A

25
CONSIDERAÇÕES JURÍDICAS SOBRE OS CENTROS COMERCIAIS (SHOPPING CENTERS) NO BRASIL Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial | vol. 4 | p. 795 | Dez / 2010 | DTR\2012\1848 Rubens Requião Professor de Direito Comercial na Universidade Federal do Paraná. Análise: Documento Doutrina (1) Índice Vide (1) Artigo Revista Tributária e de Finanças Públicas | vol. 108 | p. 223 ANÁLISE DA CONTABILIZAÇÃO DO EDIFÍCIO DE SHOPPING CENTER COMO PROPRIEDADE PARA INVESTIMENTO E COMO ATIVO IMOBILIZADO: ASPECTOS TRIBUTÁRIOS Glória Coraça | DTR\2013\426 Índice Aluguel Atividade comercial Locação Locação comercial Shopping center Área do Direito: Comercial/Empresarial Sumário: - 1. Introdução - 2. O surgimento dos centros comerciais - 3. Aspectos econômicos - 4. Estrutura organizacional - 5. A natureza jurídica dos centros comerciais - 6. A forma de pagamento da locação - 7. Impossibilidade da alteração unilateral da forma de pagamento - 8. Ainda o aluguel mínimo e o aluguel móvel - 9. Renúncia ao direito de arbitramento do aluguel na renovação da locação (Dec. 24.150/34) - 10. Validade das “Normas Gerais Complementares dos Contratos de Locação” - 11. A Associação dos Lojistas e a administração do Fundo de Promoções - 12. Cláusula de proibição da cessão do contrato de locação - 13. Cláusula da imutatibilidade do ramo de comércio na locação - 14. Outras cláusulas de obrigações e proibições das partes - 15. A construção das instalações do salão comercial - 16. O projeto das lojas Revista dos Tribunais RT-571/1983 maio/1983 1. Introdução Ao estudarmos o desenvolvimento histórico do Direito Comercial vemos que são suas normas produto do talento dos comerciantes. Estes, tendo em vista as necessidades do tráfico no mercado, imaginaram processos e técnicas para seu uso, para garantir o seu progresso e sua segurança. Por esse motivo, uma das características eminentes do Direito Comercial é o informalismo de suas atividades, em que a rapidez da contratação constitui elemento substancial. Ao mesmo tempo, a celeridade com que se renovam e se criam os institutos mercantis impõem uma flexibilidade e mobilidade das relações comerciais, de modo a adequá-las às necessidades do mercado. O formalismo, é verdade, instaura-se em certos casos, em benefício da segurança das operações em massa, como no caso das cambiais e nas sociedades anônimas. Aquele fenômeno não se nota tão acentuadamente no Direito Civil, dada a sua imobilidade em face, sobretudo; das relações de família e de sucessões, cuja evolução social é mais lenta.

description

B

Transcript of A

  • CONSIDERAES JURDICAS SOBRE OS CENTROS COMERCIAIS (SHOPPING CENTERS) NO BRASIL

    Doutrinas Essenciais de Direito Empresarial | vol. 4 | p. 795 | Dez / 2010 | DTR\2012\1848

    Rubens Requio

    Professor de Direito Comercial na Universidade Federal do Paran.

    Anlise: Documento Doutrina (1) ndice Vide (1)

    Artigo

    Revista Tributria e de Finanas Pblicas | vol. 108 | p. 223

    ANLISE DA CONTABILIZAO DO EDIFCIO DE SHOPPING CENTER COMO PROPRIEDADE PARA

    INVESTIMENTO E COMO ATIVO IMOBILIZADO: ASPECTOS TRIBUTRIOS

    Glria Coraa

    | DTR\2013\426

    ndice

    Aluguel

    Atividade comercial

    Locao

    Locao comercial

    Shopping center

    rea do Direito: Comercial/Empresarial

    Sumrio: - 1. Introduo - 2. O surgimento dos centros comerciais - 3. Aspectos econmicos - 4. Estrutura organizacional - 5. A natureza jurdica dos centros comerciais - 6. A forma de pagamento da locao

    - 7. Impossibilidade da alterao unilateral da forma de pagamento - 8. Ainda o aluguel mnimo e o aluguel mvel - 9. Renncia ao direito de arbitramento do aluguel na renovao da locao (Dec.

    24.150/34) - 10. Validade das Normas Gerais Complementares dos Contratos de Locao - 11. A Associao dos Lojistas e a administrao do Fundo de Promoes - 12. Clusula de proibio da

    cesso do contrato de locao - 13. Clusula da imutatibilidade do ramo de comrcio na locao -

    14. Outras clusulas de obrigaes e proibies das partes - 15. A construo das instalaes do salo comercial - 16. O projeto das lojas

    Revista dos Tribunais RT-571/1983 maio/1983

    1. Introduo

    Ao estudarmos o desenvolvimento histrico do Direito Comercial vemos que so suas normas produto do

    talento dos comerciantes. Estes, tendo em vista as necessidades do trfico no mercado, imaginaram

    processos e tcnicas para seu uso, para garantir o seu progresso e sua segurana. Por esse motivo, uma

    das caractersticas eminentes do Direito Comercial o informalismo de suas atividades, em que a rapidez

    da contratao constitui elemento substancial. Ao mesmo tempo, a celeridade com que se renovam e se

    criam os institutos mercantis impem uma flexibilidade e mobilidade das relaes comerciais, de modo a

    adequ-las s necessidades do mercado. O formalismo, verdade, instaura-se em certos casos, em

    benefcio da segurana das operaes em massa, como no caso das cambiais e nas sociedades annimas.

    Aquele fenmeno no se nota to acentuadamente no Direito Civil, dada a sua imobilidade em face,

    sobretudo; das relaes de famlia e de sucesses, cuja evoluo social mais lenta.

  • Observando a vocao progressista do Direito Comercial, ao estudar o seu mtodo, o notvel jurista

    italiano Alfredo Rocco observou que os progressos da atividade produtora modificam incessantemente as

    relaes reguladas pelo Direito Comercial, dando-lhe formas e aspectos no,vos, que necessrio

    acompanhar por meio de um trabalho assduo. E acrescenta que esse Direito verdadeiramente, sob

    este ponto-de-vista, uma Cincia de observao (Direito Comercial, n. 18, p. 80).

    Por isso, sustenta Rocco, o comercialista deve, mediante um trabalho paciente de induo, recolher

    conceitos e normas gerais no s no campo do Direito Comercial propriamente dito mas, ainda, no Direito

    Civil e chegar, por fim, determinao dos- princpios generalssimos, comuns a todo o sistema do

    Direito. S mediante este trabalho de induo e generalizao lhe ser possvel regular, por meio de

    normas extradas do Direito constitudo, a infinita variedade de casos a que d lugar a multiforme e

    sempre diversa atividade dos trficos (ob. cit., n. 18, p. 86).

    Por outro lado, como sustentou Josserand, ao formular a famosa e original teoria do abuso de direito,

    nem todo o Direito est contido na lei. Essa aguda observao ajusta-se mais precisamente ao campo

    diversificado no Direito Comercial. A evoluo e as necessidades do trfico mercantil lhe tm imposto

    acelerada mobilidade, que as normas legislativas no tm condies de acompanhar. Da a importncia

    supletiva da doutrina dos juristas e da jurisprudncia dos magistrados. Compreende-se a importncia com

    que acolhe os usos e costumes. O Direito, pois, no pode permanecer esttico diante da intensa

    trepidao da vida moderna.

    Referindo-se a esse fenmeno, o Prof. Joaquin Garrigues, em sua obra derradeira Hacia un Nuevo

    Derecho Mercantil, destacou o descompasso entre os fatos e as normas legais: E, todavia, j faz muito

    tempo que os fatos no correspondem s palavras da lei. As palavras legais permanecem as mesmas,

    porm debaixo delas e talvez com a ajuda da jurisprudncia dos tribunais e dos usos mercantis vai a

    corrente de novos fatos minando a construo legal.

    Tive recentemente a oportunidade, de focalizar essa vocao dinmica do Direito Comercial ao analisar

    um novo instituto comercialista que se imps. Referindo-me ao informalismo imanente desse Direito,

    sustentei que ele necessrio, com efeito, instantaneidade e velocidade das operaes em massa,

    permitindo e incentivando o gnio inventivo dos empresrios, sua capacidade de adaptar-lhe a

    flexibilidade e o dinamismo que o tomaram capaz de fornecer, com segurana, s empresas, o

    instrumental tcnico e jurdico essencial ao seu desenvolvimento. Essa criatividade no se limitou ao

    perodo inaugural da autonomia do Direito Comercial, mas se projetou nos sculos posteriores,

    permanecendo at os nossos dias (O contrato de concesso de venda com exclusividade Concesso

    comercial, RDM 7/17, 1972).

    Assim, as necessidades de os empresrios atenderem ao trfico nos seus mltiplos aspectos e a

    complexidade da vida econmica moderna impulsionaram a doutrina, renovando-a, com o concurso da

    jurisprudncia, fornecendo aos empresrios os arsenais de regras e de instituies inovadoras. Os

    tribunais tm sido convocados para validar essas normas e instituies, incorporando-as ao Direito com

    certa prudncia e, convenhamos, s vezes com certa timidez. So as regras de Direito pretoriano, que

    impelem o progresso das instituies jurdicas segundo a sbia norma da lei brasileira de que o juiz, na

    omisso de lei, no pode deixar de aplicar o Direito (Dec.-lei 4.657/42, art. 4.).

    Disso temos, aqui, em nosso pas, edificantes exemplos na jurisprudncia de nossos Tribunais, acolhida

    pelo STF. Sempre cito como exemplo o instituto da dissoluo parcial das sociedades de pessoas, cuja

    tcnica surgiu posteriormente s normas do Cdigo Comercial. E, ainda atualmente, outro exemplo, entre

    muitos, a criao do contrato atpico e misto da concesso comercial com exclusividade, transposto da

    experincia negocial norte-americana. A concesso dos veculos automotores foi recentemente tipificada

    em legislao especial.

    Todas essas consideraes me vm mente quando me volto para o estudo dos chamados centros

    comerciais, sistema no cogitado pela legislao nacional positiva, embora j incorporado intensamente

    na moderna atividade empresarial.

    Em vo, com efeito, procurei ajustar essa organizao mercantil s nossas tradicionais categorias

    jurdicas. Vo propsito; o figurino clssico no serve para esse intuito.

    Impe-se, ento, ao jurista oferecer a certeza de que est em frente de alguma coisa de novo no campo

    da Economia e do Direito, que deve ser analisada e pesquisada, em virtude de sua exeqibilidade, aceita

    e incorporada pela tcnica despreconceituosa dos mercadores.

  • A anlise do sistema comercial denominado nos Estados unidos de shopping center, transposto para o

    mercado brasileiro, d conta de dificuldades e indecises que enfrentei para enquadr-lo adequadamente

    s nossas instituies jurdicas. Ele constitui, com efeito, uma corajosa e inequvoca demonstrao da

    engenhosa capacidade inovadora do empresrio mercantil.

    2. O surgimento dos centros comerciais

    Esses enormes e elegantes edifcios comerciais, que acolhem as mais diversificadas lojas, surgiram nos

    Estados Unidos logo aps o trmino da II Grande Guerra, em 1950, fruto da inventiva e do gnio

    progressista dos empresrios norte-americanos. Foram logo, com simplicidade denominados de shopping

    centers. Impem-se como uma excelente soluo para o marketing, tendo em vista o adensamento

    populacional, Para o incmodo problema da urbanizao e do conseqente congestionamento do trfego.

    A expresso substantiva shop, que resulta no verbo to shop e no gerndio shopping, ao de comprar,

    tem um largo sentido na linguagem norte-americana. compra, comprar, comprando ou ato de comprar.

    Entende-se, tambm, como a loja onde as mercadorias so expostas para a venda, especialmente no

    varejo. Assim, shopping center traduzido para o nosso vernculo exatamente como centro de

    compras, ou, mais livremente, centro comercial.

    O estrangeirismo, como vezo em nosso Pas, imps-se sobre a denominao nacional, pois

    lastimavelmente no cogitamos de impedir a invaso de termos aliengenos, como fizeram Portugal e a

    Frana, esta ao editar a Lei 74.139/45, para assegurarem a purga e prestgio do idioma nacional. A

    natural e adequada denominao portuguesa centro comercial, no tem dominado o nosso linguajar,

    cedendo ao ttulo shopping center, que aparenta mais status

    Os centros comerciais surgiram no Brasil a partir de 1966, com a construo do primeiro na cidade de So

    Paulo. Aps isso, outros foram construdos, com requintes de perfeio e bom gosto. Tal foi sua aceitao

    que apareceram, em nmeros crescentes, em diversas capitais de Estados ou em cidades do interior.

    Acentua-se, atualmente, o seu desvirtuamento, pois se est disseminando a denominao para abranger

    organizaes improvisadas e de porte mdio, dentro de cidades, agravando a concentrao urbana,

    quando o seu objetivo primadal seria o de propiciar a descentralizao urbana e a disperso do trfego

    virio.

    O objetivo desse estudo, convm frisar, no outro seno o de tentar desvendar os aspectos jurdicos

    dos problemas do centro comercial, como foi inicialmente concebido, isto , como revoluo tecnolgica

    de carter nitidamente organizacional.

    3. Aspectos econmicos

    Antes de me embrenhar no estudo da natureza jurdica dos centros comerciais, vale cogitar de sua

    anlise econmica.

    Procedendo ao estudo econmico dos Centros Comerciais no Brasil, em opsculo monogrfico, o

    economista Prof. Geraldo Langoni os considera um produto moderno da evoluo tecnolgica. Os

    shopping centers escreve o autor constituem uma das mais significativas revolues tecnolgicas de

    carter nitidamente organizacional cujo impulso inicial ocorreu na dcada de 50 nos Estados Unidos. De

    fato, o aspecto marcante nos shopping centers no o aparecimento de uma inovao de carter fsico

    (p. ex., um novo equipamento), e sim os ganhos de eficincia associados a uma aparentemente simples

    realocao de fatores de produo (ob. cit., p. 3).

    Observa o Prof. Langoni que a estrutura fsica dessa organizao, num certo sentido convencional,

    apenas utiliza de maneira mais inteligente todos os elementos ocorridos na indstria de construo, de

    materiais e de equipamento imobilirio. O aspecto distinto e. que se constitui na base de todo seu

    dinamismo e eficincia exatamente a relao contratual existente entre o empreendedor do shopping

    center e os comerciantes. Ao invs de um esquema convencional de remunerao do investimento com

    base na venda dos imveis ou aluguel pura e simples o que transformaria o empreendimento em mais

    um negcio imobilirio o shopping center, ao estabelecer uma relao direta entre sua rentabilidade e a

    rentabilidade das atividades que ali iro se desenvolver, criou as pr-condies para a otimizao do

    marketing em nvel nunca ,antes imaginado peio sistema de comrcio convencional.

    E, nesse particular, prossegue, paradoxalmente, portanto, o que h de fato de inovador nos shopping

    centers a relao contratual que assegura a participao das investidores no faturamento (e, portanto,

  • nos lucros) das atividades que ali se desenvolvem. Estabelece-se uma permanente integrao entre os

    interesses dos empreendedores do shopping center e os dos comerciantes, que constitui a base para a

    realizao posterior de ganhos, de produtividade, onde parcela significativa inclusive transferida para os

    consumidores.

    Podemos observar, na evoluo do comrcio varejista, que o comerciante, outrora, no seu ferrenho

    individualismo, escolhia o local mais adequado para o seu estabelecimento comercial sem muito se

    preocupar com a vizinhana. Esse fenmeno se reflete, com efeito, nas cidades antigas, onde os

    comerciantes e artesos se agrupavam topograficamente em torno de suas corporaes, da surgindo as

    ruas e bairros profissionais, como a rua dos ferreiros, dos padeiros, dos latoeiros etc. Mais tarde, por

    injunes dos primitivos planos da cidade, foram criadas, geralmente por iniciativa das Municipalidades

    e isso foi constante no caso brasileiro edificaes prprias para o mercado local, onde, em pequenas

    lojas, era instalado o comrcio varejista, sobretudo para a venda de comestveis e de artigos de utilidade

    domstica. Esses mercados apenas propiciavam um local mais adequado, sem qualquer outra organizao

    tecnolgica seno a primitiva loja do comerciante retalhista, para o exerccio de seu negcio estritamente

    artesanal.

    Bem mais tarde, como enriquecimento das cidades e com a qualidade e riqueza de materiais, as lojas

    individuais muitas vezes foram localizadas em edifcios mais adequados, sob a forma de grandes galerias.

    Essas galerias comerciais centralizadas em determinadas regies do centro urbano formam ruas e ptios

    internos particulares, dando acesso s lojas.

    Essas lojas ou eram instaladas pelos proprietrios do imvel, ou eram locadas e distribudas a vrias

    empresas, sem preocupao de organizao coletiva.

    Ao mesmo tempo em que se assistia a esse sistema, mais de natureza imobiliria, sem qualquer

    preocupao funcional de unidade, as grandes corporaes construram seus edifcios prprios.

    Integraram nele a mais variada gama de artigos e servios, passando esse sistema a se denominar de

    lojas de departamento ou lojas departamentais. Sua caracterstica , basicamente, a propriedade do

    titular, seja individual ou coletivo. Sua unidade tcnica, econmica e jurdica consubstancia um

    estabelecimento comercial, no tendo outro sentido organizacional seno o de expor a mercadoria

    venda e disposio dos consumidores em sistema adequado e confortvel.

    Mas a concentrao urbana moderna, com a necessidade do deslocamento rpido pelos veculos

    automotores, modificou o aspecto antigo das cidades tradicionais. A trepidao da vida moderna, as

    novas tcnicas de distribuio e venda das mais variadas mercadorias, o anseio de conforto coletivo e

    individual, predisps diretamente os empresrios comerciais a idealizarem um centro, de sentido urbano,

    que concentrasse os mais variados artigos que o mercado proporciona, num ambiente funcional e

    esttico. Nele os mais variados artigos so postos s mos da freguesia, em condies de bom gosto, de

    qualidade, de higiene e de conforto. Surgiram, assim, os modernos centros comerciais de inspirao

    norte-americana.

    Para uma organizao dessa natureza, segundo novos padres de tecnologia comercial, imps-se uma

    planificao inteligente e sofisticada, que se inicia com a escolha do local, tendo em vista as condies

    adequadas de densidade demogrfica. A rede viria deve ser considerada, para afastar o desconforto e

    angstia do trfego congestionado, oferecendo um local amplo para comportar um estacionamento de

    automveis, uma das condies essenciais para o sucesso do empreendimento

    Os espaos urbanos j ocupados, com efeito, levaram a planificao para regies mais distantes da

    concentrao demogrfica, na periferia, tornando os centros comerciais o ncleo de novas reas, que

    passam a se desenvolver em torno deles. Isso no impede que o empreendimento se localize

    excepcionalmente dentro de centros urbanos, naturalmente com maior custo de instalao. Isso est se

    verificando na cidade de Curitiba em dois empreendimentos centrais, embora o Prof. Langoni considere

    que a viabilizao do empreendimento somente possvel atravs da incorporao em novas reas

    urbanas (ob. cit., p. 15).

    Mas outro aspecto econmico que se reflete em ponderaes jurdicas a tcnica de escolha dos

    comerciantes que se ligam ao centro comercial. Em condies comuns e, tradicionais da localizao da

    unidade comercial, como j se acentuou, no cogitava o comerciante da distribuio zonal de seu

    estabelecimento. Ao contrrio, porfia ele em se aproximar do concorrente, para colher uma fatia mais

    promissora do mercado.

  • Esse problema tratado com seriedade na planificao inicial do empreendimento. O empreendedor

    procura diversificar os objetivos das unidades comerciais, isto , dos diversos sales, a fim de evitar a

    condensao das lojas da mesma espcie, afastando, assim, no seu recinto, o confronto da concorrncia.

    Essa diversificao tecnolgica do empreendimento designada por mix.

    Sobre esse aspecto dos efeitos do centro comercial valem as observaes do Prof. Langoni: A intima

    relao existente entre o empreendedor do shopping center e os comerciantes escreve aquele autor

    permite o estabelecimento de um planejamento estratgico de modo a explorar com a maior eficincia

    possvel todo o mercado potencial previamente analisado em seu conjunto. exatamente a avaliao

    deste mercado, suas preferncias e tendncias que constitui um elemento-chave para definir o mix das

    atividades que devero fazer parte do shopping center. A existncia de um mecanismo de planejamento

    central dessas atividades, cujo carter permanente conseqncia do interesse direto do empreendedor

    no sucesso de cada uma das atividades isoladas, assegura ao longo do tempo a manuteno de um mix,

    de produtos e servios assim como sua eventual adaptao s alteraes detectadas pela avaliao

    contnua, do mercado. importante ressaltar que isto seria impossvel caso se adotasse o sistema

    convencional de aluguel para qualquer empresrio disposto a pagar o preo de mercado e, em especial,

    nos casos de venda pura e simples das unidades comerciais (ob. cit., n. 1.2, p. 4).

    Note-se que o sistema de vendas nos centros comerciais no tem maior preocupao em controlar o

    mercado, afastando a competio, Por isso no se presta o mecanismo a qualquer forma de abuso do

    poder econmico, mas apenas disciplina a distribuio e a especializao das lojas, segundo os seus

    produtos comerciais, a fim de que a mais variada gama de mercadorias esteja disposio da clientela no

    seu recinto (mix). No se impede, geralmente, que o mesmo ramo de negcio coincida, mas haver

    sempre disperso estratgica.

    Uma das preocupaes essenciais dos centros comerciais justamente propiciar o conforto e a

    comodidade dos consumidores, para que em seu recinto se abasteam em toda a amplitude e

    diversificao. Da por que sua planificao comea por atrair estabelecimentos comerciais avantajados,

    com prestgio j consagrado, capaz de atrair grandes contingentes de clientela, que se espraiem por

    todas as dependncias. Esses grandes emprios que se ombreiam com as lojas de menor porte so

    geralmente filiais de lojas departamentais ou de supermercados. Pela sua atrao no conjunto, esses

    estabelecimentos comerciais so adjetivados de lojas ncoras. Formam, efetivamente, um ncleo de

    clientela, que aproveita a toda a organizao. Assim, os centros comerciais viabilizam, de certa forma,

    pequenas e mdias empresas, qu atravs dele podem participar de um grande empreendimento

    mercantil.

    Em face de tais observaes, podemos fixar alguns pontos exponenciais que, todos eles, levam a essa

    inovao tecnolgica. O consumidor afeito ao centro comercial situa-se precipuamente numa faixa de

    classe mdia, que possui o seu automvel como elemento de trabalho, e no de status. Isso importa, em

    todo o processo de abastecimento familiar, um expressivo conforto, a comear pelo parque de

    estacionamento posto sua disposio. Isso, ao lado da possibilidade de ter, sem maior deslocamento,

    dezenas de estabelecimentos comerciais sua disposio, lhe proporciona maior economia de tempo.

    Alm disso, dados os servios tcnicos exercidos e colhidos pela organizao, as promoes e propaganda

    lhe do informaes adequadas das condies do mercado.

    E no se pode amesquinhar a integrao entre o trabalho e o lazer, j que um dos atrativos desse

    sistema moderno de comercializao so as promoes de lazer, considerando que, para muitos, a visita

    a um centro comercial constitui um programa de turismo. Alis, a gria dos vendedores integrados no

    centro comercial j consagrou o eventual visitante despreocupado e sem programa como mirador, isto

    , o transeunte que apenas mira, olha as belas vitrinas, sem nada comprar. Mas no deixa, na

    verdade, de ser um fregus virtual, que ao menos d maior movimento e alegria ao ambiente, atraindo a

    verdadeira clientela consumidora.

    Ainda, nesse sentido, o Prol. Langoni observa, com propriedade, que se h de levar em considerao a

    integrao existente entre servios comerciais convencionais e lazer (cinemas, teatros, parques de

    recreao infantis etc.), que normalmente facilitam a otimizao do uso do tempo da famlia como um

    todo. Uma das conseqncias interessantes que o centro comercial, apesar de todo o seu modernismo,

    representa tambm, num certo sentido, uma volta s origens, ao criar condies para a participao de

    toda a famlia na atividade de compra, ao invs da tendncia especializao de um de seus membros

    (normalmente a mulher, pelo menor custo e disponibilidade de tempo). Se adicionarmos a esses fatores

    outras componentes de servios reais como segurana, horrio amplo, ausncia de poluio, conforto

  • etc., teremos o elenco de elementos com pesos distintos que tero de ser levados em considerao para

    uma avaliao com os benefcios do centro comercial para o consumidor (ob. cit., p. 12).

    Mas os efeitos benficos do sistema no se resumem, apenas, para o empresrio e para os consumidores.

    H a considerar, com relevncia, as convenincias do Estado, sobretudo na arrecadao dos impostos. O

    sistema baseia-se muito na locao das unidades (lojas), cujo aluguel se funda na participao do locador

    na renda bruta das lojas locadas. Mesmo quando o comerciante o proprietrio da loja, no havendo a

    oportunidade da locao, os impostos so mais adequadamente arrecadados.

    4. Estrutura organizacional

    A organizao tecnolgica do centro comercial estrutura-se sobre diversos documentos que regulam as

    inmeras relaes jurdicas que o constituem. No provm, verdade, de uma estrutura contratual

    definida. No resulta, tambm, em uma personalidade jurdica que, como a sociedade comercial ou civil,

    capaz de direitos e obrigaes.

    A organizao, com efeito, apia-se em vrios instrumentos jurdicos, de base contratual. Encontramos

    nela, assim, contrato de locao, normas gerais complementares dos contratos de locao, uma

    associao dos lojistas, o Fundo de Participaes e Promoes Coletivas e um regulamento interno e,

    eventualmente, outros contratos.

    O centro comercial, como veremos, uma idia. Basicamente se suporta numa associao de natureza

    civil, na qual se filiam obrigatoriamente todos os lojistas que o integram. Essa associao constituda

    sob os auspcios do empreendedor, que organiza o centro comercial, o qual passa tambm a integrar. A

    participao na associao condio essencial para a integrao e a permanncia da empresa no centro

    comercial, cuja principal funo administrar um Fundo de Promoes Coletivas, entidade da qual

    ainda haveremos de falar.

    Mas essa associao civil no , tenha-se em conta, o centro comercial. Ela apenas se destina a

    administrar o Fundo de Promoes Coletivas obrigatoriamente mantido por todos os lojistas nele

    integrados; constitui uma entidade comum, normal nos quadros do Direito Civil, tanto que deve ser

    registrada no Registro peculiar por ele institudo, com a finalidade mxima de adquirir personalidade

    jurdica. Essa personalidade jurdica, todavia, estritamente da associao civil, reduzida aos seus

    negcios, sem se extravasar ao centro comercial. A sociedade civil, quero com isso dizer, no se

    estende ou se identifica com o centro, mas apenas um instrumento de sua funcionalidade.

    A finalidade da associao civil, elemento funcional do centro comercial, , sobretudo, a de administrar

    o Fundo de Promoes Coletivas, do qual sairo todos os programas e recursos de propaganda e

    promoes da coletividade integrada na sua organizao. O regulamento interno estabelecer o perfeito

    funcionamento do centro comercial e seu aprimoramento.

    A assinatura do contrato de locao por parte do locatrio, enfim, implica, automaticamente, a filiao

    deste associao. Essa assinatura , portanto, anterior e condio de integrao na organizao. No

    a associao civil que permite inicialmente a integrao do interessado na organizao.

    preciso, por outro lado, registrar que, embora seja o perfil tpico do centro comercial lastreado numa

    propriedade imvel dividida pelo proprietrio organizador, em sales comerciais ou lojas, possvel que

    se organize juridicamente como um condomnio imobilirio, resultante de incorporao.

    Nessa hiptese, modifica-se, em certo sentido, a estrutura da organizao. Os proprietrios do imvel so

    reunidos, nesse caso, em condomnio, por incorporao, segundo a Lei 4.591, de 16.12.64. Disso

    decorrem algumas situaes, que naturalmente se refletem na organizao do centro comercial

    idealizado.

    Em primeiro lugar, os proprietrios-condminos podem, nas unidades condominiais constitudas em sales

    comerciais, se integrar na organizao do centro comercial, liderado pelo seu idealizador. Em segundo

    passo, o proprietrio condominial pode deixar de aderir organizao do centro comercial, pois que

    adquiriu a unidade apenas como investimento, para gozar da renda que ser propiciada por um locatrio

    seu. O locatrio que participa efetivamente do centro comercial, pois ali instala a sua loja, sujeitando-se

    organizao e ao regulamento comercial.

    O que importa, nessas hipteses, no a estrutura do condomnio imobilirio, pois esse tem as suas

    normas legais tipificadas. O que interessa a constituio do sistema comercial moderno, que decorre

  • no da explorao do imvel condominial, mas da explorao do comrcio pelas lojas integradas

    individualmente, cada uma delas, no centro comercial.

    Por isso, nesse estudo, dei ateno precipuamente ao centro comercial constitudo por lojistas-

    locatrios, de onde decorrem os maiores problemas jurdicos. claro que essas observaes aproveitam a

    todos os centros comerciais na parte relativa ao sistema de comercializao.

    5. A natureza jurdica dos centros comerciais

    No estudo do Prof. Langoni, visto sob o prisma do economista, os centros comerciais constituem uma das

    mais significativas revolues tecnolgicas de carter nitidamente organizacional. Essa organizao pe

    em destaque os ganhos de eficincia associados a uma aparentemente simples realocao de fatores de

    produo.

    Na sua estrutura, j se disse alhures, h a predeterminao de criar um sistema comercial, organizando

    os sales para as lojas segundo um critrio comum e com o objetivo de maximizar a produtividade do

    todo. Observando o centro comercial, entretanto, sob o ponto-de-vista jurdico, algumas dificuldades

    assaltam o jurista brasileiro, que nele no encontra, na verdade, uma unitria figura jurdica.

    Devo, de incio, alijar qualquer veleidade de enquadrar o centro comercial como uma personalidade

    jurdica, dando-lhe autonomia distinta. No constitui, contratualmente, uma sociedade mercantil, embora

    na sua organizao possa contar com uma associao que no serve, entretanto, para qualific-la. Essa

    hiptese foi descartada em considerao anterior.

    Uma das caractersticas da organizao proporcionar ao seu empreendedor, proprietrio dos sales

    comerciais onde so instaladas as lojas, contrato de locao com os comerciantes nelas interessados, em

    que o preo do aluguel expresso em percentual sobre as vendas. Isso pode levar os menos atentos a

    considerar nele a existncia de uma sociedade em conta de participao.

    Essa idia, que foi insinuada em deciso judicial, considerava que tal clusula que podia perfeitamente

    ser avenada dentro de um contrato celebrado no regime da livre conveno na realidade, transforma o

    locador em scio do locatrio no empreendimento e numa sociedade, se no. leonina, muito prejudicial

    ao locatrio (RT 533/150).

    A deciso, convm esclarecer, no configurava questo relativa locao em centro comercial, mas

    apenas punha em destaque a modalidade de preo da locao em participao no volume de depsitos

    bancrios.

    Na verdade, a modalidade existente no contrato de locao de loja integrante do sistema do centro

    comercial no consubstancia, de forma alguma, uma sociedade em conta de participao. Essa

    sociedade, destituda de personalidade jurdica, que muitos doutrinadores estrangeiros e nacionais

    consideram um simples contrato, e no uma sociedade, para ser assim admitida, deve expressar um dos

    elementos caractersticos das sociedades comerciais: a affectio societatis. Este a existncia da affecctio

    societatis , portanto, o elemento diferenciador decisivo entre a comunho e a sociedade sustenta o

    Prof. Mauro Brando Lopes (in Ensaio sobre a Conta de Participao no Direito Brasileiro, p. 58).

    A afeio de scio, a confiana mtua entre eles, em se integrar com outros, para a formao da

    sociedade, constitui, com efeito, uma das caractersticas mais notveis das sociedades. Isso, visivelmente,

    no ocorre na espcie em estudo. Nela, o empreendedor-locador, atravs de um contrato de locao,

    estabelece com o locatrio-empresrio o consenso pelo qual se obriga a transmitir ao outro o uso e gozo

    de um imvel, com a condio de lho entregar findo o contrato, mediante certa paga. a locao de

    prdio.

    Imaginei, por outro lado, num dado instante, enquadr-lo juridicamente como estabelecimento comercial

    ou fundo de comrcio. Cogitei v-lo como uma categoria de bem imaterial. Partindo da doutrina francesa

    de Planiol, Ripert, Escarra, Hamel, Lagarde, Julliot De La Morandire e outros comercialistas de escol, que

    vem no estabelecimento comercial um bem imaterial, procurei a analogia entre as referidas figuras.

    Mas se deve ter em conta que, embora o estabelecimento seja constitudo de muitos elementos materiais,

    corporais, estes, acrescidos de outros elementos imateriais ou incorpreos, constituem uma

    universalidade de fato. Na universalidade de fato todos os seus elementos unitrios so ajuntados pla

    vontade nica do proprietrio e cada um dos elementos no se integra entre si. Se a vontade do

    proprietrio a desfaz, cada elemento volta simplesmente ao que individualmente era.

  • O estabelecimento comercial, assim formado, se apresenta como um bem imaterial, de vez que os

    elementos materiais e imateriais que o compem tm uma conceituao prpria, no perdendo suas

    caractersticas singulares quando incorporados ao estabelecimento comercial (Curso de Direito Comercial,

    do autor, vol. 1/179, n. 151).

    Ora, o centro comercial no tem corpo fsico. Ele montado sobre a propriedade privada de seu

    empreendedor, que, por contrato de locao, arrenda as unidades a comerciantes, num programa de

    planificao e organizao, ou vende as unidades a terceiros, constituindo o imvel em condomnio, onde

    se imbricam comerciantes, proprietrios da loja ou simplesmente locatrios. Essa a base fsica onde se

    assenta o centro comercial.

    O proprietrio do imvel, como se v no caso, no quem comercia no centro. Ele fornece o salo e

    toda a estrutura organizacional. As instalaes comerciais, maquinismos, mercadorias e todos os demais

    elementos do estabelecimento comercial que nele se instala, entre outros, so propriedades materiais que

    pertencem aos comerciantes ali instalados. Do titular do centro comercial, que pode ser uma sociedade

    ou uma pessoa fsica, existe apenas o ttulo e a organizao, alm dos contratos de arrendamento, se

    houver. Eis o imaterialismo da organizao.

    Poderia, ento, ser conceituada como uma instituio? A palavra instituio, no sentido sociolgico e

    jurdico, para mim enigmtica. Para o Prof. Luiz Fernando Coelho, em verbete de divulgao

    enciclopdica, num sentido bastante amplo, constitui qualquer organizao social de carter jurdico,

    com personalidade jurdica ou no (Enciclopdia Saraiva do Direito, vol. 44/511).

    Coube, com efeito, ao mestre Maurice Hauriou notabilizar-se ao formular a teoria da instituio.

    Pretendeu superar a teoria do contrato, para melhor explicar diversos fenmenos jurdicos. Definiu-a, em

    seu Prcis de Droit Administratif et de Droit Public (p. 8), como uma organizao social, estvel em

    relao ordem geral das causas, cuja permanncia est assegurada por um equilbrio de foras ou por

    uma separao de poderes e que constitui, por si mesma, um estado de direito (ob. cit., p. 8).

    Em outro livro conceituou a instituio como uma idia de obra ou empreendimento que se realiza e

    dura juridicamente num meio social; para a realizao dessa idia, um poder se organiza e se investe de

    rgos; de outro lado, entre os membros do grupo social interessado na realizao da idia produzem-se

    manifestaes de comunho, que so dirigidas pelos rgos investidos de poder e que so reguladas por

    processos adequados (Aux Sources du Droit La Thorie de lInstitution et de la Fondation, p. 96).

    Decorrem da definio formulada pelo criador da teoria quatro elementos caracterizadores da instituio:

    a) uma organizao social; b) uma organizao estabelecida em relao ordem geral das coisas; c)

    uma organizao cuja permanncia seja assegurada por um equilbrio de foras ou uma separao de

    poderes; d) uma organizao que, por si s, constitui um estado de direito (Cours de Droit Public, p. 9).

    Alm de todos esses conceitos foi acrescido mais um, que marcou incisivamente a teoria no campo social,

    e que o bem comum, que grava a fundo a teoria.

    A teoria da instituio, surgida no meio do Direito Pblico, espraiou-se para o Direito Privado, procurando

    envolver institutos de Direito Comercial, ao querer sujeitar, p. ex., as sociedades comerciais, como

    pensam os comercialistas franceses modernos, instituio, e no ao contrato. O prprio Hauriou

    considera as sociedades por aes como instituio, mas no estendia essa qualidade a todos os tipos de

    sociedades.

    Sinto inmeras dificuldades ao penetrar no mago do pensamento institucionalista, dada a minha

    vinculao comercialista teoria das obrigaes e mais precisamente dos contratos. A teoria

    institucionalista quase impenetrvel pois o prprio Prof. Georges Renard, o mais conceituado discpulo

    de Hauriou, confessava que via esse conceito entre as brumas e que, em certos momentos, lhe dava

    vertigens

    No me parece apropriado enquadrar o centro comercial como uma instituio, muito embora se

    ressalte nele uma organizao, idia bsica, como se viu, na concepo de Hauriou. Na instituio, p. ex.,

    o consentimento dos membros restringe-se aceitao da disciplina, sem preocupao imediata dos

    resultados de sua atividade, o que no ocorre com o centro comercial. A existncia da organizao, na

    instituio, no est subordinada execuo de tais ou quais atos que um dos membros poderia ter

    prometido.

    Assim, tenho para mim que a idia, no que se refere formao do centro comercial, no tem perfil

    exato da instituio. Ele , sem dvida, uma organizao, mas no chega a constituir uma instituio.

  • Resta-nos, portanto, compreender que o centro comercial constitui apenas uma organizao. Essa

    organizao resultado de diversos atos e idias, os quais redundam em contratos diversificados, que

    no se fundem numa idia unitria.

    Sabemos que existem concepes econmicas modernas que so modeladas por contratos j conhecidos

    no ambiente jurdico. So os contratos tpicos ou nominados, que se aglutinam tendo em vista uma

    finalidade comum. Esses contratos podem incluir tambm contratos no definidos em lei; so os contratos

    atpicos ou inominados, pois no so ainda objeto de regulao legal. Contratos tpicos e atpicos podem

    se aglutinar para formar outras espcies, para atender a uma necessidade negocial nova. Exemplo dele

    posso indicar no contrato de concesso comercial, que constitui um recente sistema de comercializao.

    Formado por vrios contratos que se centram sobretudo na compra e venda, nele ainda se aglutinam o

    contrato de locao de servios, o contrato de permisso de marca, o contrato de comodato, o contrato

    de financiamento etc. Classifiquei esse contrato em nosso Pas como contrato atpico misto, classificao

    que foi acolhida pelo STF (RDM 7/17, 1972; Aspectos Modernos de Direito Comercial, vol. 1/117, n. VII).

    Esses contratos fundem-se num s, com a meta de atingir um fim comum. Amalgamam-se, com efeito,

    numa unidade contratual, recebendo uma denominao.

    No centro comercial no vejo organizao jurdica desse tipo. Os contratos que surgem em torno da

    organizao no se fundem, nem resultam num novo contrato. Eles apenas se congregam, ou, melhor, se

    coligam, a fim de disciplinar o empreendimento comum. Cada um permanece com a sua individualidade

    jurdica prpria, embora unidos por laos econmicos de interesses entre seus componentes.

    Sobre o contrato coligado, no STF o Min. Moreira Alves explicou que so contratos distintos, mas que

    esto vinculados para alcanar determinada finalidade econmica; tm unidade econmica, mas no

    jurdica.

    O jovem jurista Marcos Cavalcanti de Oliveira, em obra premiada pela OAB Seo do Estado do Rio de

    Janeiro, dedicou preciosa monografia sobre a Taxionomia Contratual. Ao estudar a classificao e

    nomenclatura dos contratos, observa, a partir dos contratos mistos, que classifica-se um contrato como

    tpico, atpico ou misto, mediante o referencial da previso legal. Agora, porm, no s o fenmeno a ser

    classificado diverso como outros so os parmetros.

    E, em conseqncia, observa que o objeto da distino ora em estudo no mais o contrato em sua

    individualidade. Nem mesmo um nico contrato, segundo o seu relacionamento com outro. S tem

    sentido analisar-se a unio de contrato quando se leva em considerao no apenas um, mas dois ou

    mais contratos. A pesquisa dos contratos unidos feita tendo em vista o inter-relacionamento existente

    entre os diversos contratos individualmente, cada um com sua prpria causa e peculiaridade.

    Chamando a esse fenmeno jurdico de unio de contratos, a que j denominei, segundo a doutrina

    alem, de contrato coligado (Enneccerus), o jurista acima citado se refere a unio com dependncia

    bilateral, tecendo essas concluses: Na dependncia bilateral, dois contratos autnomos condicionam-se

    reciprocamente, de modo que um se torna causa do outro. Forma-se uma unidade econmica, que,

    todavia, no tem o dom de transform-las em um contrato misto (ob. cit., pp. 133 a 134).

    isso, no meu entender, que ocorre no centro comercial. Os contratos a ele relativos no se fundem,

    mantendo unidade apenas econmica, sem vir a constituir nova categoria jurdica. Da por que o centro

    de compras no chega a ser um contrato, mas apenas uma organizao fundada em vrios contratos.

    Estudando os problemas que a Economia engendra para o Direito Comercial na organizao da

    repartio, da circulao e da produo, v o famoso Prof. Ren Savatier, referindo-se economia

    dirigida; um todo a coordenar. E nesse sentido todos os contratos se imbricam e so comandados, um

    organismo central poder sozinho, por essa coordenao, chegar a fazer sair, do conjunto dos contratos

    assim agrupados, a harmonia, a coeso e o poderio do mecanismo gigantesco capaz de dominar, para

    todo um pas, o conjunto de foras naturais que as necessidades novas determinam (Les Mtamorphoses

    Economiques et Sociales du Droit dAujourdHui, vol. I/54, n. 47).

    Aludindo, nessa citao, ao sistema macroeconmico, as observaes do jurista francs aproveitam

    tambm ao tema no sistema microeconmico, de uma organizao privada. Vemos que os vrios fatores

    que integram essa organizao formam um todo econmico a coordenar, e nesse sentido todos os

    contratos assim conjugados propiciam a harmonia, a coeso e o poderio do mecanismo poderoso que

    deles decorre.

  • Assim, vejo no centro comercial no uma figura modelada por um contrato, mas apenas a coordenao

    ou coligao de vrios contratos, que estruturam juridicamente a organizao e atividade.

    No demais insistir que os integrantes do centro comercial no se vinculam entre si. Cada um deles

    dirige o seu prprio negcio, em seu prprio estabelecimento, dando-lhe o ttulo particular que lhe

    aprouver, ao lado da denominao geral do centro comercial.

    O mximo de consensualidade que se poderia pesquisar entre eles seria um contrato de confiana, a que

    alude o jurista Jean Guyenot, ao estudar a rede de concessionrios na concesso comercial como uma

    unio para o xito Ou fracasso, como concebem 03 autores alemes. Essecontrato a base de um

    mutuum consensus, de uma espcie particular de determinao econmica em virtude da qual cada

    membro est obrigado a no fazer nada que possa prejudicar os outros, orientando sua ao em um

    interesse comum. , na verdade, um contrato de coordenao.

    Essa relao de confiana ou de coordenao, como se v, se estabelece entre os comerciantes

    integrantes do centro comercial. Constitui um segmento da funcionalidade da organizao, mas no

    explica ou fundamenta a sua verdadeira natureza jurdica. Ele decorre, basicamente, de seu organizador.

    Este, lanando o empreendimento, fazendo-o construir, planificando a sua atividade, loca os espaos

    comerciais aos empresrios que bem escolhe, formando, ento, um conjunto harmnico e

    presumivelmente rentvel. O resultado econmico ou vem da venda das unidades comerciais e o

    constitui uma incorporao imobiliria sofisticada ou resulta da renda que usufrui, decorrendo dos

    contratos de locao que firma com os aderentes do empreendimento.

    Dessa sua atividade e da comunho de interesses dos comerciantes surge o centro comercial como uma

    organizao visando venda retalhista aos consumidores que a ele afluem.

    6. A forma de pagamento da locao

    O que caracteriza economicamente o centro comercial como uma inovao organizacional no ,

    como j foi dito, a dimenso do prdio, nem a decorao esmerada, nem o equipamento sofisticado. Uma

    simples galeria de lojas apresenta todos esses aspectos exteriores, mas no um centro comercial. Este

    se distingue por sua organizao peculiar.

    Sem dvida que a idia de organizao do centro comercial estrutura-se sobre um espao imobilirio, de

    dimenso avantajada, para colher uma sorte de empresas comerciais varejistas e de servios. Mas esse

    sistema no organizado livremente pelo seu empreendedor, no sentido de procurar apenas o seu

    interesse na venda condominial das unidades ou na locao do salo comercial. Ele objetiva efeitos

    comunitrios, tendo em vista um projeto racional e econmico.

    Esse projeto, que constitui a planificao do sistema comercial organizado, aps a escolha adequada do

    local, conter os sales para as lojas, os corredores e as praas que propiciem a melhor localizao em

    termos potenciais de vendas e um adequado estacionamento para automveis.

    Assim, tratando-se de centro comercial organizado pelo proprietrio do imvel, a sua explorao se

    inicia com o contrato de locao dos sales comerciais, segundo a planificao adotada No ser,

    portanto, uma locao livre, mas, sim, um contrato locativo subordinado a certas obrigaes e

    condies que derivam da planificao de organizao.

    Por isso mesmo, como se tem compreendido, normal acontecer, p. ex., que, num centro comercial,

    uma determinada loja seja recusada a um locatrio que se dedica ao comrcio de pedras preciosas (por

    maior que seja a sua idoneidade financeira) porque o local, segundo o layout, se destina instalao de

    lanchonetes e restaurantes. Isso quer expressar que cada loja ter uma destinao especfica, se no

    indicativa da espcie de mercadoria exposta venda.

    Por esse simples bosquejo da organizao fsica do centro comercial j se entende que o contrato de

    locao no um contrato qualquer. Ele est determinado pelo conjunto organizacional para atingir um

    objetivo da comunidade de empresas que a ele adere.

    Mas evidente que uma organizao dessa natureza e encargo no se conteria dentro do sumrio quadro

    estrutural do tradicional e velho contrato de locao. Logo de incio se compreende que a tcnica

    moderna desse organismo no se limitaria ao sistema do preo da locao pago em valor fixo em

    dinheiro.

  • o empreendedor locador no pretende remunerar o seu investimento apenas com o aluguel fixo, mas com

    uma participao na percentagem do resultado das vendas da loja locada. Nisso reside a idia original da

    organizao.

    Tornou-se hbito estabelecer nesses contratos de locao o ordenamento de clusulas de aluguel de

    forma substitutiva: o aluguel correspondente a percentagem x sobre as vendas brutas, conforme

    definio do que se entende por estas, no podendo, entretanto, ser inferior ao aluguel mensal mnimo.

    O aluguel mnimo estipulado tendo em vista a rea locada (por metro quadrado), geralmente pelo prazo

    de cinco anos, reajustado com base na variao do valor nominal das ORTN.

    Se o valor da percentagem das vendas brutas for inferior ao aluguel mensal mnimo, prevalecer aquele;

    do contrrio, impor-se- este, ms por ms.

    Na anlise desse sistema de remunerao locativa, vale, de incio, indagar da legalidade do aluguel

    calculado por percentagem sobre a renda bruta do estabelecimento comercial integrado no centro

    comercial.

    Tanto as normas do Cdigo Civil (LGL\2002\400) como as leis posteriores, reguladoras da locao de

    prdios, no exigem especificamente que o aluguel seja pago em moeda. Abre-se, pois, a possibilidade de

    as partes pactuarem, no contrato de locao, qualquer forma de pagamento. E, entre estas, a de ser

    realizado o pagamento em percentagem sobre a venda bruta do estabelecimento respectivo. Os juristas

    nacionais admitem essa forma de pagamento.

    O Prof. Orlando Gomes, na sua obra Contratos, ela se refere: A obrigao capital do locatrio pagar o

    aluguel. O objeto dessa prestao , normalmente, soma de dinheiro, mas se admitem excepcionalmente

    outras coisas ou, mesmo, servios. Importa que haja retribuio, por ser de sua natureza a onerosidade

    (ob. cit., 7. ed., n. 212, p. 334).

    Sustenta o Prof. Slvio Rodrigues que o preo da locao, chamado renda ou aluguel, no precisa ser

    necessariamente em dinheiro, podendo consistir em bens de outra espcie (Direito Civil, vol. 3/229). No

    mesmo sentido admite o Prof. Washington de Barros Monteiro, que exemplifica precisamente com o

    pagamento atravs de percentagem de renda bruta: A exemplo do que sucede com o contrato de

    compra e venda, o preo deve ser certo e determinado (p. ex., Cr$ 5,00 por ms) ou, pelo menos,

    determinvel pelos critrios estabelecidos pelas partes (p. ex., o aluguel ser o mesmo pago pelos demais

    inquilinos). Pode, outrossim, revestir-se de cunho mais ou menos aleatrio (p. ex., o locador receber

    50% da arrecadao ou da renda bruta) (Curso de Direito Civil, vol. 2/147 grifos do autor).

    No aludem esses eminentes Juristas s repercusses dessa forma de pagamento nos contratos de

    locao de imveis destinados a fins comerciais regidos pela chamada Lei de Luvas (Dec. 24.150, de

    30.4.34), que regula as condies de sua renovao. Penso que esse sistema, mesmo na sua natureza

    mvel de proporcionalidade, admite a ao renovatria da locao, mas no altera a fixao do

    percentual sobre as vendas brutas. O aluguel flutuar naturalmente conforme o resultado econmico do

    estabelecimento comercial. Flutuar, como indicou o Prof. Washington de Barros Monteiro, de forma um

    tanto aleatria, a favor do locador ou do locatrio, conforme aquele resultado.

    7. Impossibilidade da alterao unilateral da forma de pagamento

    Mas, na verdade, o contrato, como j se disse, no se resume em estipular o aluguel em funo de

    percentagem sobre as vendas brutas. Estabelece, com efeito, uma outra alternativa a favor do locador,

    consistente na estipulao de um aluguel mensal mnimo, de importncia fixa, reajustado com base na

    variao do valor nominal das ORTN em determinado ms do ano.

    Como se verifica, essa alternativa tambm provoca a atualizao do aluguel, tornando incua a reviso da

    renovatria, na parte do aluguel, pois estabelece parmetros de avaliao permanente, dispensando o

    arbitramento judicial na renovatria comum.

    Tem-se, entretanto, em aes renovatrias de locao comercial, procurado alterar as condies originais

    do contrato.

    A jurisprudncia de nossos Tribunais foi convocada para participar da controvrsia.

    A 5. Cmara do 2. Tribunal de Alada Civil de So Paulo, na Ap. 91.473, de 27.6.72, tratava de locao

    relativa a estabelecimento bancrio cujo contrato de locao estabelecia aluguel mnimo fixado em funo

  • do movimento de depsito da mesma agncia. Pretendeu-se, na ao renovatria, proposta pelo banco

    inquilino, extirpar essa clusula.

    Como sustentou o Tribunal, pelo voto do relator, Juiz Figueiredo Cerqueira, designado, pois a deciso foi

    por maioria, sem concordncia dos locadores, evidentemente, no se pode, agora, na renovao, alterar

    a clusula que as partes contratantes originrias estabeleceram, de modo livre e vlido. O STF, outrossim,

    j decidiu que sem acordo das partes no se alteram as condies convencionadas na ao renovatria

    (RTJ 48/532).

    No convindo ao banco locatrio manter, na renovao do contrato, a clusula que impugnou, teria com

    facilidade a possibilidade de transferir a agncia para outro local, afirmou aquele acrdo; o que no se

    pode fazer , unilateralmente, pretender a modificao ou a supresso de clusula contratual

    perfeitamente vlida e eficaz.

    Juristas citados no acrdo, especialistas no tema de ao renovatria, referendam tais clusulas.

    Nascimento Franco e Nisske Gondo esclarecem que, salvo as clusulas relativas ao novo aluguel e ao

    prazo da renovao, no se tem admitido que a sentena modifique as demais, especialmente para

    alterar o critrio de fixao da renda, tornando-a reajustvel em escala mvel, ou para atribuir ao

    inquilino encargos anteriormente pagos pelo locador. A interveno judicial no campo das renovatrias

    est restrito ao prazo da prorrogao e ao novo aluguel, ficando tudo o mais na dependncia de acordo

    das partes (Ao Renovatria e Ao Revisional de Aluguel, p. 275).

    Ainda em acrdo lavrado em 23.4.73, na Ap. 3.225, a 2. Cmara do 2. Tribunal de Alada Civil de So

    Paulo, em espcie idntica que estudamos, decidiu que o Direito no veda que em contrato de locao

    se fixe o aluguel em percentagem sobre os resultados do negcio instalados na loja arrendada, nem que

    se estabelea um mnimo a ser corrigido anualmente, conforme os ndices fornecidos pelo Conselho

    Nacional de Economia (RT 467/148).

    Tratava-se de ao renovatria de locao, com fundamento no Dec. 24.150/34, tendo por objeto uma

    loja integrada num centro comercial. A nica divergncia surgida entre as partes prendeu-se ao aluguel

    mnimo contratado.

    Os autores isolados pleitearam a renovao ofertando as mesmas condies do contrato renovando, salvo

    em relao ao aluguel mnimo. O ru, embora concordando em relao ao aluguel percentual e

    subsistncia das demais clusulas contratuais, discordou do aluguel mnimo, por entender que o mesmo

    deveria ser majorado pelo mtodo comparativo, a fim de ser fixado valor mnimo correspondente ao

    aluguel justo e atualizado.

    Como a sentena acolheu o entendimento dos autores, fixando judicialmente o aluguel mnimo pela

    simples atualizao, houve o recurso instncia superior.

    O que importa na anlise desse acrdo, de certa forma pioneiro, o seu sentido realista, considerando a

    locao em centro comercial uma nova modalidade desse contrato, ajustado ao modernismo desse

    sistema comercial. O acrdo, assinado pelos Magistrados Joaquim Francisco, Moreno Gonzalez e Alvares

    Cruz, com efeito, no examinou a relao de locao dentro das regras estticas do classicismo jurdico,

    mas tendo em vista as complexas e gerais relaes que os empresrios nele engendram, dando azo a que

    o novo sistema comercial fosse vivel, economicamente.

    Assim, a anlise que o acrdo procede das relaes jurdicas modernas estabelecidas pelas partes

    consagra o sistema do contrato de locao baseado na porcentagem das vendas do negcio do locatrio,

    ajustvel eventualmente por um valor mnimo.

    Pretendeu o ru se furtar simples correo do preo do aluguel mnimo em funo de ndices de

    atualizao, pleiteando a fixao, na renovao, da aplicao do mtodo comparativo, naturalmente

    calculando-o entre as locaes existentes.

    No lhe deu razo o acrdo, pois, no caso, a previso de um aluguel mnimo est informada em

    princpios outros que no foram postos ao alcance dos peritos e que, como adiante se ver, a sua

    estipulao visa a atingir outros objetivos que no o justo aluguel, que, no caso, representado pela

    mdia anual dos aluguis pagos segundo a previso do aluguel mximo previsto no contrato.

    O objetivo que as partes almejam no centro comercial, na verdade, no o aluguel em si, mas a

    remunerao do empreendimento em seu todo. Isso o acrdo ressalta com grande nfase:

  • Como da essncia destes empreendimentos, o objetivo constituir um conjunto comercial em que o

    cliente encontre nele todas e quaisquer utilidades de que precisar e, em conseqncia, a administrao

    do condomnio, ao planejar as locaes, necessita informar-se das necessidades e tendncias do mercado

    de consumo, como verdadeira tcnica de marketing.

    E no planejamento das locaes, portanto, so levadas em linha de conta a diversificao e profundidade

    que deve merecer cada setor de negcio, a fim de que seja atendida a tendncia do mercado

    consumidor.

    Ocorre, esclarece o acrdo, no caso do centro comercial:

    uma convergncia de interesses no s dos locatrios como, tambm, do locador e pode ocorrer a

    hiptese de haver setor de negcio que, pela pouca atrao que lhe desperte tal empreendimento e

    mnimas possibilidades de lucro, em face das peculiaridades do negcio, represente setor que ao conjunto

    interesse trazer para o seu interior, ainda que tenha que subvencion-lo.

    No se poder dizer que h liberalidade, neste tratamento benigno, ao ser estabelecido um aluguel

    baixo, como tambm no se poder afirmar ambio desmedida na recproca de aluguis altos em

    relao queles setores de maior interesse dos locatrios em razo da facilidade de lucros promissores

    (RT 467/149).

    H no centro comercial, como lembra a deciso, uma convergncia de interesses. a comunho de

    interesses, segundo Clvis Bevilqua, a cooperao para lograr um fim comum, ideal ou material.

    Devem, portanto, os juzes, no meu entender, analisar os problemas jurdicos resultantes dos centros

    comerciais com critrio moderno que o Direito Comercial, eminentemente progressista e pragmtico,

    impe para atender s novas tcnicas do trfico mercantil. No podem eles estiolar o Direito, com as

    regras preconceituosas de concepes, embora aparentemente legais, superadas nos tempos modernos.

    preciso, portanto, que se encare o centro comercial com a funcionalidade que ele engendra, em

    benefcio dos que dele participam. Assim sustentou o eminente Prof. Alfredo Buzaid, distinguindo a

    posio de locatrio de unidade de centro comercial da de locatrio de prdio isolado, como iremos ver

    no item 12.

    Na Ap. 91.473, da 5. Cmara do 2. Tribunal de Alada Civil de So Paulo, o Juiz Costa Carvalho

    sustentou a tese respeitvel da diferena da locao comum, de lojas isoladas situadas em vias pblicas,

    e as integrantes de centros comerciais, para aplicar naquelas as normas do Dec. 24.150/34.

    O seu pensamento constitui um grande avano na modernizao das relaes de locao, para pr em

    destaque a efetuada em centro comercial. Distinguiu o Juiz eminente que, na hiptese do julgamento:

    Poder-se-ia argumentar que a clusula ora em exame comunssima em contratos de locao de lojas

    de conjuntos conhecidos pela aliengena expresso shopping center e que nas renovaes ela no tem

    merecido impugnao.

    Isto verdade, mas a situao inteiramente diversa. Na locao de lojas situadas em vias pblicas, o

    locador cede o uso da coisa e mais no faz. O mesmo no sucede com os shoppings. Neles, o locatrio

    beneficiado de uma soma de servios patrocinados e mantidos pela entidade locadora, entidade locadora

    que inclusive protege o locatrio de excessiva concorrncia, com a limitao de nmero de

    estabelecimentos de um determinado ramo em um conjunto. A tem lgica a participao do locador nos

    lucros do locatrio, pois ele contribui para os mesmos, com servios e com a proteo contra a

    concorrncia excessiva.

    E isso no acontece numa locao pura e simples de loja, como ocorre no presente caso (RT 533/152),

    Em sntese, o centro comercial encerra uma tcnica de organizao comercial visando a objetivos de

    otimizar a atividade comercial de lojas varejistas. Ele s pode ser visto na sua complexidade econmica e

    jurdica, no pelos elementos fracionados que o compem, mas pela unidade resultante de todos os seus

    elementos funcionais. Constitui, portanto, uma organizao eminentemente dinmica e assim tem sido

    entendida nos seus poucos anos de atividade.

    8. Ainda o aluguel mnimo e o aluguel mvel

    Como se percebe, o sistema de locao substitutivo do aluguel mnimo e do aluguel percentual sobre a

    renda bruta constitui um sistema integrado na organizao do centro comercial. O aluguel programado

    no planejamento deste no se determina, vale insistir, pelos parmetros tradicionais das leis civis, mas

  • constitui elemento integrante da organizao tecnolgica moderna desses centros comerciais. E tanto isso

    verdade que entre os mecanismos peculiares desse tipo de empreendimento figura como ponto dos

    mais relevantes a estipulao de aluguel em bases percentuais, garantido por um aluguel mnimo. Esse ,

    antes de tudo, um dos requisitos fundamentais para a Associao Brasileira de Shopping Centers

    ABRASCE reconhecer e admitir, no seu mbito associativo, um centro comercial.

    natural que assunto to novo no tenha ainda impressionado alguns juristas e juzes desatentos s

    inovaes e conquistas da tcnica mercantil. Est-se dissentindo, por isso, no foro da Capital Federal,

    sobre questes relativas renovao de locao de um centro comercial que l se instalou. Alguns

    locadores, individualmente; no imbudos do sopro renovador da comercializao varejista dos centros

    comerciais, passaram a questionar os aspectos dos contratos de renovao de suas lojas locadas,

    impugnando juridicamente o preo da locao, isto , o aluguel mnimo e o aluguel percentual tendo em

    vista o volume de vendas

    O Magistrado de primeira instncia Dr. Jos Britto da Cunha, no proc. 7.488/79, numa elogivel posio

    moderna, reconheceu, entretanto, que, como legislao especfica de amparo ao fundo de comrcio,

    com vigncia h mais de 30 anos. suas normas (Dec. 24.150/34) no podem ser interpretadas ad

    litteram. mas devero ser congregadas com as regras do Direito comum Lei do Inquilinato e os

    princpios de eqidade, mas principalmente como as circunstncias especiais de cada caso concreto,

    devido renovao, dinamicidade e agressividade dos fatos comerciais e industriais, conforme

    inteligncia do art. 16 da chamada Lei de Luvas.

    E, referindo-se ao ingresso da tcnica mercantil dos centros comerciais disse aquele Magistrado: Os

    conflitos decorrentes das peculiaridades deste fenmeno comercial, surgidos na dcada de 80, com a

    hiptese sub judice, e imprevisveis em 1934, devem ser solucionados com bom senso e equilbrio,

    visando a desenvolver o esprito de cooperao e solidariedade que deve existir entre locador e locatrio,

    de forma a propiciar a harmonia do conjunto e do empreendimento no interesse comum das partes. As

    clusulas do contrato a renovar no devem sofrer modificaes, no s para garantir o xito do centro

    comercial no seu todo, mas tambm em homenagem aos princpios da autonomia da vontade e da

    obrigatoriedade da conveno, que regem os contratos sinalagmticos, pois os documentos de fls. e fls.

    dos autos foram aceitos pelas partes, voluntariamente, em todos os seus termos e condies, sem

    qualquer ressalva, reserva ou restrio, no possuindo nenhuma clusula conflitante com dispositivo

    legal (obs.: desconheo a deciso de instncia superior, que estava pendente quando da elaborao

    deste estudo).

    No proc. 7.629/78, cuja sentena foi proferida pouco antes da anterior, o Magistrado Jos Britto da Cunha

    havia expendido aquelas mesmas consideraes. Essa sentena foi confirmada na Ap. 8.609, de 22.6.82,

    do Tribunal de Justia de Braslia.

    No teve, infelizmente, a mesma firmeza doutrinria o magistrado Dr. Pedro Aurlio Rosa de Farias,

    julgando um processo cuja sentena foi proferida a 18.2.82. Essa deciso concluiu por suprimir do

    contrato a fixao do aluguel mnimo e do valor calculado em percentual. Em outro processo, n. 7.334,

    incidiu na mesma impropriedade jurdica, o que, a prevalecer, importaria estiolar e mumificar o Direito

    Comercial, no setor, pondo em risco todo o arcabouo jurdico da moderna organizao mercantilista dos

    centros comerciais.

    9. Renncia ao direito de arbitramento do aluguel na renovao da locao (Dec.

    24.150/34)

    A finalidade de um centro comercial, como j foi dito, congregar, num local, o maior nmero possvel de

    atividades empresariais, distribuindo os diferentes ramos de comrcio e servios segundo uma

    planificao tcnica, precedida de acurados estudos sobre as preferncias e vocaes do consumidor.

    Para objetivar esse desiderato, o empreendedor congrega, geralmente atravs da locao do espao

    programado, os empresrios lojistas, dando-lhes as condies de otimizao da comercializao.

    Mas qualquer um compreende que o interesse do empreendedor do centro comercial no se cinge, como

    um medocre proprietrio rendeiro, a colher os aluguis. Sem ser um scio em sociedade em conta de

    participao, hiptese que j repeli como natureza jurdica dessa organizao, tem a vocao e a

    iniciativa de grande empresrio, articulando pessoas e recursos para propiciar a explorao do complexo

    comercial. Ele age como empresrio, que realmente .

  • A pretenso de sua iniciativa, aps a planificao e construo do centro comercial, faz-lo funcionar

    com toda a eficincia, para que resultem timos proventos para todos os lojistas que nele se

    congregaram. Isso, evidentemente, tem um preo, que no expresso apenas na locao do espao

    fsico, como qualquer galeria de lojas sem organizao centralizadora.

    Da a idia de coordenar as locaes que so bsicas na organizao do centro comercial,

    estabelecendo um rendimento em que haja uma remunerao participativa do resultado econmico das

    lojas. Mas como o investimento no pode ser simplesmente aleatrio, resultante da participao

    proporcional do movimento das vendas das lojas individualmente consideradas, o empreendedor do

    centro se assegura de um aluguel mnimo alternativo. Se o movimento mensal das lojas locadas for

    baixo, o mecanismo locativo leva a considerar o aluguel mnime, assegurador da renda do

    empreendimento.

    Dissecando-se esse mecanismo locativo, evidentemente mais complexo do que a simples locao

    tradicional, percebe-se que estamos em face de nova e moderna concepo locativa. Os fatos, como dizia

    o Prof. Garrigues, no correspondem s palavras da lei. As palavras das leis de locao comercial

    seguem sendo as mesmas, porm por baixo delas vai a corrente de novos fatos inevitavelmente minando

    a construo legal, para inov-las e revitaliz-las.

    J analisei a doutrina de nossos juristas que admitem o aluguel expresso em percentagem da renda, vale

    dizer, de movimento de vendas. Tudo indica que os nossos Juzes devem ver com novas luzes os recentes

    problemas jurdicos deflagrados pela nova estrutura empresarial dos centros comerciais.

    Est, pois, posta a questo da interpretao da Lei de Luvas, isto , do Dec. 24.150/34. Se os

    empresrios comerciais aderem estrutura moderna dos centros comerciais, inclusive concordando com

    os termos postos em contratos standards de locao, conseqncia de uma inovao de tecnologia

    comercial, no podem na renovao do prazo contratual repudiar a sua vontade autnoma expressa no

    contrato. Do contrrio, o sistema moderno de comercializao varejista cairia por terra.

    Assim, pois, nada tem de imoral ou ilcita a clusula que pr-estipula o critrio a ser observado na fixao

    do aluguel mnimo para os perodos de renovao da locao. Nada tem de imoral ou ilcita a clusula

    contratual mediante a qual o locatrio renuncia ao arbitramento judicial do aluguel nos perodos de

    renovao da locao.

    Ao se integrar na coletividade dos locatrios lojistas que resolveram, movidos pelos seus interesses

    comerciais, integrar o centro comercial; eles concordaram livremente com as condies gerais

    estabelecidas pelo locador-empreendedor. Isso no quer dizer que se tenham escravizado ao contrato de

    locao; vencido o prazo contratual, podem rejeitar sua permanncia no sistema moderno e se retirar,

    entregando o salo onde instalaram suas lojas. O que no de boa moral ter concordado com o

    sistema e aps certo tempo querer com ele romper, invocando a autoridade do magistrado.

    O respeito ao contrato, sustenta Ren Savatier, corresponde a uma idia mais alta, e que faz a grandeza

    do homem; que o homem digno deste nome aquele que se obriga, que se liga por promessas; ele

    livre de no faz-lo; mas quando ela feita, ele empenha sua f. O homem livre aquele que guarda sua

    f, e, por conseqncia, que respeita seus contratos (ob. cit., vol. 1/150, n. 124).

    Na ao renovatria comum, que leva em considerao a locao isolada, em que o locatrio atua em

    todo o processo de criao do fundo de comrcio que seu, decorrente de sua atividade, e se integra em

    parte no valor do imvel, torna-se justo que ele usufrua essa propriedade individual, que o Direito passa a

    proteger e, em certos casos, a indenizar.

    Esse o sentido tico-jurdico que ditou a legislao legal, nestes considerandos:

    considerando que, se de um modo geral essa necessidade se imps, mais ainda se torna impretervel,

    em vista dos estabelecimentos destinados ao comrcio e indstria, por isso que o valor incorpreo do

    fundo de comrcio se integra em parte no valor do imvel, trazendo, destarte, pelo trabalho alheio

    benefcios ao proprietrio;

    considerando, assim, que no seria justo atribuir exclusivamente ao proprietrio tal cota de

    enriquecimento em detrimento, ou, melhor, com o empobrecimento do inquilino que criou o valor;

    considerando que uma tal situao valeria por um locupletamento condenado pelo Direito moderno.

  • Com efeito, o sentido da lei o de proteo do fundo de comrcio. Como lembrou o Min. Vctor Nunes

    Leal, no STF, , alis, o locatrio, e no o locador, o destinatrio principal da chamada Lei de Luvas,

    que protege o fundo de comrcio contra a opresso do proprietrio (RE 52.555, RTJ 28/236).

    Mas na organizao do centro comercial a atuao individual do locatrio esmaece. A organizao toma

    a si os encargos da planificao, assegurando, independentemente do locatrio, toda uma programao

    de alta tecnologia mercantil, a distribuio ordenada e coordenada dos sales onde vo ser montadas as

    lojas, distribuindo-as por seus objetivos, a fim de evitar confronto de competio, construindo parque de

    estacionamento para a freguesia indiscriminada, e, alm dessa parte fsica, a programao de promoes

    sociais de lazer, de cultura e at de arte. Tudo isso como atrativo para a formao de slida clientela.

    Alm disso, os lojistas j instalados integram as promoes, participando de uma associao civil que os

    congrega, dando-lhes uma atuao nitidamente coletiva. Todos participam de um Fundo de Promoes,

    que financia a sua publicidade e suas atividades no setor. H, portanto, uma convergncia de interesses.

    V-se, portanto, que tal locao no um ato simples, mas assume amplitude complexa. Com razo,

    como j se registrou e aqui vale repetir, o Juiz Costa Carvalho (RT 533/151) sentiu o problema diferencial

    das duas posies jurdicas indicadas quando distinguiu que nas locaes de lojas situadas em vias

    pblicas o locador cede o uso da coisa, e mais no faz; o mesmo no sucede com os centros

    comerciais. Neles o locatrio beneficirio de uma soma de servios patrocinados e mantidos pela

    entidade locadora.

    Em vista destas consideraes de ordem econmica, social e jurdica, a hermenutica da Lei de Luvas

    deve ser posta em enfoque moderno, consentneo com a evoluo da tcnica mercantil varejista. Como

    decidiu o eminente Magistrado Jos Britto da Cunha no proc. 7.488/79, de Braslia, tendo a Lei de Luvas

    vigncia h mais de 30 anos, suas normas no podem ser interpretadas ad litteram, mas devero ser

    conjugadas com as regras do Direito comum, Lei do Inquilinato e os princpios de eqidade, mas

    principalmente com as circunstncias especiais de cada caso concreto, devido renovao, dinamicidade

    e agressividade dos fatos comerciais e industriais

    Geralmente, nos contratos de locao formulados em relao aos sales dos centros comerciais, como

    decorrncia da planificao global do investimento, as partes invocam o Dec. 24.150/34 para efeito de

    assegurar a continuidade da locao. Mas como o aluguel substitutiva, como j expus, ou calculado

    sobre uma percentagem sobre o montante das vendas brutas da loja locada, ou sobre um valor mnimo

    fixado, corrigido monetariamente, fica afastado o arbitramento relativo ao processo de renovao

    regulado pelo dito decreto. No mais, o sistema renovatrio segue o processamento da lei especial.

    Algumas opinies so levadas a considerar tal sistema atentatrio ao Direito, pois significaria um

    cerceamento da atividade jurisdicional. No h, em meu entender, esse cerceamento, pois a excluso do

    arbitramento do aluguel decorrncia de um sistema prprio do centro comercial, que o dispensa

    normalmente.

    As partes, com efeito, ao formularem o contrato de locao inicial, sob a gide da organizao do centro

    comercial, estabelecem previamente um sistema de reviso do aluguel mnimo, periodicamente, tendo

    em vista, geralmente, o ndice das ORTN. Com isso o aluguel resulta atualizado, ficando dispensado pelas

    partes o difcil mecanismo do arbitramento.

    Ora, como j acentuei, negando a validade dessa clusula, estar-se-ia ferindo de morte um sistema de

    comercializao moderno, til e altamente eficiente, que aproveita ao locatrio e coletividade.

    preciso lembrar, tambm, que, ao renunciarem ao arbitramento dos aluguis na renovao, por j

    terem estabelecido previamente outro sistema de atualizao, as partes livremente usam do direito de

    transao, figura jurdica perfeitamente admitida no Cdigo Civil (LGL\2002\400). Com efeito, dispe o

    art. 1.025 daquele diploma legal que lcito aos interessados prevenirem ou terminarem o litgio

    mediante concesses mtuas.

    Ora, na espcie em tela as partes prevem litgios futuros, decorrentes da atualizao do aluguel, por

    uma forma permanente.

    Note-se que no h renncia ao direito da renovatria, nem renncia pura e simples da alterabilidade da

    base do aluguel; o que ocorre, apenas, a dispensa da mecnica do arbitramento do aluguel, por terem

    as partes previamente estabelecido uma forma mvel mais prtica e permanente de atualizao.

  • A clusula de dispensa da percia do arbitramento do aluguel tampouco visa a ilidir os objetivos da Lei de

    Luvas, pois o direito renovatria do fundo do comrcio permanece intangvel; e, tambm, por igual, no

    implica renncia dos direitos tutelados pelo Dec. 24.150/34, art. 30.

    O STF firmou Smula no sentido de que lcita a conveno pela qual o locador renuncia, durante a

    vigncia do contrato, ao revisional do art. 31 do Dec. 24.150. E, com efeito, iterativa a jurisprudncia

    de que lcita a clusula resultante de uma transao que veda o aumento do aluguel no perodo de

    vigncia do contrato renovado, segundo o Dec. 24.150 (RTJ 7/688).

    Isso demonstra que a jurisprudncia aceita alterao do sistema da reviso (art. 31), para

    aperfeioamento do sistema revisional, por se tratar de renncia de direito do locador. Isso um indicio

    do ajustamento dos preceitos do decreto s novas situaes especiais. Invocando essa Smula desejo

    sustentar apenas que a mesma maleabilidade jurdica seja aplicada nas hipteses em que no for atingido

    o princpio fundamental da proteo do fundo de comrcio.

    Ora, a excluso do arbitramento da locao, evidentemente, no atinge a proteo do fundo do comrcio

    pela renovatria. Vimos, p. ex., que o preo da locao no necessita ser necessariamente pactuado em

    dinheiro, conforme a lio de eminentes civilistas que abordaram o tema. Se, p. ex., se estabelecesse o

    aluguel apenas percentual sobre a renda ou venda, a remunerao do aluguel seria vlida. O aluguel seria

    mvel, afastando o arbitramento na sua renovao sem prejuzo ao direito decorrente do fundo de

    comrcio.

    10. Validade das Normas Gerais Complementares dos Contratos de Locao

    Na organizao estrutural do centro comercial registramos (item 4) ser corrente a forma especial de

    locao na qual o empreendedor, que o idealizou, oferece os sales comerciais para neles serem

    instaladas lojas. Muito embora essa seja a forma jurdica mais freqente de composio da organizao,

    no se pode desconhecer que muitos centros comerciais so constitudos por condminos, em

    incorporao imobiliria, cujo incorporador tambm o empreendedor.

    A funcionalidade dos negcios, que so estranhos ao condomnio, poder ser coordenada pela Associao

    de Lojistas ou pelo Regulamento Interno, sobretudo no que concerne obrigao de contribuir para o

    Fundo de Promoes Coletivas.

    Nesse caso de centro comercial constitudo em condomnio, seguem-se em tudo as regras da lei de

    incorporao imobiliria. Para o funcionamento do condomnio elaborada uma conveno, onde todas

    as normas e regras de Direito e de comportamento dos condminos so previstas.

    Essas obrigaes dos condminos existem quando o titular de um direito real obrigado, devido a essas

    condies, a satisfazer determinada prestao. Estamos em pleno domnio das lies do Prof. Orlando

    Gomes, na sua obra Direitos Reais. O direito de quem pode exigi-las subjetivamente real. Quem quer

    que seja o proprietrio da coisa, o titular de outro direito real, , ipso facto, devedor da prestao. Pouco

    importa, assim, a pessoa em que surgiu pela primeira vez. A obrigao est vinculada coisa. Dentre

    outras, so obrigadas ob rem ou propter rem as dos condminos de contribuir para a conservao da

    coisa comum (ob. cit., n. 6, p. 16).

    A Lei 4.591/64, que dispe sobre o condomnio, considera defeso a qualquer condmino destinar a

    unidade a utilizao diversa da finalidade do prdio, ou us-la de forma nociva ou perigosa ao sossego,

    salubridade e segurana dos demais condminos (art. 10, III). O transgressor ficar sujeito ao

    pagamento de multa prevista na conveno ou no regulamento do condomnio, alm de ser compelido a

    desfazer a obra ou abster-se da prtica do ato, cabendo ao sndico, com autorizao judicial, mandar

    desmanch-la, custa do transgressor, se este no a desfizer no prazo que lhe for estipulado. Assim

    tambm ocorre no centro comercial organizado em condomnio.

    A outra hiptese diz respeito s obrigaes que o locatrio assume ao se integrar no centro comercial,

    cujas edificaes pertencem ao empreendedor. O sistema, nesse caso, com efeito, para estruturar a

    organizao, assenta-se, por isso, no contrato de locao. Mas como inmeros problemas e pormenores

    influem na constituio e no funcionamento do centro comercial, o empreendedor lana mo de um

    documento aditivo do contrato de locao, ao qual denomina de Normas Gerais Complementares de

    Locao dos Sales Comerciais situados no Centro Comercial, regulando obrigaes, sob o prisma da

    locao, desde a construo do imvel sua destinao; modificaes do projeto de construo; projetos e

    obras; utilizao dos sales comerciais; as reas de circulao e uso comum e dos servios; o aluguel; a

    fiscalizao do aluguel apurado com base nas vendas brutas; os encargos e despesas decorrentes da

  • locao; a garantia das exigncias dos Poderes Pblicos; a cesso, sublocao ou emprstimo dos sales

    comerciais; o regulamento interno e a associao dos lojistas.

    Como se v, essas Normas Gerais nada mais so do que desdobramentos do contrato de locao, que ,

    no caso, um instrumento lacnico, de poucas clusulas, naturalmente contendo as essenciais. Com o

    instrumento principal de locao, integrando-o, essas normas gerais compem um contrato bilateral e

    sinalagmtico entre o empreendedor e o comerciante.

    Mas como o contrato de locao e suas Normas Gerais constituem um contrato-tipo, um contrato-

    standard, igual para todas as partes, com suas clusulas e condies impressas, a no ser aquelas que

    identificam e qualificam o personalismo do contrato, alguns juristas nele tm visto um contrato de

    adeso.

    Orlando Gomes define o contrato de adeso como o negcio jurdico no qual a participao de um dos

    sujeitos sucede pela aceitao em bloco de uma srie de clusulas formuladas antecipadamente, de modo

    geral e abstrato, pela outra parte, para constituir o contedo normativo e obrigacional de futuras relaes

    concretas. Mas explica o jurista baiano que distingue-se, no modo de formao, pela adeso sem

    alternativa de uma das partes ao esquema contratual traado pela outra, no admitindo negociaes

    preliminares nem modificao de suas clusulas preestabelecidas (o grifo meu).

    E esclarece, mais, que entre ns, a locuo contrato de adeso goza, sob a influncia da doutrina

    francesa, de maior aceitao. possvel conserv-la e conveniente us-la, uma vez se empregue no

    sentido limitado de aceitao inevitvel de condies uniformes unilateralmente formuladas (Contrato de

    Adeso, n. 2, pp. 4 e 5).

    Note-se que a aceitao das condies uniformes do contrato inevitvel. H, no caso, a predominncia

    exclusiva de uma s vontade, agindo como vontade unilateral. Essa vontade se impe como inevitvel, no

    sentido de que o contratante no tem possibilidade de se voltar para outras partes, porque somente

    aquela tem a faculdade de impor, por ser o exclusivo titular do negcio. Assim, no contrato de adeso,

    entendo que parte que quer contratar s resta uma opo, a qual, no sendo aceita, impede que venha

    a contratar; no tem alternativa. Seriam os contratos firmados com atividade ou servios de monoplio

    estatal ou de monoplio privado. Enquanto no contrato normativo o contratante tem condies de

    procurar outras opes para o regular, no contrato de adeso isso impossvel.

    Na espcie que focalizo, o comerciante tem a alternativa ou no de realizar o negcio de locao com o

    centro comercial ou realizar com outro locador ou em outro lugar; inexiste, assim, na espcie, o

    contrato inevitvel, de adeso.

    Existe, s vezes, massa de contratos iguais impressos por convenincia prtica das partes: o contrato-

    tipo, ou o contrato-standard, a que tive oportunidade de antes me referir.

    Ora, como ensina Orlando Gomes, o contrato de adeso distingue-se do contrato-tipo, quer este se

    considere subespcie do contrato normativo, quer seja o contrato cujo instrumento um mdulo ou

    formulrio. Na ltima conceituao no mais do que a expresso de uma frmula externa e puramente

    formal da tcnica contratual (ob. ult. cit., n. 5, p. 13).

    Claro que o contrato posto em formulrio impresso no incompatvel com o contrato de adeso, que

    pode ser formalizado no mesmo sentido. Mas a circunstncia de o contratante no estar constrangido a

    aceitar o contrato inevitvel, que no lhe imposto, e tem ele a faculdade de efetuar contrato

    semelhante livremente com outro contratante, exclui da hiptese a caracterstica de contrato de adeso.

    Considero importante esse esclarecimento, para evitar que qualquer pessoa desavisada tente confundir o

    contrato de locao de centro comercial, ou outro que se integre em sua estrutura, como um contrato

    de adeso.

    O contrato de locao firmado entre locador e locatrio, segundo um formulrio-tipo ou standard, um

    contrato normativo como outro qualquer. Todas as partes nele se mantm atentas a todas as obrigaes

    no momento da contratao, pois dele decorre no apenas a ocupao de um espao, mas toda a

    estruturao de um negcio organizado e complexo. Ambas as partes locador e locatrio so,

    naturalmente, experimentados negociantes, que sabem o que desejam e so juzes de seus prprios

    interesses.

    No tem cabimento, portanto, a tutela jurisdicional para equilbrio das duas relaes contratuais entre as

    partes, pois no se cogita de parte mais fraca ou inexperiente. Na interpretao do contrato por adeso a

  • doutrina e a jurisprudncia procuram equilibrar o poder das partes, porque, sendo o contrato

    anteriormente expresso, uma parte mais desavisada e inexperiente poder-se-ia embaraar com a

    obrigao que no teria desejado contrair. No contrato bilateral normativo as partes so potencialmente

    iguais, e, como doutrinava Ascarelli, trocam os seus interesses em igualdade de condies. Isso ocorre

    mais incisivamente entre dois comerciantes.

    Assim, quando o locatrio, p. ex., quer no contrato de locao, quer nas Normas Gerais, viola a

    obrigao de qualquer das clusulas, est sujeito a sano, ou do locador ou da Associao Civil dos

    Lojistas do Centro Comercial. E, em certos casos, essa sano prev a expulso do grupo, como no caso

    de o dissidente pretender se retirar da Associao. Ora, a manuteno do dissidente, desligado da

    vinculao ao centro comercial, importaria a desagregao deste, ou, pelo menos, seu enfraquecimento,

    atingindo todos os membros da organizao. Impe-se, por isso, a resciso do contrato de locao com o

    banimento do dissidente e infrator da organizao do centro comercial. Lembro o incisivo pensamento

    de Hauriou, o mestre da teoria da instituio, de que: A expulso do grupo a sano primitiva e natural

    de toda a disciplina social.

    Alm do estudo genrico das Normas Gerais Complementares, passaremos a apreciar especificamente

    algumas clusulas mais incisivas desse contrato, que merecem avaliao.

    11. A Associao dos Lojistas e a administrao do Fundo de Promoes

    Nos contratos de locao relativos a centros comerciais figura clusula relativa criao de um Fundo

    de Promoes Coletivas, que administrado pela Associao de Lojistas.

    Com efeito, condio do contrato de locao a contribuio para o Fundo, estabelecido por clusula das

    Normas Gerais Complementares, bem como o ingresso e permanncia do locatrio de quadro de scio

    da Associao de Lojistas, que o administrar. Esse Fundo destinar-se- a manter as despesas de

    propaganda e promoes, para o qual o locatrio concorrer com uma contribuio peridica, geralmente

    trimestral, em trs parcelas iguais, sucessivas, calculadas de acordo com as normas.

    O locador concorrer, tambm, para a constituio do Fundo com importncia mensal previamente

    estipulada, em proporo parte das contribuies, dessa natureza, dos locatrios.

    No item 4, supra, esclarecemos que essa Associao, de natureza civil, com personalidade jurdica, pois

    ser registrada no Registro Civil das Pessoas Jurdicas, no o centro comercial, mas um elemento da

    organizao.

    No meu modo de entender, a origem Fundo de Promoes Coletivas no resultante do contrato de

    locao do centro, mas constitui uma criao da Associao de Lojistas, a quem compete angariar suas

    contribuies e administr-lo, em proveito coletivo dos lojistas. Da por que tambm o empreendedor

    deve para ele contribuir, pois as atividades decorrentes da propaganda e das promoes vo se refletir no

    prestgio do nome do centro comercial, aumentando sua produo, da qual participa o locador.

    Indaga-se se esse Fundo de Promoes Coletivas tem validade jurdica, embora sendo, como se tem

    pensado atualmente, uma criao resultante do contrato de locao. No vejo nenhuma ilegalidade na

    sua criao e manuteno. Seus propsitos so lcitos e ele se integra no sistema organizacional do centro

    comercial. No tem objetivos imorais, nem atenta contra os bons costumes.

    Ao apreciar a questo judicial promovida por locatrio em ao renovatria de aluguel em centro

    comercial qual j me referi; o Juiz Dr. Pedro Aurlio Rosa de Farias, em deciso ainda no passada em

    julgado, rejeitou a pretenso da excluso da clusula que institua o Fundo de Promoes Coletivas. A

    questo relacionada com a participao compulsria do locatrio decidiu aquele Magistrado no Fundo

    de Promoes Coletivas merece tambm uma anlise. Creio que o prprio shopping, como instituio,

    deve ter um rgo coletivo que o promova, bem como s lojas que nele se situem. Isto porque o simples

    fato de o consumidor ir ao CNB abre aos comerciantes ali estabelecidos um leque de possibilidade de

    serem visitados pelo mencionado consumidor, que pode vir a adquirir mercadorias no desejadas

    anteriormente, e tudo isso como fruto de um trabalho desenvolvido pelo Fundo de Promoes Coletivas.

    Ademais, tal Fundo administrado pela prpria Associao dos Lojistas do CNB. No vejo neste ponto

    nenhuma violao lei e aos direitos do locatrio (sentena proferida em 18.2.82).

    Outro inquilino desejava enquadrar judicialmente o Fundo de Promoes Coletivas, considerando-o

    como um benefcio especial ou extraordinrio vedado pela Lei de Luvas, no art. 29. O mesmo Juiz repeliu

    a argio, esclarecendo: O empreendimento do shopping center dev