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Estudos de PsicologiaICampinasI25(4)I487-497Ioutubro -.dezembro 2008
Entre as vrias dermatoses, a alopecia areata ou
pelada destaca-se por sua evoluo crnica e associao
com aspectos psicolgicos ou psicossomticos. As
caractersticas dessa dermatose incluem perda de
cabelos ou de plos em reas redondas ou ovais, e no
h presena de sinais inflamatrios ou de atrofia da
pele. Geralmente, pode se manifestar no couro cabeludo
ou na barba. Possui maior prevalncia dos 20 aos 50
anos. mais freqente no sexo masculino, mas se
desenvolve em ambos os sexos. uma doena de
evoluo crnica e de fator etiolgico desconhecido,
embora exista uma correlao com as doenas cong-
nitas, participao gentica e imunolgica, na qual se
verifica infiltrado linfocitrio de linfcitos T em torno
dos folculos pilosos (Sampaio & Rivitti, 2001).
A literatura destaca o estudo das dermatoses do
ponto de vista psicossomtico. Embora as investigaes
atuais sobre a alopecia areata sejam proeminentes, a
abrangncia do tema pode ser ricamente explorada. Na
perspectiva dermatolgica, o paradigma cientfico que
concebe o ser humano em sua totalidade ainda no
conquistou uma adeso universal dos profissionais.
Entretanto, o conhecimento produzido contribuiu com
o avano de investigaes entre as dimenses neuro-
lgicas, endcrinas, psicolgicas e fisiolgicas no
processo de adoecimento. Na dcada de 1990, Castro
(1991) considerou que a manifestao de distrbios
dermatolgicos relaciona-se ao desenvolvimento de
estados de ansiedade, estresse, tenso, medo e depresso,
ponderando que a pele um dos rgos de expresso
dos processos psquicos. Posteriormente, Cohen (1995)
constatou que a linguagem cutnea representa uma
via de acesso para a expresso de conflitos, cuja ao
psquica tem sido reconhecida na alopecia areata, lquen
rubro, psorase, vitiligo, roscea e em outras dermatoses
e enfermidades.
Do ponto de vista fisiolgico, a pele um sistema
integrado e rgo de imunovigilncia avanado.
tambm constituda de ceratincitos, clulas de
Langerghans, clulas de Merkel, linfcitos residentes e
clulas endoteliais do plexo capilar. Essas estruturas
recebem informaes do sistema nervoso central pelas
terminaes nervosas livres (Azambuja, 2000). A conexo
entre a dermatologia e a psiconeuroimunologia privi-
legia as dimenses fisiolgica, comportamental, cogni-
tiva, afetiva, sistmica e ecolgica do funcionamento
humano (Rocha, 2003). Ostress tem papel significativo
na gnese de vrias doenas em decorrncia das reaes
gerais e especficas de adaptao, especialmente por
sua ao imunodepressora, dependendo dos modos
de enfrentamento dos eventos estressores (Neme, 2005).
Para Urpe, Buggiani e Lotti (2005), h evidnciaclnica e experimental de que o crebro pode influenciar
tanto no surgimento de episdios dermatolgicos
quanto em sua cura, e os sistemas imune e endcrino
so os principais responsveis pela manifestao de
sintomas dermatolgicos.
No que diz respeito alopecia areata, a medicina
reconhece a presena de fatores emocionais associados
sua manifestao, apesar de sua etiologia desconhe-
cida (Sampaio & Rivitti, 2001). Na manifestao dessa
dermatose, h uma possvel atuao das vias bioqu-
micas, nas quais os fenmenos emocionais exerceminfluncia por intermdio da ao de neuromediadores
(Rivitti, 2005).
Do ponto de vista psicolgico, os estudiosos
buscam a conexo entre o funcionamento psquico e
as manifestaes dermatolgicas no contexto da hist-
ria de vida do indivduo. Em estudo realizado por Perini
et al. (1984), tanto os pacientes com alopecia areata
quanto os pertencentes aos grupos controles foram
submetidos a eventos estressores. Entretanto, os autores
no consideraram apenas a ocorrncia concreta de
acontecimentos indesejveis no emergir da doena, poisobservaram que os pacientes recordavam os traumas
de maneira dolorosa, mesmo sem t-los experienciado
novamente.
A histria de vida, quando pontilhada de confli-
tos, merece uma ateno especial dirigida infncia. A
falta de contato ou o contato deficiente entre me e
filho pode favorecer a ecloso de enfermidades de pele
(Spitz, 1993). Segundo Caldera, Jar, Daz, Martn e Rubio
(1986), o estado emocional da criana portadora de
alopecia areata encontra-se freqentemente alterado,
apresentando relaes de afeto insustentveis e marca-das por acontecimentos insatisfatrios. Situaes tais
como desmame traumtico, sentimento de abandono
e perda dos pais favorecem a carncia afetiva materna e
paterna e podem compor um quadro de neurose de
abandono (Chalub, 1989). Portanto, cabe ressaltar a
teoria de Bowlby (1998), na qual o autor descreve o
desenvolvimento sadio da criana fundamentado nas
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primeiras ligaes da infncia, descritas como persis-
tentes e contnuas, cuja principal figura de apego
representada pela pessoa que dispensa a maior parte
dos cuidados maternos.
Em estudo realizado com uma criana de cinco
anos, Kreisler (1999) detectou relaes afetivas enfra-quecidas, carncia paterna e repeties de situaes
traumticas. Volich (2000) observou que, em condies
de rejeio materna, a criana pode perseverar em
estado de agitao, sofrer de insnia ou chupar o dedo
para substituir a me, valendo-se de auto-erotismo.
Estudos recentes sobre o tema encontrados na literatura
restringem-se faixa etria adulta e, freqentemente,
deixam de abordar a histria de vida e as vivncias
traumticas da infncia. Cabe destacar que foram confir-
madas relaes de influncia entre a alopecia areata e
vivncias de traumas psicolgicos em pacientes, sobre-tudo em situaes de luto, nas quais a tentativa de
eliminar ou diminuir a tenso foi realizada de maneira
imprpria (Misery & Rousset, 2001).
Estudos encontrados na literatura relacionam
algumas dermatoses e certas caractersticas psicol-
gicas, indicando a ocorrncia de emoes significativas
em indivduos com alopecia areataaproximadamente
doze meses antes de seu surgimento, enquanto em
pacientes com psorase ocorreu uma tendncia maior
para fazer reclamaes ou queixas emocionais muito
tempo antes. Embora possam ser identificadas caracte-rsticas psicolgicas consideradas especficas em dife-
rentes dermatoses, existem tambm caractersticas
comuns. Estudos realizados por Tordeurs, Poot, Janne,
Reynaerti e Salamon (2001) indicam que tanto na
alopecia areata quanto na psorase as pessoas tendem
a expressar as emoes, o sofrimento psicolgico e o
mal-estar por intermdio de reclamaes somticas.
De acordo com Doblado, Carrizosa e Hernndez
(2003), indivduos com alopecia areata tendem a apre-
sentar personalidade dependente e anti-social, com
sintomas psicopatolgicos mais especficos, como
transtorno de adaptao, ansiedade generalizada e
episdios depressivos. Para Picardi et al. (2003), a alopecia
areata pode se manifestar em indivduos que mantm
distanciamento nas relaes interpessoais, com caracte-
rsticas predominantes de alexitimia, descontrole emo-
cional e pouca habilidade para lidar com as emoes.
Estudos realizados luz da teoria psicanaltica
apontam a influncia de situaes traumticas e de
eventos de estresse no processo de evoluo das
doenas. Os eventos traumticos so acontecimentos
fortemente indesejveis que geram perturbaes
psquicas prolongadas e dependentes da combinao
entre os recursos que o indivduo possui e a intensidade
da reao experincia (Volich, 2000). Por outro lado, as
reaes psicofisiolgicas do stresspodem ser desen-
cadeadas por eventos positivos ou negativos que rom-
pem com a homeostase e apresentam finalidades
adaptativas. O stress definido como estado de tenso
no-especfico de um ser vivo, que se manifesta por
mudanas morfolgicas tangveis, em diferentes rgos,
e particularmente nas glndulas endcrinas (Selye, 1952,
p.20).
As experincias individuais configuradas como
dolorosas, ameaadoras e afetivamente empobrecidas
tm como resduos emocionais os sentimentos repri-
midos. medida que novas situaes se repetem e so
recordadas com sofrimento, as experincias antigas so
consideradas traumticas. Portanto, a expresso verbal
facilitaria a identificao de sentimentos afetivos
tanto na infncia quanto na fase adulta. Para Freud
(1899/1969), ao ingressar na maturidade sexual, o
indivduo pode reviver de modo traumtico ou no
suas experincias do passado, independentemente da
similaridade concreta entre as experincias passadas eas atuais. O efeito traumtico depende tambm dos
recursos disponveis pelo indivduo e da intensidade da
reao experincia.
A opo pelo estudo de pessoas que sofrem com
a alopecia areata fundamentou-se em observaes
clnicas realizadas no processo psicodiagnstico de
pacientes em tratamento mdico e psicolgico no Insti-
tuto Lauro de Souza Lima (Bauru-SP), considerado pela
Organizao Mundial da Sade um centro de referncia
nacional na assistncia, ensino e pesquisa da hansenase
e dermatologia geral.
As observaes clnicas mostraram que os com-
ponentes psicoafetivos negativos identificados na
histria de vida dos pacientes tinham suas razes na
infncia e permaneciam at a idade adulta, mesmo aps
a manifestao da doena. Nos pacientes atendidos,
foram freqentemente constatados comprometi-
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mentos emocionais, tanto nas relaes parentais quanto
na vida conjugal, identificando-se experincias de pri-
vao afetiva, abandono, rejeio ou separao tempo-
rria. Tais observaes motivaram este estudo - focali-
zado na expresso dos aspectos afetivos presentes na
situao de doena e vivenciados de maneira subjetivae particular - que teve como objetivo realizar a anlise
da dinmica emocional de mulheres com alopecia
areata, delimitando como eixo as relaes de afeto com
a famlia de origem (pais) e as relaes conjugais, confor-
me relato de experincias das participantes.
Mtodo
O estudo foi baseado no mtodo clnico de
investigao ( Trivinos, 1995) e de natureza descritivo/
interpretativa. Respeitou-se a espontaneidade no modode falar das participantes, estimulando o emergir de
contedos presentes em seu imaginrio. Utilizou-se a
tcnica da entrevista semi-estruturada, que permitiu a
recuperao e explorao de fragmentos de lembranas
no relato das mulheres entrevistadas, possibilitando a
reconstruo das histrias de suas vidas afetivas desde
a infncia.
Participaram deste estudo cinco mulheres,
pacientes do Instituto Lauro de Souza Lima (Bauru),
sendo quatro casadas e uma viva, com idades entre 22
e 53 anos. Apenas uma participante tinha ocupao
profissional (instrutora de servios gerais), enquanto as
demais exerciam as atividades do lar, e todas residiam
na cidade de Bauru (SP). A amostra foi constituda exclu-
sivamente de mulheres, tendo em vista que os pacientes
masculinos atendidos no ambulatrio no dispunham
de tempo para comparecer s entrevistas em horrio
de trabalho e apresentavam menor aderncia aos
tratamentos mdicos e psicolgicos oferecidos, com-
parativamente ao universo feminino. As mulheres,
identificadas com nomes fictcios, foram selecionadas
aleatoriamente entre as pacientes com alopecia areata
que tinham ou tiveram algum tipo de relacionamento
conjugal e estavam sendo atendidas na rotina do ambu-
latrio de dermatologia da instituio onde o estudo
foi realizado, na poca da coleta de dados. Todas as
convidadas concordaram em participar, relatando suas
histrias de vida e de relacionamento conjugal.
Procedimentos
Em uma proposta de trabalho interdisciplinar,
os pacientes que procuram o ambulatrio, coordenado
por uma mdica dermatologista, so encaminhados
para a equipe de psiclogos, apresentando diferentes
tricoses: alopecia areata; alopecia androgentica;tricotilomania; sndrome da queda anjena, entre outras
doenas. O mdico investiga, faz o diagnstico e prope
a interveno medicamentosa e outros procedimentos
teraputicos, enquanto o trabalho da psicologia abrange
o processo psicodiagnstico interventivo e a psico-
terapia, durante o tempo necessrio para a repilagem
dos fios de cabelo. Semanalmente, so realizadas
reunies ambulatoriais entre dermatologistas e psic-
logos, com o objetivo de discutir os principais aspectos
psicodermatolgicos e as expectativas do paciente
quanto ao diagnstico e prognstico, tendo em vista oprolongamento do tratamento.
As participantes foram previamente agendadas
e individualmente entrevistadas, com mdia de trs
encontros, com durao mxima de 60 minutos cada
entrevista. As entrevistas foram gravadas e transcritas
integralmente. As respostas produzidas pelas entre-
vistadas apresentaram caractersticas peculiares e, em
vrios aspectos dos relatos, os contedos relatados
permitiram a sua organizao em categorias de expe-
rincias psicolgicas.
As informaes foram obtidas por meio dosrelatos espontneos das entrevistadas, com base em
questes gerais iniciais colocadas pela entrevistadora
para estimular os relatos. As entrevistas clnicas realizadas
compuseram um processo de triagem diagnstica inter-
ventiva, no qual foram trabalhados aspectos rela-
cionados s expectativas negativas das pacientes frente
cura da dermatose associadas aos conflitos afetivos
familiares e aos sentimentos presentes nas dificuldades
conjugais. Todas as pacientes foram includas no pro-
cesso psicoterpico aps a realizao das entrevistas,
na rotina de atendimentos da instituio.
A entrevista foi constituda por uma questo
norteadora central: Fale-me sobre a sua vida. Com base
nesta, surgiram outras questes que abarcavam
fragmentos de lembranas afetivas no elaboradas e
pertencentes ao contexto familiar de origem e das rela-
es conjugais durante o relato espontneo de cada
entrevistada.
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Os relatos das entrevistadas foram mantidos em
sigilo, respeitando-se o anonimato. A autorizao das
entrevistadas para participar deste estudo foi obtida por
meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido. A pesquisa foi submetida apreciao da
Comisso Cientfica e do Comit de tica em Pesquisa
da instituio e obteve parecer favorvel.
Anlise dos dados
Neste estudo qualitativo, o contedo gravado
das entrevistas foi integralmente transcrito e analisado.
As entrevistas visaram obteno de relatos de me-
mrias dos aspectos mais marcantes das experincias
afetivas das pacientes. As respostas das participantes,
aps a questo central norteadora, abrangeram aspectos
afetivos da relao com os pais e com o cnjuge, alm
de aspectos da vida conjugal, adoecimento e vivnciasatuais, de acordo com as nfases dadas pelas prprias
participantes, e foram organizadas nos seguintes eixos
temticos: relao com os pais; namoro e casamento;
sexualidade e relao conjugal; adoecimento; doena e
estigma.
Resultados e Discusso
As respostas transcritas e organizadas em cate-
gorias temticas esto apresentadas de acordo com as
categorias nas quais foram inseridas.
Relao com os pais
A anlise dos relatos das participantes concer-
nentes infncia e relao com os pais evidenciou
referncias afetivas mais negativas do que positivas, com
indicaes de vnculos inseguros ou frgeis. Ao recor-
darem fragmentos de suas histrias de vida associados
ao relacionamento com os pais, narraram as seguintes
passagens:
Como minha me trabalhava, tinha que fazer as coisascertinhas para no apanhar dela. Eu era criana tambm,
no conseguia ter todas as responsabilidades de adulto.
Ela estava sempre brava, nervosa com todo mundo. No
tive afeto, dilogo e nem pude contar meus problemas
pra minha me ... (Sandra).
Minha me era muito nervosa e tinha ataque epilptico.
Morreu quando eu tinha quatro anos... Eu no aceitava
a nova esposa do meu pai. Minha madrasta era
ignorante... Meu pai bebia e brigava muito. A nossa
convivncia no era boa. Ele era severo, mas era um bom
pai. Ele no sabia passar carinho, mas tinha amor pelos
filhos, aquela coisa antiga e ignorante(Ana).
A gente sempre teve desentendimento. Ns somos muito
parecidos ... Meu pai era muito pouco de abrao e beijo,
mas sempre nas necessidades ele estava presente ... Antes
de ser me, no valorizava minha me no papel de querer
me dizer no que estava certa e no que estava errada. Ns
nunca fomos de sentar e conversar(Paula).
Minha av me ensinou a passar roupa, aprender a
cozinhar. Ensinou-me a viver. Minha me no fez isso por
mim ... Meus tios brincavam comigo ... Minha me no
foi me ... . Era uma carrasca, revoltada comigo, e a irm
mais velha sofria como eu ... (Irene).
Meu pai bom, me trata bem, mas no sei se me ama.
Fica agressivo quando bebe, xinga muito a minha me ...(Hilda).
As figuras materna e paterna so concebidas
negativamente: as lembranas de experincias afetivas
suscitam sentimentos de frustrao e vazio afetivo. A
figura materna apresentada apenas como uma pessoa
que ensina e faz o bem criana. Geralmente a me
e/ou o pai aparecem como figuras autoritrias, ofere-
cendo vnculos inseguros ou hostis. Nas entrelinhas,
aparece uma auto-avaliao negativa e insegura asso-
ciada a situaes de abandono e privao, alm de
sentimentos de rejeio afetiva. A vivncia traumticadesses episdios da infncia mobilizou sentimentos
autodepreciativos. A proviso dos cuidados bsicos
essenciais ao desenvolvimento infantil parece no ter
sido suficiente para garantir a manuteno da relao
de troca afetiva positiva entre os pais e estas filhas.
Namoro e casamento
Todas as participantes casaram-se muito novas,
com o primeiro namorado; trs delas engravidaram
durante o namoro, possivelmente buscando a satisfaode suas necessidades afetivas, conforme se depreende
de seus relatos. A opo pelo companheiro conjugal
no pareceu ter sido baseada na admirao, nas idias
romnticas ou no amor, mas em uma atitude fatalista e
de submisso a regras sociais, impostas e sustentadas
tambm pelos pais. A possibilidade de uma opo
consciente e afetuosa pelo parceiro mostrou-se prati-
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camente nula, constatando-se, no relato das entrevis-
tadas, uma aceitao passiva da imposio de regras
sociais pelos pais, da privao de recursos materiais e
aparente indiferena quanto infidelidade do marido.
A responsabilidade individual no enfrentamento das
emoes e das prprias decises parece diluda,
constatando-se uma forte tendncia vitimizao e
culpabilizao do outro. As entrevistadas associaram a
doena a seus problemas conjugais e familiares. Ao
atribuir a causa dos seus problemas ao outro, manti-
veram atitude de passividade diante dos conflitos e da
vida. Os depoimentos a seguir indicam uma escolha
conjugal imatura ente as mulheres entrevistadas e suge-
rem um comportamento passivo diante das dificul-
dades no casamento.
Quem escolheu meu marido foi minha me... Prefiro
aceitar a traio do meu marido do que entregar a minha
casa, o nosso dinheiro nas mos de outra mulher e separar
os filhos do pai... (Sandra).
Sou muito nervosa, principalmente depois que eu
descobri que meu marido parece que tem uma filha com
outra mulher... (Paula).
Meu marido sempre foi ruim dentro de casa. Passei cinco
anos com o teto da casa em encerado. Ele no d dinheiro
pra comprar coisas bsicas... . A pior mudana que
aconteceu pra mim foi o casamento, mesmo assim
prefiro ficar com meu marido... (Irene).
Sexualidade e relao conjugal
As entrevistadas narraram contedos negativos
quanto vivncia da sexualidade no convvio conjugal:
distanciamento afetivo; pouca concretizao de anseios
e metas de vida; manuteno de baixa auto-estima e
auto-imagem prejudicada, agravadas tambm pela
doena. A vivncia da menopausa foi considerada pelas
entrevistadas um processo de adoecimento, de envelhe-
cimento inevitvel e o fim da etapa reprodutiva. Os
sintomas de depresso descritos associaram-se baixa
auto-estima, enaltecendo o sofrimento, o sentimentode inutilidade, enfraquecimento, dependncia e
inferioridade, conforme a descrio dos depoimentos
que se seguem:
Ele muito instintivo na relao sexual, eu no gosto, mas
fico esperando a iniciativa dele... Tambm, estou entrando
na menopausa... Me considero uma pessoa muito
doente... Me sinto inferiorizada perto das pessoas,
engordei demais... No me olho no espelho, acho que as
pessoas pensam que sou feia... (Sandra).
Eu perdi o interesse por sair de casa, tenho uma tristeza
profunda, dificuldades para tomar decises, no tenho
amigos, sinto muito cansao, no gosto do meu trabalho,
mas, no abandono... Sofro de depresso, insnia, cido
rico, menopausa; perdi um pouco da minha audio e
viso... . ... Me acho feia e velha, cheia de cabelos brancos...
Minha preocupao com o cabelo no poder pint-lo,
pois acho que pode cair mais... . Fico irritada, incomodada
e tenho medo de perd-lo por completo ... (Ana).
Quando nasceu minha filha, eu pus pra fora o que estava
tanto tempo dentro. Ficava deitada o dia inteiro, chorava
muito, no queria conversar nem ver o beb, mas fui
medicada ... (Paula).
Outra condio mantenedora do comporta-
mento passivo e da perda da libido relaciona-se
convivncia com o parceiro alcoolista. Ao buscar asatisfao de suas vontades, o parceiro se mantm dis-
tante dos conflitos familiares e domsticos, e a relao
com a esposa converte-se em uma dade competitiva e
destrutiva. Por seu lado, as mulheres apresentam dimi-
nuio do desejo e da atividade sexual, alm de dificul-
dades para reconstruir afetivamente sua vida conjugal.
Convivem com parceiros que no desempenham satis-
fatoriamente os seus papis e que, anulando-se nas
decises e tarefas familiares, manifestam-se impositi-
vamente quando se encontram alcoolizados.
Eu era tipo Amlia e minhas filhas no eram assim,
enfrentavam ele. Eu defendia elas quando ele queria bater,
machucar. E ele ficava contra mim, me ofendia porque
protegia elas. No suportava ver ele bebendo... (Ana).
Quando casamos, meu marido me tratava muito mal.
Tinha medo de perder meu marido pra outra e foi o ano
mais difcil, porque meus cabelos comearam a cair muito
e tive que usar peruca... . Mesmo assim, prefiro ficar com
meu marido. Ele me chama de tonta, ele tem o defeito
que ele bebe muito ... . Eu gostaria que a gente fosse mais
amigos, sasse juntos pra passear, ir em festa, saber o que
acontece um com o outro, e ele no beber... (Hilda).
De modo geral, os relatos obtidos das partici-
pantes indicam o no enfrentamento direto de seus
problemas e dificuldades conjugais. A sustentao do
relacionamento conjugal marcada por frustraes
aparentemente recprocas; a ausncia de dilogo e de
proximidade afetivo-sexual perpetua a insatisfao e
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manifesta-se no adoecimento e no enfrentamento da
doena.
A sensao de fracasso pessoal, a perda da libido
e do interesse pela vida, a insatisfao consigo, com o
prprio corpo e a depresso so abordados no mesmo
contexto dos aspectos ligados doena que promovea queda de cabelos, confirmando a perda dos atributos
femininos.
Os conflitos conjugais relatados pelas partici-
pantes podem ser considerados eventos estressores e,
conseqentemente, fatores de risco psicossomtico
para a doena dermatolgica auto-imune em estudo.
Constatou-se a manifestao de sintomas depressivos
associados baixa auto-estima, intensificados pela
emergncia da doena, compreendida de acordo com
o significado individual e representativo que cada parti-
cipante lhe atribua. Por exemplo, o quadro de depres-so ps-parto, descrito por Paula, destaca-se entre
outros episdios depressivos relatados pelas partici-
pantes. Logo aps o nascimento da filha, Paula apre-
sentou a alopecia, conjugando aspectos psicosso-
mticos em seu difcil processo de adaptao puerperal
e em sua necessidade de extravasar sentimentos
contidos. A gravidade da doena ou a intensidade da
queda dos cabelos e plos corporais no pareceu
constituir fator determinante de sua pior ou melhor
aceitao e convivncia com a doena.
Doena e estigma
Algumas entrevistadas relataram o envolvi-
mento com os afazeres domsticos e familiares, ou com
compromissos religiosos, como forma de lidar melhor
com os aspectos da doena difceis de enfrentar.
Entretanto, todas relataram afastamento social mais ou
menos intenso, indicando uma auto-estigmatizao
pela queda de cabelo, com o prejuzo esttico implicado.
Aparece a preocupao com o reconhecimento da pr-
pria identidade feminina e com a melhoria da aparncia.
No relato de uma das entrevistadas, a freqncia aocabeleireiro e o uso de cabeleira postia demonstram a
necessidade de melhorar sua imagem e manter os
atributos femininos perdidos com a doena, apontada
no seguinte relato:
...porque meus cabelos comearam a cair muito e tive
que usar peruca... . Mesmo assim prefiro ficar com meu
marido (Hilda).
Tendo em vista o empobrecimento das trocas
afetivas nas relaes familiares, pode-se considerar a
descarga de afeto no processo de adoecimento comu-
mente encontrada nos fenmenos psicossomticos em
pacientes com alopecia areata: o sintoma fsico traduz
sentimentos afetivos reprimidos em situaes tidas
como ameaadoras e infelizes, como possvel identi-
ficar nos seguintes relatos:
medida que cai o cabelo, fico mais desiludida, no aceito
essa condio, e muito menos ser trada pelo marido ...
(Sandra).
Eu perdi o interesse por sair de casa, tenho uma tristeza
prof unda . No tenh o amigos, no gost o do meu
trabalho. Sofro de depresso, insnia, cido rico,
menopausa... (Ana).
Sou muito nervosa. Tenho hipertenso, enxaqueca.
Principalmente depois que eu descobri que meu marido
parece que tem uma filha com outra mulher... (Paula).
Meu casamento fez com que eu tivesse derrame. Ele s
amoroso quando abraa os netos ... (Irene).
Mediante a anlise qualitativa das entrevistas,
buscou-se compreender e interpretar a dinmica afetiva
de cada participante assinalando o que cada uma
apresentou de individual e nico, mas tambm pro-
curando as similaridades e o enredo comum entre elas.
A releitura das falas sob a tica psicanaltica permitiu
delimitar contedos afetivos, tal como lembrados e rela-
tados pelas mulheres participantes, estabelecendo-seelos entre as experincias emocionais da infncia e suas
atualizaes na vida afetiva adulta.
Ao identificar dimenses similares nos relatos
de experincias das participantes no se pretendeu
estabelecer qualquer perfil psicolgico das mulheres
com alopecia areata, mas compreender aspectos gerais
comuns em suas histrias e vivncias, sem desca-
racterizar o nico e singular apresentado em cada relato.
Os conflitos vivenciados na dinmica interpessoal das
participantes desde sua infncia foram considerados
contedos latentes, traduzidos em sintomas e queixassomticas.
A literatura psicanaltica destaca o elo entre os
conflitos vivenciados na infncia, que dificilmente so
elaborados psiquicamente, e a vida adulta. Para
Winnicott (1988, p.43), a perpetuao desses conflitos
apresenta efeitos nocivos que so adversos ao corpo.
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Ele alerta: O corpo da criana capaz de suportar uma
grande tenso, mas justamente a mesma tenso, se
mantida pela vida adulta, pode eventualmente gerar
situaes somticas irreversveis.
A histria de vida relacionada infncia apre-
sentada pelas mulheres entrevistadas revelou a aridezafetiva de suas relaes parentais, pontilhadas por
situaes emocionais traumticas. Na vida adulta, os
traumas da infncia foram revividos de maneira dolo-
rosa, na manuteno de relaes conjugais insatis-
fatrias e difceis. As tenses geradas por suas vivncias
de medo e insegurana, e a necessidade de estar sempre
correspondendo s expectativas do outro, configuram
sua possvel suscetibilidade fragilidade psicossomtica
e doena. Algumas mulheres recordaram-se de que,
na infncia, assumiram responsabilidades adultas por
exigncia dos pais, enquanto outras se lembraram de
terem sido protegidas pela me contra as agresses
fsicas do pai, com exceo de uma delas, que ficava
mais exposta a tais agresses. Freud (1899/1969) observa
que as manifestaes somticas podem estar presentes
em indivduos cujo afeto suscite lembranas pato-
gnicas diante de situaes repetitivas, na medida em
que so rememoradas insatisfatoriamente. Por outro
lado, vnculos afetivos positivos entre pais e filhos nos
quais predominam o amor, a proximidade, o carinho e
o contato fsico favorecem o desenvolvimento psicoafe-
tivo saudvel, mesmo quando h revivncias de
situaes traumticas passadas.
O estabelecimento de relaes sociais na fase
adulta influenciado pela relao de estabilidade entre
a criana e a figura de ligao. Freud (1916/1976) descre-
veu que, na menina, o Complexo de dipo abandonado
gradativamente, pois os seus desejos em relao ao pai
so fortemente catexizados no inconsciente e auxiliam
a prepar-la para a fase genital e a maternidade. Sua
tendncia sexual direta transformada em tendncias
inibidas de tipo afetuoso. Contudo, observou-se que a
busca pela afetividade - na relao das entrevistadas
com a figura paterna - reproduziu-se na vida adulta,
culminando na atual dinmica conjugal. A expectativa
era de suprir suas carncias afetivas, segurana e
confiana no asseguradas na relao amorosa, mas o
companheiro conjugal no pde garantir o preenchi-
mento do vazio afetivo da esposa. O conflito de rela-
cionamento com as figuras materna e paterna, portanto,
fortaleceu-se na relao afetivo-sexual com um com-
panheiro insatisfatrio. Os maridos eram percebidos,
na maioria das vezes, como ausentes, e os pares pouco
expressavam afeto e carinho. As esposas nutriam
expectativas no casamento e tinham dificuldades no
modo de conduzir os conflitos e elaborar seus senti-
mentos ambguos em relao aos cnjuges.
A anlise dos relatos permitiu constatar que as
entrevistadas reviveram psiquicamente as experincias
do passado na realidade presente, internalizando-as
como negativas; ou seja, a fixao psquica dos traumas
patognicos impediu a exteriorizao e a resoluo de
afetos nos relacionamentos conflituosos atuais. Alm
de reviverem psiquicamente as experincias de afeto
de maneira insatisfatria, estabeleceram uma relao
causal entre os eventos do passado e os do presente ao
atriburem suas insatisfaes afetivas e prejuzos na
sade aos acontecimentos passados. Essa realidade
pode ser compreendida pela teoria de Freud (1916/1976)
ao conceber que o indivduo experimenta intensa reao
emotiva diante de acontecimentos dolorosos que so
recordados, sem libertar-se deles.
Constatou-se que o funcionamento psicolgico
das entrevistadas caracterizou-se pelo processo de
vitimizao e adoecimento. Freud (1932/1969), ao
reportar-se infncia, concebeu a menina como menos
auto-suficiente e mais dependente, dcil e aberta ao
mundo exterior, embora equiparasse os impulsos
femininos agressivos quantitativamente violncia dos
meninos. Na menina, o comportamento no tem como
principal caracterstica a agressividade e a obstinao.
A concepo de Freud fornece elementos tericos para
a compreenso da conduta passiva da mulher que, ao
tentar garantir as trocas afetivas, sente-se incapaz de
assumir desejos, necessidades e sentimentos. As entre-
vistadas revelaram encontrar dificuldades em expor seus
afetos: permaneciam caladas, choravam e desenvol-
veram sintomas depressivos.
Os sintomas de depresso podem progredir noquadro de associao afetiva vazia, no qual o indivduo
pode tornar-se vulnervel desorganizao psicosso-
mtica, ao medo, insegurana e necessidade de
corresponder expectao do outro (Kreisler, 1999).
Segundo Fried, M.A. Gupta e A.K. Gupta (2005), cerca de
30% dos pacientes dermatolgicos apresentam distr-
bios psiquitricos, e a depresso a ocorrncia mais
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comum. Esse transtorno manifesta-se com maior
freqncia em perodos mais decisivos da vida do
indivduo. O diagnstico precoce e o tratamento da
depresso podem evitar conseqncias catastrficas,
principalmente o suicdio. As alteraes cutneas
apresentadas pelas mulheres deste estudo foram
associadas a prejuzos estticos e ao envelhecimento
cronolgico. Conseqentemente, as implicaes psi-
cossociais revelaram-se tanto nos convvios social, se-
xual e familiar, quanto no prazer em realizar atividades
de interesse pessoal.
Uma das entrevistadas relatou ter sofrido de um
quadro de depresso ps-parto, caracterizado por
desnimo, choro e rejeio ao beb. Segundo Moraes
et al. (2006), esse transtorno atualmente considerado
um problema de sade pblica, por sua alta freqncia
e conseqncias. influenciado por dificuldades
socioeconmicas da purpera e rejeio maternidade,
podendo ocorrer mesmo sem a existncia de problemas
psiquitricos anteriores gestao.
Sinais de depresso podem estar presentes
tambm na meia-idade e so descritos como nervo-
sismo, irritabilidade, diminuio do interesse sexual e
tristeza, sintomas tambm destacados pelas partici-
pantes deste estudo. Entretanto, do ponto de vista
psicossocial, o perodo da meia-idade pode ser caracte-
rizado como uma vivncia de crescimento pessoal,
enriquecida pelo compartilhamento de experincias
em contexto sociocultural semelhante e pela resigni-
ficao da vida nesta etapa do desenvolvimento (Mori
& Coelho, 2004). possvel, portanto, tornar a vivncia
da meia-idade um momento de vida menos sofrido e
mais inventivo, levando em considerao as questes
singulares e as maneiras individuais de lidar com esse
novo momento.
Os relatos obtidos das mulheres que parti-
ciparam deste estudo revelaram profundas relaes de
significado entre os danos emocionais e afetivos vividos
na infncia e sua revivncia nas relaes conjugais e no
adoecimento. Parte desses danos pode ser compreen-
dida como fonte interna de estresse crnico, que gera
alteraes inevitveis no sistema imunolgico, visto
como o sistema de defesa e de identidade (Neme, 2005).
Breuer e Freud (1893/1974) admitiram que na
relao simblica entre psique e soma existe uma
associao entre episdios de trauma, de emoo e de
sintomatologia fsica, nos quais o indivduo vivencia
uma histria de sofrimento. Freud (1895/1969) apontou
que as experincias afetivas podem ser representadas
pela dor ou satisfao. Nas manifestaes somticas, o
sentimento afetivo pode rememorar e intensificar as
representaes mentais, ou seja, produzir lembranas
patognicas. A memria do indivduo constituda por
lembranas encobridoras, representadas por reminis-
cncias fragmentadas e isoladas. Em estudo realizado
por Perini et al. (1984), verificou-se que os pacientes de
alopecia areata vivenciavam eventos estressores e que
a recordao de traumas era intensamente dolorosa e
mais expressiva, em comparao ocorrncia de
acontecimentos indesejveis.
Segundo Volich (2000), a psicossomtica do
adulto investigada com maior rigor quando embasada
na compreenso da psicossomtica da criana. As
experincias afetivas relacionadas ao processo de
adoecimento e vivenciadas nos relacionamentos conju-
gais deteriorados so produtos de relaes parentais
que se desenvolvem em um ambiente afetivo ameaa-
dor e desestabilizador, com empobrecimento das
relaes. Acontecimentos desagradveis do passado
so apontados como motivos para o surgimento da
doena, e a passividade diante da tomada de decises
pode ser vista como estratgia para obter afeto, ditada
pela sobrecarga de responsabilidades (Prado, 2002). A
aderncia aos eventos do passado vivenciada pato-
logicamente, ou seja, h uma fixao nos traumas emo-
cionais. Reaes emocionais intensas so evocadas
com as lembranas dolorosas, reavivadas por expe-
rincias e relaes afetivas atuais.
A abordagem psicanaltica em psicossomtica,
especialmente em psicodermatologia, permite estabe-
lecer conexes entre a psicologia e a dermatologia, cons-
tituindo possibilidades de compreenso das doenas
dermatolgicas, nas quais a pele vista como o primeiro
meio de contato entre o indivduo, o outro e o mundo,
alm de uma das mais importantes vias por meio das
quais os conflitos afetivos e as emoes podem serexpressos.
Consideraes Finais
Os depoimentos referidos pelas mulheres parti-
cipantes deste estudo revelaram uma trajetria de
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R.B.R.PRA
DO
&C.M.B.NEME
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sofrimento nas relaes conjugais, repetindo suas hist-
rias de vida, permeadas desde a infncia por experincias
traumticas e por insegurana nos vnculos afetivos. A
abordagem psicanaltica permitiu a compreenso da
singularidade das experincias emocionais presentes
nos relatos e a identificao de aspectos vivenciais
comuns s cinco entrevistadas, no que se refere ao
contedo dos depoimentos referentes sua histria de
vida.
Os resultados obtidos, nos aspectos similares e
singulares analisados, corroboram os encontrados na
literatura da rea, e podem servir de base para outros
estudos que visem o estabelecimento de novas inter-
pretaes e relaes em pacientes com alopeciaareata
ou com outras patologias. Sugere-se a realizao de
estudos com maior nmero de participantes e de
investigaes clnicas com outras dades que permitam
estabelecer comparaes com os resultados obtidos
neste trabalho, trazendo contribuies ao campo das
psicoterapias nos casos de pacientes com alopecia
areatae outras psicodermatoses, em contexto privado
ou institucional pblico. Estudos desta natureza podem
resultar em contribuies tericas abordagem psico-
dinmica de psicodermatoses e outras manifestaes
psicossomticas.
Considerando-se os limites deste trabalho,
sugere-se a realizao de investigaes que permitam
clarificar os aspectos comuns e particulares encontradosno relato das experincias emocionais passadas e atuais
das participantes visando fortalecer parcerias com o
tratamento mdico de doentes com alopecia areatae
diminuir o sofrimento frente a uma doena crnica que
tanto interfere no bem-estar e qualidade de vida destes
pacientes. Nesta abordagem, no apenas o paciente
poder ser beneficiado, mas tambm os familiares, que
devem ser inseridos no processo de tratamento.
Os aspectos psicolgicos discutidos neste estu-
do podem auxiliar o trabalho de investigao diagns-
tica realizado por psiclogos em procedimentos de
triagem em instituies de sade, clarificando indica-
es de psicoterapia e/ou outras intervenes tera-
puticas para pacientes com diagnstico de alopecia
areata.A formulao de programas de atendimento que
incluam intervenes junto famlia pode trazer melho-
rias s relaes afetivas atuais, reduzindo a repetio de
padres afetivos traumticos ou novas fontes de estresse
que interfiram negativamente nos tratamentos, tanto
em mulheres como em homens com esta doena
crnica.
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Recebido em: 27/7/2006Verso final reapresentada em: 15/12/2007Aprovado em: 29/1/2008