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ABORDAGENS CONTEMPORÂNEAS DA GESTÃO ESCOLAR Alice Happ Botler 1 Este texto tem por objetivo introduzir o leitor no debate contemporâneo a respeito da gestão escolar e educacional e, para tanto, discute a gestão democrática formalmente proposta no sistema educacional brasileiro e analisa suas tendências. Ao final, propõe uma perspectiva analítica baseada na abordagem da escola como organização comunicativa, focalizando a ética na gestão escolar. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9394/96) define as normas da gestão democrática do ensino público conforme os princípios da “participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola” e da “participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou equivalentes”, bem como “progressivos graus de autonomia pedagógica e administrativa e de gestão financeira”, assegurando, portanto, a participação dos diversos segmentos na organização escolar e a autonomia das unidades escolares públicas de educação básica, dois elementos que fundamentam a análise aqui desenvolvida (Brasil, 1996). Caracterização da Literatura contemporânea A leitura da produção acadêmica relativa ao tema da organização escolar nos conduziu a organizá-la em quatro grandes abordagens, que são a seguir apresentadas. Uma primeira, que trata das análises da organização escolar propriamente dita, ora debate as políticas públicas educacionais (nível macrossocial), como tais, ora as repercussões dessas políticas no trabalho prático realizado nos espaços da prática pedagógica (nível microssocial) da sala de aula. Ambos os níveis são abordados segundo uma perspectiva crítica 1 Doutora em Sociologia e Professora do Departamento de Administração Escolar e Planejamento Educacional e do Programa de Pós-Graduação em Educação (Núcleo de Política Educacional, Planejamento e Gestão da Educação) do Centro de Educação da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: [email protected]

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  • ABORDAGENS CONTEMPORNEAS DA GESTO ESCOLAR

    Alice Happ Botler1

    Este texto tem por objetivo introduzir o leitor no debate contemporneo a

    respeito da gesto escolar e educacional e, para tanto, discute a gesto

    democrtica formalmente proposta no sistema educacional brasileiro e analisa

    suas tendncias. Ao final, prope uma perspectiva analtica baseada na

    abordagem da escola como organizao comunicativa, focalizando a tica na

    gesto escolar.

    A Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional (Lei n 9394/96)

    define as normas da gesto democrtica do ensino pblico conforme os

    princpios da participao dos profissionais da educao na elaborao do

    projeto pedaggico da escola e da participao das comunidades escolar e

    local em conselhos escolares ou equivalentes, bem como progressivos graus

    de autonomia pedaggica e administrativa e de gesto financeira,

    assegurando, portanto, a participao dos diversos segmentos na organizao

    escolar e a autonomia das unidades escolares pblicas de educao bsica,

    dois elementos que fundamentam a anlise aqui desenvolvida (Brasil, 1996).

    Caracterizao da Literatura contempornea

    A leitura da produo acadmica relativa ao tema da organizao

    escolar nos conduziu a organiz-la em quatro grandes abordagens, que so a

    seguir apresentadas.

    Uma primeira, que trata das anlises da organizao escolar

    propriamente dita, ora debate as polticas pblicas educacionais (nvel

    macrossocial), como tais, ora as repercusses dessas polticas no trabalho

    prtico realizado nos espaos da prtica pedaggica (nvel microssocial) da

    sala de aula. Ambos os nveis so abordados segundo uma perspectiva crtica

    1 Doutora em Sociologia e Professora do Departamento de Administrao Escolar e

    Planejamento Educacional e do Programa de Ps-Graduao em Educao (Ncleo de Poltica Educacional, Planejamento e Gesto da Educao) do Centro de Educao da Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: [email protected]

  • ao modelo neoliberal que as teria inspirado, como os trabalhos de Bianchetti

    (1996), Freitas (2000), Sander (2001), Azevedo (2002), Cury (2002). Estudos

    sobre outras realidades, como os de Souza (1997), Barroso (1999, 2002), Felix

    Rosar e Krawczyk (2001) e Estvo (2002), entre outros, discutem as polticas

    educacionais na perspectiva comparada (internacional) ou sintonizada com

    orientaes mundiais (Estvo,op.cit), enfocando as perspectivas de

    organizao escolar entre o poder local e global e entre o pblico e o privado.

    Os estudos de natureza microssocial, por sua vez, abordam polticas de

    formao de profissionais na rea da educao como forma de atender s

    exigncias mais recentes dos novos modelos educacionais adotados, como

    fazem Ferreira (1998) e Aguiar (2002). Polticas pblicas em relao

    avaliao educacional tambm vm sendo foco de diversos pesquisadores,

    como Saul (1988), Franco (1991), Sampaio (2000), Frehse (2001), que

    assinalam a relao entre democracia e sistemas de avaliao educacional,

    eventualmente questionando, entre outros aspectos, o descompasso entre o

    processo de democratizao social e educacional brasileiro e a qualificao do

    ensino.

    Numa segunda abordagem, foram classificados alguns trabalhos da

    sociologia das organizaes, dentre os quais situamos alm de Enriquez

    (1992) e Lvy et.al. (1994), autores clssicos como Weber. Mais

    especificamente da sociologia das organizaes educacionais, trazemos outros

    autores voltados principalmente para questes relacionadas ao poder que

    adotam perspectiva crtica, como Pags (1987), Apple (1989), Friedberg

    (1993), Bernoux (s/d), Lima (1998).

    Uma terceira abordagem trata dos trabalhos que relacionam educao,

    organizao escolar e cultura. Alguns autores traam comparaes entre o

    avano tecnolgico e as mudanas educacionais, dentre os quais citamos

    Frigotto (1989), Kuenzer (1998), Grinspun (1999), enquanto outros debatem a

    respeito da relao entre educao, tecnologia e tica, como Neves (1999). J

    Sarmento (1994) e Torres (1995) discutem a escola como cultura, estudando

    os fenmenos simblicos que ocorrem dentro do contexto escolar. Apple

    (1989), Moreira (2002), Silva (2002) e Candau (2002) relacionam diferenas

    culturais a currculo e identidade escolar.

  • Os trabalhos que tratam das questes morais e ticas relacionadas

    escola constituem uma quarta abordagem, sob nosso ponto de vista. So, em

    geral, textos que expressam posturas mais terico-filosficas do que

    propriamente estudos da prtica das organizaes escolares, tais como os

    trabalhos de Rios (1993), Vazquez (2000), Duart (1999), Goergen (2001),

    Cria-Sabini (2002), Menin (2002), que enfocam valores nos espaos inter-

    relacionais na organizao. Estes trabalhos, freqentemente, propem

    modelos de anlise das organizaes escolares na perspectiva da moralidade

    e da tica.

    Esta classificao nos permite observar que o debate a respeito da

    gesto escolar e da organizao coletiva vem tomando impulso e amplitude,

    ultrapassando os limites da organizao formal e passando a enfocar aspectos

    relativos cultura e moral.

    Entretanto consideramos que aspectos relativos interface entre as

    polticas educacionais (macrossociais) acerca da organizao escolar e as

    dinmicas organizacionais (microssociais) ainda merecem estudos. Um desses

    aspectos o conflito gerado pelas determinaes polticas estabelecidas no

    mbito federal sobre a autonomia institucional, definindo novos padres globais

    de organizao escolar, cuja compreenso mais aprofundada estaria a

    requerer uma leitura calcada no debate sociolgico.

    O debate sociolgico em curso nos remete complexidade da

    organizao social, que incluiria, entre outros aspectos, a massificao de

    comportamentos, o reordenamento dos ideais coletivos, os movimentos de

    resistncia cultural, a crise da moralidade (Castells:1999, Hall:1999,

    Santos:2000, Morin:2000). Privilegiamos a discusso scio-cultural para a qual

    a conceituao do que certo ou errado, bem ou mal, pode e deve ser vista

    como resultado da construo humana, numa abordagem tica e

    argumentativa (Habermas:1989, Arendt:1991, Pizzi:1994, Baumann:1997,

    Carvalho:1998).

    A literatura sociolgica brasileira nos mostra que, nos anos 1960 e 1970,

    a educao foi enfatizada como elemento central para o processo de

    desenvolvimento econmico e social. Esse foco foi redirecionado nos anos 80

    numa conjuntura de democratizao poltica, quando eram confirmados os

  • baixos ndices de rendimento do sistema educacional, considerados como um

    dos obstculos consecuo da educao como um direito, como formao

    para a cidadania crtica, consciente e participativa. Nos anos 1990, perodo

    caracterizado como da sociedade do conhecimento, reformula-se a perspectiva

    de cidadania adotada na poltica educacional brasileira, e a discusso passa a

    ser centrada principalmente na reorganizao da gesto escolar onde ganha

    relevo a participao nas tomadas de decises coletivas. Do ponto de vista

    pedaggico, enfatizado o desenvolvimento de competncias e habilidades.

    nesse contexto que a autonomia institucional, disposta como

    democracia participativa na Constituio Federal de 1988 e consolidada na Lei

    9394/96 (Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional), se torna estratgica

    para efetivar a descentralizao poltica e financeira no setor educacional.

    Desse modo, as polticas educacionais implementadas a partir de meados dos

    anos 90 reorientaram freqentemente as responsabilidades administrativas

    para com os diversos nveis e modalidades de ensino, o que amplia, em alguns

    estados, o volume de ao tanto da esfera municipal que, alm da educao

    infantil, se responsabiliza tambm pelo ensino fundamental , como o da esfera

    estadual que assume, prioritariamente, o ensino mdio. Essa redefinio tem

    sido denominada de perspectiva democrtica restrita, conforme anota Azevedo,

    Trata-se de uma forma de descentralizao que pode ser categorizada como economicista-instrumental, (...) em que o local considerado como uma unidade administrativa a quem cabe colocar em ao polticas concebidas no nvel do poder central. (2002:p.55)

    , certamente, a lgica economicista-instrumental que subjaz ao

    projeto da sociedade global e, no caso brasileiro, a poltica educacional tem

    requerido ajustes nas formas de gesto do sistema de ensino e das escolas,

    dando origem a novos modelos de gerenciamento organizacional.

    O breve panorama da literatura aqui apresentado nos motivou a

    desenvolver uma anlise da gesto escolar que caracterizamos adiante, mas,

    para subsidiar seu entendimento, tratamos primeiramente das polticas

  • educacionais, buscando explicitar a lgica do sistema educacional para, em

    seguida, destacar aspectos relativos s dinmicas escolares.

    O sistema educacional

    A educao nacional organizada em regime de colaborao, onde

    Unio cabe a coordenao da poltica nacional de educao, articulando os

    diferentes nveis e sistemas e exercendo funo normativa, redistributiva e

    supletiva em relao s demais instncias educacionais (Ttulo IV, Artigo 8 da

    Lei 9394/96).

    A redefinio de responsabilidades dos governos municipais, estaduais

    e federal inclui estratgias de assistncia tcnica e financeira geradas no nvel

    central, a exemplo dos programas gerenciados pelo FNDE (Fundo Nacional de

    Desenvolvimento da Educao) do Ministrio da Educao, que obriga os

    municpios a criarem mecanismos de gesto para viabilizarem a participao

    da comunidade no controle e execuo das polticas como contrapartida para o

    financiamento de projetos locais (como o FUNDEF - Fundo de Manuteno e

    Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorizao do Magistrio e

    FUNDEB - Fundo de Manuteno e Desenvolvimento da Educao Bsica e de

    Valorizao dos Profissionais da Educao).

    A Unio adota referenciais como a democracia e a pluralidade, para

    caracterizar o que denomina de modelo de sistema educacional competente,

    onde a administrao de projetos associada ao conceito de eficincia de

    gesto.

    Conforme a Lei, caberia aos estabelecimentos de ensino elaborar e executar

    sua proposta pedaggica e aos docentes participar de sua elaborao, alm de

    elaborar e cumprir seu prprio plano de trabalho em conformidade com a

    proposta pedaggica do estabelecimento de ensino. Algumas estratgias foram,

    ento, institudas pelos governos municipais e estaduais para viabilizar as

    determinaes do governo central, como a exigncia da criao dos Conselhos

    Escolares e a elaborao por parte das escolas de um Projeto Poltico

    Pedaggico (PPP), um Plano de Desenvolvimento Escolar (PDE), a instituio

  • da Unidade Executora (UEX), estratgias estas vinculadas aos princpios da

    gesto democrtica e da autonomia escolar.

    No municpio de Recife, por exemplo, a orientao s escolas baseou-se

    na seguinte definio de projeto poltico-pedaggico:

    um instrumento de trabalho que mostra o que vai ser feito, quando, de que maneira, por quem, para chegar a que resultados. Alm disso, explicita uma filosofia e harmoniza as diretrizes da educao nacional com a realidade da escola, traduzindo sua autonomia e definindo seu compromisso com a clientela. a valorizao da identidade da escola e um chamamento responsabilidade dos agentes com as racionalidades interna e externa. Essa idia implica a necessidade de uma relao contratual, isto , o projeto deve ser aceito por todos os envolvidos, da a importncia de que seja elaborado participativa e democraticamente. (Recife, 1998: p.13)

    As escolas, por sua vez, foram pressionadas a institucionalizarem a

    democratizao via autogesto a partir de um esforo de anlise das questes

    pedaggica, administrativa e financeira adversas em sua realidade particular.

    Ainda em relao organizao do sistema, na LDB a Unio incumbe-

    se de coletar, analisar e disseminar informaes sobre a educao e

    assegurar processo nacional de avaliao do rendimento escolar no ensino

    fundamental, mdio e superior, em colaborao com os sistemas de ensino,

    objetivando a definio de prioridades e a melhoria da qualidade do ensino (Lei

    9394/96, Art.9). So ento criadas prticas avaliativas de carter nacional para

    os diversos nveis de ensino, relacionando indicadores de desempenho escolar

    com formas de gesto, o que tem induzido escolas a assumirem prticas de

    avaliao interna. Neste sentido, algumas escolas exemplares ou de sucesso

    quanto s experincias criativas de gesto e de iniciativas utilizadas para

    implantao de procedimentos de gesto coletiva, como o Conselho Escolar, a

    UEX, o PDE, tiveram seus xitos divulgados. Revistas de grande circulao no

    meio educacional, a exemplo da Gesto em Rede, publicada pelo CONSED

    (Conselho Nacional de Secretrios de Educao), tm buscado estimular a

    comunidade escolar a participar dos processos de avaliao da gesto,

    difundindo, atravs de exemplos, as motivaes presentes nas relaes

  • interpessoais da escola, as estratgias para mobilizao de grupos de trabalho e

    para a organizao de trabalhos coletivos na escola, a dinmica dos conflitos

    gerados a partir da ampliao do dilogo e das decises tomadas em conjunto,

    as formas de interao, que possibilitam o caminho do sucesso na gesto

    escolar coletiva.

    Tambm em nvel nacional, do ponto de vista pedaggico, so propostas

    diretrizes curriculares, visando a assegurar a todos o acesso aos

    conhecimentos e prticas educativas reconhecidos como necessrios ao

    exerccio da cidadania, na perspectiva da pluralidade cultural. A idia de

    sistema como um conjunto de escolas regidas por diretrizes comuns remete a

    condies flexveis de administrao (capacidade de gerenciamento de

    recursos financeiros de maneira colegiada, decises de carter pedaggico,

    entre outros) (Paro:1998, Brito da Silva:1998, Rios: 1999). Os Parmetros

    Curriculares Nacionais (PCNs,1998), por exemplo, propem o debate na escola

    sobre a pluralidade cultural, o meio ambiente, a tica, visando formao

    moral dos futuros cidados, o que, de certa maneira, estimula a reflexo a

    respeito do compromisso tico-profissional dos agentes envolvidos, o que

    poderia conduzir autonomia.

    Uma caracterstica comum dessas iniciativas do governo central a

    normatizao de aspectos financeiros, administrativos e pedaggicos cuja lgica

    revela a escola qualificada como porta de acesso cidadania, determinada por

    lei como a afirmao do direito educao e obrigatoriedade escolar. Esta

    estratgia expe uma determinada racionalidade que, ao apontar a articulao

    entre as polticas nacionais e locais, determina o formato da gesto local, via

    participao e autonomia e, por isso mesmo, considerada instrumental, sendo

    aqui chamada de direo democrtica.

    Esta estratgia justifica-se como construo de uma nova cultura

    democrtica, se a colocarmos sob o enfoque de suas potencialidades para a

    transformao social (Setbal:1997).

    Em seu conjunto, a poltica educacional presume a autonomia escolar,

    referindo-se a uma normatizao coletiva, indicando modelos globais de

    conduo das aes para as instncias locais, que se refletem na escola,

    prevendo espaos de deciso coletiva e prticas de grupo. Entretanto, ao

  • mesmo tempo e, contraditoriamente, limita a liberdade de deciso e de tomada

    de posies no sentido da autogesto das unidades escolares, visto que elas

    tm que ser feitas a partir de normas pr-estabelecidas, via direcionamento do

    sistema, ou seja, as prprias regras estabelecidas engessam (burocraticamente)

    a dinmica escolar e, conseqentemente, reduzem as suas possibilidades de

    realizao (a exemplo dos padres de financiamento e do reduzido tempo

    disponvel na escola para a discusso a respeito de seus princpios filosfico-

    pedaggicos), restringindo a autodeterminao coletiva. Entre a autonomia

    pressuposta e os limites determinados pela normatizao sistmica, observa-se

    um conflito que nos interessa aprofundar.

    A escola de sucesso

    A organizao que segue estes padres do sistema escolar imprime a

    idia de que a dinmica instituda a partir do conjunto de regras estabelecidas

    levaria a sociedade brasileira e a comunidade escolar a atingir a escola de

    qualidade. Tais medidas, entretanto, no necessariamente conduziriam

    formulao de um projeto filosfico-pedaggico prprio que pudesse contribuir

    socialmente com a formao para a cidadania participativa nas diversas

    comunidades porque a poltica adotada no reconheceu as desigualdades

    sociais existentes nem as relacionou aos fatores econmicos, sociais e culturais

    que as diferenciam (Horta:1998), mas reduziu a organizao escolar a padres

    comportamentais da escola.

    Por isso mesmo, possvel observar focos sutis de contestao s

    determinaes normativas, que chegam a transformar modos de controle em

    oportunidades de resistncia e de manuteno de suas prprias normas

    informais de direo do processo de trabalho (Apple, 1989: p.40). Estas

    resistncias so, na maioria das vezes, informais e, por isso mesmo, podem agir

    de formas contraditrias, configurando-se como reprodutivistas ou reprodutoras

    de um sistema social, visto que no o modificam em sua estrutura. Ao mesmo

    tempo, as resistncias so calcadas em formas culturais prprias dos grupos que

    compem a escola, podendo gerar uma competncia normativa em seu interior.

  • A escola caracteriza-se, desta forma, por um conflito interno advindo da

    direo normativa do sistema educacional e das resistncias internas ao modelo

    chamado democrtico, tornando funcional o cumprimento das normas.

    A organizao escolar, apesar de seguir as regras do sistema

    educacional, no se configura de forma homognea, havendo variao conforme

    suas singularidades, conforme a subjetividade dos agentes, conforme a cultura

    de cada unidade. A organizao escolar difere segundo as formas de ao e

    interao encontradas pelos sujeitos e pelos grupos na escola.

    A poltica educacional formal, diferente do antigo modelo de administrao

    centralizador, enfatiza na escola a organizao e a mobilizao do elemento

    humano numa dinmica articuladora, caracterizada por aes conjuntas, na

    perspectiva de uma cultura escolar participativa, coletivista e comunitria via

    gesto escolar participativa, permanecendo, no entanto, a lgica tradicional

    tratada do ponto de vista da racionalidade das organizaes e, ainda, marcada

    pela cultura do individualismo e da livre concorrncia.

    Alis, conforme Matos (1994), ao invs de superar as desigualdades

    scio-econmicas, a democratizao delineada no mbito do mesmo projeto de

    sociedade estratifica ..comportamentos funcionais que tendem a emperrar a

    modernizao e a consolidao da democracia e, dessa forma, reafirma o

    autoritarismo (p.29).

    Em outras palavras, o poder central assume a descentralizao como

    direo poltica a ser adotada em nome da democracia e da cidadania

    participativa em um contexto scio-econmico onde a populao carece de

    atendimento a necessidades sociais bsicas, como alimentao e sade, e se

    caracteriza culturalmente como subordinada. Desse modo, imprime ao modelo

    adotado caractersticas de desconcentrao mais do que de autonomia,

    atribuindo um sentido funcional escola.

    Nestes termos, a comunidade escolar pouco poderia fazer para sua

    autodeterminao, e o sistema institudo contribuiria para a manuteno da

    estrutura social desigual, onde a escola desempenha funo reprodutivista

    (Bourdieu e Passeron:1982, Althusser:1985, Saviani:1980, Carnoy:1987,

    Luckesi: 1994). Ou seja, mesmo que ocorressem mudanas na escola de

  • forma a igualar o rendimento escolar entre os diferentes grupos sociais, o

    quadro mais amplo no qual ela se insere permaneceria estruturalmente o

    mesmo.

    Isto quer dizer que o sistema cultural e educacional um elemento

    excepcionalmente importante na manuteno das relaes existentes de

    dominao e explorao (Apple, 1989: p.26), o que no impede a reflexo a

    respeito de uma ao significativa a ser desenvolvida.

    Desta forma, para alguns autores brasileiros crticos, o modelo de

    organizao escolar adotado a partir dos anos 1990 representa um meio-termo

    entre os avanos na conquista de cidadania, e a submisso dos cidados s

    suas reais condies de participao nas decises. Outros autores como Mello

    (1995), por exemplo, defendem o ponto de vista da poltica educacional e

    caracterizam a escola de sucesso como aquela que se enquadra nos moldes

    propostos pelo sistema educacional apresentando resultados quantitativos

    positivos, caracterizando a harmonia organizacional instituda sob formato

    democrtico e progressista.

    Outros autores, como Sierra (1999), ampliam a anlise da organizao

    escolar a partir de uma dupla concepo de sociedade, observando-a como

    sistema auto-regulado, no qual as aes so coordenadas mediante interaes

    funcionais e suas respectivas conseqncias scio-culturais, e a sociedade

    conceituada como mundo da vida de um grupo humano especfico, em que as

    aes se coordenam por intermdio da harmonizao das orientaes de ao.

    Assim, examinar a inter-relao entre o sistema educacional e o mundo da vida

    escolar permite desocultar o verdadeiro sentido funcional (instrumental-

    reprodutivista) da educao, sob a aparncia de normativismo democrtico na

    busca de legitimao (Estvo:2002).

    Em outras palavras, entendemos que as mudanas institudas pelas

    polticas educacionais ocorridas no Brasil a partir de meados dos anos 1990

    delineiam um sistema educativo que , por um lado, uma fonte de capital

    humano na qual se deposita a esperana de desenvolvimento econmico,

    observado como sistema. Por outro lado, o sistema educativo tambm pode ser

    visto como um direito democrtico dos cidados, na perspectiva do mundo da

    vida.

  • Nestes termos, as mudanas educacionais contribuem para a

    reproduo social enquanto legitimam a sua funo, ao planejar como objetivo

    educativo central o aceitar diferenas, compensar desigualdades, desenvolver

    as individualidades, via critrios homogeneizadores. Mas, por outro lado, as

    mudanas por que passa a escola trazem tambm significado positivo porque

    implicam algum tipo de aprendizagem, justamente porque est sendo levada a

    estabelecer novos mtodos de organizao do trabalho, novas formas de inter-

    relacionamento humano, novas bases valorativas para regular a convivncia

    social.

    Explicando melhor, estas consideraes nos conduzem a observar, por

    um lado, a organizao escolar do ponto de vista de seu carter institucional

    como um sistema auto-regulado em si mesmo, onde as aes de seus

    membros se coordenam pelas interaes funcionais mediante normas oficiais.

    Por outro lado, e como elemento adicional anlise, nos permitem ver a escola

    como espao singular de um grupo humano que constitui parte de uma

    organizao escolar e cujas aes se coordenam pelas interaes

    comunicativas que se estabelecem entre seus membros. Esta dupla

    perspectiva permite, a nosso ver, estabelecer uma anlise que enfoque o

    conflito entre a direo democrtica e a autonomia, no como antagonismo,

    mas como complementaridade.

    tica e aprendizagem coletiva em gesto escolar

    O modelo democrtico de organizao escolar traz contradies que

    retratam um sistema educacional em crise, fragmentado, que repercute na

    organizao escolar, ora voltada para a pluralidade de possibilidades e para a

    autonomia, ora apontando para uma padronizao de aes, apresentando-se

    como um conjunto de normas institudas que devem ser seguidas, mais do que

    engendrando aes escolares instituintes. Algumas escolas aproveitam estas

    situaes e outras no.

    A dinmica das escolas para delinear sua prpria organizao ao

    mesmo tempo reflexo e determinante destas contradies. Este efeito de

  • fragmentao do sistema educacional chamado por Estvo (1998) de

    fractalizao, significando um conjunto catico no sentido de no-linear, no-

    homogneo, multilgico, como constelao de aspectos variveis

    (op.cit:p.217), como um desequilbrio intrnseco ao sistema educacional. O

    conceito faz parte de uma anlise onde a organizao escolar vista como

    institucionalizada, condicionada pelas lgicas institucionais do Estado e do

    mercado, ou ainda, pela lgica reprodutivista. Isso significa que a padronizao

    de comportamentos conduz, intrinsecamente, heterogeneidade

    organizacional.

    O modelo adotado na atualidade nos conduz a refletir a respeito da

    organizao escolar e repensar suas prticas na conjuntura globalizada e

    neoliberal, o que traz implcito o conflito entre o dever ser e o fazer real da

    organizao escolar e da gesto democrtica em seu contexto de referncia.

    Entendemos com isto que tais contradies entram no campo da discusso

    tica.

    Neste sentido, a escola vista no apenas como reprodutora de

    orientaes normativas do sistema educacional, mas, tambm, como

    articuladora de decises polticas e de orientao de aes internas da escola.

    O nvel de autonomia da escola relativa ao sistema varivel, heterogneo,

    passando por processos de amadurecimento diferenciados que envolvem

    artefatos, valores, pressupostos inerentes cultura de cada comunidade

    escolar. Reconhece-se, portanto, que h uma capacidade subversiva latente

    da escola, mas no se sabe o que a ativa ou atrofia.

    Por isso, no apenas em momentos de crise ou mudanas, h

    incoerncia entre o comportamento tico da organizao e a educao tica

    que se expe atravs dela. Para enfrentar este problema, a escola pode

    estabelecer critrios ticos, que se baseiam em processos coletivos de

    aprendizagem, no amadurecimento coletivo e na liderana que se pode

    exercer ou, em outras palavras, em processos de valorao coletiva

    (Duart:1999). Isto nem sempre ocorre, desde que a mudana da opo poltica

    sistmica no sentido da democracia no suficiente para a mudana de

    concepes valorativas na organizao escolar e, ao se ter a impresso da

    mudana, corre-se o risco de desaparecer a preocupao com a mesma.

  • Considerando que a escola tem, no processo de formao de seus alunos,

    valores implcitos e valores explcitos, a organizao tica da escola otimiza os

    processos valorativos prprios do ato educativo, seja interpessoal, seja

    organizativo.

    A abordagem da organizao escolar como mundo da vida supe a

    diferenciao entre uma tica da organizao, que se relaciona s suas

    finalidades sociais, e uma tica na organizao, que se relaciona ao

    comportamento da organizao em si mesma. A primeira vista como um

    saber orientado para a ao e a segunda vista como um saber orientado

    reflexo, ao e aprendizagem (Duart:1999,p.102). neste segundo

    sentido que podemos observar a tica na gesto e a organizao escolar como

    coletivo de humanos que estabelecem prticas de reflexo fundamentadas em

    sua ao, avanando a partir da.

    Nestes termos, compreendemos que o gestor escolar, no conjunto do

    grupo que lidera a ao coletiva na escola, desempenha papel fundamental de

    educador na formao coletiva em exerccio, no se restringindo organizao

    das aes do cotidiano. O projeto da gesto torna-se o projeto da escola e

    delineia-se como atividade organizada, que coordena aes de um coletivo de

    humanos e que tem por objetivo resolver um problema que do coletivo.

    O foco ento mobilizar os profissionais da escola que, dotados de

    maior autonomia para tomar decises, valorizao do trabalho em grupo,

    desenvolvimento de vnculos de solidariedade e aprendizado constante, sejam

    incentivados pela realizao de projetos de trabalho. Em uma equipe que

    trabalha com vistas a realizar um projeto, so mais importantes a solidariedade

    e o cuidado com a contribuio de cada um para o todo, do que os nveis

    hierrquicos. A questo no quem manda em quem, mas se o projeto est se

    tornando realidade. A chamada pedagogia de projetos vislumbra este tipo de

    conotao ao trabalho pedaggico escolar, bem como ao papel da gesto na

    escola.

    Cada organizao escolar, portanto, ao mesmo tempo que aprende

    coletivamente a partir da reflexo, assegura certa homogeneidade do que se

    pode chamar habitus do sistema educativo global, que se apresenta como

    social e individual. A tica da organizao escolar, ou sua singularidade, nesta

  • perspectiva, aparece como uma variante estrutural do habitus de seu grupo ou

    de sua classe; o estilo particular aparece como um desvio em relao ao estilo

    de uma poca, uma classe ou um grupo social.

    Esta singularidade surge como crtica oriunda dos conflitos gerados no

    interior da escola que, diante da invaso de valores oriundos dos processos de

    integrao sistmica, gera distores e conflitos nas dinmicas escolares,

    conforme mencionado, ora via processos de reproduo na instituio escolar

    (motivao para atuar conforme as normas oficiais), ora via desenvolvimento

    da ao comunicativa (internalizao de valores sociais) (Botler, 2004).

    Pode surgir uma crise quando h supremacia de valores do sistema

    educacional (de ordem poltico-econmica) sobre as necessidades que o

    mundo escolar reclama pela via da interao comunicativa, no momento em

    que h tomada de conscincia deste fenmeno por parte dos membros da

    organizao escolar.

    Para Sierra (1999), a anlise da organizao escolar, na dupla

    perspectiva do sistema escolar e do mundo da escola, deve buscar descobrir

    at que ponto os fenmenos colonizadores se introduziram nas estruturas da

    prpria escola. Conforme o autor, os conflitos so conseqncia da priorizao

    dos processos de reproduo sistmica sobre as necessidades de carter

    prtico-moral que se originam na instituio escolar e esto relacionados,

    dentre outros, aos conflitos existentes entre legalidade (a norma que vem

    determinada por lei) e legitimidade (norma que pode ser justificada

    racionalmente desde o ponto de vista moral).

    A escola como Organizao Comunicativa

    A anlise da dupla natureza da racionalidade encontra respaldo nas

    idias de Habermas, que a enfoca como instrumental e comunicativa, tambm

    compreendida como uma crtica racionalidade que invade a sociedade,

    sobrepondo-se vontade poltica das pessoas.

    Assim, conforme Habermas, a razo tico-comunicativa seria um cdigo

    de conduta institudo via argumentao substantiva, que poderia oferecer

    subsdio tomada de decises crtica, criativa e consciente, o que, supomos,

  • poderia fundamentar aes da organizao escolar na perspectiva da

    concretizao de um modelo participativo. Este modelo participativo estaria

    associado possibilidade de cada unidade escolar identificar instrumentos e

    formas de anlise, interpretao e comunicao dos elementos envolvidos na

    sua organizao, refletindo diretamente em sua autonomia instituinte, singular.

    Autonomia estaria a sendo referenciada como o aprofundamento de

    conhecimentos sobre os princpios ticos presentes na organizao escolar,

    construda atravs do dilogo argumentativo e da atividade participativa da

    organizao escolar. Autonomia seria a atribuio prpria de ideais por um

    grupo social ou indivduo sobre ele mesmo, respeitada a destinao social da

    instituio social, o que gera compromisso estabelecido endogenamente com

    esses ideais.

    Segundo esta orientao, nossa proposta de anlise da organizao

    escolar surge no sentido de destacar o universo cultural da organizao escolar

    no desenvolvimento de uma razo tico-comunicativa que permita efetivar na

    unidade escolar uma autonomia singular (instituinte) e um cotidiano

    legitimamente democrtico (democrtico-deliberativo). Procuramos salientar

    como a instituio da gesto democrtica no sistema educacional pode

    contribuir para a resoluo dos problemas da organizao escolar derivados

    dos conflitos entre as diferentes lgicas, inclusive a relao entre os processos

    institudos e os instituintes, na perspectiva da dupla concepo de sociedade

    como Mundo da Vida e Mundo Sistmico.

    Partimos do princpio de que a gesto democrtica formal e

    institucionalmente afirmada pode ser transformada numa prtica democrtica

    concreta substantiva em escolas cujas instituies de deliberao participativa

    e espaos escolares informais de interao social, efetivamente, impulsionem

    decises coletivas, via dilogo crtico-reflexivo-consciente da organizao

    escolar, como uma das condies para superar os limites do modelo oficial.

    A anlise da organizao escolar, no contexto das contradies geradas

    pelo projeto de direo democrtica conduzido pelo governo (aqui referida

    enquanto polticas institucionais), traz a idia de que a democracia um

    processo interno aprendido coletivamente via dilogo crtico-argumentativo que

    permite na escola a elaborao autnoma de um projeto filosfico-pedaggico

  • prprio. Nestes termos, admite-se que a prtica democrtica construda

    coletivamente na organizao escolar relaciona o mundo sistmico ao mundo

    da vida escolar, sendo, portanto, perpassada por lgicas distintas e,

    freqentemente, divergentes.

    Esta abordagem insere-se no contexto do debate contemporneo da

    Sociologia das Organizaes Escolares que enfatiza a inter-relao entre a

    dimenso microssocial com o contexto macropolitico, extrapolando as anlises

    polarizadas, ora na perspectiva da sala de aula e da prtica pedaggica, ora da

    poltica educacional.

    A anlise da organizao escolar deve, portanto, buscar compreender os

    fenmenos sociais como artefatos, tambm culturais, bem como a organizao

    em sua singularidade e dinmica prpria, onde o clima organizacional

    analisado como uma representao abstrata criada pelos indivduos em

    interao (perspectiva interativa), e a cultura organizacional tomada como

    fator relevante, visto que influencia a contextualizao e a formao de

    interaes grupais (perspectiva cultural). Neste sentido, caracteriza-se a

    organizao escolar como uma cultura ou um conjunto de valores, crenas,

    ideologias, normas, regras, representaes, rituais, smbolos, rotinas e

    praticas, refletindo tambm as culturas nacionais e globais.

    Para efeito da compreenso do modelo de anlise aqui apresentado

    para a observao da organizao escolar, baseamo-nos em dois outros

    modelos, que nos apiam como referncias tericas, para esclarecer como se

    delineia a organizao escolar no contexto de direo democrtica.

    O primeiro modelo organizacional que destacamos o modelo

    weberiano, que se refere a um tipo de racionalidade administrativa denominada

    burocracia, que concentra o poder de tomada de decises caracterizado como

    sendo de natureza impessoal. A distribuio de tarefas na organizao segue a

    lgica da especializao e da padronizao de aes.

    As Cincias Sociais discutem a burocratizao da vida e relacionam

    burocratizao com democracia de massa. Nesse sentido, caracterizam a

    burocracia pelos seguintes elementos: centralizao das decises na cpula,

    ausncia de autonomia das unidades da organizao, detalhamento de

    atividades a partir de diviso do trabalho, previsibilidade de funcionamento com

  • base em planejamento, formalizao, hierarquizao e centralizao da

    estrutura organizacional. Alguns dos indicadores desses elementos seriam a

    obsesso pelos documentos escritos, comportamentos estandardizados com

    base em normas estveis, uniformidade e impessoalidade nas relaes

    humanas, concepo burocrtica das funes (Motta,2000).

    O segundo modelo a que nos referimos o habermasiano. Habermas

    reformulou o conceito de racionalizao de Weber, que concebia a ao

    racional como dirigida a fins e a exerccio de controle. Por isso mesmo,

    considerava que a racionalizao das relaes vitais equivaleria

    institucionalizao de uma dominao e indicaria uma combinao entre a

    ao instrumental, que se orientaria por regras tcnicas que se apoiariam no

    saber emprico e, por outro lado, por um comportamento de escolha racional,

    que se orientaria por estratgias baseadas num saber analtico, baseado em

    regras de preferncia (sistemas de valores). Para o autor, enquanto a ao

    instrumental organiza meios que so adequados ou inadequados segundo

    critrios de um controle eficiente de realidade, a ao estratgica depende

    apenas de uma valorao correta de possveis alternativas de comportamento,

    que s pode obter-se de uma deduo feita com o auxlio de valores e

    mximas.

    Neste sentido, Habermas (1968) distingue a racionalidade cognitivo-

    instrumental da racionalidade comunicativa (substantiva). Ao comunicativa

    uma interao simbolicamente mediada, que se orienta segundo normas que

    definem as expectativas recprocas de comportamento. A racionalidade da

    ao comunicativa confronta-se com a racionalidade da ao instrumental e

    estratgica, tornando explcito o conflito entre o mundo sistmico e o mundo da

    vida.

    Habermas relaciona a razo comunicativa com a tica, afirmando que

    um ato discursivo ideal engendra o entendimento coletivo, levando ao

    consenso sem fora. A tica como um princpio universal e inerente ao ato

    comunicativo faz entender que os indivduos que participam de um dilogo tm

    iguais condies de terem seus interesses respeitados, formando um sistema

    social intersubjetivo. A Teoria da Ao tico-Comunicativa caracteriza-se por

    enfatizar a relao dialgica e argumentativa, onde as normas sociais atingem

  • validade quando todos os participantes de um discurso chegam

    cooperativamente a um acordo.

    A relao entre esses dois modelos (weberiano e habermasiano) nos

    interessa particularmente para a anlise da organizao escolar no seio de um

    sistema educacional caracterizado pela direo democrtica, compreendida

    aqui como uma perspectiva tecnocrtica da democracia representativa, na qual

    a interao ocupa um segundo plano. Assim, a tecnocracia pode explicar e

    legitimar (porque que), nas sociedades modernas, uma formao

    democrtica da vontade poltica perdeu as suas funes em relao s

    questes prticas... (Habermas, 1968: p.74).

    Queremos dizer com isto que o modo de vida democrtico foi adotado

    justamente como racionalidade legitimadora na sociedade moderna, em

    detrimento de uma competncia comunicativa. Habermas explica que a ao

    racional mantm um predomnio perante o contexto institucional e tambm

    absorve a ao comunicativa enquanto tal. O homem parece integrar-se nos

    dispositivos tcnicos na medida em que reproduz a estrutura da ao racional

    no campo dos sistemas sociais. A racionalizao tende ao deslocamento da

    orientao da ao voltada a valores racionais (racionalidade substantiva) para

    a ao puramente instrumental (racionalidade formal). Em outras palavras,

    racionalizao significa, em primeiro lugar, a ampliao das esferas sociais,

    que ficam submetidas aos critrios de deciso racional (Habermas,

    1968:p.45). Vale, no entanto, ressaltar que o conceito de razo de Habermas,

    conforme Pizzi, inclui alm do argumento cognitivo e instrumental, o

    procedimento lingstico e a argumentao discursiva.(1994:p45).

    Chamamos a ateno para a anlise a ser aqui desenvolvida que,

    baseada na ao comunicativa, aprofunda o debate a respeito do potencial

    crtico-comunicativo para alcanar as perspectivas da abordagem poltica, em

    vistas ao desenvolvimento de uma conscincia emancipatria na escola.

    Esta discusso nos auxilia a esclarecer as diferentes lgicas que regem

    a organizao escolar democrtica, num misto entre uma racionalidade

    burocratizante (numa perspectiva weberiana) e uma racionalidade crtico-

    argumentativa (perspectiva habermasiana), esta ltima com o sentido da

    emancipao.

  • Consideraes para uma anlise da gesto escolar

    A anlise aqui apresentada considera as diversas dimenses ou

    dinmicas internas inerentes ao organizacional, quais sejam, as do acordo,

    do conflito, da negociao, do compromisso, da disputa, indicativos de

    racionalidades diferentes e que geram princpios argumentativos distintos.

    Supe-se, portanto, que os atores so como vrios mundos, com lgicas

    prprias, construdas a partir de conceitos diferentes. Essas racionalidades

    atravessam qualquer mundo, inclusive a escola, que permeada tanto por uma

    lgica sistmica como pelo mundo da vida, marcado pela interao e

    negociao. Quando a negociao ali no existe, isto pode significar que uma

    das lgicas est sendo predominante e que outras esto sendo tolerantes.

    Dessa forma, supe-se que os atuais problemas da organizao escolar

    esto sendo derivados da presena dessas diferentes lgicas ou

    racionalidades e que uma das fontes de poder nas organizaes est na

    comunicao ou nas informaes, o que inclui o sentido de melhor dominar as

    incertezas que as afetam.

    Nesse enfoque, o conceito de democracia ganha relevo e,

    particularmente, as dimenses polticas da participao e autonomia,

    contedos concretos de realizao do princpio democrtico no modo de vida

    organizacional da escola. Assim, se democracia est relacionada

    participao dos homens na vida poltica, a autonomia indica que uma

    sociedade pode questionar suas regras e leis institucionais, para modific-las,

    instituindo as suas prprias regras. Quando no o faz, burla as leis existentes,

    via crtica ou resistncia, sendo capaz de modific-las. Assim, convivem

    dialogicamente valores individualistas (para os quais burlar regras parece no

    implicar falta de respeito ao prximo) e valores sociais (em que prevalecem as

    regras institucionais), que tambm so colocados no binmio individualidade

    versus coletividade.

    A partir desta reflexo, inclui-se, em nossa anlise, a idia da

    convivncia de diversas prticas de democracia, desde que nos preocupa o

  • processo de aprendizagem institucional coletiva, ou seja, a obteno da

    responsabilidade de todos na construo do projeto organizacional

    institucional, mesmo cientes de que nem todos se vem unidos a este

    reconhecimento de competncia instituinte.

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