A Voz Da Periferia e a Função Do Intelectual
-
Upload
lya-rakel-elouf-queiroz -
Category
Documents
-
view
29 -
download
13
description
Transcript of A Voz Da Periferia e a Função Do Intelectual
A voz da periferia e a funo do intelectual1 Paulo Roberto Tonani do Patrocnio2 RESUMO: O objetivo deste trabalho explorar os diversos conflitos narrativos contemporneos sobre a relao entre intelectuais e marginalizados e debater teoricamente de que forma o intelectual contemporneo lida com a alteridadeprovenientedosujeitomarginalizado.Produtosculturaiselaboradosporsujeitosperifricos evidenciamanecessidadedacriao,porpartedosintelectuais,deumanovaformadeabordagemdoOutro excludo, tomando-o no apenas como objeto, mas, principalmente, como sujeito do conhecimento.
Palavras-chave: Intelectuais; marginalizados; literatura brasileira contempornea.
(...) essa questo da representao, da auto-representao, de representar Outros, um problema. Gayatri Chakravorty Spivak, The post-colonial critic. Canthesubalternspeak?,questionaacrticaindianaGayatriChakravortySpivak em ensaio clssico que investiga as diferentes apropriaes discursivas que o Ocidenterealiza doOriente.Nestetexto,Spivak,almdeabordarasdiversasimpossibilidadesdefalados sujeitoslocalizadosemespaosperifricos,realizaumacrticadasapropriaesdasfalas oriundas dos setoressubalternizados. Contrariandoasperspectivas otimistas, a crtica indiana advertesobre a impossibilidadedefaladestessujeitosperifricos. Noentanto,comoobserva Elizabeth Muylaert, em Devires autobiogrficos, a atualidade da escrita de si, aresistnciatericadeSpivaknoseinteressaempromoveraconstituiodosujeito marginalizado, ou seja, darvoz ao subalterno, ela insiste na impossibilidade de traduzir o discursodosubalternoparaodiscursododominador,comoseesseltimofosse, inquestionavelmente, o representante, por excelncia, da justia que pode ser feita s razes do oprimido. (Muylaert, 2005, p. 114). Nessaleitura,arejeiodeSpivakemdarvozaossubalternosestcalcadana constatao de que seja como objeto retratado na sua condio de vtima seja na condio 1 Este ensaio parte do projeto de pesquisa A representao de territrios marginais na literatura brasileira, desenvolvido com o financiamento da Fundao Carlos Chagas Filho de Amparo Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro FAPERJ. 2 Departamento de Letras da Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro de sujeito quando recebe o benefcio da fala atravs da qual tem ocasio de se expressar a suaimagemeasuavoz,emambososcasos,jsoelementosdeumamediaoprpriaao cdigolingusticoeculturaldominantes,constituindoumaformadeviolnciaepistmica paracitarumaexpressoutilizadaporSpivak.Dessaforma,afaladosubalterno, independente de sua forma enunciativa, apropriada pela cultura dominante. OtextodeSpivak,produzidonajlongnquadcadade1980,permaneceatuale inquietante.Creioquebuscarumarespostaestanqueparaaquestonosejaoprincipal objetivodoensaioe,principalmente,nosejaesteoprimeiroimpulsodoscrticosaose debruaremsobreele.Talvez,opontomaisimportantedesteensaiosejaabuscapor estruturas tericas e textuais que possam favorecer a emergncia de vozes que foram sulcadas porforaspolticasdominantes.AomenosarecepodesteensaionaAmricaLatinafoi norteadaporestedesejo.Ouseja,construirumarcabouotericoquepudesse instrumentalizarasleiturasdetextosproduzidosporsujeitosnopertencentesaoscentros hegemnicosdepoder,favorecendo,assim,umreferencialquepossibilitassecolocarem relevo a condio cultural e social dos autores dos textos. Contudo, nos chocamos com a fora e aveemncia comque acritica indiana afirmaque a impossibilidadedefalar dosubalterno, notervoz,aprimeiracondiodesuasituaopolticaesocial.Almdisso,Spivak instauraumaperspectivainovadoraemsuainterpretao,quandoafirmaqueaointelectual restafalar porsi. Opapel dointelectual,nesta leitura, investigar oquantoseusmtodosde anlisecarregamprivilgiosinstitucionaisefavorecemamanutenodosubalternocomo objeto e, por conseguinte, silenciado.No entanto, vale questionar: e se os sujeitos marginalizados, alocados em seus espaos perifricosdeorigem,comeamafalarporsimesmosemainterfernciapaternalistados intelectuaisesejamouvidos,preferencialmente,porseuspares,criando,assim,umcampo discursivoeculturalprprio,aindapossvelapontarparaaimpossibilidadedefaladestes marginalizados?Asincontveisinvestidasdeautoresmarginalizadosnocampoliterrio brasileirotmapresentadoumanovadimensoaestaquesto,trilhandoumpercurso, aparentemente, inovador.Almdefalarem,estes autoresmarginalizados desejamtambmexercer afunoque tradicionalmenteera desempenhadaporintelectuais:serporta-voze orientadoresdasmassas. Emoutraspalavras,aoseafirmaremcomoautoresdeumdiscursoquealmejarepresentara prpriavivnciasocial,estes escritoresperifricos estose deslocandopara uma posioque retira de cena o papel que sempre foi assumido por intelectuais. EmcrnicapublicadanovolumeLiteraturaMarginal,talentosdaescritaperifrica,PretoGhezadotaumposicionamentopolticoqueencontrareflexoemdiferentesautores perifricos. No texto, o autor, que alm de integrar o movimento literrio perifrico, tambm ativistadaculturaHip-Hop,elaboraumexamedasdiferentesproduesculturais,sobretudo cinematogrficas, que possuem como tema central o cotidiano da periferia. A crnica possui o sugestivottuloCulturapodereiniciacomoautorresgatandosuainfncia,quando encontravanacasadosvizinhos a nica possibilidadede assistir aosfilmes nacionais. Otom memorialsticoadotadonaaberturadotextoauxiliaoautornoestabelecimentodeuma comparao entre as produes flmicas do passado e as contemporneas, na qual destacada amudananoplanotemticodasproduesquesintetizadaemumafrase:todomundo querserfavela!(Ghez,2005,p.21).Ointeressecrescenteemproduzirumolharsobreos bairrosperifricosefavelasdosgrandescentrosurbanosanalisadocomoumamoda especificamentenomeiointelectualdeesquerdaepequenaburguesiaadjacente.(Idem, idem).Acrticaapontanoapenasomodismocriado,mas,principalmente,oesvaziamento poltico destas manifestaes artsticas e o olhar deturpado que orienta tais produes: Todomundoquerserperifa,querserfavela.Eassimeuvejoumapdemaluco documentando a dureza do dia a dia da favela, uma p de filme documentando a violncia da quebrada, e neles eu vejo um bagulho que me deixa desbaratinado: a romantizao do crime, do bandido, da droga, a esteriotipizao de um estilo de vida, as roupas, as grias, os loucos, as fitas.(Idem, idem) AcrnicadePretoGhezargumentaemfavordeumaproduoartsticaquenose baseieemclichse,muitomenos,quereproduzaesteretipospreconceituosossobrea populaoresidenteemfavelas.Emoutraspalavras,oautorsabequetalproduoartstica, seja ela flmica ou literria, ser utilizada como veculo de mediao entre o morro e o asfalto periferiaecentro.Atravsdoretratoofertadopelaimagemcinematogrficaproduzida umapercepoprpriasobreosterritriosmarginalizadosquesoretratados.Ouseja,a encenaoficcionalqueocinemaexibe,baseado na Luz,cmerae...clich,paracitar uma expresso do prprio autor, ir perpetuar o estigma e o preconceito:Da deixa que o cinema entope demaluco que nunca foi perifa,gente que abomina agente quemoranaperifa,ospapisprincipaisestonosfaris,eseucontroleremotoacionao vidro que sobe e te isola do senhor dos anis, relgios, dinheiro, rpido de mos pro alto! Ou eu estouro a sua cara...(Idem, ibidem) PretoGhezcriticaoconsumodeumaimagemestereotipadadafavela,quedestaca apenas o crime e a violncia a partir de um trao excntrico. O produto, nas palavras do autor,se assemelha a um documentrio da National Geographic, centrado na exibio das marcas de uma culturapoucoconhecida. Todosquerem uma aproximao desta realidade,masdesejam que tal aproximao oferea a segurana necessria para o consumo. Obliterar a voz que vem defora,nessesentido,investircontraaorientaoformadanaperspectivadeumolhar nofamiliarizadocomocotidianoretratado.Aosecolocaremfrenteaosintelectuaisque comumenteexerceramopapeldeporta-vozdestessetoressilenciados,osescritores marginalizados buscam expressar na excludente letra de frma sua prpria vivncia. Culturapoder,comoenfatizaoautornottulodacrnica.Opoderrepousana possibilidadedeconstruiratravsdeumdiscursoculturalumaimagemprpriasobreestes espaosmarginalizados.NaleituradePretoGhez,oncleointelectualquedetmopoder atravsdaproduoculturaltambmcriaestratgiasparaamanutenodeseustatusquo. Afinal, nos lembra Ghez, Elesnosqueremondeestamos,nosquerembrutosetristes,nosdaroarmasedrogase escreveronovosroteirosefaronovosfilmessobrenossasvidasemnossohabitat,mal sabem eles que o sangue j transborda da periferia, queexistemo-de-obraexcedente com armas namo,mas eles nos querem assim comomelhor ator coadjuvante, no nos querem escrevendo, dirigindo, atuando, no nos querem protagonistas de nossas prprias vidas, seus filhosjconfundemficocomrealidade,eelesnosqueremlongedetudo,(...)semvoz, nosescurodoanonimato,elessemomutarelli,semoferrz,semopaulolins,(...)Mas alguns j sabem: Cultura poder!(idem, p.23). Nadamaislegtimodoqueoprpriosujeitomarginalizado,aquelequesofre diretamentecomascondiesdevulnerabilidadesocialqueumasociedadedesigualproduz, seja o autor de um discurso que aborda seu cotidiano. O discurso, nesse sentido, para alm de sua postura poltica, passa a ser ornamentado por uma perspectiva testemunhal, determinando a voz oriunda dos espaos perifricoscomo a verdadeira forma de representaoda misria e daviolnciaqueassolaestesespaos.Afinal,quempossuialegitimaoparanarrara margem seno o prprio marginal?Tal posicionamento ecoa de diferentes formas na Literatura Marginal e se revela como umdadopreciosoparaoestabelecimentodeumadiscussoacercadopapeleolugardos intelectuaisfrente aestasmanifestaes literriasemergentesquecobrampara si umestatuto delegitimaoquebuscasilenciarasvozesnopertencentesestruturasocialdemarcada. Necessrioacrescentarquetalorientaopolticanoumdadorelativoapenasaeste movimentoliterrio,mas,sim,umaespciedeorientaodegrupossociaiseculturais marginalizados,quedesejamfalar porsi,sem a presena demediadores.A argumentaodo rapperBigRichard,naapresentaodeseulivro,Hip-hop:conscinciaeatitude,corrobora este aspecto: Neste livro tenho uma preocupaomuito grande em registrar parte de nossa histria, o hip hopbrasileiro.Cansei.Meincomodamuitoverirmosdaremsubsdiosaintelectuaise pesquisadoresdeforadenossarealidade,queconstroemgrandestesessobrenossavida, nosso momento (...) Penso que temos que comear a transmitir a nossa verso da histria, a nossapalavrapesquisada,masmuitomaisdoqueisto,nossashistriasvividas(Richard, 2005, p. 19) Seoutroraointelectualatuavaenquantoporta-vozdestesgrupos,falandoemnome destessujeitose,dessamaneira,silenciado-os;nosparecequenacontemporaneidadenoh maisespao paraeste tipo de atuao,sobretudo quandoestessetorespassam a falareno desejam mais que o intelectual fale em nome deles. O questionamentoqueporhora aquise constri no umfato isoladoemuitomenos dizrespeitoapenasaosurgimentodeummovimentoliterrioorganizadoporautores marginalizados. Renato Cordeiro Gomes e Isabel Margato, organizadores do livroO papel do intelectual hoje, apresentam este debate como um reflexo diretoda crise proveniente da nova configurao sociocultural do limiar do sculo XXI: Para pensar ento a reconfigurao, do papel do intelectual na contemporaneidade, h de se consideraracrisedevaloresuniversais,desencadeadapelahistriadosculoXX.O testemunhodouniversaltorna-secadavezmaisdifcil,balanandopelorelativismodos valores,dasposiespoltico-ideolgicasadotadas,numtempodeheterogeneidade, posiesessasatravessadasporclivagensdegnero,raa,sexo,idadeenomais privilegiando a problemtica da classe social. (Margato e Gomes, 2004, p. 10) Esse horizonte de questes interfere de forma decisiva na tradicional imagem que fora forjadaparaointelectualaolongodamodernidadee,principalmente,nosculoXX.Seao pensarmosempropostasparaofuturodafunodointelectualpercorremosumtrajeto marcadoporincerteza,podemosafirmarcomcertezaqueomodelodopassadonoter frutos.Nosetratadeafirmarquedificilmenteumescritorcontemporneovirapblicoe apresentarumtextoincisivocomottulodeEuacuso,repetindoogestoclssico protagonizadoporZolanaapresentaodopanfletoJaccuse,em1898,atoquehoje analisado como o nascimento do intelectual.Mas, sim, se trata de avaliar que o intelectual no irmaisatuarenquantosujeitodotadodeumsaberprivilegiadoquepossibilitarorientaras massas.Noentanto,necessrioesclarecerquenosetratadeafirmarofimdafunodo porta-vozdasociedade,tradicionalmenteencarnadapelointelectualescritor,mas, principalmente,interrogarqualanovaformadeengajamentoqueointelectualescritordeve engendrarfrenteaestessujeitosmarginalizados.Seodebateaquipropostosurgeem decorrnciadeumasriedeprodutosliterrioscontemporneos,opensamentocrtico ocidentalhmuitoproduzinterrogaesacercadestaquesto.Exemplodistoaconversa entreMichelFoucaulteGillesDeleuze,em1972,intituladaOsintelectuaiseopoder.No dilogo,Foucaultjanunciavaanecessidadedeaparecimentodeumanovaformade engajamentodointelectual,nomaiscomoaquelequediziaaverdadeaosqueaindanoa viam e em nome dos que no podiam diz-la: Ora, o que os intelectuais descobriramrecentemente que asmassas no necessitam deles para saber; elas sabem perfeitamente, claramente, muito melhor do que eles; e elas o dizem muito bem. Mas existe um sistema de poder que barra, probe, invalida esse discurso e esse saber.Poderquenoseencontrasomentenasinstnciassuperioresdacensura,masque penetramuito profundamente,muito sutilmenteem toda a trama da sociedade. Os prprios intelectuaisfazempartedessesistemadepoder,aidiadequeelessoagentesda conscinciaedodiscursotambmfazpartedessesistema.Opapeldointelectualno mais o de se colocar um pouco na frente ou um pouco de lado para dizer a mudaverdade detodos;antesodelutarcontraasformasdepoderexatamenteondeele,aomesmo tempo,oobjetoeoinstrumento;naordemdosaber,daverdade,daconscincia,do discurso. (Foucault, 1979, p.71) NaleituradeFoucault,aexistnciadeumsistemadepoderprprioaoexerccio intelectualsubordinaafaladasmassas,inferiorizando-asfrenteaodiscursocientficoe acadmico. Nesta concepo, pouco importa se o intelectual se coloca um pouco na frente ou um pouco ao lado das massas, pois, independente da posio assumida, seja negando ou no opapeldeporta-vozdosdesejosdosgrupossocialmentemarginalizados,odiscurso intelectualfiguracomodetentordeumpoderdeverdadedotadodeumaauraunvoca.No entanto, Foucault nos esclarece que,
Nosetratadelibertaraverdadedetodosistemadepoderoqueseriaquimricona medidaemqueaprpriaverdadepodermasdedesvincularopoderdaverdadedas formas de hegemonia (sociais, econmicas, culturais) no interior das quais ela funciona no momento.Emsuma,aquestopolticanooerro,ailuso,aconscinciaalienadaoua ideologia, a prpria verdade. (Foucault, 1979, p.14) Tais reflexes entre Deleuze e Foucault emergem a partir de um debate sobre a relao entreprticaeteoria,colocandoemcenanoapenasquestionamentosacercadopapeldo intelectual,mas,sobretudo,aestruturaodeumnovoconceitoderepresentao.nesta clavequeDeleuzelembraquefoioseuinterlocutorqueteriasidooprimeiroadenunciara indignidade de falar pelos outros: Ameuver,voc[Foucault]foioprimeiroanosensinartantoemseuslivrosquantono domnio da prtica algo fundamental: a indignidade de falar pelos outros. Quero dizer que seridicularizavaarepresentao,dizia-sequeelatinhaacabado,masnosetiravaa conseqncia desta converso terica, isto , que a teoria exigia que as pessoas a quem ela concerne falassem por elas prprias. (Idem, p. 72) Silenciar-sefrenteaosgruposmarginalizados-quenocasoespecficododilogo entreFoucaulteDeleuzeeramosprisioneiros-foiamedidanecessriaparapossibilitara emergnciadestasvozes.AconversotericaquenosfalaDeleuzecomportanoapenasa faladossujeitossilenciados,mas,igualmente,ainsurreiodesabereslocais,esquecidose inferiorizadosperanteacincia.Contudo,talperspectivatericafoiclaramentedeturpada, favorecendoacompreenso,paraumaparceladeintelectuais,queopapelaserassumido frente a estes grupos marginalizados deveria ser passivo, favorecendo o retorno a fala viva do sujeitodominado.Nosetrata,pois,desimplesmenteouvirdeslumbradoapurezada diferenaatravsdestasvozes,masdeanalisarosmecanismosdopoderdiscursivoque,ao filtrarafaladestessujeitos,desqualificam-na.Ointelectualdeve,antesdemaisnada,ser crticodesuasprpriascondiesdetrabalhoque,demodomuitoconcreto,porseus regulamentosehierarquiasacabamporassimilarestasvozeseestessaberese,dessaforma, lev-los ao silncio.Contudo, taisprerrogativasnodevemsercompreendidas como umpostulado terico queargumentapelosilnciodointelectual,comoesclareceDanielaVersianiapartirdas reflexes de Foucault acerca do tema: Tratarapenasdodeslindardosprocessosquelevamestassubjetividadesexclusoeao silenciamento,aindaqueobviamentesejaporsistarefatorduaquantonecessria, tambm,contudo, de alguma forma, pr-se margem desses processos. Se Foucault estava certo quanto indignidade de falar pelos outros, esta afirmativa no deveria, contudo, servir de justificativa para que o intelectual contemporneo se perpetue margem desse processo, sejapelaingnuasuposiodequeaalternativarecusaemassumirumapostura partenalistafalarpelosoutrossejanicaeexclusivamenteaindiferena,sejapelo interesse em preservar a sua prpria autoridade mantendo a no-autoridade de outras vozes. (Versiani, 2004, p. 80) Jnomaissuficientededicar-seapenasanlisedosprocessosdeexclusoe marginalizaodossujeitossilenciados,necessrioelaborarestratgiasdeinclusodessas subjetividadesnoprprioatodiscursivodointelectual.Ointuitodesteinvestimentono produzir uma fala autorizada, mas, sim, elaborar conceitos e procedimentos que impeam que a fala do intelectual figure no lugar do discurso do Outro marginalizado. Nessediapaso,impositivoconsideraroimpassecriadopeladesconfiananafigurado intelectual como porta-voz da verdade de todos, quando se trata derecuperar sua funo crtica.Aopopeladefesadosdireitosdospequenosgrupos,pelalutacontrafocos particularesdopoder,correoriscodegerarumdescompromissodointelectualcomo conjunto da sociedade, de limit-lo a uma ao sempre autoreferenciada. (Gomes e Margato, op. cit., p. 10) Ouseja,comoDeleuzequestiona:Ento,comochegarafalarsemdarordens,sem pretenderrepresentaralgooualgum,comoconseguirfazerfalaraquelesquenotmesse direito,edevolveraossonsoseuvalordelutacontraopoder?(Deleuze,1992,p.56). Respondertalquestionamento,decerto,umatarefatorduaquantoretiraropoderda verdadedasformashegemnicas.Noentanto,seguindoospassosdeDeleuze,possvel vislumbrarumasada-ou,comooprprio autorconceitua: uma linha defuga a partirdo tratamentodoprprioatodiscursivo:Semdvidaisso,estarnaprprialnguacomoum estrangeiro,traarparaalinguagemumaespciedelinhadefuga(Idem,ibidem).Ser estrangeironaprprialnguaproduzirumaespciedegagueiraquepossibiliteracharas palavras e estruturar enunciados no hierrquicos. Falar assumindo todos os tons, sem desejar deformailusriaelaborarumdiscursoquesequersemelhanteaodoOutro,tampoucouma falaquecoloqueemrelevoadiferenadointelectualfrenteaomarginalizado.Aanlisede Deleuze sobre Godard pode ser tomada como uma referncia para pensarmos a questo: Decertomodo,trata-sesempredesergago.Nosergagoemsuafala,massergagoda prprialinguagem.Geralmente,sdparaserestrangeironumaoutralngua.Aqui,ao contrrio, trata-se de ser um estrangeiro em sua prpria lngua. (...) essa gagueira criativa, essa solido que faz de Godard uma fora.(Idem, p. 52). A gagueira surgecomo uma possibilidadedeminar as estruturasslidasdo discursoe favorecer a emergnciade umafalano impositiva.Semdarordens,o intelectual produz um discursoquefigura em umespao intersticial,no umafala que representa e, muitomenos, aatitudesilenciosaeomissadeapenasdeixaroOutrofalar.Toimportantequanto refletirmosacercadeumateoriaquefavoreaaaplicaodemtodosquenoobliterea emergnciadasvozesqueoutroraeramsilenciadas,proporumaformadeatuao intelectual que se baseie em um princpio tico.Falarcomosoperriosenoserumpatrofalando,comoalcanarestaformade linguagemquerasuraasformasdepoder?HeloisaBuarquedeHollandaeMariaTereza CarneiroLemos,apartirdequestionamentossemelhantesaosaquiapresentados,apontam para o estabelecimento de parcerias entre intelectuais e marginalizados como a soluo para estaintrincadaquesto.AmbasautorasutilizamapublicaodeCabeadeporco,livroque denunciaasmisriasprovocadaspeloavanodocomrciovarejistadedrogasnasperiferias dos grandes centros urbanos do Brasil, como um resultado bem sucedido.NoartigoIntelectuaisXmarginais,HeloisaBuarqueanalisaanecessidadede criao de novas abordagens das novas vozes discursivas no cenrio cultural brasileiro: Hoje, parecequealgumacoisadebastantediferenteestnoarequevamosterquerepensar,com radicalidade, nosso papel como intelectuais tanto no campo social, como no campo acadmico eartstico(Hollanda,2007).Oalgonovoqueaautorapercebenoarmaterializadonas inovadoraspropostasdaculturaHip-Hopedetantasoutrasmanifestaesartsticas originrias nas periferiasdasgrandes cidades. Nomovimento operado porHeloisa Buarque a proposta de repensar o papel do intelectual no meramente abstrair-se do debate e excluir-se davidapolticaeartstica.Tampouco,acrticadesejaapenasouviroqueasvozesque emergemtmadizer.Segundoaautora,asproduesartsticaseculturaisdaperiferia,ao elaborarumdiscursocrticosobreasuaprpriaexperincia,passamaexerceropapelque outroraforadesignadoaointelectual.Mas,valequestionar,qualdeveserolugaraser ocupadopelointelectualhojenotocanteaodilogocomestesmovimentos,discursose produtosculturaisperifricos?HeloisaBuarquedeHollandaapresentaumapossibilidadede soluo, observando que A sugesto de que a periferia e os movimentos que defendem a interpelao da propriedade intelectualfechadaesuperprotegidanomodelonorte-americano,comseucorolrio necessrio,oinvestimentonanoodesabercompartilhado,possaafinaldissolvervelhas equaes corporativas em novas maneiras de fazer poltica.(Hollanda, op. cit.) Segundoaautora,oexerccioderepensaropapeldointelectualproduzirumanova formadeengajamento,alterandoaposiodointelectualfrenteaosgruposmarginalizados. Nesse sentido,h uma recusa pelafunode porta-vozdestessujeitos,colocando-se frente. ImpossibilitadodefalarpeloOutro,poisagoraelepossuivoz,restaaointelectualexercera funodeco-autordosprocessossimblicos.nestaperspectivaqueHeloisasadaa publicaodeCabeadeporco,livroqueabordaapresenadaviolncianasfavelasdoRio de Janeiro, escrito por MV Bill, Celso Atahyde e Luiz Eduardo Soares. verdadequeaspartesescritasporcadaumsoassinadas,noproduzindo,portanto,um tipodeautoriacoletiva,mascolaborativa.Olivronodesafinanapassagemdeumautor paraoutro,queaparecemintercaladosnaestruturanarrativadolivro.Umcasodesaber compartilhado com igual peso para cada uma das partes, cada autor oferecendo sua dico e suacompetnciaespecficasempdeigualdade,emqueaautoriamenosimportantedo que o conjunto polifnico do trabalho, que precisamente de onde esta obra tira suamaior fora e valor(Idem, ibidem). Na proposta de Heloisa Buarque o intelectual nomais irfigurarcomo representante dasesferassilenciadas,nemsecalafrenteeminnciadevozesexcludas.Asoluo apresentadasematerializanabuscaporumespaodefronteira,noqualavozdointelectual sersomadaaodiscursoqueprovmdasmargens,reconhecendoonovocenrioculturalem queestinserido.Noentanto,aautoranopercebequeosimplesdeslocamentodeposio, figurandoagoraaoladoenomaisnaposiodelideranadoprocesso,sobretudono exemplocitado,noimpedeumaatitudepaternalistaecondescendentedointelectual.Em Cabeadeporcoperceptvelumadistinodiscursivaentreosautores,deumladofigura umafala testemunhalformada apartir daexperinciamarginal,personificada nosescritosde MV Bill e Celso Athayde, estes negros, favelados e atuantes no movimentoHip-Hop; no plo oposto, isolado em um gabinete, Luiz Eduardo Soares produz elaboradas anlises sociolgicas apartirdosrelatosdosrappers.Aformacolaborativa,quetantoimpressionouHeloisa BuarquedeHollanda,sedesfazpelaprpriaestruturatextualdolivro.Acolaborao,por assimdizer,naverdade,dosmarginalizadosparacomointelectual,oferecendoemcores vivashistriasparaseremindexadasemumarigorosaanlisesociolgica.Afrmula redundanteecansativa,apsosrelatossurgeafalaconclusivadeLuizEduardoSoares descortinandoobreueorientandonossascompreenses.Senestaestruturanohoatode silenciamento domarginalizado, no entantofica clara a subordinao destasfalas ao discurso cientfico e acadmico.Anlise semelhante de Heloisa Buarque de Hollanda engendrada por Maria Tereza Carneiro Lemos acerca do livroCabea de porco, em A (de)misso do intelectual. Segundo a autora,aposturaassumidaporLuizEduardoSoaresaocolaborarcomosdoisativistasdo movimento Hip-Hop o fez abandonar a posio de tradutor aquele que marca um lugar de relativa abertura da voz dos silenciados para figurar como um colaborador destes sujeitos. Nomaispossvelconceberointelectualquerefleteeindicaocaminho,mas,pelo contrrio,tornou-seclaroquehojeointelectualageorganizado,intervindo,criando.De formamuito diferente do intelectual modernista, hoje, ele no mais umvanguardista, no profecia em relao ao futuro, no antecipa a histria. (Lemos, 2007, p. 109) Certamente,possvelidentificarnoatoprotagonizadoporLuizEduardoSoaresa tentativadeabandonodasrgidasformasacadmicas.Lanar-sedeencontroanovas experinciassociais,polticaseculturais,certamenteassumiroriscodeintervirdeuma nova forma na sociedade.Noentanto,necessrioobservarque,nocasoespecficodeLuizEduardoSoarese sua interveno junto a M.V. Bill e Celso Athayde, a posio de retaguarda, com o intelectual perfiladoaoladodosmarginais,resultaemnofavoreceraascensodosprpriosmarginais como uma vanguarda. Noestoupropondoaconstituiodeduasesferasantagnicas,intelectuaise marginais, mas, antes de tudo, busco discutir quais as reais possibilidades de contato com este Outro marginalizado. Sem dvida, como observa Deleuze, O artista no pode seno apelar para um povo, ele tem necessidade dele nomais profundo de seu empreendimento, no cabe a elecri-lo e nem o poderia.Aarte o que resiste: ela resiste morte, escravido, infmia, vergonha. Mas o povo no pode ocupar-se de arte. Como poderia criar para si e criar a si prprio em meio a abominveis sofrimentos?(Deleuze, op. cit., 214-5) SeoquestionamentodeDeleuzeserefereaumaprovvelimpossibilidadedecriao artsticaedeformasdepensamentocrtico,arriscoacrescentardopovofrenteaosseus sofrimentos abominveis, igualmente possvel interrogar se h condies reais do intelectual falarsobre estessofrimentosdo povo? Nose trata apenasdebuscar uma legitimaopara a vozmarginalizadaqueagoraseergueepassaaproclamarumaverdade,masquedi scutiras potencialidades deste ato de insurreio.Leraproduoliterriadestesautorestambmobservarodesenvolvimentodestas estratgias polticas.Maisdoquemapearobrase tecercomentriossobretraosdeestilo, ao centrarmosumolharexclusivosobreaLiteraturaMarginaldevemosobservarasnuances discursivas e saber compreender o funcionamento de um amplo espectro de aes e propostas sociais que utiliza o literrio como recurso.Noentanto,aquiestemquestonosomenteoprocessodeconstruodosujeito marginalizado, mas das mediaes efetuadas na passagem desse discurso para outras camadas da sociedade. O desejo de se constituir enquanto movimento autnomo, sem a interferncia de elementosexterioresperiferia,podeserfacilmentequestionadopelasrelaesquealguns autoresmantmcomeditorasnovinculadasaomesmoprojetopolticoesocial,comonos fala Alfredo Bosi acerca da obra de Joo Antnio: Sei que o termo marginal fonte de equvocos; sei que, na sociedade capitalista avanada, no h nenhuma obra que, publicada, se possa dizer inteiramente marginal. O seu produzir-se,circulareconsumir-seacabamsempre,deummodooudeoutro,caindonomercado cultural,dragodemilbocas,useiroevezeiroemrecuperartodasortedemalditos.(Bosi, 2002, 238) OcomentriodeAlfredoBosilanaumdadoirnicosobreousodotermomarginal quetambmpodeser utilizado como ndice de anliseda prpriaestratgia discursiva destes autores.Comosermarginaleafirmar-secomopertencentedeummundopartequese estruturacomosubstratodiretodasaesempreendidasporsujeitossociaisdasclasses abastadas e, por outro lado, estar inserido nesta mesma estrutura? importante ressaltar que a constituiodestesujeito autoral perifricomais doque residirsomentena enunciaoou na recepododiscurso,estnoprprioprocessodialgicoetransitivo.Maisdoquedestituir qualquerpoderdeverdadedafaladestesautoresousimplesmentenegaraviabilidadedesta argumentaodaautenticidadedeumaculturae/ouliteraturamarginal,aoafirmareste aspecto pretendo apresentar uma nova perspectiva ao debate. Uma vez que o sujeito margem sejaomoradordafavela,emumaperspectivanacional,ouolatino-americano,emuma perspectivaglobalsempresercompostonoporumdiscursodeunicidadeepureza,mas, sim,pelohibridismo.Portanto,mesmoquesuplantadodaapresentaodaposturapolticaadotada,estesautoresestodeformarecorrenteestabelecendoformasdeapropriaoe adaptao.AoaceitaremofinanciamentodegrandesfundaesprivadascomoaIta Cultural,aoparticiparemdeprogramastelevisivoscomooFantsticodaT.V.Globoe ao publicarem em editoras de grande circulao como a Global Editora e a Editora Objetiva estesautoresestoinseridosemumprocessoatravsdoqualsedemandaumarevisode seusprpriossistemasdereferncia,normasevalores,pelodistanciamentodesuasregras habituaisouinerentesdetransformao.Dessaforma,ambivalnciaeantagonismo acompanham cada ato desta espcie de traduo cultural. Almdisso,possvelafirmarqueaoestaremfixadosnamargem,estesautores perifricoscorremoriscodeperderem,justamente,acapacidademetaforizantedasmargens emcontraposioaocentro.Defato,atransformaodeumacondiodevulnerabilidade social em um elemento de construo identitria, seja atravs da delimitao destes territrios marginaisempalcodasnarrativasounaelaboraodiscursivaqueargumentaporuma autenticidadecultural,umaposiodeconfronto.Agora,soautoresoriundosdaperiferia que se apresentam como vozes unvocas da marginalidade, silenciando assim qualquer contra-narrativaproduzidaporintelectuaispertencentesaosncleostradicionaisdesaber.Trata-se, portanto,deumaquestocomaqualestesefuturosautoresteroquelidar.Noentanto,a contnuainvestigaoacercadaviolncianosespaosperifricosterminarporesvaziara capacidadedesensibilizaodoleitorou,pelocontrrio,adramatizaodessesaspectos permitir ao morador dessas reas um novo olhar sobre si mesmo?Seosautoresestiveremcorretos,ospotenciaisleitoresdestasproduesliterrias leia-seosresidentesnosbairrosmarginalizadosutilizarotaisnarrativascomoespelhosde uma realidade concreta, mirando-se nos exemplos apresentados no texto ficcional. O princpio norteadordesteargumentoodesejodeconscientizaroleitor,fazendodescortinaruma verdade que o texto oferece.Otextoliterriosurgecomoummecanismopedaggico.Espera-secoma disseminao deste discurso voltado primeiramente para o leitor perifrico a produo de uma nova identidadecultural e acriao de uma novapostura destessujeitos.A fora pedaggica destesdiscursosmarginaisderasuraestrepousadanaautoridadequeaorigemperifrica oferece ao autor do discurso, utilizando sua experincia de autor/sujeito marginal para formar edoutrinar os receptoresdodiscurso. Diferentes autores da LiteraturaMarginal sobretudo aquelesvinculadosculturaHip-Hopproduzemnarrativascentradasnaapresentaode trajetriassociaisexemplares,sejapelaexaltaoounegao.Narradascomohistriasde proveitoeexemplo,astrajetriasdesujeitosdaperiferia,queemprincipiopoderiamser compreendidascomocasospontuais,sotransformadasemumacomplexatramacoletiva, facilitando a pronta identificao do leitor com opersonagem.Estas narrativasso pontuadas por um rgidomaniquesmo queprivilegia a abordagem doscasos de insucesso,encenando a falnciadestespersonagensapartirdaopopelocrime.Dessaforma,oexercciodeauto-representaodestessujeitosduplamentepolticoeengajado,almdeformaruma compreensoprpriaparasuavivncia,talcompreensoutilizadacomoumveculo disciplinareformadordeseuspares.Aliteratura,nestecaso,emergecomoveculodeum discursopedaggicoeconscientizadordoleitor.TalqualumaletradeRAP,oscontos,os romanceseaspoesias,soutilizadoscomorecursosdiscursivosqueobjetivamadivulgao deumapedagogiaprpriaevoltadaexclusivamenteparaojovemnegroperifrico.A performanceafalaematoquerompecomosparadigmasestabelecidosefereapretensa homogeneidadedanaoumaperformancepedaggicaque,mesmocontendotodosos elementosquepodemsercaracterizadoscomoumdiscursoperformativo,paracitarotermo empregado por Homi K. Bhabha para classificar os discursos se opem fala homogeneizante da nao, pode igualmente ser denominado como uma fala pedaggica.Mesmoquealgunsmecanismosdeintervenopolticadestemovimentosejam semelhantesaumasriedediscursosfacilmenterelacionadosestruturashegemnicas,o principal atode rasura e interveno queestes autorespromovem asua prpria insero na srieliterriaenquantoautores.aprpriaexistnciadeumamplomovimentoliterrio organizadoquereneautoresdeorigemperifricaumatoindito.Oestranhamentoem grandepartevemdapresenadeautoresnegrosevindosdafavelanombitodacultura letrada,queexigeregrasecondutasespecficas.Diferentementedamsicapopularque,de certaforma,umaconstanteculturaldascamadaspopulares,aescritaseimpecomoum valordeexclusoedehierarquizaofrenteseliteseconmicas.Contudo,mesmoque possamos afirmaro ineditismo destemovimento, os autoresbuscam um ponto de ancoragem prprioaoformaremumaespciedecnoneliterriomarginal.Asupostafiliao reivindicada engloba autores que exerceram o papel de mediadores entre a margem e o centro, sabendo transitarentre estesdois plos, assim como a primeira autorafavela: Carolina Maria de Jesus.Excluindoos vetoressociaise polticos, a linguagem assume umimportantepapelna formaodomovimento.Obviamente,desdeomodernismotorna-seestrildiscutirsobrea linguagemnombitodacorreoestilstica.Noentanto,interessantenotaraimportncia que a linguagem adquire nafeitura dos escritosmarginais. Por um lado, ela aproxima o leitor deumapossvelverossimilhanacomespaosdesconhecidos,poroutrolado,elatransgride, nomaisemumaatitudederupturavanguardista,mascomointerfernciadosujeito perifriconafalanormativa.Nomaispossvelsepararaviolnciafactualdaviolncia narrativa. como se tambm a gramtica, a lngua culta fosse violentada. Corromperalnguasignificatorn-laabertaaumanovarededesignificadosque escapamaoleitortradicional.ComoquestionaFoucault,emAordemdodiscurso,Mas,o queh, enfim, de toperigoso nofato de aspessoasfalarem edeseus discursosproliferarem indefinidamente?Onde,afinal,estoperigo?(Foucault,1996,p.11).Operigocoloca-se comosinaldenegaoordemdominantequeseestabelecediscursivamente.Ooutro enquantosujeitonomeadopelomesmoou incapacitadodesedefinirna lngua do dominador noadquireexistnciaprpria.Asubversodaordemdisciplinarimpostapelalnguaabre caminhosparaqueaalteridadepossaseimpornoterritriodomesmo,alterandoocdigo lingsticocomumalinguagemquebusca[re]criarasgriaseexpressesqueseavultamno espaodaperiferia.Alinguagemmarginalsurgecomoumaformadeexpresso intrinsecamenteligadaculturadafavela,expressar-seliterariamentenestalinguagem tentar preservar tal manifestao, como afirmar Ferrz no manifesto Terrorismo Literrio: Etemosmuitoparaprotegereamostrar,temosnossoprpriovocabulrioquemuito precioso,principalmentenumpascolonizadoatosdiasdehoje,ondeamaiorianotem representatividade cultural e social, na real, nego, o povo num tem nem o bsico para comer, emesmoassim,meutio,agentefazporondeterunsbaratoparaagentarmaisum dia.(Ferrz, 2005, p. 11) To importante quantoconquistar oespao territorial igualmentecentralizar o poder discursivo,construindo,literalmente,umterritrionarrativoquesejacapazdeabarcarsua prpria linguagem.O poder de narrar, afirmar Edward Said, ou de impedir que se formem ousurjamoutrasnarrativas,muitoimportanteparaaculturaeoimperialismo,econstitui umadasprincipaisconexesentreambos.(Said,1995,p.13). Metomaramtudo,menosa rua.,afirmaFerrz,notextodelegendadeumadasfotosdaprimeiraediodoromance Capo pecado.A rua torna-se princpio identitrio, lugarquenopodeser tomadoporque tambmdiscursodeondenascemasnarrativasmarginais.Ovnculoentreruaediscurso reafirmado,ouseja,ajunoentreterritrioesujeitoapresenta-secomoumaformade construodeumaidentidadeinscritanoterritriodaperiferia.Noentanto,talpropostade construo identitria,quesefaz atravsde um agenciamentopolticoqueutiliza a literatura comoveculo,tambmalvodecrticas,observandonaafirmaodovnculodosujeito autoralcomamargemumexerccioquepotencializaumaleituracentradaunicamentena exaltaobiogrficadoautor,comodestacouFernandoBonassi,emeventoorganizadono SESC Consolao, como parte da Mostra Artstica do Frum Cultural Mundial: Euachoaexpressoliteraturamarginalummassacre,apiorcoisaostextosficaremsob essagide.tpicodamcrticaessaleiturasociolgicaquenoseapegaaosdetalhes literrioseseprendeexperinciasocial.Issonomeinteressa,eutenhohorrors interpretaessociolgicasdosautores,issodesqualificaaliteraturaporcausada experincia social. A literatura no expresso de um grupo social, originalidade. No vi ningumelogiar o Ferrz pela qualidade do texto dele, falammais do fato dele ser pobree dohip-hop.Temsidodevastadorsermarginal,osinstrumentosdeabordagemso ultrapassados,aideiademarginalidadeempobreceanossaobra.Estamosfalandode urbanidade,eugostomaisdepensarassim,mesmoporqueningumchamouoGraciliano Ramos de marginal pela pobreza apresentada em Vidas secas(Apud, Peanha, 2009, p. 114-5) A argumentao deFernando Bonassise baseiana recepo queoscrticosliterrios, leia-setambmosleitores,realizamdestesescritosmarginais.Acrticadoautorsefixana recorrenteformadeapresentaodestesautores,queutilizacritriossociolgicospara analisar a obra literria. Na percepodo autor, aoestabelecer a exaltaoda presena destes autoresnacenaliterriaapartirdeumaanlisequelanamodecategoriassociolgicas, colocadoemdetrimentoovalorliterriopresentenestasobras.Emoutraspalavras,Bonassi esperaumaleituradaLiteraturaMarginalapartirdepropostostericosemetodolgicos unicamenteligadosCrticaLiterria.Nestaperspectiva,oqueimportaanalisarotexto literrio e no o produtor do discurso.AperspectivadeBonassisetornamaisreveladoranomomentoemquelemosseu posicionamentoem dilogocom a sua trajetria de vida,mesmoque isso no agradeo autor. NascidoemumafamliadeoperrioseresidentenoBairrodaMoca,Bonassino,em essncia termo delicado , ummarginal e,muito menos,filhode umafamlia abastada. Ele sefixanafronteira,noespaointersticialentreaafirmaodeumacondiodevida marginalizada e a exaltao de umpadro econmico burgus. neste local dedivisoque o autorbuscaproduzirumaobraquesejalidaunicamentepelasuaqualidadeliterria,sem lanar moda produode um discurso baseado na afirmao desua infncia e juventudeno subrbio de So Paulo. Em outras palavras, o autor quer ser lido por seu mrito literrio. AposturadeFernandoBonassinosauxiliaapensaraspropostaspolticasda LiteraturaMarginalsoboutraperspectiva.Noestariamestesautorespromovendoumcerto sensacionalismo em torno da misria e do crime. A construo identitria, sob este prisma, se assemelhaconstruodeumpersonagem.Osautoresperifricos,principalmenteFerrz, lanammodeumasriedeartifciosparaafirmaremsuarealligaocomossetores marginalizados.Resultadesteempenhoumaposturadbia,quepodeserlidacomuma propostapolticainovadoranousodaliteraturacomoformadesubjetivaoe,emoutra perspectiva,favoreceaidentificaodemecanismosdiscursivosqueatentamparaousoda periferia e do crime atravs de um oportunismo sensacionalista.Noentanto,seapagarmosestasmarcassociaisdaLiteraturaMarginalsobrarapenas umcompndiodetextosquepoucotraduzoineditismodaposturadestesautores.Silenciar estavozqueagoraseergueentreosbecosevielasdediferentesfavelas,obrigando-aano demarcar seu prprio territrio em um solo tradicionalmente hierrquico e excludente aqui a ideiadeexclusoaquemelhordefinearelaoentreascamadaspopulareseaselites letradasseria,aomeuver,umposicionamentoautoritrio.Norestamdvidasdeque necessrioelaborarnovasmaneirasdeleretravarcontatocomesseOutro,tomando-ono apenascomoumsimplesobjetoaserrepresentado.Certamente,amelhorsoluono deixar o marginalizado falar por si mesmo, formando um espao discursivo amparado em um simplrioantagonismodeclasse.Muitomenosamelhorsadaaceitarquesejamos intelectuaisosporta-vozes destegrupo. Oproblemaconsisteemencontrarumasoluo,mas eu acredito reproduzo Gayatri Chakravorty Spivak que enquanto houver a conscincia de que esse um campo muito problemtico, existe alguma esperana.(Spivak, 1990) ABSTRACT:Themainobjetiveofthisstudyistolookintoanumberofcontemporanynarrativeconflitcs involvingrelationsbetweenthescholarlyandathemarginalized,inadditiontodebatinghowcontemporany scholarlydealswiththealterityofthosewhoaresegregated.Contemporanyculturalproductselaboratedby outsidersshowanecessityfordevelopinganewapproachtotheexcludedonesbymakingthemnotonlyan object, but rather the subject of knowledge Key-words: Scholars; marginalized people, contemporany Brazilian literature. Referncias bibliogrficas AGUIAR,AnaLgiaLeitee.Galeriadefamintos.In:Comunicao&poltica.Centro BrasileirodeEstudosLatino-americanos.Volume25,N.1,janeiro-abrilde2007.Riode Janeiro, CEBELA.ATHAYDE, Celso; BILL, M.V. e SOARES, Luiz Eduardo. Cabea de porco. Rio de Janeiro: Objetiva, 2005. ATHAYDE, Celso; BILL, M.V. Falco: meninos do trfico. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2006._________ e _______. Falco: mulheres e o trfico. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2007.DELEUZE, Gilles. Conversaes. So Paulo: Editora 34, 1992. __________. A imagem-tempo. So Paulo: Brasiliense, 2005. __________. A literatura e a vida. In: Crtica e clnica. So Paulo: Editora 34, 1997. FERRZ. Capo Pecado.So Paulo: Labortexto Editorial, 2000. _______.(Org.). Literatura marginal: talentos da escrita perifrica. Rio de Janeiro: Agir, 2005. FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. So Paulo: Edies Loyola, 1996. ___________. Microfsica do poder. Rio de Janeiro: Edies Graal, 1979. GHEZ,Preto.Culturapoder.In:Ferrz.(Org.)Literaturamarginal:talentosdaescrita perifrica. Rio de Janeiro: Agir, 2005. GOMES,RenatoCordeiroeMARGATO,Isabel(Orgs).OPapeldointelectualhoje.Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004.HOLLANDA,HeloisaBuarquede.IntelectuaisXmarginais.Revistaidiossincrasias. Disponvel em http://www.portalliteral.com.br Acessado em 20 de maio de 2007. MUYLAERT,Elizabeth.Deviresautobiogrficosaatualidadedaescritadesi.Tesede doutoramentoPontifciaUniversidadeCatlicadoRiodeJaneiro,DepartamentodeLetras, 2005.PATROCNIO,PauloRobertoTonanido.EscritosmargemApresenadeautoresde periferianacenaliterriacontempornea.Tesededoutoramento.PontifciaUniversidade Catlica do Rio de Janeiro, Departamento de Letras, 2010. ____________.Entreomorroeoasfalto:imagensdafavelanosdiscursosculturais brasileiros.Dissertaodemestrado.PontifciaUniversidadeCatlicadoRiodeJaneiro, Departamento de Letras, 2006.PEANHA, rica. Literatura Marginal: os escritores da periferia entram em cena. Dissertao deMestrado,ProgramadePs-graduaoemAntropologiaSocial,UniversidadedeSo Paulo, 2006. __________. Vozes marginais na literatura. Rio de Janeiro: Aeroplano, 2009.RICHARD, Big. Hip-Hop: conscincia e atitude. So Paulo: Editora Livro Pronto, 2005.SPIVAK,GayatriChakravorty.Canthesubalternspeak?In:.Thepostcolonialstudies reader.(EditedbyASHCROF,B;GRIFFITHS,G.;TIFFIN,H.)LondonandNewYork: Routledge, 1995. _______.Theproblemofculturalself-representation.In:Thepostcolonialcritic.Interviws, strategies,dialogues. New York: Routledge, Traduoprovisrio 1990 (deCarla Nascimento mimeo) VERSIANI,Daniela.Autoetnografias:conceitosalternativosemconstruo.Tesede doutoramentoPontifciaUniversidadeCatlicadoRiodeJaneiro,DepartamentodeLetras, 2002.