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[1]
O Cego de Landim1
[1 Ao Visconde de Ouguella
Sejamos amigos como foram nossos pais,
e deixemos a nossos filhos o exemplo que recebemos]
I
Foi ha treze annos, em uma tarde calmosa de agosto, neste mesmo escriptorio, e
n’aquelle canapé, que o Cego [1 cego] de Landim esteve sentado. São inolvidaveis
feiçoens do homem. Tinha cincoenta e cinco annos[1 ,] <*fromosos e rijos> rijos como
raros homens de vida contrariada se gabam aos quarenta. Resumbrava-lhe no semblante
anafado a paz e a saude da consciencia. Tinha as espaduas largas; <*como> cabia-lhe
mtº ar no peito; coração e pulmoens aviventavam-se na amplidão da pleura elastica.
Envidraçava as pupilas <aneurothicas>[↑ alvacentas] com vidros <verdenegros>[↑
esfumados] <encastoados> [1 postos] em [↑ grandes] aros de ouro. Trajava de preto, a
sobrecazaca abotoada, a calça justa, e a bota lustrosa; apertava na mão esquerda as luvas
amarrotadas, e <na>[↑ apoiava a] direita no castão de prata de uma bengala[.] <de cana
inteiriça.>
Eu não o conhecia quando me deram um bilhete de visita com este nome [1 —]
Antonio Jose Pinto Monteiro2.
Em S. Miguel de Seide, uma visita, que se faz [1 fizesse] preceder do seu cartão,
era a primeira.
[1 -] Quem é? – perguntei ao creado.
- É o cego de Landim.
- E esse cego qm
é?
O creado [1 interrogado], pª me esclarecer superabundantemte
, respondeu q era o
cego [1 era o CEGO], como se se tractasse de um cego pr excellencia e de historica
publicidade, [1 :] <Tobias>[↑ Tobias], Homero, Milton, etc.
Mandei q o condu isse [1 conduzissem] ao meu escriptorio. Ouvi <uns> passos
q subiam rapidos e seguros <a>/u\ns doze degráos; e, no patamar da escada, esta
pergunta mtº sacudida:
- Á esquerda ou á direita?
- A esquerda – respondi, e fui recebêl-o á entrada[1 .]
Estendeu-me <a mão>[↑ firme dous dedos], e desfechou-me logo em estylo de
preside de camara municipal sertaneja ás pessoas reaes uma allocução á mª immortalid
e
[2] de romancista, lamentando que eu ainda não tivesse em Portugal uma estatua...
equestre; parece-me q elle [↑ não] disse estatua equestre. chei-lhe rasão. Eu tambm
ja tinha lamentado aquillo mesmo; porém, cumpria-me regeitar modestam
te a estatua como
o duque de Coimbra, agradecendo a virginal lembrança do Sr [1 sr.] Pinto Monteiro.
- Tenho ouvido ler os seus livros immortaes – disse elle – ão os leio por q sou
cego.
1 Título da novela escrito a lápis, ao alto do fólio, por mão alógrafa.
2 1.ª edição sem itálico e em semi maiúsculas.
2
- Completamente? – perguntei, parecendo-me incompossivel a cegueira absoluta
com a segurança de [1 da] s<eu>/ua\ <andar e meneios>[↑ agilide <e a> nos movimt
os].
- Completamte cego, ha trinta e trez annos. Na flor da idade, quando saudava as
flores da mª vigesima segunda primavera, ceguei[1 .]
- E resignou-se...
- Se me resignei!... Morri de dor, e resuscitei em trevas eternas... O Sol, nunca
mais!
Pungia-me a compaixão. Disse-lhe consolações banaes; citei os mais luminosos
cegos antos
e <modernos>[↑ recentes]. omeei-lhe o principe da lyra peninsular,
Castilho, e elle atalhou:
- Castilho tem o genio que vê as coisas da terra e do ceo. Eu tenho as duas
cegueiras de [1 do] corpo e [1 da] alma.
Achei-o eloquentemte sobrio e áttico; <pareceu> figurou-se-me até litterato dos
bons. Lembrei-me se elle vinha convidar-me pª fundarmos um jornal em Landim, ou se
viria pedir-me pª o propor socio correspondente da academia real das sciencias.
Discreteamos de pte a pt
e em variados assumptos, até que elle explicou as suas
pertençoens [1 pretenções]. Tinha um letigio pendente sobre a posse disputada de umas
a enhas q lhe haviam custado <3>/t\rez contos de reis, e pedia a mª valiosa
proponderancia [3] afim de que os juises de segunda instancia lhe fezessem justiça
inteira.
<O *i> b servei-lhe q <n>/a\ mª influencia poderia ser-lhe necessaria, se a
justiça estivesse da parte do seu contendor; por qtº qm não tem usti a é q pede.
- Apoiado! – interrompeu elle – rasão di isso mas como o meu contendor
pede por q não tem usti a, [1 ora] não vão os juises cuidar que eu tenho mais confiança
na lei do que n’elles. [1 ...]
Pareceu-me <velhaco>[↑ saga ], argucioso e um pouco germanico o cego.
Deu-me quatro memoriaes, accendeu o terceiro charuto, e ergueu-se.
Acompanhei-o ate ao portão, e vi-o cavalgar com garbo quase [1 quasi] marialva uma
vistosa faca [1 égua], pass<ou>/ar\ as redeas falsas pelas outras com destreza,
espore<ou>/ar\ e parti<u>/r\ sosinho.
Ora, o cego perdeu a demanda das azenhas, por que as azenhas não eram [↑
perfeitamte] d’elle, e eu não podia pedir aos desembargadores [↑ q as tirassem ao
dono<1 ,> e] <1 q > <lh>[↑ m]’as dessem [↑ a mim]<.>[/p\ª <lh’as dar> eu as dar ao
cego.]
Nunca mais o vi. Retirou-me a sua admiração e mais a estatua <equestre.> <,
emudeceu>. Morreu cinco annos depois. [1 E, cinco anos depois, morreu.]
A historia dos homens descomuna<*eis>/es\ deve começar a escrever-se á
lampada do seu túmulo. Á lu da vida tudo são miragens nas ac oens <dos homens>[↑
dos herois<1 ,> e estrabismos na <altera ão>[↑ comtempla ão] dos <apologistas>
panegyristas. É tempo de bosquejar o perfil deste homem esquecido, e qm
quizer que o
tire a vulto em marmore mais pressistente. Pretendo desmentir os aleivosos que reputam
Portugal um alfôbre de lyricos[1 ,] <á mingua de> romancistas <insosos>[↑ salobros] de
<carão>[↑ amoríos] de aldeia, por q não temos personagens <borrascosos, e>
bastantemte <patifes><[↑ scelerados]>[↑ succulentos] <para darem>[↑ de q
m se
espremam] romances em 4 volumes. < o entanto, saiba-se q este opusculo não é
novella: é biographia.>
3
[4]
II
Nascera em Landim, <concelho> <na alçada de Fam> em 11 de dezembro de
1808.
1808! s biographos portugue es, se escrevem de pessoa nascida n’aquella data
ou pr perto, <contam>[↑ relatam]-nos <profusa>[↑ derramada]mente a revolu ão
francesa a <contar> começar com Luis XVI, exhibem a guerra peninsular, e
<terminam>[↑ concluem] o curso de historia moderna ligando fatidicamte <aos destinos
da regeneração patri> á evolução social o nascimto d’aquelle su eito. [1 §]
< ’aquelle>[↑ o] anno <*p> 1808 uma das [↑ mtas
] pessoas que nasceram sem
<importancia><pesar>[↑ pesarem um escropulo, pel<a> o\ <medida>[↑ peso]
velh<a>/o\,] na balan a dos [↑ lusos] destinos, foi aquelle Antº Je Pinto Mont
ro.
Seu pai barbeava em Landim com ferocide impune. A espada de Affonso
Henriques e as navalhas d’elle tem tradi oens sanguinarias. inda ho e, transcurridos
setenta annos, os netos dos [↑ seus] fregue es parece que herdaram a sensação dos
gilvazes dos avós. <Ainda hoje> <e>/E\m Landim <se> falla[-se] d’elle como de
Torrequemada em Sevilha [1 Valhadolid]. Aquelle barbeiro é uma lenda como a de
Gerião assassinado por Hercules, e a do monstro de Rhodes cantado por Schiller.
Antonio, o primogenito deste esfolador, estudou primeiras lettras com rara
esperteza. Aos onze annos, era prodigio em taboada e bastardinho. Aos doze imitava
firmas com perfeição despremiada, e vingava-se do menospreço em que o estado o
esquecia, estabelecendo correspondencias entre pessoas q não se correspondiam,
mediante as quaes, uma vez por outra, agenciava alguns pintos.
Como <estes> talentos [↑ taes] não se escondem [1 atabafam] mto tempo
debaixo do alqueire, < ntonio Jose>[↑ o rapa ] soffreu algumas contu oens. Um
<frade>[↑ monge] benedictino [↑ de S. Thyrso] <compadeceu-se>[↑ <enviou-o a Grijó,
onde serviu os frades <b> crurios> ↓compadeceu-se] do moço em tão verdes annos
perdido[1 ,] á conta de <uma>[↑ sua] habilide funesta; pagou-lhe passagem para o
Brazil, <e disse-lhe que a sua> cuidando [1 porque sabia] que os ares de Sancta Cruz
<filtram *r> são como os do Eden para refazer inno[5]centes.
Empregou-se como caixeiro no Rio. Foi estimado nos primeiros trez annos.
Estremava-se dos seus broncos patricios no dom da palavra, nas lerias aos freguezes,
n<a>/os\ ardis licitos do balcão, nas ladro<eira>/ices\ consuetudinarias que affirmam a 2pronunciada
1vocação <mercantil>, as quais, <sob o ponto da perspectiva m> n<a>/o\
<optica do commercio,>[↑ calão da optica mercantil,] se chamam: «lume no olho». Nas
horas feriadas, lia applicadamente [↑ e tangia violão.] sua especialidade [↑ litteraria]
era a eloquencia tribunicia. Estudára francez <no> para ler Mirabeau e Danton.
Enchera-se d’elles, e ensaiava republicas [↑ federalistas] com os caixeiros, pedindo
cabeças de reis<,> a uns pobres parvajolas que suspiravam apenas por cabeças de
<pescadas>[↑ gora es].
Os patroens não farejaram um <co> acabado Robspierre [1 Robespierre] no
caixeiro; mas, como desconhecessem a vantagem da apotheose dos girondinos em uma
loja de molhados, expulsaram-no como republicano.
Pinto Monteiro intrometteu-se na politica brazileira, iniciou-se na ma onaria [↑
em 1830], fez discursos <[↑ †]>[↓ vermelhos] contra <D. Pedro> o imperador<,>/e\
escreveu clandestinamente. Esteve assim na <raia das> fronteira do paiz promettido aos
4
<grandes>[↑ eternos] <attrevimentos>[↑ Paturots]3. É indeterminavel o estadio que elle
ganharia, se um militar imperialista <o *am> lhe não cortasse o rosto com um látego.
Uma das tagantadas contundiu-lhe os olhos. Pinto Monteiro cegou.
III
Reagiu ao <reves> desastre com <valoroso peito>[↑ peito de ferro]. Menos ri a
alma <subvertera-se>[↑ ingolphara-se] na espessura d<as>/a\ su<as>/a\ treva. Elle não.
Pediu ao inferno lu emprestada para entrar na vereda da[s] <vingan a>[↑ suas
victimas<, e empolgal-as>]. Accendeu interiormente, no carcere do seu espirito, a
lampada do odio<,>/.\ <e gizou horrentissimos> A vingança leval-o-hia <pelo> pela
mão como Malvina ao cego de Macpherson. Perdoa-me a comparação, ó <bardo <da
Scandinavia!>[↑ caledonio –]><[Fingal! –]>[↑ bardo caledonio!<1 ,> –] <Eu>[↑ que eu]
ja vi Marat comparado a Jesus Christo.
[6] Quando <se levantou da>[↑ lhe deram alta na] barra da enfermaria, pediu o
seu violão, sahiu <para a rua>[↑ ás pra as], [↑ preludiou<1 ,>] e cantou umas trovas
com arpe o triste, ás portas dos <ricos>[↑ argentários] e das [1 dos] tavern<as>/eiros\.
As trovas <gemiam>[↑ fa iam] saudades da patria, e a musica <toava>[↑ gemia] <os
sons duns>[↑ toadas dos] lunduns do Minho. Os ouvintes contemplavam-no com dó e
davam-lhe esmolas avultadas para <se transportar>[↑ regressar] a Portugal<.>/,\ [↑ ao
ninho seu.] <O seu>[↑ Tinha ell<a>/e\ um] moço: era <um> portuguez <a>/i\lheu,
alguns annos mais novo<,>/.\ <que a <infermidade>[↑ doen a]> <l>/L\evára[↑ -o a
doença, a podridão do vicio<1 ,>] á mma
enfermaria, [1 ;] e <a>/a\ <compaixão
aproximara do>[↑ penuria e o insticto <avincularam ao>[↑ vincularam-no ao] cego.
Chamava-se Amaro Faial; mas os que lhe conheciam as prendas <ch> corrompiam-lhe
o apellido, e chamavam-lhe o Amaro Faiante. <Quem via os dois[↑ , o cego e o mo o,]
sem o sentimto indulgente da caridade disia que os olhos d<e>/o\ <Amaro Faial> moço e
a perversidade do cego completavam> Pessoas escassas de caridade indulgente disiam
que a maldade do cego e os olhos do moço completavam dois refinados maraus.
Pinto Monteiro trajava limpamente, banqueteava-se á proporção, e
<completava>[↑ dulcificava] os confortos ca eiros com <a>/o\ amor de uma
<aventureira>[↑ aventureira] mal prosperada como tantas q o archipelago a oriano
<envi> exportava consignadas aos Cressos da rua do Ouvidor, <e aos nossos irmãos>[↑
que pachalisavam] [n]as chacaras d<e>/a\ <Petropolis>[↑ Te uca]. Creára uma
sociedade nova. Acercara de si toda a vadiagem suspeita, os ratoneiros ja marcados com
o stigma da sentença, os mysteriosos, [↑ <1 os>] famintos sem ocupação,] negros e
brancos, não topados ao acaso, mas inscriptos <e *no> nos registros da policia, e
afuroados pela sagacidade de Amaro Fayal. Tinha lido as Memorias de Nidocq, – o
celebrado chefe de policia <que subira *os> de Pariz. Encantara-o a < usti a>[↑
equidade do governo] que elevara Vidocq[↑ , o ladrão famoso,] á <superintendencia da
or †><sua> quella <especie de> magistra<do> tura por q elle, <vinte annos exercitára
as mais sagaz> por espaço de vinte annos, <fôra ladrão <forçado de> e nas>[↑
exercitára o latrocinio, <e nas] galés <adquirira>[↑ grangeára]>[↑e grangeára nas galés]
os amigos que depois entregava á grilheta.
<Investido da mur> <Não podia> Pinto Montrº <sedusir a confiança> organizou
a bohemia que[1 ,] até áquelle anno[,] roub<ára>/ando\ sem methodo nem estatutos,
<e> exercitá<v>/r\a a ladroeira d’um modo indigno de pai <civilisado.> em via de [7]
3 Chamada de adição na entrelinha cancelada.
5
civilização. Fez-se eleger presidente por unanimide, e nomeou seu secretario Amaro
Fayal. [↑ Havia um proposito quase [1 quasi] heroico neste feito, como logo veremos.]
Investido desta presidencia incompativel com as artes lyricas, depoz o violão, e, á
semelhança do poeta latino, immudeceu os cantares, tacuit musa. Sentia-se n<a>/o\
<sociedade>[↑ congresso] uma alma nova, cheia de fomentos e apontada a rasgar
horisontes dilatados. [1 §] Quem ouvisse discursar o presidente [↑ sociologicamente]
ficaria em duvida se <roubar>[↑ furtar] era sciencia ou arte. Pinto Monteiro
<encabe ava>[↑ inxertava] nas suas preluçoens á cerca da propriedad<es>/e\
u<ns>/mas\ <dogmas>[↑ vergonteas] que depois <refloreceram>[↑
<re>/en\verdeceram] com <forma de> estylo melhor nas theorias de Cabet. Os
malandrins mais intelligentes, depois q o ouviram, desfi eram-se de escrupulos [↑
incommodos], e entre si assentiram que não eram ladroens, mas simplesmente
desherdados pela sociedade madrasta, e victimas de uma qualifica ão a obsoleta <[↑
em um pais jovem]><,>[.] <*coeva do Livro 5º das Ordenaçoens.> A terminologia do
Livro 5º das Ordenaçoens em um paiz jovem, <e> exhuberante, [↑ e que tem o
sabiá<,>][/e\ o côco,] era um[a] <disparate>[↑ anomalia].
Desta arte organisada a quadrilha, sob a influencia [↑ auspiciosa] de um cerebro
pensante, os cidadãos eram roubados mais artisticamente; na empalmação dos relogios
conhecia-se que havia ideas de 1physica, de
3equilibrio, de
4dynamica, de
2mechanica, e
sciencias correlativas. <A escola>[↑ s alu<mnos] de [↑ Ptº] Monteiro>[mnos da <ideia
nova> reforma] parecia collaborar[em] no Manual do presti<g>/d\igitador de Roret, e
abandonavam como archaismo <[↑ autocratico]> aos poderes publicos a Arte de furtar
de qm
quer q seja.
A sociede prosperava a <ôlho, quando Pinto Monteiro e o secretario, munidos
dos livros de registro e de toda a escripturação, se appresentaram ao chefe da policia
Fortunato de Brito> olhos vista4 posto q o presidente não tivesse olho nenhum. [1 :] [–]
Nesta independencia dos orgãos de redação prova a alma a sua immo<i>/r\talide. <1 –>
Foi então que Pinto Monteiro e o secretario, munidos dos livros de Registro [1 registro]
e de toda a escripturação, se appresentaram ao chefe da policia Fortunato de Brito.
[8] [<Havia heroismo> Eis aqui <uma>[↑ a] reputa ão de um homem sacrificada
á extirpação do crime. Os Codra e os <c>/C\urcios[1 ,] na <am> restauração da moral
publica[1 ,] <†ssem que> fazem isto.]
O chefe da policia conveio nas propostas de Pinto Monteiro, <aceitando as
delaçoens> que estatuira conservar-se na confidencia dos ladroens e delatar <os roubos
projectados> a paragem dos roubos quando no descubril-os <adviesse[m]>[↑
redundassem] á policia creditos e interesses. O cego esclarecera Fortunato sobre a
organisação do funccionalismo policial em Pariz, ensinara-lhe alvitres ignorados, e
promettia auxilial-o em um ramo <pouco>[↑ <mal><[↓ pou]> ↑ [ainda] mal] cultivado
no Brazil – a espionagem politica.
Sorti<ram>/u\ os previstos resultados a <dela ão>[↑ perfidia]. s1 mais
3
<ladinos>[↑ <b> soe es4] <c>/l\arapios
2 <cal> eram arrebanhados para a caza da
corre<ç>/ss\ão mas os [↑ ladrava es] mais ladinos poupava-os o presidente para não
<seccar uma fonte de receita em sacrificio á outra que era menor.>[↑ perturbar <o equi>
de improviso o equilibrio do cosmos. necessario q ha a escandalos, di o Evangelho.]
[§] Como agente [↑ secreto] de policia recebia do cofre do estádo como <presidente>[↑
4 Assim no manuscrito e 1.º edição.
6
chefe] da “associa ão [1 Associação] dos desherdados”, auferia o seu quinhão do
peculio commum, <com>[↑ afora] as forragens da presidencia, etc.
Este periodo da vida do cego durou sinco annos; <*e > as duas rendas sobejavam-lhe á fartura do passadio<,>/;\ <e> principiou Monteiro a engrossar o
peculio quando <a agencia, e a delação> a delator e agente ajuntou o estipendio de
espião.
Voult<ou>/ando\ ás suas antigas camaradagens politicas, falou nas sociedades
secretas com <a usual>[↑ exacerbada] virolencia e [↑ , victima d<a> o\ despotismo
militar,] mostrava os olhos estoirados <como o> e ba os com a <sombria><[↑
pungente]>[↓ dolente] magestade do governo Beli ario, <o> vencedor dos hunos.
<Recresceram de ponto ou consideração entre> Constou ao governo que Pinto
Monteiro ousára pedir um Cromwell de quem elle cego fosse o Milton. A comparação
seria modesta[1 ,] se não fosse sanguinaria<,>/.\ <e peor comparada ainda era> O
governo [↑ bra ileiro], com a <perspicacia>[↑ subtileza] propria dos cerebros formados
com <araruta>[↑ <tapioca e banana> <an> tapioca e ananaz], intendeu que <a
cabeça>[↑ o <2>
pescoço] <do imperador>[↑ <1imperial>[d<e>/o\ [↑ snr D] Pedro 2º]]
era ameaçada [1 ameaçado] <por Ptº> pelo cego <da fatalide> com a Tragédia de Carlos
Stuart.
[9] [↑ ] Fortunato de Brito <recebeu>[↑ foi] orde<m>/nado\ que vigiasse e
processasse o <cego> <assanhado cego [↑ regicida].>[↑ sidicioso [1 sedicioso] cego.]
Intalação! O chefe de policia foi explicar ao seu ministro que os discursos de Ptº
Monteiro eram <esparrelas>[↑ boí es] armadas a <outros> passaros bisnáos [↑ de mais
alta volateria.] O conflicto remediou-se prescindindo o espião d<e>/a\ <orar,>[↑
oratoria,] e a<n>/tt\ende<r>/ndo\ somente a seguir <a urdidura>[↑ o rastilho] das
revoluçoens <tramadas>[↑ urdidas] no Rio, <mas d> para rebentarem nas provincias.
Como em meio de tanta lida ainda lhe sobrava tempo, Monteiro insaiou [1
ensaiou] por sua conta, e sem <coad uva ão>[↑ auxilio] da <sociedade>[↑ malta], uma
«reversão de propriedade» [1 reversão de propriedade] [-] [1 , ] <um roubo em velha
linguagem,> <um roubo> termos adquados á sua qualide de desherdado.
Havia morrido um <†> carroceiro <[↑ abastado]> <d>/q\uando <por dela>
avençado com o cego, experimentava a <mão na moeda> sua fortuna em aventuras de
moeda falsa, mandando <gravar>[↑ abrir] os cunhos no Porto. [§] A cidade da virgem
[1 Virgem] <gaba-se do> tem tido filhos de rar<a>/o\ engenho na gravura; mas os seus
concidadãos[1 ,] desamoraveis com as <artes> as graças do buril, crearam á volta delles
uma athmosphera fria de desalento, e no <hones> pedestal em q os <artistas so>
sonhadores, como Morghen e Bartolozzi, entreviram a gloria a offerecer-lhes umas
sopas de vaca, <a>/o\ menospreço publico poz-lhes a <fome><[↑ mi eria]>[↑ fome].
<Ora, os <artis><sacerdotes> alumnos da arte honrada, depois de <estudarem o
estomago> lerem no cantico 33 do «Inferno» de Dante os <†> phrenesis da fome em
Ugolino> Seria bonito pª o martyrologio da arte que os honrados alumnos da academia
[1 Academia] das bellas-artes se deixassem perecer de <indigencia>[↑ anemia]
<mas>[↑ porém,] as poderosas reac oens do estomago impulsaram-nos a aceitar o unico
lavor q se lhes offerecia abrir cunhos de moeda. Este ramo das artes imitativa floriu no
Porto como planta indigena<.>/,\ <A ponto> a termos de haver ali trabalhos excellentes
e mtº em conta. Ja se conheciam os gravadores portuenses como hoje se conhecem os
capellistas d5 [↑ da] rua de Cedofeita: - o primeiro barateiro, o rei dos barateiros, o
5 Borrão na página, feito depois da primeira escrita. Por isso, o escritor reescreve “da” por
cima do borrão.
7
<mais> barateiro sem competidor. Fa[10]ziam-se notas a 5% quando a arte estava no
ber o [↑ ainda timorata] depois, á medida que <o pedido> [↑ a prosperide das emprezas
inter-nacionaes<1 ,>] augmentava<[m]> <os artistas rivalisavam-se no primor e na> o
pedido, os [↑ bons] artistas <punham de parte> davam de mão aos brasoens dos
<anneis>[↑ sinetes] [↑ , ás chapas dos portoens] e ás firmas dos anneis; e, rivalisando-se
no primor e na barateza da obra, ja davam um conto de notas falsas por dez <sinceros>
mil reis<.>[sinceros.]6
Era este o preço <estipulado> da dezena de contos que o carroceiro mandára
comprar por intermedio d<o>/e\ <cego de Landim>[↑ Pinto Monteiro], e não chegára a
receber, atalhado pela <febre amarell> morte. Deixára, porem, <†> segredado á viuva
que se intendesse com o seu amigo Montrº, quando lhe entregassem a encommenda.
Não sei se estas notas eram parte de uns <cem>[↑ tre entos] contos que pr esse
tempo sahiram do Porto para o Brazil <dentro do> dentro da imagem do Senhor dos
Passos. ão averiguei as profana ões que se deram n’esta remessa; o q sei é q a viuva
avisou o cego; e que, no mmo
dia do aviso, o chefe da policia colhia de sobresalto a
viuva, escondendo o rolo das notas entre o guarda-infante e a parte subjacente que ella
julgava intangivel aos <contactos><[↑apalpoens] da policia.>[↑ contactos brutos dos
esbirros.]
Levada a interrogatorios, foi pronunciada mas, desde q [ella] entrou no carcere,
Pinto Monteiro, consternado até ás lagrimas, assistiu-lhe com a mais desvelada bem-
querença, constituindo-se seu procurador. [1 §] Esta mulher herdára a
independencia<,>/.\ <e considerava-se rica> Gemeu em ferros seis annos, cumprindo a
commutação de uma sentença que a condemnara a degredo pª a Ilha de Fernando. Essa
commutação custara-lhe o restante dos seus haveres, absorvidos pelo cego de Landim.
Quando sahiu do carcere, e se viu [↑ roubada pelo amº de seu marido, e] redu ida a
mendigar, denunciou ao chefe da policia <*M> a cumplicide de Monteiro no negocio
das notas. Fortunato de Brito <assombrou-se da corpulencia do infame; porem, segundo
a boa> <achou-o>[↑ conveio que o seu agente era] infame maior da marca; mas <era
assim <que>><[↑ era preciso para] a reformação dos costumes.> fazia-se mister que
tivesse aquelle tamanho para dar pela barba á corpolencia da corrupção. <Tinha> [↑ O
cego de Landim] gosava a <impunide>[↓ inviolabilid
e] do <† .>[mal necessario.]
[11] < roubo feito>[↑ <A reivindicação> A extorção feita] á viuva <propal>
divulgou-se e acerbou os antigos odios contra Pinto Montrº. De mais a mais, elle tinha
<of> <transgredido>[↑ offendido o espirito] [d]os estatutos, <da assembleia, offendendo
a communidade.>[↑ que eram obra sua.] Os <seus> consocios acharam irregular e
menos honesto q o seu presidente levasse o egoismo á extremide de revindicar so para si
direitos de propriede commum. [↑ Toda a propried
e alheia era d’elles todos, pelos
modos.] lguns d’estes, mais penetrantes, incutiram no phalansterio a suspeita de que o
chefe tivesse intelligencias com a policia. Um mulato de grandes brios, <e> notavel
capoeira, e mtº summario nos processos d’aquella especie, fez lampejar o aço d<e>/a\
<uma>[↑ sua] faca, e declarou que ia anavalhar o redenho ao cego.
Quando esta scena tumultuaria se passava na taverna do [João Valvêrde, na rua
do Catête]7, Pinto Montrº e Amaro Fayal ja estavam a bordo da gal<*am>/era\
Tentadora, <de verga erguida>[↑ que velejava] para o Porto.
6 1) á medida que o pedido augmentava os artistas rivalisavam-se no primor e na; 2) á medida
que augmentavam os artistas rivalisavam-se no primor e na; 3) á medida que a prosperide das emprezas
augmentava o pedido, os artistas <punham de parte> davam mão... 7 João Valvêrde, na rua do Catête, escrito em letra maior, preenchendo espaço deixado em
branco para preenchimento tardio.
8
IV
Em setembro de 184<9></0\></9\>/0\ appareceram em Landim <o cego>[↑ Ptº
Montrº] e o seu chamado guarda-livros. Acompanhava-os a açoriana, <e cham><dizia-
se a>[↑ intitulada honorificamte] esposa do cego. Era uma mulher desnalgada, sardenta,
ruiva, alta e possante, com bretoejas rosaceas na testa, e um caracol de barba no queixo
inferior. Galhardeava <sedas>[↓ moirées], <e> <trazia>[↓ cal ava][↑ botas verdes, e [↑
trazia] uns] merinaques que rugiam como as cavernas dos ventos.
Pinto Monteiro alugou ca a em qtº reedificava [↑ outra sobre] <a> o [↑ ca ebre]
de seus pais. guarda-livros disia com certo resguardo q o seu patrão era muito rico.
Convergiram [↑ logo] das freguesias circumvisinhas bastantes cavalheiros a visital-o,
uns por q haviam sido seus condiscipulos na esc<h>ola, outros pr parentesco não
remoto.
[12] O cego banqueteava os seus hospedes <fasta fora. As cozinheiras negras>
com iguarias incognitas apimentadas por cozinheiras negras. Os comensaes, gente
saturada de vegetaes e milho, comia[m] fasta fora [1 à tripa forra], e levavam [↑ em si]
d’aquella <casa> meza lauta [↑ raras indegestoens, mtas
] saudades e [↑ copia de]
vinhos[.] <copiosos.><[↑ generosos]><[↑ †]> O cego tinha um[a] irm<ão>/an\, dez
annos mais nova, que surgiu [↑ com <dom e> bandós, dom<1 ,> e espartilhos] d’entre
um balão da cunhada. Falou-se do cazamento da môça dotada pelo irmão com dez
contos. s Morgados [↑ a] corveteavam os seus pôtros por Landim, e de longes terras
vinham <pedidos>[↑ propostas] de ca amento, por <meio> intermedio de padres e
<molheres> beatas. A rapariga, que eu conheci a encanecer na decadencia dos sincoenta
annos, devia ter sido uma trigueira sanguinea com as mordentes graças d<e>/a\[s]
<um[a]> <bigo> <bigode> sobrancelha[s] <cerrada>[↑ travadas[1 ,] e negras] como a
penugem do bigode.
Pinto Monteiro passara temporadas no Porto com Amaro Fayal. Era ali que elle
cumpria a mensagem <†> a que fôra enviado pelo chefe da policia fluminense. Viera,
sob condiçoens estipuladas, relacionar-se com os <com> exportadores de moeda-falsa, e
<crear>[↑ estatuir], de harmonia [↑ com os interessados,] ba es organicas e auspiciosas
<de>[↑ pª] negocio menos precario. resultado, previsto pelo cego e applaudido por
Fortunato de Brito, era <conhecer a> a policia <entrar no conhe> conhecer no imperio
bra ileiro os <correspondentes>[↑ cumplices] dos agentes q residiam no Porto, e, de
uma vez para sempre, abranger em rede varredoira os principaes.
Conseguira captar a confiança dos dois gravadores mais <qualifi> habilidosos e
conhecidos alem-mar mas um d’elles, [↑ Coutinho,] o ancião que eu vi morrer na
<*R> e nfermaria da Rela ão em 18 1, não delatou as pessoas com quem negociava,
posto q o cego lhe garantisse uma velhice abastada nos confortos da honra. O outro
artista[1 ,] q morreu <abastado>[↑ rico], <posto q > apezar de se ter remido da cadeia á
custa de dezenas de contos, tambem não denunciou os seus freguezes; mas convidou o
cego a mercar-lhe au rabais uns cincoenta contos, resto da ultima edição.
[13] E o cego comprou-os.
9
Em 18<50>/41\, a hospedaria dilecta dos <novos ricos> brazileiros de profissão
(distingam-se assim dos brasileiros do Brazil)8 era a [do] <Estrella do Norte>[↑
Estanislau<1 ,>][↑ na <rua de Cimo-de-Villa>[Batalha.]] Ali havia a sem–cerimonia do
chinello de liga á meza-redonda; os collarinhos arregaçados deixavam <q ><†> arejar
<os peitos><[↓ cachaços]>[↓ as pescoceiras] rore antes de suor[1 ,] [↑ q se limpavam
aos guardanapos]; cada qual podia comer o arroz com a faca e o <macarrão>[↑
talharim] com o garfo <, á sua vontade><[↑ mascando rijo como]>; a laranja era
descascada á unha, e os caroços das azeitonas podiam ser cuspidos na meza, bem como
<o>/a\s <fragmentos>[↑ esquirolas] do pernil de porco desintallad<os>/as\ <d’entre os>
[↑ <á> a\ palito] [↑ das luras dos] queixaes[.] <com o palito.>9 [
(I) E era até de direito
commum cada qual caçar de guet-apens a 2mosca <veregei>[↑
1importu]<r>/n\a na cara
e decapital-a publicamte.]
10 Estava-se ali á vontade, <e nos tempos homericos, pelo
trapejar da trituração, tal qual como os> como nos jantares de Peleu [↑ e Patroclo], com
um grande estridor de mastigação e arrôtos.
O cego hospeda<ra>va-se na [1 no] <Estrella do Norte>[↑ Estanislau], e disia
ao secretario:
- Estamos com a nossa gente, Amaro amigo.
A idade, <o>/a\ <porte grave>[↑ compostura] <,>/e\ <a>/o\ <locacidade>
palavriado, com a reputação de rico, deram-lhe na meza o logar mais authorisado. Os
brazileiros, vindos do Rio, conheciam aquella figura; alguns sabiam que o homem
<apanhára depressa boa pos> se tinha arranjado com expedientes mysteriosos; mas isto
mmo
era qualide meritoria e relevante no commensal[.] <da Estrella.> Rosnava-se de
moeda-falsa [↑ até] alguem teve a ousadia de repetir o boato corrente ao guarda-livros.
Amaro Fayal <enco> deu aos hombros, sorrindo, e disse:
- A moeda-falsa é commercio como qlq
r outro, <d> com vantagens em
proporção dos riscos. Negocio infame [1 execrando] [↑ so conheço um:] é o da
escravatura[.] <, e *co> Ha tambem uns negocios que, depois de mtºs annos de estafa,
não deixam nada: esses chamam-se negocios tolos. Assevero-lhes que a riqueza do snr.
Ptº Montrº não se fez com a escravaria[.] <nem com>
[14] Estava lançado o dardo. Esta franqueza deu margem a discussoens, nas
quaes o cego e o Fayal descobriram entre os contendores os menos escrupulosos.
Volvidos alguns dias, Pinto Monteiro tinha vendido os cincoenta contos de notas a um
brazileiro da Maya, e era encarregado de agenciar cem contos para outros que o
primeiro alliciara. Nesta transacção cobrára o cego <uma> percentagem, e pedira <per>
sociedade no quinto dos interesses, com a clausula de dirigir no imperio a circulação da
moeda-papel. Pactuaram a viagem para <out> unho d’aquelle anno. < ce> Pinto
Montrº <ia co> convencionou acompanhal-os, a fim de liquidar o restante dos seus
haveres[↑ , dar impulso ao negocio] e vir depois descan ar na patria.
Depois de uma demora de dois mezes, Pinto Monteiro recebeu no Porto a 2nova
1infausta de que a a oriana, captiva das nega as de um <morgado>[↑ hespanhol]
operador da catarata, fugira com elle pª a allisa. Bacore ou-lhe ao cego q estava
roubado, e o palpite funesto realisou-se. [1 §] A <Mon> quantia devia ser valiosa, por
que <Mon> o <amante> trahido amante suspendeu as obras começadas e desfez
contractos apalavrados de compras. Ficou na memoria dos contemporaneos[↑ <1 ,> a
<este> resptº da perfida, <†>] uma palavra do cego, significativa de sua indole:
8 Parêntesis inseridos posteriormente. Antes: – distingam-se assim dos brasileiros do Brazil –
9 Nota para o tipógrafo: (Veja em cima)
10 Acrescento no topo da página, em tinta hoje castanha, assinalado com chamada
(I).
10
- Se o hespanhol [↑ levasse a mulher e] me não levasse o dinheiro,
<obsequiava>[↑ penhorava]-me [↑ bastante]. Como me tirou as cataratas [1 do coração],
pagou-se por suas mãos<1 ,> o patife!
opinião publica de Landim irritou-se qdº soube que a fugitiva era
simplesmente manceba do cego. moral <queria>[↑ exigia] q elle <tivesse> fosse
marido, pª não <desv<iar>/aliar\>[↑ se desvaliarem] os quilates do escandalo.
[15]
V
No mez aprasado, Pinto Monteiro <sahiu para o R> <voltou> regressou ao Rio
de Janeiro, acompanhado de sua irman D. Anna das Neves. Embarcaram no Porto com
elle os amigos e socios grangeados <na Estrella do Norte>[↑ no hotel]. O brazileiro da
Maya[↑ , comprador dos cincoenta contos,] levava algumas pipas de vinho verde, e uma
destas <pipas>[↑ vasilhas] havia sido fabricada, conforme o modêlo que dera o cego, e
sob a fiscalização de Amaro Fayal. No reverso d<as>/e\ [1 das] [↑ quatro] aduelas
<lateraes>[↑ do bojo] pregaram <quatro traves> um quadrado <co> de madeira com
chanfradura onde invasasse o rebordo de um<a> caix<a>/o\[te] de flandres; a pregagem
do quadrado ficava occulta debaixo de <dois>[↑ quatro] [↑ dos] arcos de ferro. O
caixote continha <cento e concoenta>[↑ du entos] contos em notas bra ileiras, e era
<soldado>[↑ estanhado] nas uncturas de modo que o <vinho>[↑ liquido] as não
penetrasse, atrave de uma [↑ grossa] capa de chumbo. <1 §> Chegados ao Rio, a carregação entrou nos armazens da alfandega, e Pinto
Monteiro com sua familia hospedou-se em casa de Fortunato de Brito. Ao apontar o dia
seguinte, os passageiros delatados pelo cego eram prezos; a pipa despejada e desfeita, [1
;] e o caixote das notas <1 era> condusido ao tribunal para se lavrar aucto. Os quatro
portuguezes morreram nos degredos [1 no degredo], perdidos os haveres q a tinham
adquirido honradamente. Pinto Monteiro recebeu dez contos de reis, os 5% estipulados
e dedusidos da preza.
<Eu á disse ao>[↑ O] leitor <q >[↑ vai descobrir q eu] não estou escrevendo um
romance<;>/.\ Consta-me, que no Rio, [1 Consta-me que, no Rio,] os homens q ja o
eram ha trinta annos, recordam estes factos com algumas miudesas que não pude obter
nem ja agora inventarei. Os meus apontamentos são exactissimos no summario das
<pros><protervias>[↑ excentricides
] do cego; mas escasos d<a>/o\s
<particularidades>[↑ p<ro>/or\menores] q eu rigorosamte quisera não omittir.
Aqui me contam elles os amores da morena filha de Landim com o chefe da
policia[.] <e>/Es\[16] <dizem que o cego> te episodio poderia ser o esmalte <deste>[↑
do meu] livrinho, se em um chefe de policia coubessem scenas de amor brazileiro,
<langarosas>[↑ morbidas] e somnolentas, como tão <morbidamente>[↑ languidamte] as
<ex><pinta>[↑ derrete] o snr J. d’ lencar. Em paiz de tanto passarinho,
<com><[↑*ha]> <tantisimas>[↑ tantissimas] flores <e cheiros> a recenderem cheiros
varios, cascatas e lagos, um ceo de bananas, uma linguagem <[↑ com a lingua de pre]> a
suspirar mimices [↑ de sutaque], com isto, e com uma rêde [↑ - ou duas pr cauza da
moral -] a bamboar[↓ em]-se entre dous coqueiros, eu mettia n’ella[s] o chefe de policia
<e><[↑ com]>[↑ e] a irman do cego, um sabiá por cima, <dois>[↑ um] papagai<os> o\
<á beira>[↑ de um lado, um saguí do outro,] e veriam q meig<o> a\s <monossilabos>[↑
11
moquenquices], que arrulhar de rôlas eu não estilhava desta <penna>[↑ penna]11
de
ferro<[!]>/.\ [1 !] <convertida em *fra> Mas eu não sei se me acreditariam coisas tão
perigrinas [1 peregrinas] entre o verginal [1 virginal] Fortunato, [↑ chefe da policia][1 ,] e
ella, a <trigueirinha, que <tambem> ja orçava pobre virgindade d> menina Neves<1 ,>
que ja havia colhido as boninas de <trinta>[↑ vinte] e <duas>[↑ nove] primaveras nas
<*devezas>[↑ florestas] do seu Minho, onde a maroteira é pre-historica! 12
Amores e desventuras de <outra>[↑ peor] nature a nos levam a outro
incidente, e [↑ ahi] veremos que <não ha f> Pinto Monteiro fare a todos os <antros>[↑
latibulos] em q se acoit<a> e\ algum<a> <corrup ão>[↑ crime], [↑ e] não consente que a
corrup ão do seculo XIX ponha pé em ramo verde [↑ <da Flora brasílica.> [↓ no novo
mundo]]. [§] <†> Certa\ carioca[1 ,] esposa de um [↑ João Tinôco,] portuguez, fizera
assassinar [↑ com veneno] o marido por um[a] <negro><[↑ escravo]><[↑ mulato]>[↑
escrava] [1 escravo]; mas com tal resguardo que o conjugicidio não <transpos>[↑
escoou] [d]os muros da chacara <em que>[↑ onde] ella <vivia e> <gosava>
impunemente <outras> se dava ás dilicias de <Maria Stuart>[↑ grippina]<,>/.\ <a
envenenadora> Isto de chamar A<gg>/g\rippina á viuva [↑ de João Tinôco] é excesso de
erudição. Ella não tinha idea nenhuma de ser posta em parallel<os> o historico com a
envenenadora de Claudio o q 13ella queria era que a deixassem <saborear>[↑ gostar] as
alegrias da viuvez de um marido <que come> que entrára em caza de seu pai como
aguadeiro; e, exaltado a esposo, a quizera forçar a fidelides
<tão> incombinaveis com o
clima, <sendo> <empregan> desenvolvendo de mais a ms <o>[↑ um excedente de]
calorico na esposa com o atrito do murro portuguez de lei.
[17] Tinôco tivera um caixeiro q expulsára <com labea de> quando lhe
descobriu capacidade para o adulterio, segundo informações de um marçano que vira
piscarem-se recipricamte os olhos direitos a <patrôa>[↑ sinhá] e o caixeiro. Eis o fio que
condu <Pinto Monteiro>[↑ o cego] ate ao thalamo infamado, e d’ahi á campa do inulto
João Tinoco. assassinado tinha irmãos [↑ abastados] no Rio. Pinto Monteiro <di >[↑
revela]-lhes que seu mano morrêra de morte violenta; [1 ,] e, coberto de lagrimas, não
podendo mostrar os intestinos dilacerados de Tinoco, como Antº a tunica de <c>/C\ezar,
põe as mãos [↑ convulsas] no ventre, e exc/la\ma:
- Despedaçaram-lhe as entranhas as agonias do arsenico! etc, etc. [1 arsenico!
etc.]
[↓ Fez terror.]
Rugem vingança os irmãos; o cego dá vulto ás difficuldades das provas
judiciarias <oferecem>[↑ franqueam]-lhe dinheiro sem conta, e um grande premio, se a
prova se fizer.
Vejam os profundos segredos do ceo! <com que instrumentos a Providencia> Os
crimes obscuros <não é> [↑ quase] [1 quasi] nunca é a lampada da virtude que os
descortina; são sempre os cerdos que fossam e tiram á tona dos lamaceiros as
podridoens submersas.
Pinto Monteiro fe <exhumar>[↑ surdir á flor da terra] [↑ as podridoens de]
Tinoco <putre><apodrecido>, e <a sciencia> a toxicologia declarou que o homem
morrera envenenado pela massa de Frei Cosme. Não vá o leitor <pensar>[↑ cuidar] que entra na novella em frade q manipulava massas homicidas. ão, snr [1 senhor]. A
massa de Frei Cosme é uma <composi ão>[↑ farinha saturada] de arsenico.
11
Devido a borrão neste lugar, a palavra é reescrita na entrelinha. 12
O texto continua em linguado colado ao anterior. 13
O texto continua em linguado colado ao anterior.
12
<O caixeiro suspeito fugiu, quando soube q a usti a> A viuva não pôde
defender-se, <senão impelir> desde que a negra confessou que envenenara o amo em
um timbal de borrachos<.>/,\ [↑ por ordem da senhora.] Degradara<m-na>/m\ por toda
a vida [↑ a ré convicta], privando-a d<a>/os\ <heran a que houvera>[↑ bens herdados]
do esposo. <A>[↑ Com a] chacara preciosa <onde> foi <dada como galardão da
honrada>[↑ galardoada a <1 estrema e> benemerita] solicitude de Pinto Monteiro – o
vingador de Tinôco e da Moral, que eu sempre escreve[18]rei com o M maior que eu
poder. <1 Sim! a Moral luzo-brazileira fôra despicada pelo cego.>
Fortunato de Brito, o chefe da policia, foi demittido por este tempo. Antº Je Pinto
Montrº resolveu repatriar-se. A denuncia dos moedeiros a ulara[↑ -lhe] muitos e
poderosos <inimigos>[↑ mastins]. imprensa bra ileira insultava a colonia portugue a
pelo facto do crime e pelo facto do delator. A equidade foi estranha aos odios e injurias
que golpearam Monteiro. Não lhe descontaram na perfidia as vantagens <com>
commerciaes q <se deram> derivaram <d’aquella denuncia.> d’ella. Cessára o panico e
o terror eminente de um cataclismo no credito e nas cazas bancarias. A policia,
<apanhou> alumiada pelo cego, sabia as veredas que em Portugal conduziam aos
balancés. A gente honesta, o commercio honrado rejubilavam com a traição de Pinto
Monteiro mas <attidos>[↑ atidos] ao velho proloquio onde não <brilha restea>[↑ relu
faúla] de philosophia [↑ pratica] <abominavam>[↑ , execravam] o homem q<ue>/ue\14
<pusera na ilha de Fernando>[↑ <punira com a> levara ás plagas do degredo] os
<salteadores>[↑ salteadores] da probide incauta. [1 §] Esta victima ainda não estava <†>
inscripta no martyrologio dos <reformadores>[.][↑ grande lapidarios da civilisa ão.] <†
†>
VI
Os meus informadores[1 ,] que mais privaram da [1 na] intimidade de Pinto
Monteiro, di em que elle, no segundo regresso a <Landim>[↑ Portugal], trouxera, [↑ ,
alem de secretº,] <duas duzias de contos [,]<e>> dous [1 dois] filhos[1 ,] que deixára no
Porto a educar no collegio da Lapa, e uma filha ainda mtº na flor da mocidade. Da mãe
destes meninos, que <me disse> pouco ha vivia ainda nos arrabaldes do Rio de Janeiro,
não ha nada romanesco, [1 ;] mas bem pode ser que houvesse da parte d’ella um
profundo sentimtº de dó com muitissima abnegação de si mesma, [1 ;] e <do> no
coração do cego <certa> com certeza houve extremoso amor de pai. [Os tigres e os
homens [19] costumam ter [1 Os tigres sempre tem, e os homens costumam ter ás vezes]
est<a>/e\ sanct<a>/o\ instincto de amar [1 amarem] os filhos.]
Vinte e tantos contos prefaziam os haveres de Pinto Monteiro. Concluiu as obras
principiadas, comprou terras, e derigiu pelo tacto as bemfeitorias que fe no predio q
habitava. Ha duas horas q eu estive a reparar, por cima do muro do ardim, na graciosa
vivenda que elle enchera de luz como se um <raio>[↑ bei o] do sol [↑ de agosto]
podesse <aquecer> descondensar a algida escuridão de seus olhos. Alli passaram
alegres dias os seus convivas sob os caramancheis das parreiras. O grande prazer
d<o>/e\ <cego>[↑ Montº] era dar banquetes <abundantes>[↑ opiparos][.] <e selectos>
[1 §] Ouvia ler as Artes de cosinha, [↑ conhecia Brillat-Savarin,] enchia-se do fino
sentimento dos gui ados e, apontando a petuitaria aos vapores das cassarolas, <disia>[↑
marcava] quando <sobe ava>[↑ era sobe o] o cravo <e escassava>[↑ ou escasso] o
colorau. <Pode dizer-se que>[↑ Fa ia pensar se] a vista[,] <se lhe> <volt<ara>/aria\
14
Reescrita devido a borrão neste lugar.
13
para dentro>[↑ voltando-se para o interior,] <e penetrara os insondaveis>[↑ <e
aprofundara><vira>[↑ penetrara] [1 penetrava] nos] refêgos <da> membranaceos o
ideal do estomago! Se um cego [↑ ilustre] deplorara [1 deplorava] o 2paraiso
1perdido,
outro cego parecia tê-lo encontrado na cozinha.
Elle, que [↑ na merica] posera o cauterios <aos> á ladroagem, á falsificacão [1
falsificação] das notas e ao adulterio aggravado pelo homicidio, não <ha> sabia como
amordaçar a maledicencia dos seus conterraneos, senão occupando-lhes as linguas no
trabalho da deglutição. A cada injuria que lhe chegava <ao> aos ouvidos, mandava
comprar dois leitoens.
- Mano ntonio, di em que tu <denunciaste>[↑ entregaste] os <moedeiros>
ladrões ao chefe da policia<:>/-\ disia < ninhas>[↑ a menina] eves[1 .]
- Dizem? pois, visto q não os posso entregar a elles, compra um <ca al de>
perú<s> e dá-lh’<os>/o\ [↑ amanhan] com cabidella [1 recheio][.] <amanhan.> <†>
- Mano Antº, agora dizem que denunciaste os da moeda falsa.
- Compra anhos e capoens; <tira da garrafeira o †, fa † pudins de
batata><<confunde>[↑ enche]-m’os com generosidades;>[↑ attasca essas linguas em
podim de batata,] embola-m’os com almondegas, [↑ deita-lhes aziar de ovos em fio,]
afoga-lhes os escrupulos em vinho de 1815, <e beatifi> menina.
E, depois, tinha outra<s> <paixões, *foi> <delicias que> paixão q o deliciava:
arranjar cazamentos.
[20] Ha [1 Florecem] ho e em Landim alguns ca aes de pessoas [↑ ditosas] que
<se formaram qdº <desf> se trinchavam os casaes de perus> <*teveram> elle
<jungio>[↑ a ou ou], vencendo estorvos á custa de <liberalidades. Entre as mulheres
que Pinto Mont> engenhosas intrigas, e até de liberalidades da sua desangrada ‘fortuna’
[1 de suas abatidas posses].
<Criara-se por sua casa> A filha de um <jornaleiro>[↑ cabaneiro], que se creara
por sua casa, era o <encanto>[↑ passa-tempo] do cego. Chamava-se [1 a] Narciza
d<a>/o\ <Carvalha>[↑ Bravo, - apellido paterno [1 alcunha paterna].]. te aos <do e>[↑
treze] annos andara [1 andava] vestida de rapaz, e media-se com <todos>[↓ os ms
gaiatos] [↑ a trepar á grimpa de um pinheiro,] no assalto nocturno ás sere eitas, <nos>[↑
em] duelos á pedrada, no jogo do páo e no murro. Era virilmente bella, <esperta, com>
e bem feita mas os meneios adquiridos nos tra os de rapa <desgraciavam>[↑
desengraçavam]-na vestida de mulher. Ella mma
[1 mesmo] olhava para si com
<triste a>[↑ anga] e dava [1 puxava a] repelloes ás saias esfrangalhando-se. Pinto
Montrº dava tento destes phrenesis, ria-se mtº, e contava-lhe cazos de mulheres
portuguezas que batalharam incognitas, cobrindo os seios com arnez de ferro.
Estava no plano do cego cazal-a. Narciza disia-lhe que não <fi esse>[↑ pensasse
em] tal, por q , á primeira [1 porque a primeira] <chala a>[↑ pirra a] q o marido lhe
fizesse, favas contadas, <partia>[↑ esmurrava]-lhe os focinhos. <Mas este>[↑ Este]
programa não assustou <o ceg> Pinto Montrº, visto que os focinhos ameaçados eram os
do marido.
A rapariga era [1 foi] pretendida [1 extra-matrimonialmente] por varios devassos
de Landim, Stº Thyrso [1 S. Thryso], e terras circum acentes. virago tinha perrixil do
q <arde>[↑ morde] nas linguas a embotadas; mas tambem tinha mãos <nervo as><[↑
calosas]>[↑ nerv<os>udas] e uns dedos <sêcos>[↑ nodosos] que se fechavam <com
apparencia>[↑ em forma] de box<e>, assim que <dos> os pimpoes lhe cantavam
desafinados.
14
Um destes era um <rico>[↑ forte] lavrador de Sequeirô<.>/,\ [↑ , o Custodio da
Carvalha.] Apaixonou-se com a resistencia, e fallou-lhe serio em cazamento. Narciza
contou a passagem ao cego, que batia as palmas com vehemente jubilo, exclamando:
- mo a, aproveita antes q <elle>[↑ o rapa ] se arrependa! Olha que elle colhe
trinta carros, [1 e] é <bom mo o>[↑ [1 um] bonacheirão]... <e>/E\ que tal o achas de
figura?
- Eu sei ca!... <é um>
[21] – Tu gostas d’elle<?> ,\ <1 ,> [ou não gostas?]
- Como <de pensar> se nunca <o>[↑ nos] vísse[mos.]
- Então, <elle> não o conhecias <ja> ha mtº tempo ja?
- Desde q o dei a crear, nunca mais o <vi.> enx\[erguei.] [1 — Nunca o vi mais
gordo.]
- Mas queres cazas com elle ou não?
- Tanto se me dá como se [↑ me] deu mas o padrinho diga lhe que, se se faz fino
comigo, eu pinto ahi a <manta>[↑ manta][1 ,] que elle não sabe de q freguesia é. Eu
não ponho mão [1 unhas] em foicinha nem sachola, ouviu? Não fui creada <a ross> na
lavoira. Se elle <me come a>[↑ pega] a mandar[↑ -me] sachar milho [↑ ou cegar herva],
temól-as armadas.
- Ca a, q tu amansarás... – disia o cego.
E cazou. [§] Monteiro deu-lhe magnifico enxoval, cordão, cabaças, anneis,
broche; vestiu-a [1 vestiu-se] de <rico>[↑ fino] panno foi padrinho do ca amento, <e>
banqueteou os noivos <a>[↑ com] muitos convidados, <para a cerimonia> chamou a
musica d<o>/e\ [Paiva de] Requião [1 Ruivães], e <gastou>[↑ queimou] de dusias de
bombas reaes.
<noivo>[↑ marido] estava <infeiti ado>[↑ embruxado] [1 sentiu as fascinações
que enchem de delicias o inferno dos corações escravos]. Ella <subjugou-o>[↑ maneatou-
o] [1 maniatou-o] sem violencias de máo genio<.>/,\ [↑ com as suas caricias <rugidas>
de <panthera> gata q desembainha as unhas brincando.] Folia rija! Romagens, quantas
havia no Minho; festanças com trez clarinetes [↑ e requinta] todos os domingos na eira;
a <c>/C>ana-verde <dan ada>[↑ e o Regadinho saltado] pelas maiatas <do> mais
<frandunas>[↑ frandunas]; <comezanas>[↑ brodios] <a froixo,>[↑ e vinho á tripa fôrra
[1 vinho, fasta fora]]<,>[.] <c>/C\omprou egua de marca, vestido á [1 vestiu-se de]
amazona, e ella ahi ia com o marido corcovado[↑ , somnambulo,] a chotar na mula
<velha>[↑ esparavonada] <para ir na peugada da mulher>[↑ atra d’ella] por essas feiras
e romarias. Ás vezes, se os moleiros não despejavam depressa os caminhos
atravancados com os seus jumentos carregados de foles, verberava-os com o chicotinho,
e chamava-lhes canalhas. Em questoens com os visinhos por causa de regas ou
invasoens de gado, fazia ameaças sanguinarias. Carregava as espingardas do marido e
atirava aos melros [1 gaios] com pontaria infallivel. Quando soube que as senhoras do
Porto <andavam de>[↑ usavam] collete e gravata [22] <como os>[↑ á laia de] homens,
exultou, [↑ como qm
<avista a victoria da>[↑ vê triumphar a] sua idea,] e quiz vestir
calç<as>/o\ens e botas á Frederica.
O lavrador, ja no cairel do abysmo, <com> vendidas as melhores propriedades,
quiz reagir. Viu que tinha pela frente um homem de febras [1 virago de fibras].
Affroixou por medo e por amor. O pusillanime <forc> <soffria>[↑ vergava] ao prestigio
da força. Narciza offuscava-o com a rutilante bellesa do demonio, disfar ado na [↑
lendaria] <d>/D\ama <p>/P\é-de-cabra, e n’outras damas que o leitor conhece com pes
chinezes.
15
Dobados dez annos de vertiginosa dissipação, o lavrador resvalou do idiotismo á
sepultura, amando ainda a mulher que vendêra um lençol para lhe comprar a ultima
galinha. E Narciza, viuva aos vinte e oito annos, e ainda formosa, atirou com a honra
<ás fauces>[↑ ás goelas] do dragão da mizeria, <como> <a>/e\ <mu> não <teve uma>[↑
chorou uma] lagrima[.] <por elle>
Havia uma <mulher>[↑ amiga] que lhe disia palavras dolorosas, com <o>
sincero dó <de amiga>: era a irman do cego. <Pobre mulher!... estavas destinada a ser>
Pobre < na das> eves! <por amor d’ella, <havia de fa er predestina ão n’essa
mulher> te havia> quem te prediria <q fim o> supplicio dos teus derradeiros annos,
ligado ao destino da mulher que tu crearas com <fraternal> maternal ternura![1 !...]
VII
Entretanto, <Pinto Monteiro>[↑ o padrinho de Narciza] não escarmentava no
sestro de cazamenteiro; <nem cazos analogos>[↑ é certo [1 porém] q semelhantes [1
similhantes] cazos [1 assim funestos,] não] se repetiram nas suas operaçoens
matrimoniaes. Por esse tempo, ca ou <sua>[↑ elle a] filha com <pequeno>[↑ diminuto]
dote, e abriu a carreira do sacerdocio a um filho, que outras voca oens [↑ deps]
afastaram da igreja. <A crença religiosa do cego de Landim> Os seus <haveres>
<haveres> <haveres> teres, <soffrido † e desfalques> com judiciosa economia,
<eram>[↑ seriam] bastantes á decencia aldean; porém, <a sua indole> privar-se da 2farta
1meza e franca, <*era > era privar-se de amigos [23] que lhe festejassem as anedotas.
Pinto Monteiro, no dia em que <o>[↑ <lhe> falisse de] auditorio[,] <o
desamparasse><[↑ lhe faltasse]>, começaria a morrer <abafado pel> no <silencio> 2silencio
1abafador da cellula penitenciaria. <§ Amaro> [1 §] Empobrecia rapidamt
e;
mas dava a perceber que a philosophia de Job <era>[↑ é] a ultima moeda com que <o
homem>[↑ o homem decahido] compra a<m> resignação 1e
5par
5dessus
7le
8marché,
<disia elle,> 2a
3gloria
4eterna<.>[,] <Esta <idea> mysterio <m> é insufficiente para
conjecturar qual fosse a sua crença religiosa, nem eu> <Principiou a purificação
expiatoria de Pinto Monteiro,> - dizia elle <com um movimento ascendente de
palpebras bastante>
Amaro Fayal, confidente d<a>/o\s secret<a>/o\s <maguas>[↑ desfalques] do
<amo,>[↑ patrão] <† †> pensou em <d> retirar-se para o Brazil, visto que não tinha
secretaria que fiscalisar, nem desprendimtº tamanho que aceitasse outra vez o officio de
moço de cego.
É aqui o logar de repetir <*verd> litteralmente uma accusação que todos os
meus informadores[1 ,] <[↑ conforme]> [↑ sem discrepancia][1 ,]<fazem con> irrogam
a[o] <Ptº Monteiro >[↑ cego de Landim:]
Um lavrador d<e>/a\ <Bente>[↑ Lamella], <aldeia visinha de Landim,>
indusido por Ptº Monteiro, vendeu <os seus bens> as suas herdades por alguns contos
de reis, a fim de ir negociar no Brazil e centuplicar o seu dinheiro. Sahiu <o> <lavrado>
<cego de Landim>[↑ Montrº] <p> com destino ao Rio <de Janeiro>, levando em sua
companhia o lavrador. <Chega> Passados dias, apparece em Landim o cego, fingindo-
se doentissimos, e diz que o seu companheiro embarcara, e elle retorcedera forçado pela
modestia. Ora, do lavrador nunca mais houve noticia; <nem>[↑ mas][1 ,] no governo
16
civil de Lxª[1 ,] <nem na lista dos passagei> estava visado o passaporte de [Jose Pereira
de Lamella]15
, e o mmo
nome inscripto na lista dos passageiros. Isto não obstante, o cego
era accusado de haver matado em Lxª o lavrador, <por> não podendo roubal-o por
maneira mais suave; e a certeza <com> confirmou-se qdº parentes que o [Lamella]16
tinha no [24] Rio, perguntados a tal respeito, responderam que nunca viram tal homem,
nem, <constara> depois de <convidado>[↑ chamado] pela imprensa de todas as
procincias, apparecêra. Asseveravam, porém, que um nome semelhante [1 similhante]
se lia na lista dos passageiros <chegados ao>[↑ desembarcados no] Rio, no mmo
navio e
mez em que de Portugal se informava que elle partira.
Seria mais natural suppor que [Jose Perª]17 morrêra <logo q desembarcou;>[↑
obscuramte em alguma rossa;] mas á calumnia pareceu mais romantico <estabelecer qu>
decidir que o cego [↑ o] matára.
- Como presumem os senhores q o cego matasse o lavrador? – pergunt<o.>/ei\
- Não sabemos; o mais provavel é que o <alijasse>[↑ atirasse] ao <Te o>[↑ rio]
quando o bote ia para bordo da galera.
Esta era e é a opinião corrente. <O>[↑ Pelos modos, o] cego, em pleno <ar>[↑
sol] do Tejo, na prezença dos barqueiros, <atirou>[↑ <afogou> alijou] o passagrº ao
<mar>[↑ rio], e <voltou>[↑ fe remar] para terra [↑ o bote] com <as>/a\ bagagem do
<Porto> morto; depois, saltou no <c>/C\aes das <c>/C\olumnas com a mala [↑ do
dinheiro debaixo do braço, e ás apalpadellas la se]<1 ,> <e> foi<-se> pacificamte
caminho de Landim. <Os barqueiros e as numerosas>
Corre parelhas em maldade e estupidez esta aleivosia<.>/,\ <Mas o que é cer> é
certo; mas o lavrador, <não vira o Brazil, não> de feito, fôra assassinado em Lisboa.
gora, <a> posto q tardia, [↑ ahi vem] a rehabilita ão de ntº Jose Pinto
Monteiro<,>.
Quem indusira o lavrador de Lamella a vender as terras foi Amaro Fayal,
<convidando-o a ser seu socio em> offerecendo-lhe sociede em negocio q rendia 00 .
<F>/O\ [Perª da Lamella]18
era <p> calaceiro. O trabalho agricola pezava-lhe; <e> [↑ as
suas] terras, <q valiam>[↑ avaliadas] [1 em] cinco contos, rendiam escassamente o
passadio <rustico> grosseiro do lavrador minhoto. Calculou, firmado na prova
mathematica das cifras de Amaro, que, ao fim de cinco annos, devia ter cinco contos
dez vezes multiplicados. É claro: 200% – 5 vezes 10 – 50 contos. Vendeu as terras e
partiu com o ex[25]-secretario do cego<,>/.\ <anti> Pinto Monteiro, sinceramte
affeiçoado ao seu confidente de vinte annos de varia fortuna, acompanhou-o até
<Lisboa> ao Porto, e d’ali voltou pª Landim algum tanto infermo [1 enfermo], e ás
pessoas que lhe perguntavam pelo Perª19
da Lamella respondia naturalmte que tinha
embarcado. Dava-lhe, porém, que pensar [1 scismar] não ver [1 estar] o nome de Amaro
Fayal entre a [1 na] lista dos passageiros.
O leitor já <adivinh> descobriu que o <assassino> <matador>[↓ assassino] do
lavrador foi <a>/A\maro; que o passaporte do morto serviu pª o matador; mas ignora
<co> os pormenores do crime, e eu tambem os não sei.
<Volvidos>[↑ Passados] annos, <o cego,> <por motivos q logo direi,> <foi>
<soube que um>[↑ um] correspondente de ga eta escrevera o essencial da calumnia q
15
O nome desta personagem está escrito com letras mais larga do que o restante texto,
parecendo ter sido inserido posteriormente em espaço deixado em branco para o efeito. 16
Idem. 17
Idem. 18
Idem. 19
Idem.
17
<lhe> <ap> assacava o homicidio [↑ ao cego.]. <Um>[↑ O] delegado de Villa Nova de
Famalicão, Soares de Azevedo, <por cujo> e advogado de Pinto Montrº em diversas
demandas, aconselhou-o que justificasse a sua innocencia <em tal> neste crime que lhe
imputavam, por que <o> deix<ál>/ar\-<a> [↑ a calumnia] á revelia [1 deixal-o á
calumnia e á revelia] era arruinar-se a perder todos os seus pleitos. <Pinto Monteiro>[↑
O cego], com a lucida intuição de quem tinha longa pratica d<a>/e\ <manha> crimes
tenebrosos, explicou a morte do lavrador, comprovando-a pelas cirvumstancias do
passaporte, pela omissão do nome do homicida na lista dos desembarcados no Rio, e
pela certeza que lhe deram de Amaro Fayal ter morrido 6no
7hospital <1
8dos
9portuguezes>,
1poucos
2dias
3depois
4que
5chegara, com o <espolio> roubo <do a>
ainda intacto, segundo vira na noticia dos espolios dos fallecidos. Replicou-lhe o
delegado que semelhante ustifica ão era insufficiente o cego redarguiu q não tinha
outra, nem essa mma
daria[1 ,] se maro [↑ Fayal] fosse vivo, por que <lhe devia vinte
annos de serviços honrados, e o despedira mal remunerado.> no seu <a>braço se
amparara vinte annos, vinte annos <vira>[↑ vira] pelos olhos d’elle, e <sem o seu
esteiro houvera> mal remunerado o des[26]pedira, sem que o seu guarda-livros
murmurasse da mesquinhez da paga.
VIII
Em 1858 o cego <estava no declive>[↑ , escasso de posses, escorregava na
ladeira] da pobreza. Havia vendido ou hypothecado as terras. Perdêra demandas
valiosas: parece que em quase [1 quasi] todas influiu a sua má nota <em>[↑ a] desculpar
<d> a injustiça. Duas quintas lhe foram extorquidas com tão estranho desaforo que
<seria>[↑ é] mister aceitar-se intervenção de jurisprudencia divina pr q o homem as
perdesse, pois é de crer que as adquirisse com dinheiro deshonrado. Disia elle que viera
encontrar em Portugal especies de ladrões <indignos>[↑ fleumaticos e frios], que não
topara nos climas quentes; e que o larapio luso-brazileiro era francamente analphabeto e
lerdo, ao passo que o ladrão[1 ,] extreme e puramte luso[1 ,] era, p
r via de regra, alem
de <scelerado>[↑ perverso], bacharel formado. lludia a dois adversarios urisconsultos
q eu escondo á curioside do leitor[1 ,] por q me sustém o pulso um quase [1 quasi]
religioso respeito á memoria honesta de Paiva e Pona, e tambm
de Pêgas.
Com as ultimas moedas, abriu Pinto Monteiro um botiquim em Famalicão, faz
hoje desesete annos. A villa[1 ,] <medrava então co> n’esse tempo, estava na apo adura
das suas prosperidades. Choviam [↑ ali] bra ileiros <como>[↑ q nem] maná[.] <p> [↑ na
Arabia.] [1 nos areaes da Mesopotâmia.] Dos paues alagadiços irrompiam cazas de
azulejos variegados[.] <coroadas de brazoens> <Famalicão>[↑ Vª ova] era o centro da
locomoção [↑ do Minho], da mercancia agricola, da villegiatura dos portuenses; mas
não tinha o “café” – a prova real da civilisação.
Pinto Monteiro contava com as leis do progresso; [27] mas [1 porém,]
<Famalicão>[↑ Vª ova] que ho e [↑ , na extrema decadencia,] tem tre “cafés” com
dois limoens sorvados e trez garradas de licor de canella, <n’aque> <nos>[↑ em] tempos
<de fortuna> florentissimos não sustentou o botiquim do cego em que havia [↑ cognac,
<†,>] coraçao <e absyntho>[↑ <†> chartreuse[1 , kermann] e absyntho.]. É por que, ha
desesete annos, o progresso material desconhecia a precisão <dessas paragens>[↑ dos
“cafés” – [1 ,] paragens] <de ociosos,>[↑ d’uns occiosos q <ahi> se putrificam,] <e
*indicativas d> raça <amollecida>[↑ amollentada] n<as>/o\ sybaritismo d<o>/a\ <capilé
morno>[↑ cerve a <de pipa>[↑ de Baviera [1 de quartola],]] com grandes
<devassidoens>[↑ deboches, como elles dizem, [1 orgias]] de cigarro [1 cigarros] de
Xabregas.
18
O cego apenas vendia algum capilé aos <reitores>[↑ vigarios] encatarroados e
orchatas aos <brazileiros> adiposos. A ruina ia consummar-se [↑ e o botiquim fechar-
se], quando <*a>/c\hegou á villa, e se hospedou no hotel, um bra ileiro [↑ doente],
vindo do <r>/R\io com sua esposa. <§ Chamava-se o brazileiro> Pinto Monteiro
conhecia de nome o snr20
<e sua senhora> [1 o enfermo.]
Visitou-o e acompanhou-o n<a>/o\s <triste as>[↑ desalentos] da cachexia,
animando-o ou distrahindo-o com a sua variada e jovial conversação. F21
[1 Alvino
Azevedo] afeiçoou-se-lhe a ponto de, chegado ao termo dos soffrimentos, lhe confiar
sua mulher, pedindo-lhe que a protegesse e guiasse na administração dos seus haveres.
A esposa do infermo estava um pouco afastada [1 distante] da idade em que as viuvas
correm perigo, se as não vigiam: tinha setenta annos feitos, e < a>[↑ a] não conservava
<toda>[↑ toda] a frescura das suas de oito primaveras [↑ nem os dentes todos [1
completos].] Os dons do espirito não eram transcendentes, nem <obrigariam> talvez
bastantes para sedusirem <um segundo>[↑ outro] marido D. <Maria>[↑ Tecla] era
idiota.
O cachetico expirou nos braços do cego, despedindo-se da esposa com uma
olhadela cheia de saudes
, e talvez de esperanças no paraiso de Mafoma, em que as
mulheres velhas remoçam. Ella <atirou-se a chorar aos braços> chorou copiosamte, e
declarou q <era> aquelle morto [↑ era] o terceiro [28] marido que lhe fugia para o ceo.
Elles tinham tido razão em fugir<.> todos<,>[.] <fosse pª onde fosse.>
D. Tecla<, *como foi> passou para caza do cego, <sem> com todo o resguardo
de seu pudor [1 sua pudicicia], acompanhada pela <irman>[↑ mana] eves.
Passados os trez dias de nôjo, perguntou-lhe Pinto Monteiro se queria voltar ao
Brasil, sua patria, ou ficar em Portugal, recebendo os rendimtos
dos seus predios no Rio.
A viuva respondeu que a sua posição era mto melindrosa; que uma senhora não podia ir
<sosin> sosinha para tão longe; que o mundo estava cheio de homens mal criados que
mediam tudo pela mma ra a que não queria su eitar-se a algum desaguisado por essas
terras de Christo q <1 ,> em fim, não ia para o Brazil sem ter famª mtº honesta com qm
fosse.
- Mas então, mª senhora, [1 ;] [↑ - redarguiu o cego –] quer, entretanto [↑ q não
vai,] viver sosinha em Vª Nova, ou dá-nos o prazer da sua companhia? Seu defuncto
esposo encarregou-me de a derigir; eu, porém, <não delibero a> o q farei é conformar-
me com a vontade da <Snrª>[↑ senhora], que a tem bastante [1 suficiente] idade pª
saber o que lhe convem.
- Não sei nada do mundo – accudiu Tecla – Estou mtº verde. <Tenho ate medo>
O snr [1 senhor] é que hade guiar-me...
- Deus lhe dê melhor guia do que um cego, mª senhora[1 ;]... mas ahi tem a mª
mana que lhe será companheira e irman.
No dia seguinte, Monteiro fechou o <“café”>[↑ botiquim] com um sorriso
sarcastico, e o ar solemne [↑ e vingativo] de quem fechava a porta que <elle abrira>[↑
franqueara] á civilisação de Villa Nova. Elle disse [1 vociferou] que os habitantes de
Famalicão eram indignos do <botiquim>[↑ “Café”], <afirmando> deu volta á chave, e
foi caminho de Landim com a hospeda e a irman.
[29]
20
Hipótese: espaço deixado para preencher com o nome da nova personagem? 21
Espaço deixado em branco para ser posteriormente preenchido com o nome da personagem.
19
IX
s [↑ dois] predios que D. Tecla [1 a viuva] possuia na rua da Quitanda valiam
quarenta contos de reis fracos; as suas joias, dádivas de trez maridos, eram muitas e nem
todas de <pedras>[↑ pedras] falsas. idade da viuva animava um quarto marido<.> ,\
[↑ na hypothese de caber a esse quarto a vez de a ver fugir pª o ceo a ella.] certo é q
andavam ja <trez>[↑ dois] <satelites a volta d’aquelle> empregados da fazenda e outros
<tre >[↑ tantos] da administração a espiarem o ensejo de <a raptarem><[↑ a †]>[↑
<a>/lhe\ seduzirem a inexperiencia,], quando a viram ir impertigada n’umas andilhas,
<rojando <os> crepes de Artemisa menos inconsolavel>, caminho de Landim, a chotar,
e a rir-se dos solavancos do macho.
Os pretendentes pegaram de gritar contra o cego, assacando-lhe o rapto e a
coacção da viuva. O juiz de direito viu-se obrigado a deferir ao requerimtº [↑ de um
curioso] que pedia uma visita domici<a>liaria ao carcere privado de D. Tecla [1 D.
Joana Tecla Alves]. Effectivamente a hospede de Pinto Monteiro foi interrogada[1 ,] em
prezença de testemunhas[1 ,] se estava n’aquella caza por sua livre contade, <sem
coac ão nem seduc ão>[↑ não coagida nem sedu ida].
Respondeu que estava mtº contente, e que podia estar onde quizesse.
O juiz concordou<,>/.\ <e deixou-a.>
Algumas cartas amorosas em papel perfumado lhe <enviar<am>/a\ os>[↑
enviou] [↑ <o> o\ mais galan dos] funcionarios d<a>/e\ Famalicão[.] <<ja> pelo
correio.> <ja por medianeiras superiores as do> [1 Joana] Tecla relia as cartas com
secretas delicias; mas, no exterior, fingia-se de uma i emp ão q faria envergonhar
Arthemisa, viuva de Mausólo<, e Penelope> e as <outras>[↑ combustiveis] viuvas do
Malabar. Perguntava á sua amiga Neves qm
era<m> <os>/o\ tol<os>/o\ q lhe
escrevia<m>; e, rindo com a garridice arisca dos deseseis annos, <p> disia que seria
grande pagode mangar com elle<s>, respondendo-lhe<s> ás cartas. [§] A mana do cego
segredava ao irmão:
- lha q a velha é tola, mano Antº; tracta [30] de cortar os voadouros á cegonha;
se não, hasde vêl-a voar aos braços do quarto marido.
- O quarto marido heide ser eu! – disse o cego com uma visagem de martyr
voluntario – Heide ser eu o quarto marido – repetiu elle, <bebendo>[↑ tragando] um
copo de rhum para ganhar alma – por que a ter de entrar n’esta ca a o espectro da
miseria, é melhor q entre [1 Joana] Tecla. Não me lembra como se chamava um cego
que dava <a> graças a Deus por q não podia ver um certo tyranno eu tambem as dou,
por que não posso ver a mª noiva . – E enchia o copo esvasiado, <*com> mas<cando>[↑
cava] o charuto, <com a[s]>[↑ e fasia com as duas] perna[s] <direita> [↑ figuras]
<em><[↑ formando]><[↓ um]> triangul<o>[ares] <com a esquerda –> [1 e fazia com as
duas pernas um curso de geometria] – sacrifico-me a ti e a meus filhos. Vou ser o bode
expiatorio das <nossas>[↑ mas
e vossas] prodigalidades; mas levo a certe a de q ella
<me não> ao menos me será esposa fiel, [1 –] <como raras.>[↑ o q é raro antes dos
setenta [1 annos].] O seu terceiro defuncto disse-me que <ella> Tecla era uma <pobre
<rapariga>[↑ mulher]>[↑ pa d’alma], bruta [↑ sim], <†lhada> mas boa. Em fim, mana,
sonda-m’a vê se lhe achas vontade de ca ar quarta ve .
- Tomára ella! – accudiu a irman – Está sempre a di er “Isto de mullher sem
homem é como peixe fora de agua.” <E><p>/P\õe papelotes todas as noites, e faz <os>
cacaróes [1 caracoes] quando se ergue. Que quer isto dizer? Queres que eu lhe toque no
cazamtº comtigo?
20
<- Por em qtº não. Heide fazer –lhe a côrte primeiro. Cazamento sem amor> <-
Não.> - Toca; que eu começo hoje a fazer-lhe a côrte.
Na tarde desse dia, passeava Monteiro, debaixo da parreira do seu quintal, pelo
braço da viuva. As calhandras e os pintasilgos trilavam suavidades [1 os seus requebros]
ás margens do reio Pele. [↑ s rans coaxavam nas pô as.] s auras [1 poças, e as auras]
ciciavam na [31] ramaria dos álamos. Era uma tarde de tirar amores do <centro>[↑ ôlho]
de um[a] <repôlho> couve lombarda.
Passeavam <[↑ †]> silenciosos, quando ao longe, no pinhal do mosteiro, cantou
um cuco.
- Olhe o <cuco>[↑ cuquinho] a cantar! – disse ella com meiguice [<1 –>] <da
<Lili>[↑ Carlota] de Goêthe pelas aves canoras>
<-> - Gosta22
de ouvir o cuco, <mª> senhora D. Tecla? – perguntou o cego.
- Eu gosto de toda a passarinhada – respondeu ella com <o></a\>/os\
<deleite><graça>[↑ requebros [1 as denguices] infantis] da Lili de Goêthe.
<-> - O cuco23
é passaro de máo agoiro – tornou elle – Eu, com medo de tal ave,
<nunca>[↑ não] qui ca ar.
Tecla riu-se <mtº>[↑ descompassadamte], provando que conhecia <os></o\>/a\
<segredos><symbolo> linguagem symbolica do cuco [1 da ave agoureira]. E o cego,
nesta entreaberta de galhofa, beliscou-lhe a polpa <não> do braço esquerdo.
- Ai! – exclamou ella – Isto que foi?!
- < lgum mosqu> ão se ria assim das <miserias>[↑ fraque as] do proximo, D.
Tecla [1 Joaninha]! – respondeu o cego, dando ao beliscão o ar innocente de um gracejo
familiar – Eu não quiz casar nunca por que o meu coração nunca sentiu ao perto nem ao
longe a mulher digna d’elle. Cheguei aos cincoenta e dois annos, pode-se dizer, sem
<lhe> ouvir <ao>[↑ a este] coração as palpitaçoens que estou agora ouvindo. É a
primeira vez... – e <apertava>[↑ estreitava]-lhe o bra o <contra o>[↑ ao] [1 contra o]
lado esquerdo com umas pressoens tremulas – é a primeira ve que amo por q é esta a
primeira vez que encontro a mulher, a esposa digna da mª ternura. Que me responde,
Tecla? não me responde, prenda adorada? [- instava elle sacudindo-lhe a mão com
transporte.] [§] A viuva inclinou a face para o seio, deixou-se apertar com [↑ o]
indolente <entrega>[↑ abandono] de suas faculdades <1 cogitativas e> sensitivas, [↑ ,
esteve impando como quem suspira a custo,] e <disse> murmurou:
- Devagar se vai ai longe, snr Montrº.
[32]
X
Aquillo foi depressa. O fervor reciproco dos noivos, e <a>/o\ <idea>[↑ preceito]
do poeta pagão que manda não adiar os prazeres, abreviaram quanto possivel a
<aproxima> identificação das duas almas. O reitor, que os recebeu, era <homem
sancto> um <homem> padre <mtº bom>[↑ bom e ovial] que até a estes noivos disse o
que disia a todos “Ca [1 Eu] espero o primeiro filho d’aqui a <dez>[↑ nove] me es.” A
noiva entreabriu á flor dos beiços um sorriso de <candura>[↑ <esquivo>[hypothetico]
pudor] [1 hypothetico sorriso de pudor]; o cego, porém, ferido na infecundidade da
esposa, disse[1 ,] carregando o semblante:
22
Este início de frase contorna lacuna de suporte. 23
Idem.
21
- <Este>[↑ este] acto, snr reitor, são improprias as chalaças. [§] O padre,
querendo emendar [↑ erudictamente] a inadvertencia, respondeu
- As sanctas escripturas <*rezam de exemplo> fallam de Sára...
- Eu não sou Abrahão – replicou o cego<.>/,\ <Vol> voltando-lhe as costas.
<Re>
<Refez-se o desfeito><Refl> Reverdeceram os contentamentos da <boa> meza
lauta [↑ e das intimas palestras ao fogão.] D. tecla Montrº confessava que nunca tão
felizes lhe derivaram os dias da existencia. < marido>[↑ cego]<, ameigado pela
esposa,> sentia-se [↑ docemte ameigado e] bem[1 ,] com o rosto no regaço da esposa.
<Conhecera ainda agora> Saboreava os sanctos aconchêgos da companheira canonica.
Recendia-lhe o ninho dos seus amores licitos um patriarchismo anterior ao <ca amtº>[↑
sacramtº do matrimoneo,], é verdade, mas puro como os conubios de Jacob e Lia, de
Ruth e Booz<;>/.\ <e>/E\lla não o <adorava>[↑ idolatrava] com o maior phrene i, mas
aquecia-lhe [↑ no inverno] os lençoes com botijas, <e *defrosas> <adormecia-o de o
acalentar com o laudamno das suas> e de manhan <saudava-o com>[↑ levava-lhe] uma
chavena de sagú que <elle>[↑ pessoalmte] cosinhava com todos os premores d’uma
vocação especial para o sagú.
Na venda das propriedades liquidára Montrº menos do seu valor; mas ainda
assim não desceu de vinte contos de reis o dote da esposa. Parte deste capital empregou-
o em uma [33] quinta no Alto-Douro, outra parte na <instaura ão>[↑ reincidencia] de
letigios [1 pleitos] que havia perdido, e o restante nas <larguesas>[↑ opulencias] da
<do> meza, e nas liberalidades com os renovados amigos. Do mmo
passo que a opinião
publica encarecia a velhacaria do cego, formara-se uma confederação de sujeitos que
lhe exploravam a <incorrigivel>[↑ perdularia] generosidade. Emprestava facilmente
dinheiro, e não negava esmola<.>/,\ <Aos mendigos nunca respondeu que não tinha
trocos>[↑ nem <respondia> se desculpava com a falta <de trocos>[↑ de cobres]].
“<Esta> Tal desculpa teria logar [1 seria boa,] – disia elle – se os <pobres>[↑ mendigos]
se offendessem com as pratas.” E tambem disia “ inguem dá esmolas mais ás
escondidas do que eu, por que nem ve o as pessoas a quem as dou!” Triste grace o
proferido pr um cego.
Pinto Monteiro[1 ,] que tanto refinára <nas>[↑ em] astucias, <se tal qualifica ão
pertence as><em> no ultimo quartel da vida[1 ,] deixava-se enganar por qualquer
velhaco montezinho. A quinta do Alto Douro, comprada por seis contos de reis, foi uma
venda fraudulenta: a propriede estava hypothecada á fazenda nacional, e o vendedor<,
recebido o>[↑ , apresentando titulos falsos recebeu o] <dinheiro no Porto>[↑ o dnrº no
Porto]<,>/e\ fugiu. <Ptº Montrº> <O cego> <aggravou a dor> Os convivas do cego
re ubilavam a cada <insulto>[↑ arremesso] novo que a <desgra a>[↑ desfortuna] lhe
dava para a pobreza<.>/,\ [e] <As>/as\ pessoas contemplativas observavam ás
incredulas q o enorme delinquente estava soffrendo <a> retalia ão providencial [1
retaliações providenciaes]. de crer q sim. [§] Lance admiravel! Pinto Monteiro
mantinha <1 a> serenidade <de Socrates>[↑ socratica [e imperterrita]] <em>[↑ a] cada
<punhalada>[↑ lan ada] que lhe <batia> resvalava no broquel [1 na rodella] da
philosophia. Se a irman ou a esposa choravam, e elle dava tento d’isso, disia-lhes “
uma vergonha chorar <*sem d>qdº a vida é tão curta! As dores são um sonho máo de
[36]24 [↑ q ] se acorda na sepultura[1 .]”
Ao sentir desfibrar-se-lhe a corda rija [1 tenaz] da paciencia; [1 ,] digna de um
christão, emborcava garrafas de genebra, e fumava sempre ate cahir marasmado pelo
24
A numeração dos fólios salta de 33 para 36, mas o texto continua sem falhas.
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alcool e pela nicotina; mas, se antes da porstração, se exaltava em desvarios de ebrio, as
phrazes refloreciam os raptos de eloquencia que aos vinte e cinco annos o arrebatavam
nos clubs fluminenses. Nestas occasioens, projectava ir ao parlamento, e ensaiava
discursos tão bonitos que pareciam ser decorados no “Diario das Camaras” Ás ve es
pedia á mulher e á irman que lhe fi essem “ápartes” para <lhe acirrarem *e *at> o
picarem. A boa de D. tecla dava-lhe para se rir, ou pedia-lhe amorosamte que se deitasse
– pedido que a gente não pode fazer a todos os oradores parlamentares.
Nestas intermittencias[1 ,] quase [1 quasi] sempre risonhas[1 ,] se passavam os
dias e boa parte das noites n’aquella murmurosa ca a de Landim. D. Tecla desmentira
os <prognosticos>[↑ vaticinios] q a deploravam[1 ,] esbulhada do dote e abandonada á
<commisera ão>[↑ piedade] do <a>/A\zilo das velhas do Camarão. Não teve uma hora
de triste a esta senhora nem se quer <uma>[↑ ligeira] borrasca de ciume[1 ,] em sete
annos de cazada<.>/,\ <Por sua parte> lhe nublou as suas alegrias de esposa leal. Ás
setenta e seis primaveras seguiu-se um inverno rigoroso <que a mortifi> de catarraes e
gota, com perturbaçoens no apparêlho digestivo[1 , tympanites e colicas flatulentas]. A
morte <colheu-a>[↑ arrebatou-a]<1 ,> em desembro de 1861<1 ,> dos braços do
marido, que, pela primeira vez na sua vida, chorou.
[37]
XI
Sete annos de glacial solidão giaram sobre a alma de Pinto Montrº. As portas da
sua caza raro se abriam. Concordemente se disse que o cego estava pobre pela terceira
vez. Era verdade: estava pobre, vendia o restante das joias da mulher.
Ás ve es entrava n’aquella ca a a Narcisa do Bravo, sentava-se á meza ainda
abundante do padrinho, e matava a fome. A irman do cego debulhava-se em pranto a
confrontar aquella desgraçada de rosto empolado com esfoliaçoens rubras á formosa
noiva de Custodio da Carvalha, á gentil amazona por amor de quem alguem fidalgos de
Guimaraens tercaram as suas bengalinhas [1 badines] de caoutchoue na romaria do S.
Torquato.
<A todas as infamias que lhe andavam> <Narcisa><, s>/S\obre todas as famas
<que> repellentes, <conquistara>[↑ ganhara] [↑ Narcisa][1 ,] com legitimo direito a de
ladra, e ladra á mão armada. Os mais queixosos eram os que lhe colheram as <derrad>
flores ja outoniças da bellesa, e a regeitaram com a brutalidade do tedio. <Narciza, que
lhes conhecia as> <A> Narciza <surgia>[↑ sahia]-lhes de <frente>[↑ rosto] nas
<revoltas>[↑ concavidades] dos quinchosos <escuros>[↑ escuros] [1 das congostas
escuras], e abocava-lhes á cara uma pistola de dois dois canos; e elles, com um fingido
sorriso de <des> piedade despresadora, <deixav> atiravam-lhe a forçada esmola. Outras
vezees, escalava as janellas das alcôvas conhecidas, e [38] entroixava os bragaes como
se <arrelas> inventariasse o espolio de um esposo fal<ec>/lec\ido. <Havia> E temiam-
na <como a dous homens> como a um scelerado disposto a vender cara a vida<.>/,\
< arci a>[↑ pr q ella] deixava <ver>[↑ entrever] a coronha da pistola entre os
23
atacadores do collete escarlate, e se sofraldava as saias, <ao passar>[↑ qdº saltava] [↑as
poldras] [d]os ribeiros, <deixava ver>[↑ mostrava] a faca de ponta [↑ atravessada]
<esp><cingida pela l> na liga. s regedores das fregue ias q ella frequentava tinham
ordem de a <prender>[↑ capturarem] mas o mêdo, <ou a compaixão desarmaram os>
predicado pacifico <dos>/destes\ <regedores da aldeia,>[↑ magistrados,] era <o>
<seguro passaporte para> a ressalva de Narciza.
O cego de Landim não ignorava a desastrosa sahida de sua afilhada; conselhos,
n’aquella extremidade, eram perdidos; censuras, <fazia> a si proprio as fasia o cego por
que <iniciara><[↑ inceptara]>[↓ encetara] a perdi ão d’aquella mô a, tirando-a da
cabana [1 arribana] de seu pai, <e creando-a>[↑ para a crear] nas regalias da
abundancia, sem vislumbres de religião, <sem> em plena liberdade de <a> se viciar
com as <exorbitancias que> <gaiatices>[↑ travessuras <de> e gaiatices] q <lhe> lhe
festejavam. Narcisa era <u> talvez uma das rodas [1 polés] que turturaram o cego nas
impenetraveis agonias dos [↑ seus] ultimos seis annos.
Contava um <mocinho que servia>[↑ rapasinho, creado de] Pinto Monteiro, que
ouvira, uma ve , sua ama di er a arci a que ia mandar vender dois cobertores por q
não havia dinheiro em caza; e que Narciza lhe dissera que não vendesse os cobertores[1
, ] que [1 por que] ella ia vender a sua pistola por meia moeda. Não tenho outro lance
generoso q possa referir [39] de Narcisa do Bravo.
Quando este caso passou, <estava>[↑ entrava] ntº Jose Pinto Monteiro nos
paroxismos da <vida>[↑ morte]. < o 1º de desembro> <Por fins> [↑ 8] de
novembro de 1868, <[↑ , depois]> pelas dez horas da manhan, disse é irman que lhe
acendesse um cigarro, e abrisse as anellas q sentia grande <oppressão>[↑ calor e ancia].
Sentou-se no leito, e <res>/ins\pirou consoladoramente a columna de ar frigidissimo
que lhe bateu no rosto, ao abrir da janella[.] <como se><, chamando outra vez a irman,>
Pediu uma chavena de café; e, em quanto <se aquecia a agua,>[↑ a irman o fazia,]
Narcisa veio para a beira do padrinho.
- Quem é? – perguntou o cego.
- Sou eu, padrinho. Está melhor?
- Vou estar melhor, <rapariga>[↑ filha]. Isto vai acabar. Quando eu morrer, fa
[1 faze] companhia á mª pobre irman...
Narciza chorava, <collando> beijando a mão do cego, que se <confrangia>[↑
estorcia] nas dores da cystite. Ao cahir da noute [1 noite], <o>/a\ <cego entrou>
prostração, a febre, os soluços, e o frio das extremides
diagnosticavam a gangrena. No 1º
de desembro, <a> o cego de Landim expirou reclinado <para> [a]o ceio de Narciza[1 ,]
q se sentara no leito para o amparar nos derradeiros arrancos. <Elle tinha tre filhos>
As suas ultimas palavras[1 ,] [↑ no delirio q precedeu a morte,] <p><são o>
encerram toda a moralidade desta biographia:
<- Tenho trez filhos... <e nem uma unica lagrima.> não ha um que me te>
- Eu tinha trez filhos que creei com tanto amor... [1 Que é d’elles?...]
[↑ E mais nada.]
Os trez filhos do Cego de Landim <envergonha<r>/v\am-se>[↑ affrontar-se-
hiam] <do>[↑ com o] nome de seu pai? Para ter um peito amigo q o amparasse na
agonia, foi mister que a sociedade remessasse para dentro [40] da alcôva do
m/o\ribundo uma mulher perdida. Mas, la ao longe, [↑ no Bra il,] houve lagrimas
saudosas[1 ,] no cora ão de uma filha. Pois <onde>[↑ qdº] é que Deus consentiu que
uma <filha><mulher>[↑ filha] <deixass><tivesse as entranhas> as não chorasse<?>/.\..
n’um epitaphio?
24
Conclusão
No cemyterio de Landim está uma sepultura com este epitaphio [1 letreiro]:25
[Aqui jaz
Antº Jose Pinto Monteiro
nasceu
a 11 de dezembro de 1808
falleceu
a 1 de de dezembro de 1868]26
[40v] [Tributo de gratidão
de eterna saudade
que lhe dedica sua
enconsolavel [1 inconsolável] filha
Guilhermina<1 .>]
[40] <D.> nna das eves <concebera>[↑ ideara] uma <esperança> perspectiva
de felicidades: <que> viver os restantes annos em recatada pobreza, morrer mais
desamparada que o irmão, e ser levada como quem <levanta>[↑ remove] um entulho ali
para aquella sepultura onde se pulverisavam os ossos execrados do cego.
Estas felicidades não as gosa quem quer.
Um dia, a justiça, perseguindo Narciza pelo roubo de uma coberta de fêlpo,
soube que a Neves a mandára vender. A ordem de captura involveu-a como receptadora
de roubos. Invadiram-lhe judicialmte a caza, e encontraram, para maior prova d<e>/o\
<flagantre delicto> crime, um cesto [1 açafate] de maçans camoezas, dous [1 dois]
calondros, e algumas batatas que Narciza recolhera[1 ,] de colheita aliás suspeitosa[1 ,]
nas lojas da caza da sua protectora. A irman do cego foi <presa> capturada, e, sem
fiança, encarcerada na lobrega enchovia de Famalicão. Dias depois, davam-lhe a
companhia de Narciza[1 ,] que se <dera>[↑ entregára] á prisão, arro ando a pistola, <aos
pes da> qdº lhe disseram que a Neves estava preza. <A lei> O juiz misericordioso
condemnou-as a <dous annos>[↑ um anno] [1 oito mezes] de prisão, dado que os
jurados as sobrecarregassem de crimes benemeritos de degredo perpetuo.
Cumprida a sentença, D. Anna das neves Miquelina [41] Monteiro vendeu a casa
que o irmão comprára em nome d’ella. Com o producto dessa venda transferiu-se, em
18 , ao Bra il, e levou consigo arcisa do Bravo. Parece q não tinha outros amores
n’este mundo, e dese a [1 desejava] [↑ expirar], como seu irmão, <expirar> nos bra os
d’ella.
E visto q não estamos dispostos a dexal-a morrer nos nossos braços, ó leitor,
parece-me caridosa coisa que a não fulminemos com a nossa honrada indignação [1
25
Em baixo, nota para o tipógrafo suprimida, pois o epitáfio foi adicionado ainda no
manuscrito: (Este espaço é prehenchido na prova) 26
Tudo em maiúsculas na 1.ª ed., sem itálico. Nota para o tipógrafo: (Veja no verso)
25
raiva][.] <porque ella se não desprende da sua companheira> Sou de opinião que
sejamos <severos e inexoraveis>[↑ inexoravelmte siveros] com os desgra ados [↑ e com
as desgra adas,] quando elles [↑ e ellas] repelliram a felicide que nós lhes offerecemos
[1 oferecermos].
<1 Fim>
S. Miguel de Seide [1 – <§>]
3 de julho [1 Julho] de 1876.