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Feminino, Gama

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capa do livro Conversas que tive comigo, do líder sul-africano Nelson Mandela, se destaca numa prateleira que fica em frente à porta e chama a atenção de quem entra na biblioteca instalada logo no início de um amplo pátio interno do Presídio Feminino do Distrito Federal. Os textos escritos na cadeia pelo homem que passou 27 anos de sua vida en-carcerado por lutar contra o apartheid na África do Sul e buscar justiça e igualdade social para o seu povo dividem espaço com livros didáticos, au-tores como Graham Green, Jorge Amado, George Orwell e muitos outros, além de publicações religiosas de crenças diversas.

Mas o que mais atrai as internas que chegam até ali são as obras psi-cografadas pela escritora espírita Zibia Gasparetto, uma campeã de ven-das com dezenas de títulos como O amor venceu, Pelas portas do coração, Conversas contigo, todos com relatos de superação, amor, perdão e outras vivências. “Quando os livros dela chegam, todas querem, é uma disputa,

Biblioteca Maria da PenhaPresídio Feminino do Distrito Federal

Mandela procura o positivo, o construtivo. Escolhe passar sobre o negativo. Faz isso por duas razões: porque instintivamente vê o

que há de bom nas pessoas e porque intelectualmente acredita que ver o que há de bom nos outros pode realmente torná-los melhor.

(Os caminhos de Mandela – lições de vida, amor e coragem, de Richard Stengel)

Acesso à leitura abre horizontes, alimenta mudanças positivas, contribui para o processo de reinserção social e

ajuda a prevernir a reincidência[ ]

Uma porta

A

aberta

“Nós somos o que nós lemos. A biblioteca foi uma das poucas atividades que

me fizeram bem aqui na penitenciária”, escreveu

uma das detentas

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conta a agente policial de custódia Ivone Tôrres Lima, uma recifense que virou pioneira na capital federal quando desembarcou na cidade, em 1960, dois meses depois de Juscelino Kubitschek inaugurar Brasília.

Desde que entrou na carreira na Polícia Civil, em 2004, Ivone acompa-nha a rotina das mulheres que cumprem pena entre as paredes gradeadas daquele prédio plantado na área leste da cidade brasiliense do Gama, mas isolado da movimentação urbana da região. “Antes, no horário do pátio, elas ficavam à toa, faziam brincadeiras de bola, se machucavam, tinha que levar para o hospital, era uma correria só.” Depois da criação da Biblioteca Maria da Penha, em 1º de agosto de 2008, já se veem grupos espalhados pelos can-tos, lendo, compara a policial. “Houve uma calmaria, uma acomodação.”

O nome da biblioteca é um reconhecimento à farmacêutica bioquímica cearense Maria da Penha Maia Fernandes, que foi baleada pelo ex-marido, enquanto dormia, e ficou paraplégica, em 1983. A cadeira de rodas a que fi-cou condenada na tentativa de homicídio que sofreu não conseguiu impedir a sua busca por justiça, que chegou até à Organização dos Estados America-nos (OEA). E sua dura e longa batalha para impedir que o agressor ficasse impune acabou se transformando numa bandeira da luta feminina pelo fim da violência familiar e na lei que ganhou o seu nome, 23 anos depois.

A unidade que homenageia a ativista pela dignidade da mulher foi a primeira de uma série de treze criadas pelo projeto Bibliotecas do Saber no sistema prisional de Brasília. A ideia é contribuir, com o acesso à leitu-ra, para o processo de reinserção social e de prevenção da reincidência no crime. O presídio feminino ganhou mais uma, batizada pelas internas de Cora Coralina, a poetisa e doceira goiana que virou referência, no museu que preserva o seu legado, para os turistas que visitam a histórica cidade de Goiás, a 280 quilômetros de Brasília.

Outras sete bibliotecas foram instaladas nos presídios masculinos, e quatro em unidades de internação de menores infratores – em uma delas, no Recanto das Emas, Cora Coralina também foi o nome escolhido. “A leitura abre os horizontes, contribui para a recuperação”, comemora a de-legada da Polícia Civil Deuselita Pereira Martins. Desde 2007 no bem-su-cedido comando do presídio, que lhe rendeu uma homenagem da Ordem dos Advogados do Brasil no Distrito Federal (OAB-DF) em 2011, ela busca na parceria com a equipe do projeto Bibliotecas do Saber mais uma ferra-menta para apoiar o difícil processo de ressocialização.

O desafio ganha sinais de alerta a cada ano, com a crescente entrada de mulheres no mundo do crime, admite a diretora. Brasiliense filha de família goiana, ela começou a carreira como escrivã, em 1986, e dez anos depois

conquistou uma das vagas no concorrido quadro de delegados da capital da República. Nos primeiros sete anos de trabalho no presídio, ela viu o nú-mero de mulheres cumprindo pena passar de 377 para 669. A média seguiu nessa faixa. Em 2016, os registros apontam 665 mulheres e 98 homens, que ocupam um pavilhão separado, para receber tratamento psiquiátrico, e não podem cumprir pena nos presídios masculinos, por determinação judicial.

“A cultura sempre ajuda a vencer as barreiras da reinserção social”, acredita Deuselita. Com as bibliotecas, as iniciativas se multiplicaram: “A leitura provocou atividades que fizeram a diferença, como o concurso de redação que a equipe da Cascol fez, em 2008”, conta a diretora. O tema “O que mudou na minha vida depois da biblioteca” mexeu com a cabeça das internas. “Foi genial a ideia de trazer a biblioteca para o pátio”, escreveu J. S., terceiro lugar. “Onde havia vazio, existe agora aventura.” Segunda colo-cada, R.T. foi além. “Nós somos o que nós lemos. A biblioteca foi uma das poucas atividades que me fizeram bem aqui na penitenciária”, escreveu.

Vencedora da disputa, M. J. disse que “o livro alimenta a mente daquele que deseja crescer e evoluir, esperança na vida de quem deseja descobrir um modo de mudar e agir”. No texto, reflete que encontrou na leitura “har-monia para todos os sofrimentos” e uma “porta de oportunidades”, que ela traduziu na palavra saber. A diretora do presídio concorda. “A biblioteca pode ser resumida como uma janela para o mundo. Para quem está preso é uma forma de acesso à liberdade. Temos várias histórias de sucesso aqui”, orgulha-se Deuselita. “A A. L. é uma delas, chegou sem o ensino médio, terminou aqui dentro e agora já orienta as outras na biblioteca.”

Treinada para enfrentar as duras atribuições da Polícia Civil e a tensa ro-tina do presídio, a diretora se comove com as histórias de recuperação. “Um dia, uma das internas me disse que foi criada dentro de uma boca de fumo: ‘Não tive mãe, o que eu tinha era uma parceira de crime.’ Ela começou a ver o que era certo e o que era errado depois de começar a ler”, conta. “Quando saiu daqui, há três anos, era outra pessoa, com a mente organizada, sabia o que queria e acabou conseguindo montar um pequeno negócio.”

Responsável por cuidar da biblioteca, A. L., 23 anos, faz o controle da entrada e saída de livros e considera o trabalho “uma remissão boa, porque é tranquilo, fico aqui o dia inteiro, leio”. A remissão é um sistema de per-dão que abate as horas trabalhadas no tempo a cumprir de pena. “Elas já têm esse benefício pelas horas estudadas”, explica Deuselita. A cada doze horas, ganham um dia de perdão na pena.

A possibilidade de reduzir a pena será reforçada por um projeto de re-missão pela leitura que está pronto e depende apenas de regulamentação.

A cultura sempre ajuda a vencer as barreiras da reinserção social”, acredita Deuselita. Com as bibliote-cas, as iniciativas se multiplicaram: “A leitura provocou atividades que fizeram a diferença, como o concurso de redação”

“Um dia, uma das internas me disse que foi criada den-tro de uma boca de fumo: ‘Não tive mãe, o que eu tinha era uma parceira de crime.’ Ela começou a ver o que era certo e o errado depois de começar a ler”

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“Falta definir questões como quantos livros, o tempo para abater, como a leitura será avaliada, como será feito o controle.” Quando esse detalha-mento ficar pronto e a Vara de Execuções Penais der o sinal verde, o traba-lho de Amanda na biblioteca deverá aumentar.

“As meninas pedem livros, me perguntam o que é melhor para ler, e aju-do a escolher”, diz a jovem nascida em Brasília que não gosta de falar sobre o crime que a levou até ali e sonha estudar direito ou “psicologia como se-gunda opção”. Ela ainda não teve curiosidade de abrir o livro de Mandela, “um mito do nosso tempo, talvez o último herói puro do planeta”, como define o jornalista Richard Stengel, que o acompanhou por três anos para ouvir as suas lições de vida, amor e coragem.

A. L. diz que só lê publicações evangélicas. Na hora de indicar a leitura para as colegas, no entanto, não se aperta e recorre aos resumos. “Leio o que está escrito atrás e falo pra elas”, explica, mostrando uma contracapa. Perto de passar para o regime semiaberto, quando poderá sair para traba-lhar e voltar para dormir no presídio, A interna L. S., 26 anos, também encontrou refúgio e remissão na biblioteca, depois de trabalhar um tempo na cantina. “Foi bom porque sempre gostei de ler. Aqui o tempo é longo e os livros ajudam a passar.”

Mãe de uma menina de sete anos, L. S. sonhava ser juíza no início da adolescência, mas parou de estudar no segundo ano do ensino médio, quando engravidou. Só conseguiu terminar essa etapa depois que cruzou as grades do presídio. “Era uma coisa que me cobrava muito. Quero ir para a área da saúde. Minha mãe sempre trabalhou em hospital. Tenho meus planos”, conta. Um deles é se profissionalizar na área técnica e enfrentar o Enem para conseguir uma vaga na universidade.

A leitura ajuda a manter as ideias nos trilhos. “Mudou a minha manei-ra de falar, o meu comportamento com as pessoas, me ajuda a pensar. A biblioteca é sabedoria”, resume L. S.. “É conquista, porque cada livro que pega a gente adquire mais sabedoria”, concorda a interna M. S., 29 anos. “Agora estou gostando mais de ler livros cristãos, que falam sobre o amor, é o mais importante para a nossa vida.”

Carregando os erros do passado, os sonhos desfeitos e as esperanças em um futuro incerto, as jovens detentas são personagens de uma estatística assustadora que aponta a curva ascendente da participação de mulheres no mundo do crime, no período de 2000 a 2014. Nesses catorze anos da virada do século, a criminalidade feminina cresceu 567,4%, no país, contra 220,20% entre os homens, jogando o Brasil para o quinto lugar no ranking de países com mais mulheres em presídios, atrás apenas dos Estados Uni-dos, China, Rússia e Tailândia.

O número disparou de 5.601 para 37.380, enquanto o de homens cres-ceu de 169.379 para 542.401, de acordo com o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – Infopen Mulheres 2014, do Ministério da Justiça. A pesquisa aponta que 58% das detentas, aproximadamente, pos-suem “vinculação penal por envolvimento com o tráfico de drogas não re-lacionado a grandes redes de organizações criminosas”.

Mas o tempo em que a maioria das mulheres parava atrás das grades por se envolver com traficantes está ficando para trás. “Acho que a mulher chegou a um patamar em que para ela não existem mais barreiras”, diz a agente penitenciária Ivone Lima. “Antes, ela era submissa aos homens, que pediam para fazer determinada coisa e elas obedeciam, como no tráfico. Hoje, quer ser chefe de quadrilha. Elas chegam aonde querem.”

Ivone, no entanto, ressalta que “ainda não há estudos concretos ou uma avaliação científica sobre esse assunto”. Mesmo assim, o testemunho diá-rio da agente de custódia, desde que assumiu a função, em 2004, quando havia quase um terço do total de internas registrado em 2016, reflete essa transformação. A maioria, naquela época, se enquadrava entre as que eram flagradas ao levar drogas para os companheiros na prisão e outros crimes menores, como furto. Agora, há “muito homicídio e latrocínio, e mulheres na chefia de quadrilhas bem estruturadas”.

O perfil também mudou em relação à escolaridade. Muitas, segundo a agente, já chegam com a oitava série completa ou mais adiantada. Caso de A. J., 50 anos, que conta ter tomado “gosto pelos livros” depois da prisão. “Eu só tinha até a oitava. Aqui dentro passei a ler, consegui estudar e já estou no terceiro ano.” Os dados do Infopen 2014 revelam que 10% das mulheres presas têm o fundamental completo, 11% o ensino médio com-pleto e 14% o médio incompleto, enquanto 50% entram sem ter concluído o fundamental.

Mudanças de perfil

A. J., 50 anos, conta ter tomado ‘gosto pelos livros’ depois da prisão. ‘Eu só tinha até a oitava. Aqui dentro passei a ler, consegui estudar e já estou no terceiro ano’

“A leitura ajuda a manter as ideias nos trilhos. ‘Mudou a minha maneira de falar, o meu com-portamento com as pessoas, me ajuda a pensar. A biblio-teca é sabedoria’, resume L. S.

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É na hora de encaminhar as internas para o sistema escolar do presídio, onde elas podem receber aulas de alfabetização ao ensino médio, que Ivo-ne observa a mudança. “A gente vê que o nível de escolaridade aumentou porque não consegue mais fechar turma de primeiro ano do fundamental, por exemplo. Sobram vagas. Mas quando é turma do ensino médio, sobram detentas e faltam vagas.”

A oferta do ensino fundamental é obrigatória e faz parte dos investi-mentos que a lei determina como dever do Estado para prevenir o crime e preparar os presos para retomar a convivência social. O presídio femini-no estende essa oferta ao ensino médio e eventualmente oferece também cursos profissionalizantes técnicos em parceria com órgãos como o Senac, o Senai e o Instituto Federal Brasileiro (IFP). A iniciativa levou o Distri-to Federal a figurar no Infopen 2014, ao lado de Santa Catarina, como as únicas unidades da Federação “a apresentar dados de mulheres presas em cursos dessa natureza”.

A tarefa de promover a reinserção na sociedade é complexa. Dentro da cadeia, “à vida falta uma porta”, como nos versos de Entreter-se, de Ferreira Gullar: “À vida falta uma parte/– seria o lado de fora –/pra que se visse passar/ao mesmo tempo que passa/e no final fosse apenas/um tempo de que se acorda/não um sono sem resposta.” Com 48 anos de idade e uma pena ainda por cumprir, a interna M. C. vê no acesso à Biblioteca Maria da Penha um ponto de equilíbrio para essa resposta. “E também é liberdade, uma porta aberta para a gente ter conhecimento, ter entendimento das coisas que acontecem fora das paredes”, avalia.

Mas nem todas ainda compreenderam, como M. C., que precisam ze-lar para manter essa porta ao alcance. “Quando levam livros para a cela, muitos voltam faltando páginas, riscados”, conta Ivone. O descuido reflete a falta de zelo com os princípios da vida social e com a própria liberdade, e ilustra como o processo de reintegração tem múltiplas facetas, muitas delas difíceis de se lidar. Para ajudá-las a construir a base dos valores que precisam levar ao cruzar de volta os portões, a diretora Deuselita Pereira aposta na fonte inesgotável da leitura. “Os livros fazem a diferença. E a gente percebe isso no dia a dia. Elas mudam o comportamento, passam a interagir, trocam ideias e pedem livros para a gente.”

“Aprendi que o livro é muito importante pra nossa vida... A lidar me-lhor com as outras pessoas. Mudei as atitudes, meus pensamentos”, con-firma a interna E. R. Aos 50 anos de idade, ela enxergou o caminho. “A biblioteca te transforma, é como se eu estivesse no personagem. E neste momento esquecemos que estamos aqui sem saber como está o mundo lá

fora, a saudade da família. Conquistei muita coisa com a leitura.” Como M. J., que levou o primeiro lugar no concurso de redação do presídio, ela descobriu “a porta do saber”.

Escreveu Mandela, um dia, na prisão: “De fato, ‘os grilhões do corpo são asas para o espírito’. É assim o tempo todo, e sempre será assim. Shakespeare coloca a mesma ideia em As You Like It (como gostais) de um modo diferente: “Doces são os usos da adversidade,/Que como o sapo, feio e venenoso,/Usa ainda uma joia preciosa na cabeça.” (Conver-sas que tive comigo)

“Nossa, vó! Você está lendo?”Depoimento – M. P. R.

“A leitura é muito dignificante. Um dia o meu neto de treze anos veio me visitar, começou a comentar uns assuntos e eu disse que tinha lido aquilo num livro. Ele ficou muito surpreso e disse: ‘Nossa, vó, você está lendo? Eu fico muito feliz porque você está lendo!’ Minha vida era difícil e não tinha conseguido nem seguir o fundamental. Mas agora já estou fa-zendo a quarta série. A escola aqui é muito boa. E o meu neto falou que já tinha estudado as coisas que estou aprendendo e que vai me ajudar. Eu me senti muito orgulhosa de poder falar com ele sobre a escola, os estudos, coisa que não fazia lá fora. A biblioteca serviu de aproximação. Apesar dos nossos erros lá fora a gente tem que se atualizar mais e mais. É uma vitória muito grande pra mim.”

“A minha melhor amiga hoje”Depoimento – R. A. S.

“Passei praticamente 29 anos no mundo do crime. Fugi de casa aos seis anos com dois irmãos e a gente virou menino de rua. De vez em quando voltava e depois ia pra rua de novo. Minha vida tinha um sentido só, so-breviver àquele mundinho. Aqui a primeira coisa que me apresentaram foi um livro da Zibia [Gasparetto], aí tomei gosto. Hoje leio uns quatro por semana. Minha visão foi ampliada. Mudei o modo de tratar os outros, de respeitar para ser respeitada. Me proporciona uma viagem para mun-dos diferentes, outros países, possibilita entender uma educação diferente, que não tive. Me distrai, me ensina, me direciona. A biblioteca é a minha melhor amiga hoje. Estou prestes a sair e quero terminar meus estudos. Pretendo modificar a minha vida inteira lá fora.”

“Aprendi que o livro é muito importante pra nossa vida... A lidar melhor com as outras pessoas. Mudei as atitudes, meus pensamen-tos”, confirma a interna E. R.: “A biblioteca te trans-forma, é como se eu estivesse no personagem”

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Com as ideias nos trilhos: a leitura “mudou a minha maneira de falar, o

meu comportamento com as pessoas, me ajuda a pensar”, afirma L. S.