A Vítima No Processo Penal Impressões Sobre o Fracasso Da Lei

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  • A VTIMA NO PROCESSO PENAL: IMPRESSES SOBRE O FRACASSO DA LEI9.099/95

    Revista Brasileira de Cincias Criminais | vol. 47 | p. 233 | Mar / 2004Doutrinas Essenciais Processo Penal | vol. 4 | p. 693 | Jun / 2012

    DTR\2004\836

    Alexandre WunderlichAdvogado Criminal. Conselheiro e Diretor da Escola Superior de Advocacia (OAB-RS). Ex-Presidentedo Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais (Itec). Professor do PPG em Cincias Criminas eCoordenador do Curso de Direito Penal Empresarial da Pontifcia Universidade Catlica do RioGrande do Sul.

    rea do Direito: PenalSumrio:

    - 1.Introduo: por que escrever sobre o tema? - 2.Algumas premissas: consideraes sobre conflito,vtima e processo - 3.A Lei 9.099/1995 e a revitalizao da participao da vtima na resoluo doconflito: idolatria do novo - 4.Da euforia praxis: de novembro de 1995 a outubro de 2003 - 5.Poruma resistncia garantista - Bibliografia

    Resumo: O presente texto trata do exame emprico e cientfico da Lei 9.099 de 1995 (com suasalteraes originrias da Lei 10.259 de 2001) e sua aplicao no mbito dos Juizados EspeciaisCriminais. A investigao foi realizada durante os trabalhos da Comisso Especial para Avaliaodos Juizados Especiais Criminais do Ministrio da Justia (2002).Palavras-chave: Lei 9.099 de 1995; vtima; justia penal consensual; processo penal constitucional;teoria do garantismo penal.1. Introduo: por que escrever sobre o tema?

    A redao de um texto exige motivao. Sobram razes para escrever sobre a justia consensual e aparticipao da vtima no processo penal. Duas, especialmente, inspiram-me a redigir este ensaio.

    Primeiro, redigir o presente texto um dever. Devo estas impresses sobre a justia consensual aoex-Ministro da Justia Miguel Reale Jr., a quem sou grato, especialmente pela formulao do convitepara integrar a Comisso Especial para Avaliao dos Juizados Especiais Criminais do Ministrio daJustia. A comisso 1presidida por Ren Ariel Dotti teve como meta a apresentao de umdiagnstico, de propostas legislativas e de aes governamentais no que se circunscreve aosJuizados Especiais Criminais [e Lei 9.099/1995 com suas alteraes originrias da Lei10.259/2001]. A partir da digna sada do Min. Reale Jr. do Governo Fernando Henrique Cardoso, otrabalho da comisso foi interrompido, pois em apoio incondicional ao ento titular da pasta, todos osmembros renunciaram. Assim, escrevo primeiramente ao ex-Ministro Reale Jr. e, ainda, aos meuscolegas de comisso, as minhas concluses e sugestes a partir daquela frutfera atividadedesenvolvida.

    Segundo, escrevo para retomar o dilogo acadmico sobre a justia penal consensual que tiveoportunidade de iniciar, principalmente com Salo de Carvalho, no PPG em Cincias Criminais daPUC-RS e, ainda, junto ao Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais (Itec), e que originou o livroDilogos sobre a justia dialogal: teses e antteses sobre os processos de informalizao eprivatizao da justia penal. 2Retornar quele texto para revigor-lo e, agora, lev-lo aosinterlocutores do 9. Congresso Internacional do Instituto Brasileiro de Cincias Criminais faz partedo processo de crtica do direito e outro dever que tenho. Seja pela necessidade de reiterar oposicionamento externado na obra, seja para dialogar com aqueles que defendem e/ou qui fundamo que denomino de movimento poltico de idolatria da Lei 9.099/1995.2. Algumas premissas: consideraes sobre conflito, vtima e processo

    Penso ser importante iniciar relembrando os significados das expresses conflito, vtima e processo.

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  • Conforme Bobbio, Matteucci e Pasquino "existe um acordo sobre o de que o conflito uma forma deinterao entre indivduos, grupos, organizaes e coletividades que implica choques para o acessoe a distribuio de recursos escassos". "Obviamente o conflito apenas uma das possveis formasde interao entre os indivduos, grupos, organizaes e coletividades." Os autores, em comentrioao verbete "conflito", salientam fundamentalmente outra possibilidade de interao entre indivduos,a "cooperao". Explicam que "qualquer grupo social, qualquer sociedade histrica pode ser definidaem qualquer momento de acordo com as formas de conflito e de cooperao entre os diversosatores que nela surgem". 3

    Lgico que a expresso suscita uma infinidade de concepes sobre o que seja (realmente) umconflito e como ele se manifesta enquanto fenmeno social. Contudo, diante da dicotomia - conflito ecooperativismo -, pode-se perceber na sociedade atual que o momento realmente indicativo deconflito, uma vez que no paradigma de cariz neoliberal, individualista e de consumo 4no h espaopara a cooperao. Exsurgem, cada vez com maior freqncia, novas espcies de conflitos a partirdestas disfunes sociais ocasionadas sobremaneira pela disputa que se instala rumo ao acesso e distribuio de "recursos escassos". A desarmonia e as desigualdades sociais desagregam asestruturas sociais, reinando o conflito. A situao conflituosa, ento, por mais que isso tragamal-estar, sempre existir, eis que inerente condio humana. Nesse ponto, concordo comZaffaroni, Batista, Alagia e Slokar ao perceberem que "no h sociedade na qual todos os conflitostenham soluo, nem se pode afirmar seja indispensvel produzir uma soluo por via institucionalem todos os casos, especialmente se for previsvel que a interveno possa reproduzi-los ouagravar-lhes as conseqncias. possvel, por outro lado, haver conflitos que no tenhamcomposio vivel ou culturalmente aceitvel e que, no obstante, requeiram resposta formal". 5

    Importa, ento, estabelecer o conceito de conflito social, o conflito entre indivduos que compem asociedade. Como cedio, no mbito das cincias criminais alguns conflitos so selecionados,sendo tratados como desvio de conduta. Alguns conflitos, ento, passam a figurar como infraopenal - delitos/crimes e contravenes. V-se, ento, que, como interlocutores da discusso sobre afuno do direito penal, temos o desafio de, com ateno s cincias correlatas, tentar minimizar osconflitos interindividuais praticados pelos atores desviantes.

    Nessa perspectiva, surge a necessria reivindicao da transdisciplinaridade para sua resoluo.Esta reivindicao aparece num momento de conscincia da crise dos paradigmas que produzem oconhecimento cientfico e da necessidade de sua superao, preenchendo a lacuna apresentada pormeio da flexibilizao e do intercmbio entre os pesquisadores e os saberes por eles produzidos.Nasce uma transdisciplinaridade que complementar aproximao disciplinar: "faz emergir daconfrontao das disciplinas dados novos que as articulam entre si; oferecendo-nos uma nova visoda natureza e da realidade. A transdisciplinaridade no procura o domnio sobre as vrias disciplinas,mas a abertura de todas elas quilo que as atravessa e as ultrapassa". 6

    O Estado depende de instrumentos de minimizao, surgindo a necessidade da existncia de umaconcreta poltica criminal com potencial prtico-terico capaz de estabelecer critrios deracionalizao para aqueles atores desviantes que no tiveram a oportunidade de receber oprocesso de socializao. Quando os instrumentos informais de solues dos conflitos falham, surgeo Estado punitivo - com seu poder-dever -, como ltimo recurso de controle social. 7

    Nesse contexto, em que pese a relevncia da crtica que delimita emprica e cientificamente osistema penal estatal como um sistema injusto, repressivo, estigmatizante e seletivo, 8no se podeolvidar que a partir do momento em que o Estado avoca o direito de punir, estabelecido um avanono sentido do distanciamento da vtima do conflito em que ela estava inserida. A vtima, como titularprimrio do bem jurdico colocado em risco ou violado, est envolvida (diretamente) no conflito e, porisso, diante da hiprbole da paixo de seus sentimentos , mais das vezes, irracional. Afast-la doconflito foi prudente, alm de ser o incio para a erradicao da vingana privada e para aconcretizao da proporcionalidade da sano pelo desvio praticado. Mesmo diante das mazelas dosistema penal, a retirada da vtima do conflito foi avano civilizatrio e vitria do Estado moderno.

    Durante a trajetria histrica da humanidade percebe-se que o homem sempre associou-se aosoutros homens. Buscou viver em grupo ao revs de isolar-se. 9Nesse intuito associativo bsicodestacar que, em grande parte do tempo, houve a presena da religio e da magia como fatoresnorteadores da vida primitiva. Esta viso divina e ao mesmo tempo mstica dificultou a resoluo dosconflitos no plano da racionalidade, vez que o homem primitivo no se regia por uma lgica

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  • construda com a racionalidade moderna, mas muitas vezes, construda a partir de mitos, rituais,smbolos e/ou fices. O homem primitivo era privado de racionalidade e de qualquer sistema ouestrutura jurdica, tendo como base social preceitos religiosos/divinos, morais, ticos. Diante daausncia da secularizao, reinaram a irracionalidade e a barbrie, sendo a poca propcia para osurgimento de proibies, 10especialmente, da vindicta. 11Para Ferri a reao agresso oudenominada "vingana defensiva" instinto fundamental do homem primitivo. "A vingana privadacomo ressentimento emotivo e reao defensiva tende inevitavelmente para o excesso." Ao tratar dotema, Ferri menciona os institutos do talio e da composio como os "primeiros progressos" dacivilizao. O talio, primeiramente e, posteriormente, a composio foram impostos pela prpriacoletividade como normas limitadoras, servindo como restries vindicta. 12

    Por isso, reafirmo que o conflito sempre existir, vez que, como disse, inerente condiohumana. O que importa, ento, saber se h real inovao nas suas formas de resoluo. Nesseponto, para compreenso do fenmeno imprescindvel a lio de Luigi Ferrajoli: "Histricamente,en efecto, el derecho penal nace no como desarrollo, sino como negacin de la venganza; no encontinuidad, sino en discontinuidad y conflicto con ella. Y se justifica no con el fin de garantizarla,sino con el de impedirla. Es bien cierto que en los orgenes del derecho penal la pena ha sustituido ala venganza privada. Pero esta sustitucion no es ni explicable histricamente ni mucho menosjustificable axiolgicamente con el fin de satisfacer mejor el deseo de venganza, que es de por s una'culpable y feroz pasin', sino, al contrario, con el de ponerle remedio y prevenir sus manifestaciones.En este sentido bien se puede decir que la historia del derecho penal y de la pena corresponde a lahistoria de una larga lucha contra la venganza. El primer paso de esta historia se produce cuando lavenganza se regula como derecho-deber privado, incumbente a la parte ofendida y su grupo deparentesco segn los principios de la venganza de la sangre y la regla del talin. El segundo paso,bastante ms decisivo, tiene lugar cuando se produce una disociacin entre juez y parte ofendida, yla justicia privada - las represalias, los duelos, los linchamientos, las ejecuciones sumarias, losajustes de cuentas - no slo se deja sin tutela sino que se prohbe. El derecho penal naceprecisamente en este momento: cuando la relacin bilateral parte ofendida/ofensor es sustituida poruna relacin trilateral en la que se sita en una posicin de tercero o imparcial una autoridad judicial.Por eso, cada vez que animan a un juez sentimientos de venganza, de parte o de defensa social, oque el estado deja sitio a la justicia sumaria de los particulares, el derecho penal retrocede a unestado sevaje, anterior a la formacin de la civilizacin". 13

    O Estado avoca o jus puniendi e a partir da reconstruo do conflito social - como um fato-penalpretrito -, pelo devido processo penal de garantias busca, em caso de comprovao inequvoca daresponsabilidade criminal subjetiva, racionalizar o conflito existente entre o desviante e a vtima. Numexerccio de resoluo de conflito o Estado monopoliza a justia penal.Todavia, quer se queira ou no, os efeitos nefastos da vingana privada ainda esto bem presentesna justia criminal brasileira, especialmente representados pela ideologia repressivista dedeterminados movimentos de poltica criminal - leia-se Tolerncia Zero e/ou Lei e Ordem. 14Claro que o horizonte de projeo do direito penal estatal deve restar limitado racionalidade de seu poderpunitivo. Do contrrio, impera o arbtrio, a tirania e o abuso de poder. Da a importncia da afirmaode movimentos polticos de resistncia terica e prtica que visem maximizar garantias e limitar opoder punitivo estatal, a fim de evitar e/ou minimizar violaes aos direitos fundamentais. 15

    Disso resulta que o afastamento da vtima, a fim de evitar a influncia de seus anseios de vinganaprivada, salutar para a resoluo dos conflitos em que ela est inserida. Para o Estado resta areconstruo do fato-penal pretrito por meio do justo processo como categoria fundamental deresoluo e, ainda, a busca da proporcionalidade entre violao ao bem jurdico tutelado e areprimenda penal.

    Da a relevncia do modelo garantista de democracia constitucional proposto por Luigi Ferrajoli. Nomodelo do garantismo penal - como sistema jurdico escorado em duas rbitas de slidos princpiosconstitucionais substanciais (penais) e instrumentais (processuais) -, h uma notria relao dereciprocidade (biunvoca) entre as duas esferas de garantias, que valem no somente por simesmas, isoladamente, mas tambm, conjuntamente, como garantia recproca de sua efetividade.As garantias so imprescindveis tanto no plano estrutural como no plano funcional. As garantiassubstanciais s sero efetivas quando forem objeto de uma instrumentalidade na qual sejamasseguradas ao mximo a legalidade penal e processual penal, a imparcialidade, a veracidade e ocontrole. Segundo Luigi Ferrajoli "la correlacin biunvoca entre garantas penales y procesales es el

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  • reflejo del nexo especfico entre ley y juicio en matria penal". 16

    Como premissa fundamental para a resoluo dos conflitos defendo, como regra, que os mesmosrestem a cargo do Estado, sem desconhecer, contudo, que em algumas hipteses excepcionais,poder o conflito de menor significncia (aquele que escapar do filtro descriminalizador), sersolucionado por outros meios conciliatrios que compem a sociedade pluralista.

    Quando o conflito chega justia retratado em infrao com dignidade penal, porque merece sersolucionado luz de um modelo de garantias que se legitima como um sistema de poder mnimo, noplano poltico, capaz de minimizar violncia e de maximizar liberdade. Fao coro com a opinio deSalo de Carvalho e reivindico a adoo de uma teoria do garantismo penal para que se consigaestabelecer "critrios de racionalidade e civilidade interveno penal, deslegitimando qualquermodelo de controle social maniquesta que coloca a 'defesa social' acima dos direitos e garantiasindividuais". "Percebido dessa forma, o modelo garantista permite a criao de um instrumentalprtico-terico idneo tutela dos direitos contra a irracionalidade dos poderes, sejam pblicos ouprivados." 17

    Para que esses critrios de racionalidade e civilidade sejam (realmente) implantados, bsico seriafirmar a tutela constitucional como palco do processo como meio de resoluo de conflitos. Paratanto, h de se exigir: (i) a constitucionalizao do processo penal, a partir do fenmeno daconstitucionalizao das garantias fundamentais, como preleciona Juan Montero Aroca; 18(ii) oreconhecimento da ausncia de uma teoria geral do processo penal para que se possa romper como mito de que o processo penal um "brao" da teoria geral do processo civil; e (iii) a identificaodas razes da carncia da formao de um processo penal de garantias individuais e no de defesasocial, a fim de que a viso instrumental do processo esteja conectada aos princpios reitores doprocesso penal (estabelecidos constitucionalmente).Pleiteio, assim, um processo penal justo por intermdio de um devido processo, que busca, naspalavras de Adauto Suannes, "a eticizao da conduta do Estado enquanto ocupado na preveno erepresso de condutas desviantes. buscarmos na dignidade do ser humano, independentementedos valores religiosos e filosficos que se reconheam ou no se reconheam, a razo de ser dessasregras bsicas que a necessria atuao do Estado, por seus agentes, diante das condutasdesviantes, deve obedecer. Segurana de todos sem prejuzo da segurana de cada um". 19, emresumo, aceitar a Constituio como lei suprema do processo penal 20e o devido processo legalcomo instrumento efetivo de garantias, "como conjunto de exigncias ticas para garantia de que aoru ser assegurado um julgamento justo". 213. A Lei 9.099/1995 e a revitalizao da participao da vtima na resoluo do conflito:idolatria do novo

    O Texto Constitucional de 1988 estabeleceu em seu art. 98, I, a criao de juizados especiais,providos por juzes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliao, o julgamento e aexecuo de infraes penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral esumarssimo, permitidos, nas hipteses previstas em lei, a transao e o julgamento de recursos porturmas de juzes de primeiro grau.Com recurso a expresses novas - juizados especiais e infraes penais de menor potencialofensivo -, a Constituio Federal (LGL\1988\3) indicava o novo rumo do processo penal nacional.Segundo Jacinto Nelson de Miranda Coutinho "era um aceno a uma nova perspectiva, com os limitesfixados no texto e, por bvio, para gerar uma estrutura compatvel com os demais princpios regentesda matria na prpria Carta". Naturalmente, "haver-se-ia, portanto, de se ter cautela e, por evidente,em face da novidade, proceder-se a um longo percurso de discusso e construo slida daquiloque, desde logo, mostrou-se como uma grande esperana modernizao - e democratizao - doprocesso penal brasileiro". 22

    De fato a Lei 9.099/1995 revolucionou o sistema processual penal brasileiro, trazendo novosinstitutos como a composio dos danos civis, a transao penal e a suspenso condicional doprocesso. Na expresso de Ren Ariel Dotti, a lei trouxe "substitutivos processuais" que "abriramoportunidade para as prticas de despenalizao". 23No que concerne especificamente criao doprocedimento sumarssimo, a legislao inovou com a previso de resposta acusao antes dorecebimento da denncia ou queixa-crime e com o deslocamento do ato processual de interrogatriopara o final da instruo criminal.

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  • Ocorre que a lei, os institutos e o procedimento no foram meramente recepcionados pela doutrina econsagrados na jurisprudncia dos tribunais. Depois de alguns anos de aplicao da Lei 9.099/1995,contando com a dilatao do conceito de infrao de menor potencialidade ofensiva que foiredesenhado pela alterao originria da Lei 10.259/2001, possvel diagnosticar com exatido ofenmeno que houve: a divulgao insensata e acrtica da "novidade", representada, particularmente,por um nmero infinito de publicaes de ltima hora, despidas, muitas delas, de qualquercomprometimento cientfico.

    Em manifesto lanado contra os Juizados Especiais Criminais, Jacinto Nelson de Miranda Coutinhoagudiza a crtica legislao ao afirmar que a Lei 9.099/1995, "para se dar cumprimento ao preceitodo art. 98, I, da CF (LGL\1988\3)/1998, veio luz com uma pressa incabvel, desnecessria" e que,isto, "consagra nomes", "mas pe de joelhos estruturas inteiras em razo de que a falta de baseterica sintoma da falta de discusso, como parece elementar; e os resultados so desalentadores,para no dizer desastrosos". 24A contribuio de Jacinto Coutinho imprescindvel, sendo a leiturade seu manifesto absolutamente necessria para que se verifique a situao atual dos juizados epara que reste registrado que o amplo debate acadmico pleiteado por ele quando da promulgaoda lei, simplesmente no aconteceu. Sendo o tempo de maturao para a implementao dos novosinstitutos penais determinado, escassez, pela prpria Lei 9.099/1995; a lei entrou em vigor noprazo de sessenta dias aps a sua publicao. 25Os conceitos foram simplesmente lanados prontos,foram ofertados objetivamente, ao contrrio de serem construdos.Hoje, penso que houve uma idolatria ao novo. O discurso jurdico oficial que empregou constantesmetforas foi o da "revoluo", do "notvel avano", da "evoluo", do "modernismo", comodiagnosticou Geraldo Prado em importante "incurso no terreno da linguagem de saudao da Lei9.099/1995" em sua tese doutoral sobre o instituto da transao penal. Geraldo Prado identifica umfenmeno que passou oculto ( ou foi ocultado?) pelo olhar complacente de parte da doutrina everifica que "no h inocncia nas palavras verbais", salientando que "no campo do discurso jurdicono h neutralidade, nem mesmo quando, aparentemente, existe uma certa convergncia deopinies". "Os termos e expresses da nossa linguagem, mais do que refletir a realidade, buscam, natradio do discurso jurdico brasileiro, conformar esta prpria realidade, conferindo sentidosupostamente unvoco ao que a prtica jurdica revela ser ambguo, polmico e controvertido." 26

    Conjuntamente com Salo de Carvalho tive a oportunidade de instar o dilogo sobre a justia penalconsensual, sublinhando que com o passar dos anos os juristas tm esquecido ( ou fazem questode no lembrar?) o mtodo da dialtica acadmica. A ausncia de debate e a publicao de textossem critrio cientfico ou mesmo sem qualquer investigao emprica vm construindo o paradigmada misria acadmica dos ltimos anos. Idias nascem e, sem que seja efetivado um processo dehermenutica do dilogo entre os sujeitos que compem a comunidade jurdico-pluralista, soimplantadas como verdades oficiais. Invariavelmente reproduzidas em linguagem coloquial edespidas de cerimnia, estas verdades so servidas em manuais que reproduzem um conhecimentoepidrmico, deflagrando assim a crise do ensino jurdico nacional. 27

    A temtica objeto deste articulado est devidamente contextualizada no processo histrico pelo qualatravessa o direito penal. A crise do Estado-nao, a perda da soberania estatal, a privatizao dajustia penal, a imposio de modelos importados e a ausncia de uma poltica criminal defortalecimento e preservao das garantias individuais do colorido ao cenrio que vem sedescortinando em matria processual penal. Por isso, estou com Geraldo Prado: "(...) o processoideolgico de reconfigurao do capitalismo contemporneo no levado em conta no instante desubmeter a exame as novas ordens legais". "O contexto no qual o texto legal est inserido comfreqncia ignorado pela doutrina, que chama a si a tarefa de expressar as interpretaes vlidasdas normas jurdicas; alm disso, no figura na pauta de exame doutrinal a forma como se articulamas diversas instncias, grupos e classes sociais, portadores de interesses antagnicos, e tambmdestinatrios diferenciados de mecanismos de disciplina de controle social." 28

    4. Da euforia praxis: de novembro de 1995 a outubro de 2003

    Depois desses quase oito anos de experincia de justia penal consensual com a Lei 9.099/1995,atrevo-me a realizar algumas ilaes. Tenho, de militncia na advocacia criminal e de atividadedocente, a mesma idade da lei. No muito, menos de uma dcada de lida criminal, mas me permiterealizar um diagnstico, pois acompanhei o desenvolvimento dos Juizados Especiais Criminais, vezque praticamente amadureci com a legislao. Minha praxis diria iniciou com o acompanhamento

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  • da implementao pioneira dos Juizados Especiais no Estado do Rio Grande do Sul e culminou comminha participao na Comisso Especial para Avaliao dos Juizados Especiais Criminais doMinistrio da Justia em 2002. Por isso, escrevo sobre a minha praxis cotidiana, sobre o que vi evejo acontecer no foro criminal.O cenrio de horror. Vislumbro um euforismo apagado, uma revoluo que no deu certo, umnotvel avano que se notabilizou retrocesso, um modernismo que antigo e uma desburocratizaoque cada vez mais se burocratiza. A Lei 9.099/1995, ressalvadas as excees absolutamenteisoladas, no foi e no est sendo aplicada. S para exemplificar: conciliaes impostas s partes,propostas de transao penal quando no h justa causa para o oferecimento de denncia ouqueixa-crime, propostas de transao penal sem qualquer individualizao ou obedincia realidadesocioeconmica do autor do fato, audincias preliminares realizadas sem a presena de advogados,sem a vtima, sem o representante do Ministrio Pblico e at sem juiz.Mas no s. Em audincia pblica realizada na cidade do Rio de Janeiro em agosto de 2002, comoum dos membros da Comisso de Avaliao dos Juizados Especiais Criminais, tive a oportunidadede escutar um relato sobre a realizao de "audincias coletivas" - conciliaes e transaes penaisformuladas indistintamente aos supostos autores dos fatos e, pior, com ndice de aceitao geral. Namesma ocasio constatei empiricamente a insatisfao dos movimentos feministas e das ONGs deestudos de gnero com relao ao que denominam de impunidade do autor do fato nos conflitos comviolncia contra a mulher. O desabafo foi geral. Um jovem magistrado carioca fez uso da palavrapara retratar o seu cotidiano dramtico. Primeiro, referiu que no tinha aptido para ser conciliador e,aps, justificou que no tinha tempo para conciliar em face do excessivo nmero de conflitos queabarcavam em seu juizado. A insatisfao se deu s inteiras, das partes aos juzes.Necessrio, pois, conveniente, salientar que a Lei 9.099/1995 caiu em desgraa. Dos partcipes dosJuizados Especiais Criminais ao senso comum que reproduz o imaginrio social o que se percebe um sentimento de insatisfao mercantilizao do conflito. Os movimentos radicais ressaltam a"impunidade". Os movimentos de resistncia garantista exaltam a aplicao de pena sem acusaoformal e sem o devido processo legal e, ainda, outras violaes s garantias constitucionais. Em quepese parecer um contra-senso, no o . O diagnstico da justia penal consensual no bom, sejaqual for o ngulo de sua anlise.

    Minhas impresses caminham no sentido da afirmao de que a tentativa de introduzir uma justiapenal consensual no Brasil foi, infelizmente, um fracasso. E no poderia ser diferente, pois a prpriajustia, a no consensual, tambm o . Como disse, se o sistema penal em sua inteireza mesmoum sistema injusto, repressivo, estigmatizante e seletivo, no haveria outro caminho Lei9.099/1995. O sistema , pois, em si mesmo, um instrumento capaz de produzir seus refns. Com osJuizados Especiais Criminais no foi diferente.

    Do emprico ao cientfico, passo a desenvolver as dez razes para o diagnstico.

    1. O excessivo nmero de conflitos e a burocratizao judicial. Com o advento da Lei uma srie detipos sem qualquer dignidade penal, e que poderiam ser descriminalizados, acabaram revigorados.Contravenes que estavam desaparecidas hoje engordam as prateleiras forenses. O nmeroexcessivo de conflitos e a ausncia de estrutura cartorria - em alguns Estados ainda no houve aimplantao dos Juizados -, impedem, por razes de tempo e de pauta, que o juiz promova um realprocesso conciliatrio entre os partcipes do conflito. Nos Juizados Criminais tm imperado aausncia de dilogo! Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, em excelente investigao sobre aimplantao dos Juizados Especiais em Porto Alegre, registrou: "Com a implantao dos JuizadosEspeciais, havia a expectativa de uma significativa reduo do movimento processual nas VarasCriminais Comuns, que poderiam concentrar a ateno nos delitos mais graves. A anlise domovimento processual verificado na Comarca de Porto Alegre nos dois anos anteriores e posteriores implantao dos Juizados no confirma essa expectativa. Tomando por base os dados fornecidospelos mapas de andamento processual da Corregedoria-Geral de Justia do TJRS referentes Comarca de Porto Alegre para o perodo considerado, o que se verifica que, enquanto nos anos de1994 e 1995 foram distribudos para as Varas Criminais Comuns em torno de 6.000 processos porano, em 1996 o nmero de processos distribudos salta para 54.687, baixando para 37.608processos no ano de 1997. Desagregando-se os processos distribudos e julgados pelo tipo de VaraCriminal, constata-se que, enquanto nos anos de 1994 e 1995 a grande maioria dos processos (80 a90%) eram distribudos e julgados pelas Varas Comuns, ficando um pequeno percentual para as

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  • Varas do Jri e de Trnsito, a partir de 1996 os Juizados Especiais Criminais passam a responderpor 80% do movimento processual criminal em Porto Alegre, chegando a 90% dos processosjulgados no ano de 1997. Apesar da significativa reduo percentual, o volume de processosdistribudos nas antigas Varas Criminais se mantm praticamente inalterado. Como essas Varasforam reduzidas a partir da criao dos Juizados de 18 para 14, h de fato um aumento do nmerode processos para as Varas Criminais Comuns. A concluso que, em vez de assumir uma parcelados processos criminais das Varas Comuns, os Juizados Especiais Criminais passaram a dar contade um tipo de delituosidade que no chegava at as Varas Judiciais, sendo resolvido atravs deprocessos informais de 'mediao' (ou 'intimidao') nas delegacias de polcia. Com a entrada emvigor da Lei 9.099/1995, as ocorrncias policiais deste tipo de crime, que se encontravam nasdelegacias, aguardando a realizao de inqurito policial, e que normalmente resultavam emarquivamento pela prpria polcia civil, foram remetidas para os Juizados Especiais, o que resultouem um nmero de processos distribudos no ano de 1996 superior em quase 30% ao ano de 1997.Os indicadores do movimento processual penal no perodo considerado permitem ainda que se faao clculo dos ndices de demanda, produtividade e eficincia do sistema penal. O ndice deDemanda Judicial Mdia (IDJM) obtido pela diviso do nmero total de processos distribudos pelonmero de Varas e Juizados Criminais existentes, e corresponde ao nmero mdio de processosdistribudos por Vara". 29- 30

    2. O processo de seletividade exercido pela vtima e o seu "poder denunciante": a facilidade doregistro do termo circunstanciado e a obrigatoriedade do encaminhamento aos Juizados. fatonotrio que com o advento dos Juizados basta uma diligncia na delegacia de polcia para que oautor do fato seja chamado ao Poder Judicirio. Isso, ao meu ver, ocasionou uma hipervalorizaodo termo circunstanciado e da palavra da vtima. A vtima ciente de que com a sua narrativacolocar o autor do fato frente do juiz. Muitas vezes este instrumento utilizado de forma abusiva ecom intuito vingativo. Em alguns casos o autor obrigado a constituir defensor e comparecer aojudicirio, mas na verdade houve um registro de ocorrncia que narra um fato inexistente ou que noretrata a verdade. Isto porque no h qualquer investigao sobre aquilo que foi narrado. Alm disso,o autor da suposta infrao acaba por aceitar qualquer benefcio que lhe seja formulado emaudincia a fim de evitar um eventual processo. Em sua investigao sobre os Juizados Criminais dePorto Alegre, Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo constatou que "a partir da anlise dos dadosestatsticos, que a seletividade do sistema, antes exercida pela polcia, agora colocada nas mosda vtima/denunciante. Basta que esta se dirija at a autoridade policial e comunique a ocorrncia deum delito de menor potencial ofensivo, para que esta comunicao d origem a um termocircunstanciado. A polcia dever encaminhar obrigatoriamente todos os termos circunstanciadospara os Juizados Especiais Criminais, sem a necessidade do inqurito policial, dando incio aoprocesso. Considerando o poder de movimentar a justia penal que colocado nas mos da vtima,e a possibilidade de obteno da reparao do dano atravs da ao penal, h sem dvida um maiorprotagonismo da vtima nos Juizados em comparao com o processo penal tradicional, em que oEstado considerado o titular exclusivo do direito de punir". 31

    3. "Ser decisor" e "ser conciliador": o despreparo dos juzes na mediao do conflito. O juiz no ,no tem e via de regra no quer ter formao conciliatria. Exceto em casos eventuais, o magistradoque carrega em sua personalidade a aptido para promover o consenso, busca uma formaotransdisciplinar para resoluo dos conflitos representados nos termos circunstanciados que chegamaos Juizados Criminais. Em regra os juzes no recebem qualquer formao transdisciplinar(psicolgica, sociolgica etc.) capaz de trazer-lhes um manancial terico ou capacit-los para amediao do conflito via processo de conciliao. Invariavelmente, a formao do magistradobrasileiro meramente tcnico-jurdica, formalista e limitada subsuno da lei ao caso penal. O juizno tem formao de mediador. O juiz preparado para ser um decisor e no um conciliador. 32

    4. A ausncia da vtima em audincia: criao do instituto da desistncia tcita em ao penalpblica. H indicativo de realizao de audincias sem a participao da vtima, o que representaimpossibilidade de consenso, privando-a e, tambm, o autor do fato da possibilidade conciliatria.Em alguns Estados houve a criao do instituto da desistncia tcita. Sendo a vtima intimada acomparecer audincia preliminar e no comparecendo, se presume a desistncia tcita darepresentao nas infraes penais que a exigem e, em algumas oportunidades at nas aespblicas incondicionadas, sendo o conflito suscitado por ela na delegacia de polcia arquivado noJuizado Criminal. Ou seja, em muitos casos, a vtima representa perante a autoridade policial maspor motivo de fora maior no se faz presente na audincia preliminar conciliatria e, diante disso,presume-se o seu desinteresse no caso, arquivando-se o mesmo.

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  • 5. Conciliao infrutfera nos casos de violncia contra a mulher e ausncia de assistncia estatalno ps-conflito. No se pode desconhecer a gravidade dos conflitos que envolvem violnciadomstica. A Lei 9.099/1995 trouxe, como condio especfica da ao, a exigncia derepresentao da vtima nos casos de leses corporais leves e culposas. O que por um ladorestringe a atuao do Estado na resoluo do conflito e importa minimizao penal, reproduz, emgrande medida, um "sentimento de impunidade" retratado pelas ONGs feministas, visto que h casosem que a mulher no rene condies que lhe permita uma representao contra o seucompanheiro/cnjuge agressor. Soma-se mais outro adminculo. Nas infraes praticadas comviolncia contra a mulher, especialmente aquelas praticadas no lar, o processo conciliatrio , deregra, infrutfero, pois o Estado no promove qualquer acompanhamento das partes aps aresoluo/mediao preliminar do conflito. A conciliao legal/jurdica, formalizada em audincia, desacompanhada de qualquer outra forma de assistncia (social, econmica, psicolgica etc.).Desamparada a mulher duplamente vitimada, sendo que para o Estado o conflito est resolvido.Sobre este ponto, merece destaque a investigao de Carmen Hein de Campos: "A pesquisarealizada me permite dizer que o Juizado Especial Criminal no oferece a soluo de que asmulheres necessitam". 33

    6. O descumprimento dos termos legais da audincia preliminar: audincias a distncia e/oucoletivas. Nos casos em que a vtima e o autor do fato residem em comarcas diferentes, no haudincia de conciliao. H casos de composio e transao penal realizadas por carta precatria,o que desfigura a audincia preliminar conciliatria. Existe, em alguns Estados, a realizao de"audincias coletivas" - de uma forma absurda e humilhante para o cidado, h reunio de vriostermos circunstanciados e existe formalizao de uma nica proposta (genrica) de conciliao e/outransao penal, o que desnatura por completo a audincia conciliatria determinada na lei, trazendodescrdito e desprestgio justia penal (consensual). 7. Realizao de audincias sem a presena do Ministrio Pblico e as partes sem assistnciajurdica. Sabe-se da realizao de centenas de audincias com vtimas e autores do fatodesacompanhados de advogados privados ou defensores pblicos. A ausncia de advogados, arapidez da audincia e a falta de um real processo conciliatrio, no permitem aos atores - vtima eautor do fato -, compreender o que foi determinado. As partes envolvidas no conflito no entendem oque transcorreu na sala de audincia e muito menos o que foi determinado pelo juiz. A investigaode Rodrigo G. Azevedo nos primeiros anos de aplicao da lei, "permitiu verificar em que medida alegislao vem sendo cumprida, e quais os pontos em que a rotina burocrtica da mquina judiciria,adaptada s suas carncias estruturais, acaba por se impor sobre a dinmica proposta pelolegislador. o caso, por exemplo, da verificao realizada sobre a presena do representante doMinistrio Pblico nas audincias. Embora a lei estabelea a obrigatoriedade da presena doPromotor de Justia (art. 72, da Lei 9.099/1995), que tem a competncia exclusiva para oferecer aproposta de transao penal, com a aplicao imediata de pena restritiva de direitos ou multa (art.76, da Lei 9.099/1995), o que se constatou foi que em 58% das audincias observadas orepresentante do Ministrio Pblico no estava presente, o que implicou tanto em aumento damorosidade judicial, pela necessidade de nova audincia, como o oferecimento da proposta detransao pelo juiz (...). Tambm freqente a realizao de audincia e a imposio de umasano penal a acusados sem advogado. A Lei 9.099/1995 previu a necessidade de que tanto avtima quanto o autor do fato compaream a audincia preliminar acompanhados de advogado (art.71), a fim de garantir s partes o esclarecimento sobre as alternativas colocadas pela legislao paraa resoluo do litgio. O que se constatou pela observao das audincias foi que em 78% dos casosa vtima comparece sem advogado. Quanto ao acusado, que na eventualidade bastante comum decomparecer sem advogado deveria receber o atendimento de um defensor pblico, constatou-se queem 50% das audincias estava sem esse acompanhamento. Mesmo assim, alguns juzes realizam aaudincia, chegando at a homologao de proposta de transao aceita pelo autor do fatodesacompanhado de advogado ou defensor pblico". 34

    8. Dificuldade para o arquivamento, imposio de aceitao da transao penal e ausncia decritrio razovel para o oferecimento da proposta. Constata-se diariamente que h resistncia para oarquivamento do termo circunstanciado, pois o senso comum jurdico dos Juizados representadopor um princpio meramente contratualista sobre o processo. Aplica-se, na prtica, um novo princpio,o in dubio pro transao penal - expresso de Luiz Antnio Bogo Chies. 35Na dvida, recolha "algo aoEstado", contribua com o social. H, invariavelmente, presso/coao para a efetivao da transaopenal. H oferta de transao quando seria caso de arquivamento. Transacionar regra (quase que)

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  • absoluta, sendo o arquivamento a exceo. 36Muitas vezes a proposta de transao penal formulada de forma idntica para a resoluo de todas as espcies de conflitos. H casos dautilizao de tabelas prefixadas para quantificar a transao penal, sendo a proposta realizada semqualquer ateno condio social e/ou econmica do autor do fato. Nesses termos, a propostafavorece os abastados e oprime os carentes. Nesse ponto o imaginrio social foi criativo econsagrou: "o rico paga cesta bsica"; "o pobre, quando no preso, presta servios comunidade".Como bem identificou Luiz Antnio Bogo Chies, "a eventual (ou constante) fragilidade dos chamadosTermos Circunstanciados, como peas informativas e desencadeadoras sobretudo da fase preliminarda vigente dinmica dos Juizados Especiais Criminais - fragilidade essa que decorre da omissolegal em seus contedos mnimos -, est a provocar uma gama de situaes que afrontam asgarantias legais das partes (sobretudo da parte indicada responsabilizao penal pelo termo) edescredibilizam a prpria instncia judiciria como locus (ao menos) de preservao da expectativade verdade e eqidade (qui justia). (...) Contudo, satisfeito o Termo Circunstanciado pelosomatrio de registro de ocorrncia, com suas sucintas narrativas, e pelos exames periciais (ou suasrequisies nas modalidades permitidas), o evento chega ao Judicirio na percepo unilateral do'conflito', que ento se vulnerabiliza burocraticamente para se converter num 'perfeito litgio'. A parteadversa (via de regra sob a imputao de 'autor do fato') intimada atravs de formas e para atosque - no imaginrio social leigo - j interpreta como processuais penais, internalizando a perspectivade estigmatizao do ru e, de forma compreensvel, pr-assumindo a postura defensiva diante dolitgio (que assim ignorando em sua dimenso de conflito). Essa dinmica, que muito temosvivenciado em nossa militncia profissional, gera incompreenses, descontentamentos e resistncias(sobretudos nas partes imputadas como 'autoras do fato') que so obstaculizadores de intervenese posturas de perspectiva mediadora, ou mesmo meramente conciliatria, prejudicando ento aresoluo dos conflitos e resultando numa (eventual) 'linha de produo' de acordos nos litgiosfragmentados ou mesmo num 'frustrante' momento (seja na percepo e no interesse das partes,seja na percepo ou no interesse do Judicirio), vez que o caso prosseguir na direo do estigma,por vezes do acrtico sentimento de vingana, mas sempre no 'afogamento' das pautas dos Juzes. Afragilidade dos termos circunstanciados e a inadequao legal das dinmicas programadas tm, emnosso entendimento, ainda um outro grave efeito nefasto: o denominamos de 'institucionalizao doin dbio pr-transao'". 37Fazendo eco ao presente diagnstico sobre a transao penal, Luiz FlvioGomes adverte sobre a existncia de "realizao de transao penal em relao a fatos concretospenalmente atpicos" e "a desconsiderao das garantias inerentes imputao objetiva e subjetiva",alm do "absurdo de se formular a proposta de transao penal sem a mnima descrio do fatotpico cometido (para se condenar algum j no preciso o processo tradicional, ocorre que agoraesto 'dispensando' at a existncia de um fato tpico)". 38

    9. A transao penal com imposio de pena e o seu descumprimento: pena sem processo. 39Onmero excessivo de transaes penais leva-me a crer que o instituto aceito pelo autor do fato poruma srie (infinita) de razes no jurdicas e no restritas a autoria e/ou at a real existncia do fato.No momento do aceite no h qualquer exame sobre eventual possibilidade de ser o autor do fatodenunciado, processado ou condenado. O autor do conflito consente com a imposio de penajustamente para se livrar do eventual risco de responder a um processo criminal. Soma-se ao riscodo processo o fato de o autor ter que se submeter ao chamamento de testemunhas para demonstrarsua inocncia, de ser constrangido a participar de audincias na condio de ru, de que outraspessoas de sua famlia percebam que est sendo processado criminalmente, de ter que comunicarseu endereo em caso de alterao e, ainda, de ter que custear os honorrios de advogado (j que adefensoria pblica, em muitos Estados, ainda est longe do ideal). Assim, o autor do fato aceita umapena restritiva de direitos que para ele, em que pese a ausncia de demonstrao de sua culpa noconflito ou sua inocncia, menos gravoso que o custo do processo. Registre-se que aqui se tratade uma pena restritiva de direitos sem processo, que proposta sem o exame das condiespessoais do autor e que aceita por ele por razes de convenincia, sem qualquer critriotcnico-jurdico sobre o fato e, muitas vezes, sem o acompanhamento de advogado. Alm disso, aimpossibilidade do cumprimento da transao penal por parte do autor do fato poder ensejar aconverso da pena privativa de direitos imposta em pena privativa de liberdade. Esta conversoabsurda 40foi decida como vlida pelo STJ e, segundo Geraldo Prado, "a deciso posteriormente foicassada pelo STF ao argumento de que no havia previso de um devido processo legal para acitada converso". Todavia, Geraldo Prado registra que, na mesma deciso, o STF "antev natransao penal um modelo de privatizao do processo penal, que apreciado favoravelmente". 41Mesmo com a deciso do STF, infelizmente, ainda existem inmeras converses de pena restritivade direitos em pena de priso.

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  • 10. Transao penal: ausncia de devido processo legal, violao ao princpio da presuno deinocncia e privatizao da justia. Em 1997 Miguel Reale Jr. sustentou a inconstitucionalidade doinstituto da transao penal. Em artigo publicado com o sugestivo ttulo pena sem processo, RealeJr. atentou para a violao dos princpios informadores do processo penal democrtico, do processojusto. Este , fundamentalmente, outro ponto relevante que merece destaque no exame emprico daaplicao da Lei 9.099/1995. "Transao redunda na reparao do dano, por um lado, e, por outro,na aplicao de uma pena restritiva de direito ou de multa. Mas, restringe-se, sem dvida, naaplicao de uma pena, como o reconheceu a ilustre jurista Ada Pellegrini Grinover, defensoraardorosa do texto legal (...). Infringe-se o devido processo legal. Faz-se tbula rasa do princpioconstitucional da presuno de inocncia, realizando-se um juzo antecipado de culpabilidade, comleso ao princpio nulla poena sine judicio, informador do processo penal." 42A Lei 9.099/1995contribuiu para o fortalecimento da privatizao da justia penal, sendo que na viso de GeraldoPrado, "a transao no dispe, de fato, de um verdadeiro procedimento jurisdicional conforme anoo de devido processo legal. A rigor a transao penal desenvolve-se no equivalente ao inquritopolicial, no caso o termo circunstanciado". Para Geraldo Prado, na transao penal no existe devidoprocesso legal, concluindo que "a transao penal consiste exatamente em o imputado 'abrir mo' dodevido processo legal". 43

    5. Por uma resistncia garantista - Bibliografia

    Nesse quadro, floresce o dilema contemporneo no mbito do sistema (que deveria ser) acusatriode processo penal constitucional: efetividade versus garantias. As alteraes sofridas nas categoriasvelocidade e tempo na sociedade complexa tambm tiveram eco no campo do processo penal. Porisso, atualmente o Estado tem procurado novas formas de resoluo de conflitos - leia-se justiapenal consensual. Contudo, ao mesmo tempo em que se pleiteia eficcia no/do processo penal, 44seest a gerar profunda minimizao de garantias individuais.

    O apelo da mdia indica que o processo deve ser rpido e eficaz. Juan Montero Aroca salienta estatendncia ao afirmar que "acelerar un motor lleva a pasarlo de revoluciones con grave riesgo para losocupantes del vehculo, acelerar el proceso lleva a que no cumpla su fin esencial de garanta". 45Passados alguns anos, possvel analisar o fracasso da Lei 9.099/1995, sendo conveniente lembraro mesmo Juan Montero Aroca ao estabelecer que "no existe ni una relacin jurdica material penal, niun derecho subjeivo a la imposicin de una pena por quienes ejercitan la accin penal, pues laaplicacin del derecho penal pertence exclusivamente a los rganos jurisdiccionales, no estandoatribuido a las partes, ni siquiera al Ministerio Pblico". A lio caminha no sentido de zelar pelasgarantias constitucionais a partir de que "no existe aplicacin del derecho penal por rganos distintosde los rganos jurisdiccionales, ni fuera del proceso, de modo que los trminos delito, proceso ypena son correlativos y no existe uno sin los otros". 46

    Sublinhe-se que este fenmeno no peculiaridade brasileira. Em tese doutoral sobre o tema,Nicols Rodrguez Garca examina a implantao do modelo de justia penal consensual naEspanha e indica que "en definitiva, el fortalecimiento que en las ltimas reformas se ha intentadohacer del consenso en el proceso penal como mecanismo redentor de la justicia penal no ha surtidolos efectos esperados. Por este motivo se hace necesaria una reformulacin de los presupuestospoltico-criminales que inspiran todo el sistema procesal penal espaol, haciendo las modificacionesorgnicas, sustantivas y procesales necesarias, entre las cuales, y como una ms, cabe situar elfavorecimiento de soluciones consensuadas, un consenso entendido como alternativa limitada y nocomo sustitutivo genrico del proceso penal, siempre bajo el estricto control judicial y con sujecin alimperio de la ley". 47No mesmo sentido, Jos Cafferata Nores assevera que "la nocin de consensose suele relacionar con la idoneidad que se puede reconocer a la expresin unilateral o el acuerdo devoluntades entre rganos pblicos, entre stos y particulares o particulares entre s, para evitar lainiciacin del proceso penal, para lograr su terminacin en un plazo menor al previstoordinariamente, para convenir la imposicin y la extensin de la pena, o para procurar solucionesdiversas a la aplicacin de la sancin como modo de resolver el proceso". 48

    Diante disso, desta tentativa de abreviar procedimentos e impor penas sem processo como se istofosse uma verdadeira justia penal consensual, recomendvel o retorno aos clssicos. Sobre odilema efetividade e garantias, Francesco Carnelutti continua sendo muito atual, ao mencionar que"cuando omos decir que la justicia debe ser rpida, he ah una frmula que se debe tomar conbeneficio de inventario; el clis de los llamados hombres de Estado que prometen a toda discusindel balance de la justicia que esta tendr un desenvolvimiento rpido y seguro, plantea un problema

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  • anlogo de la cuadratura del crculo. Por desgracia, la justicia, si es segura no es rpida, y si esrpida no es segura. Preciso es tener el valor de decir, en cambio, tambin, del proceso: quien vadespacio, va bien y va lejos. Esta verdad transciente, incluso, de la palabra misma 'proceso', la cualalude a un desenvolvimiento gradual en el tiempo: proceder quiere decir, aproximadamiente, dar unpaso despus del otro". 49

    Com Salo de Carvalho tive a oportunidade de formular uma crtica sobre as ltimas reformaslegislativas que introduziram mecanismos de composio civil e transao penal, e deram vtimaum lugar de destaque no processo penal. 50A par disso, a dogmtica do centro do Pas,principalmente a escola paulista de processo penal capitaneada pela Profa. Ada Pellegrini Grinovervive (continua vivendo) momento festivo, pois anuncia aos quatro ventos as "grandes/novasconquistas". De um modo geral, esse discurso adquiriu uma sonoridade de discurso oficial. Penso,ao contrrio, que no h o que ser comemorado. O discurso inicial veio orquestrado na satisfao davtima e na autonomia da vontade das partes, mas produziu, em verdade, supresso de garantias. 51O que desejo agora reafirmar que no h oficialidade e muito menos senhores donos da razo.Recordando Roberto Lyra Filho, 52"a misso didtica do professor autntico limita-se a equacionar osproblemas emergentes, oferecer informaes atualizadas e discutir as propostas que lhe parecemcabveis; mas no impe o seu ponto de vista. Ao contrrio, estimula o esprito crtico, ajudando acada um descobrir seu prprio rumo". Ento, transpassada a euforia festiva da implantao da Lei9.099/1995 no Brasil, indago: afinal, qual foi o grande avano no recurso justia penal consensual?Discutir essa problemtica e fazer um contraponto crtico e terico fundamental. A Lei 9.099/1995deve ser revista em sua integralidade e, qui, abolida. Vale dizer ainda que o sistema de infraesde menor potencialidade ofensiva no poderia estar divorciado do sistema de garantias. Afinal, noh dois sistemas. O sistema , de fato, o nico possvel: o rgido sistema de garantias constitucionais. Este sistema garantista, que ora adotado, advm, como se disse, da relao biunvoca degarantias substanciais e instrumentais proposta por Luigi Ferrajoli a fim de estruturar um modelo"utilitarista reformado", embasado na mxima felicidade possvel para a maioria no desviante e nomnimo sofrimento necessrio para a minoria desviante. 53Esse modelo garantista que, segundo Salode Carvalho, pode ser demonstrado na teoria penalgica de Tobias Barreto, "na qual a pena apresentada como ato poltico, e o direito, enquanto limite da poltica, torna-se o parmetro limitativoda sano. Contrrio aos conhecidos modelos de direito penal mximo que optam pelo primado dapoltica (ou economia) sobre o direito, o modelo garantista, negando as teorias tradicionais da pena,estabelece critrios de minimizao da resposta estatal ao desvio punvel". 54

    Desde esta perspectiva, h de se criticar a legislao vigente - Lei 9.099/1995, fazendo coro comGustavo Zagrebelsky quando afirma que "el legislador debe resignarse a ver sus leyes tratadas como'partes' del derecho, y no como 'todo el derecho'". 55

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    WUNDERLICH, Alexandre. "Sociedade de consumo e globalizao: abordando a teoria garantista nabarbrie. (Re)afirmao dos direitos humanos". In: CARVALHO, Salo de; WUNDERLICH, A. (Org.).Dilogos sobre a justia dialogal: teses e antteses sobre os processos de informalizao eprivatizao da justia penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.______ (Org.). "Por um sistema de impugnaes no processo penal constitucional brasileiro:fundamentos para (re)discusso". Escritos de direito e processo penal em homenagem ao Prof.Paulo Cludio Tovo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002.

    ZAFFARONI, Eugenio Ral; BATISTA, Nilo; ALAGIA, Alejandro; SLOKAR, Alejandro. Direito penalbrasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 2003.

    ZAGREBELSKY, Gustavo. El derecho dctil: ley, derechos, justicia. 2. ed. Madrid: Trotta, 1997.

    1. "Portaria 384, de 10.04.2002: O Ministro de Estado da Justia, no uso de suas atribuies, resolve:Art. 1. Instituir Comisso Especial com a atribuio de realizar avaliaes dos Juizados EspeciaisCriminais, bem como de apresentar, ao Ministro de Estado da Justia, propostas de iniciativaslegislativas e aes governamentais. Art. 2. Designar para compor a Comisso os seguintesmembros: a) Ren Ariel Dotti, que a presidir; b) Alexandre Wunderlich; c) Augusto Eduardo deSouza Rossini; d) Fernando Luiz Ximenez Rocha; e) Joo Marcelo Leonardo; f) Lus GuilhermeMartins Vieira; g) Mrcio Brtoli; h) Maria Teresa Sadek; i) Rodrigo Ghiringhelli Azevedo, e j)Theodomiro Dias Neto. Art. 3. A Comisso, para cumprimento de seus objetivos, poder convidaroutros juristas e especialistas para colaborarem com suas atividades. Art. 4. A participao naComisso no enseja qualquer tipo de remunerao e ser considerada de relevante interessepblico. Art. 5. A Comisso dever, no prazo de 180 dias, contados de sua instalao, apresentarrelatrio das atividades realizadas ao Ministro de Estado da Justia (...)".2. Salo de Carvalho; Alexandre Wunderlich (Org.). Dilogos sobre a justia dialogal: teses e anttesessobre os processos de informalizao e privatizao da justia penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris,2002. A obra fruto de amplo debate com os Professores Colaboradores Aury Lopes Jr., LuizAntnio Bogo Chies, Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo e Geraldo Prado.

    3. Norberto Bobbio; Nicola Matteucci; Gianfranco Pasquino. Dicionrio de poltica. 4. ed. Braslia: Ed.Universidade de Braslia, 1998. vol. I. p. 225.

    4. Alexandre Wunderlich. "Sociedade de consumo e globalizao: abordando a teoria garantista nabarbrie. (Re)afirmao dos direitos humanos". In: Salo de Carvalho; Alexandre Wunderlich (Org.).Dilogos sobre a justia..., cit., p. 1-54. Ver especialmente o Ttulo I - "Consideraes sobre asociedade contempornea: tempo, velocidade e espao". O texto tambm est publicado in: DavidSnchez Rubio, Joaqun Herrera Flores e Salo de Carvalho, Anurio Ibero-Americano de DireitosHumanos, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 41-61.

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  • 5. Eugenio Ral Zaffaroni; Nilo Batista; Alejandro Alagia; Alejandro Slokar. Direito penal brasileiro.Rio de Janeiro: Revan, 2003. p. 87-88.

    6. importante salientar a necessidade da construo de uma viso transdisciplinar do direito penal.O direito no est divorciado das demais cincias e, na busca do saber cientfico, fundamental estacompreenso. Especialmente no que tange ao estudo da participao da vtima no processo penal,com toda a fenomenologia que isto envolve, imperioso discutir o tema a partir deste novoparadigma. Sobre a construo e projeo do saber penal, seus saberes secantes e tangentes, valeconferir Zaffaroni, Batista, Alagia e Slokar, op. cit., p. 271-357. Vale citar ainda a Carta deTransdisciplinaridade (adotada no 1. Congresso Mundial da Transdisciplinaridade, Convento deArrbida, Portugal, novembro de 1994), publicada no Informativo do Instituto Transdisciplinar deEstudos Criminais 6/3-4, Porto Alegre: ITEC, jul.-ago. 2000) como indicativo de que h uma realbusca da transdisciplinaridade.

    7. Conforme lio de Miguel Reale Jnior, Instituies de direito penal, Rio de Janeiro: Forense,2002, vol. I, p. 4-11: O controle social inicia "por via da famlia, da escola, da igreja, do sindicato,atuantes na tarefa de socializar o indivduo levando-o a adotar os valores socialmente reconhecidose os respeite, independentemente da ao ameaadora e repressiva do direito penal, que constituiuma espcie de controle social, mas de carter formal e residual, pois s atua diante do fracasso dosinstrumentos informais de controle (...)". "Quando os controles sociais informais de vinculao com asociedade convencional so insuficientes ou deixam de existir, ou quando h dficit de autocontrole,e pe-se acima de qualquer relao custo-benefcio a vontade do indivduo de satisfao imediatados desejos, surge a possibilidade da prtica delituosa, que fere os mais altos e relevantesinteresses da sociedade. Busca esta, ento, impedir e depois reprimir a realizao do crime por meiodas instncias formais de controle, ou seja, recorrendo estatuio de normas cogentes,positivadoras e protetoras de valores sociais, que imponham sanes redutoras de direitos quelesque as infrinjam. Adota-se a ameaa de restringir direitos, punir, com a inteno de assegurar aobedincia s regras consagradoras dos interesses relevantes para a vida social, legitimando-se ouso da fora para garantir a preservao de valores essenciais revelados pela histria ereconhecidos pela coletividade. Se no houvesse o direito penal a sociedade sentir-se-iadesprotegida, pois incapacitada de responder por meio da ameaa de sanes aos atos lesivos quedesestabilizam a convivncia social (...)." "O crime vem a ser um fato normal da vida social, e nouma doena, pois no h sociedade em que no exista, chegando Durkheim a asseverar que umfator da sade pblica, uma parte integrante de qualquer sociedade s." No mesmo sentido, RenAriel Dotti salienta o recurso s instncias formais (a lei, a polcia, o Ministrio Pblico, o PoderJudicirio, as instituies e os estabelecimentos penais) e s instncias materiais (a famlia, a escola,a comunidade (associaes, sindicatos) etc.) ( Curso de direito penal: parte geral. Rio de Janeiro:Forense, 2002. p. 3).8. Por todos, cf.: Nilo Batista. Introduo crtica ao estudo do direito penal brasileiro. 3. ed. Rio deJaneiro: Revan, 1996. p. 25-26.

    9. Os penalistas diagnosticaram este fenmeno quando escreveram sobre a histria do direito penal.Vale citar, guisa de exemplificao, Anbal Bruno e Jos Frederico Marques. Anbal Bruno justificao fenmeno ao afirmar que os grupos humanos so decorrentes de uma "fora do impulso deassociao, que marca de maneira to profunda o destino dos homens" ( Direito penal. 3. ed. Rio deJaneiro: Forense, 1967. t. I, p. 68). O dado tambm foi identificado por Jos Frederico Marques comosendo uma "inclinao natural do homem" ( Tratado de direito penal. 2. ed. So Paulo: Saraiva,1964. vol. I, p. 1).10. Sobre as denominadas "proibies" vale destacar o alerta de Sebastin Soler com base emDurkheim ( L'Anne Sociologique), ao afirmar que as "proibies" demonstram que as formasprimitivas do direito penal so mais pblicas do que privadas, contrariando os penalistas quesugerem as hipteses da vingana privada: "El hecho ms importante que se destaca del estudio deese gnero de prohibiciones es que ellas, si bien tienen un carcter fundamentalmente religioso,tambin desenpean una funcin civil. Los tab civiles 'no son sino una extensin ms reciente delos tab mgicos o religiosos, que son el fundamento de la institucin. Este tipo de prohibicionestiene un fundamento mgico. La accin mgica asume una forma positiva, el hechizo, consistente enhacer una cosa para que se produzca un evento deseado, y una forma negativa, el tab: si haces talcosa, suceder tal desgracia. Las construcciones que ven el origem de la penalidad en la venganza

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  • parecem apoyarse sobre todo en la idea de que el homicidio es crimen por excelencia; perodescuidan de que el elenco primitivo de prohibiciones se integra por una larga serie de acciones cuyasancin no tiene una explicacin sinmple y natural, sino que est fuertemente impregnada de sentidosobrenatural y religioso" ( Derecho penal argentino. Buenos Aires: La Ley, 1945. t. I, p. 50-51).11. Sobre o tema, Soler adverte: "En particular nos parece arriesgada la afirmacin de que lavenganza individual y privada represente el origem de la actividad represiva. De ella puede dicerseque es una forma de pena, pero no parece que pueda elevrsela hasta considerarla el origem mismode la actividad repressiva" (Op. cit., p. 50-51). Anbal Bruno, com base nas investigaes deEllisworth Faris e Malinowski, ressalta: "A vingana foi um fato geral entre as tribos, uma exercendosobre outro ato vingativo contra ao agressiva a qualquer dos seus membros, ao agressiva real,de um membro de outra tribo, ou assim suposta de acordo com as idias mgicas dominantes nosgrupos arcaicos. Foi conseqncia da solidariedade entre os membros do mesmo cl, que umadas foras de coeso e, portanto, de continuidade do grupo. Mas essa vingana um ato de guerrae no uma pena". "Depois que a vingana aparece como reao dentro do grupo. Mas aparecepelo desdobramento do grupo em grupos secundrios. o tempo tambm em que o aumento dacomplexidade da vida e das normas multiplica os desajustamentos e as violaes que as normascondenam." "A vingana sinal de ausncia de uma ao pblica punitiva, ainda a guerra entregrupos, embora dentro do agrupamento maior, e, assim, aparece como fora do crculo da autoridadedo grupo, at o momento em que se torna reconhecida ou mesmo tornada obrigatria pelo PoderPblico. Porque h um momento em que a vingana deixa de ser um direito para tornar-se um devere, ento, verdadeiro rudimento de pena, atuando o vingador, por assim dizer, como agente do poderpunitivo do grupo" (Op. cit., p. 70 usque 72).12. "O talio, que atualmente nos povos civilizados smbolo de ferocidade brbara, foi nahumanidade primitiva um grande progresso moral e jurdico, justamente porque imps um limite, umamedida reao pela vindicta defensiva (olho por olho, dente por dente). E tambm a composio,pela qual o ofensor com o pagamento de gados, armas, utenslios ou dinheiro, se resgatava davingana do ofendido - como que agora entre os povos civilizados no pode impedir o exerccio dajustia penal, pertencente somente ao Estado e aos seus representantes -, foi, no incio dacivilizao, um importante instituto de progresso moral e jurdico, tendente a atenuar e a regular osexcessos e as conseqncias da vingana pessoal e familiar" ( Princpios de direito criminal: ocriminoso e o crime. So Paulo: Saraiva, 1931. p. 9). Ainda sobre a vingana praticada por grupos devtimas e sobre os excessos praticados, destaco Sebastin Soler ao estabelecer que "la venganza esuna obligacin religiosa y sagrada", "(...) el sistema talional, supone la existencia de un podermoderador y, en consecuencia, envuelve ya un desarrollo social considerable. Por l la venganza selimita en una cantidad exactamente equivalente al dao sufrido por el ofendido: ojo por ojo, dientepor diente, segn la enunciacin de la ley mosaica. En el Cdigo de Hammurabi (1955-1912 a. J. C.)se encuentran tambin numerosas formas de retribuicin talional". Soler tambm se manifesta sobrea composio, no sentido de que "la existencia de un sistema de composiciones es sumamenteextendida en todo el mundo, y especialmente entre los pueblos que llegan a tener una moneda -compensar las ofensas delictivas mediante un sistema de pagos" (Op. cit., p. 54-55).13. Derecho y razn: teora del garantismo penal. 2. ed. Madrid: Trotta, 1997. p. 333-334.

    14. Sobre o conceito do Movimento de Lei e Ordem, ver Ren Ariel Dotti, Curso de direito penal, cit.,p. 21-22.

    15. Nesse ponto, a funo do Movimento Antiterror, presidido por Lus Guilherme Vieira (com apoiodos prestigiados institutos IBCCrim, Itec e ICC) exemplar, sendo recomendvel a leitura da Cartade Princpios do Movimento Antiterror: "O Movimento Antiterror pretende, com a sensibilidade e aconscincia de cidados que h muitos anos se dedicam ao estudo dos problemas da violncia e dacriminalidade e tambm com o entusiasmo e o corao dos estudantes que sempre advogam acausa da dignidade do ser humano, proporcionar ao pas e nao um material de reflexo para aadoo de novos caminhos em favor da segurana popular e da eficincia na administrao dajustia" ("Carta de princpios do Movimento Antiterror". Revista de Estudos Criminais 10/7-19. pub.Itec/PUC-RS. Porto Alegre: Notadez, 2003).16. Derecho y razn..., cit., p. 537. Com mais detalhes em Alexandre Wunderlich: "Por um sistemade impugnaes no processo penal constitucional brasileiro". In: Alexandre Wunderlich (Org.).

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  • Escritos de direito e processo penal em homenagem ao Prof. Paulo Cludio Tovo. Rio de Janeiro:Lumen Juris, 2002. p. 21. Quero deixar claro que acredito na viso moderna e garantista do princpioda legalidade, colocando em destaque a relao infinita entre tal princpio e o processo penalconstitucional. Nicolaz Gonzales-Cuellar Serrano explica o princpio da legalidade penal e suagarantia processual criticando o enfoque tradicional diante da sua insuficincia. Primeiro, o princpiodeve ser entendido como dogma fundamental iluminista que se desdobra em quatro postuladosgarantistas de grande transcendncia: (i) garantia criminal (princpio de legalidade criminal, nullumcrimen sine previa lege); (ii) garantia penal (princpio de legalidade penal, nulla poena sine previalege); (iii) garantia jurisdicional (princpio da legalidade processual ou do devido processo penal,nemo damnetur nisi per legale iudicio) e (iv) garantia jurisdicional executria (princpio de garantiaprocessual na fase da execuo da pena, nulla poena sine executione). Em segundo, o princpio dalegalidade deve ser visto tambm como fonte de um princpio de "tipicidade processual". Conformeanota o autor, a lei processual penal tem que tipificar tanto as condies de aplicao como ocontedo das intromisses dos Poderes Pblicos no mbito dos direitos fundamentais dosindivduos. A legalidade, alm de ser o nervo estrutural do direito penal substancial e do prprioEstado Constitucional Democrtico de Direito, por isso desdobra-se em outros postulados denatureza instrumental que, conjuntamente, formam a possibilidade de efetivao de garantias legais.Percebe-se, pois, a reciprocidade entre o plano substancial e o plano instrumental ( Proporcionalidady derechos fundamentales en el proceso penal. Madrid: Colex, 1998. p. 71).17. Aplicao da pena e garantismo. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002. p. 17. Com maisdetalhes e na linha de Luigi Ferrajoli, o autor estabelece o princpio da secularizao como princpiomaior do modelo garantista e como caracterizador do modelo republicano nos Estados Democrticosde Direito (insero constitucional), alm de delimitar o garantismo penal, o uso alternativo do direitoe o papel (crtico) do operador jurdico.18. El derecho procesal en el siglo XX. Valncia: Tirant lo Blanch, 2000. p. 115.

    19. Os fundamentos ticos do devido processo penal. So Paulo: RT, 2002. p. 82 e 129.

    20. Vicente Gimeno Sendra, Victor Moreno Catena e Valentn Cortes Domnguez falam em"fortalecimento das garantias do processo justo" ( Derecho procesal penal. 3. ed. Madrid: Colex,1999. p. 59).21. Suannes. Op. cit., p. 83.

    22. "Manifesto contra os Juizados Especiais Criminais: uma leitura de certa 'efetivao'constitucional". Constitucionalizando direitos: 15 anos da Constituio Brasileira de 1988. Rio deJaneiro: Renovar, 2003. p. 347-358.

    23. Curso de direito penal..., cit., p. 663-665.

    24. Idem, ibidem.

    25. Miguel Reale Jnior assevera que simultaneamente tramitao do projeto de lei de autoria doDeputado Michel Temer na Cmara, que redundou na Lei 9.099/1995, corriam os trabalhos deComisso constituda no Ministrio da Justia, sob a presidncia do Min. Slvio de Figueiredo,destinada elaborao de projetos de modernizao do Cdigo de Processo Penal (LGL\1941\8).Esta comisso, segundo Reale Jnior, "destinava-se feitura de projetos pontuais, visandoprimordialmente, celeridade da Justia, mas com a preservao da segurana jurdica". "E a tnicadestes projetos, a exemplo do que ocorria com o projeto Frederico Marques, depois revisado porRogrio Lauria Tucci, consistia na garantia da ampla defesa e do contraditrio. Exemplo desteaspecto estava no exame preliminar das condies da ao, no momento do recebimento dadenncia, a ser precedido pela contestao da acusao pela defesa tcnica. (...) Portanto,ressaltam-se o direito de defesa e o devido processo legal, o processo justo." "O respeito a estesprincpios informadores do processo penal democrtico, do processo justo, foram absolutamentedesatendidos na Lei 9.099/1995 no que tange disciplina adotada com relao transao. Esta lei,to proclamada, to festejada, , a meu juzo, manifestamente inconstitucional, nesta parte" ("Penasem processo". In: Antnio S. de Moraes Pitombo (Org.). Juizados especiais criminais: interpretaocrtica. So Paulo: Malheiros, 1997. p. 25-26).

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  • 26. Elementos para uma anlise crtica da transao penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003. p. 3.

    27. Dilogos sobre a justia dialogal, cit., p. vii.28. Elementos para uma anlise..., cit., p. 4.

    29. Informalizao da justia e controle social: estudo criminolgico da implantao dos juizadosespeciais criminais em Porto Alegre 13/134-137. So Paulo: IBCCrim, 2000. Monografia Jurdica.

    30. Mesmo realizando uma crtica aplicao da Lei dos Juizados Especiais Criminais, Luiz FlvioGomes salienta avanos: "So poucas as estatsticas de que dispomos at aqui sobre ofuncionamento dos Juizados Criminais. Sabe-se, entretanto, que diminuiu sensivelmente o nmerode denncias, assim como o nmero de processos em andamento. Em 1994 havia 682.257processos em andamento na Justia Criminal comum do Estado de So Paulo; em 1999, apesar doaumento da criminalidade e da populao, esse nmero era de 658.196. Em 1995 foram recebidas168.445 denncias e queixas no Estado de So Paulo; em 1999, 134.073. No h dvida de que adiminuio se deve Lei dos Juizados. Muitos fatos delituosos que seriam objeto do tradicionalprocesso tiveram soluo consensuada (arts. 74 e 76), isto , no ingressaram no sistema clssico. sensvel, de outro lado, a diminuio do movimento forense, seja em primeiro grau, seja sobretudono Tribunal de Alada Criminal. Nota-se uma clara desburocratizao. Muitas vtimas, que jamaisconseguiram qualquer reparao no processo de conhecimento clssico, saem agora dos JuizadosCriminais com indenizao. Permitiu-se a aproximao entre o infrator e a vtima. O sistema deAdministrao de Justia est gastando menos para a resoluo desses conflitos menores. E atuacom certa rapidez. Reduziu-se a freqente prescrio nas infraes menores. As primeirasvantagens do novo sistema so facilmente constatveis. De qualquer modo, o futuro (prspero) dosjuizados, inclusive agora tambm no mbito da Justia Federal, passa por inadiveis ajustes ecorrees. preciso fazer um srio balano crtico do sistema consensual e eliminar do seu seioalgumas anomalias e imperfeies (...)" ("Lei dos Juizados Especiais Federais (10.259/2001):aspectos criminais". In: Alexandre Wunderlich (Org.). Escritos de direito e processo penal..., cit., p.233).31. Informalizao da justia e controle..., cit., p. 163.32. Uma alternativa vivel a implantao do projeto de Casas de Conciliao, nas quais as partesenvolvidas nos conflitos seriam atendidas por mediadores, psiclogos, socilogos e assistentessociais a fim de realizao da mediao. Aps este primeiro atendimento, as partes seriamencaminhadas ao Judicirio para a audincia preliminar. Outras alternativas tambm podemcontribuir para a existncia de um real processo de conciliao/mediao. O Movimento Antiterrorpleiteia em sua carta de princpios a construo de " Centros Integrados de Cidadania (CICs) a fimde reocupao, pelo Estado, nas periferias das grandes cidades, das reas abandonadas pelo PoderPblico e a implementao de polticas na rea social, redutoras da violncia e da criminalidade.Incumbe ao Estado prover equipamentos para tornar possvel a reestruturao de espaos pblicos,sobretudo escolas, disposio das comunidades fora dos horrios curriculares para estimularvrios tipos de aprendizado e lazer. As aes preventivas devem ser conjugadas entre a comunidadee a polcia para se alcanar resultados positivos assim como ocorreu no Jardim ngela, onde acriminalidade apresentou acentuada reduo aps a instalao de postos de policiamento e esporte.Outra experincia deve ser mencionada. Ela ocorre em ponto limtrofe do Municpio de So Paulo, nobairro de Itaim Paulista, com o funcionamento de um Centro de Integrao da Cidadania (CIC),reunindo o Juizado Especial Cvel, Ministrio Pblico, delegado de polcia, destacamento da PolciaMilitar, agncia do Procon e auxiliares tcnicos (assistentes sociais e psiclogos). Em face dapresena desses agentes e de benfica atuao, os conflitos passaram a ter mediao acessvel. OMovimento Antiterror tambm sugere os Plantes sociais em delegacias de polcia. A criao dessamodalidade de planto nas delegacias de polcia reunindo assistentes sociais, insere-se numconjunto de medidas de preveno da criminalidade mais grave e revela a atuao moderadora doEstado em conflitos de rotina".

    33. "Justia consensual e violncia domstica". Textos bem ditos. Porto Alegre: Themis, 2002. n. 1,p. 43.

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  • 34. Informalizao da justia e controle..., cit., p. 168-169.35. "Por uma utopia do possvel! Pretensas contribuies a um projeto de reforma dos JuizadosEspeciais Criminais". Revista de Estudos Criminais, Porto Alegre: Notadez, publ. Itec/PUC-RS, 2003.n. 11, p. 82-96..

    36. Sobre o tema fundamental destacar as excees, especialmente o voto do Juiz rel. AlexandreMorais da Rosa na Ao de HC 25, de Joinville: " Habeas corpus. Juizados especiais. Termocircunstanciado. Audincia preliminar. Comparecimento. Justa causa. Ausncia de conduta tpicasequer em tese. Trancamento do procedimento. Ordem concedida. Decorrncia da ausncia dematurao/discusso democrtica (Habermas) sobre as disposies legais contidas na Lei9.099/1995, acrescida da deficincia estrutural e terica dos atores enlaados no procedimento(Miranda Coutinho), os Juizados Especiais Criminais acabaram por canalizar as ocorrncias sociais epenais (Kant de Lima), gerando, no raras vezes, constrangimento ilegal naqueles que soobrigados a comparecer nas delegacias de polcia com o fito de preenchimento dos dados dostermos circunstanciados e, ao depois, nas audincias preliminares perante os Fruns deJustia/Juizados Especiais, mesmo que no se tenha verificado, sequer em tese, a ocorrncia deconduta penal. Nem se diga que 'a simples instaurao de termo circunstanciado no constrangimento ilegal', posto que alm da ida aos rgos especializados, ainda se pode verificarque muitas decises, mesmo afrontando a Constituio Federal (LGL\1988\3) e a presuno deinocncia, ainda consideram os Inquritos e TCs instaurados como maus antecedentes (...). Logo, ajusta causa deve, no Estado Democrtico de Direito, ser analisada antes da prtica de atos judiciais.Essa desfuncionalidade do sistema acaba configurando, em muitos casos, verdadeiroconstrangimento ilegal".

    37. "Por uma utopia do possvel...", p. 82-96.

    38. Op. cit., p. 234.

    39. Expresso utilizada como ttulo de artigo publicado por Miguel Reale Jnior, Pena sem processo,cit., p. 25.

    40. Este diagnstico tambm foi realizado por Luiz Flvio Gomes: "O mais preocupante naatualidade, no obstante, a precria qualidade que se nota em muitos processos consensuais, emtermos de respeito s garantias mnimas penais e processuais. Ainda que sejam incontveis asvantagens do sistema consensual, j podem ser observadas umas claras tendnciascomprometedoras do sistema, destacando-se, entre tantas outras: a) a aplicao contra legem dapena privativa de liberdade (embora sem fundamento legal e totalmente contra a jurisprudncia do C.STF, h juiz que arbitrariamente est aplicando a pena de priso quando h o descumprimento datransao); b) a inexistncia de uma soluo racional quando acontece esse fenmeno: iniciar oprocesso impossvel por falta de lei; mandar prender arbitrrio porque o sistema consensual noadmite a priso; logo, com a mxima urgncia necessitamos de uma reforma legal para corrigir essaanomalia autofgica do sistema (...)". (Op. cit., p. 234).41. Elementos para uma anlise..., cit., p. 222.

    42. "Pena sem processo", cit., p. 27.

    43. Elementos para uma anlise..., cit., p. 224.

    44. Sobre o mito da eficcia, ver a crtica de Jacinto Nelson de Miranda Coutinho: "Efetividade doprocesso penal e golpe de cena: um problema s reformas processuais". In: Alexandre Wunderlich(Org.). Escritos de direito e processo penal..., cit., p. 139-147.45. El derecho procesal en el siglo XX, cit., p. 124.

    46. Principios del proceso penal: una explicacin basada en la razn. Valncia: Tirant lo Blanch,1997.

    47. El consenso en el proceso penal espaol. Barcelona: Bosch, 1997. p. 247.

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  • 48. "Consenso y proceso penal". In: Cafferata Nores et. al. Justicia, proceso y sociedad. Crdoba:Coleccion Juridica y Social, 1995. p. 11.

    49. Cmo se hace un proceso. 2. ed. Bogot: Temis, 1994. p. 14.

    50. Especialmente a partir da publicao de Dilogos sobre a justia dialogal.51. Dilogos sobre a justia dialogal, cit., p. vii.52. Apud lvaro Melo Filho. Reflexes sobre o ensino jurdico. Rio de Janeiro: Forense, 1986. p. 24.53. Derecho y razn, cit., p. 537.

    54. "Manifesto garantista". Informativo do Instituto Transdisciplinar de Estudos Criminais 2/4-5. PortoAlegre: Itec, ano 1, jul.-set., 1999.55. El derecho dctil: ley, derechos, justicia. 2. ed. Madrid: Trotta, 1997. p. 153.

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