A Voz Da Periferia e a Função Do Intelectual

18
A voz da periferia e a função do intelectual 1 Paulo Roberto Tonani do Patrocínio 2 RESUMO: O objetivo deste trabalho é explorar os diversos conflitos narrativos contemporâneos sobre a relação entre intelectuais e marginalizados e debater teoricamente de que forma o intelectual contemporâneo lida com a alteridade proveniente do sujeito marginalizado. Produtos culturais elaborados por sujeitos periféricos evidenciam a necessidade da criação, por parte dos intelectuais, de uma nova forma de abordagem do Outro excluído, tomando-o não apenas como objeto, mas, principalmente, como sujeito do conhecimento. Palavras-chave: Intelectuais; marginalizados; literatura brasileira contemporânea. (...) essa questão da representação, da auto-representação, de representar Outros, é um problema. Gayatri Chakravorty Spivak, The post-colonial critic. “Can the subaltern speak?”, questiona a crítica indiana Gayatri Chakravorty Spivak em ensaio clássico que investiga as diferentes apropriações discursivas que o Ocidente realiza do Oriente. Neste texto, Spivak, além de abordar as diversas impossibilidades de fala dos sujeitos localizados em espaços periféricos, realiza uma crítica das apropriações das falas oriundas dos setores subalternizados. Contrariando as perspectivas otimistas, a crítica indiana adverte sobre a impossibilidade de fala destes sujeitos periféricos. No entanto, como observa Elizabeth Muylaert, em Devires autobiográficos, a atualidade da escrita de si , a resistência teórica de Spivak não se interessa em promover a constituição do sujeito marginalizado, ou seja, „dar voz ao subalterno‟, ela insiste na impossibilidade de traduzir o discurso do subalterno para o discurso do dominador, como se esse último fosse, inquestionavelmente, o representante, por excelência, da justiça que pode ser feita às razões do oprimido. (Muylaert, 2005, p. 114). Nessa leitura, a rejeição de Spivak em dar voz aos subalternos está calcada na constatação de que seja como objeto retratado na sua condição de vítima seja na condição 1 Este ensaio é parte do projeto de pesquisa “A representação de territórios marginais na literatura brasileira”, desenvolvido com o financiamento da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro FAPERJ. 2 Departamento de Letras da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro

description

voz da periferia

Transcript of A Voz Da Periferia e a Função Do Intelectual

A voz da periferia e a funo do intelectual1 Paulo Roberto Tonani do Patrocnio2 RESUMO: O objetivo deste trabalho explorar os diversos conflitos narrativos contemporneos sobre a relao entre intelectuais e marginalizados e debater teoricamente de que forma o intelectual contemporneo lida com a alteridadeprovenientedosujeitomarginalizado.Produtosculturaiselaboradosporsujeitosperifricos evidenciamanecessidadedacriao,porpartedosintelectuais,deumanovaformadeabordagemdoOutro excludo, tomando-o no apenas como objeto, mas, principalmente, como sujeito do conhecimento.

Palavras-chave: Intelectuais; marginalizados; literatura brasileira contempornea.

(...) essa questo da representao, da auto-representao, de representar Outros, um problema. Gayatri Chakravorty Spivak, The post-colonial critic. Canthesubalternspeak?,questionaacrticaindianaGayatriChakravortySpivak em ensaio clssico que investiga as diferentes apropriaes discursivas que o Ocidenterealiza doOriente.Nestetexto,Spivak,almdeabordarasdiversasimpossibilidadesdefalados sujeitoslocalizadosemespaosperifricos,realizaumacrticadasapropriaesdasfalas oriundas dos setoressubalternizados. Contrariandoasperspectivas otimistas, a crtica indiana advertesobre a impossibilidadedefaladestessujeitosperifricos. Noentanto,comoobserva Elizabeth Muylaert, em Devires autobiogrficos, a atualidade da escrita de si, aresistnciatericadeSpivaknoseinteressaempromoveraconstituiodosujeito marginalizado, ou seja, darvoz ao subalterno, ela insiste na impossibilidade de traduzir o discursodosubalternoparaodiscursododominador,comoseesseltimofosse, inquestionavelmente, o representante, por excelncia, da justia que pode ser feita s razes do oprimido. (Muylaert, 2005, p. 114). Nessaleitura,arejeiodeSpivakemdarvozaossubalternosestcalcadana constatao de que seja como objeto retratado na sua condio de vtima seja na condio 1 Este ensaio parte do projeto de pesquisa A representao de territrios marginais na literatura brasileira, desenvolvido com o financiamento da Fundao Carlos Chagas Filho de Amparo Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro FAPERJ. 2 Departamento de Letras da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro de sujeito quando recebe o benefcio da fala atravs da qual tem ocasio de se expressar a suaimagemeasuavoz,emambososcasos,jsoelementosdeumamediaoprpriaao cdigolingusticoeculturaldominantes,constituindoumaformadeviolnciaepistmica paracitarumaexpressoutilizadaporSpivak.Dessaforma,afaladosubalterno, independente de sua forma enunciativa, apropriada pela cultura dominante. OtextodeSpivak,produzidonajlongnquadcadade1980,permaneceatuale inquietante.Creioquebuscarumarespostaestanqueparaaquestonosejaoprincipal objetivodoensaioe,principalmente,nosejaesteoprimeiroimpulsodoscrticosaose debruaremsobreele.Talvez,opontomaisimportantedesteensaiosejaabuscapor estruturas tericas e textuais que possam favorecer a emergncia de vozes que foram sulcadas porforaspolticasdominantes.AomenosarecepodesteensaionaAmricaLatinafoi norteadaporestedesejo.Ouseja,construirumarcabouotericoquepudesse instrumentalizarasleiturasdetextosproduzidosporsujeitosnopertencentesaoscentros hegemnicosdepoder,favorecendo,assim,umreferencialquepossibilitassecolocarem relevo a condio cultural e social dos autores dos textos. Contudo, nos chocamos com a fora e aveemncia comque acritica indiana afirmaque a impossibilidadedefalar dosubalterno, notervoz,aprimeiracondiodesuasituaopolticaesocial.Almdisso,Spivak instauraumaperspectivainovadoraemsuainterpretao,quandoafirmaqueaointelectual restafalar porsi. Opapel dointelectual,nesta leitura, investigar oquantoseusmtodosde anlisecarregamprivilgiosinstitucionaisefavorecemamanutenodosubalternocomo objeto e, por conseguinte, silenciado.No entanto, vale questionar: e se os sujeitos marginalizados, alocados em seus espaos perifricosdeorigem,comeamafalarporsimesmosemainterfernciapaternalistados intelectuaisesejamouvidos,preferencialmente,porseuspares,criando,assim,umcampo discursivoeculturalprprio,aindapossvelapontarparaaimpossibilidadedefaladestes marginalizados?Asincontveisinvestidasdeautoresmarginalizadosnocampoliterrio brasileirotmapresentadoumanovadimensoaestaquesto,trilhandoumpercurso, aparentemente, inovador.Almdefalarem,estes autoresmarginalizados desejamtambmexercer afunoque tradicionalmenteera desempenhadaporintelectuais:serporta-voze orientadoresdasmassas. Emoutraspalavras,aoseafirmaremcomoautoresdeumdiscursoquealmejarepresentara prpriavivnciasocial,estes escritoresperifricos estose deslocandopara uma posioque retira de cena o papel que sempre foi assumido por intelectuais. EmcrnicapublicadanovolumeLiteraturaMarginal,talentosdaescritaperifrica,PretoGhezadotaumposicionamentopolticoqueencontrareflexoemdiferentesautores perifricos. No texto, o autor, que alm de integrar o movimento literrio perifrico, tambm ativistadaculturaHip-Hop,elaboraumexamedasdiferentesproduesculturais,sobretudo cinematogrficas, que possuem como tema central o cotidiano da periferia. A crnica possui o sugestivottuloCulturapodereiniciacomoautorresgatandosuainfncia,quando encontravanacasadosvizinhos a nica possibilidadede assistir aosfilmes nacionais. Otom memorialsticoadotadonaaberturadotextoauxiliaoautornoestabelecimentodeuma comparao entre as produes flmicas do passado e as contemporneas, na qual destacada amudananoplanotemticodasproduesquesintetizadaemumafrase:todomundo querserfavela!(Ghez,2005,p.21).Ointeressecrescenteemproduzirumolharsobreos bairrosperifricosefavelasdosgrandescentrosurbanosanalisadocomoumamoda especificamentenomeiointelectualdeesquerdaepequenaburguesiaadjacente.(Idem, idem).Acrticaapontanoapenasomodismocriado,mas,principalmente,oesvaziamento poltico destas manifestaes artsticas e o olhar deturpado que orienta tais produes: Todomundoquerserperifa,querserfavela.Eassimeuvejoumapdemaluco documentando a dureza do dia a dia da favela, uma p de filme documentando a violncia da quebrada, e neles eu vejo um bagulho que me deixa desbaratinado: a romantizao do crime, do bandido, da droga, a esteriotipizao de um estilo de vida, as roupas, as grias, os loucos, as fitas.(Idem, idem) AcrnicadePretoGhezargumentaemfavordeumaproduoartsticaquenose baseieemclichse,muitomenos,quereproduzaesteretipospreconceituosossobrea populaoresidenteemfavelas.Emoutraspalavras,oautorsabequetalproduoartstica, seja ela flmica ou literria, ser utilizada como veculo de mediao entre o morro e o asfalto periferiaecentro.Atravsdoretratoofertadopelaimagemcinematogrficaproduzida umapercepoprpriasobreosterritriosmarginalizadosquesoretratados.Ouseja,a encenaoficcionalqueocinemaexibe,baseado na Luz,cmerae...clich,paracitar uma expresso do prprio autor, ir perpetuar o estigma e o preconceito:Da deixa que o cinema entope demaluco que nunca foi perifa,gente que abomina agente quemoranaperifa,ospapisprincipaisestonosfaris,eseucontroleremotoacionao vidro que sobe e te isola do senhor dos anis, relgios, dinheiro, rpido de mos pro alto! Ou eu estouro a sua cara...(Idem, ibidem) PretoGhezcriticaoconsumodeumaimagemestereotipadadafavela,quedestaca apenas o crime e a violncia a partir de um trao excntrico. O produto, nas palavras do autor,se assemelha a um documentrio da National Geographic, centrado na exibio das marcas de uma culturapoucoconhecida. Todosquerem uma aproximao desta realidade,masdesejam que tal aproximao oferea a segurana necessria para o consumo. Obliterar a voz que vem defora,nessesentido,investircontraaorientaoformadanaperspectivadeumolhar nofamiliarizadocomocotidianoretratado.Aosecolocaremfrenteaosintelectuaisque comumenteexerceramopapeldeporta-vozdestessetoressilenciados,osescritores marginalizados buscam expressar na excludente letra de frma sua prpria vivncia. Culturapoder,comoenfatizaoautornottulodacrnica.Opoderrepousana possibilidadedeconstruiratravsdeumdiscursoculturalumaimagemprpriasobreestes espaosmarginalizados.NaleituradePretoGhez,oncleointelectualquedetmopoder atravsdaproduoculturaltambmcriaestratgiasparaamanutenodeseustatusquo. Afinal, nos lembra Ghez, Elesnosqueremondeestamos,nosquerembrutosetristes,nosdaroarmasedrogase escreveronovosroteirosefaronovosfilmessobrenossasvidasemnossohabitat,mal sabem eles que o sangue j transborda da periferia, queexistemo-de-obraexcedente com armas namo,mas eles nos querem assim comomelhor ator coadjuvante, no nos querem escrevendo, dirigindo, atuando, no nos querem protagonistas de nossas prprias vidas, seus filhosjconfundemficocomrealidade,eelesnosqueremlongedetudo,(...)semvoz, nosescurodoanonimato,elessemomutarelli,semoferrz,semopaulolins,(...)Mas alguns j sabem: Cultura poder!(idem, p.23). Nadamaislegtimodoqueoprpriosujeitomarginalizado,aquelequesofre diretamentecomascondiesdevulnerabilidadesocialqueumasociedadedesigualproduz, seja o autor de um discurso que aborda seu cotidiano. O discurso, nesse sentido, para alm de sua postura poltica, passa a ser ornamentado por uma perspectiva testemunhal, determinando a voz oriunda dos espaos perifricoscomo a verdadeira forma de representaoda misria e daviolnciaqueassolaestesespaos.Afinal,quempossuialegitimaoparanarrara margem seno o prprio marginal?Tal posicionamento ecoa de diferentes formas na Literatura Marginal e se revela como umdadopreciosoparaoestabelecimentodeumadiscussoacercadopapeleolugardos intelectuaisfrente aestasmanifestaes literriasemergentesquecobrampara si umestatuto delegitimaoquebuscasilenciarasvozesnopertencentesestruturasocialdemarcada. Necessrioacrescentarquetalorientaopolticanoumdadorelativoapenasaeste movimentoliterrio,mas,sim,umaespciedeorientaodegrupossociaiseculturais marginalizados,quedesejamfalar porsi,sem a presena demediadores.A argumentaodo rapperBigRichard,naapresentaodeseulivro,Hip-hop:conscinciaeatitude,corrobora este aspecto: Neste livro tenho uma preocupaomuito grande em registrar parte de nossa histria, o hip hopbrasileiro.Cansei.Meincomodamuitoverirmosdaremsubsdiosaintelectuaise pesquisadoresdeforadenossarealidade,queconstroemgrandestesessobrenossavida, nosso momento (...) Penso que temos que comear a transmitir a nossa verso da histria, a nossapalavrapesquisada,masmuitomaisdoqueisto,nossashistriasvividas(Richard, 2005, p. 19) Seoutroraointelectualatuavaenquantoporta-vozdestesgrupos,falandoemnome destessujeitose,dessamaneira,silenciado-os;nosparecequenacontemporaneidadenoh maisespao paraeste tipo de atuao,sobretudo quandoestessetorespassam a falareno desejam mais que o intelectual fale em nome deles. O questionamentoqueporhora aquise constri no umfato isoladoemuitomenos dizrespeitoapenasaosurgimentodeummovimentoliterrioorganizadoporautores marginalizados. Renato Cordeiro Gomes e Isabel Margato, organizadores do livroO papel do intelectual hoje, apresentam este debate como um reflexo diretoda crise proveniente da nova configurao sociocultural do limiar do sculo XXI: Para pensar ento a reconfigurao, do papel do intelectual na contemporaneidade, h de se consideraracrisedevaloresuniversais,desencadeadapelahistriadosculoXX.O testemunhodouniversaltorna-secadavezmaisdifcil,balanandopelorelativismodos valores,dasposiespoltico-ideolgicasadotadas,numtempodeheterogeneidade, posiesessasatravessadasporclivagensdegnero,raa,sexo,idadeenomais privilegiando a problemtica da classe social. (Margato e Gomes, 2004, p. 10) Esse horizonte de questes interfere de forma decisiva na tradicional imagem que fora forjadaparaointelectualaolongodamodernidadee,principalmente,nosculoXX.Seao pensarmosempropostasparaofuturodafunodointelectualpercorremosumtrajeto marcadoporincerteza,podemosafirmarcomcertezaqueomodelodopassadonoter frutos.Nosetratadeafirmarquedificilmenteumescritorcontemporneovirapblicoe apresentarumtextoincisivocomottulodeEuacuso,repetindoogestoclssico protagonizadoporZolanaapresentaodopanfletoJaccuse,em1898,atoquehoje analisado como o nascimento do intelectual.Mas, sim, se trata de avaliar que o intelectual no irmaisatuarenquantosujeitodotadodeumsaberprivilegiadoquepossibilitarorientaras massas.Noentanto,necessrioesclarecerquenosetratadeafirmarofimdafunodo porta-vozdasociedade,tradicionalmenteencarnadapelointelectualescritor,mas, principalmente,interrogarqualanovaformadeengajamentoqueointelectualescritordeve engendrarfrenteaestessujeitosmarginalizados.Seodebateaquipropostosurgeem decorrnciadeumasriedeprodutosliterrioscontemporneos,opensamentocrtico ocidentalhmuitoproduzinterrogaesacercadestaquesto.Exemplodistoaconversa entreMichelFoucaulteGillesDeleuze,em1972,intituladaOsintelectuaiseopoder.No dilogo,Foucaultjanunciavaanecessidadedeaparecimentodeumanovaformade engajamentodointelectual,nomaiscomoaquelequediziaaverdadeaosqueaindanoa viam e em nome dos que no podiam diz-la: Ora, o que os intelectuais descobriramrecentemente que asmassas no necessitam deles para saber; elas sabem perfeitamente, claramente, muito melhor do que eles; e elas o dizem muito bem. Mas existe um sistema de poder que barra, probe, invalida esse discurso e esse saber.Poderquenoseencontrasomentenasinstnciassuperioresdacensura,masque penetramuito profundamente,muito sutilmenteem toda a trama da sociedade. Os prprios intelectuaisfazempartedessesistemadepoder,aidiadequeelessoagentesda conscinciaedodiscursotambmfazpartedessesistema.Opapeldointelectualno mais o de se colocar um pouco na frente ou um pouco de lado para dizer a mudaverdade detodos;antesodelutarcontraasformasdepoderexatamenteondeele,aomesmo tempo,oobjetoeoinstrumento;naordemdosaber,daverdade,daconscincia,do discurso. (Foucault, 1979, p.71) NaleituradeFoucault,aexistnciadeumsistemadepoderprprioaoexerccio intelectualsubordinaafaladasmassas,inferiorizando-asfrenteaodiscursocientficoe acadmico. Nesta concepo, pouco importa se o intelectual se coloca um pouco na frente ou um pouco ao lado das massas, pois, independente da posio assumida, seja negando ou no opapeldeporta-vozdosdesejosdosgrupossocialmentemarginalizados,odiscurso intelectualfiguracomodetentordeumpoderdeverdadedotadodeumaauraunvoca.No entanto, Foucault nos esclarece que,

Nosetratadelibertaraverdadedetodosistemadepoderoqueseriaquimricona medidaemqueaprpriaverdadepodermasdedesvincularopoderdaverdadedas formas de hegemonia (sociais, econmicas, culturais) no interior das quais ela funciona no momento.Emsuma,aquestopolticanooerro,ailuso,aconscinciaalienadaoua ideologia, a prpria verdade. (Foucault, 1979, p.14) Tais reflexes entre Deleuze e Foucault emergem a partir de um debate sobre a relao entreprticaeteoria,colocandoemcenanoapenasquestionamentosacercadopapeldo intelectual,mas,sobretudo,aestruturaodeumnovoconceitoderepresentao.nesta clavequeDeleuzelembraquefoioseuinterlocutorqueteriasidooprimeiroadenunciara indignidade de falar pelos outros: Ameuver,voc[Foucault]foioprimeiroanosensinartantoemseuslivrosquantono domnio da prtica algo fundamental: a indignidade de falar pelos outros. Quero dizer que seridicularizavaarepresentao,dizia-sequeelatinhaacabado,masnosetiravaa conseqncia desta converso terica, isto , que a teoria exigia que as pessoas a quem ela concerne falassem por elas prprias. (Idem, p. 72) Silenciar-sefrenteaosgruposmarginalizados-quenocasoespecficododilogo entreFoucaulteDeleuzeeramosprisioneiros-foiamedidanecessriaparapossibilitara emergnciadestasvozes.AconversotericaquenosfalaDeleuzecomportanoapenasa faladossujeitossilenciados,mas,igualmente,ainsurreiodesabereslocais,esquecidose inferiorizadosperanteacincia.Contudo,talperspectivatericafoiclaramentedeturpada, favorecendoacompreenso,paraumaparceladeintelectuais,queopapelaserassumido frente a estes grupos marginalizados deveria ser passivo, favorecendo o retorno a fala viva do sujeitodominado.Nosetrata,pois,desimplesmenteouvirdeslumbradoapurezada diferenaatravsdestasvozes,masdeanalisarosmecanismosdopoderdiscursivoque,ao filtrarafaladestessujeitos,desqualificam-na.Ointelectualdeve,antesdemaisnada,ser crticodesuasprpriascondiesdetrabalhoque,demodomuitoconcreto,porseus regulamentosehierarquiasacabamporassimilarestasvozeseestessaberese,dessaforma, lev-los ao silncio.Contudo, taisprerrogativasnodevemsercompreendidas como umpostulado terico queargumentapelosilnciodointelectual,comoesclareceDanielaVersianiapartirdas reflexes de Foucault acerca do tema: Tratarapenasdodeslindardosprocessosquelevamestassubjetividadesexclusoeao silenciamento,aindaqueobviamentesejaporsistarefatorduaquantonecessria, tambm,contudo, de alguma forma, pr-se margem desses processos. Se Foucault estava certo quanto indignidade de falar pelos outros, esta afirmativa no deveria, contudo, servir de justificativa para que o intelectual contemporneo se perpetue margem desse processo, sejapelaingnuasuposiodequeaalternativarecusaemassumirumapostura partenalistafalarpelosoutrossejanicaeexclusivamenteaindiferena,sejapelo interesse em preservar a sua prpria autoridade mantendo a no-autoridade de outras vozes. (Versiani, 2004, p. 80) Jnomaissuficientededicar-seapenasanlisedosprocessosdeexclusoe marginalizaodossujeitossilenciados,necessrioelaborarestratgiasdeinclusodessas subjetividadesnoprprioatodiscursivodointelectual.Ointuitodesteinvestimentono produzir uma fala autorizada, mas, sim, elaborar conceitos e procedimentos que impeam que a fala do intelectual figure no lugar do discurso do Outro marginalizado. Nessediapaso,impositivoconsideraroimpassecriadopeladesconfiananafigurado intelectual como porta-voz da verdade de todos, quando se trata derecuperar sua funo crtica.Aopopeladefesadosdireitosdospequenosgrupos,pelalutacontrafocos particularesdopoder,correoriscodegerarumdescompromissodointelectualcomo conjunto da sociedade, de limit-lo a uma ao sempre autoreferenciada. (Gomes e Margato, op. cit., p. 10) Ouseja,comoDeleuzequestiona:Ento,comochegarafalarsemdarordens,sem pretenderrepresentaralgooualgum,comoconseguirfazerfalaraquelesquenotmesse direito,edevolveraossonsoseuvalordelutacontraopoder?(Deleuze,1992,p.56). Respondertalquestionamento,decerto,umatarefatorduaquantoretiraropoderda verdadedasformashegemnicas.Noentanto,seguindoospassosdeDeleuze,possvel vislumbrarumasada-ou,comooprprio autorconceitua: uma linha defuga a partirdo tratamentodoprprioatodiscursivo:Semdvidaisso,estarnaprprialnguacomoum estrangeiro,traarparaalinguagemumaespciedelinhadefuga(Idem,ibidem).Ser estrangeironaprprialnguaproduzirumaespciedegagueiraquepossibiliteracharas palavras e estruturar enunciados no hierrquicos. Falar assumindo todos os tons, sem desejar deformailusriaelaborarumdiscursoquesequersemelhanteaodoOutro,tampoucouma falaquecoloqueemrelevoadiferenadointelectualfrenteaomarginalizado.Aanlisede Deleuze sobre Godard pode ser tomada como uma referncia para pensarmos a questo: Decertomodo,trata-sesempredesergago.Nosergagoemsuafala,massergagoda prprialinguagem.Geralmente,sdparaserestrangeironumaoutralngua.Aqui,ao contrrio, trata-se de ser um estrangeiro em sua prpria lngua. (...) essa gagueira criativa, essa solido que faz de Godard uma fora.(Idem, p. 52). A gagueira surgecomo uma possibilidadedeminar as estruturasslidasdo discursoe favorecer a emergnciade umafalano impositiva.Semdarordens,o intelectual produz um discursoquefigura em umespao intersticial,no umafala que representa e, muitomenos, aatitudesilenciosaeomissadeapenasdeixaroOutrofalar.Toimportantequanto refletirmosacercadeumateoriaquefavoreaaaplicaodemtodosquenoobliterea emergnciadasvozesqueoutroraeramsilenciadas,proporumaformadeatuao intelectual que se baseie em um princpio tico.Falarcomosoperriosenoserumpatrofalando,comoalcanarestaformade linguagemquerasuraasformasdepoder?HeloisaBuarquedeHollandaeMariaTereza CarneiroLemos,apartirdequestionamentossemelhantesaosaquiapresentados,apontam para o estabelecimento de parcerias entre intelectuais e marginalizados como a soluo para estaintrincadaquesto.AmbasautorasutilizamapublicaodeCabeadeporco,livroque denunciaasmisriasprovocadaspeloavanodocomrciovarejistadedrogasnasperiferias dos grandes centros urbanos do Brasil, como um resultado bem sucedido.NoartigoIntelectuaisXmarginais,HeloisaBuarqueanalisaanecessidadede criao de novas abordagens das novas vozes discursivas no cenrio cultural brasileiro: Hoje, parecequealgumacoisadebastantediferenteestnoarequevamosterquerepensar,com radicalidade, nosso papel como intelectuais tanto no campo social, como no campo acadmico eartstico(Hollanda,2007).Oalgonovoqueaautorapercebenoarmaterializadonas inovadoraspropostasdaculturaHip-Hopedetantasoutrasmanifestaesartsticas originrias nas periferiasdasgrandes cidades. Nomovimento operado porHeloisa Buarque a proposta de repensar o papel do intelectual no meramente abstrair-se do debate e excluir-se davidapolticaeartstica.Tampouco,acrticadesejaapenasouviroqueasvozesque emergemtmadizer.Segundoaautora,asproduesartsticaseculturaisdaperiferia,ao elaborarumdiscursocrticosobreasuaprpriaexperincia,passamaexerceropapelque outroraforadesignadoaointelectual.Mas,valequestionar,qualdeveserolugaraser ocupadopelointelectualhojenotocanteaodilogocomestesmovimentos,discursose produtosculturaisperifricos?HeloisaBuarquedeHollandaapresentaumapossibilidadede soluo, observando que A sugesto de que a periferia e os movimentos que defendem a interpelao da propriedade intelectualfechadaesuperprotegidanomodelonorte-americano,comseucorolrio necessrio,oinvestimentonanoodesabercompartilhado,possaafinaldissolvervelhas equaes corporativas em novas maneiras de fazer poltica.(Hollanda, op. cit.) Segundoaautora,oexerccioderepensaropapeldointelectualproduzirumanova formadeengajamento,alterandoaposiodointelectualfrenteaosgruposmarginalizados. Nesse sentido,h uma recusa pelafunode porta-vozdestessujeitos,colocando-se frente. ImpossibilitadodefalarpeloOutro,poisagoraelepossuivoz,restaaointelectualexercera funodeco-autordosprocessossimblicos.nestaperspectivaqueHeloisasadaa publicaodeCabeadeporco,livroqueabordaapresenadaviolncianasfavelasdoRio de Janeiro, escrito por MV Bill, Celso Atahyde e Luiz Eduardo Soares. verdadequeaspartesescritasporcadaumsoassinadas,noproduzindo,portanto,um tipodeautoriacoletiva,mascolaborativa.Olivronodesafinanapassagemdeumautor paraoutro,queaparecemintercaladosnaestruturanarrativadolivro.Umcasodesaber compartilhado com igual peso para cada uma das partes, cada autor oferecendo sua dico e suacompetnciaespecficasempdeigualdade,emqueaautoriamenosimportantedo que o conjunto polifnico do trabalho, que precisamente de onde esta obra tira suamaior fora e valor(Idem, ibidem). Na proposta de Heloisa Buarque o intelectual nomais irfigurarcomo representante dasesferassilenciadas,nemsecalafrenteeminnciadevozesexcludas.Asoluo apresentadasematerializanabuscaporumespaodefronteira,noqualavozdointelectual sersomadaaodiscursoqueprovmdasmargens,reconhecendoonovocenrioculturalem queestinserido.Noentanto,aautoranopercebequeosimplesdeslocamentodeposio, figurandoagoraaoladoenomaisnaposiodelideranadoprocesso,sobretudono exemplocitado,noimpedeumaatitudepaternalistaecondescendentedointelectual.Em Cabeadeporcoperceptvelumadistinodiscursivaentreosautores,deumladofigura umafala testemunhalformada apartir daexperinciamarginal,personificada nosescritosde MV Bill e Celso Athayde, estes negros, favelados e atuantes no movimentoHip-Hop; no plo oposto, isolado em um gabinete, Luiz Eduardo Soares produz elaboradas anlises sociolgicas apartirdosrelatosdosrappers.Aformacolaborativa,quetantoimpressionouHeloisa BuarquedeHollanda,sedesfazpelaprpriaestruturatextualdolivro.Acolaborao,por assimdizer,naverdade,dosmarginalizadosparacomointelectual,oferecendoemcores vivashistriasparaseremindexadasemumarigorosaanlisesociolgica.Afrmula redundanteecansativa,apsosrelatossurgeafalaconclusivadeLuizEduardoSoares descortinandoobreueorientandonossascompreenses.Senestaestruturanohoatode silenciamento domarginalizado, no entantofica clara a subordinao destasfalas ao discurso cientfico e acadmico.Anlise semelhante de Heloisa Buarque de Hollanda engendrada por Maria Tereza Carneiro Lemos acerca do livroCabea de porco, em A (de)misso do intelectual. Segundo a autora,aposturaassumidaporLuizEduardoSoaresaocolaborarcomosdoisativistasdo movimento Hip-Hop o fez abandonar a posio de tradutor aquele que marca um lugar de relativa abertura da voz dos silenciados para figurar como um colaborador destes sujeitos. Nomaispossvelconceberointelectualquerefleteeindicaocaminho,mas,pelo contrrio,tornou-seclaroquehojeointelectualageorganizado,intervindo,criando.De formamuito diferente do intelectual modernista, hoje, ele no mais umvanguardista, no profecia em relao ao futuro, no antecipa a histria. (Lemos, 2007, p. 109) Certamente,possvelidentificarnoatoprotagonizadoporLuizEduardoSoaresa tentativadeabandonodasrgidasformasacadmicas.Lanar-sedeencontroanovas experinciassociais,polticaseculturais,certamenteassumiroriscodeintervirdeuma nova forma na sociedade.Noentanto,necessrioobservarque,nocasoespecficodeLuizEduardoSoarese sua interveno junto a M.V. Bill e Celso Athayde, a posio de retaguarda, com o intelectual perfiladoaoladodosmarginais,resultaemnofavoreceraascensodosprpriosmarginais como uma vanguarda. Noestoupropondoaconstituiodeduasesferasantagnicas,intelectuaise marginais, mas, antes de tudo, busco discutir quais as reais possibilidades de contato com este Outro marginalizado. Sem dvida, como observa Deleuze, O artista no pode seno apelar para um povo, ele tem necessidade dele nomais profundo de seu empreendimento, no cabe a elecri-lo e nem o poderia.Aarte o que resiste: ela resiste morte, escravido, infmia, vergonha. Mas o povo no pode ocupar-se de arte. Como poderia criar para si e criar a si prprio em meio a abominveis sofrimentos?(Deleuze, op. cit., 214-5) SeoquestionamentodeDeleuzeserefereaumaprovvelimpossibilidadedecriao artsticaedeformasdepensamentocrtico,arriscoacrescentardopovofrenteaosseus sofrimentos abominveis, igualmente possvel interrogar se h condies reais do intelectual falarsobre estessofrimentosdo povo? Nose trata apenasdebuscar uma legitimaopara a vozmarginalizadaqueagoraseergueepassaaproclamarumaverdade,masquedi scutiras potencialidades deste ato de insurreio.Leraproduoliterriadestesautorestambmobservarodesenvolvimentodestas estratgias polticas.Maisdoquemapearobrase tecercomentriossobretraosdeestilo, ao centrarmosumolharexclusivosobreaLiteraturaMarginaldevemosobservarasnuances discursivas e saber compreender o funcionamento de um amplo espectro de aes e propostas sociais que utiliza o literrio como recurso.Noentanto,aquiestemquestonosomenteoprocessodeconstruodosujeito marginalizado, mas das mediaes efetuadas na passagem desse discurso para outras camadas da sociedade. O desejo de se constituir enquanto movimento autnomo, sem a interferncia de elementosexterioresperiferia,podeserfacilmentequestionadopelasrelaesquealguns autoresmantmcomeditorasnovinculadasaomesmoprojetopolticoesocial,comonos fala Alfredo Bosi acerca da obra de Joo Antnio: Sei que o termo marginal fonte de equvocos; sei que, na sociedade capitalista avanada, no h nenhuma obra que, publicada, se possa dizer inteiramente marginal. O seu produzir-se,circulareconsumir-seacabamsempre,deummodooudeoutro,caindonomercado cultural,dragodemilbocas,useiroevezeiroemrecuperartodasortedemalditos.(Bosi, 2002, 238) OcomentriodeAlfredoBosilanaumdadoirnicosobreousodotermomarginal quetambmpodeser utilizado como ndice de anliseda prpriaestratgia discursiva destes autores.Comosermarginaleafirmar-secomopertencentedeummundopartequese estruturacomosubstratodiretodasaesempreendidasporsujeitossociaisdasclasses abastadas e, por outro lado, estar inserido nesta mesma estrutura? importante ressaltar que a constituiodestesujeito autoral perifricomais doque residirsomentena enunciaoou na recepododiscurso,estnoprprioprocessodialgicoetransitivo.Maisdoquedestituir qualquerpoderdeverdadedafaladestesautoresousimplesmentenegaraviabilidadedesta argumentaodaautenticidadedeumaculturae/ouliteraturamarginal,aoafirmareste aspecto pretendo apresentar uma nova perspectiva ao debate. Uma vez que o sujeito margem sejaomoradordafavela,emumaperspectivanacional,ouolatino-americano,emuma perspectivaglobalsempresercompostonoporumdiscursodeunicidadeepureza,mas, sim,pelohibridismo.Portanto,mesmoquesuplantadodaapresentaodaposturapolticaadotada,estesautoresestodeformarecorrenteestabelecendoformasdeapropriaoe adaptao.AoaceitaremofinanciamentodegrandesfundaesprivadascomoaIta Cultural,aoparticiparemdeprogramastelevisivoscomooFantsticodaT.V.Globoe ao publicarem em editoras de grande circulao como a Global Editora e a Editora Objetiva estesautoresestoinseridosemumprocessoatravsdoqualsedemandaumarevisode seusprpriossistemasdereferncia,normasevalores,pelodistanciamentodesuasregras habituaisouinerentesdetransformao.Dessaforma,ambivalnciaeantagonismo acompanham cada ato desta espcie de traduo cultural. Almdisso,possvelafirmarqueaoestaremfixadosnamargem,estesautores perifricoscorremoriscodeperderem,justamente,acapacidademetaforizantedasmargens emcontraposioaocentro.Defato,atransformaodeumacondiodevulnerabilidade social em um elemento de construo identitria, seja atravs da delimitao destes territrios marginaisempalcodasnarrativasounaelaboraodiscursivaqueargumentaporuma autenticidadecultural,umaposiodeconfronto.Agora,soautoresoriundosdaperiferia que se apresentam como vozes unvocas da marginalidade, silenciando assim qualquer contra-narrativaproduzidaporintelectuaispertencentesaosncleostradicionaisdesaber.Trata-se, portanto,deumaquestocomaqualestesefuturosautoresteroquelidar.Noentanto,a contnuainvestigaoacercadaviolncianosespaosperifricosterminarporesvaziara capacidadedesensibilizaodoleitorou,pelocontrrio,adramatizaodessesaspectos permitir ao morador dessas reas um novo olhar sobre si mesmo?Seosautoresestiveremcorretos,ospotenciaisleitoresdestasproduesliterrias leia-seosresidentesnosbairrosmarginalizadosutilizarotaisnarrativascomoespelhosde uma realidade concreta, mirando-se nos exemplos apresentados no texto ficcional. O princpio norteadordesteargumentoodesejodeconscientizaroleitor,fazendodescortinaruma verdade que o texto oferece.Otextoliterriosurgecomoummecanismopedaggico.Espera-secoma disseminao deste discurso voltado primeiramente para o leitor perifrico a produo de uma nova identidadecultural e acriao de uma novapostura destessujeitos.A fora pedaggica destesdiscursosmarginaisderasuraestrepousadanaautoridadequeaorigemperifrica oferece ao autor do discurso, utilizando sua experincia de autor/sujeito marginal para formar edoutrinar os receptoresdodiscurso. Diferentes autores da LiteraturaMarginal sobretudo aquelesvinculadosculturaHip-Hopproduzemnarrativascentradasnaapresentaode trajetriassociaisexemplares,sejapelaexaltaoounegao.Narradascomohistriasde proveitoeexemplo,astrajetriasdesujeitosdaperiferia,queemprincipiopoderiamser compreendidascomocasospontuais,sotransformadasemumacomplexatramacoletiva, facilitando a pronta identificao do leitor com opersonagem.Estas narrativasso pontuadas por um rgidomaniquesmo queprivilegia a abordagem doscasos de insucesso,encenando a falnciadestespersonagensapartirdaopopelocrime.Dessaforma,oexercciodeauto-representaodestessujeitosduplamentepolticoeengajado,almdeformaruma compreensoprpriaparasuavivncia,talcompreensoutilizadacomoumveculo disciplinareformadordeseuspares.Aliteratura,nestecaso,emergecomoveculodeum discursopedaggicoeconscientizadordoleitor.TalqualumaletradeRAP,oscontos,os romanceseaspoesias,soutilizadoscomorecursosdiscursivosqueobjetivamadivulgao deumapedagogiaprpriaevoltadaexclusivamenteparaojovemnegroperifrico.A performanceafalaematoquerompecomosparadigmasestabelecidosefereapretensa homogeneidadedanaoumaperformancepedaggicaque,mesmocontendotodosos elementosquepodemsercaracterizadoscomoumdiscursoperformativo,paracitarotermo empregado por Homi K. Bhabha para classificar os discursos se opem fala homogeneizante da nao, pode igualmente ser denominado como uma fala pedaggica.Mesmoquealgunsmecanismosdeintervenopolticadestemovimentosejam semelhantesaumasriedediscursosfacilmenterelacionadosestruturashegemnicas,o principal atode rasura e interveno queestes autorespromovem asua prpria insero na srieliterriaenquantoautores.aprpriaexistnciadeumamplomovimentoliterrio organizadoquereneautoresdeorigemperifricaumatoindito.Oestranhamentoem grandepartevemdapresenadeautoresnegrosevindosdafavelanombitodacultura letrada,queexigeregrasecondutasespecficas.Diferentementedamsicapopularque,de certaforma,umaconstanteculturaldascamadaspopulares,aescritaseimpecomoum valordeexclusoedehierarquizaofrenteseliteseconmicas.Contudo,mesmoque possamos afirmaro ineditismo destemovimento, os autoresbuscam um ponto de ancoragem prprioaoformaremumaespciedecnoneliterriomarginal.Asupostafiliao reivindicada engloba autores que exerceram o papel de mediadores entre a margem e o centro, sabendo transitarentre estesdois plos, assim como a primeira autorafavela: Carolina Maria de Jesus.Excluindoos vetoressociaise polticos, a linguagem assume umimportantepapelna formaodomovimento.Obviamente,desdeomodernismotorna-seestrildiscutirsobrea linguagemnombitodacorreoestilstica.Noentanto,interessantenotaraimportncia que a linguagem adquire nafeitura dos escritosmarginais. Por um lado, ela aproxima o leitor deumapossvelverossimilhanacomespaosdesconhecidos,poroutrolado,elatransgride, nomaisemumaatitudederupturavanguardista,mascomointerfernciadosujeito perifriconafalanormativa.Nomaispossvelsepararaviolnciafactualdaviolncia narrativa. como se tambm a gramtica, a lngua culta fosse violentada. Corromperalnguasignificatorn-laabertaaumanovarededesignificadosque escapamaoleitortradicional.ComoquestionaFoucault,emAordemdodiscurso,Mas,o queh, enfim, de toperigoso nofato de aspessoasfalarem edeseus discursosproliferarem indefinidamente?Onde,afinal,estoperigo?(Foucault,1996,p.11).Operigocoloca-se comosinaldenegaoordemdominantequeseestabelecediscursivamente.Ooutro enquantosujeitonomeadopelomesmoou incapacitadodesedefinirna lngua do dominador noadquireexistnciaprpria.Asubversodaordemdisciplinarimpostapelalnguaabre caminhosparaqueaalteridadepossaseimpornoterritriodomesmo,alterandoocdigo lingsticocomumalinguagemquebusca[re]criarasgriaseexpressesqueseavultamno espaodaperiferia.Alinguagemmarginalsurgecomoumaformadeexpresso intrinsecamenteligadaculturadafavela,expressar-seliterariamentenestalinguagem tentar preservar tal manifestao, como afirmar Ferrz no manifesto Terrorismo Literrio: Etemosmuitoparaprotegereamostrar,temosnossoprpriovocabulrioquemuito precioso,principalmentenumpascolonizadoatosdiasdehoje,ondeamaiorianotem representatividade cultural e social, na real, nego, o povo num tem nem o bsico para comer, emesmoassim,meutio,agentefazporondeterunsbaratoparaagentarmaisum dia.(Ferrz, 2005, p. 11) To importante quantoconquistar oespao territorial igualmentecentralizar o poder discursivo,construindo,literalmente,umterritrionarrativoquesejacapazdeabarcarsua prpria linguagem.O poder de narrar, afirmar Edward Said, ou de impedir que se formem ousurjamoutrasnarrativas,muitoimportanteparaaculturaeoimperialismo,econstitui umadasprincipaisconexesentreambos.(Said,1995,p.13). Metomaramtudo,menosa rua.,afirmaFerrz,notextodelegendadeumadasfotosdaprimeiraediodoromance Capo pecado.A rua torna-se princpio identitrio, lugarquenopodeser tomadoporque tambmdiscursodeondenascemasnarrativasmarginais.Ovnculoentreruaediscurso reafirmado,ouseja,ajunoentreterritrioesujeitoapresenta-secomoumaformade construodeumaidentidadeinscritanoterritriodaperiferia.Noentanto,talpropostade construo identitria,quesefaz atravsde um agenciamentopolticoqueutiliza a literatura comoveculo,tambmalvodecrticas,observandonaafirmaodovnculodosujeito autoralcomamargemumexerccioquepotencializaumaleituracentradaunicamentena exaltaobiogrficadoautor,comodestacouFernandoBonassi,emeventoorganizadono SESC Consolao, como parte da Mostra Artstica do Frum Cultural Mundial: Euachoaexpressoliteraturamarginalummassacre,apiorcoisaostextosficaremsob essagide.tpicodamcrticaessaleiturasociolgicaquenoseapegaaosdetalhes literrioseseprendeexperinciasocial.Issonomeinteressa,eutenhohorrors interpretaessociolgicasdosautores,issodesqualificaaliteraturaporcausada experincia social. A literatura no expresso de um grupo social, originalidade. No vi ningumelogiar o Ferrz pela qualidade do texto dele, falammais do fato dele ser pobree dohip-hop.Temsidodevastadorsermarginal,osinstrumentosdeabordagemso ultrapassados,aideiademarginalidadeempobreceanossaobra.Estamosfalandode urbanidade,eugostomaisdepensarassim,mesmoporqueningumchamouoGraciliano Ramos de marginal pela pobreza apresentada em Vidas secas(Apud, Peanha, 2009, p. 114-5) A argumentao deFernando Bonassise baseiana recepo queoscrticosliterrios, leia-setambmosleitores,realizamdestesescritosmarginais.Acrticadoautorsefixana recorrenteformadeapresentaodestesautores,queutilizacritriossociolgicospara analisar a obra literria. Na percepodo autor, aoestabelecer a exaltaoda presena destes autoresnacenaliterriaapartirdeumaanlisequelanamodecategoriassociolgicas, colocadoemdetrimentoovalorliterriopresentenestasobras.Emoutraspalavras,Bonassi esperaumaleituradaLiteraturaMarginalapartirdepropostostericosemetodolgicos unicamenteligadosCrticaLiterria.Nestaperspectiva,oqueimportaanalisarotexto literrio e no o produtor do discurso.AperspectivadeBonassisetornamaisreveladoranomomentoemquelemosseu posicionamentoem dilogocom a sua trajetria de vida,mesmoque isso no agradeo autor. NascidoemumafamliadeoperrioseresidentenoBairrodaMoca,Bonassino,em essncia termo delicado , ummarginal e,muito menos,filhode umafamlia abastada. Ele sefixanafronteira,noespaointersticialentreaafirmaodeumacondiodevida marginalizada e a exaltao de umpadro econmico burgus. neste local dedivisoque o autorbuscaproduzirumaobraquesejalidaunicamentepelasuaqualidadeliterria,sem lanar moda produode um discurso baseado na afirmao desua infncia e juventudeno subrbio de So Paulo. Em outras palavras, o autor quer ser lido por seu mrito literrio. AposturadeFernandoBonassinosauxiliaapensaraspropostaspolticasda LiteraturaMarginalsoboutraperspectiva.Noestariamestesautorespromovendoumcerto sensacionalismo em torno da misria e do crime. A construo identitria, sob este prisma, se assemelhaconstruodeumpersonagem.Osautoresperifricos,principalmenteFerrz, lanammodeumasriedeartifciosparaafirmaremsuarealligaocomossetores marginalizados.Resultadesteempenhoumaposturadbia,quepodeserlidacomuma propostapolticainovadoranousodaliteraturacomoformadesubjetivaoe,emoutra perspectiva,favoreceaidentificaodemecanismosdiscursivosqueatentamparaousoda periferia e do crime atravs de um oportunismo sensacionalista.Noentanto,seapagarmosestasmarcassociaisdaLiteraturaMarginalsobrarapenas umcompndiodetextosquepoucotraduzoineditismodaposturadestesautores.Silenciar estavozqueagoraseergueentreosbecosevielasdediferentesfavelas,obrigando-aano demarcar seu prprio territrio em um solo tradicionalmente hierrquico e excludente aqui a ideiadeexclusoaquemelhordefinearelaoentreascamadaspopulareseaselites letradasseria,aomeuver,umposicionamentoautoritrio.Norestamdvidasdeque necessrioelaborarnovasmaneirasdeleretravarcontatocomesseOutro,tomando-ono apenascomoumsimplesobjetoaserrepresentado.Certamente,amelhorsoluono deixar o marginalizado falar por si mesmo, formando um espao discursivo amparado em um simplrioantagonismodeclasse.Muitomenosamelhorsadaaceitarquesejamos intelectuaisosporta-vozes destegrupo. Oproblemaconsisteemencontrarumasoluo,mas eu acredito reproduzo Gayatri Chakravorty Spivak que enquanto houver a conscincia de que esse um campo muito problemtico, existe alguma esperana.(Spivak, 1990) ABSTRACT:Themainobjetiveofthisstudyistolookintoanumberofcontemporanynarrativeconflitcs involvingrelationsbetweenthescholarlyandathemarginalized,inadditiontodebatinghowcontemporany scholarlydealswiththealterityofthosewhoaresegregated.Contemporanyculturalproductselaboratedby outsidersshowanecessityfordevelopinganewapproachtotheexcludedonesbymakingthemnotonlyan object, but rather the subject of knowledge Key-words: Scholars; marginalized people, contemporany Brazilian literature. Referncias bibliogrficas AGUIAR,AnaLgiaLeitee.Galeriadefamintos.In:Comunicao&poltica.Centro BrasileirodeEstudosLatino-americanos.Volume25,N.1,janeiro-abrilde2007.Riode Janeiro, CEBELA.ATHAYDE, Celso; BILL, M.V. e SOARES, Luiz Eduardo. Cabea de porco. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005. ATHAYDE, Celso; BILL, M.V. Falco: meninos do trfico. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2006._________ e _______. Falco: mulheres e o trfico. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2007.DELEUZE, Gilles. Conversaes. So Paulo: Editora 34, 1992. __________. A imagem-tempo. So Paulo: Brasiliense, 2005. __________. A literatura e a vida. In: Crtica e clnica. So Paulo: Editora 34, 1997. FERRZ. Capo Pecado.So Paulo: Labortexto Editorial, 2000. _______.(Org.). Literatura marginal: talentos da escrita perifrica. Rio de Janeiro: Agir, 2005. FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. So Paulo: Edies Loyola, 1996. ___________. Microfsica do poder. Rio de Janeiro: Edies Graal, 1979. GHEZ,Preto.Culturapoder.In:Ferrz.(Org.)Literaturamarginal:talentosdaescrita perifrica. Rio de Janeiro: Agir, 2005. GOMES,RenatoCordeiroeMARGATO,Isabel(Orgs).OPapeldointelectualhoje.Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004.HOLLANDA,HeloisaBuarquede.IntelectuaisXmarginais.Revistaidiossincrasias. Disponvel em http://www.portalliteral.com.br Acessado em 20 de maio de 2007. MUYLAERT,Elizabeth.Deviresautobiogrficosaatualidadedaescritadesi.Tesede doutoramentoPontifciaUniversidadeCatlicadoRiodeJaneiro,DepartamentodeLetras, 2005.PATROCNIO,PauloRobertoTonanido.EscritosmargemApresenadeautoresde periferianacenaliterriacontempornea.Tesededoutoramento.PontifciaUniversidade Catlica do Rio de Janeiro, Departamento de Letras, 2010. ____________.Entreomorroeoasfalto:imagensdafavelanosdiscursosculturais brasileiros.Dissertaodemestrado.PontifciaUniversidadeCatlicadoRiodeJaneiro, Departamento de Letras, 2006.PEANHA, rica. Literatura Marginal: os escritores da periferia entram em cena. Dissertao deMestrado,ProgramadePs-graduaoemAntropologiaSocial,UniversidadedeSo Paulo, 2006. __________. Vozes marginais na literatura. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2009.RICHARD, Big. Hip-Hop: conscincia e atitude. So Paulo: Editora Livro Pronto, 2005.SPIVAK,GayatriChakravorty.Canthesubalternspeak?In:.Thepostcolonialstudies reader.(EditedbyASHCROF,B;GRIFFITHS,G.;TIFFIN,H.)LondonandNewYork: Routledge, 1995. _______.Theproblemofculturalself-representation.In:Thepostcolonialcritic.Interviws, strategies,dialogues. New York: Routledge, Traduoprovisrio 1990 (deCarla Nascimento mimeo) VERSIANI,Daniela.Autoetnografias:conceitosalternativosemconstruo.Tesede doutoramentoPontifciaUniversidadeCatlicadoRiodeJaneiro,DepartamentodeLetras, 2002.