Abelhas Saf Jussara

4

Click here to load reader

Transcript of Abelhas Saf Jussara

Page 1: Abelhas Saf Jussara

POLINIZAÇÃO DE EUTERPE EDULIS (ARECACEAE) POR ABELHAS EM SISTEMA AGROFLORESTAL NA ILHA DE SANTA CATARINA

Livia Leal Dorneles1, Marília Terezinha Padilha2, Paul Richard Momsen Miller3, Pedro Faria

Gonçalves4, Josefina Steiner1 & Anne Zillikens5 1Laboratório de Abelhas Nativas da UFSC, Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento

de Biologia Celular, Embriologia e Genética, Florianópolis, SC. ([email protected]), 2Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Zootecnia e Desenvolvimento Rural, 3Universidade

Federal de Santa Catarina, Departamento de Engenharia Rural, 4Produtor familiar, 5Universidade de Tübingen- Naturwissenchaftliches Forschungszentrum, Tübingen, Alemanha.

RESUMO O palmiteiro juçara (Euterpe edulis) é uma espécie-chave da Mata Atlântica. Ameaçado pela extração predatória do seu palmito, hoje a comercialização dos seus frutos em forma de polpa de açaí garante a perpetuação da espécie e promove uma nova alternativa de renda para produtores rurais. Uma vez que esta palmeira é tolerante ao sombreamento e permite passagem de luz através de seus ramos, seu cultivo em sistema agroflorestal com outras espécies arbóreas e herbáceas proporciona o incremento da fauna de abelhas nativas, polinizadores potenciais de suas flores. O objetivo deste estudo foi identificar as abelhas e outros insetos polinizadores das flores do palmiteiro cultivado em sistema agroflorestal por um pequeno produtor familiar na Ilha de Santa Catarina. Abelhas-sem-ferrão (Apidae: Meliponini) e abelhas-do-suor (Halictidae) coletam recursos (néctar e pólen) tanto em flores masculinas quanto femininas, assim polinizam efetivamente a planta, podendo garantir uma maior produção de frutos. Abelhas nativas são essenciais para a polinização de diversas espécies florestais e são mais diversas e abundantes em habitats menos perturbados como os sistemas agroflorestais. Este agricultor já cria algumas das espécies de abelhas-sem-ferrão importantes para polinização do palmiteiro; outras espécies sociais vivem na floresta mantida na propriedade pelo agricultor e também podem ser criadas. Já as espécies solitárias não podem ser criadas, apenas mantidas através da preservação da mata. Palavras-chave: Euterpe edulis, polpa de açaí, polinização, produção de frutos, abelhas nativas INTRODUÇÃO As palmeiras (família Arecaceae) apresentam distribuição pantropical, com cerca de 200 gêneros e 2000 espécies; ocupam quase todos os habitas e são os maiores símbolos das florestas tropicais. No Brasil existem 119 espécies em 39 gêneros (Lorenzi, 1996). As espécies desta família desempenham papéis importantes na estrutura e funcionamento de diversos ecossistemas, também pela rede de interações com polinizadores e dispersores. No entanto muitas espécies estão ameaçadas pela exploração de seus produtos pelo homem e pela destruição de seus habitats (Pires, 2006). O gênero Euterpe compreende 7 espécies distribuídas na América do Sul e Central, em florestas de terras baixas e montanhas de florestas tropicais. São encontradas 5 espécies no Brasil (Henderson, 2000): Euterpe edulis, E. catinga, E. oleracea, E. longebracteata e E. precatoria. A primeira se distribui até o sul do Brasil pela costa Atlântica, as demais espécies distribuem-se na Floresta Amazônica. No norte do Brasil é comum o fabrico e consumo cotidiano do “famoso e nutritivo” vinho de açaí (Correa, 1969), proveniente dos frutos de E. precatoria e E. oleracea, comercializado em forma de polpa de açaí. Euterpe edulis é uma palmeira não estolonífera, de folhas pinadas e inflorescência com ráquis central e muitas ráquilas com flores em tríade (uma feminina e duas masculinas). Os cachos são formados por frutos drupáceos, esféricos, de cor quase preta quando maduros com mesocarpo carnoso (Reitz, 1974). O fruto do palmiteiro pesa em média 1 grama e as infrutescências podem atingir 5 kg (Reis, 1995). A espécie é encontrada na Floresta Ombrófila Densa, sendo seu principal habitat ao longo da costa atlântica. A distribuição geográfica desta espécie vai desde o Rio Grande do Norte até o Rio Grande do Sul, em florestas tropicais (Henderson, 2000). Ocupa o estrato médio da floresta, é uma planta tolerante à sombra e dominante neste estrato. Em virtude do intenso extrativismo do seu palmito a regeneração natural pode estar comprometida, pois o corte de todos os indivíduos das populações nativas de palmiteiro ainda é a prática mais comum (Reis & Kageyama, 2000).

Page 2: Abelhas Saf Jussara

Em relação à reprodução E. edulis pode ser considerado autocompatível, mas com reprodução predominantemente alógama e polinizada por uma diversidade de insetos (entomófila); mas o vento pode colaborar na polinização (Mantovani, 1998). De acordo com Fisch et al. (2000), a floração do palmiteiro ocorre uma vez por ano e pode-se estender de agosto até janeiro, ocorrendo sobreposição entre florescimento e frutificação. É uma planta monóica, polinizada por insetos e dispersada por aves e mamíferos (Fisch et al., 2000; Castro, 2007). Correa (1969) cita para Euterpe edulis o uso do “vinho de cor roxa-escura muito saboroso”, semelhante ao açaí da Amazônia. A referência mais antiga sobre a produção de açaí em Santa Catarina está relacionada ao estabelecimento de um projeto de colonização na região de Urussanga em 1877. O responsável pela instalação dos colonos foi um engenheiro maranhense que trouxe consigo sua família e outras pessoas. Deste grupo fazia parte Luiza Amalia, encarregada da alimentação da família, que preparava uma emulsão tomada como refresco com a casca do coco do palmito doce (Ferreira, 2001). Euterpe edulis tem grande potencial para cultivo em sistema agroflorestal, onde se procura aumentar a produção de forma contínua, combinando produção de árvores com espécies agrícolas e animais na mesma área. A diversificação na vegetação gerada por este sistema melhora o ambiente para a fauna silvestre, oferecendo fontes de madeira, matéria orgânica, recursos florais, modificando o microclima e outros processos (Altieri, 2002). Abelhas silvestres influenciam diretamente no sucesso da produção, são mais diversas e abundantes próximas aos habitats naturais e remanescentes florestais próximos aos cultivos aumentam a atividade dos polinizadores (Ricketts, 2003). Este estudo tem por objetivo identificar os principais polinizadores de Euterpe edulis cultivado em sistema agroflorestal em uma propriedade familiar no noroeste da Ilha de Santa Catarina e promover alternativas para aumento da produção de frutos desta espécie. METODOLOGIA A pesquisa de campo foi realizada de novembro/2008 a março/2009, em uma propriedade agroflorestal localizada no noroeste da Ilha de Santa Catarina, bairro Ratones. A propriedade familiar possui cerca de 11 ha, sendo 2 ha de área habitada com poucas construções, horta, agrofloresta e meliponário. Os outros 9 ha são de mata secundária nativa. A agrofloresta manejada pelo produtor consiste principalmente de palmiteiros, bananeiras, mirtáceas, fabáceaes, bromeliáceas e outras plantas nativas. As observações e coletas foram realizadas com a ajuda de um andaime construído no local para melhor acesso às inflorescências de Euterpe edulis. Foram realizadas observações diretas nas flores masculinas e femininas, uma vez por semana, no período das 0800 às 1600 h. Foram registrados em uma planilha os seguintes dados sobre os visitantes: espécie (ou morfoespécie), horário, recurso coletado, comportamento da abelha e manipulação de estames e estigmas. A formação de frutos também foi acompanhada no mesmo período. RESULTADOS Foram observados visitando as flores do palmiteiro diversos insetos pertencentes às ordens Hymenoptera (abelhas, vespas e formigas), Diptera (moscas e mosquitos), Coleoptera (besouros) e Lepidoptera (borboletas). As abelhas visitantes podem ser vistas na tabela 1. Os insetos iniciavam a visitação desde a antese das flores, sendo muito comuns moscas e abelhas tanto em flores masculinas como femininas. As diversas espécies de moscas procuravam apenas néctar nas flores, enquanto as abelhas coletavam tanto néctar quanto pólen, retendo uma maior quantidade de grãos de pólen no corpo. A oferta de recursos florais pela planta atrai uma vasta diversidade de visitantes, sendo todos estes insetos capazes de coletar os recursos. A presença dos insetos nas flores de ambos os sexos é o que pode garantir a polinização. DISCUSSÃO Venturieri (2008) pesquisou os polinizadores de Euterpe oleraceae no estado do Pará, encontrando fortes interações desta planta com meliponíneos. O autor listou como visitantes florais onze espécies de abelhas-sem-ferrão, abelhas Halictidae, Apis mellifera, besouros, moscas, vespas e formigas, mas enfatizou a importância do manejo de colônias de meliponíneos para incrementos na produção do açaí. Os resultados deste estudo corroboram com Venturieri (2008), onde os mesmos grupos de insetos foram observados. A presença de abelhas-sem-ferrão, aumentada pela criação racional de espécies deste grupo, pode garantir uma maior produção de frutos por estação

Page 3: Abelhas Saf Jussara

Tabela 1: lista de abelhas visitantes das flores do palmiteiro, presença nas flores femininas e masculinas e freqüência de visitação.

Família Espécie Flores ♀ Flores ♂ Freqüência Apidae Apis mellifera X X PF Plebeia droryana X X MF Plebeia remota X X MF Plebeia emerina X X F Trigona spinipes X PF Bombus morio X PF Bombus brasiliensis X PF Halictidae Neocorynura sp X X MF Augochlora sp. X X MF Augochlorella sp. X X F Augochloropsis sp. X X PF Dialictus sp. X X MF Agapostemom sp. X X PF Habralictus sp. X X F Símbolos: PF: pouco freqüente, F: freqüente, MF: muito freqüente.

Mihalkó (2001) estudou os recursos florais utilizados por quatro espécies de meliponíneos na Ilha de Santa Catarina, entre estas Plebeia droryana e P. emerina, e encontrou diversas famílias de plantas, estando Arecaceae entre as mais importantes. A autora observou que estas abelhas utilizaram principalmente palmeiras como fonte de pólen, o que evidencia a importância destas plantas para abelhas. Neste estudo abelhas do gênero Plebeia foram os mais freqüentes visitantes florais, ressaltando a possibilidade de manejo de colônias destas espécies para aumentar a abundância de polinizadores. Moscas e abelhas foram especialmente abundantes em flores masculinas e femininas, podendo ser consideradas polinizadores potenciais desta palmeira devido à morfologia floral da espécie, com flores unissexuais afastadas temporalmente. Algumas abelhas de maior porte coletavam apenas pólen, deixando de visitar flores femininas, mas espécies menores de abelhas visitavam com freqüência flores de ambos os sexos, coletando recursos de ambas as fontes. Este comportamento de coleta proporciona o incremento da polinização, sendo os grãos de pólen transportados com facilidade das anteras das flores masculinas para o estigma das femininas. As abelhas-sem-ferrão (Apidae: Meliponini) são um grupo de abelhas altamente sociais, produtoras de mel e nativas das regiões tropicais, inclusive do Brasil, onde apresentam grande dispersão (Roubik, 1989). A criação racional destas abelhas para fins comerciais denomina-se meliponicultura, uma prática que está em plena ascensão no norte, sudeste e nordeste do Brasil, mas no sul ainda é pouco conhecida. O uso de meliponíneos para polinização é ótimo para pequenos agricultores, pois são fáceis de manejar, baratos e apropriados para áreas pequenas (Castro et al., 2006). Suas colônias são perenes e podem ser multiplicadas, transportadas e abertas para inspeção e extração de mel e pólen (Heard, 1999). O produtor agroflorestal cria cerca de 5 espécies de meliponíneos: Tetragonisca angustula, Melipona quadrifasciata, M. marginata, Plebeia droryana e P. emerina. As duas últimas são importantes polinizadoras do palmiteiro, mas o agricultor possui apenas uma caixa de cada, insuficiente para garantir a produção de frutos. A espécie Plebeia remota é também polinizadora do palmiteiro, nativa da floresta e por ser social pode ser criada racionalmente. As abelhas-do-suor (Halictidae) são outro grupo de polinizadores muito importantes observados no palmiteiro. Não podem ser criados racionalmente, mas são comuns em diversos ecossistemas, inclusive restingas e abundantes na Ilha de Santa Catarina; fazem ninhos subterrâneos escavados em areia, terra macia ou barrancos. São tolerantes às perturbações humanas e estabelecem-se facilmente em locais que apresentam recursos para nidificação (Roubik, 1989). Para mantê-las o habitat deve ser manejado promovendo fontes de alimento e locais para ninhos. Abelhas nativas são essenciais para a polinização de diversas espécies florestais e são mais diversas e abundantes em habitats menos perturbados como os sistemas agroflorestais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Altieri, MA. 2002. Agroecologia: bases científicas para uma agricultura sustentável. Ed. Agropecuária, Guaíba, RS. 592 p. Calvi, GP & Pina-Rodrigues, FCM. 2005. Fenologia e produção de sementes de Euterpe edulis Mart. em trecho de floresta de altitude no município de Miguel pereira – RJ. Revista Universidade Rural, Seropédica, 25: 33-40.

Page 4: Abelhas Saf Jussara

Castro, ER. 2007. Fenologia reprodutiva do palmito Euterpe edulis (Arecaceae) e sua influência na abundância de aves frugívoras na Floresta Atlântica. Tese (Doutorado em Biologia Vegetal) – Instituto de Biociências, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, SP. Castro, MS; Koedam, D; Contrera, FAL; Venturieri, GC; Parra, GP; Malagodi-Braga, KS; Campos, LO; Viana, M; Cortopassi-Laurino, M; Nogueira-Neto, P; Peruquetti & Imperatriz-Fonseca, VL. 2006. Bee managment for pollination purpouses (C- Stingless bees). In: Imperatriz-Fonseca, VL; Saraiva, AM & De Jong, D (eds.). Bees as pollinators in Brasil. Holos Editora, Ribeirão Preto. 111 p. Correa, MP. 1969. Dicionário das plantas úteis do Brasil. 1 ed. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional. v.1. 687 p. Ferreira, FLV. Azambuja e Urussanga: memória sobre a fundação de uma colônia de imigrantes italianos em Santa Catarina. 2° Ed. Orleans: Gráfica do Lelo Ltda., 2001. 102p. Fisch, STV; Nogueira Jr, LR & Mantovani, W. 2000. Fenologia reprodutiva de Euterpe edulis Mart. na Mata Atlântica (Reserva Ecológica do Trabiju, Pindamonhongaba – SP). Revista Biociências, Taubaté, 6: 31-37. Heard, TA. 1999. The role of stingless bees in crop pollination. Annual Review of Entomology, 44: 183-206. Henderson, A & Galeano, G. Euterpe, Prestoea, and Neonicholsonia (Palmae). New York, The New York Botanical Garden, 1996. Lorenzi, H. 1996. Palmeiras no Brasil, nativas e exóticas. Instituto Plantarum, Nova Odessa, 303p. Mantovani, A. 1998. Fenologia e aspectos da biologia floral de uma população de Euterpe edulis Martius na Floresta Atlântica no Sul do Brasil. Dissertação de Mestrado UNESP, Rio Claro, SP, Brasil. 66. pp. Mihalkó, Z. 2001. Trachtnutzung durch einheimische stachellose bienen und eingebürgerte afrikanisierte honibienen in einen subtropischen regenwald: fallstudie Santo Antonio de Lisboa, Florianópolis, SC, Brasilien. Diplomarbeit der fakültat für biologie der Universität Tübingen. Pires, AS. 2006. Perda de diversidade de palmeiras em fragmentos de Mata Atlântica: padrões e processos. Tese de Doutorado, Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, 108p. Reis, A & Kageyama, PY. 2000. Dispersão de sementes do palmiteiro (Euterpe edulis Martius – Palmae). In: M. S. Reis & A. Reis (Eds.). Euterpe edulis Martius – (Palmiteiro) biologia, conservação e manejo. Herbário Barbosa Rodrigues, Itajaí, pp: 60-92. Reis, A. 1995. Distribuição de sementes de Euterpe edulis Martius – (Palmae) em uma Floresta Ombrófila Densa Montana da Enconta Atlântica em Blumenau, SC. Tese de Doutorado (Propgrama de Pós Graduação em Biologia Vegetal – Universidade Estadual de Campinas). Reitz, R. 1974. Palmeiras. In: Flora ilustrada catarinense (R. Reitz, ed.). Herbário Barbosa Rodrigues, Itajaí. Ricketts, TH. 2003. Tropical forest fragments enhance pollinator activity in nearby coffee crops. Conservation Biology, 18: 1262-1271. Roubik, DW. 1989. Ecology and Natural History of Tropical Bees. Cambridge, UK: Cambridge Univ. Press. 514 p. Venturieri, G. 2008. Floral biology and management of stingless bees to pollinate assai palm (Euterpe oleracea Mart., Arecaceae) in eastern amazon. In: Pollinators Management in Brazil. Ministério do Meio Ambiente, Brasília.