro ficou confuso, pois uma pessoa louca não

iniciaria um diálogo e o indagaria daquela maneira, por

isso, perguntou:

- Quem é você e qual o motivo de estar aqui? Para

quem você trabalha? Quem lhe enviou aqui?

- Sou Cleópatra...

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

48

Moacyr a interrompeu e começou a rir, afirmou que se

ela era Cleópatra ele seria Júlio César e olhando para a

mulher disse:

- Vocês são loucos! Saiam da minha frente!

- Posso ter esse nome engraçado, mas sei que não sou

a Cleópatra. Minha mãe foi quem me intitulou com esse

nome, você pode não acreditar, mas nasci aqui. Sei que

sou diferente deles, contudo, não posso abandoná-los.

O fazendeiro teve outro espanto “Como?!” pensava

incessantemente. Ficou com desejo de levar aquela jovem

dali de lhe dar a oportunidade que ali ela nunca teria. Ele

sabia que seria difícil, mas tentou:

- Cleópatra posso lhe presentear com as oportunidades

do mundo, você pode estudar, casar-se e formar a sua

família longe daqui. Veja! – Abba desceu do seu cavalo e

se aproximou da jovem, pegou os jornais que estavam em

sua mochila e, na tentativa de mostrar as maravilhas do

mundo sem notar qual era a matéria que estava na capa

disse - Repare a primeira página...

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

49

- Por que aquele homem está chorando? – perguntou

Cleópatra quando viu a imagem de um homem sobre o

caixão do filho que fora morto por seu tio, irmão do

próprio pai.

- Bem... Sabe como é né?! O mundo lá fora também

tem as suas iniquidades. Nesta foto o homem chora pela

morte do seu filho. - E percebendo o espanto da jovem

tentou mudar o foco - Mas aqui...

- Por que a criança morreu? - a líder dos loucos o

interrompeu.

- O tio da criança a matou, devido ela ter quebrado o

som do carro dele. Ela morreu por tanto apanhar.

- Nossa! – Cleópatra se espantou e em seus olhos

surgiram as lágrimas.

- Calma não é para tanto! Não precisa chorar!- disse

Moacyr tentando apaziguar a situação.

- Como você consegue ficar tranquilo sabendo que uma

criança acabou de morrer? - perguntou a moça de modo

desesperado.

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

50

- Isso ocorre todos os dias! É normal!- disse o

fazendeiro de forma natural.

- Normal é morrer, saber da morte é crueldade! -

afirmou a jovem.

- Então o mundo ficará pior mais um pouquinho-

afirmou Abba de forma bem humorada quando previa

qual seria a notícia da página seguinte.

- Quem são esses homens vestidos iguais e com o

rosto peludo, claro que alguns menos, outros mais?-

indagou a filha dos loucos.

- São os administradores do país. Eles deveriam zelar

por nós e procuram a melhor forma de nos conduzir ao

bem estar maior.

- Que bom que existem pessoas assim no mundo!

- Contudo, essa imagem mostra pessoas que desviaram

o dinheiro público o qual fora destinado à construção de

creches, escolas, quadras esportivas, enfim, locais para as

crianças brincarem e estudarem. Por isso, temos lugares

em nosso país que as mulheres não têm onde deixar o

filho e, por isso... As ruas cuidam deles. Em alguns casos,

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

51

tornando-os bandidos e responsáveis por várias mortes. –

Desculpe-me por mais uma notícia trágica, vou virar a

página.

A imagem que apareceu foi o efeito da explosão das

bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, a matéria do

Jornal apresentava um especial dos 68 anos em que a

bomba fora lançada. A jovem ficou atônita com a foto,

achou linda, ficou encantada com as nuvens em forma de

círculo e o caminho de fogo ao centro dele. De fato, era

imagem mais linda que os seus olhos presenciara e após

degustar cada detalhe daquela obra de arte suspirou:

- Que coisa mais linda! - e olhando para Moacyr

continuou - Essa imagem... Como?! O que é isso? Na

verdade, como se chama? Seria a aparição de Deus a

Moisés? - Cleópatra sabia sobre a história de Moisés

devido um dia ter prestado atenção em uma das leituras

do reverendo Marcos Miranda.

Moacyr, contudo, mudou o seu semblante, ficou triste

e meio sem jeito com as palavras, queria mentir, mas sua

consciência não permitia, não encontrou formas diretas de

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

52

dizer a verdade e, por isso, começou a falar aquilo lhe

vinha à mente:

- O mundo estava doente! O expansionismo territorial

virou obrigação à Alemanha de Hitler, à Itália de Mussolini

e ao Japão do imperador Hiroíto. Ninguém respeitava a

Liga das Nações, órgão criado com a finalidade de conter

conflitos. Uma grande crise econômica emergiu naquele

período devido aos efeitos causados em guerras

anteriores. Em 1931 o Japão invadiu a Manchúria

pertencente à China. A Itália, desse modo, ocupou a

Etiópia em 1935 e em 1939 a Albânia. Na Espanha

ocorreu a Guerra Civil Espanhola. Governos ditatoriais

surgem. - Moacyr fez uma pausa e olhou para o céu, em

seguida segurou nas mãos de Cleópatra e prosseguiu ao

vê-la atenta às suas descrições - Hitler tomou várias

medidas que iam contra ao Tratado de Versalhes. Talvez

você não saiba, mas Tratado é um acordo entre países.

Sendo assim, o Führer, modo como os alemães o

chamavam, em 1939 invadiu a Tchecoslováquia e nesse

mesmo ano assinou o Pacto Germânico-Soviético de “não

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

53

agressão” com a URSS, União das Repúblicas Socialistas

Soviéticas. E agora eu chego onde eu queria ter chegado,

em 01 de setembro de 1939, os alemães invadem a

Polônia. O estopim da guerra, pois Inglaterra e França

declararam guerra à Alemanha.

- Meu Deus quanta guerra! Que mundo é esse em que

você vive? - perguntou apavorada a jovem mulher.

- Você ainda não terminou de ouvir tudo. Uma atitude

mudou o rumo de tudo. Vou lhe poupar tanta história,

entretanto saiba que um dia o Japão atacou a base

estadunidense de Pearl Harbor em 1941, isso promoveu a

entrada dos Estados Unidos da América, EUA, na guerra.

– E dando um sorriso melancólico Moacyr prosseguiu-

Ironia ou não mesmo com a derrota da Alemanha e a

morte de Hitler, os EUA no dia 6 de agosto de 1945

jogaram uma bomba nuclear nas cidades de Hiroshima e

no dia 9 de agosto do mesmo ano em Nagasaki, ambas

japonesas. – O fazendeiro olhou para Cleópatra e com um

sentimento agudo disse ao pegar o jornal e lhe apontar a

foto - Isso aqui é imagem da explosão da bomba que

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

54

matou mais de 140 mil pessoas e, ainda, causou várias

doenças devido o efeito da radiação liberada.

A jovem não se conteve e começou a chorar como

nunca, afinal, nunca ouvira tantas histórias sobre a morte

em um dia. O louco Napoleão, que estava ao seu lado a

todo tempo, correu amedrontado para dentro da floresta.

Moacyr preferiu manter o silêncio, afinal ele estava

transtornado, parecia ter tomado um choque emocional,

uma epifania. A líder dos loucos tomou o jornal do

fazendeiro e se sentou. Ficou olhando por vários minutos

a imagem que parecia vir do céu, contudo, que teve

maldade expressada do mesmo modo que o inferno.

Cleópatra sempre sonhou em sair dali, queria conhecer os

lugares em que o reverendo Miranda lera na Bíblia.

Contudo, sua pupila retraiu, ficou com raiva e olhou para

Moacyr e disse:

- Por que você veio aqui?

O fazendeiro se assustou com a pergunta, mas como

não conseguia mentir àquela jovem respondeu de forma

calma e pausada:

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

55

- Vim, primeiramente, para assustá-los e se caso

tivessem alguma reação, chamaria o meu pessoal para... -

fez uma pausa e ao perceber o que ele estava prestes a

fazer, caiu em si e automaticamente as suas mãos

começaram a tremer, seus olhos deram boas-vindas às

lágrimas, seu coração palpitava de forma extrema.

A musa da loucura sentiu a sua cólera se acalmar, logo,

levantou-se rapidamente e foi acudir Abba. De fato, ela

sabia o que ele tinha em mente, mas preferiu ser anônima

ao conhecimento.

- Por favor! – disse o fazendeiro à moça com um tom

melancólico, porém desesperado - Desculpe-me... – pediu

enquanto colocava as suas mãos sobre o rosto delicado

de Cleópatra - Estava querendo invadir as suas terras e

tomá-las de vocês e...

A jovem o interrompeu perguntando:

- Você queria fazer o mesmo que esse tal Hitler fez? Do

mesmo modo como esse Japão filho de não sei quem aí o

qual possuía como objetivo invadir as terras da... Mulher

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

56

chamada Chin... Ou sei lá como se diz... Talvez, China?

Você queria nos fazer sofrer?

Moacyr ficou ainda mais triste com essas perguntas.

Pois, mesmo Cleópatra não sabendo ao certo qual eram

os países que estiveram em conflito na Segunda Grande

Guerra Mundial, sua descrição foi profunda, pois os povos

chineses, assim como todos os cidadãos que foram

obrigados a lutar pelo seu país sofreram humilhações,

mortes, estupros. E quando a rainha da loucura

apresentou a China como mulher o fez sofrer ainda mais,

pois o homem possuía uma filha com traços faciais

semelhantes aos chineses. Não se sabe o motivo, mas ele

a viu como um milagre, como uma sobrevivente da

guerra. Suas lágrimas aumentaram e seu choro era ouvido

à longa distância. Aos poucos os loucos que correram

para dentro daquela floresta começaram a sair.

O fazendeiro precisou se sentar, contudo, sentiu que

alguém o abraçava e ao olhar viu o débil Napoleão, em

seguida os mais de quarenta membros daquela

comunidade envolveram Abba num caloroso abraço

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

57

coletivo. Tal atitude o deixou sem nenhuma reação,

naqueles instantes ele se sentiu amado, a verdade,

pensou estar no céu. Dessa forma, conseguiu visualizar

Cleópatra e em seus olhos ele percebeu o sabor da

piedade. O fazendeiro se dirigiu até a jovem e com a voz

rouca de tanto chorar disse:

- Confesso que eu teria uma péssima atitude e que

queria roubar as suas terras e fazê-las minhas. E os

expulsaria daqui e os deixaria sem lugar para ficar.

Entretanto, hoje percebi que não é você quem habita num

mundo recheado de loucuras, mas sim, eu. Você é um

milagre tanto quanto qualquer um que aqui está. Vocês

vivem e eu, contudo, existo. Cada dia aqui é único, cada

pessoa tem um mundo diferente e faz dele o seu paraíso -

Moacyr fez uma pausa, deu uma risada irônica e

prosseguiu - Mas no mundo em que eu sou apenas um

ser existente, as pessoas sofrem, cada um quer ser mais

rico do que o outro. Crianças pedem comida, empresários

pedem petróleo. Sabe Cleópatra, muitos achariam graça

desse jovem Napoleão – e apontou para o louco - Mas eu

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

58

o admiro, pois de suas mãos nunca saíram uma só gota

de sangue. Assim também admiro aquele presidente

Médici – e apenas moveu os seus olhos na direção do

débil - Pois nunca precisou torturar ninguém para poder

governar o seu país.

A jovem estava atenta às palavras do fazendeiro,

apesar de nunca ter conhecido as verdadeiras

personalidades dos donos dos nomes que Moacyr dizia,

ficava ainda mais contente com os membros da sua

comunidade, pois via neles a inocência descrita. Para ela

os verdadeiros donos dos nomes habitavam ali, junto

dela. Seu pensamento foi interrompido quando o

fazendeiro perguntou:

- Quero lhe fazer um pedido, posso?

- Claro! - respondeu a jovem mulher.

- Quero ser louco como vocês, pois hoje eu percebi que

a maior loucura está em se achar normal. Por isso, quero

vir morar aqui. Quero ser membro desse grupo de loucos

e não continuar fazendo parte dos males da loucura

humana. Você me aceita no grupo. Posso vir morar aqui,

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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ou melhor, querem morar em minha casa. Lá vocês terão

comida, roupa lavada e...

Cleópatra o interrompeu novamente e disse:

- Nós somos felizes aqui. Cada um possui na floresta

parte do seu mundo. Comemos o que a natureza nos

manda ou o que o pastor Miranda nos traz. Tirar-nos

daqui é nos colocar nesse mundo em que você me

mostrou. Por acaso, você não disse que está farto desse

mundo tão desigual em que vive? – E estendendo a mão

ao fazendeiro continuou - Aceito você aqui, mas não irei

contigo. Quer ter a paz, o sossego, a tranquilidade que

segundo você nós temos? Então venha viver como

vivemos e saia dos seus valores, deixe sua casa, sua

roupa lavada e venha!

Moacyr titubeou, apesar da experiência que viveu ali,

não desejava abandonar os seus valores, sua fazenda, sua

riqueza. Mesmo sentindo a melhor sensação do mundo,

mesmo se sentindo amado, apesar de ter percebido que o

mundo está doente, o fazendeiro preferiu voltar para sua

existência humana. Era difícil para ele perder seus bens, o

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

60

amor ao dinheiro era grande. Desse modo, selou o seu

cavalo se despediu de todos que ali habitavam e

prometeu que compraria aquelas terras para que ninguém

pudesse perturbá-los, disse ainda que sempre que tivesse

tempo, isto é, quando não fosse trabalhar voltaria para

passar bons momentos e sentir a paz que ele sentiu.

Contudo, nunca mais voltou do mundo dos normais.

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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O CÁRCERE DO CIÚME

(CONTO SELECIONADO NO VIII CONCURSO DE CONTOS DE PRESIDENTE PRUDENTE –

RUHT CAMPOS)

Hoje sou velho, entretanto, já fui moço um dia. Minha

juventude foi bela e tão jovial quanto um leão quando

parte em caçada. Amei várias mulheres, bebi vários

drinks, joguei cartas, fiz amigos e ainda consigo rir dos

momentos na pescaria. Fui um homem belo, vestia-me

muito bem, sempre que comprava um terno novo logo o

levava para o Tino, o artesão da cidade, para que o

ajustasse em meu corpo. Das senhoritas que me fizeram

companhia, apenas uma amei verdadeiramente ao ponto

de pedi-la em casamento, as outras, contudo, sentia-me

bem junto delas apenas por uma noite. Não me julguem,

pois estou sendo sincero; apenas a Glória foi a minha

musa, contudo, por minha ignorância, meus ciúmes não

possui a glória em meu único casamento.

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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Em 1970 eu trabalhava na Fazenda Porto Saudade no

interior paranaense. O dono daquelas terras era o

Jeremias Forte. Para ele colhia algodão e com alguns

trocados que dele recebia, eu os gastavam nos bailes da

cidade. Certo dia, quando o galo ainda dormia, estava

chegando à fazenda quando vi, pela janela da cozinha, a

Glória, a filha do meu patrão, fazendo o seu perfumado

café. Ela era alta, possuía cabelos pretos, pele morena e

rosto delicado. Eu a observei por alguns minutos e tive

vontade de ir falar com ela, mas o medo me impediu de

imediato. Respirei por alguns minutos e parti em direção à

cozinha. Estava com a cabeça baixa, cada passo fazia o

meu coração bater mais forte, até podia ouvi-lo. Quando

me aproximei da janela e levantei a minha cabeça, fui

surpreendido e me assustei, visto que a minha musa

estava me olhando. Fiquei tenso e em minha camiseta já

podia ser notado o suor do meu corpo, apesar da

temperatura agradável. Ela sorriu e me ofereceu uma

xícara de café. Não sabia qual a atitude correta a ser

tomada, afinal, seria mais educado recusar ou

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

63

aceitar? Por impulso aceitei. O seu jeito de menina e seus

pensamentos adultos me acorrentaram ali naquela

cozinha. Tive vontade de que o tempo parasse, mas no

horizonte, muito além da plantação vi a tímida luz do sol

me dizendo que o dia estava chegando. Fiquei triste,

afinal queria ficar ali, contudo, fui para a roça.

Os anos se passaram e a vida me possibilitou o

casamento com Glória. Tivemos uma filha e a chamamos

de Vitória. O meu falecido sogro nos havia presenteado

com um quarto de suas terras. Agora, portanto,

possuíamos condições para sermos uma família feliz. E de

certo modo fomos... Até um dia tudo mudou. Chegou ali

na fazenda o peão Marcos. Nunca gostei dele! Apesar de

nunca ter me dado motivos para eu possuir tal atitude.

Glória sempre tratou muito bem os funcionários do seu

pai, mas eu não gostava dessa atitude. Sentia ciúmes,

raiva e queria matar o homem que conversasse com ela.

Essa cólera aumentou quando Jeremias morreu, afinal,

cabia a ela, filha única e já órfã da mãe desde os 10 anos,

administrar a fazenda. Sempre tive certeza que aqueles

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

64

caras só queriam conversar com ela para imaginar o seu

corpo sob o seu vestido.

Mas foi Marcos quem recebeu as injustiças dos meus

sentimentos. Certo dia de outono, Glória e Vitória estavam

passeando de charrete pela fazenda. Era visível no rosto

da minha filha a alegria por sentir os ventos em seu rosto.

Ambas riam muito. Sempre que passavam próximo do

barracão das máquinas, onde eu geralmente ficava,

gritavam por mim até me verem... As duas sentiam o

desejo de que eu as visse para que pudessem mandar

beijos para mim. Como era gostoso. Que saudade eu senti

agora... Mas o inesperado aconteceu. Um coelho passou

na frente do cavalo e o animal ficou descontrolado e

começou o correr em direção à cerca. Não sei ao certo o

que houve, pois não o vi. Lembro-me apenas de ouvir um

dos nossos funcionários gritando por mim dizendo que

Glória e Vitória sofreram um acidente. Segui o meu

funcionário até o local. E foi ali que encontrei Marcos

segurando com os seus braços a minha esposa e ao seu

lado vi minha filha toda arranhada, porém, de pé e

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

65

andando junto com ele. Ah, hoje sei que ele teve uma

atitude nobre, no entanto, parti em sua direção tomei

minha esposa nos meus braços, deitei-a no chão e peguei

a pistola que estava em meu bolso e sem remorso o

matei. Lembro-me de ter dito em voz alta: “Seu

desgraçado, estava querendo aproveitar de minha

esposa!”. Minha raiva desapareceu quando minha filha

começou a chorar e a dizer: “Papai ele me salvou, antes

da mamãe cair ele me tirou da charrete”. Foi nesse

momento que percebi que eu era um monstro. Aos

poucos foram chegando mais gente. Pedi para alguém

chamar a polícia e a ambulância. Estava sem rumo.

Minha esposa morreu e minha filha teve que ser criada

por meus pais, pois ainda estou preso. E hoje, 20 anos

depois, eu Leonardo Leão, estou aqui neste Tribunal,

ironicamente diante da Doutora e Juíza Vitória Forte Leão,

filha da falecida Glória Forte Leão, para saber se serei

solto ou continuarei na prisão. Seja qual for a sua decisão,

Doutora, por favor, continue me visitando na prisão, pois

o seu velho pai sente sua falta todos os dias. Por favor,

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

66

sei que não é interessante e saudável, mas eu também

gostaria de ver o Leonardo Leão Neto, a saber, o meu

neto, pois ele me faz lembrar dos cabelos pretos e do

rosto angelical de sua mãe. Contudo, seja qual for a sua

decisão, que seja a mais justa. Doutora, qual será o meu

futuro?

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

67

O AMOR REVELADO POR UMA CRIANÇA

Se as crianças soubessem o poder que elas têm,

certamente, a vida se tornaria mais simples e emotiva.

Esses seres são tão frágeis, mas recheados de compaixão,

amor e inocência. Quando dois corpos compartilham do

mesmo amor doado por uma criança, a vida pode até

seguir à loucura, contudo, o final da estrada mostrará o

bálsamo da comunhão e do afeto.

Na correria da metrópole, encontrava-se Roberto Noah,

um jovem formado em Educação Física, mas que ainda

não conseguira encontrar o emprego dos seus sonhos.

Seus olhos eram azuis, sua boca fina e nariz pontudo.

Seus cabelos eram loiros e encaracolados, eram visíveis

suas ascendências germânica e judia. Seus braços eram

fortes e, por ser muito branco, eram visíveis as veias

saltadas. Seu maior desejo era possuir uma academia

aquática, afinal, sua especialidade era a natação; contudo,

durante a semana dava aulas para as crianças do ensino

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

68

fundamental no Centro Esportivo de sua cidade. Seu

salário era ruim, apenas lhe servia para pagar o aluguel

da quitinete onde ele morava, assim como a compra no

mercado, as contas de água, luz, gás, internet e seu curso

de Inglês. Sempre guardava uma quantia pequena para

no fim do mês ir ao cinema ou comer um lanche. Noah

era solitário, não possuía amigos, quase não conversava.

Mesmo assim, tudo mudava quando caía na piscina junto

com seus alunos. A paixão por aquelas crianças o fazia rir

e brincar e, ainda, quando um aluno conseguia aprender

os passos certos para se mover sobre as águas, Roberto

ficava emocionado. Os alunos o chamavam de tio Betinho.

Em uma de suas aulas às crianças entre cinco a sete

anos, na segunda-feira, o professor notou que um de seus

alunos, o Carlos, estava triste e não se alegrava como os

outros, todos amavam estar dentro da água menos esse

menino franzino e míope. A piscina era grande e

aquecida, Roberto sempre possibilitava um momento de

recreação antes do fim das aulas. Para os seus alunos

esse era o momento mais aguardado da aula. Quando o

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

69

tio Roberto gritava pausadamente “Recreação!” era

inconfundível o coral de gritos de alegria, as crianças

subiam na borda da piscina e pulavam na água, as

meninas riam das imitações que os meninos faziam ao

pularem de volta na piscina. Por isso, ao notar esse

menino triste e cabisbaixo, Noah teve a ideia de adiantar

o momento mais aguardado da sua aula e gritou:

- RE-CRE-A-ÇÃOOO!

Apesar de antecipar aquilo que era o oásis das

crianças, Roberto notou que Carlos se sentou na borda da

piscina e ficou batendo os seus pés na água. Seu

semblante era triste, seus olhos denunciavam uma dor

aguda naquele coração sem pecado. O professor vendo

tudo isso, aproximou-se do menino e disse:

- Carlos, por que você não vai brincar?

- Não quero brincar! – Respondeu o menino de modo

raivoso.

- Por quê? Por acaso alguém lhe fez algo e você não

gostou?

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

70

- Não... Mas... Eu não consigo brincar... Na verdade, eu

não quero fazer nada...

- Você gostaria de me dizer alguma coisa? Eu posso

lhe ajudar?

- Não quero falar nada... Minha vida não está bem...

Minha mãe... Deixa pra lá! – Desviou o olhar.

- O que aconteceu? - O professor puxou o ombro do

menino e disse olhando em seus olhos míope – Eu sou o

seu professor, eu nunca vou lhe querer o mal! Confie em

mim, por favor, quero lhe ajudar! O que é que tem a sua

mãe?

O Carlos percebendo a sinceridade do seu professor

titubeou por alguns instantes, olhou longamente para os

outros meninos que pulavam desesperadamente na água

e resolveu desabafar:

- Eu não tenho pai! Ele morreu quando eu ainda era

um bebê e minha mãe...

Nesse instante um dos alunos de Roberto veio

lentamente por trás do professor e o empurrou na piscina.

Os outros alunos pularam por cima do tio Betinho e

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

71

fizeram uma algazarra. Carlos ao ver tudo isso, levantou-

se e foi para o banheiro trocar-se. Noah até tentava

encontrar o aluno franzino por entre os meninos e

meninas que pulavam ao redor dele, contudo, já não o

avistava mais. Desse modo, aos poucos se notava a

chegada dos pais das crianças. Elas fingiam não os verem

para aproveitarem ainda mais a piscina. Como era

obrigado a não deixar nenhuma criança sozinha dentro e

próxima da água, o professor tinha que permanecer ali

com os seus demais alunos até que o último fosse ao

banheiro vestir-se.

Enquanto as crianças estavam no banheiro, Roberto

cobria a piscina com uma lona azul. O local onde se

encontrava o tanque de natação era grande e a piscina

era de formato retangular, havia várias cadeiras brancas

de plástico, além de um vidro enorme e transparente que

possibilitava a visão da secretaria, a qual continha várias

cadeiras com estofados vermelhos em que possibilitavam

aos pais se sentarem e verem os seus filhos tendo a aula.

Sendo assim, enquanto Noah apagava as luzes, olhou por

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

72

esse vidro e viu uma moça abraçando e beijando Carlos.

Ela era baixa e magra, de pele morena e roupas simples.

Seus cabelos eram levemente encaracolados, seus olhos

eram castanhos, sua boca era grossa, sua pele por mais

que estava oleosa era lisa e delicada. O professor se

apressou com os afazeres, queria pelo menos se despedir

do seu aluno míope e lhe dizer que o ajudaria, contudo,

ao chegar à secretaria já não se deparou com eles. E sem

se importar com as pessoas que ali estavam, correu para

fora do Centro Esportivo e se deparou ao longe com uma

criança na garupa de uma bicicleta Monark de cor

vermelha com uma mulher pedalando, percebeu que era

Carlos o menino, mas “quem seria aquela mulher?”,

pensou.

Roberto foi embora pensativo, naquele dia. Queria

ajudar o seu aluno, pois não admitia ver uma criança

triste. Pensou em ir à casa de Carlos, mas não imaginava

como. E percebendo que naquele dia nada poderia ser

feito, logo, sem motivo, pegou suas apostilas da época de

faculdade e começou a folheá-las. Estava apreensivo,

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

73

queria respostas, desejava ter a sensação de que estava

fazendo algo. Os livros universitários apenas lhe serviam

de distração até que algumas fichas de estudo caíram ao

chão. Noah se abaixou e as pagou e viu que eram nomes

e algumas medidas corpóreas de seus antigos alunos,

quando ainda era estagiário. Foi nesse momento que teve

uma ideia, afinal, por que não olhar as fichas de seus

atuais alunos e procurar por Carlos. Seguindo o seu

pensamento, o professor pegou a pasta onde se

encontrava as autorizações que os pais davam às crianças

para realizarem aulas de natação e ali encontrou o nome

Carlos Henrique Mariano e o endereço Rua Monte Rei,

número 123, bairro Capitão Rodrigo. Sem titubear, Noah

pegou a sua moto e partiu para o endereço. Conforme ia

se aproximando do bairro onde morava o seu aluno

franzino, Roberto percebia o surgimento de casas

humildes e ruas cheias de buracos.

Quando chegou à casa de Carlos, bateu palma e gritou

o nome do seu aluno. Aquela mulher que buscara o

menino olhou pelo vão da cortina para verificar quem era

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

74

e abriu a porta, aproximou-se do velho e enferrujado

portão e disse:

- Boa noite, professor! Por que está aqui?

- Boa Noite... - O professor ficou encantado pela beleza

daquela mulher, mas como possuía dificuldades para criar

novas amizades, inicialmente titubeou e criando fôlego

perguntou de modo cordial - Qual é o seu nome? E o que

você é do Carlos?

- Sou a mãe dele, por quê?

Roberto ficou paralisado por um tempo, ao ouvir

daquela bela mulher a palavra ‘mãe’. Seu pensamento

fugiu à realidade. Os olhos dele estavam direcionados a

ela, porém, a graça e simpatia daquela moça mexeram

com a mente dele.

- Professor! – Disse a mulher à mãe de Carlos.

E voltando em si, Noah falou:

- Perdão... Eu não consegui acreditar que você é mãe

de Carlos... – Falou sem perceber - Eu... Eh... – o

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

75

professor estava embaraçado, mas prosseguiu -

Novamente, perdão! Eu gostaria de falar com Carlos.

- Aconteceu alguma coisa? Por favor, 'me diga'!

- Não é nada de grave, mas eu preciso falar com o seu

filho.

- Tudo bem! – Aquela mulher olhou para trás e gritou-

Carlos! 'Vem' aqui!

Roberto ficou olhando para ela enquanto o seu aluno

não vinha. Queria lhe perguntar pelo menos o seu nome,

porém, o medo possuiu os seus sentimentos. Desejou

criar coragem, respirou fundo. Não conseguia. Sendo

assim, a mãe do menino míope virou-se para o professor

e disse:

- 'Me desculpa!' – estendeu as mãos – Prazer, meu

nome é Laís.

Noah tremia, ficou sem graça, olhou para o chão

enquanto estendia a sua mão para cumprimentá-la.

- Prazer! Eu me chamo Roberto Noah... Sou professor!

- Eu já sabia que você é professor - riu – Meu filho faz

aula de natação com você.

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

76

Roberto ficou ainda mais tímido, seu rosto estava

vermelho. Por isso, desejou desesperadamente que Carlos

aparecesse naquele exato momento. E foi o que ocorreu.

O menino franzino veio ao portão e abraçou a cintura de

sua mãe e quando viu que era o seu professor teve um

susto e disse:

- Tio Betinho! O que faz aqui? – Sorriu e correu ao

encontro do professor.

Laís ficou feliz, pois era raro ver o seu filho tão alegre.

Nesse momento ela mudou a forma de como percebia

aquele professor. Antes apenas via um homem qualquer,

agora, portanto, começou a notar o humano Noah.

Começou a ver o seu filho pulando no colo daquele

alemão cheio de músculos, teve vontade de chorar, rir.

Ver outra pessoa brincando com o seu filho, despertou

nela o desejo de esperança e até de algo mais. Afinal, sua

vida se resumia em trabalhar, cuidar da casa e de Carlos.

Desejou convidar o professor para o jantar, contudo, não

tinha a quantidade de comida suficiente para três

pessoas.

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

77

- Vou ‘deixar vocês sozinho’- Disse a mãe de Carlos

enquanto se retirava dali.

Noah não queria que ela saísse, porém, tinha que

conversar com o seu aluno. Ficou a vê-la e admirá-la até

que entrasse naquela casa de madeira e, em seguida,

olhou para o menino, abaixou-se, e disse:

- Eu não disse que queria ajudá-lo? Aqui estou! Diga-

me aquilo que você estava me dizendo.

- Vamos entre aqui em casa. Vamos sentar ali- apontou

para duas cadeiras de madeira que por sinal estavam

velhas e apodrecendo.

Ambos foram e se sentaram. Carlos olhou para o

professor e começou a dizer:

- Meu pai morreu quando eu ainda era um bebê. Minha

mãe trabalha muito e ela sempre está muito cansada. Não

tenho ninguém além dela e ela não tem ninguém além de

mim. Eu não tenho com quem brincar, não tenho com

quem conversar... Ás vezes, eu penso que minha mãe

seria mais feliz se eu não tivesse nascido... Ela trabalha

muito para ‘me dá’ comida e caderno ‘pra mim estudá’. Eu

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

78

só ‘vejo ela’ descansando quando vai dormir... Quando

vejo os meus amiguinhos felizes e se divertindo lá na

piscina... Fico com vontade de que minha mãe tivesse

esse momento de alegria.

Roberto ficou surpreso e emocionado. Ouvir essa voz

melancólica e ver a expressão triste de Carlos o deixou

preocupado. Não sabia como ajudar. Queria ver o sorriso

do menino míope, queria ver o sorriso da mãe.

- Você pode me ajudar? - Perguntou o menino.

Apesar de Noah não saber como, respondeu:

- Claro que posso! Afinal, você é meu aluno!

Carlos se alegrou, via em seu professor a possibilidade

de que alguma coisa seria mudada e curiosamente

perguntou:

- Como o senhor pretende fazer isso?

Roberto não sabia o que dizer. Desse modo, olhou para

o seu relógio de pulso que possuía a data e verificou que

naquela semana receberia o seu salário. Teve uma ideia

ousada:

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

79

- Que tal sairmos para jantar neste final de semana? Eu

pago! O que você acha de nós irmos comer um lanche?

Eu, você e a sua mãe?

- Eu nunca comi um lanche! – Os olhos de Carlos

misturavam ansiedade com admiração, só de imaginar

que comeria um lanche e que sua mãe poderia se divertir

ficou agitado, animado e numa atitude infantil correu para

dentro de casa e chamou Laís. Disse que o professor

queria lhe falar algo. A princípio ela se assustou, mas foi

puxada pelo braço por seu filho e o acompanhou até onde

estava o professor. O menino olhou para Noah e, sem

querer, o intimidou dizendo - Tio Betinho fala ‘pra’ ela o

que você falou ‘pra’ mim!

Roberto era tímido, porém, fazer boas ações lhe

promovia se esquecer desse sentimento. Ele se levantou,

olhou no fundo dos olhos castanhos de Laís e disse:

- Eu quero lhe convidar... - Olhou para o menino- E ele

também! Para irmos comer um lanche neste final de

semana. Ficarei feliz em pagar para vocês e ficaria muito

triste se você recusasse.

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

80

Laís teve múltiplos sentimentos dentro de si. Os olhos

azuis do professor a instigava, ela ficou hipnotizada,

queria dizer "NÃO!", pois não achava justo que Noah

pagasse pelos lanches, contudo, desejava estar,

novamente, perto dele. Optou em concordar. Carlos a

abraçava e a beijava do mesmo modo em que pulava nos

braços de Roberto.

- Eu quero que ‘nós três se abrace’- Gritou o menino.

O professor hesitou e timidamente olhou para Laís e

ela teve a atitude de abraçar Carlos. O menino franzino

olhou para Noah e disse:

- Vem abraçar a gente!

Roberto, vendo que não teria outro jeito, abraçou o

menino e a mulher. Os corpos de Noah e Laís ao se

encostarem ficaram quentes. O professor sentiu próximo a

sua nuca a respiração ofegante da mãe do menino. Isso

lhe causou arrepios. Ela, no entanto, sentiu-se protegida

ao perceber o braço forte dele. Ambos não queriam que

aquele abraço em conjunto terminasse, contudo, Carlos

foi o primeiro a se soltar, fato que os abrigaram a se

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

81

soltarem também. Desse modo, ocorreu um momento de

silêncio até que Roberto se despediu e foi embora.

O professor contava os dias para chegar o momento de

reencontrar com Laís e Carlos. Finalmente, o último dia da

semana chegou. Como Roberto não possuía carro ficou

combinado que ele iria até a casa do seu aluno com a

moto e a partir de lá os três iriam a pé até uma

lanchonete próxima. Assim sendo, quando a noite chegou,

o professor seguiu o plano. Quando chegou à casa de

Carlos o chamou pelo nome e bateu palma. Noah viu a luz

da sala se apagar e a porta se abrir. Ao ver Laís seu

coração disparou, afinal, ela estava linda vestida com uma

simples blusa vermelha que ganhara no natal, calça jeans

e um salto também vermelho. Seu corpo seguia os

padrões de beleza, sua boca com batom vermelho entrava

em contraste com a sua pele, algo que a tornava desejada

por qualquer homem. Apenas o seu jeito de andar estava

engraçado, já que havia anos que não usava saltos.

Carlos, no entanto, estava com bermuda jeans, camiseta

preta, tênis e com o seu inseparável óculos. Ao abrir o

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

82

portão os olhares de Noah e Laís se encontraram. Ele,

cordialmente, estendeu-lhe a mão para cumprimentá-la.

Ela quando lhe deu a mão, surpreendeu-se quando o

professor a beijou carinhosamente. Todavia, ao perceber

que o menino os olhava, Roberto se abaixou e também

deu um beijo no rosto do menino. Carlos em sua

inocência olhou para a sua mãe e perguntou:

- Mãe por que você não chama o Tio Betinho para ser o

meu pai? Ele gosta de mim e, também, gostou de você!

Laís ficou sem palavras, estava tímida assim como

Noah.

- Você não queria ser o meu pai Tio? Se minha mãe

deixar, 'você namora ela'?

A inocência de Carlos era eminente, contudo, o

professor e a Laís não sabiam o que dizer, ambos

sentiam-se apaixonados, entretanto, não sabiam se o

outro partilhava do mesmo sentimento. O menino

franzino olhava para os dois esperando uma resposta,

mas ambos disfarçavam. Desse modo, Carlos pegou a

mão dos dois e as aproximou até que ambos ficaram de

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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mãos dadas. Roberto, apesar do constrangimento, estava

gostando, pois o menino fazia tudo o que ele mesmo já

queria ter feito, porém, que a falta de coragem não

deixava. Laís partilhava do mesmo sentimento do

professor até que o seu filho disse:

- Eu os declaro marido e mulher! - E olhando para

Noah disse: “Pode beijar a noiva”.

O professor que estava vermelho ficou ainda mais

tinto. Sua mão tremia e Laís podia sentir isso. Uma

criança fez com que os adultos ficassem sem graça.

Roberto percebeu que agora era um bom momento para

dizer aquilo que sentira e estava sentido. E foi isso que ele

fez. O professor segurou nas mãos dela e disse:

- Laís, eu pensei em você durante toda a semana,

desde o primeiro dia que eu a vi eu já me apaixonei por

você... Sabe esse negócio de amor à primeira vista? Eu

não acreditava até ter 'te' conhecido. E se você deixar –

riu - Como disse o Carlos, eu aceitaria me tornar como um

pai para ele e para você... Bom, eu sei que fomos

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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declarados como marido e mulher, contudo, eu não sei se

posso beijar a noiva...

Laís ficou emocionada e pulou nos braços fortes de

Noah. Beijaram-se longamente. Carlos pulava e gritava:

- Papai e mamãe! Agora eu tenho um novo pai!

Roberto pegou Carlos no colo, colocou-o entre ele e

Laís e disse:

- Agora eu tenho um filho – Olhou para Laís- e uma

linda esposa...

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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SONHOS NO DESENHO DO DESTINO

Se a escola da vida ensinasse que a dor não deveria

ser a causa, mas sim consequência certamente o pai não

teria desmotivado o sonho de seu filho Bruno.

Na madrugada do mês de julho de 1996, o clima de

inverno possibilitava à rua XV de novembro cores

lúgubres. A sinfonia dos latidos dos cães já não era mais

ouvida. O frio fazia com que todos se escondessem. Quem

possuía casa, já se encontrava de baixo do seu cobertor,

contudo, quem fazia das estrelas a sua luminária e das

caixas de papelão a sua cama ainda tinha que lutar contra

o frio para dormir. Bruno Sérgio, um moreno de altura

mediana, cabelos crespos, nariz pontudo, aos dezessete

anos abandou a casa dos seus pais e decidiu viver na rua.

Sua mãe sempre lhe desejou o bem, entretanto, o seu pai

o odiava. Bruno Sérgio ou BS, como todos o conheciam,

sonhava em ser pintor de quadros artísticos. Sempre teve

amores pelas artes. Quando ainda frequentava a

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

86

escola, amava as aulas de educação artística e tinha a

Dona Mariana, a sua professora de artes, como um

exemplo a ser seguido. BS tentava interpretar todos os

quadros artísticos que via. Sempre após sair da escola e

chegar à sua casa, abria o livro escolar na matéria de

‘história da arte’ e passava à tarde toda tentando

compreender os sentimentos dos artistas, procurava

absorver as técnicas usadas, as cores, enfim, tudo o que

podia. Seu pai, contudo, achava-o bobo e vagabundo,

segundo ele, homem deveria trabalhar como homem,

sendo assim, deveria estudar engenharia ou direito. BS

sofria muito com as atitudes do seu pai. Certa vez Bruno

desenhou, sobre um fundo crepuscular, uma montanha e

em cima dela havia uma casa. Contudo, um pássaro,

aparentemente era uma águia, aproximava-se com suas

garras enormes, pronto para pegar aquela casa. O pai de

Sérgio ao ver o desenho, sem interpretar nada, disse:

- O “moleque” burro! Fala que quer ser pintor, mas

nem pra isso serve! Onde já se viu um pássaro ser maior

do que uma casa? E ainda, quase do mesmo tamanho de

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

87

uma montanha? – gargalhou para o menino

e prosseguiu – Quer viver aqui? Morar no meu teto, beber

da minha água? Então vá estudar engenharia ou

direito, caso contrário vá bater massa, mas pare com

esses sentimentalismos e vire homem!

- Pai! Nesse quadro estão os meus maiores

pensamentos, estão minhas emoções, minhas tristezas e

alegrias! - argumentou o menino.

Sem pensar o pai de BS pegou o quadro do seu filho e,

acendendo o isqueiro, queimou-o ali na frente no menino.

Esse foi o estopim que motivou Bruno Sérgio a fugir de

casa no dia anterior ao seu aniversário de dezoito anos.

O começo da noite de BS foi difícil, pois via a realidade

e não estava acostumado com isso. Sérgio via meninas

menores de dezoito anos se oferecendo a ele em troca de

dinheiro, via malandros vendendo drogas, enfim, via o

que a noite proporcionava nas metrópoles. Como não

queria ser a parte podre de uma cidade tão bela, decidiu,

portanto, procurar nos mendigos auxílio para permanecer

vivo naquela noite de inverno. Borges, popular “Vovô”, um

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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senhor de cinquenta e cinco anos, pele negra e barba

branca, foi o primeiro a prestar ajuda ao menino.

- Está perdido menino? - perguntou o senhor.

- Eu... Eu fugi de casa! Não sei onde ficar, o que

comer... - respondeu o menino.

- Você não possui tio ou tia? Enfim, alguém que o

aceite, pelo menos esta noite ou até você conseguir um

emprego?

- Aqui nesta cidade não!

- Bom! Fique conosco esta noite, amanhã bem cedo

deveremos sair de frente desta loja, caso

contrário seremos presos!

- Obrigado! Mas amanhã sairemos para onde? –

perguntou.

- Para onde? Meu filho eu tenho cinquenta e cinco

anos, fiz muita coisa na minha vida... Você é um menino!

Vamos aonde a vida lhe der oportunidade.

Borges, percebendo que o menino estava passando

frio, pegou um pouco de papel bolha e folhas de jornais e

deu ao menino. Pediu para que o jovem colocasse as

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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folhas debaixo da camiseta e o papel bolha dentro da

calça. Disse, também, que nas selvas de pedras

sobreviver é mais fácil do que nas grandes savanas, já

que as cobras e os leões durante o dia quase

não têm tempo e durante a noite quase não saem. Além

de que os piores carnívoros são as hienas, pois se julgam

fortes como os leões; porém nem felinos são e, ainda,

preferem comer carniça a caçar. Bruno ficou confuso com

os dizeres de Borges, porém, não desejou contestá-lo,

pois aquele senhor foi o único que o ajudou.

Antes de o sol sair, Vovô acordou Bruno e logo

dobraram os papelões e as cobertas imundas que lhes

permitiram um pouco de calor, colocaram-nas dentro de

um bueiro e partiram. A fome já lhes fazia companhia. BS

não possuía nenhum trocado mesmo em moedas. Borges

sabia disso, contudo, desejou impactar o jovem com a

finalidade de lhe causar medo e, assim, estimulá-lo a sair

das ruas, desse modo, disse:

- Você tem dinheiro? Precisamos comer!

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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- Não tenho, desculpe-me! - respondeu tímido o

garoto.

- Teremos que roubar o dinheiro de alguém!- disse o

senhor, sem a intenção de cometer tal ato.

- Por favor, não me obrigue a roubar!

- Então volte para a sua casa!

- Por favor... Não! – BS começou a chorar, viu que tudo

tenderia a piorar, mas não estava disposto a voltar para a

sua casa e afirmou: “se é para roubar, então

roubaremos”!

Vovô ficou surpreso, esperava qualquer resposta

daquele jovem, menos que ele concordaria em roubar.

Desse modo, querendo ver até que estágio o Bruno

estaria disposto prosseguiu:

- Vamos até aquela padaria e ali você distrairá alguém

e eu pegarei a carteira.

Sérgio concordou e seguiu até aquela padaria.

Ao entrar viu que várias pessoas já se encontravam ali.

Observou também uma senhora acompanhada de sua

neta, ficou encantado pela beleza da jovem e logo tentou

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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se aproximar, porém não sabia como as abordaria e nem

como as distrairia. Sentiu o seu estômago ‘roncar’, teve

uma ideia e seguiu em direção àquela mesa.

- Bom dia! Eu me chamo Bruno, tudo bem?

- Bom dia! Nós por acaso o conhecemos? - perguntou a

jovem.

- De fato, não. Eu nunca a vi e nem a sua... - fez uma

pausa e viu a senhora que estava ali era a sua ex-

professora de artes a Dona Mariana, todavia, percebendo

que ela não se lembrava dele, já que não esboçou

nenhuma reação ao vê-lo, prosseguiu - sua mãe.

- Minha avó, por favor! – respondeu a menina.

- Não tenho onde ficar e viver, eu moro na rua. Por

favor, permita que eu lhes faça um desenho, se caso

gostarem, por favor, dão-me algumas moedas para que

eu possa comer.

A princípio a jovem se estava recusando a proposta de

Bruno, porém, Dona Marina disse:

- Sabrina, por favor, permita que esse menino faça o

desenho.

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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A jovem ficou atônita. Nunca ouvira palavras

lúcidas vindas de sua avó, pois Dona Mariana há três anos

foi diagnosticada com Alzheimer e, a partir da descoberta

da doença seu quadro psíquico foi apenas se degradando,

chegando ao ponto de apenas conhecer a sua neta

Sabrina. Sendo assim, a menina permitiu que Bruno

fizesse o desenho.

BS pegou o seu caderno da mochila que carregava e

alguns lápis de cor e começou a desenhar. Fez um jardim

enorme com várias flores, entretanto, todas, exceto duas

flores, eram brancas. Esses duas flores eram vermelhas, a

saber, eram maiores e mais bonitas do que as demais.

Bruno desenhava com perfeição cada flor. Ele fazia as

pétalas com perfeição e, quando parava, olhava ao redor

e ficava analisando cada pessoa que via, em seguida

voltava para o seu desenho. Dona Mariana sorria, seus

olhos brilhavam. Sabrina, no entanto, estava confusa

novamente, pois nunca, após a sua avó descobrir que

possuía Alzheimer, ela a tinha visto sorrir.

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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Bruno terminou o seu desenho após longos sessenta

minutos. E o entregou para Sabrina. A jovem olhou para o

papel, mexeu os lábios como se não tivesse visto nada de

espetacular e entregou o papel para sua avó. Dona

Mariana o olhou, pausadamente, detalhe por detalhe, em

seguida se virou para a sua neta e disse:

- Estas duas flores somos nós. Suas pétalas estão mais

fechadas do que as minhas, talvez, o menino Bruno está

querendo lhe mostrar que você deve ser menos fechada

para as possibilidades da vida. As flores brancas são

todas essas pessoas que estão aqui. Como poderemos dar

ao menino algum dinheiro, logo, para ele apenas nós duas

lhe importamos. Achei lindo o desenho – olhou para

Sérgio – Todavia, quero lhe fazer uma pergunta menino:

“Por que todas as flores estão em direção ao sol e apenas

duas flores vermelhas estão voltadas contrárias ao sol?”.

Sabrina não se conteve e começou a chorar, pois viu

que sua avó, por um milagre. Estava lúcida novamente.

Bruno ficou atônito pela leitura que D. Mariana havia feito

do seu desenho, mas se animou com a ideia e disse:

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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- Todas as flores precisam do sol, mas essas duas

vermelhas são especiais.

- Menino, por acaso você está nos escondendo algo?

Afinal, essas duas flores estão viradas para a direção de

quem as observa, isso revela que estamos contra a luz,

isto é, que alguma coisa ruim nos irá acontecer, já que

uma flor sem luz geralmente não vive!

Bruno se lembrou de que a qualquer momento Borges

entraria ali para roubá-las. Por isso, ficou preocupado,

suou frio, olhou para os lados e não viu o “Vovô”, teve

medo, ‘ ele me abandonou?’, pensou. E ao olhar para a

mesa do lado observou que Borges já estava ali.

Novamente teve medo, olhou para o seu ‘parceiro’

querendo repreender qualquer atitude negativa contra

aquelas mulheres. “Vovô” apenas o observava e ria ao

perceber que o menino estava tenso. Bruno querendo

preservar aquelas ‘flores do seu jardim’, disse:

- Peço-lhes perdão! Pois eu estava planejando... Eh...

Junto com ele - apontou para Borges, que riu

acenando com as mãos - Nós iríamos roub...

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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Borges interrompeu a fala de Bruno e diz:

- Prazer eu me chamo Borges, porém muitos me

conhecem por “Vovô”.

Após se apresentar, o maltrapilho contou toda a

história na noite anterior e assumiu que possuía algumas

moedas para comprar alguns pães, contudo, como queria

colocar medo em Bruno fingiu que estava disposto a

roubá-las para poderem se alimentar. Ele aproveitou a

situação e perguntou se elas não conheciam alguém que

pudesse dar algum emprego a Bruno, enfim, que pudesse

dar um futuro melhor do que viver na rua. D. Mariana

sem titubear falou que o jovem Sérgio poderia ficar em

sua casa. Sabrina, contudo, ficou sem reação, não

conseguia dizer nada, já que o menino fez mais do que

muitos médicos tentaram e não conseguiram. A mente da

jovem estava a mil, seus pensamentos eram ‘sua avó

estava curada e tudo estava muito confuso: “Numa noite

anterior o pai briga com o menino a tal ponto que o fez

fugir de casa e esse jovem encontra um mendigo que o

acolhe e o estimula, apenas para lhe botar medo, a

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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roubar. Bruno aceita a praticar o roubo, porém encontra-

se com sua ex-professora de ‘história da arte’, que era

portadora de Alzheimer que agora o quer levar para morar

com ela”.

Bruno percebendo que Sabrina não aceitava tudo isso

disse:

- Hoje é o meu aniversário! Muito obrigado Sabrina e

D. Mariana por este presente!

Pronto! Agora tudo ficou realmente muito doido! -

pensou Sabrina.

Borges, percebendo que havia feito a sua missão,

levantou-se da cadeira, deu um abraço em Bruno,

despediu-se e agradeceu Sabrina e D. Mariana e seguiu

até o caixa para pagar os pães que pegara. Bruno,

contudo, sentiu um aperto em seu coração, apesar de ter

passado uma única noite ao lado do “Vovô”, percebeu que

ele era uma boa pessoa. Foi em sua direção e disse:

- Obrigado por tudo. Mas não posso deixá-lo, ficarei

morando na rua contigo.

- Não faça isso. Viver na rua foi uma escolha minha.

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- Essa será a minha escolha também!- disse BS.

D. Mariana que acabara de pagar a conta se aproximou

dos dois amigos e diz:

- Vamos meu querido aluno!

- Não vou, obrigado! Não posso deixar o meu “avô”

aqui na rua sozinho.

- Claro que pode. Vai embora com ela, rapaz! – disse

Borges.

A ex-professora ficou pensativa e olhou para a sua neta

por um longo período. Sabrina percebeu que ela também

queria ajudar o Borges. ‘Meu Deus, acho que eu estou

ficando louca’, pensou a jovem. D. Mariana olhou para os

dois e disse:

- Venha conosco também, senhor Borges!

Sabrina ficou boquiaberta e logo recebeu um abraço

apertado de Bruno, algo que a fez ficar mais paralisada

ainda. “Vovô”, portanto, ficou atônito. Não queria

incomodar, pensou que não haveria mais oportunidades

em sua vida, porém, se ficasse na rua poderia adoecer e

morrer logo. Borges ficou pensativo por alguns instantes e

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ao receber um abraço de BS não conteve a emoção e as

lágrimas já lhe anunciaram a presença em seus

olhos. “Vovô”, aceitou o convite.

Os quatro entraram no carro, Sabrina assumiu o

volante. Estava confusa, estava ainda mais pensativa.

Teve medo por estar desatenta, tentou não pensar no que

ocorrera, mas era quase impossível não olhar pelo

retrovisor e não ver os dois estranhos ali no banco de

trás. Borges tentando quebrar o silêncio perguntou:

- Que dia lindo! Bem, D. Mariana que dia é hoje?

- Hoje é dia 18 de julho.

Sabrina ficou mais confusa ainda, pois a sua avó

acabara de ficar lúcida e sem olhar em nada sabia o dia

do mês.

- Nossa! – disse Borges.

- O que foi? - perguntou Sabrina com tom raivoso, pois

não aguentava mais tanta surpresa.

- Hoje é o meu aniversário!

- Pelo amor de Deus! Vou fazer o seguinte... vamos

parar ali na praça, vamos nos sentar e nos conhecer

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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melhor, porque o dia hoje está recheado de supressa!

Temos dois aniversariantes, minha avó não se lembrava

de nada e agora se lembra de tudo. O que mais

vai acontecer?

Dona Mariana sorriu e apesar de não se lembrar de

nada há três anos e precisar de sua neta para quase

tudo, depois de hoje se sentiu mais confiante e disse:

- Quer que eu dirija minha neta?

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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O HERÓI FORMADOR DE CARÁTER

Na pequena cidade do interior paulista havia um

homem humilde cujo nome era José. As pessoas o

conheciam por herói, apesar dele não ser de ferro e

também não possuir os olhos capazes de soltar laser. Ele

era como qualquer um e possuía suas crises e medos,

mas em seu interior algo o tornava diferente, possuía uma

incógnita que o tornava realmente um herói. José Silva

possuía a compaixão.

Naquela mesma cidade havia um menino de 15 anos

chamado Henrique, o qual por todos era conhecido como

Barbosinha. Ninguém gostava dele, afinal ele era filho de

Cosme Barbosa, o dono da única fonte de emprego

daquele município: a Usina de Açúcar e Álcool Barbosa. O

que as pessoas sentiam, no entanto, por Henrique não era

inveja, mas raiva. Nada estava bom para o Barbosinha,

apesar do amor de sua família e dos bens que já possuía,

reclamava de tudo e nunca valorizava nada. Para ele as

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roupas usadas pelas pessoas não seguiam a moda e por

isso as tachavam de porcas e 'malacafentas'; assim

também, para ele, os funcionários de seu pai não

prestavam do mesmo modo como a sua escola e seus

professores. Barbosinha estudava na escola pública junto

com os demais adolescentes daquela zona urbana, já que

a cidade mais próxima dali, com ensino diferenciado,

distava 90 km. Além disso, ele não possuía amigos, pois

alguns o temiam e outros o odiavam. Seu desempenho

nunca fora regular, mas péssimo e como resultado disso

suas notas eram baixas, principalmente nas ciências

humanas.

Seu destino, contudo, começou a mudar quando

conheceu o novo professor de filosofia, José Silva. O

mestre, já no primeiro dia de aula depois das férias,

chegou na sala de aula e foi logo dizendo:

- Vocês acreditam na mudança?

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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As opiniões entre os alunos foram divididas, alguns

diziam que sim, outros diziam que não, a maioria ainda

estava absorvendo a ideia do novo professor:

- Como vocês afirmam que sim ou não sem ao menos

eu ter dito do que se tratava? Se eu dissesse “vocês

acreditam na mudança de uma flor?” ou “vocês acreditam

nas mudanças do comportamento humano?”. Talvez

vocês tivessem um pensamento... Vocês deveriam me

questionar sobre o que ou quem se refere à mudança -

Uma pausa. - Eu sou José Silva, professor de filosofia,

formado pela Universidade de São Paulo, USP, com pós-

graduação e mestrado em vários lugares que eu sei que

vocês nem se importariam em saber.

Henrique ficou curioso, de fato era o único entre os

alunos que tinha noção do quão capacitado era o seu

professor, seu pai havia se formado na USP e com

frequência recebia visitas de amigos que fizeram o mesmo

curso do empresário.

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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- Meu objetivo aqui não é ensiná-los ou lhes atribuir

conhecimentos e sim indagá-los, questioná-los até que

por si mesmos, vocês consigam chegar à conclusão final -

falou José. Filosofia não é formada por respostas e sim de

perguntas.

Barbosinha ficou fascinado por aquele homem, queria

perguntar, conhecer, sentiu um desejo que antes nunca

tivera, mas era tímido e não queria falar com uma pessoa

tão humilde e mal vestida, por isso, apenas fitou seu

professor nos olhos e ficou atento para ouvi-lo ainda mais.

O professor olhou para o menino rico, de fato era o

único que possuía as roupas mais caras e chamativas dali,

e disse:

- Nos achamos tão diferente, não é? Você aí - disse

apontando para Barbosinha - deve ser o mais rico desta

escola. - O professor sabia quem era o pai dele, mas

preferiu fingir que nada conhecia e continuou. - Você se

acha tão diferente dele? - E apontou para um menino que

usava uma péssima cópia de um short da seleção

brasileira de futebol que pela ação do tempo já se

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observava um escudo desbotado e usava nos pés, um

encardido chinelo que apenas evitava o contato direto

com o chão.

Henrique ficou assustado, não queria ser confrontado,

mas em seu interior possuía a soberba e respondeu:

- Sou sim diferente dele. Sou mais elegante, mais

bonito e, claro, sou o mais rico! Sou muito diferente de

qualquer um aqui.

José riu, sentia pena daquele menino e aceitou o

desafio do debate, porém quando ia responder...

- Ninguém se meche ou eu atiro, disse um homem que

entrou na sala naquele exato momento.

Todos ficaram apavorados e levantaram suas mãos.

Alguns choravam e outros tapavam os olhos para não

verem o que o futuro poderia lhes apresentar.

- Você mesmo, seu verme, disse o homem que

segurava o revólver para Barbosinha. Seu pai me mandou

embora com meus três filhos me esperando o que comer.

Não vou matar você, mas...

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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Todos ouviram um tiro, em seguida viram também que

Henrique estava sangrando muito. O homem misterioso,

porém, fugiu.

Ambulância, médicos, pavor, medo.

-----------------------------------------------------------------------

Algumas semanas se passaram e a polícia pegou o

invasor que havia dado aquele tiro e o prendeu.

Cosme Barbosa, estranhamente, mandou reformar

toda escola sem ao menos dar algum tipo de satisfação à

população, algo que causou fofocas e admirações, já que

a escola por algum tempo não era reformada. Sendo

assim, após as devidas mudanças, as aulas retornaram e

Henrique voltou a frequentá-las. E por ironia do destino a

primeira aula foi a de José Silva.

- Olá gente, bom dia! - Disse o professor - Depois de

uma pequena pausa vamos voltar às aulas, espero que

todos tenham se recuperado do susto e que nosso amigo

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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rico - disse com tom provocador - tenha melhorado do tiro

que tomou!

- Eu estou bem... - Disse Barbosinha, o qual motivado

pela soberania argumentou em seguida. - Viu por qual

motivo sou diferente? - Henrique queria retomar a

discussão que havia começado antes da invasão e do tiro

que havia tomado.

José, portanto, ficou muito contente com isso e

também quis continuar:

- Eu vi o que ocorreu. Realmente você foi privilegiado

com um tiro, que alegria! Isso deve ter lhe causado um

orgulho, não é? Uma decisão do seu pai o fez parar no

hospital... Que pena! Não fui eu o baleado...

- Não preciso de você! - Respondeu o jovem com o tom

exacerbado - Sou rico, vou tomar conta daquela usina e

dessa merda de cidade com essas pessoas pobres e que,

por sinal, serão os meus empregados!

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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- Qualquer um aqui vale a mesma coisa que você.

Basta olhar para os lados e ver que cada um aqui tem

muito valor, argumentou o professor.

Henrique riu.

José Silva calmo, com um tranquilo tom de voz,

continuou:

- Suponhamos que você esteja de cadeiras de rodas.

Quanto pagaria para andar igual a ele? - Apontou para

aquele mesmo menino da última vez que tiveram aula. -

Agora, suponha que você seja cego, quanto pagaria para

ter a minha visão? - José riu. - Porém, você acha que sua

usina valeria a minha visão?

Barbosinha ficou em silêncio, foi surpreendido e decidiu

baixar a cabeça.

O professor aproximou de Henrique e ergueu

lentamente a cabeça do menino rico e disse:

- Posso não ser milionário como o seu pai, porém,

tenho certeza de que se um dia, caso você fosse morrer e

não tivesse outro jeito, seu pai trocaria toda a sua riqueza

por você. Certo?

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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- Certo! - Concordou Henrique com os olhos cheios de

lágrimas.

E apontando para toda a sala de aula disse:

- Qualquer pai, desses que estão em sua volta, por

acaso, não trocariam tudo o que tem pela vida deles, se

caso tivessem com risco de morte?

- Sim, respondeu Barbosinha com uma voz triste.

- Você por acaso sabia que seu pai estava viajando

quando ocorreu aquele episódio?

- Sim!

- Pois é... Você perdeu muito sangue e poderia morrer,

sabia? Quem poderia ajudá-lo agora? - Fez uma pausa e

continuou – Olhe! - Disse apontando para o menino de

chinelos de dedo - Ele foi um dos únicos que possuía o

sangue ‘O-´... E no seu corpo, agora mesmo, corre o

sangue humilde dele, sabia?

Henrique começou a chorar

- Sabe! Ele não foi o único que o manteve vivo. José

agachou e disse com o seu rosto próximo ao de

Barbosinha, eu também tenho sangue ‘O-’ e no seu corpo

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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corre também o meu sangue. - Falou enquanto olhava

para o seu braço - Ah! O seu pai queria nos enriquecer

também, sabia? Dando-nos dinheiro, roupas, mas o que

eu e o seu amigo pedimos foi apenas que ele reformasse

nossa escola, pois não queríamos que você, querido

amigo, corresse outro risco por ser tão diferente. Além de

que, com uma boa estrutura podemos melhorar nossas

aulas.

O menino rico chorava cada vez mais e olhava ao redor

e via que ele não era nada senão um ser humano igual a

qualquer um. E que a sua vida foi salva por aquilo que ele

nunca teve: compaixão.

-----------------------------------------------------------------------

Isso, enfim, ocorreu há certo tempo. Hoje, porém, Dr.

Henrique Barbosa realmente assumiu a presidência da

usina de seu pai. Já os seus amigos de escola, como o

próprio Henrique previa, trabalham para ele, porém, todos

são bem remunerados, com seus filhos estudando com os

melhores professores do Estado de São Paulo. Além disso,

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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os funcionários da Usina Barbosa recebem planos de

saúde e universidades bancadas pela própria indústria.

José Silva tornou-se diretor da única escola da cidade,

sabendo dentro de si que foi por ele que todas as

mudanças ocorreram.

Por isso, o professor é sempre lembrado por todos os

moradores como o único que conseguiu fazer o antigo

menino rico e odiado se tornar uma das pessoas mais

humildes e admiradas dali. José é um herói.

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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PARALISIA DA GRATIDÃO

Não sei o que sou ou quem sou. Sei apenas que vivo,

mas não de forma semelhante às demais pessoas. Ah!

Quem dera ser igual a todos. Eu vivo sobre uma cadeira

de rodas, enquanto alguns andam. Vejo os seres humanos

se comunicarem uns com os outros. Eu, no entanto,

resmungo alguns sons. Acredito ser um ser humano, pois

a minha estrutura física é igual à estrutura deles. Tenho

pernas, porém, não tão grossas e peludas como a do

homem que diz ser meu papai; desde que eu me lembro

de ser algo vivente este homem pede para eu dizer papai

quando o vejo; não sei o que significa esses sons, mas

tento pronunciá-los e ele me responde sorrindo. Os sons

que tento emitir saem roucos e graves, dizer o “í” é algo

muito difícil para mim. O pior de tudo isso é que babo

muito porque não consigo fechar a minha boca e minha

cabeça pesa, por isso, procuro deixá-la apoiada em meu

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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ombro. Como se isso não bastasse, as minhas pernas são

muito finas e não posso andar. Tem um homem chamado

Sheth o qual sempre o visito. Ele se veste de roupa

branca. A última vez que o vi ele me disse que as minhas

pernas estão com os músculos muito rígidos e não se

alongam, além de que os meus joelhos são cruzados. Esse

homem que papai chama de médico afirmou que quando

eu ando, para mim é uma tentativa de imitar as pessoas,

apenas as pontas dos meus pés tocam o chão. Sendo

assim, o simpático homem de branco disse que eu tenho

paralisia cerebral. Não sei o que significa isso, mas sei

que é exatamente isso que provoca e faz o meu corpo

começar a tremer e os meus olhos virarem.

As pessoas, por isso, viram-me de lado e seguram a

minha cabeça, alguns gritam dizendo: “ele está com

convulsão”. Como se não bastassem às dificuldades e

constrangimentos, tenho vomitado após tentar, com muito

esforço, engolir ou sugar algo que a mulher que me pede

para eu chamá-la de “mã-mãe”. Desde que eu me lembro

de ser algo que vive, ela sempre me olha dizendo

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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pausadamente as sílabas “mã-mãe” e também sempre

sorri quando eu conseguia emitir tais sons; dá para eu

ingerir.

Mas acredito que sou feliz assim! Eu sou! Porém alguns

me olham com pena, melancolia e, ao mesmo tempo,

desprezo. Sou feliz, mas eu causo tristeza nas pessoas.

Em contrapartida tento rir, contudo, raramente sou

retribuído. Tento mexer os meus bracinhos curtos,

todavia, com essa ação, promovo mais dor em quem me

vê. Tento falar, mas não consigo ser ouvido.

Certa vez em minha casa ocorreu algo diferente, pois

várias pessoas iguais estavam ali. Alguns seguravam

copos com água vermelha, outros bebiam uma água

amarela que soltava bolhas brancas, enfim, cada pessoa

estava bebendo a sua água colorida preferida. Sobre a

mesa, lembro-me de vê-la com vários alimentos distintos

e nada era fácil para eu comer. Os indivíduos que ali

estavam afirmavam estar em festa de natal. Como eu

babava muito sempre vinha alguém me limpar, ficava um

pouco triste por não ser nem o papai e nem “mã-mãe”,

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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pois os dois estavam recebendo os convidados. As

pessoas que se revezavam para limpar a minha boca

sempre vinham em minha direção e me olhavam sorrindo

ao passar a fraldinha em mim. Eu também, os via

repugnar e quase vomitar de nojo. Aqueles que ali

estavam sentiam pena de mim. Teve um momento em eu

que senti as minhas pernas molhadas. Um ser humano

pequeno olhou para mim e começou a rir e cantar ao

mesmo tempo em que apontava o seu dedo em minha

direção: “ele fez xixi na roupa; ele é mijão!”. Fiquei

estressado, não conseguia dizer nada para as pessoas que

tapavam a boca para não rir. Eu não percebi sair àquela

água fedida de meu corpo. Vi, ainda, que alguns me

ignoravam e fingiam que nada ocorria. O tempo ia

passando, mas papai e “mã-mãe” não vinham me limpar,

fato que obrigou os indivíduos que ali estavam a

começaram a tapar o nariz e olhar feio para mim.

Isso me causou estresse, depois só sei que tudo ficou

escuro e meu corpo tremeu muito. Era uma convulsão e

eu caí da cadeira de rodas. Várias pessoas, portanto,

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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vieram me acudir, outras, contudo, começaram a gritar

horrorizadas. Aquele mesmo homem pequeno, agora,

dizia: “Ele fez xixi. Tremeu de frio. Ele é babão”. Quando

o meu corpo parou de tremer, olhei para a “mã-mãe” e

ela estava chorando agachada com a minha cabeça sobre

as suas pernas. Ela me olhou e disse enquanto limpava a

minha baba: “Filho não ligue para eles, mamãe vai te

limpar, mamãe te ama”. Queria responder assim: “Eu sei

‘mã-mãe’, eu também te amo”, porém, apenas consegui

resmungar alguns sons e balançar os meus braços

contorcidos. “Mã-mãe”, apesar de tudo, pareceu entender

os sons que pronunciei, pois ela aproximou de mim e

sobre o meu corpo entrelaçou os seus braços. Acredito

que na língua dos homens isso se chama abraço e, ainda,

encostou sua boca, que não babava igual a minha,

próximo dos meus olhos e tocou-me com ela. Foi o toque

mais gostoso que recebi de alguém. Papai me pegou no

colo, colocou-me na cadeira de rodas e levou-me para o

banheiro. Inclinando-me para frente, retirou a minha

camiseta e com ela limpou a minha baba. Com a ajuda da

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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“mã-mãe” fiquei em pé, apoiando-me nele e em seguida a

melhor mulher do mundo tirou a minha calça e a cueca.

Senti frio. Estava nu. “Mã-mãe” ligou o chuveiro com a

água quentinha e logo começou a lavar-me. Papai

segurava-me pelos meus braços. Eu tinha medo quando

passava o xampu, um líquido que limpa cabelos, porque

às vezes caía em meus olhos e ardia. Era ruim quando

eles não percebiam que eu resmungava por sentir dor nos

olhos. Essa paralisia cerebral fazia todo o meu corpo doer,

por isso, compreendo o desespero deles para conter as

minhas dores e, pior, tentar descobri-las.

Por fim, ainda naquela noite, após eu ter tomado outro

banho, vi um velhinho vindo em minha direção de roupa

colorida e vários pelos no rosto. Trazia consigo algo que

brilhava muito e fazia um barulho de chocalho. Entregou-

me aquilo, mas eu apenas achei lindo o brilho do papel e

fiquei olhando-o por vários minutos. Até que uma mulher

dirigiu-se a mim tomou-me o papel brilhoso e barulhento

e o rasgou. Foi nesse instante que eu pude perceber que

dentro do papel tinha um chocalho. Achei legal o barulho

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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do objeto, mas preferia ver o papel. Seu brilho era lindo,

parecia o sorriso de “mã-mãe”. Algo que não consegui

compreender foi que o homenzinho que caçoou de mim

por eu ter tremido e feito xixi, ter se aproximado de mim

com outro homem menor do que ele, mas aquele não se

mexia, apenas acendia uma luz vermelha e emitia alguns

ruídos. O menino dizia “vamu Super-Homem vamu fazê

ele tremê!”. Achei engraçado o pequeno homem ficar

correndo em volta da cadeira de rodas segurando outro

homem menor ainda, mas que não se mexia e, ainda,

tinha luzinha. Como tentei sorrir, papai novamente veio

limpar a minha baba. No final do natal, quando as

pessoas foram embora, tive sono. Papai e “mã-mãe”

trocaram-me a roupa que vestia. Fui dormir.

Naquela noite sonhei que podia ser compreendido. Ah!

Que sonho lindo! Mesmo na cadeira de rodas as pessoas

conseguiam entender as coisas que eu dizia. Alguns ainda

me ignoravam, mas eu nem ligava, pois eu podia cantar e

ser ouvido, além de poder olhar para a “mã-mãe” e dizer

“amo você”. Era magnífico poder provar para aquela

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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mulher que eu conseguia ouvi-la e saber o quanto ela me

ama. Outra parte maravilhosa do sonho foi quando eu

comia e não sujava a minha camiseta. Eu até mastigava e

engolia normalmente e também podia pegar o copo com

água e eu mesmo colocá-lo em minha boca e ingerir o

líquido. São ações tão simples que os seres humanos

normais podem fazer e, normalmente, não valorizam.

Como eu queria ser normal por um dia. Como que queria

ser como aquele menino que zombou de mim, podendo

andar como ele, falar correto, comer, não sentir dores,

não ter que ir toda semana ao médico Sheth, não ter que

ficar deitado por horas com uma mulher mexendo as

minhas pernas, braços e cabeça.

Tenho vários desejos, porém, sei que raramente os

poderei cumprir. Enquanto quero andar, falar bem,

manter a postura e comer, algumas pessoas podem fazer

tudo isso, mas não valorizam o dom que tem. Algumas

até reclamam da vida, outras até se matam. Tomo, com

dificuldade os meus remédios, todavia eu sei que eles não

me farão ser normal. Luto com a vida para viver, mas

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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existem pessoas que fazem da vida um luto. Fico triste

por ficar aqui sentado em minha cadeira de rodas e não

conseguir dizer tudo isso aos indivíduos. Na verdade,

tenho até pena de algumas pessoas normais. Minha vida

vai seguir sobre esta cadeira de rodas, contudo, aqui

tenho o amor de papai e “mã-mãe”. Aqui sei que eles

sempre estarão ao meu lado. Diferentemente daquele

pequeno homem zombador, pois fiquei olhando para ele

durante horas e não o vi brincando com a sua “mã-mãe”.

Então sim, sou feliz! Mas por ser paralítico não consigo

demonstrar a minha felicidade, não consigo dizer as

pessoas: “não sintam pena de mim, mas riam comigo”.

Amo, apesar de tudo, a vida e queria que as pessoas

pudessem amá-la também, ao invés de serem ingratas

pelo o que têm.

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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QUANDO O OURO NÃO TEM VALOR

Após o término do culto de domingo, Simão Lopes

ficou pensativo. Naquele dia a mensagem se referiu ao

livro de Mateus, tomando o capítulo 17 e o versículo 20

como apoio. Lopes ficou intrigado, julgava impossível uma

fé do tamanho de um grão de mostarda possuir tanto

poder assim. Por isso, no seu íntimo, desejou testar a

Deus e se autobeneficiar. Desse modo, pegou um ramo

de uma planta qualquer, dessas encontrada na rua, e o

levou para o seu quarto. Dobrou o seu joelho e orou ao

Senhor da seguinte maneira:

- Pai! Sei que tu és maravilhoso. Sei que tu podes tudo!

Eu creio no teu poder e sei que se tu quiseres tu podes

transformar este ramo em ouro! Pois eu tenho fé que o

Senhor assim fará. E para provar a minha fé, vou levar o

ramo dentro de uma caixa de cor preta e com fita

vermelha até o ourives. E eu creio – aumentou o tom de

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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voz - que quando ele abrir a caixa verá o ramo em forma

de ouro, além disso, pagar-me-á um bom dinheiro!

Amém!

E assim Simão procedeu e seguiu até a casa do

ourives, fabricante ou vendedor de artefatos de ouro, e

chegando lá teve uma grande surpresa. Quando o artesão

do metal precioso abriu a caixa, viu apenas os ramos em

seu formato bruto, isto é, do mesmo modo que a natureza

o fez. E olhando para Lopes pediu que não o incomodasse

mais e que não fizesse esse tipo de brincadeira. Sendo

assim, Simão Lopes ficou bravo com Deus e até disse que

a Bíblia é mentirosa. Logo, pegou a caixa com os ramos e

jogou na primeira lixeira que viu e foi embora.

Vinte anos se passaram e numa manhã de sábado

Simão Lopes ligou a sua televisão. Estava passando o

Jornal e a notícia de chamada era que foi descoberto um

medicamento que combate e previne o câncer de

próstata. Lopes ficou curioso, uma vez que fizera exames

para saber se era portador da doença, contudo, os

resultados ainda não estavam prontos. Desse modo,

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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sentou-se no sofá e ali ficou até passar a notícia. De modo

inesperado o seu telefone tocou, era da Clínica Al B, e o

biomédico responsável disse que ele precisava ir urgente

para lá. Simão, no entanto, perguntou qual seria o motivo

da urgência. O profissional da saúde era muito amigo de

Lopes e fugindo da ética confessou que o amigo possuía o

câncer de próstata. Por isso, ao ouvir a notícia, Simão

tremia enquanto segurava o telefone. E se lembrando da

notícia perguntou:

- Qual seria o valor do medicamento que pode me

curar. Estou vendo aqui na televisão que já possui um

medicamento. É isso mesmo?

- Olha Simão isso é verdade, contudo, o medicamento

é muito caro. Mesmo sendo feito aqui no país ele custa

em média mil reais o comprimido. E você terá que tomar

cerca de doze comprimidos.

- Tem ouro dentro desse remédio? – perguntou.

- Não! – riu o biomédico.

- Vou tomar um banho e já estarei aí - afirmou Lopes.

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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Quando desligou o telefone era visível a sua palidez.

Ficou com medo, pois não teria dinheiro para pagar, sua

vida estava transtornada. O Jornal voltou do intervalo e

começou a reportagem sobre o medicamento novo. Lopes

olhou com muita atenção para a televisão.

“Estamos aqui com a Professora e Doutora Maria.” Ela

quem descobriu o medicamento - a repórter olha para a

Doutora. - Professora Maria como a senhora descobriu o

medicamento?

- Olá Bom dia! Então, posso dizer que foi uma história

engraçada, pois eu não viajei a lugar algum e nem entrei

em mata alguma. Eu apenas fui à lixeira da minha casa!

A repórter faz um semblante de estranheza e diz:

- Na lixeira? Como assim?

- Fui jogar o lixo da minha casa na lixeira. E quando

cheguei à lixeira, encontrei dentro dela uma caixa preta

com uma fita vermelha. Achei estranho e no princípio não

quis abrir, mas sabe com são os pesquisadores?! - riu. -

Eu abri a caixa e encontrei alguns ramos da Arundina

aurum, isto é, dessa nova espécie de planta que

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

124

denominei de Orquídea Ouro. E ao pegá-la entrei

correndo em casa e fui pesquisar qual era a sua espécie,

mas não encontrei nada. Foi aí que percebi que tinha feito

uma descoberta de uma planta nova, contudo, não parei

por aí e após vinte anos de pesquisa descobri, juntamente

com a minha equipe, que esta planta pode curar o Câncer

de Próstata.

- Nossa que sorte! Mas qual o motivo do nome da

planta ser Orquídea Ouro?

- O motivo é que ela é muito valiosa, o valor de três

botões é igual ao valor de dez gramas de ouro. A saber,

ela é muito rara. Pois o solo, o clima, o local, a

ressonância do ambiente, enfim, tudo deve ser bem

detalhado para que ela consiga crescer e se reproduzir. As

condições para o desenvolvimento da planta chegam a ser

tão complexas quanto à gravidez humana. Por isso, o

medicamento é caro.

- Muito obrigada Doutora e parabéns pela pesquisa e

descoberta. Que sorte ela teve em descobrir a planta Ouro

e que bom saber da esperança de cura de mais uma

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

125

doença! A pergunta agora é saber quem jogou essa

valiosíssima planta no lixo! - e rindo continuou. - É com

vocês aí do estúdio!”

Simão Lopes ficou ainda mais frustrado e percebeu a

sua estupidez. De fato, Deus havia lhe dado ouro, assim

como ele havia pedido, contudo, sua fé foi pequena e

agora aquele ramo que outrora ele havia jogado fora é a

esperança para preservar aquilo de mais valor aos seres

vivos: a Vida. Ter fé não é esperar um truque de mágica

de Deus, mas confiar que os planos Dele é a melhor

solução. Ter fé é a maior prova de que acreditamos em

Deus e nas suas promessas. Simão, entretanto, pediu

ouro, mas do que adiantou ele ter ouro se ele não teve

capacidade de aproveitá-lo. Por isso, o melhor ouro é

confiar em Jesus e possuir conhecimento.

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

126

TENDO AULA COM A VERDADE

No primeiro dia de aula da segunda turma de medicina

de uma universidade brasileira, entra na sala um homem

com a pele morena e cuidada, fato que impossibilita saber

a sua real idade, de olhos pequenos possuindo em suas

pálpebras inferiores algumas olheiras cujos óculos as

disfarçavam. Seu corpo não era magro, tinha a altura

mediana, cerca de um metro e setenta, cabelos penteados

para o lado e trajava camisa branca, terno preto e gravata

vermelha. Algumas pessoas o chamavam de Dr. Ezequias

Moura, outras, entretanto, denominavam-no Professor.

Seu currículo é muito respeitado, pois fez especializações

em diversas universidades do mundo. Quando era mais

novo conseguiu fazer parte do grupo de médicos da ONU,

algo que lhe rendeu as mais intrigantes e ousadas

experiências.

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

127

O Professor entra na sala de aula olhando para os seus

alunos, fica em silêncio e caminha lentamente até a mesa

para guardar a sua pasta. Os calouros, modo como são

chamados os novos alunos universitários, observam-no

em total calmaria. Ezequias olha para os seus oitenta

alunos e diz:

- Olá! Eu me chamo Ezequias Moura, sou o professor

de anatomia e infectologia. – Fez uma pausa e enrugou

sua testa, fez um semblante descontente e prosseguiu. -

Não quero falar de mim, pois o que importa aqui são

vocês. A partir de agora somos colegas, quero enfatizar

que não digo isso como alguém que quer ser amigo de

vocês, de fato, não! Mas digo isso como alguém que pode

um dia pedir uma opinião sobre um caso médico ou até

mesmo trabalhar no mesmo departamento. – Calando-se

por alguns segundos, retirou do bolso do terno um lenço e

começou a limpar os óculos enquanto andava nos

corredores das fileiras. – Espero que vocês estejam

preparados para serem médicos, além disso, espero que

vocês não estejam aqui pelo dinheiro que esta profissão

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

128

poderá render a vocês. Por acaso alguém aqui escolheu

ser médico para ser rico?

Ninguém respondeu e Ezequias rindo ironicamente

prosseguiu:

- Olha... Todos estão aqui pelo amor à medicina. Será?

- Fez outra pausa e continuou - Imaginem comigo: uma

das pessoas que você mais ama está deitada no leito

hospitalar e nenhum médico, inclusive você, está

encontrando a cura da doença. E então, como se trata de

uma pessoa importante para você, em sua casa você pega

todos os seus livros e começa a degustá-los loucamente

para achar a cura de quem ama. A madrugada fria já não

vai lhe incomodar, sua garrafa de café já está acabando e

ainda não se observou nada! Em um clique mental, você

se lembrou de uma das aulas na universidade e, de modo

superficial, lembrou-se de um assunto relacionado à

doença. Contudo, você não estava prestando atenção e,

por isso, não conseguiu absorver todas as informações

necessárias. Por estar desesperado, agora, você liga às 5h

da manhã para o seu professor, mas ele não está no

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

129

Brasil. Seu telefone toca, é do hospital, e a secretária diz

que o quadro piorou. Sem titubear você pega o carro e

segue em direção à origem do último telefonema. Sem

pensar muito você para o carro em qualquer lugar e entra

no Hospital e vai ao quarto daquela pessoa amada. Ao

entrar, você a vê entubada, quase morta, o coração

batendo ainda o agrada, porém, os batimentos decaem.

Sua adrenalina o faz transpirar, apesar de tudo você tenta

fazer alguma coisa, contudo, não há nada a ser feito.

Então você chora. E pessoa que você tanto ama, morre.

Nada se ouviu na sala, os alunos estão atônitos, alguns

até choram, outros ficam cabisbaixos. Ezequias, vendo a

comoção que gerou na turma, dirigiu-se até a mesa,

pegou a cadeira e a colocou à frente de todos. Sentou-se

nela e prosseguiu:

- Vocês pretendem se tornar médicos? Ah! Então se

preparem para isso! Pois é fácil se comover quando a

situação que eu disse se referia a alguém de sua família,

mas vocês conviverão com situações semelhantes de

pacientes que nunca foram vistos por vocês. Uma mãe

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

130

que nunca leu um livro de medicina vai confiar a vida do

seu filho em suas mãos. Sendo assim, cabem a vocês se

colocarem no lugar dela e fazer de tudo para salvar a vida

da criança. Por isso, cada aula é importante, cada

parágrafo dos textos que vocês irão ler é de fundamental

importância. Sempre pensem que o seu paciente poderia

ser alguém que você tanto ama - O professor mudou o

semblante de forma repentina, estava triste e falou com a

voz embriagada - Mas e se um dia for o seu pai ou mãe,

seu esposo ou esposa, filho ou filha que estiver diante da

morte e você não puder fazer mais nada? - O professor se

levanta da cadeira e estende os braços na direção dos

alunos e pergunta- você está preparado para enfrentar

essa situação?

Os alunos se entreolharam, muitos ficaram

acomodados. Ezequias vendo a agitação deles disse:

- Sejam honestos consigo, não queiram ser médicos

para terem um bom carro, uma casa, enfim, serem ricos.

Sejam médicos por amor ao próximo e à vida. - E olhando

com o semblante descontente aos alunos ordenou: -

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

131

Quem não quer ser, de fato, um excelente médico, a

porta está à disposição, por favor, saia! - E percebendo

que ninguém se levantou prosseguiu: - Agora, quem quer

lutar com a morte sabendo que em algum momento ela

vence. - Abriu um grande sorriso- Welcome to medicine

(Bem- vindo à medicina)!

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

132

DOIS FILHOS, UMA INJUSTIÇA

Um casal discutia:

- Ele não merece ir, nós sabemos disso - disse o

padrasto.

- Ele é o meu filho... Não podemos deixá-lo aqui

enquanto viajamos - afirmou a mãe.

- Disse a ele que só o levaria conosco se estudasse e,

pelo contrário, ele ficou dormindo o dia todo. Apenas

quando eu chegava em casa que ele se levantava para

evitar que eu brigasse com ele. - Argumentou o padrasto

com um tom raivoso e rindo ironicamente continuou – Seu

filho acha que eu não percebia isso.

- Amor, tenha paciência. Ele possui apenas 13 anos.

- Querida, se meu enteado pelo menos nos ajudasse

em nossa mercearia. Mas nem isso! Pede-se a ele que

cuide da mercearia, logo ele reclama, se peço para chegar

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

133

às 10h, ela vem às 13h e ainda de mau humor - o

padrasto segura nas mãos de sua esposa e prossegue

dizendo - Eu o considero como filho, porém ele não liga

para mim, além de me tratar muito mal.

- Mas você tem dinheiro para pagar a viagem dele.

Qual é o problema dele ir? Se ele dorme o dia todo,

“tadinho”, deve ser por que está cansado. Veja, ele

acorda cedo para ir à escola.

- E depois da aula, o que ele faz?

A mãe ficou um pouco sem palavras, porém tentando

defender o filho disse:

- Ele dorme, mas também quem não ficaria cansado

por acordar cedo?

- Eu! – respondeu secamente o padrasto.

- Mas quando ele acorda...

O marido a interrompe dizendo:

- Ele fica assistindo TV até dormir de novo.

- Mas querido!

- Já disse não quero levá-lo.

- Mas meu filho quer usar o short que eu dei a ele.

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

134

- Todos os dias ele quer algo. Se fôssemos incluir um

dia para cada peça de roupa que ele pede ou ganha

ficaríamos SEIS meses viajando.

- Não diga isso! Ele merece cada presentinho!

- Diga-me duas situações plausíveis, convencendo-me

que ele é merecedor de algo.

A mãe tentou, logo pensou em várias ações positivas

de seu filho, entretanto, nada encontrou. Desse modo,

teve um último argumento em favor do menino:

- Então vamos ter que deixar a nossa filha. Ela estuda

e caso precise ficar na mercearia, ela vai e, ainda, de bom

humor. Além disso, não seria injusto da sua parte levar

um e deixar o outro?

- Mas nossa filha merece ir!

- Mas seria injusto, então, deixar aqui o menino!

- Então que fiquem os dois!

E foi assim, que a menina foi injustiçada pelas

péssimas atitudes do seu irmão. Esperamos em Deus que

pelo menos a lembrancinha da viagem que os pais irão

trazer seja melhor para a menina.

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

135

CARTA AO GOVERNADOR

Egito, 1600a.C

Caro José,

Antes quero lhe pedir perdão pelo pronome de

tratamento, mas aqui falo contigo como um irmão fala ao

outro, pois ambos possuímos o mesmo Pai. Conheci a sua

história ao ler o livro de Gênesis na Bíblia. Fiquei

encantado e surpreso com a sua perseverança e

paciência, afinal, você foi escravo antes de ser preso

injustamente. Seus irmãos tinham inveja de você, queriam

humilhá-lo e não aceitavam o fato de um dia serem

surpreendidos com a sua volta por cima. Confesso-lhe que

no começo não compreendia o porquê Deus permitiu tudo

isso. O que mais me comove, entretanto, é o fato de você

chegar à prisão de forma injusta, não era para você estar

nesse local de criminosos que pagam por seus crimes, a

saber, José qual foi o seu crime? Seu crime, caro amigo,

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

136

foi ser honesto. Pois é, como pôde uma atitude tão boa e

nobre causar punição às pessoas? Não sei como

responder tal pergunta, pois não consigo entender as leis

dos homens. Só sei que foi injusto, José, você sentir o

horror do cárcere, sentir frio, medo, ter pesadelos,

entretanto, foi nobre de sua parte nunca abandonar a

esperança nas promessas de Deus.

Apesar de tudo, você subiu de cargo na prisão, tornou-

se confiável e conquistou a simpatia do carcereiro. Você

foi professor na prisão, pois as pessoas paravam para lhe

ouvir. Você conseguiu mostrar que o seu lugar não era,

de fato, ali. Você ajudou os outros presidiários, inclusive,

até conseguiu interpretar dois sonhos de alguns deles.

Realmente, estava cada vez mais óbvio que ali não era o

seu lugar, José. Esses sonhos interpretados por você se

realizaram, dois presos ganharam a liberdade após três

dias, um foi morto e o outro, como você também previra,

retornou a trabalhar com o rei. Contudo, você pediu a ele

que se lembrasse de você quando estivesse junto ao rei,

mas esse ingrato esperou dois anos para fazer isso. Como

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

137

você suportou a demora? Como não perdeu as

esperanças? Fico imaginando quando você recebeu a

notícia de que o rei chamava por você, afinal, uma

autoridade necessitava dos seus conhecimentos,

necessitava de suas habilidades, necessitava da sua

paciência. Quem diria, hein José? Que um ex-escravo e,

agora, presidiário seria solicitado pelo rei. Isso são coisas

que apenas Deus promove. E foi dessa maneira que você

chegou ao imperador, também, foi assim que ele o

admirou. José, por acaso você não teve medo quando

estava diante do rei? Certamente não, pois o Rei dos reis

estava em você. Desse modo, aquilo que parecia ser

impossível aconteceu e você, querido José, tornou-se

Governador do Egito.

Olha José, eu aprendi muito com a sua história.

Aprendi a lhe admirar e a confiar em Deus acima de tudo.

Descobri que Deus pode nos colocar em situações difíceis,

porém, devemos ser fortes como você foi e possuir a fé

que você possuiu. José, obrigado por você ser um

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

138

exemplo a ser seguido, ser um semeador de ideias, ser

um professor da fé.

Davi Haniel

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

139

O RENASCIMENTO DE NEPOS

Nepotismo. Alguém já deve ter ouvido falar neste

nome. Eu já ouvi, mas nunca liguei para isso. Afinal, que

mal tem um político colocar alguém de confiança para

ajudá-lo? Peço-lhe perdão por estar dizendo tais absurdos,

contudo, o meu patrão ou o filho dele podem nos ouvir e

eu posso até perder o meu emprego se isso acontecer...

Bom, vou me apresentar: eu me chamo Assis da Mata,

sou funcionário público, fiz o concurso e passei em

primeiro lugar. Optei por trabalhar na prefeitura, pois

queria ajudar a sociedade, entretanto, vejo que neste

ambiente é clara a prática do nepotismo!

Vou explicar melhor, chegue mais perto, preciso falar

mais baixo:

Na língua já morta denominada latim existe uma

palavrinha meiga e delicada chamada "Nepos". Que

coincidência, não é? Você se lembra da primeira palavra

que eu lhe disse? Sim ou não? Vou tentar refrescar a sua

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

140

memória: Eu ainda conversava contigo em voz alta e não

cochichando com estou agora... Você ainda não se

lembrou, não é? Bom, vou ter que dizer que me refiro à

palavra Nepotismo! Que bom que você se lembrou!

Continuando, o prefixo dessa palavra remete-se ao termo

Nepos do latim que significa: neto ou descendente. "Tá!"

agora você deve estar se perguntando; e daí? Bom; e daí

que agora tudo vai fazer sentido, pois no período

Renascentista alguns Papas atribuíam privilégios aos seus

familiares, tais como os seus netos, sobrinhos (claro que

eles não assumiam isso), concedendo-lhes alguns cargos

da Igreja, pois essa instituição religiosa era e é muito rica.

É triste lhe dizer mais essa antiga prática é também

observada ali dentro da nossa prefei...TO?!

- Tudo bem contigo? Estava dizendo algumas verdades

aqui para o nosso amigo! – Disse ao ver o prefeito - Não

precisa me olhar com esta cara! – E mudando o tom da

voz - Estava dizendo que não existe nepotismo no

governo do nosso ilustre presidente e que, sendo o

senhor do mesmo partido dele, aqui em nossa prefeitura,

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

141

isso nunca ocorreu! E que o fato do senhor colocar o seu

filho como tesoureiro da instituição pública não reflete

isso. Pois se deve apenas colocar pessoas de confiança

para cuidar daquilo que é do povo! E se, às vezes, o

nosso tesoureiro pega algum dinheiro público para

aumentar o som do carro que Vossa Excelência

merecidamente o presenteou é normal, pois isso fará com

que seu o filho não adquira problemas de saúde por meio

do estresse... Agora, quando aquela senhora veio nos

procurar para que financiássemos apenas os gastos dos

transportes que o filho dela utilizaria para efetuar um

tratamento de câncer, considerei muito sábio da parte do

seu filho não ter aceitado financiar alegando que a

prefeitura estava cortando os gastos e, por isso, não

possuía dinheiro para ser aplicado com coisas banais...

Considerei um belíssimo ato de prudência! – E vendo que

o prefeito queria ir embora disse - Tudo bem prefeito, sei

que o senhor está muito atarefado... Pode ir, mas... Por

favor, perdoa-me por fazê-lo perder o seu tempo.

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

142

- Amigo! Preciso ir também, mas antes chegue mais

perto de mim, preciso lhe dizer mais algumas coisas,

preciso cochichar novamente.

- Acredito que vou ser processado por ter dito aquilo ao

prefeito, mas não tem problema, desde que você não vote

mais nele. Sou funcionário público há mais de trinta anos

e vejo que minha cidade continua "linda" como há trinta

anos. Por favor, querido amigo, não deixe o passado

permutar nos dias de hoje, pois se assim continuar, não

teremos o que contar no futuro e a nossa cidade vai ficar

sempre dessa mesma forma renascentista!

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

143

PROFESSOR, O HERÓI QUE POUCOS

VALORIZAM

É comum ficarmos encantados com os feitos de super-

heróis, com as suas forças ocultas e coragem para ajudar

ao próximo. Ficamos admirados com os feitos do Super-

Homem, com a inteligência do Batman, com a lealdade do

Capitão América e com a habilidade do Homem-Aranha.

Nenhum desses heróis, contudo, compara-se a um herói

brasileiro chamado professor.

Esse mestre que promove mais feitos do que o Super-

Homem, que olha para o aluno e vê a possibilidade de um

ser humano melhor, merece todo o respeito e

considerações que o mundo oferece. Os docentes

brasileiros não são valorizados, não possuem o brilho que

merecem. Há professores que dão suas aulas em

condições precárias, sem nenhum conforto, além das

péssimas estruturas. Alguns alunos não os respeitam,

gritam, ofendem, humilham e os mestres não podem dizer

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

144

nada. Isso mesmo, pois as leis também não os favorecem.

Há alguns orientadores que sofrem com problemas de

saúde (e aí a ironia se estabelece, já que para se existir

médicos, deve se existir professores), que possuem

síndrome do pânico, pressão alta, entre outras doenças

causadas pelo estresse da sua profissão. Então, por qual

motivo uma pessoa escolhe ser professor num país assim?

O principal motivo das pessoas evitarem ser docentes é

pelo fato de que dar aulas pode fazer o indivíduo

apaixonar-se pela profissão. Muitos foram vítimas disso!

Outros ainda, ao verem uma criança, necessitam atribuir-

lhe um conhecimento. O professor vê seus alunos como

futuros pensadores ou como futuros atletas, no caso dos

mestres que usam a quadra esportiva como sala de aula.

Ser professor, portanto, é amar ao próximo como a si

mesmo, é ter a maior de todas as habilidades, é possuir o

maior compromisso de lealdade. Um professor forma o

caráter de seu aluno. Que atire a primeira pedra quem

nunca admirou e sentiu a vontade de ser como o docente

que já lhe deu aula?

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

145

Como é triste esses mestres não serem valorizados

financeiramente em nosso país, já que eles acordam cedo,

ficam pensando durante o café da manhã como vão

ministrar as suas aulas, como podem facilitar a

compreensão mesmo sabendo que há alunos que não

estarão interessados naquilo que ele vai apresentar e, por

isso, podem causar tumulto na sala de aula e

desconcentrar aqueles que buscam conhecimento e que

vão à escola vislumbrando a possibilidade de mudança.

Vale dizer a ele: "professor, por mais que você acorde

pela manhã e diga para si 'eu não preciso disso', por

favor, não se esqueça de que alguém diz; 'eu preciso do

meu professor'." Professor, obrigado por esses esforços

que você faz pelos seus alunos.

Perdoe-me, professor, por eu não fazer um texto à sua

altura, com as devidas homenagens, com todas as

conjunções, palavras, estruturas, conforme determina a

norma culta da Língua Portuguesa. Professor, por favor,

desculpe o povo brasileiro, por não colocarem políticos no

congresso que o valorize. Professor, você é o maior herói

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

146

deste país, pois somente você pode ser mais inteligente

do que o Batman, mais habilidoso que o Homem- Aranha,

mais leal que o Capitão América e um dos únicos que

pode realizar mais feitos do que o Super-Homem.

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

147

EU SÓ QUERIA UM TEXTO SEU

(TEXTO PREMIADO NO III CONCURSO

LITERÁRIO DA ACADEMIA DE LETRAS

MADUREIRENSE)

Você fazia o uso das palavras para promover às

pessoas um voo além do horizonte. Você soube envolver o

leitor no ápice da imaginação. Você promoveu choro e

alegria, desespero e esperança, realidade e sonho. Seus

textos nos farão falta, pois o poeta não quer escrever.

Caro escritor, por que você não fará mais o uso do eixo

sintagmático? Por acaso Oswaldo Montenegro estava

certo quando disse que “a folha em branco assusta”?

Você, por acaso, não se importa com os seus leitores?

Afinal, você já pensou quantas pessoas ainda têm a

esperança de ler mais um texto seu? Ah! Amigo domador

das palavras, talvez você pense que os seus poemas não

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

148

são visualizados. Portanto, quero lhe dizer que eu os leio.

E por isso sei quando você está triste ou alegre, pois as

suas palavras o denuncia.

Eu apenas queria um texto seu, mas você nos deixou.

Eu queria uma história que me fizesse viajar por entre as

palavras e despertasse em mim o desejo de saber o fim

do texto, mesmo lendo apenas o título. Eu desejava ter

raiva de um personagem e amar o outro. Eu almejava

contar os versos e classificar as rimas. Entretanto, o poeta

fugiu. Para onde você foi? Por acaso desejou por um

momento ter um sopro de liberdade ou viver um amor

Grand’ Hotel? Afinal, para você qual é o sentido da

felicidade?

A minha felicidade estava em ler um texto seu. A

minha felicidade era ser sugado da nossa realidade e

entrar num mundo criado por você, mas o escritor sumiu!

E o pior é que eu não sei aonde ele foi. Não sei se estará

bem, não sei se ele precisará de comida para matar a

fome, de medicamentos para o corpo e cobertor para se

proteger do frio. Quem sabe você não queira uma folha

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

149

em branco e um lápis? Contudo, do que adiantaria as

ferramentas sem uma boa inspiração. Será isso que lhe

falta? Por isso fugiu? Foi buscar em algum lugar alimento

para desenvolver o seu texto?

Como poderei saber as respostas se você nem se dá ao

luxo de escrever. Como o meu coração se entristece em

saber disso. Sua decisão me fez perder o brilho em meus

olhos, mas confesso que eu ainda tenho a esperança de

que um dia serei surpreendido com um texto seu. E assim

quem sabe você me devolva esse brilho de esperança!

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

150

O MÉDICO E O CAIPIRA

Certo médico recém-formado

Pelo esforço de seu pai, um caipira

Resolveu, então, abrir o seu consultório

Apenas para ganhar uma freguesia

Pela enxada, então, virou doutor

Mas não queria atender pessoas pobres

Afirmava que odiava esse tipo de gente

Julgava que suas origens não tinham nenhum valor

O agora doutor

Pediu sem nenhum rancor

Para que sua secretária, os pobres, não admitissem

Pediu, também, que mesmo sendo uma emergência

Era melhor que um desses morressem

Pois assim estaria fazendo um favor

De limpar aos poucos a deficiência

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

151

Que há muito tempo na sociedade causava um certo mau

odor

A secretária obediente certo dia se espantou

Naquele luxuoso consultório um velho homem todo sujo

chegou

Pediu pelo amor de Deus

Queria ver o doutor!

A moça obediente ao patrão

Recusou a assistência

Fingiu não ouvir aquele clamor

O homem sem saber o que fazer começou a chorar

Sentia muita dor

E ali mesmo ajoelhou-se e começou a orar

[Todos os demais pacientes vendo aquela situação

começaram a ir embora]

A secretária agora não teve outra opção

Avisou o doutor naquela hora

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

152

“Que haviam perturbado a situação”

O médico sem compaixão

Nem foi ver quem era

E pediu para aos seguranças

Que dessem um jeito naquele cidadão

O senhor já exausto de tanto sofrer desmaiou

E os homens de terno preto ali

Daquele local o idoso retirou

Três dias depois um telefonema a secretária atendeu

Uma voz dizia: “Avise o doutor que o seu velho pai

morreu”

A moça sem saber como agir

Comunicou ao médico

Que espantado deixou de sorrir

E pela dor caiu em lágrimas

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

153

“Como isso foi acontecer” o doutor dizia

“Meu velho pai me deixou!”

Para a sua secretária ele olhou

E quis saber como seu pai morreu

Ela com muita paciência

Disse que um médico o recusou ajudá-lo

O doutor cheio de raiva sentiu o seu peito esmagá-lo

“Como um médico recusa ajuda a um ser humano?”

Perguntou para si ao cair em sua própria armadilha

Sua secretária vendo toda aquela situação

Disse que já fazia anos

Que seu pai já não vivia uma maravilha.

O médico cheio de culpa perguntou

Quem seria o desumano que recusou ajudar seu pai

Sua secretária neste instante chorou

E disse ao doutor que aquele homem

Que outrora estava de joelhos em seu próprio consultório

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

154

Era o seu pai

Que da enxada fez um médico

E pelo médico teve que deixar a enxada.

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

155

HOJE EU APRENDI

Hoje eu aprendi que as palavras não são frutos das

árvores da arrogância, dos modos urbanos, dos nervos

futuristas. Pelo contrário, percebi que o dom da boa

história encontra-se na imaginação da mais alta calmaria,

do silêncio da alma que grita por meio da escrita, do

coração apaixonado no íntimo do mais profundo oceano.

Não se julga um escritor por suas vestimentas, por seus

hábitos boêmios, por possuir várias musas inspiradoras,

por chorar em seus poemas, por se aventurar em seus

contos, por viver o drama de seus romances ou realçar o

seu dia em formas de crônicas. Ainda que a história não

tenha um final feliz, o autor fez da folha em branco o

outdoor dos seus sentimentos. Não o julgue! Ainda que o

casal não se case, ainda que o filho não valorize o seu pai,

ainda que a menina não se apaixone por seu admirador

secreto. Admita que a vida nem sempre irá nos possibilitar

os nossos desejos.

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

156

Hoje eu aprendi que por mais lindo que seja um poema

se não tiver um leitor sensível, um leitor que já amou e se

sentiu amado, que sorriu e fez a felicidade de alguém,

mas também um leitor que presenciou o ódio, a dor, o

gosto de sofrer, enfim, não tendo um leitor que já fora

apresentado à sinestesia nada adianta. Pois, como poderá

se compreender os sentimentos, sem ao menos os serem

apresentados?

Hoje eu aprendi que o homem de chinelos, camisa e

bigode que está sentado no banco da praça tem mais

histórias do que aquele que veste sapato, terno, gravata e

está se repousando numa poltrona. Pois uma história

nasce das observações, da vida como ela é. Quem tem

mais contato com a natureza, tem um ar mais puro em

seus textos, visto que a poluição das vidas agitadas

contém partículas de rancor, depressão, raiva, estresse.

Afinal, por que tanto desejo de riqueza, sendo que a vida

é um tesouro inestimável?

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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Hoje eu aprendi que eu quero uma árvore com uma

boa sombra e um livro. Aprendi que eu quero ver o voo

dos pássaros e as abelhas amando as flores. Sim! Eu

quero jogar pedras e vê-las quicar no lago, quero os

ventos serenos para me refrescar, quero ter esperança

nos meus semelhantes, quero aprender a confiar nas

pessoas, quero plantar e colher amigos. Hoje, portanto,

aprendi que enquanto viver, eu sempre serei o aluno das

escolhas. Ainda que alguns dos leitores não aceitem as

escolhas das palavras que escrevi, escrevo e escreverei

nas folhas da vida.

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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BREVE BIOGRAFIA DO AUTOR

Edy Alyson Ribeiro, nascido aos dezoito de novembro

de 1993, assisense de nascença. Jovem escritor e amante

das letras, blogueiro, estudante, chargista, locutor de

rádio, fotógrafo, comerciante e contista. Desde cedo

manifestou interesse pela escrita tendo tido o privilégio de

ver publicada na Revista Veja, por três anos consecutivos,

uma Carta de sua autoria quando ainda tinha tão somente

quinze anos de idade. Aos dezessete anos participou do

“VI Prêmio Construindo a Igualdade de Gênero”; aos vinte

anos foi o vencedor do concurso de frases da Ultragaz o

que lhe rendeu uma viagem para os Estados Unidos, na

Flórida. Além disso, teve o conto “O CÁRCERE DO CIÚME”

escolhido no VIII CONCURSO DE CONTOS DE

PRESIDENTE PRUDENTE – RUTH CAMPOS, o que lhe

possibilitou compor, juntos com outros autores, um livro

de coletânea de contos, poemas e crônicas. Apesar disso,

teve o texto “Eu só queria um texto seu” premiado pela

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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Academia de Letras Madureirense. E agora se lança no

mercado literário com esta simples coletânea de contos e

crônicas intitulada “A Visão do Cego”. Leitor de Machado

de Assis, Augusto Cury e tantos outros nomes da

Literatura Brasileira, Edy Alyson Ribeiro acredita

cegamente que “uma grande nação se faz com homens e

livros!” E ainda que “quem lê sabe mais”!

CONTATO COM O AUTOR

BLOG E DAÍ?!: edai7.blogspot.com.br

E-mails: [email protected] /

[email protected]

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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EM BREVE MAIS UMA OBRA DE E. ALYSON

RIBEIRO...

“O BÁLSAMO DO DESTINO”

ROMANCE ‘RELIGIOSO’

SINOPSE

O romance "O Bálsamo do Destino" busca atender a todos

os públicos, mas em especial ao cristão. Sua história se

baseia num jovem chamado Benjamin Johnson que tem sua

vida destruída por causa do seu vício em drogas. Sua família

também não se encontrava em harmonia, seu pai, o

empresário Felipe Johnson, odiava a Deus pelo simples fato

de ser adotado e, ainda, por viajar muito, quase não via sua

família. Agnes Johnson, esposa de Felipe, sofria crises

depressivas por causa da vida que o seu filho levava, além de

que se sentia solitária em seu lar.

Em meio a isso, após Benjamin conhecer o reverendo

A VISÃO DO CEGO, por E. ALYSON RIBEIRO

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Jaime King numa situação inusitada, o jovem iniciou uma

transformação de vida pela Palavra de Deus. Apesar disso,

ele ainda teve que enfrentar muitas lutas que o destino lhe

apresentou, tais como suspeitar estar contaminado pelo vírus

HIV, ter um amor não correspondido e, o pior, ser

diagnosticado com uma doença maligna.

Será que todos esses males aumentarão ou diminuirão a

fé do jovem Johnson? Seria Deus quem colocou esses

problemas na vida de Benjamin?

Nessa obra será extraído bálsamo do destino,

apresentando-nos que a fé em Jesus Cristo salva vidas,

famílias, sonhos, dentre várias coisas que armazenamos em

nossos corações.

(O autor busca um agente literário).