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QUÍMICA NOVA NA ESCOLA N° 23, MAIO 2006 27 O Ludo como um jogo para discutir conceitos em Termoquímica A lguns materiais exteriores à sala de aula, e sua conse- qüente manipulação, facilitam a aquisição de conceitos e introdu- zem a experimentação de diversos materiais concretos, subsidiando a prática docente. Há experiências com cordões para se fazer hipérboles, brinquedos de construção para sim- bolizar ações, bolas de isopor para representar compostos e moléculas, entre outros (Soares, 2004). Segundo Kishimoto (1996), o jogo educativo tem duas funções. A primei- ra é a função lúdica, propiciando diversão e o prazer quando escolhido voluntariamente. A segunda é a fun- ção educativa, ensinando qualquer coisa que complete o indivíduo em seu saber e sua compreensão de mundo. O equilíbrio entre essas duas fun- ções seria o objetivo do jogo educa- tivo. Se uma dessas funções é mais utilizada do que a outra, ou não há mais ensino, ou elimina-se o ludismo (Soares, 2004; Kishimoto, 1996). Al- guns trabalhos que buscam esse equilíbrio, utilizando-se de jogos e ati- vidades lúdicas, foram publicados em Recebido em 24/6/05, aceito em 23/3/06 Química Nova na Escola (Rocha-Filho, 1996; Beltran, 1997; Soares et al., 2003; Oliveira e Soares, 2005). Jogos de tabuleiro e o Ludo (Pachisi) Segundo Antunes (1999), os jogos de tabuleiro exercem fascínio em cri- anças e adultos. As origens dos jogos de tabuleiro remontam a milhares de anos e parecem es- tar ligadas às primei- ras cidades de que se tem notícia, nas regiões do antigo Egito e Mesopotâ- mia (hoje Iraque). Objetos e dese- nhos que parecem fazer referência a jo- gos de tabuleiro vêm sendo encontrados em escavações arqueológicas desde o começo do século XIX. Há indícios de que os jogos tenham aparecido em vários lugares do mundo antigo, tais como Índia, China, Japão, Pérsia, África do Norte e Grécia. Depois, os jogos de tabuleiro chegaram até Roma e outros países da Europa (Ra- mos, 1990). A regra básica do jogo Ludo pode ser observada no Qua- dro 1. Relações entre o jogo e o conceito de Termoquímica A palavra energia tem origem gre- ga (energéia) e significa força ou tra- balho, podendo ser definida como a capacidade para realizar trabalho, conceito que é hoje amplamente utiliza- do. Os processos envolvidos em todas essas transforma- ções podem ser estu- dados em um ramo da Química chamado de Termoquímica, que, em primeira análise, já envolve outros conceitos, co- mo energia, calor e temperatura, con- ceitos bem próximos do cotidiano. De acordo com Mortimer e Amaral (1998), os conceitos como energia, calor etc. não têm o mesmo signifi- cado na Ciência e na linguagem co- mum, o que acarreta dificuldades no ensino de Química, pois na maioria das vezes o professor trabalha con- ceitos mais avançados, tais como calor de reação, Lei de Hess e outros, sem uma revisão dos conceitos mais ESPAÇO ABERTO A seção “Espaço aberto” visa abordar questões sobre Educação, de um modo geral, que sejam de interesse dos professores de Química. Márlon Herbert Flora Barbosa Soares e Éder Tadeu Gomes Cavalheiro Este artigo apresenta um jogo didático para introduzir conceitos de Termoquímica. Utiliza-se um tabuleiro de um jogo conhecido como Ludo. O objetivo desta proposta é mostrar que a utilização de atividades lúdicas pode ser uma alternativa viável em sala de aula, auxiliando a aprendizagem no que se refere à manipulação efetiva do conceito, além da melhora significativa do aspecto disciplinar em sala de aula. jogo didático, Termoquímica, atividade lúdica O jogo educativo tem duas funções: a lúdica, propiciando diversão e o prazer quando escolhido voluntariamente, e a educativa, ensinando qualquer coisa que complete o indivíduo em seu saber e sua compreensão de mundo

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  • QUMICA NOVA NA ESCOLA N 23, MAIO 2006

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    O Ludo como um jogo para discutir conceitos em Termoqumica

    Alguns materiais exteriores sala de aula, e sua conse-qente manipulao, facilitama aquisio de conceitos e introdu-zem a experimentao de diversosmateriais concretos, subsidiando aprtica docente. H experincias comcordes para se fazer hiprboles,brinquedos de construo para sim-bolizar aes, bolas de isopor pararepresentar compostos e molculas,entre outros (Soares, 2004).

    Segundo Kishimoto (1996), o jogoeducativo tem duas funes. A primei-ra a funo ldica, propiciandodiverso e o prazer quando escolhidovoluntariamente. A segunda a fun-o educativa, ensinando qualquercoisa que complete o indivduo emseu saber e sua compreenso demundo.

    O equilbrio entre essas duas fun-es seria o objetivo do jogo educa-tivo. Se uma dessas funes maisutilizada do que a outra, ou no hmais ensino, ou elimina-se o ludismo(Soares, 2004; Kishimoto, 1996). Al-guns trabalhos que buscam esseequilbrio, utilizando-se de jogos e ati-vidades ldicas, foram publicados em

    Recebido em 24/6/05, aceito em 23/3/06

    Qumica Nova na Escola (Rocha-Filho,1996; Beltran, 1997; Soares et al.,2003; Oliveira e Soares, 2005).

    Jogos de tabuleiro e o Ludo (Pachisi)Segundo Antunes (1999), os jogos

    de tabuleiro exercem fascnio em cri-anas e adultos. As origens dos jogosde tabuleiro remontam a milhares deanos e parecem es-tar ligadas s primei-ras cidades de quese tem notcia, nasregies do antigoEgito e Mesopot-mia (hoje Iraque).

    Objetos e dese-nhos que parecemfazer referncia a jo-gos de tabuleiro vmsendo encontradosem escavaes arqueolgicas desdeo comeo do sculo XIX. H indciosde que os jogos tenham aparecidoem vrios lugares do mundo antigo,tais como ndia, China, Japo, Prsia,frica do Norte e Grcia. Depois, osjogos de tabuleiro chegaram atRoma e outros pases da Europa (Ra-mos, 1990). A regra bsica do jogo

    Ludo pode ser observada no Qua-dro 1.

    Relaes entre o jogo e o conceitode Termoqumica

    A palavra energia tem origem gre-ga (energia) e significa fora ou tra-balho, podendo ser definida como acapacidade para realizar trabalho,

    conceito que hojeamplamente utiliza-do. Os processosenvolvidos em todasessas transforma-es podem ser estu-dados em um ramoda Qumica chamadode Termoqumica,que, em primeiraanlise, j envolveoutros conceitos, co-

    mo energia, calor e temperatura, con-ceitos bem prximos do cotidiano.

    De acordo com Mortimer e Amaral(1998), os conceitos como energia,calor etc. no tm o mesmo signifi-cado na Cincia e na linguagem co-mum, o que acarreta dificuldades noensino de Qumica, pois na maioriadas vezes o professor trabalha con-ceitos mais avanados, tais comocalor de reao, Lei de Hess e outros,sem uma reviso dos conceitos mais

    ESPAO ABERTO

    A seo Espao aberto visa abordar questes sobre Educao, de um modo geral, que sejam de interesse dosprofessores de Qumica.

    Mrlon Herbert Flora Barbosa Soares e der Tadeu Gomes Cavalheiro

    Este artigo apresenta um jogo didtico para introduzir conceitos de Termoqumica. Utiliza-se um tabuleirode um jogo conhecido como Ludo. O objetivo desta proposta mostrar que a utilizao de atividades ldicaspode ser uma alternativa vivel em sala de aula, auxiliando a aprendizagem no que se refere manipulaoefetiva do conceito, alm da melhora significativa do aspecto disciplinar em sala de aula.

    jogo didtico, Termoqumica, atividade ldica

    O jogo educativo tem duasfunes: a ldica,

    propiciando diverso e oprazer quando escolhido

    voluntariamente, e aeducativa, ensinandoqualquer coisa que

    complete o indivduo emseu saber e sua

    compreenso de mundo

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    O Ludo como um jogo para discutir conceitos em Termoqumica

    bsicos. Esses autores concluem di-zendo que o resultado um amlga-ma indiferenciado de conceitoscientficos e cotidianos, sem que oaluno perceba claramente os limitese os contextos de aplicao de umou de outro.

    Em uma aplicao preliminar dojogo proposto neste trabalho obser-vou-se que os alunos concebiam doistipos de energia, sendo elas positi-vas e negativas. Os alunos acredi-tavam que havia dois tipos de energiadistintas, uma fria e uma quente,o que corrobora a noo cotidiana deque o calor est ligado a uma tempe-ratura elevada e o frio a uma tempera-tura baixa. Um dos objetivos era mos-trar que a energia nesses casos uma s e o sinal, bem como a termi-nologia, um referencial para que semostre a transferncia dessa energiaem uma reao, ora necessitandodessa energia para formar produto,ora liberando essa energia com omesmo fim.

    Esses aspectos levaram a proporprimeiramente uma atividade em queo aluno manipulasse a energia e autilizasse para cumprir certos objeti-vos. No caso do jogo, o objetivo for-mar o maior nmero de reaes qu-micas possveis, envolvendo ganhoou perda de energia, necessria parauma reao.

    Como resultado final, discute-seas formas de utilizao dessa energia

    em processos qumicos, seja na for-ma de acumulao ou liberao,mostrando ao aluno que certos pro-cessos qumicos s so possveis deocorrer caso haja energia suficientepara tal fim.

    A Termoqumica e o jogo propostoO objetivo principal desta propos-

    ta o de iniciar o aluno ao conceitode variao energtica nas reaesqumicas. Como exemplo pode-secitar a variao de entalpia (H).

    Foi proposta uma atividade quecontemplasse primeiramente a mani-pulao da energia to somente.Durante o jogo, o aluno teria contatocom cartas e pontos no tabuleiro queo incentivassem aentender como aao da energia nosprocessos endotr-mico e exotrmico.

    medida que ojogo iria se desenro-lando, o aluno teriacontato com a acu-mulao e perda daenergia e o posteriorgasto dessa ener-gia em uma tarefa. Atarefa consiste basi-camente em utilizar essa energia naaquisio de cartas, nas quais estodescritas equaes qumicas comseus valores termoqumicos de ener-gia, representando processos endo-

    trmicos e exotrmicos, para que areao ocorra, nos dois sentidos,quando possvel. Para isto, um jogo proposto, baseado originalmente noLudo, apresentando-se o seu desen-volvimento e sua posterior aplicaopara explorar conceitos introdutriosde Termoqumica.

    Material necessrio Papel carto, para a confeco

    do tabuleiro. O uso de cartolinatambm possvel, porm otabuleiro perde a firmeza.

    Cartolina para a confeco dascartas com as equaes qumi-cas e seus valores termoqu-micos de energia.

    Tesoura, lpis de cor ou tintaguaxe, o que depende da dispo-nibilidade da escola ou do alu-no.

    Os pees podem ser de papelcarto, ou respeitosamente em-prestados de outros jogos, taiscomo banco imobilirio ou oprprio Ludo, que vem compees muito bem feitos.

    Dados, para o deslocamentodos pees.

    Regras implcitas e explcitasComo regra implcita, surge a idia

    da utilizao do tabuleiro em um jogoamplamente conhecido pelos alunos,os quais prontamente perguntam aoprofessor qual a utilidade e o objetivode se jogar Ludo em sala de aula. Noh outra possibilidade de regra impl-

    cita neste caso, poiso tabuleiro de Ludo muito conhecido edivulgado. Qualquerpacote de jogos tra-dicionais vendidosem bazares e maga-zines conta com apresena do Ludo,logicamente com de-sign diferenciado,mas com a confor-mao caractersti-ca, quadrada e de

    quatro cores, como representado naFigura 1.

    Em se tratando de regras explci-tas, apesar de se utilizar basicamentea regra geral do Ludo (Quadro 1),

    Quadro 1: Regras bsicas do LudoLudo uma verso ocidental popular do jogo hindu Pachisi. jogado por dois, trsou quatro jogadores (no caso de quatro, possvel formar duas duplas). O tabuleiroquadrado tem um percurso em forma de cruz e cada jogador tem quatro pees. Umdado define os movimentos. Os pees de cada jogador comeam na base de mesmacor. O objetivo do jogo ser o primeiro a levar seus quatro pees a dar uma volta notabuleiro e a chegar no ponto final marcado com sua cor. Os pees movem-se pelopercurso no sentido horrio.Para transportar um peo de sua base para seu ponto de partida necessrio sortear6. Quando o jogador j tem pelo menos um peo no percurso, ele pode mover opeo do nmero de casas sorteado no dado. Se sortear 6, alm de usar esse resultadoele pode jogar novamente o dado.Se um jogador chegar a uma casa j ocupada por um peo adversrio, o peoadversrio deve voltar para sua base. Mas se dois pees da mesma cor ocuparemuma mesma casa, eles no podem ser capturados e nenhum adversrio pode passarpor essa casa, tendo seus pees bloqueados.Aps dar a volta no tabuleiro o peo avana pela reta final, de sua prpria cor. Achegada ao ponto final s pode ser obtida por um nmero exato nos dados. Se ojogador sortear mais do que o necessrio, ele dever aguardar sua prxima jogada.O vencedor o primeiro a levar seus quatro pees ao ponto de chegada da sua cor.Este nmero da revista contm um encarte deste jogo.

    Preliminarmente, observou-se que os alunos concebiam

    dois tipos de energia:positivas e negativas.

    Eles acreditavam que haviadois tipos de energia

    distintas, uma fria e umaquente, o que corrobora a

    noo cotidiana de que ocalor est ligado a uma

    temperatura elevada e o frioa uma temperatura baixa

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    O Ludo como um jogo para discutir conceitos em Termoqumica

    permite-se algumas variantes nasregras, para que se possa adaptar ojogo tradicional nova proposta.Estabeleceu-se um conjunto de re-gras gerais:

    1. Cada jogador faz com que seuspees percorram uma volta completano tabuleiro, terminando o percursoem seu centro. O avano na trilha feito com pontos obtidos por umdado. medida que caminha pelo ta-buleiro, o jogador vai acumulandopontos nas casas pelas quais passa,que podem ser convertidos em ener-gia, que por sua vez pode ser utili-zado em processos exotrmicos,H < 0, ou endotrmicos, H > 0.

    2. As casas de cor vermelha possi-bilitam cartas com valores de pontospositivos (para serem convertidos emenergia, usvel em processos endo-trmicos) e as casas azuis valores depontos negativos (para serem conver-tidos em energia, usvel em proces-sos exotrmicos). As casas negrasdo ao jogador a opo de escolhercomo converter seus pontos, ou emvalores positivos ou em negativos.Essa energia acumulada durante oandamento do jogo utilizada paraadquirir cartas com equaes qu-micas, as quais tm valores de ener-gia definidos.

    3. O jogador s pode adquirir es-sas cartas com equaes qumicas,colocadas no centro do tabuleiro,quando tiver em mos valores con-vertidos em energia, representativos

    de processos endotr-micos ou exotrmicos,suficientes para o valorexpresso na carta, ne-cessrio para que areao representada seprocesse.

    4. Cada reao, de-pendendo do valor deenergia necessrio paraque ela ocorra, vale umaquantidade diferente depontuao. Ou seja,equaes que tenhamuma grande variao deenergia, seja de forma-o ou liberao, valemmais pontos.

    5. Vence(m) o(s) jo-gador(es) que che-

    gar(em) ao centro do tabuleiro comos quatro pees e que conseguir(em)realizar o maior nmero de pontosreferentes s reaes que conse-guiu(ram) formar, comprando ascartas com a energia adquirida no ta-buleiro, dentre as cartas de equaesdisponveis para o jogo.

    Considerando-se o nmero dealunos presentes em sala de aula,cada grupo de alunos pode ficar res-ponsvel por quatro pees. Essa pos-sibilidade interessante na formula-o de estratgias de acmulo dascartas com valores de pontos quesero convertidos em energia, quepodem ser discutidas em grupo.

    Na regra, importante constar queos valores energticos conseguidospelos alunos ao longo do jogo se re-ferem a variaes da mesma energia,ora com ganho, ora com perda.

    Um modelo de como podem serconfeccionadas cartas contendo asequaes qumicas que representamas reaes qumicas, utilizadas nojogo, apresentado na Figura 2. Oprofessor pode sugerir aos alunosque essas cartas sejam feitas por elesmesmos, pesquisando em livros did-ticos ou na Internet.

    Cabe salientar que, nas atividadesrealizadas com este jogo, utilizou-sekJ mol-1 como unidade, porm no sedescarta a mudana de unidade deenergia em futuras aplicaes. Emum outro aspecto, importante sa-lientar que o H descrito se refere a

    1 mol; alm disso, pode-se utilizarkcal mol-1, pela caloria ser uma uni-dade comum aos livros de EnsinoMdio, apesar do Sistema Internacio-nal e a IUPAC recomendarem o usoda unidade joule (J).

    A carta na qual esto represen-tados os valores, em energia, que se-ro utilizados para a aquisio deoutras cartas com equaes qumi-cas, apresentada na Figura 3. interessante que se faa pelo menos10 cartas para cada valor de energia,variando entre 1 e 100 kJ mol-1. Omesmo tipo de pesquisa sugeridopara as cartas da Figura 2 pode aquiser realizado.

    Resultados e discussoUma regra bsica proposta, po-

    rm, a critrio do professor, pode-sepropor inmeras variaes. No entan-to, sugere-se a aplicao do jogo,antes da explorao do conceito,para que haja um melhor aproveita-mento didtico, possibilitando a cons-truo do conceito no decorrer dojogo.

    Em relao ao uso do jogo emsala de aula, notou-se que a varianteproposta uma eficiente alternativana discusso de acumulao, perdae ganho de energia em uma reaoqumica, notando-se uma visvel me-lhora no aspecto disciplinar com umenvolvimento maior entre alunos e do-centes, havendo divertimento e cons-truo do conhecimento e fortificao

    Figura 1: Tabuleiro tradicional de Ludo, adaptado varianteproposta.

    Figura 2: Exemplo de carta com umaequao qumica e seu respectivo valorde energia. Neste caso, representandoum processo exotrmico.

    Figura 3: Exemplo de carta com valor nu-mrico positivo, representando um pro-cesso endotrmico de variao de ener-gia.

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    O Ludo como um jogo para discutir conceitos em Termoqumica

    de laos afetivos entre professor ealunos.

    Deve o professor observar que, nojogo, o aluno estar tratando ora comprocessos endotrmicos, ora comprocessos exotrmicos, e que taisdenominaes podem levar o alunoa pensar que a energia ora pode sernegativa, ora positiva; por isso, importante que essa questo constena regra. Passa aser de extrema im-portncia que o pro-fessor esclarea quequando se submeteo valor de energia asinais matemticos,tal fato nada mais do que uma formade representar quehouve variao deenergia e que estaestar sendo oraconsumida, ora libe-rada, em uma reao qumica. Se ojogo for corretamente aplicado, elecontribui para desmistificar essa idia.

    Um exemplo que corrobora comisto que, em uma das aplicaes, oprofessor no esclareceu que os si-nais referentes a cada valor relacio-nado a uma carta eram uma formade representao, em que a energiaora estava sendo liberada, ora estavasendo acumulada. Entretanto, comoesse aspecto constava da regra, foifacilmente entendido. Essa concep-o errnea, se no observada peloprofessor, pode vir a ratificar concep-es de calor e temperatura apresen-tados por estudantes, tais como:calor e energia so substncias; hdois tipos de calor: quente e frio; aenergia positiva e negativa.

    Esta ltima alternativa bem tra-balhada com o jogo, pois fica claroao aluno, desde o incio do jogo edescrita na regra, que a energia umas e ele quem atribui valores positi-vos e negativos, dependendo do mo-mento do jogo ou de como a reaose processa na carta.

    A variante do Ludo descrita nestetrabalho foi testada por alunos doEnsino Mdio da rede pblica e par-ticular de Goinia - GO, alm de umaturma de Qumica Geral para Enge-nharia de Alimentos da UFG.

    A atividade ldica proposta em n-vel superior funcionou bem se consi-derado, principalmente, o aspectorelativo a discusses de classificaoe tipos de energia. Pde-se notar que,mesmo em nvel superior, ainda per-manece em uma minoria a idia deque h energia negativa e positiva.Neste caso, deve-se considerar queos alunos j contavam com os con-

    ceitos prvios neces-srios ao entendi-mento das definiesrelacionadas Ter-moqumica e que,mesmo assim, detec-taram-se idias err-neas.

    No caso do Ensi-no Mdio, aplicou-seo jogo, estabelecen-do as regras, sem noentanto ministrar ocontedo anterior-

    mente. Considerando-se esta situa-o, notou-se que o jogo eficienteem vrios aspectos.

    Um deles que o jogo incentiva aparticipao do aluno, considerando-se o aluno como construtor do prprioconhecimento e valorizando a intera-o do aprendiz com seus colegas ecom o prprio professor. Este resul-tado no diferente do obtido em re-lao ao uso de bolas de isopor(Soares et al., 2003), o que confirmaque a utilizao do ldico independeda espcie do jogo.

    Durante o jogo, o professor tam-bm visitou cada grupo observando asreaes dos alunos, esperando per-guntas pertinentes aojogo e ao contedoexplorado. Tal aofoi necessria, por-que, nas primeirasaplicaes, pergun-tas variadas sobreenergia, direo dereaes e mudanasnas regras foram for-muladas. Orientou-seo professor que per-corresse a sala, visi-tando grupo por grupo, respondendos perguntas e interagindo com o jogo,como meio de debates e conversassobre as dvidas que surgiam.

    As principais dvidas diziam res-peito ao encaminhamento das regrase ao fato de que certas reaes ne-cessitavam de mais energia do queoutras e, tambm, por que algumasabsorviam energia (processos endo-trmicos) e outras liberavam energia(processos exotrmicos) e se haviadiferena na energia envolvida emcada caso.

    Nesta oportunidade, o professornovamente realimentava o conceitode que no h energias de sinais dife-rentes, que o sinal era apenas umaforma de representao para facilitaro entendimento do andamento deuma reao. Em relao ao fato deque certas reaes necessitavam demais energia do que outras, se pu-deram relembrar conceitos relaciona-dos formao de molculas, liga-es inter e intra-moleculares, entreoutros conceitos correlatos.

    O aspecto disciplinar esteve nova-mente presente, sendo um dos resul-tados mais significativos das ativi-dades ldicas propostas. Como a ati-vidade exige a participao de todosem volta do tabuleiro, os alunos seconcentram em jog-lo, no ocorren-do disperso, atraindo-os sobrema-neira para o conceito, principalmenteno quesito novidade e motivao.

    Outra alternativa que foi utilizadaaps o jogo tambm se mostrou efi-ciente. Solicitou-se aos alunos quetranscrevessem as reaes obtidasao final do jogo, em uma folha sepa-rada, e observassem que cada rea-o necessitava de um valor de ener-gia especfico para se realizar. Tal

    atitude pode ser uti-lizada para introduziro conceito ou a trans-posio do jogo parao conceito.

    Como as equa-es qumicas pre-sentes nas cartas seencontram em um n-vel representacional(tanto no que diz res-peito aos smbolos efrmulas qumicas

    descritas na carta, como no fato delasestarem presentes nas cartas dojogo), facilita-se a transposio con-ceitual do uso de modelos que repre-

    de extrema importnciaque o professor esclareaque quando se submete o

    valor de energia a sinaismatemticos, tal fato nadamais do que uma formade representar que houvevariao de energia e que

    esta estar sendo oraconsumida, ora liberada,em uma reao qumica

    Como as equaesqumicas presentes nas

    cartas se encontram em umnvel representacional,

    facilita-se a transposioconceitual do uso de

    modelos que representemo que acontece em uma

    reao qumica, reforandoa idia de que os smbolos

    e frmulas no so aprpria reao qumica

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    O Ludo como um jogo para discutir conceitos em Termoqumica

    Abstract: Pachisi as a Game to Discuss Thermochemistry Concepts This paper presents a didactic game for introduction of thermochemistry concepts. A board of the game known as pachisiis used. The goal of this proposal is to show that the use of ludic activities can be a viable alternative in the classroom, helping learning by the effective manipulation of the concept, beside causinga significant improvement of classroom disciplinary aspects.Keywords: didactic game, thermochemistry, ludic activity

    Referncias bibliogrficasANTUNES, C. Jogos para a estimula-

    o das mltiplas inteligncias. 11 ed.Petrpolis: Editora Vozes, 1999.

    BELTRAN, N.O. Idias em movimento.Qumica Nova na Escola, n. 5, p. 14-17,1997.

    KISHIMOTO, T.M. O jogo e a educa-o infantil. So Paulo: Pioneira, 1996.

    MORTIMER, E.F. e AMARAL, L.O.F.Quanto mais quente melhor: Calor etemperatura no ensino de Termoqumica.Qumica Nova na Escola, n. 7, p. 30-34,1998.

    sentem o que acontece em uma rea-o qumica, o que pode vir a escla-recer e reforar a idia de que ossmbolos e frmulas no so a prpriareao qumica, mas sim sua repre-sentao.

    Um percentual de 95% dos alunosestava completamente envolvido naatividade. A porcentagem restante,quando perguntada sobre o porquda no participao na atividade, res-pondeu com um sonoro: isso coisade criana!. Cabe salientar que os

    alunos so adolescentes na faixa de14-15 anos de idade e, no caso dosuniversitrios, a faixa de 17-19 anos.

    Um outro detalhe importante refe-re-se ao fato de que, alm da aula,um pequeno grupo de alunos teveinteresse em levar os jogos para casa,mostrando, neste caso, que se assu-mem como ldicas as atividades emsala de aula, independentemente docontedo. A partir desses fatos, pode-se tentar formar, juntamente comoutras disciplinas que possam vir a

    utilizar o ldico em sala de aula, umabrinquedoteca na escola.

    Mrlon Herbert Flora Barbosa Soares ([email protected]), licenciado em Qumica pela Univer-sidade Federal de Uberlndia, mestre em Qumicae doutor em Cincias (Qumica) pela UniversidadeFederal de So Carlos, docente do Instituto deQumica da Universidade Federal de Gois. derTadeu Gomes Cavalheiro ([email protected]),licenciado e bacharel em Qumica pela USP(Ribeiro Preto), mestre em Qumica Analtica e dou-tor em Cincias (Qumica Analtica) pela USP (SoCarlos), docente do Instituto de Qumica de SoCarlos da USP.

    OLIVEIRA, A.S. e SOARES, M.H.F.B. Jriqumico: Uma atividade ldica para dis-cutir conceitos qumicos. Qumica Novana Escola, n. 21, p. 18-24, 2005.

    RAMOS, E.M.F. Brinquedos e jogos noensino de Fsica. So Paulo: Universidadede So Paulo, 1990. Dissertao deMestrado, 230 p.

    ROCHA-FILHO, R.C. Os fulerenos e suaespantosa geometria. Qumica Nova naEscola, n. 4, p. 7-11, 1996.

    SOARES, M.H.F.B. O ldico em Qumica:Jogos e atividades ldicas aplicados aoEnsino de Qumica. So Carlos: UFSCar,

    2004. Tese de Doutorado, 195 p.SOARES, M.H.F.B.; OKUMURA, F. e

    CAVALHEIRO, E.T.G. Um jogo didticopara ensinar o conceito de equilbrioqumico. Qumica Nova na Escola, n. 18,p. 13-17, 2003.

    Para saber maisCHATEAU, J. O jogo e a criana. Trad.

    G. de Almeida. So Paulo: SummusEditora, 1987.

    HUINZIGA, J. Homo Ludens: O jogocomo elemento de cultura. So Paulo:Editora Perspectiva, 1980.

    Recebemos carta do leitor Wilmo E. Francisco Jr., autor de artigo nestenmero da revista (vide p. 49), sobre um erro no artigo Diet ou light: Qual adiferena?, de Rejane Maria G. da Silva e Sandra Terezinha de F. Furtado,publicado em QNEsc n. 21, p. 14-16, 2005. Na p. 15 do artigo, no 1 pargrafosobre o que um alimento diet, consta:

    ...os sem o aminocido fenilcetonria, para os fenilcetonricos etc.

    Segundo Francisco Jr., com o que concordam as autoras do artigo, a formaescrita no texto leva ao errado entendimento de que a fenilcetonria umaminocido. Na realidade, a fenilcetonria uma doena cuja causa maiscomum o elevado nvel do aminocido fenilalanina no plasma sanguneo. Oexcesso deste aminocido provoca defeito no sistema nervoso e pode levar aoretardo mental. A origem da fenilcetonria um defeito gentico na enzimafenilalanina hidrolase, responsvel pelo primeiro passo na via catablica dafenilalanina. Este primeiro passo consiste na converso da fenilalanina emtirosina.

    Portanto, a redao correta para o trecho do artigo :

    ...os sem o aminocido fenilalanina, para os fenilcetonricos etc.

    Errata