Abril 2015

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Azulejo situado à entrada da antiga Fábrica de Loiça de Sacavém. Oficina de oleiro na Fábrica de Loiça de Sacavém. Painel de azulejos patente na Quinta de São José, em Sacavém. Travessa da Fábrica de loiça de Sacavém A Fábrica de Loiça de Sacavém foi criada em 1850 por Manuel Joaquim Afonso, embora tivesse começado a laborar apenas em 1856. Teve grande repercussão não só em Portugal, como no estrangeiro, de tal forma que a frase «Sacavém é outra loiça!» se tornou o expoente máximo dessa fama. A fábrica situava-se na Quinta do Aranha, junto da atual linha de caminho-de-ferro da Azambuja, tendo chegado a ocupar, na sua época áurea, uma superfície de 70 000 m². Estava perto do primeiro ramal de comboio em Portugal (de Lisboa ao Carregado, com paragem em Sacavém), inaugurado em 1856, permitindo assim uma mais fácil expedição das mercadorias e matérias-primas. Entre 1861 e 1863, a fábrica acabou por ser vendida a um inglês, John Stott Howorth, que introduziu novas técnicas de produção oriundas do Reino Unido. Em poucos anos, a Fábrica da Loiça tornava-se numa das mais importantes em Portugal no ramo da produção cerâmica, destacando-se pela produção de faiança fina baseada no caulino (uma argila com alto grau de pureza). O rei D. Luís I confere a Howorth um título nobiliárquico (Barão de Howorth de Sacavém), e ainda o privilégio de a fábrica se poder intitular Real Fábrica de Loiça de Sacavém. À data da sua morte, em 1893, a louça de Sacavém já se achava fortemente implantada no mercado, rivalizando por exemplo com a da Vista Alegre, de Ílhavo. Em 1909, Gilman (antigo guarda-livros) assume o governo da empresa. Mantém- se a aposta na ligação estratégica ao mercado inglês, tanto ao nível da exportação do produto final, como da aquisição de novas tecnologias para a fábrica – em 1912, por exemplo, é inaugurado um forno-túnel com 8 metros de altura e 85 metros de comprimento, obra de dimensões colossais, e onde pela primeira vez se utilizou betão armado em Portugal. Talvez devido à gestão inglesa, a Fábrica de Loiça de Sacavém foi pioneira em certas medidas como a criação de uma escola dentro da fábrica, a existência de

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Azulejo situado à entrada da antiga Fábrica de Loiça de Sacavém.

Oficina de oleiro na Fábrica de Loiça de Sacavém. Painel de azulejos patente na Quinta de São José, em Sacavém.

Travessa da Fábrica de loiça de Sacavém

A Fábrica de Loiça de Sacavém foi criada em 1850 por Manuel Joaquim Afonso, embora tivesse começado a laborar apenas em 1856.

Teve grande repercussão não só em Portugal, como no estrangeiro, de tal forma que a frase «Sacavém é outra loiça!» se tornou o expoente máximo dessa fama.

A fábrica situava-se na Quinta do Aranha, junto da atual linha de caminho-de-ferro da Azambuja, tendo chegado a ocupar, na sua época áurea, uma superfície de 70 000 m². Estava perto do primeiro ramal de comboio em Portugal (de Lisboa ao Carregado, com paragem em Sacavém), inaugurado em 1856, permitindo assim uma mais fácil expedição das mercadorias e matérias-primas.

Entre 1861 e 1863, a fábrica acabou por ser vendida a um inglês, John Stott Howorth, que introduziu novas técnicas de produção oriundas do Reino Unido. Em poucos anos, a Fábrica da Loiça tornava-se numa das mais importantes em Portugal no ramo da produção cerâmica, destacando-se pela produção de faiança fina baseada no caulino (uma argila com alto grau de pureza). O rei D. Luís I confere a Howorth um título nobiliárquico (Barão de Howorth de

Sacavém), e ainda o privilégio de a fábrica se poder intitular Real Fábrica de Loiça de Sacavém.

À data da sua morte, em 1893, a louça de Sacavém já se achava fortemente implantada no mercado, rivalizando por exemplo com a da Vista Alegre, de Ílhavo.

Em 1909, Gilman (antigo guarda-livros) assume o governo da empresa. Mantém-se a aposta na ligação estratégica ao mercado inglês, tanto ao nível da exportação do produto final, como da aquisição de novas tecnologias para a fábrica – em 1912, por exemplo, é inaugurado um forno-túnel com 8 metros de altura e 85 metros de comprimento, obra de dimensões colossais, e onde pela primeira vez se utilizou betão armado em Portugal.

Talvez devido à gestão inglesa, a Fábrica de Loiça de Sacavém foi pioneira em certas medidas como a criação de uma escola dentro da fábrica, a existência de

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A Greve dos Rapazes em 1937. Painel de azulejos existente naQuinta de São José em Sacavém.

um caixa de socorros mútuos para os seus trabalhadores, o direito a férias remuneradas, e a instituição de campos de férias para os filhos dos trabalhadores da fábrica.

A Fábrica de Loiça tornou-se numa das principais unidades fabris da cintura industrial da zona oriental de Lisboa e o seu sucesso foi tal que contribuiu para o aumento vertiginoso da população de Sacavém, sendo que em 1890, mais de metade dos habitantes da povoação (cerca de 1000) aí tinham o seu emprego. Os trabalhadores eram oriundos de várias partes do País, deslocando-se para a capital e zonas suburbanas na busca de melhores condições de vida. Por causa do contínuo crescimento populacional que a fábrica ajudou, em 1927 é atribuído o estatuto de vila à povoação de Sacavém.

Como o governo era de ditadura (depois do golpe de estado de 28 de maio de 1926) exerceu uma política de repressão aos trabalhadores, gente de espírito combativo. Houve, portanto, várias tentativas de paralisação levadas a cabo pelos operários da fábrica contra o regime Salazarista. Destaca-se a famosa

«greve dos rapazes», em 1937, em que os aprendizes da Fábrica de Loiça acabaram por ser detidos pela G. N. R., seguindo-se uma vigília das suas mães e/ou esposas, e uma dura repressão por parte da PIDE. Nesta greve destacou-se a figura de António Ferreira, dito «O Compositor», sucessivas vezes preso pela polícia política, e que acabou por se tornar um herói da resistência antifascista.

Entretanto, em 1962 ascendia à administração o filho de Herbert Gilbert, Leland Gilbert, e em 1970, entrava-se na última fase de vida da fábrica, com o derradeiro dono, Clive Gilbert.

Após o 25 de Abril de 1974, a Fábrica de Loiça entra num conturbado período, tanto a nível laboral, como financeiro, acabando por encerrar em 1983 e em 23 de Março de 1994, o Tribunal Cível da Comarca de Lisboa declarou a sua falência, fechando definitivamente as portas a 7 de Abril.

No local onde antes se erguera a Fábrica, nasceu uma nova urbanização (o Real Forte), tendo no entanto um pequeno espaço, situado em torno do forno n.º 18, sido destinado à preservação do espólio remanescente da antiga fábrica. Aí se instituiu o Museu de Cerâmica de Sacavém.

O antigo Forno n.º 18, em torno do qual se estruturou o actual Museu de Cerâmica de Sacavém.