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    !SDAA ALIENAO DA AUTORIDADE

    NOTAS SOBRE VIOLNCIA URBANA E CRIMINALIDADESrgio Henrique Hudson de Abranches

    (Texto publicado em Joo Paulo dos Reis Vellos (coordenador) Governabilidade, Sistema Poltico e Violncia

    Urbana, Riode Janeiro, Jos Olympio, 1994, pgs. 123-160 )

    VIOLNCIA, BANDITISMO E MANDONISMO

    A questo da violncia urbana mais ampla que a da criminalidade. A violncia urbana abarca formas decomportamento social desviante, transgressor e de rebeldia que, embora possam levar a atos contra o patrimnio ea pessoa, previstos no cdigo penal, no devem ser considerados como parte do mesmo gnero de aes quecaracterizam a criminalidade. So casos de violncia urbana, excludos aqui do conceito de criminalidade, osarrastes , saques, as brigas de turmas , mesmo quando envolvendo extrema violncia fsica e o uso de armas,1 2

    em geral armas brancas, movimentos como os carecas de subrbio, as pichaes e aes similares. Queroreconhecer, desde o incio, que em redes urbanas como as do Rio de Janeiro, h intersees crescentes entre estasformas anmicas digamos assim, de violncia e a criminalidade. Algumas delas so intersees formais, oudiretas. Uma dessas construda pelas drogas. Outra, pelas fronteiras cada vez mais amplas dos cls dobanditismo urbano. H, tambm, as intersees informais, como as de vizinhana, de camaradagem, de parentela.

    A violncia urbana est associada tenso urbana, s contradies sociais da convivncia metropolitana.Ela surge e se avoluma, medida em que as cidades crescem e se tornam mais complexas, mais dominadas pelamultido, produzindo mais solido, mais anonimato e, ao mesmo tempo, mais espetculo, por meio de umamdia mais disseminada, mais diversificada, onde pode sobrar um segundo de fama para transgressores,revoltados e ressentidos ou at para as formas menos incisivas de diferenciao, todo tipo de esquisitos eexticos. Mas est, tambm, associada a patologias urbanas mais graves, como a alienao e a anomia. Asdesigualdades e destituies de uma sociedade urbana como a brasileira, certamente contribuem para a revolta e oressentimento dos despossudos e dos mais pobres. Mas seria um engano imaginar que s a desigualdade e s assuas vtimas recorrem a formas violentas de insero na convivncia.

    Vou tratar, por quase todo o texto, de determinados aspectos ligados violncia urbana e criminalidade. O

    crime, ocasional, recorrente ou organizado, que caracteriza a criminalidade, se reveste de formas mais tradicionaisque as formas civis, digamos assim, da violncia urbana e, ao mesmo tempo, na ponta mais organizada, usatecnologia e formas de organizao muito sofisticadas. importante distinguir o objeto da violncia urbana do dacriminalidade. Os desvios comportamentais dos quais decorrem a violncia esto estranhamente cada vez maisausentes das anlises tcnicas sobre a questo.

    Por trs do quase abandono do esforo de caracterizar os desvios associados violncia e seus mltiplosdeterminantes, de modo a se poder chegar melhor combinao possvel - i.e. factvel - de preveno e repressoesto algumas distores analticas e alguns excessos ideolgicos.

    Os exageros na psicologizao de todos os aspectos da convivncia social, induziram a uma viso tocompreensiva dos fenmenos comportamentais e suas justificativas sociais, que chegam a transformar qualquercaracterizao no amigvel deles em tentativa de estigmatiz-los, alimentando enorme complacncia com oscomportamentos desviantes. Criou-se, desta forma, a noo anrquica de que toda represso deve ser rejeitada a

    Por arrastes estou entendendo as manifestaes de vandalismo, "quebra-quebra" e violncia, de natureza fundamentalmente espontnea e1

    que se propagam por contgio. Saques de supermercados com a mesma natureza, de massa, espontnea e de propagao por contgio, sotambm considerados comportamentos desviantes porm no relacionados criminalidade. Os "pseudo-arrastes", que configuram a ao de

    bandos que do a forma de arrasto a uma ao deliberada, para saquear ou assaltar estabelecimentos comerciais ou moradias e os "saquesorganizados", derivados da ao de aliciamento, com os mesmos objetivos so, evidentemente, parte integrante do fenmeno dacriminalidade.

    As brigas de turma e a violncia tpica dos "bailes funk" esto excludas, porm no aquelas induzidas pela rivalidade entre quadrilhas ou2

    motivadas por aes de vingana dos cls ligados ao banditismo urbano.

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    !SDApriori. A complacncia psi estigmatizou como repressivas praticamente todas as manifestaes de autoridade,mesmo aquelas rigorosamente obedientes tica democrtica.

    Uma leitura exacerbada de Foucault, ampliou desmesuradamente o elogio da transgresso e a denncia dasnormas como manifestao autoritria. Os excessos do democratismo ou do cidadanismo no fizeram pormenos. A ao policial e a manifestao da autoridade, ainda que dentro dos parmetros da tica democrtica,passaram a sofrer restries enormes, em nome dos direitos humanos e de uma noo infundada de cidadania,

    coletivista, corporativista, qualificada por gnero, por etnia e, s vezes, at pela geografia urbana.As favelas se tornaram, em nome de vrias cidadanias, redutos quase intocveis, onde se abriga obanditismo e onde se pode instalar a mais anti-democrtica, violenta e vil das tiranias, a do mandonismobandoleiro.

    O democratismo alimenta a noo anrquica de que a autoridade constituda, porque conivente com asdesigualdades, tende sempre a desrespeitar as cidadanias, sobretudo nas classes populares, e chega, s vezes, aoabsurdo de admitir que a autoridade - tirnica, isto no reconhecem - do banditismo mais legtima, do que aautoridade pblica, democraticamente constituda. Essas noes absolutamente coniventes com a barbrie, tmsido reforadas pela indignao popular, justificada, contra a violncia policial, os grupos de extermnio, acorrupo das elites e o clientelismo poltico.

    Mas o fato que, em nome de princpios absolutamente razoveis, muitos tm adotado posiesrigorosamente inadmissveis, poltica e eticamente. o caso de algumas verses mistificadoras do clientelismocriminoso, como resultado da omisso e da iniqidade da ao pblica. Faz-se, s vezes, uso equivocado da figura

    divulgada por Hobsbawn do banditismo social, para tratar certas manifestaes desse clientelismo criminoso nasreas pobres urbanas. Hobsbawn teve o cuidado de, ao caracterizar o banditismo social, demarcar com clareza afronteira entre essa forma de transgresso e a ao criminosa. Considerava o banditismo social basicamente comouma manifestao universal e quase imutvel de revolta camponesa contra a opresso e a pobreza. Uma formaarcaica de agitao social, prvia emergncia das formas modernas de representao e ao poltica e dosprprios movimentos revolucionrios. Mesmo esquecendo a natureza rural do fenmeno estudado por Hobsbawn,ele sempre deixou claro que o bandido social no era exatamente um criminoso, mas algum que cometia aesconsideradas ilegais pelo estado ou pelos senhores locais, mas no pela sua comunidade, nem pelas conveneslocais. Podem at ser ladres, mas no so assim considerados pela opinio pblica. So proscritos, encaradoscomo criminosos pelos senhores, mas que permanecem integrados s suas comunidades, muitas vezes comoheris.3

    Os bandidos que tiranizam as favelas do Rio de Janeiro, ou infestam bairros da periferia das capitais, so

    considerados criminosos pela opinio pblica. As comunidades nas quais se abrigam reconhecem que assaltos,seqestros e narcotrfico so atividades criminosas. Mais ainda, no so Robin Hoods, roubando dos ricos paradistribuir aos pobres. Muito menos heris da resistncia. So bandidos, pura e simplesmente.

    O clientelismo bandoleiroexplora as carncias em seu favor, instala-se nas comunidades pobres porqueelas so mais vulnerveis e no tm qualquer capacidade de resistncia. No podem mobilizar recursos privadosde segurana e no conseguem obter segurana pblica suficiente para torn-las infensas ao do banditismo.

    A manipulao das carncias sociais em benefcio prprio est, portanto, presente tanto no populismodemaggico, quanto no clientelismo poltico, quanto no clientelismo bandoleiro. Mas apenas este ltimo banditismo, criminoso. Nem as formas demaggicas, nem as clientelistas da poltica so necessria ouintrinsecamente criminosas. So formas de manipulao, mas no ao de banditismo. O mesmo ocorre com omandonismo poltico, hoje quase inteiramente erradicado no Brasil urbano. O mandonismo local era autoritrio,mas no necessariamente criminoso e, sobretudo, nunca intrinsecamente criminoso. O mandonismo caractersticodas quadrilhas que tiranizam as periferias urbanas e as favelas, alm de igualmente autoritrio - s vezes mais,

    pois uma tirania exercida fundamentalmente pela violncia armada e pela intimidao fsica, sem quaisquerresqucios de legitimidade - intrinsecamente criminoso. Da, mandonismo bandoleiro. preciso ter a coragem tica e poltica de reconhecer que, no corao de grande parte das favelas, impera o

    mandonismo bandoleiro e que a maioria da populao favelada vive prisioneira em seu prprio territrio, pagapedgio s mfias locais, sai s ruas para servir de barreira polcia, protegendo das balas, com seus corpos, osbandidos que as tiranizam, para no sofrer represlias no futuro, no para proteger heris que admiram. A maioria

    Ver E. J. Hobsbawn - Primitive Rebels, New York, Norton, 1959, Introduo e cap. 1 e Bandidos, Rio de Janeiro, Forense Universitria,3

    1975, cap. 1.

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    !SDAda populao das favelas em que se abrigam o crime organizado, as quadrilhas criminosas e os bandosdelinqentes, vive com medo, vive em um regime de terror e este terror no vem do asfalto, dos grupos deextermnio, da violncia policial, mas principalmente, dia e noite, da opresso daqueles que ocuparam as favelasporque suas populaes so mais frgeis e no tm como resistir.

    A omisso da autoridade entrega as ruas e as favelas ao imprio da violncia e da lei do mais forte. Odarwinismo social brasileiro, decorre do colapso das obrigaes elementares do estado no contrato social. Mas

    preciso admitir que ele existe, de forma ainda mais tirnica e alienante no corao das comunidades ocupadaspelo crime. L, se vive o domnio tpico de sociedades mais primitivas, ainda na fronteira da barbrie.H vrios outros equvocos, analticos ou polticos, que estimulam posturas complacentes com a violncia

    urbana e, em alguns casos, at com a criminalidade. Os excessos do relativismo, as desculpas pseudo-sociolgicaspara o comportamento de grupos alienados ou anmicos. Como a culpa atribuda a uma cadeia de causalidadeexterna aos atores, seus atos so desculpados e a autoridade, que representa a sociedade causadora dos males, condenada e quase que proibida de reprimir os abusos a que esses desvios podem levar. Mesmo o princpio daprimazia da preveno sobre a represso, adotado indiscriminadamente, imobiliza a ao repressiva legtima enecessria do estado, em muitos casos. Pode-se chegar ao limite do ridculo de certas propostas que significariamparar de construir presdios, para construir centros de convivncia, investir na educao dos desviantes e assimpor diante. uma questo de escala e de bom senso. Aplicadas ao indivduo, a grupos de risco, so excelentes.Utilizadas como regra geral, inclusive para orientar polticas direcionadas para atacar os problemas da violnciaurbana e da criminalidade, constituem uma deformao do sentimento democrtico em puro e simples

    democratismo. No se previne o que j ocorreu. Logo preciso vigiar e punir, reprimir os criminosos jconstitudos. Alguns podero ser reabilitados, outros no.

    AS RAZES SOCIAIS DA VIOLNCIA E DA CRIMINALIDADE

    Violncia urbana e criminalidade compartilham algumas razes comuns, mas so fenmenos sociolgica eeticamente distintos. claro que as formas mais violentas e abusivas de transgresso da convivncia, que soparte da violncia urbana como fenmeno geral, mesmo quando devam ser objeto de represso e punio,certamente no devem ser confundidas com a prtica criminosa. Esse um problema de limites, de dificlimasoluo definitiva. Est associado a escolhas que envolvem trade-offs sempre aqum do ideal e exigem muitoequilbrio, para evitar os excessos do autoritarismo e da permissividade anrquica. o exerccio delicado dedesenhar fronteiras entre preveno e represso, crime e transgresso, narcotrfico e narcodependncia e, mesmo,entre narcodependncia e uso ocasional de txicos. Mas h um ponto que no pode ser ultrapassado, sem que se

    transgrida o prprio contrato social. Crime crime, trfico trfico, aliciamento aliciamento.

    4 A origem da violncia e do crime deve ser analisada de forma multifatorial. No adianta buscar uma causanica. Qualquer explicao unidimensional de fenmenos dessa complexidade ser equivocada. Eu dividiria oprocesso de determinao da violncia e do crime em duas macrodimenses diferentes: a social e a moral.

    A dimenso social tem um plano macro e outro micro. O macro dado pela institucionalidade vigente, pelaordem pblica constituda. O micro, pela estrutura da convivncia nas comunidades. Ambas conformam uma dadamatriz de oportunidades, para a violncia e o crime. Elas definem as barreiras sociais e institucionais e osincentivos e desincentivos a esses tipos de ao. No plano micro, operam os fatores que propiciam ou impedem orecrutamento para o crime, o aliciamento.

    O macroambiente social, evidentemente, configura as condies sociais, econmicas, polticas eculturais,que estimulam a violncia e a criminalidade. claro que a desordem civil e a anomia, so parte integrante domacroambiente social. Aqui esto analiticamente separadas, para que no se confunda a questo da pobreza e dascarncias sociais, com o problema mais geral da ausncia de normas vlidas, do desencanto do mundo e daspessoas, caracterstico das situaes de anomia e alienao.

    O microambiente social, no pode tambm ser descurado. Quando sua institucionalidade, isto as regras enormas de convivncia definidas pela comunidade, distorcida, por inmeras razes, a ponto de eliminar abarreira moral e legal entre pessoas honestas e bandidos, ela se torna uma fonte independente de reproduo dascondies sociais e pessoais para a droga, a violncia e o crime. Uma das concluses trgicas de anlisescriteriosas das condies sociais de vida nas comunidades pobres dos Estados Unidos e dos efeitos reais daspolticas sociais l implementadas nas duas ltimas dcadas, que h evidncia suficiente que viver em famlias

    Alba Zaluar trata dessa questo de limites, no ensaio publicado neste volume, no que se refere aos txicos.4

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    !SDApobres em que as chefes so mulheres e que dependem de renda social, instaladas em concentraes em que estascondies so predominantes, tem o efeito independente de produzir danos praticamente irremediveis scrianas, aumentando as taxas de delinqncia juvenil, violncia, narcodependncia ecriminalidade. Comunidades com maior ndice de desagregao familiar e laos sociais mais fracos, nos Estados5

    Unidos, tambm apresentam maiores taxas de violncia e criminalidade. Etzioni argumenta que a ausncia dos6

    pais na educao dos filhos, compromete seu desempenho educacional e seu comportamento moral.7

    A dimenso moral tambm tem dois aspectos, um macro e outro micro. O aspecto macro est associado existncia de normas e regras, legtimas e compartilhadas, e a um consenso moral sobre os limites aceitveis datransgresso dessas regras de convivncia social. A manifestao de desordem, neste plano, se verifica com adominncia da anomia e da alienao. O aspecto micro, est associado a fatores quase insondveis, no limitepersonalssimos, que fazem com que indivduos com experincias sociais e biografias muito semelhantes,vivendo no mesmo ambiente de anomia e alienao, ergam ou mantenham barreiras morais de altura e resistnciato diversas. Em outras palavras, que fazem com que uns admitam chegar ao limite da transgresso, atravessandoa fronteira para a criminalidade e outros, mesmo inconformados com a situao em que vivem, no transgridam.Entre o crime e a rigorosa honestidade, vai todo um contnuo de comportamentos.

    H alguma base para o argumento neoclssico de que o comportamento criminoso decorre de um clculode custo/benefcio, segundo o qual a probabilidade de ser preso e condenado, o tamanho da pena e os ganhosesto correlacionados com a freqncia de uma ampla gama de crimes, incluindo homicdio e estupro. O que no8

    se sustenta a afirmao de que o crime exclusivamente o resultado desse clculo individual, pois deixa grandeparte da varincia inexplicada. O argumento ignora, como mostra Etzioni, que embora exista uma correlaoentre os custos da ao criminosa e a criminalidade, outros fatores, sociais e morais, tambm esto visivelmenteem operao. Grasmick e Green, por exemplo, mostram que a aprovao ou reprovao de determinadas prticascriminosas pela subcultura a que a pessoa pertence, tem um efeito redutor muito importante.9

    Do ponto de vista prtico, isto significa que preciso atuar sobre os custos - que no Brasil tm sidodecrescentes - da ao criminosa, sobre os benefcios - reduzindo o sentimento de privao relativa, que no Brasil enorme - mas tambm intervir nas reas que criam barreiras dissuasrias, permitindo uma viso no apenaspunitiva, mas tambm preventiva. So reas que atuam sobre a estrutura de escolhas, preferncias na linguagemmais econmica, tais como educao moral - em casa e na escola - cultura dos pares, valores da comunidade emobilizao da opinio pblica.

    Mesmo na aplicao das penas, h smbolos poderosos envolvidos, no apenas o custo pura esimplesmente. As penalidades tm peso cultural e simblico muito distintos. Embora no v aqui nenhuma10

    defesa da penalidade, impressionante o efeito de espanto e repulsa que se pode observar, em adolescentesbrasileiros, provocado pelo episdio do garoto americano que pichou automveis em Singapura e foi sentenciadoa receber dolorosas e brutais chibatadas nas ndegas, aplicadas por um profissional. , tambm, importanteentender como o fenmeno da pichao, sem dvida parte da violncia urbana, est carregado de elementossimblicos, tais como a busca da fama, o narcisismo, o desafio da altura impossvel, do risco maior, etc. evidente, que embora no seja a chibata oriental, as punies mais eficazes seriam as que tivessem forte contedosimblico e se antepusessem s gratificaes simblicas buscadas pela ao predatria.

    So parte do macro-ambiente social, o enfraquecimento da autoridade, por omisso, corrupo e lenincia;o colapso dos servios pblicos de segurana, vitimados pela crise fiscal, pela violncia policial, pela degradaoda funo pblica e pelo despreparo, ineficincia e ineficcia da polcia. O colapso da autoridade ou sua

    Nathan Glazer - The Limits of Social Policy, Cambridge, Mass., Harvard University Press, 1988, pg. 85.5

    Ver, por exemplo, o equilibrado sumrio crtico de evidncias sobre determinantes do crime, feito por Christopher Jencks, em Rethinking6

    Social Policy: Race, Poverty, and the Underclass, New York, HarperPerennial, 1993.

    Amitai Etzioni - Public Policy in a New Key, London, Transaction Publishers, 1993.7

    Ralph Andreano e John Siegriefied (eds.) - The Economics of Crime, New York, John Wiley, 1980 e Etzioni, op. cit.8

    H. G. Grasmick and D. E. Green - Deterrence and the Morally Committed, Sociological Quarterly, 22, 1, pgs. 1-14.9

    Etzioni, op. cit.10

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    !SDAdeformao, pela corrupo, pela conivncia ou por sua transformao em instrumento de violncia earbitrariedade, tm impacto decisivo sobre as micro-decises que levam violncia e ao crime, pois alteramsignificativamente os custos da ao criminal. As falhas da poltica penitenciria e a ausncia de uma polticacriminal efetiva, alimentam a impunidade e a reproduo das prticas criminosas, mudando, tambm, a estruturade incentivos e desincentivos ao crime e violncia.11

    Antes de discutir algumas questes prticas e concretas acerca da violncia urbana e da criminalidade, no

    contexto brasileiro, um pouco de sociologia convencional se faz necessrio.

    DESORDEM: CRISE E TRANSIO

    O Brasil mudou radicalmente, nas ltimas duas dcadas. O Brasil mudou muito rpido. Mudana deprofundidade, de natureza estrutural, que mexeu com todas as dimenses da vida coletiva: social, econmica,cultural e poltica. Transformaes que alteraram comportamentos em tal escala, que incidiram sobre o padrodemogrfico, reduzindo a natalidade, a fecundidade e a mortalidade. Parte dessa mudana ocorreu em meio asucessivas conjunturas de crise. O fracasso das tentativas de resolver problemas como o da inflao, aumentarama insatisfao, que tinha origens concretas, associadas ao grau de desconforto produzido pela ao combinada damudana e das crises. O descontentamento aumentou com a frustrao poltica, determinada pela forma como sedeu a transio poltica, com o fracasso do movimento pelas eleies diretas, a morte de Tancredo Neves, umaConstituio que j nasceu contestada e envelhecida. Com a sociedade em fluxo, as regras da convivncia esto

    em xeque. As regras polticas no se consolidaram. O grau de institucionalizao poltica baixo e ainstitucionalidade social precria. Muitas instituies importantes no processo de socializao esto em colapso,portanto em crise de legitimidade. A educao enfrenta crise muito aguda, de desempenho, de qualidade, decredibilidade e de legitimidade. 12

    Toda mudana traumtica. Toda mudana rpida desorganizadora. O efeito alienante da mudanaassociada a crises, frustraes e ao pessimismo quase determinstico. Alienao e anomia so fenmenosclassicamente associados a mudanas bruscas e radicais. A sociologia moderna e contempornea tem tratadodessa correlao em larga escala. Durkheim, em seu clssico estudo sobre o suicdio, havia anotado, compreciso, os efeitos social e individualmente desorganizadores da mudana, ao dizer que: um dos privilgioscaractersticos do ser humano que a restrio que ele aceita no fsica, mas moral; isto , social. Ele governado no por um ambiente material, que lhe brutalmente imposto, mas por uma conscincia superior sua,cuja superioridade ele sente. Porque a maior e melhor parte de sua existncia transcende o corpo, ele escapa dodomnio do corpo, mas se sujeita ao domnio da sociedade. Quando, porm, a sociedade perturbada por alguma

    crise dolorosa ou por transies benficas, porm abruptas, ela se torna momentaneamente incapaz de exerceressa influncia(...).

    Como a sociedade no pode se ajustar e ajustar os indivduos instantaneamente nova vida, aqueles maistraumatizados pela crise, ou mais inseguros com a mudana podem sofrer tal desconforto ou tamanha dor, que seseparam da existncia, se alienam. Durkheim sustenta que, quando ocorrem mudanas abruptas, uma nova ordemno se estabelece imediatamente, nem imediatamente reconhecida pela conscincia coletiva. Ele argumentaque, enquanto as foras sociais liberadas nesse processo no retomem o equilbrio, seus respectivos valorescontinuam desconhecidos e a regulao se torna precria ou ausente. Os limites entre o possvel e o impossvel, ojusto e o injusto, demandas e esperanas legtimas e reivindicaes destemperadas se tornam desconhecidos. Todamudana dessa natureza afeta a estratificao social, ostatusdas pessoas, a distribuio de renda e poder.13

    Durkheim tinha razo, tambm, ao afirmar que nenhum ser humano pode ser feliz, se suas necessidadesno esto atendidas, nem so proporcionais a seus meios. Se suas necessidades requerem mais do que lhes

    Sobre a violncia policial preciso fazer referncia notvel reportagem de Caco Barcelos, emRota 66: A Histria da Polcia que Mata,11

    So Paulo, Editora Globo, 1992. Sobre a questo penitenciria, ver Edmundo Campos Coelho -A Oficina do Diabo: Crise e Conflitos noSistema Penitencirio do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Espao e Tempo, 1987.

    Tratei detalhadamente desse processo de mudana rpido, geral e profundo em dois textos recentes: Crise e Mudana: A Nova Cara do12

    Brasil, Braslia, OIT, no prelo e Mudana e Impasse: Cenrios de Sada, publicado em outro volume de trabalhos do Frum Nacional.

    E. Durkheim - Suicide: A Study in Sociology, Glencoe, The Free Press, 1951, pgs. 246-257.13

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    !SDApermitido ter, forma-se um sistema de tenso e a existncia se torna penosa e insegura. De fato, todo ambiente deiniqidade, tende a produzir taxas elevadas de descontentamento e transgresso.

    As carncias sociais definitivamente criam o ambiente propcio emergncia de padres inconformistas decomportamento, de manifestaes violentas de insatisfao e de transgresses criminais. Mas no explicam ocrime, nem a violncia. Estes ocorrem, tambm em ambientes de baixas taxas de desigualdade e de praticamentenenhuma pobreza. No so condio necessria, nem suficiente para essas manifestaes. O que talvez se possa

    dizer que dificilmente se ter manifestaes de violncia urbana e de criminalidade em larga escala, sem quecertas condies sociais - a pobreza, a discriminao, a privao relativa, as desigualdades - no estejam tambmpresentes. Basta comparar os Estados Unidos, hoje, com as sociedades europias, para se ver uma expressoconcreta dessa associao.

    Christopher Jencks, em uma anlise muito sbria da evidncia disponvel sobre os determinantes dacriminalidade nos EUA, mostra que nenhum conjunto de fatores - genticos, sociais ou psicolgicos - explicainteiramente a incidncia de violncia ou crime. certo, porm, que o sentimento de privao relativa explicamais esses desvios do que o volume absoluto de pobreza. Em outras palavras, a associao entre pobreza edesigualdade mostra maior correlao efetiva com violncia e crime. 14

    O Brasil, ento, se qualificaria para, na presena de outros fatores propiciadores, ter uma larga escala deviolncia e crime. A desigualdade de renda muito grande. O afunilamento das oportunidades se tornou muitoclaro na ltima dcada, sobretudo com o colapso do sistema educacional e a desacelerao dos processos demobilidade, por causa da crise macroeconmica e da hiperinflao reprimida. H discriminao racial. Osentimento de privao relativa aumentou muito com a crise e atingiu amplos setores das classes mdias. Apobreza urbana ainda abrumadora. Menor do que se tem dito na mdia e nos palanques, muito alm doadmissvel tica e materialmente para o nvel de desenvolvimento do pas.

    As relaes entre pobreza, favelizao, dficit educacional, de um lado e violncia urbana e crime, deoutro, so mais claras nas vises impressionistas da mdia e das pessoas, do que nas pesquisas. Infelizmente, hpouca pesquisa e muito pouca estatstica confivel, sobre essas questes no Brasil. A evidncia internacional,porm, bastante volumosa, para por em dvida qualquer hiptese simplista sobre a determinao da violncia eda criminalidade.

    O Brasil est vivendo, ao mesmo tempo, um perodo de transio rpida, uma longa sucesso de crisesmacroeconmicas, com elevao exponencial dos patamares inflacionrios e as desigualdades regionais e sociaisno se reduziram. Esto, presentes, portanto, na (des)ordem social brasileira todos os fatores desorganizadoresidentificados por Durkheim. No surpresa, portanto, que haja tanto desregramento, tanta dor e tanta incerteza.

    At o equilbrio das foras detonadas pela transio e a superao da crise, o ambiente social continuar sendouma fonte de desordem, descontentamento, medo e transgresso. Isto no explica tudo e nada justifica. Permite,porm, entender o ambiente, o caldo de cultura que, como nos Estados Unidos dos anos 20 e 30, promovedeterminadas formas de violncia urbana, de corrupo e banditismo.

    ALIENAO: O DIVRCIO DA COMUNIDADE

    A alienao, conceituada de maneiras diferentes, esconde vrias formas distintas de descontentamento nassociedades moderna e contempornea. Para uma parcela importante dos tericos da alienao, ela parece ser umadoena do progresso. Para Marx, por exemplo, o assalariamento produz a forma mais avanada de alienao. ParaManheim, o consumismo, o materialismo pecunirio tpico das sociedades de massas, que produz o seralienado.

    Outra caracterstica fundamental da alienao, a externalidade. Marx, em sua anlise da alienao,salientava este aspecto com muita nfase. Para ele, a alienao da pessoa em relao a si e natureza, sempre semanifesta nas suas relaes com as outras pessoas e com a natureza. Mas a alienao, ao se manifestar noprocesso social, o faz como externalidade. O trabalho alienado consistiria no fato de que ele externo aotrabalhador, no parte de sua natureza, conseqentemente ele no se realiza no seu trabalho, ele se nega, tem umsentimento de angstia, no de bem-estar. O trabalho alienado no desenvolve livremente suas energias fsicas e

    Jencks, op. cit. pgs. 114-115. Ver, tambm, Judith and Peter Blau - The Cost of Inequality: Metropolitan Structure and Violent Crime,14

    American Sociological Review, 47, February, 1982, pgs. 114-129; C. Tittle, W. Villemez e D. Smith - The Myth of Social Class andCriminality, American Sociological Review, 43, October, 1978, pgs., 643-656; Steven Messner - Societal Development, Social Equality,and Homicide: A Cross- National Test of a Durkheimian Model, Social Forces, 61, September, 1982, pgs. 225-240.

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    !SDAmentais, ao contrrio, ele exaure fisicamente e deprime mentalmente. A vida que o trabalhador d ao objeto queproduz o confronta como hostil e estrangeiro, dizia ele.15

    Um sentimento de estranhamento em relao comunidade e sua atividade nela, uma atividade que no espontnea, nem gratificante, experimentar a vida e o trabalho como externalidades, sentir-se vivendo comocoisa. Esses componentes da alienao, captados por Marx, esto presentes em autores insuspeitos de qualquersimpatia com seu pensamento. So elementos gerais de uma sndrome comportamental que existe concretamente

    na vida social. Merton, por exemplo, ao discutir o misticismo e o significado da desconfiana generalizada,afirma que a mesma sociedade que produz esse sentimento de alienao e estranhamento, gera em muitos odesejo de ser reconfortado, o desejo agudo de crer, um mergulho na f. Alis, no fortuito que a evoluo das16

    estatsticas de violncia e criminalidade e do crescimento das seitas evanglicas, das religies afro e doesoterismo coincidam no tempo e no espao. Melvin Seeman, em um artigo clssico, identificou cinco usos para anoo de alienao.17

    I.Impotncia, na qual o indivduo tem a expectativa efetiva de que seu comportamento em nada afetar oresultado da situao em que se encontra e que corresponde ausncia de liberdade e controle individuais,entendimento muito prximo da tradio marxista. O conceito, no contexto mais amplo que nos interessa, dizrespeito ao sentimento de impotncia diante da ordem social, da vida poltica, do movimento da economia, dasameaas situao pessoal, decorrentes desses macro eventos.II. Falta de sentido, segundo a qual, a pessoa perde a compreenso dos eventos em que est envolvida, noointroduzida por Adorno, no seu estudo sobre o preconceito, presente na idia de Manheim sobre a perda dacapacidade de agir inteligentemente numa dada situao, de acordo com a sua prpria compreenso das interaesentre os eventos. Aqui, estamos diante de pessoas que no tm clareza sobre em que e em quem acreditar, nemconseguem fazer sentido, elas mesmas, do que ocorre sua volta e com suas prprias vidas e daqueles a quemamam. Sobretudo quando todas as alternativas so trgicas, no sentido de que nenhuma delas destituda de dorou privao e nenhuma delas traz qualquer gratificao, onde se trata apenas de escolher um caminho penoso parasobreviver. Adorno, fala das alternativas sem sentido, na incapacidade dos indivduos em escolher, comconfiana, entre as explicaes alternativas para os desastres inflacionrios da Alemanha do aps-guerra. Oucomo mostra Seeman, quando as pessoas tm uma baixa expectativa de que possam fazer previses satisfatriassobre os resultados futuros de seu comportamento.Nonsensee incerteza: soa familiar aos ouvidos brasileiros.18

    III.Anomia, ou a ausncia de normas, quando as normas sociais regulando a convivncia se rompem ou no somais efetivas como regras de comportamento, conceito introduzido por Durkheim e retomado por Merton. Esteltimo, chama a desordem social de anomia, para ele aquela situao em que valores comuns se perdem na

    confuso dos interesses privados buscando sua satisfao por quaisquer meios que sejam efetivos. Uma situaotpica de sociedades urbanas muito competitivas e segmentadas, nas quais os indivduos vivem em um clima dedesconfiana recproca. Em seu clssico estudo sobre anomia e estrutura social, Merton fala de adaptaes queocorrem, como desvios de comportamento individual ou coletivo, quando se reduz o poder disciplinador dospadres sociais. Trata-se de uma situao de ruptura cultural, tpica das descontinuidades produzidas pormudanas rpidas e profundas, como a urbanizao. A urbanizao americana muito rpida, quando avaliada luz dos padres histricos europeus- nos EUA e no Brasil, neste ainda mais. Cria-se, desta forma, como mostraSeeman, a expectativa de que comportamentos no aprovados socialmente possam ser necessrios para alcanardeterminados objetivos. Essa forma de alienao, embora associada ao macroambiente, tem uma evidente

    Esta ltima passagem est nos Manuscritos Econmicos e Filosficos de 1844. NA Ideologia Alem, Marx trata detalhadamente os15

    processos de externalizao e coisificao. A alienao vista como o mal do progresso est em toda parte, mas mais notavelmente nosGrundrisse, onde Marx consegue combinar o elogio do progresso trazido pelo capitalismo com a crtica da economia poltica do capitalismo.

    L, ele diz que a alienao no seu pice, s aparece com a plena constituio da sociedade civil e a poca que produz essa externalizao eisolamento dos indivduos, pela primeira vez integrados a um sistema generalizado de conexes sociais, corresponde s mais desenvolvidasrelaes sociais.

    Marx, alis, havia, tambm relacionado alienao e religio. A passagem de Merton est em R. K. Merton- Mass Persuasion, New York,16

    Harper, 1946, pg. 146.

    Melvin Seeman - On the Meaning of Alienation, American Sociological Review, XXIV, December, 1959.17

    T.W. Adorno et allii - The Authoritarian Personality, New York, Harper, 1950, pgs. 617ss. K. Manheim - Man and Society in an Age of18

    Reconstruction, New York, Harcourt Brace, 1940, pg. 59.

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    !SDAcontrapartida micro, como mostra Goffman, sobre o mal envolvimento, como um tipo de malcomportamento.19

    IV.Isolamento, na qual o indivduo opta por no se associar, dando baixssimo valor aos objetivos, s crenas eaos valores majoritariamente adotados pela sociedade. Em certas interpretaes, o isolamento poderia dar vida aaes contestatrias ou revolucionrias, que Merton chama de rebelio. Mais usualmente, porm, o isolamento,como alienao, leva predominantemente auto-excluso, misantropia.

    V.Auto-estranhamento, o conceito de Fromm, segundo o qual o indivduo se torna estranho a ele mesmo e de C.Wright Mills, na sua prpria verso do conceito marxista, que, para ele, decorre do estranhamento das pessoasumas em relao s outras, medida em que cada uma secretamente busca fazer das outras um instrumento, atque o crculo se completa e a pessoa faz de si mesma um instrumento e se aliena de si mesma. A idia dealienao como um afastamento de si mesmo, principalmente na acepo de Mills, parece mais uma extenso, noplano micro, da anomia, no sentido de Merton, decorrente de uma vida de desconfiana dos outros. Primeiro,desconfiana recproca nas relaes interpessoais, a alienao das relaes sociais, em um contexto dedesregramento generalizado. Em seguida, desconfiana de si mesmo, a negao da autoconfiana, o complementoda insegurana. Ambos os casos, de desconfiana recproca, em uma sociedade urbana, competitiva e segmentada,e em um contexto de busca secreta de manipulao dos outros, lembram muito as caracterizaes dorelacionamento social brasileiro recente, baseado na popularmente chamada lei de Gerson. Vale lembrar, a leifoi inspirada em uma propaganda de cigarro, em que o ex-jogador de futebol diz voc gosta de levar vantagemem tudo. Era um momento em que a esperteza implcita na frase ainda era vista como algo para se gabar, comoobjeto de admirao. Mas a sociedade foi se cansando da esperteza, medida em que o resultado das espertasadaptaes ao ambiente inflacionrio, crise e transio foi cobrando seu preo em desagregao edesconforto sociais.

    Desses cinco usos, apenas a idia de alienao como isolamento, sobretudo auto-isolamento, no temrelevncia direta para o tema da violncia e criminalidade. A noo de auto-estranhamento, uma extenso, noplano micro, da noo mertoniana de anomia, como vimos. H pelo menos trs situaes bsicas de alienao: a).anomia, como ausncia ou colapso das regras e comportamento desregrado; b). perda de referncia, falta desentido das coisas e estranhamento da comunidade e de si mesmo; c). o sentimento de impotncia diante defenmenos que o indivduo vive como externalidade.

    A anomia tem um referente institucional distintivo, que associa o alheamento da pessoa e da comunidade ausncia de regras. O colapso das regras indica uma ruptura, relacionada institucionalidade vigente e ao quadrode valores da sociedade. claro que a transio brasileira afetou nossa cadeia de valores e abalou a estrutura

    normativa da sociedade. Merton faz uma metfora pertinente a respeito, ao distinguir, na competio esportiva, oobjetivo de ganhar de acordo com as regras do jogo, do objetivo de ganhar o jogo, quando o ideal de vitria separado das limitaes institucionais. A referncia passa a ser, pura e simplesmente, a eficcia dos meios. Hdois limites a considerar: primeiro, o limite de inflexibilidade, a partir do qual as prprias limitaes institucionaisdeslegitimam o jogo, ao garantir sempre a vitria dos que detm uma determinada habilitao, nonecessariamente os mais aptos a vencer justamente (fairplay) . Neste caso, a justia do jogo (fairness)20

    fica prejudicada pelo uso conservador da regra. esta distoro que faz muitos setores progressistas se moveremde uma posio liberalizante, para o democratismo e o anarquismo e para o elogio da transgresso. Mas este ooutro limite a considerar, quando a complacncia das regras ou a sua ausncia, fortalecem, precisamente, o ladomais forte, aquele que, por no ter qualquer auto-disciplina, est disposto a tudo para ganhar. Em ambos os casos,contri-se a tirania, a desobedincia a esses dois limites opostos, afeta de forma significativa e negativa aschances de vida dos outros.

    Sem regras, dissolve-se o quadro moral da convivncia e se reproduz o estado de natureza, em plena

    vigncia - precria - do contrato social. Piaget

    sustenta que toda moralidade consiste em um sistema de regras e21

    a referncia moral dada pelo grau de adeso das pessoas a essas regras. Sem regras, a cooperao impossvel.Alis, como demonstra Piaget, nem o jogo de bolinhas de gude entre crianas possvel. claro que, para

    Goffman fala de misbehavior e mis-involvement, em E. Goffman - Alienation from Interaction, in Human Relations, 10, February, 1957.19

    Este um dos princpios centrais da teoria de justia de John Rawls, em A Theory of Justice, Oxford, Oxford University Press, 1971.20

    Jean Piaget - The Moral Judgment of the Child, New York, Free Press, 1965.21

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    !SDAgarantir a convivncia no-tirnica, a liberdade precisa estar referida a trs parmetros essenciais: quem livre,de que limitaesou restries se livre, o qu se livre ou nopara fazer. O quadro legal a referncia22

    principal nas liberal-democracias e, nelas, o que no est vedado permitido. Como dizia Hobbes, plena aliberdade no silncio da lei.

    Uma sociedade em fluxo, na qual os valores morais esto em movimento constante e a competio percebida como desregrada, em que a nica lei a de levar vantagem em tudo, vive uma ruptura em relao ao

    quadro de regra anterior, portanto uma crise moral. Nesse caso, um macroambiente social no qual a convivnciasocial perdeu a referncia das restries justas, est em processo de desmoralizao, portanto dedesinstitucionalizao. perfeitamente cabvel e razovel afirmar que o Brasil enfrenta, desde os anos 80,23

    quando se dissolveu a ordem autoritria, uma crise institucional tpica das transies, na qual a sociedade se afastado quadro normativo at ento vigente, mas no consegue dar forma e contedo suficientemente consensuais aum novo sistema de regras de convivncia, que atenda tanto aos requisitos da liberalizao e da democratizaoda convivncia, quanto ao requisito indispensvel de ordem e regras claras e vlidas.

    Volto a insistir na necessidade de limites sensveis nesta questo. claro que os comportamentosinovadores, na cincia e em qualquer manifestao cultural ou produtiva, esto quase sempre associados quebrade determinadas regras ou convenes. A noo das revolues cientficas como ruptura de paradigmasconsolidados, de Thomas Kuhn, ressalta exatamente esta caracterstica das grandes inovaes. Em diversassituaes, h comportamentos que, pelos padres vigentes, seriam desviantes, porm com um claro efeitoorganizador ou reorganizador. Como h casos em que a conformidade aos valores vigentes se transforma em meroconformismo e pode ter efeitos desorganizadores. Logo, nem todo comportamento anti-convencional, nem toda24transgresso ultrapassa os limites legais e legtimos que nos garantem a convivncia civilizada. , como j disse,um problema dificlimo de limites, mas que precisa ser enfrentado.

    H argumentos persuasivos no sentido de que a complacncia com a transgresso abusiva e comcomportamentos criminosos que cria a oportunidade para a expanso do crime e para o aliciamento para ocrime. quando h padres relativamente estveis de acomodao e integrao entre pessoas honestas ecriminosos, que se constituem estruturas ilegais ou criminosas de oportunidade.25

    Questo correlata est associada a dois pontos de vista polares e igualmente equivocados: um sustenta quea favela gera o crime e a violncia, logo no deveria ser tolerada; outro afirma que nada h na favela que leve aocrime, seno a misria e que a favela deve ser respeitada integralmente. O primeiro argumento comete umafalcia ecolgica, fartamente desmentida pela evidncia emprica, que estabelece uma relao causal entre reade concentrao urbana pobre e criminalidade. O segundo, comete uma falcia tica no menos grave, ao

    imaginar que a pobreza justifica o crime. No a pobreza que induz ao crime. uma situao geral deprecariedade das relaes sociais e de omisso da autoridade. De um lado, a fraqueza das populaes pobres, criaa oportunidade para a instalao, nessas comunidades, do banditismo tirnico. De outro, a omisso dasautoridades e a complacncia com uma ordem social inaceitvel - a do gueto tiranizado- cria a oportunidadepara o aliciamento criminoso, por causa dos baixos custos e dos altos benefcios da ao criminosa, da situao dealienao em que vivem amplas parcelas dessas comunidades e de um contexto de anomia e convivnciapromscua entre criminosos e cidados.

    Rawls, op. cit., pg. 202.22

    Merton, op. cit.23

    Albert K. Cohen - The Study of Social Disorganization and Deviant Behavior, in T.K. Merton et allii (eds.) - Sociology Today, New

    24

    York, Basic Books, 1959.

    Cf. Richard A. Cloward - Illegitimate Means, Anomie, and Deviant Behavior, AmericanSociologicalReview, XXIV, April, 1959. Os25

    estudos de sociologia criminal nos EUA, nos anos 20 e 30, oferecem inmeras indicaes importantes que, recontextualizadas, permitemdesenvolver polticas de preveno e represso ao crime e violncia. Ver, por exemplo, Clifford Shaw - The Jack-Roller, Chicago, theUniversity of Chicago Press, 1930 e The Natural History of a Deliquent Career, Chicago, The University of Chicago Press, 1931; ClifordShaw e Henry D. MacKay - Juvenile Delinquency and Urban Areas, Chicago, The University of Chicago Press, 1942; Edwin H. Sutherland(ed.) - The Professional Thief, Chicago, The University of Chicago Press, 1937; William F. Whyte - Street Corner Society, Chicago, TheUniversity of Chicago Press, 1955; Albert Cohen - Deliquent Boys: The Culture of the Gang, New York, Free Press, 1955. Ver, tambm,Daniel Bell - Crime as an American Way of Life, The Antioch Review, Summer, 1953, pgs. 131-154. Recontextualizar significa, entreoutras coisas, separar o que h de analtico e permanente, do que era contingente e ideolgico

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    !SDA A ausncia de fronteiras entre os que vivem vidas civis normais e os bandidos, nas comunidades maiscarentes, cria a oportunidade para o aliciamento, por meio de uma mistura de seduo, pela via dos smbolos defora, intimidao, quem no amigo inimigo e corrupo, principalmente pelas drogas. A promiscuidade,permitida pela inao policial e impotncia das comunidades, viabiliza o recrutamento de jovens para obanditismo.

    A ordem social da favela inaceitvel no apenas porque ela se assenta na pobreza e na carncia

    habitacional. Ela inaceitvel, entre outras razes, por duas fundamentais: tirnica e resulta de estratgias desobrevivncia em um quadro de escolhas muito limitadas, quando no todas trgicas, logo no representa umaescolha livre. A favela, na maioria dos casos, um ambiente demasiado hostil, para ser recuperado apenas pelavia de servios pblicos, urbanizao, escolarizao. um territrio ocupado pelo banditismo, que tiranizaaqueles que se vem forados a nele viver. A promiscuidade forada entre o banditismo e a comunidade cria aoportunidade para o aprendizado do crime, para as drogas e para o culto da violncia, expresso na simbologia dasarmas empunhadas desabridamente, marca alienada de fora e falsa potncia, e dos fogos de artifcio, empermanente desafio autoridade constituda.

    A favela vivida por uma grande maioria como experincia alienante, como externalidade e comoimpotncia. Da o silncio intimidado - e no cmplice como alguns afirmam - diante da polcia e da imprensa,toda vez que a populao interrogada sobre eventos ligados ao banditismo. Da a dor calada, quando perdemseus entes queridos, na violncia domstica - i.e. interna s favelas e s lutas entre quadrilhas - ou no entrechoqueentre o banditismo e a polcia ou, ainda, vitimados pela violncia indiscriminada da polcia. Mas, principalmente,

    o que explica a senhora pobre, de riso aberto e desdentado, recebendo a invaso militar de sua favela, diante dascmeras, como uma beno de Deus. Nem dos reis, nem dos homens.

    Tem havido excessivo e condenvel exagero na caracterizao mitificadora e mistificadora das favelas,como bairros populares livremente constitudos. Algumas podem ser isto. A maioria no o . , tambm,alienante, manipuladora e mistificadora a distino maniquesta entre morroe asfalto, usada para fins meramentepoltico-ideolgicos, como se o morro fosse a virtude dos pobres e o asfalto o domnio da violncia, da opresso eda explorao dos ricos. Mais condenvel ainda, quando esse maniquesmo serve para silenciar sobre o que h deexplorao, violncia, intimidao, tirania e corrupo no corao da favela, onde impera o banditismo.

    No cotidiano das cidades, a violncia e o desregramento so episdios, freqentes, porm uma frao deum cotidiano ainda dominado pela normalidade e onde a macro-institucionalidade est minimamentepreservada. Na maioria do territrio urbano se vive uma crise, com enorme incidncia de violncia e crime, queafeta a vida de camadas pobres - em maior proporo - das classes mdias e das camadas ricas. Uma crise quealtera e deteriora o cotidiano, mas no o domina. Nos territrios ocupados pelo banditismo, em setores dasperiferias urbanas e em grande parte das favelas, o cotidiano dominado pela opresso do banditismoconstituindo no uma crise, mas uma ordem social alienada, tica, poltica e socialmente inaceitvel.

    A alienao e a anomia que predominam no macro-ambiente social brasileiro e as formas particulares quecaracterizam determinados micro-ambientes decorrem, em grande medida, da dissoluo do paradigma scio-econmico e do correspondente quadro moral e cultural, ocasionada pela mudana estrutural. O novo paradigmaainda no se formou. Estamos em plena travessia, sem muitas referncias. H mais negao do que afirmao.H, claramente, um problema institucional, macro e micro, de enfraquecimento das barreiras morais, sociais,polticas e pessoais que restringem o clculo da ao coletiva e individual ao que legtimo e legal.

    Hoje, no Brasil, sem paradigma tico consensual, sem consenso sobre a convivncia, comum a mdia,intelectuais, lideranas polticas, estabelecerem o primado do tico e justo, sobre o legal, sem sequer se daremconta de que h enorme varincia na interpretao exatamente do que se justifica eticamente. A justificativa detransgresses menores, por personalidades maiores, produz um enorme rombo no sistema de regras, uma

    flexibilidade moral agigantada, que serve para justificar desde a transgresso no trnsito at o uso da violncia emdefesa prpria, ainda que diante de uma ameaa apenas presumida. exatamente porque no h consenso queaqueles que tm prestgio, influncia e liderana, formam opinio, criam referncia, produzem mais danos aofazer a defesa da transgresso.

    A figura abaixo mostra as vrias dimenses da violncia e da criminalidade.

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    !SDA

    O macro-ambiente social, caracterizado por um processo de mudana rpida e profunda, constitui umambiente propcio emergncia da violncia urbana e da criminalidade. Sobretudo porque a mudana estruturaltem um forte componente urbano - a urbanizao avanou muito aceleradamente nos ltimos dez anos - e veioassociada a sucessivos ciclos de crise macroeconmica. A mudana no eliminou a pobreza, nem reduziu os grausde concentrao de renda e riqueza e de desigualdade. O forte sentimento de privao relativa, exacerbado pelareduo das oportunidades de mobilidade social na ltima dcada, eleva a tenso urbana e o grau deressentimento social nas comunidades mais carentes, poderosos elementos propiciadores da violncia e dacriminalidade.

    Esse ambiente social tende a provocar uma elevao considervel da anomia, na medida em que a prpriadissoluo do paradigma scio-econmico e da ordem poltica anteriores, enfraquece o quadro de valores eregras, enquanto um novo paradigma no se instala e se legitima uma nova tica a ele associada. Esse quadro de

    ausncia de regras, que varia ao longo da estrutura social, mas tem um ncleo que geral, agrava a situao dealienao - estranhamento, desencanto, desorientao, desmotivao e pessimismo - em que se encontram amplasparcelas da sociedade e no apenas nas comunidades carentes, mas tambm em muitos setores das classes mdias,fortemente atingidos pela mudana e pela crise. Vrias situaes de anomia e alienao produzem ambientes emque h uma ampla faixa de comportamentos desviantes, de desregramento - aqui includo o consumo desabrido eabusivo de txicos pesados pelas classes mdias e altas - tambm geradores de um clima propcio violncia e aocrime.

    A crise do estado, atitudes polticas de governantes, caracterizando omisso da autoridade pblica,complacncia com o crime e a admisso da ocupao de favelas e bairros da periferia pelo banditismo, reduziramtragicamente as barreiras institucionais violncia e ao crime. O efeito-demonstrao do descaso da autoridade,da corrupo e da violncia policial reduz, tambm, de forma no menos trgica, as barreiras morais. As evidentesfalhas na ao do Judicirio, a incapacidade de fazer cumprir as penas, por insuficincia de vagas nos presdios eas bvias inadequaes dos cdigos Penal e de Processo Penal, generalizam o sentimento de impunidade. Desta

    forma, os custos da violncia e da ao criminosa so radicalmente reduzidos, restando s pessoas apenas astnues e insondveis barreiras morais, que fazem com que algumas jamais cedam s tentaes do crime, apesar deviverem em ambiente propcio, serem vtimas de discriminao e injustia e encontrarem cotidianamente as maisamplas oportunidades para o desvio.

    Essas oportunidades se ampliam, na medida em que absurdamente tolerada pelas autoridades e pelaprpria sociedade brasileira, a promiscuidade em que vivem muitas comunidades urbanas com o banditismo,permitindo, por meio daquela mistura de seduo, coao e corrupo, o aliciamento de parcelas da comunidadepara a vida criminosa.

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    !SDA A ausncia de poltica penitenciria e, mais amplamente, de uma poltica criminal, tambm tem umimportante impacto na reproduo da violncia e do crime. Os movimentos na populao carcerria afetam afreqncia de eventos de violncia e de crimes de trs maneiras distintas. Primeira,, a priso de infratores ecriminosos reduz a taxa de violncia e crimes, porque reduz o nmero de agressores em liberdade. Nos EstadosUnidos, estudos sobre esse efeito de incapacitao, mostram que se dobrar a populao carcerria, a taxa decriminalidade cai perto de 10%. 26

    A segunda conseqncia negativa. A priso uma escola do crime, no um centro de habilitao. Almdisso, ter cumprido pena uma barreira quase intransponvel obteno de emprego legtimo. A distribuioinadequada de penas e a aproximao, nas cadeias, entre autores de crimes de gravidade muito distinta - s vezesentre infratores e criminosos - gera um ciclo vicioso de reproduo agravada do crime.27

    Terceira, o incremento das penas de criminosos violentos, alm de eventualmente reduzir o nmero deofensas, serve como um elemento dissuasrio. H controvrsias sobre esta questo, mas evidente que maiordureza com os crimes mais violentos ou mais perniciosos, certamente eleva os custos da ao criminosa.

    Tudo isso vale para situaes normais. No caso brasileiro, o colapso da situao penitenciria no s evidente, como caracteriza uma situao de gravidade crtica. No s uma questo de dficit de espaoprisional. As distores so muito maiores. Os presdios no tm manuteno ou servios adequados. A maioriano tem mais condies tcnicas mnimas de segurana. A violncia no apenas inquietante, mas eticamenteintolervel. Seja aquela pela qual prisioneiros vitimam prisioneiros, seja aquela, como no massacre do Carandiru,na qual a polcia sufoca rebelies com a morte.

    Pior ainda, o uso da carceragem de delegacias para cumprimento de pena. A superlotao das carceragensexpe as populaes dos bairros ao risco da violncia criminosa.

    Uma delegacia brasileira tpica no transmite ao cidado qualquer sentimento de segurana. Toda asimbologia est errada. O ambiente pssimo. A apresentao dos policiais inteiramente inadequada. V-semais sinal de truculncia, do que de autoridade. evidente que uma delegacia tem que ser algo que inspireconfiana, no temor. O cidado deve encontrar ali indivduos fardados, distintivos mostra, simbolizando aautoridade legitimamente constituda. No formalismo, apenas. A obrigao de se apresentar formalmente comoautoridade constituda, afirma a soberania do cidado, da lei e da ordem, inclusive para os prprios servidores. um limite, moral, poltico e funcional. O que impede isto o corporativismo das polcias, associado insistnciado Exrcito em manter uma tutela injustificada e anti-democrtica sobre as polcias militares.

    TEMAS PRTICOS PARA DISCUSSO

    A anlise acima traz algumas implicaes prticas imediatas, para o campo das polticas pblicas. Hquestes gerais e questes especficas. Comecemos pelas gerais.

    A primeira delas, diz respeito ao macro-ambiente social. claro que a estabilizao da economia, aretomada do crescimento e da mobilidade social, a redistribuio da renda, tero um efeito importante sobre adinmica da violncia e da criminalidade, na medida em que contribuem para criar um ambiente muito menosadverso, portanto muito menos propcio ao comportamento desviante. claro, tambm, que o processo deinstitucionalizao da democracia, ainda em curso, e a superao da crise moral em que o pas vive, tero omesmo efeito. Nada disto , porm, suficiente. A melhoria do ambiente, a reduo da anomia e da alienao tmum efeito preventivo genrico importante, mas claramente insuficiente para reduzir a violncia e a criminalidade.

    A segunda est relacionada reforma educacional, que absolutamente indispensvel ao progresso do pas,ao incremento da produtividade e da competitividade da economia e pode, tambm, ter um forte, e mais direto,impacto sobre a violncia e a criminalidade. No s no sentido de que a educao contribui para reduzir asdesigualdades e a alienao, ao democratizar e ampliar as oportunidades, criar referncias, dar sentido s coisas. Aescola precisa assumir diretamente o papel principal de agncia de socializao, portanto de formao moral.2

    Um papel tradicionalmente da famlia, que precisa ser preenchido pela escola e no apenas de forma puramentecomplementar. H pelo menos trs razes que fazem necessrio o fortalecimento do papel socializador da escola,

    Jencks, op. cit. , pg. 189.26

    Jencks, ibid. e Campos Coelho, op. cit.27

    Etzioni, op. cit.28

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    !SDAneste aspecto: a) a instabilidade familiar muito maior no mundo contemporneo; b) com a ampliao dotrabalho feminino, reduziu-se o tempo disponvel s mes para cuidar da educao dos filhos, o qual no foicompensado por uma elevao do tempo dedicado pelos pais a esta tarefa; c) nas famlias mais carentes, acapacidade educacional de pais e mes muito reduzida.

    Hoje a escola ensina mal, educa pouco e praticamente no d formao moral. No se trata, obviamente, deretomar a prtica do autoritarismo, da moral e cvica compulsria. o ambiente escolar, hoje rigorosamente

    anrquico, em alguns casos, autoritrio e discriminatrio, em outros, que precisa mudar. Sobretudo acomplacncia existente, no s com o mau desempenho, mas tambm com o mau comportamento. Complacnciaque no deve ser substituda por atitudes repressivas, mas por um novo ethos na escola. A excessivaespecializao dos professores - na verdade no mais do que compartimentao do ensino, dados os baixo nveisde qualificao dos professores e de qualidade do ensino - impede que se formem vnculos mais sustentveis entreprofessor e aluno, que poderiam potencializar a capacidade de orientao e formao, principalmente na infnciae na pr-adolescncia.29

    preciso, ainda, que as polticas educacionais no Brasil encarem de frente a questo das desigualdades edo preconceito. No basta levar a escola para a favela, como querem algumas lideranas de esquerda. precisoevitar que haja escolas de ricos e de pobres, de negros e de brancos. Experincias como as que foram utilizadasnos EUA nos anos 60 precisam ser reconsideradas para aplicao no Brasil. Entre elas a de evitar que a ida daescola comunidade produza guetos escolares. prefervel levar a comunidade escola. No Brasil oscaminhos da discriminao so evidentes, porm sempre negados. No queremos ver a discriminao. Quandouma escola pblica melhora, a classe mdia a invade, expulsando as crianas de famlias pobres e as melhoresescolas vo ficando, em decorrncia predominantemente brancas. Isto se faz com a conivncia da autoridadeescolar ou pela via do pistolo e do clientelismo poltico. Os melhores professores no vo para as escolas queatendem as comunidades mais carentes. Em muitos lugares se tornou difcil recrutar professores por causa daviolncia do ambiente em que as escolas esto. preciso examinar a redistribuio de escolas e alunos, de modo aevitar a formao de guetos escolares, usando o transporte escolar como veculo da equalizao dasoportunidades, revendo os critrios de alocao de alunos por vagas, criando tipos diferentes de escolas, paradiferenciais de talento e capacidade, independente da renda, da educao, da etnia e do local de moradia dos pais.A escola, hoje, no Brasil, alienante e contribui para o estado vigente de anomia.

    Finalmente, a terceira questo geral diz respeito ao relaxamento geral das regras no Brasil. Nenhuma regraou lei, hoje, no Brasil respeitada pelo seu valor de face. Toda a estrutura normativa est sendo contestada emalgum grau e obedecida no porque norma vigente, mas por convenincia pura e simples. Aqui sim, a questo

    do custo/benefcio da obedincia predominante: se no houver probabilidade alta e concreta de sano, havertransgresso. A autoridade pblica no se faz respeitar. O trnsito um cenrio de cotidiana, generalizada eimpune transgresso. O comportamento dos motoristas de nibus no Rio de Janeiro, um servio pblico porconcesso, beira a agresso violenta, se no a tentativa de homicdio qualificado. No h punio. O desrespeitoevidente das empresas de transportes pelas normas elementares de segurana e proteo ambiental, tambm noprovoca a ao da autoridade concessionria. Os exemplos, todos havero de reconhecer, abundam.

    Regras elementares para a convivncia, como o respeito fila, no cinema, para o nibus, em qualquerlugar, somente so respeitadas se h o temor efetivo de reao dos que se sentirem ofendidos. No existe apredisposio coletiva a se conformar s normas de convivncia, nem s regras da sociabilidade, nem s leis. Nochego ao absurdo de dizer que no existe uma propenso coletiva a no furtar. Mas evidente que existe apredisposio generalizada, por exemplo, para furar a fila, para avanar o sinal, para fazer aquela pequenacontramo, para se aproveitar de uma vantagem ilegtima, para sonegar e por a vai.

    Quando a autoridade se impe, rapidamente o campo da transgresso e, pior, do elogio dela se reduz. Foi o

    que se viu, com o novo comportamento, mais austero, mais repressivo e mais preventivo da Receita Federal, nagesto de Osires Lopes Filho: no s a sonegao diminuiu, mas a defesa da sonegao foi substituda pela defesada reforma tributria, pelas crticas estrutura atual de impostos, pelas reclamaes sobre a carga fiscal. O elogio

    Etzioni faz um ponto semelhante, em relao escola nos Estados Unidos, sugerindo que algumas matrias afins, que permitam a discusso29

    de valores e comportamentos, sejam ministradas pelo mesmo professor, cit. 24-28. claro que nos EUA, a despeito dos srios problemas dedesempenho das escolas, que segundo ele precisam de uma verdadeira reengenharia, a degradao do ambiente escolar e a deteriorao doensino no se comparam ao que h hoje no Brasil. Alguns estados esto implementando reformas educacionais, Minas Gerais e So Paulo,entre outros, mas em nenhuma das reformas houve uma discusso efetiva sobre o papel socializador da escola, hoje mais necessrio e que setornou ainda mais profundo.

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    !SDAda transgresso fiscal, freqentemente exposto na mdia, com todas as letras, por inmeros entrevistados,desapareceu.

    Trata-se, exatamente disto: recuperar a autoridade pblica democraticamente constituda, estabelecer, comoobrigao, o papel do poder pblico de executor das regras e das leis e garantidor da convivncia socialdemocrtica. A ordem democrtica e a sociabilidade regrada precisam prevalecer, do micro ao macro, do trnsitoao narcotrfico, da fila ao mercado, na sua principal acepo econmica. O ilegal no pode ser tolerado, o legal e

    legtimo e, at mesmo, as transgresses ao que convencional, no limite da convivncia civilizadas, devem terassegurado o espao da liberdade. E preciso que isto seja feito logo, no depois que tivermos igualdade e justiapara todos. preciso combater a pobreza e a fome, reduzir as desigualdades, mas nada disso justifica o grau dedesordem em que o Pas se encontra. E existe uma demanda crescente, j captada nas pesquisas de opinio, porordem pblica, ordem decorrente da recuperao da ao pblica, com um enquadramento institucionaldemocrtico.

    O BRAO AMPUTADO DA LEI

    imperativo que se reconhea que a primeira ao concreta de poltica pblica, no campo do combate violncia e criminalidade, se refere polcia. A polcia inoperante. Em muitos estados quaseirremediavelmente corrompida. Ela violenta, a primeira a no respeitar as leis que deveria cuidar que fossemrespeitadas. Ela est mal estruturada e organizada. O treinamento deficiente, o equipamento tambm. H um

    conjunto de questes que precisa ser urgentemente examinado, que permitiria iniciar uma radical reengenharia dapolcia.

    I. A questo mais ampla, se refere necessidade de uma rigorosa, profunda e radical transformao doaparato policial. No se trata, como muitos afirmam, de melhorar, prestigiar, reaparelhar a polcia existente.Essa estrutura no reformvel. A primeira providncia seria a unificao das polcias, porm mantendo aespecializao funcional das atividades judiciria e de policiamento ostensivo, a qual se implementaria nodesenho da nova carreira policial.

    Para que isto seja possvel, trs providncias polticas so necessrias: a) quebrar o corporativismo daspolcias, que conseguiu fixar na Constituio, a separao corporativa daquelas atividades, atribuindo polciacivil a atividade judiciria; para algumas providncias ser necessrio enfrentar, tambm, o corporativismo doMinistrio Pblico; b) criar a possibilidade constitucional para que a polcia - federal, estadual e municipal -tenha estatuto prprio, com regras disciplinares e de carreira distintas daquelas aplicveis ao funcionalismo

    pblico em geral; c) eliminar a resistncia do Exrcito, que insiste na tese, anti-democrtica e obsoleta de manteras polcias militares como foras auxiliares, estabelecendo uma tutela prejudicial, que refora privilgioscorporativos e impede a unificao das polcias.

    Do ponto de vista prtico, o ideal paralisar as carreiras existentes e comear uma carreira inteiramentenova, sob novas regras, para a qual no haja acesso da velha. Os cargos das carreiras interrompidas seriamextintos medida em que fossem vagando, por aposentadoria, dispensa ou morte. Seria muito bom que houvesseincentivo aposentadoria antecipada, para acelerar o processo de renovao. A nova carreira teria um novoregime de seleo, recrutamento e treinamento, unificado, cuidando-se para identificar as vocaes para aatividade judiciria e de policiamento ostensivo. Todas as regras hoje existentes deveriam ser revistas, inclusiveaquelas que habilitam aos concursos, at mesmo para delegado de polcia.

    II. A polcia federal tambm precisa ser radicalmente reestruturada. Para isto importante que se reveja,inicialmente, a legislao criminal, de modo a redefinir os crimes federais, reorientando, federativamente, todaa legislao e dando polcia federal capacidade de subordinao das demais esferas, ao lidar com ofensasfederais. H um vcio organizativo, oriundo do regime militar e do Decreto-lei 200, que a estruturaosistmica centralizadora. Criaram-se vrios sistemas nacionais disto e daquilo, cortando de forma imprpriaa estrutura federativa e imaginando a possibilidade de uma articulao entre nveis de governo, entreagncias de diferentes jurisdies governamentais, no mesmo nvel de governo e a proliferao de conselhos,destinados, em parte, tambm tarefa de articular. empiricamente indisputvel, raramente se viu algumcaso bem sucedido dessa tal articulao. preciso rever esta viso sistmica, descentralizar, evitarjustaposio de competncias e, quando houver, estabelecer um princpio hierrquico unvoco. Por exemplo,se numa determinada situao predominam as ofensas federais, prevalece a autoridade da Polcia Federal,

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    !SDAainda que as polcias locais continuem nas investigaes. Em outros casos, dever prevalecer a autoridadelocal, ainda que a Polcia Federal tenha interesses, no dominantes, envolvidos no caso.

    preciso que a Polcia Federal passe a ser mais atuante e mais eficiente na rea da informao e dainteligncia, inclusive na proviso de informao sobre criminalidade.

    III. A norma, de inspirao militar, que veda o uso de armamento pesado s polcias , evidentemente,insustentvel. Primeiro, porque no sensata, nem prtica. Coloca a polcia em tal desvantagem em relaoao banditismo, que chega a ser uma norma abusiva. Segundo, porque ela evidentemente no respeitada, apenas mais uma instncia em que a norma transgredida por absurda, mas como no revista, alimenta ocinismo nacional. Nenhum policial se envolve em aes contra o banditismo portando apenas o armamentolegal. O problema que, ao fazer uso de expedientes ilegtimos e at ilegais, para obter armamento quelhe vedado portar, cria todo um circuito de transgresses, no raro em interseo com o crime e acorrupo. A polcia deve ter o armamento tecnicamente recomendado para as aes que executa. AsForas Armadas no esto tecnicamente habilitadas, nem deveriam ter autoridade, para decidir sobre isto.

    IV. As dificuldades hoje impostas criao de polcias municipais, precisam ser eliminadas. Polciatem que ser armada, municipal, estadual e federal. Armada tecnicamente, de acordo com as aes queexecuta. Dizer que armar melhor as polcias e criar polcias municipais armadas aumenta a circulao dearmas e a violncia equivocado e hipcrita. A violncia policial no causada pela arma que o policialporta, mas por todas as distores e deformaes que caracterizam a organizao policial atualmente e uma

    srie de outros fatores a ela externos. De incio, mais por razes de natureza fiscal, a criao de polciasmunicipais - verdadeiras - deveria ficar restrita s capitais e cidades de grande porte. A legislao deveriacuidar de definir as atribuies da polcia municipal, certamente predominantemente de policiamentoostensivo.

    V. O modelo policial adotado nos Estados Unidos deve ser examinado porque se trata de um pas deescala semelhante do Brasil, que muda com muita rapidez, tem uma estrutura social fluida, de altamobilidade, mas tambm discriminao racial e pobreza. Sobretudo, um pas presidencialista efederativo. Nosso federalismo foi copiado dos EUA. As adaptaes necessrias, dadas as especificidades deum e outro pas, no impedem que o modelo dos EUA seja mais apropriado ao Brasil, do que qualquermodelo europeu. Por outro lado, querer inventar a roda s tolice, que custa aos cofres pblicos e ao bem-estar. Finalmente, vrias solues, para problemas de descentralizao, definio de atribuies,jurisdies, autoridade, entre os diferentes nveis da federao, na rea criminal e policial, foram testadas e

    tm tido sucesso. A experincia com polticas pblicas nos EUA muito grande e h uma tradio deavaliao de polticas pblicas muito importante. Desta forma, possvel ver o modelo funcionando e obteravaliaes e crticas. A partir da, o desenvolvimento de modelos prprios, adequados ao Brasil, se tornamuito mais fcil.

    VI. As delegacias de polcia precisam ser inteiramente reformuladas, para se tornarem centros deatendimento aos cidados. A carceragem deve ser dimensionada apenas para a guarda transitria decriminosos e agressores. Os casos de maior violncia ou periculosidade, no podem ficar nas delegacias,devendo ser encaminhados para locais apropriados. A autoridade policial na delegacia, que recebe oscidados, deve ser fardada e dotada de todos os sinais adequados de identificao de uma autoridadepblica, com misso especfica na rea da segurana pblica. No raro o sentimento relatado por muitaspessoas, que se vem foradas a irem a delegacias, de temor, de confuso sobre a identidade dos elementosque se encontram ostensivamente em funo, tal a sua aparncia. As delegacias maiores, em reas-

    problema, devem contar com servios permanentes de assistncia social e de defensoria pblica. A reformadas delegacias, fsica e operacional, no pode ser feita sem a reengenharia da polcia e a reforma doscdigos penal e de processo.

    O COMBATE TIRANIA

    At hoje, a questo das favelas tem sido examinada, como tema de polticas pblicas, no contexto dapoltica urbana - hoje praticamente inexistente na maioria das capitais - e no campo das polticas sociais. Naquesto da segurana pblica e dos direitos de cidadania, tm prevalecido a omisso, o preconceito e amanipulao. preciso enfrentar este problema de frente. A favela, hoje, uma questo de segurana pblica, no

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    !SDAporque l morem pobres e miserveis prontos a saquear as cidades, mas porque nelas se instalam o narcotrfico eo banditismo. A favela constitui um desafio no campo dos direitos de cidadania, no exclusivamente, nemprincipalmente, por causa das carncias que abriga. H outras reas das cidades, no faveladas, onde h tanta oumais carncia. A carncia um tema em si de polticas pblicas e de direitos sociais de cidadania. A favela, aocontrrio, o , como organizao scio-poltica, como espao onde se organizou um regime de tirania privada ecriminosa, que precisa ser eliminado.

    Como aglomerao urbana, cada favela deve ser analisada objetivamente, sob todos os aspectos. Halgumas, no Rio de Janeiro, por exemplo, em reas crticas, de insegurana fsica, ameaadas de desabamento,com grande perda de vidas, em caso de chuvas fortes. Tm que ser erradicadas. H outras, assentadas nas margensde rios urbanos, estreitadas pelo assoreamento, tambm tm que ser erradicadas. Outras, podem ser urbanizadas etransformadas em bairros populares.

    A questo principal acabar com a mistificao. Nem toda favela pode ser mantida. Nem toda ocupaourbana legtima ou legal, ou ambas. Toda favela dominada pela ao tirnica do narcotrfico e/ou dobanditismo, deve ser selecionada para ao policial prioritria, estadual e federal, objetivando terminar aocupao bandoleira, liberando a comunidade do opressor e restaurando condies mnimas de existncia emliberdade. Esta ao no nega, exclui ou inclui assistncia social, combate pobreza, solidariedade ou qualqueroutra questo. Ela no tem contedo social, mas poltico, de liberao de territrio ocupado pelo banditismo erestaurao dos direitos de ir e vir, vida e liberdade da populao.

    POLTICAS PBLICAS PARA A SEGURANAH pelo menos quatro temas que esto pedindo mais atento debate e providncias prticas, no campo das

    polticas pblicas voltadas para a segurana dos cidados.

    I. Reviso geral da legislao, no apenas no sentido de atualizar os cdigos, mas de adotar uma posturarealmente federativa sobre polcia, criminalidade, presdios, informao e inteligncia.

    II. Uma nova poltica penitenciria, que adeqe o sistema penitencirio s necessidades locais e nacionais; quelibere a carceragem das delegacias e viabilize sua transformao em centros de atendimento para a seguranado cidado. O sistema precisa ser desenhado de modo a minimizar os efeitos nocivos da convivncia entrecondenados por ofensas e crimes de porte distinto, entre primrios e reincidentes. preciso criar uma rede depenitencirias federais, para os que cometam ofensas que venham a ser definidas como crime federal,desobrigando estados e municpios. O sistema penitencirio tambm precisa ser federalizado.

    III. Uma nova poltica criminal que contemple a federalizao, que d nfase preveno e recuperao.Tratamento novo e diferenciado ao porte e consumo de drogas. preciso, porm, cuidado com a extenso emque se reduz o grau de represso envolvido. O Brasil certamente, pelos nveis de desregramento e alienao,pelos dficits de escolarizao, orientao paterna e materna e pelo baixssimo grau de auto-disciplinainserida na formao moral da populao, no comporta a total liberao das drogas, mesmo as mais leves,como a maconha. O que se denomina descriminalizao uma hiptese no testada de excessivaliberalidade. Tem dado certo em algumas experincias e em outras no. preciso liberalizar, mas muitorelativamente, objetivando evitar que consumidores eventuais e viciados sejam tratados comonarcotraficantes. Mas preciso manter altas as barreiras institucionais e legais ao uso de drogas. A poltica,nesta rea, deve incluir estmulos criao de qualificao na reabilitao de drogados e de centros dereabilitao, sobretudo no mbito comunitrio. Quanto mais global a orientao e mais local a ao, nestecampo, melhor.

    IV. Reviso do conjunto de servios associados prestao do servio de segurana, de modo a nocircunscrever a priso apenas ao policial, mas associ-la, imediatamente, conforme o caso, ao doMinistrio Pblico, da Defensoria Pblica, da assistncia social especializada.

    V. Uma poltica de inteligncia e informao que contemple, no mnimo, as seguintes providncias:

    a). A incluso nas PNADS do IBGE, como anexo permanente, de um surveyde vitimizao, que permita medir:os tipos de crimes e agresses e sua freqncia, nos seis meses anteriores pesquisa; a caracterizao sociolgicadas vtimas, por educao, idade, renda, sexo, etnia, moradia e outros atributos pertinentes; a caracterizao da

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    !SDApessoa como vtima - primria, mais de uma vez, etc.; a conscincia da vitimizao, ter parentes, amigos, etc...,que foram vtimas, no perodo, de que agresses.

    b). A implementao, pela Polcia Federal, de um sistema de informaes sobre violncia e criminalidade.

    c). A criao de normas e fluxos para a sistematizao da informao sobre violncia e criminalidade, comoobrigao, portanto de carter compulsrio, para as polcias, os institutos mdico-legais e outras organizaes

    pertinentes.d). O estmulo pesquisa sobre violncia e criminalidade, principalmente, mas no exclusivamente, por meio doacesso informao. A poltica de pesquisa deve estar atenta para a natureza aplicada dos estudos, voltados para aformulao e avaliao de polticas pblicas de segurana do cidado.