AÇÃO CIVIL PÚBLICA - dpu.def.br · artigo 134 da Constituição Federal de 1988, artigo 4º,...

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EXCELENTÍSSIMO(A) SENHOR(A) JUIZ(ÍZA) FEDERAL DA ______ VARA

FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO MARANHÃO

(PAJ: 2011/012-00681)

PRIORIDADE NA TRAMITAÇÃO:

Art. 71 da Lei Nº 10.741/2003 (pessoas idosas)

PEDIDO DE ABRANGÊNCIA

NACIONAL DOS EFEITOS DA AÇÃO

EMENTA: POLÍTICA NACIONAL DE TRATAMENTO DE PESSOAS COM HANSENÍASE (DÉCADAS DE 1920 A 1980). INTERNAÇÃO E ISOLAMENTO COMPULSÓRIOS EM HOSPITAIS E ESTABELECIMENTOS SIMILARES. DESCENDENTES DE INTERNOS RETIRADOS COMPULSORIAMENTE DO CONVÍVIO DE SEUS PAIS LOGO APÓS O NASCIMENTO (“FILHOS SEPARADOS”). SISTEMÁTICA VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS. NECESSIDADE DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE COMPENSAÇÃO. PEDIDOS DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA.  

A DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO, órgão essencial à prestação

jurisdicional, com finalidade constitucional de defender na esfera judicial e

extrajudicial os mais necessitados, atuando na defesa dos interesses coletivos dos

filhos de pessoas com hanseníase separados de seus pais pelo isolamento

compulsório adotado pelo Estado entre as décadas de 1920 e 1980, com base no

artigo 134 da Constituição Federal de 1988, artigo 4º, inciso VII da Lei

Complementar Nº 80/1994 (redação dada pela Lei Complementar Nº 132/2009),

artigo 5º, inciso II da Lei 7.347/1985 (redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007),

vem respeitosamente perante Vossa Excelência propor:

em face da UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de Direito Público, representada

para este fim pela Advocacia-Geral da União no Maranhão, a ser citada na pessoa de

AÇÃOCIVILPÚBLICA

COMPEDIDODEANTECIPAÇÃODETUTELA

 

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um (a) de seus (as) Advogados (as), com sede na Rua Osvaldo Cruz, 1618, Centro,

São Luís, Maranhão, pelos motivos que passa a expor:

1. PRELIMINARES

1.1 Síntese do objeto e dos pedidos da ação coletiva:

Por questões didáticas, assim pode ser sintetizado o objeto e os

principais pleitos da presente ação civil pública:

Objeto:

Planejamento e implantação, pela União Federal, de medidas necessárias

à promoção de políticas voltadas ao regate e à preservação da memória e

dos laços familiares entre pais e filhos que foram rompidos ou mitigados

por práticas de isolamento e internação compulsórios de pessoas atingidas

pela hanseníase, desenvolvidas no Brasil entre as décadas de 1920 e 1980.

Pedidos principais:

Que seja a Requerida obrigada a,

a) em até 180 (cento e oitenta dias), planejar, estruturar e

implementar política voltada à identificação, à catalogação, à

restauração e à manutenção de acervos documentais de

educandários, creches, orfanatos, preventórios, asilos, hospitais ou

estabelecimentos similares, de natureza pública ou particular,

destinados à recepção e manutenção de crianças separadas

compulsoriamente de seus pais em razão da política de isolamento

e internação forçada de pessoas atingidas pela hanseníase;

b) em até 180 (cento e oitenta dias), planejar, estruturar e

implementar política sanitária voltada especificamente aos filhos

separados compulsoriamente de seus pais em razão da política de

isolamento e internação forçada de pessoas atingidas pela

hanseníase, priorizando a atenção à saúde física e mental dessas

 

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pessoas, de forma a minorar as consequências do rompimento de

vínculos familiares aqui referido;

c) em até 1 (um) ano, planejar, estruturar e implementar política

voltada à identificação e à manutenção de educandários, creches,

orfanatos, preventórios, asilos, hospitais, ou estabelecimentos

similares, de natureza pública ou particular, destinados à recepção

e manutenção de crianças separadas compulsoriamente de seus

pais em razão da política de isolamento e internação forçada de

pessoas atingidas pela hanseníase, em especial desenvolvendo

políticas de preservação e revitalização da estrutura física desses

locais;

d) em até 1 (um) ano, planejar, estruturar e implementar um Sistema

Nacional de Filhos Separados Compulsoriamente de Pais

Atingidos pela Hanseníase (nome apenas sugestivo), tendo como

principal finalidade reunir acervo documental, material genético e

relatos orais relacionados a crianças separadas compulsoriamente

de seus pais em razão da política de isolamento e internação

forçada de pessoas atingidas pela hanseníase no Brasil,

possibilitando, inclusive, que sejam cruzados dados de pessoas

separadas forçadamente de seus pais pela política em referência e

de seus familiares (pais, avós, filhos, netos, irmãos, tios e

sobrinhos), visando, sobretudo, resgatar a memória dessas vítimas

e reatar laços familiares rompidos ou mitigados, devendo haver,

para tal, inclusive a produção de Banco Genético que inclua o

estudo sobre os Grupo Sanguíneo e RH, Histocompatibilidade

(HLA A, B, C, DR), Pesquisa de Isoenzimas eritrócitos e

Investigação de proteínas plasmáticas; e

 

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e) dar a mais ampla divulgação da decisão que antecipou os efeitos

da tutela e das políticas de Estado nela cominadas, através das

mídias existentes, como televisão, rádio, internet, diários

impressos, dentre outros, inclusive disponibilizando aos

interessados, com destaque aos “filhos separados” e a seus

familiares, a possibilidade de apresentarem documentos e

informações que tenham em seu poder, com a finalidade de

enriquecer ainda mais o acervo documental do Sistema criado;

1.2 Justiça gratuita e contagem dos prazos em dobro

Inicialmente, requerem os autores os benefícios da Justiça Gratuita,

por não poderem arcar com as custas e despesas do presente processo sem prejuízo

de seu sustento próprio e de sua família, com esteio no artigo 4º da Lei nº. 1.060/50.

Realce-se, ademais, a necessidade de observância das prerrogativas

dos defensores públicos federais previstas na Lei Complementar nº. 80/94 e demais

diplomas legais, especialmente no que tange à contagem em dobro dos prazos

processuais e à intimação pessoal, inclusive com carga dos autos, de todos os atos

do processo (LC 80/94, artigo 44, X).

1.3 Prioridade na tramitação do processo

Os assistidos, filhos e filhas separados compulsoriamente de pais com

hanseníase, vítimas da política de segregação e internação compulsória do Estado,

são em sua maioria pessoas idosas.

Isso porque a política de internações compulsórias foi regulamentada

por instrumentos normativos a partir de 1904, tendo o procedimento de separação de

pais e filhos regulamentação em 1949.

Necessário, portanto, destacar a prioridade que as lides envolvendo

idosos tem em suas tramitações, através da Lei Nº 10.741/2003, o Estatuto do Idoso:

Art. 71. É assegurada prioridade na tramitação dos processos

e procedimentos e na execução dos atos e diligências judiciais

 

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em que figure como parte ou interveniente pessoa com idade

igual ou superior a 60 (sessenta) anos, em qualquer instância.

No mesmo sentido, o Código de Processo Civil pátrio também

preceitua:

Art. 1.211-A. Os procedimentos judiciais em que figure

como parte ou interessado pessoa com idade igual ou superior

a 60 (sessenta) anos, ou portadora de doença grave, terão

prioridade de tramitação em todas as instâncias. (Redação

dada pela Lei nº 12.008, de 2009).

1.4 Abrangência nacional dos efeitos das decisões

O art. 16 da Lei 7.347/85, com redação dada pela Lei 9.494/97, limitou a

competência do juiz de primeira instância para julgamento das ações civis públicas,

estabelecendo que "a sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da

competência territorial do órgão prolator...".

O art. 2º-A da última Lei citada prescreve:

Art. 2º-A. A sentença civil prolatada em ação de caráter

coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos

interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os

substituídos que tenham, na data da propositura da ação,

domicílio no âmbito da competência territorial do órgão

prolator.

No entanto, a restrição territorial aos limites subjetivos da coisa julgada

não pode ser aplicada às ações coletivas. Ao restringir a abrangência dos efeitos da

sentença de procedência proferida em ação civil pública aos limites da competência

territorial do órgão prolator, a Lei 9.494 de 10.09.1997 confundiu os limites

 

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subjetivos da coisa julgada erga omnes com os da jurisdição e da competência, que

nada tem a ver com o tema.

A interpretação literal - e equivocada - do dispositivo aludido significa

que, se diversos atos iguais ou semelhantes, que produzem idênticos efeitos, são

praticados em vários Estados ou Municípios, a competência deve ser dos vários

juízes, cada um competente em relação aos atos praticados e danos sofridos na sua

comarca (Justiça Estadual) ou subseção judiciária (Justiça Federal). Assim, não

poderia ser admitido que ocorra a extensão da competência de qualquer juiz, para

que a sua sentença proferida erga omnes alcance os réus em todo o território

nacional.

Dessa forma, a decisão do juiz na ação civil pública ficaria restrita aos

limites territoriais de sua competência, não podendo abranger todo o território

nacional/estadual ou outro, não integrante de sua jurisdição. Todavia, a norma

aludida não pode assim ser interpretada.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu no sentido de que a

competência referida não está ligada à organização judiciária, mas, à extensão do

dano:

(...) A regra do art. 16 da Lei 7.347/85 deve ser interpretada

em sintonia com os preceitos contidos na Lei 8.078/90,

entendendo-se que os "limites da competência territorial do

órgão prolator", de que fala o referido dispositivo, não são

aqueles fixados na regra de organização judiciária, mas, sim,

aqueles previstos no art. 93 do Código de Defesa do

Consumidor. Assim: a) quando o dano for de âmbito local,

isto é, restrito aos limites de uma comarca ou circunscrição

judiciária, a sentença não produzirá efeitos além dos próprios

limites territoriais da comarca ou circunscrição; b) quando o

dano for de âmbito regional, assim considerado o que se

estende por mais de um município, dentro do mesmo Estado

 

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ou não, ou for de âmbito nacional, estendendo-se por

expressiva parcela do território brasileiro, a competência será

do foro de qualquer das capitais ou do Distrito Federal, e a

sentença produzirá os seus efeitos sobre toda a área

prejudicada (...).

Adotando-se interpretação diversa da exposta, seria necessário

reconhecer a inconstitucionalidade da limitação da atuação jurisdicional, com base

no art. 5º, XXXV, da CF, uma vez que a própria Carta Magna reconhece o direito à

ação coletiva, podendo reunir, como substituídas, pessoas com sede em vários

Estados da Federação.

Portanto, DEPENDENDO DO CASO CONCRETO, OS EFEITOS DA

DECISÃO PODEM ABRANGER TODO O TERRITÓRIO NACIONAL OU

LOCAL DIVERSO DA JURISDIÇÃO DO JUÍZO, QUANDO O DANO SE

PERPETUAR EM MAIS DE UM MUNICÍPIO, DENTRO OU NÃO DE MESMO

ESTADO.

Nesse passo, ciente de que os danos advindos a partir da política pública

de isolamento aqui debatida extrapolarão a jurisdição desta respectiva vara federal, a

resolução do impasse no que tange a abrangência da decisão em sede da presente

ação civil pública deverá está amparada na aplicação subsidiária da norma contida

no artigo 93 da Lei nº 8.078/90, emprego consentido expressamente pelo artigo 21

da Lei nº 7.347/85, segundo o qual:

Art. 21 Aplicam-se à defesa dos direitos e interesses difusos,

coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do

Título III da Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990, que

instituiu o Código de Defesa do Consumidor.

Assim, à luz do dispositivo supracitado (art. 93 da lei nº 8.078/90) e

admitindo-se a transcendência da dimensão, bem como dos reflexos dos danos para

 

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todo território nacional, pugna-se que a decisão a ser proferida nestes autos não reste

adstrita a uma única região/ âmbito da jurisdição deste MM. Juízo, mas a todo o

país.

1.5 Legitimidade ativa da Defensoria Pública da União

A Defensoria Pública tem por função institucional a orientação

jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados. É instituição essencial à

função jurisdicional do Estado justamente por garantir o direito fundamental à

assistência jurídica integral e gratuita aos necessitados, conforme assegura o art. 5º,

LXXIV, da Constituição Federal, umbilicalmente ligado ao direito fundamental do

acesso à justiça, consagrado no art. 5º, XXXV, da CF.

No intuito de abrigar a ideia inerente ao reconhecimento da

legitimidade para o ajuizamento de demandas coletivas pela Defensoria Pública, e

harmonizar a aplicação do Código Consumerista, o legislador pátrio alterou a

redação do artigo 5º da Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985, que disciplina a ação

civil pública, legitimando explicitamente a propositura da ação pela Defensoria

Pública da União.

Cumpre observar que o posicionamento de reconhecer a legitimidade

ativa na propositura de Ações Civis Públicas vem sendo consolidado doutrinária e

jurisprudencialmente, inclusive no âmbito das Cortes Superiores, como demonstrado

a seguir:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.

LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA

AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ART. 134 DA CF.

ACESSO À JUSTIÇA. DIREITO FUNDAMENTAL. ART.

5º, XXXV, DA CF. ARTS. 21 DA LEI 7.347/85 E 90 DO

CDC. MICROSSISTEMA DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS

TRANSINDIVIDUAIS. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.

INSTRUMENTO POR EXCELÊNCIA. LEGITIMIDADE

 

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ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR

AÇÃO CIVIL PÚBLICA RECONHECIDA ANTES

MESMO DO ADVENTO DA LEI 11.448/07.

RELEVÂNCIA SOCIAL E JURÍDICA DO DIREITO QUE

SE PRETENDE TUTELAR. RECURSO NÃO PROVIDO.

1. A Constituição Federal estabelece no art. 134 que "A

Defensoria Pública é instituição essencial à função

jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica

e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do

art. 5º, LXXIV". Estabelece, ademais, como garantia

fundamental, o acesso à justiça (art. 5º, XXXV, da CF), que

se materializa por meio da devida prestação jurisdicional

quando assegurado ao litigante, em tempo razoável (art. 5º,

LXXVIII, da CF), mudança efetiva na situação material do

direito a ser tutelado (princípio do acesso à ordem jurídica

justa).

2. Os arts. 21 da Lei da Ação Civil Pública e 90 do CDC,

como normas de envio, possibilitaram o surgimento do

denominado Microssistema ou Minissistema de proteção dos

interesses ou direitos coletivos amplo senso, com o qual se

comunicam outras normas, como os Estatutos do Idoso e da

Criança e do Adolescente, a Lei da Ação Popular, a Lei de

Improbidade Administrativa e outras que visam tutelar

direitos dessa natureza, de forma que os instrumentos e

institutos podem ser utilizados para "propiciar sua adequada e

efetiva tutela" (art. 83 do CDC).

3. Apesar do reconhecimento jurisprudencial e doutrinário de

que "A nova ordem constitucional erigiu um autêntico

'concurso de ações' entre os instrumentos de tutela dos

interesses transindividuais" (REsp 700.206/MG, Rel. Min.

 

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LUIZ FUX, Primeira Turma, DJe 19/3/10), a ação civil

pública é o instrumento processual por excelência para a sua

defesa.

4. A Lei 11.448/07 alterou o art. 5º da Lei 7.347/85 para

incluir a Defensoria Pública como legitimada ativa para a

propositura da ação civil pública. Essa e outras alterações

processuais fazem parte de uma série de mudanças no

arcabouço jurídico-adjetivo com o objetivo de, ampliando o

acesso à tutela jurisdicional e tornando-a efetiva, concretizar

o direito fundamental disposto no art. 5º, XXXV, da CF.

5. In casu, para afirmar a legitimidade da Defensoria Pública

bastaria o comando constitucional estatuído no art. 5º,

XXXV, da CF.

6. É imperioso reiterar, conforme precedentes do Superior

Tribunal de Justiça, que a legitimatio ad causam da

Defensoria Pública para intentar ação civil pública na defesa

de interesses transindividuais de hipossuficientes é

reconhecida antes mesmo do advento da Lei 11.448/07, dada

a relevância social (e jurídica) do direito que se pretende

tutelar e do próprio fim do ordenamento jurídico brasileiro:

assegurar a dignidade da pessoa humana, entendida como

núcleo central dos direitos fundamentais.

7. Recurso especial não provido. (REsp 1106515/MG, Rel.

Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA

TURMA, julgado em 16/12/2010, DJe 02/02/2011) (grifou-

se).

Verifica-se, portanto, que longe de estar ligada apenas a uma questão

meramente formal da previsão legal expressa que reconheça a legitimidade para

propositura do presente instrumento jurídico pela Defensoria Pública, tal

reconhecimento ganha força na necessidade de plena atuação na garantia do direito

 

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fundamental de acesso à justiça, função precípua da instituição, como posto

inicialmente.

Destaque-se a visível pertinência temática entre a pretensão dos

assistidos pela DPU nesta Ação Civil Pública e o exercício das funções típicas da

Instituição, qual seja a defesa de hipossuficientes (art. 5º, LXXIV, CF), dada a

vulnerabilidade tanto da condição social quanto dos meios para emprego de defesa

técnico-jurídica.

1.6 Da não prescrição da demanda

Preliminarmente, com a finalidade de afastar qualquer discussão sobre

a prescrição da pretensão aqui discriminada, suscita-se, desde logo, a

IMPRESCRITIBILIDADE DA DEMANDA, tendo em vista que se trata de pleito

que envolve explícita violação à direitos humanos.

Embora o Superior Tribunal de Justiça, utilizando-se de analogia,

reconheça que o prazo quinquenal para a propositura de ação popular também deve

ser aplicado às ações civis públicas, o mesmo Tribunal reforça a hipótese de ser o

prazo imprescritível quando a demanda tratar de violação aos direitos humanos.

Nesses casos, o Superior Tribunal de Justiça, em reiteradas decisões,

julgou não haver a aplicação do instituto da prescrição:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL.

PERSEGUIÇÃO POLÍTICA. DITADURA MILITAR.

PRETENSÃO INDENIZATÓRIA.

IMPRESCRITIBILIDADE. DIREITOS HUMANOS

FUNDAMENTAIS. INAPLICABILIDADE DO ART. 1.º

DO DECRETO N.º 20.910/32. REDUÇÃO DISPOSITIVOS

DA LEI N. 10.559/2002. INCIDÊNCIA DA SÚMULAS 282

e 356/STF.

1. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a

prescrição quinquenal disposta no art. 1º do Decreto

 

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20.910/1932 é inaplicável aos danos decorrentes de violação

de direitos fundamentais, por serem imprescritíveis,

principalmente quando ocorreram durante o Regime Militar,

época na qual os jurisdicionados não podiam deduzir a

contento as suas pretensões. Precedentes.

2. O argumento referente à afronta ao Princípio da Reserva de

Plenário foi trazido, tão-somente, nas razões do agravo

regimental ora analisado, o que configura patente inovação da

tese.

3. O art. 16 da Lei nº 10.559/02, bem como a tese a ele

vinculada que "é impossível cumular as indenizações

concedidas com base na Lei n. 10559/02" (e-STJ fl. 640), não

foi objeto de debate pela instância ordinária, e o recorrente

nem sequer provocou a questão via embargos de declaração.

Incidência das Súmulas 282 e 356/STF.

4. Agravo regimental não provido. (STJ - AgRg no AREsp:

302979 PR 2013/0051940-2, Relator: Ministro CASTRO

MEIRA, Data de Julgamento: 28/05/2013, T2 - SEGUNDA

TURMA, Data de Publicação: DJe 05/06/2013) (grifou-se).

A jurisprudência em destaque se liga aos seguintes precedentes:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL -

INDENIZAÇÃO - REPARAÇÃO DE DANOSMORAIS -

ATIVIDADE POLÍTICA - PERSEGUIÇÕES OCORRIDAS

DURANTE OPERÍODO MILITAR - NÃO-INCIDÊNCIA

DA PRESCRIÇÃO QUINQUENAL - ART. 1º DO

DECRETO Nº 20.910/1932 - IMPRESCRITIBILIDADE.

1. O argumento de que o art. 1º da Lei 20.910/32, que regula a

prescrição a ser aplicada nas ações contra a Fazenda Pública,

 

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não poderia ter sido afastado a menos que fosse pelo Órgão

Especial da Corte é questão nova na lide, trazida apenas no

agravo regimental.

2. Não é possível em agravo regimental inovar a lide,

invocando questão até então não suscitada.

3. A alegação de que o vício teria surgido apenas na decisão

que negou provimento ao agravo não procede, tendo em vista

que não houve inovação decisória. O decisum ora agravado

apenas confirmou o que ficara decidido no aresto proferido

pelo Tribunal de origem.

4. A prescrição quinquenal disposta no art. 1º do Decreto

20.910/1932 é inaplicável aos danos decorrentes de violação

de direitos fundamentais, por serem imprescritíveis,

principalmente quando ocorreram durante o Regime Militar,

época na qual os jurisdicionados não podiam deduzir a

contento as suas pretensões.Precedentes.

5. É despicienda a análise em torno do momento inicial para a

contagem do prazo prescricional, na espécie em análise, tendo

em vista a orientação desta Corte no sentido da

imprescritibilidade. 6. Agravo regimental não provido. (STJ

AgRg no Ag 1392493 RJ 2011/0003509-8 ,Relator: Ministro

CASTRO MEIRA, Data de Julgamento: 16/06/2011, T2 -

SEGUNDA TURMA) (grifou-se).

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL –

INDENIZAÇÃO – REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS

E MORAIS – TORTURA – REGIME MILITAR – NÃO-

INCIDÊNCIA DA PRESCRIÇÃO QUINQUENAL – ART.

1º DO DECRETO N. 20.910/1932 –

IMPRESCRITIBILIDADE.

 

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1. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que a

prescrição quinquenal não se aplica aos casos de reparação de

danos causados por violações dos direitos fundamentais que

são imprescritíveis, principalmente quando se fala da época

do Regime Militar, quando os jurisdicionados não podiam

buscar a contento suas pretensões. Precedentes.

2. Ademais, o argumento referente à afronta ao Princípio da

Reserva de Plenário foi trazido, tão-somente, nas razões do

agravo regimental ora analisado, o que configura patente

inovação da tese. "É vedado à parte inovar em sede de agravo

regimental." (AgRg no Ag 875.054/SP, Rel. Min. Denise

Arruda, julgado em 7.8.2007, DJ 6.9.2007). Agravo

regimental improvido (STJ AgRg no REsp 893725 PR

2006/0219140-9, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS,

Data de Julgamento: 23/04/2009, T2 - SEGUNDA TURMA).

Desde já, observa-se que a jurisprudência aqui exposta não restringe a

imprescritibilidade em ações de reparação de danos causados por atos de

perseguição e tortura exclusivamente na época da ditadura militar, POIS

ADENTRAM NO MÉRITO DA POSSIBILIDADE DE SE DESCONSIDERAR A

PRESCRIÇÃO EM CASOS DE DANOS DECORRENTES DE QUALQUER

VIOLAÇÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS.

Por se tratar de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que, de

acordo com o seu próprio código de conduta, possui a seguinte missão: “Processar e

julgar as matérias de sua competência originária e recursal, assegurando a

uniformidade na interpretação das normas infraconstitucionais e oferecendo ao

jurisdicionado uma prestação acessível, rápida e efetiva.”, entende-se ser intencional

a falta de especificidade dos julgados apresentados, demonstrando interesse do

órgão julgador em reconhecer a possibilidade de não se aplicar a prescrição a

 

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qualquer tipo de dano sofrido por violação a direitos fundamentais, desde que

comprovada esta hipótese.

As pessoas com hanseníase sofreram toda espécie de ofensa à sua

dignidade. Tiveram cerceada sua liberdade de ir e vir, foram tratados com absurda

desigualdade sem qualquer critério razoável para a discriminação e, posteriormente,

foram “devolvidos” à sociedade, já marcados pelo calvário da exclusão e com

extrema dificuldade para reconstituir seus laços sociais e familiares.

Já os filhos separados de pais com hanseníase tiveram que conviver

com o estigma da doença, não por terem sido necessariamente vítimas dela (alguns

foram, de fato), mas por serem filhos das vítimas. Além do preconceito, os “filhos

separados” – como costumam se autodenominar – após a segregação forçada de seus

pais, eram internados em educandários, nos quais sofriam graves violências físicas,

psicológicas, inclusive abusos sexual, e ainda, dentre outros abusos, não raras vezes

eram vítimas de adoções irregulares (tráfico de pessoas), nas quais na maioria eram

tratados como “empregados”.

Considerando a notória violação a direitos humanos do caso em tela,

tendo em vista o abuso sofrido pelos filhos separados de pais com hanseníase, o

preconceito que foram obrigados a conviver e a perda do contato com os genitores,

requere-se, desde logo, o reconhecimento da IMPRESCRITIBILIDADE DA

DEMANDA.

2. DOS FATOS

A hanseníase, ou vulgarmente chamada de lepra, morfeia, mal de

lázaro, é um moléstia provocada pelo Mycobacterium leprae ou bacilo de hansen.

Conhecida vulgarmente por “lepra” desde os tempos bíblicos, a enfermidade carrega

a pesada marca do preconceito, discriminação e exclusão social desde o seu

surgimento. É uma doença infectocontagiosa de evolução crônica, cujas

manifestações clínicas têm predominância na pele e/ou nervos periféricos.

Seu agente causador é um parasita intracelular que se instala nas

células cutâneas ou nas células de nervos periféricos podendo se multiplicar. O

 

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início da doença ocorre na maioria das vezes com sensações parestésicas de

extremidades e/ou por manchas hipocrômicas ou eritemato-hipocrômicas, com

alterações de sensibilidade (térmica, dolorosa e táctil). O quadro neurológico ocorre

apenas nos nervos periféricos, quando a extensão da própria lesão cutânea

compromete os troncos nervosos, na maioria das vezes, por metástases bacilares.

O Mycobacterium leprae ataca as fibras do sistema nervoso periférico

sensitivo, motor e autônomo. Durante as reações (surtos reacionais), vários órgãos

podem ser acometidos, tais como olhos, rins, suprarenais, testículos, fígado e baço.

Segundo entidades internacionais sobre saúde, 90% (noventa por

cento) da população mundial possui resistência ao parasita causador da Hanseníase,

sendo que apenas 5% (cinco por cento) dos que não possuem resistência desenvolve

a doença. Ademais, possui a moléstia um longo período de encubação, que leva de 2

(dois) a 20 (vinte) anos, por isso atinge de forma mais comum pessoas adultas.

Por muito tempo não havia conhecimento de como se transmitia a

hanseníase, como também não havia conhecimento sobre a existência de tratamento

adequado e eficaz para a doença. Por isso mesmo, inúmeras medidas foram adotadas

para que não houvesse uma enorme proliferação dessa enfermidade. Há relatos que

em tempos antigos, as pessoas acometidas com hanseníase usavam sinos nos

pescoços para sua presença ser identificada de longe, queima de moradias de pessoas

com hanseníase, dentre outras medidas, dentre as quais deve ser destaca a política de

INTERNAÇÕES COMPULSÓRIAS.

As internações forçadas consistiam no isolamento do paciente com

hanseníase (ou com suspeita de portar a doença) em colônias distantes dos centros

urbanos, mesmo contra a sua própria vontade. A Primeira Conferência Americana

sobre Lepra1 recomendou esse tipo de ação em seu texto final (Anexo 1 –

Conclusões da Primeira Conferência Americana de Lepra):

TERCEIRA — O combate ao contágio constitui o elemento

decisivo na campanha contra a lepra e deverá ser realizado                                                             1 http://hansen.bvs.ilsl.br/textoc/revistas/brasleprol/1946/pdf/v14n4/v14n4concpl.pdf

 

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principalmente em colônias de leprosos, nos quais sejam

tomadas todas as providências de ordem técnica, que atendam

às diversas doutrinas em litígio realtivas à transmissão da

doença.

Tão logo o Estado brasileiro assumiu tal recomendação como política

pública para o tratamento da hanseníase, inúmeros estados da federação, subsidiados

pelo governo federal, construíram colônias dedicadas exclusivamente ao

“tratamento” das pessoas com hanseníase.

As internações compulsórias então passaram a ser regulamentadas

pela Lei Federal Nº 610/1949 (Anexo 2 – Lei Federal Nº 610/1949)2, na qual se

fixou as regras para profilaxia da hanseníase (“lepra” no texto original), tendo

previsto essa política em seu Artigo 1º:

Art. 1º A profilaxia da lepra será executada por meio das

seguintes medidas gerais:

III – Isolamento compulsório dos doentes contagiantes;

IV – Afastamento obrigatório dos menores “contatos” de

casos de lepra da fonte de infecção;

Em tese, a ideia de isolar pessoas com hanseníase tinha como

justificativas: (1) isolar o paciente de pessoas saudáveis, com a finalidade de evitar

contágio; e (2) nas colônias seriam realizados os tratamento das pessoas doentes.

Todavia, as pessoas que chegavam nas colônias encontraram um

ambiente mais parecido com um campo de concentração, diferente da perspectiva de

um lugar propício para a realização de tratamento da enfermidade. Em verdade, nas

colônias os pacientes encontraram um local inóspito e violento, incompatível com

uma estrutura minimamente destinada à realização de tratamentos médicos.

                                                            2 https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1930-1949/L0610impressao.htm

 

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Somado as internações compulsórias, as pessoas com hanseníase

conviveram (e ainda convivem) com o preconceito que surge com a doença. Na

hanseníase, o estigma é um fenômeno real, que afeta a vida dos indivíduos nos seus

aspectos físico, psicológico, social e econômico e representa o conjunto de fatores

como medos e sentimento de exclusão que atinge as pessoas com a moléstia.

Infelizmente, o preconceito e o estigma associados à doença

ameaçadora e fatal do passado permanecem no imaginário da sociedade, remetendo

os indivíduos ao tabu da morte e da mutilação, trazendo grande sofrimento psíquico

aos doentes e sérias repercussões em sua vida pessoal e profissional.

O estigma se potencializou a partir do isolamento social que envolveu

a doença e nos dias atuais é evidenciado através do claro preconceito que acomete os

indivíduos atingidos pela hanseníase, que preferem se manter calados a respeito do

diagnóstico e ocultar seu corpo, na tentativa de esconder a doença para evitar a

rejeição e o abandono.

Como forma de reparar os danos causados pelo Estado brasileiro,

houve a edição da Medida Provisória nº 373, de 24 de maio de 2007, posteriormente

convertida na Lei nº 11.520/2007 (Anexo 3 – Lei Nº 11.520/2007)3, que dispõe

sobre a concessão de pensão especial às pessoas atingidas pela hanseníase que foram

submetidas a isolamento e internação compulsórios, sendo instrumento onde o

próprio Estado brasileiro RECONHECEU A LESÃO A PESSOAS COM

HANSENÍASE INTERNADAS COMPULSORIAMENTE.

A referida Lei Federal dispõe sobre a concessão de pensão especial às

pessoas atingidas pela hanseníase que foram submetidas a regime de segregação

forçada e autoriza o Poder Executivo a conceder uma pensão especial, mensal,

vitalícia e intransferível, a título de indenização especial, correspondente a R$

750,00 (setecentos e cinquenta), a quem foi internado e isolado compulsoriamente,

por força do diagnóstico de hanseníase, em hospitais-colônia até 31 de dezembro de

1986.

                                                            3 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/lei/l11520.htm

 

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Na exposição de motivos do projeto de medida provisória

encaminhado ao Presidente da República, que culminou com a edição da Lei nº

11.520, de 18 de setembro de 2007, sete Ministros de Estado brasileiros bem

contextualizaram o problema ora trazido à baila (Anexo 4 – Exposição de Motivos

Medida Provisória 373/2007), reiterando ser documento no qual,

inquestionavelmente, o próprio Poder Executivo federal, ora réu, reconhece a

sistemática lesão a direito produzido pelo Estado brasileiro:

“2. A legislação sanitária brasileira da Primeira República, em

conformidade com os conhecimentos científicos da época,

previa o isolamento de pessoas com hanseníase em colônias

construídas especificamente para esse fim. Os Decretos de no

5.156, de 1904 (Regulamento Sanitário Federal), e no 10.821,

de 1914 dispunham sobre a matéria. O Decreto Federal no

16.300, de 31 de dezembro de 1923, por sua vez, reforçou a

disposição de que o isolamento de pessoas com hanseníase

deveria ocorrer preferencialmente em colônias, definidas

nesta norma como estabelecimentos nosocomiais.

3. Contudo, a imposição legal não podia ser cumprida à risca,

uma vez que o número desses estabelecimentos no Brasil era

insuficiente. Vale ressaltar que, ao final da década de vinte do

século passado, havia um clima de pânico social em relação

aos doentes. Marginalizados, os portadores de hanseníase não

podiam trabalhar e, sem condições de subsistir, mendigavam

pelas ruas.

4. No primeiro governo do Presidente Getúlio Vargas (1930-

45), o combate à hanseníase foi ainda mais disciplinado e

sistematizado. Reforçou-se, então, a política de isolamento

compulsório que mantinha os doentes asilados em hospitais-

 

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colônia. Quando se concluiu a rede asilar do País, o

isolamento forçado ocorreu em massa.

5. A maior parte dos pacientes dos hospitais-colônia foi

capturada ainda na juventude. Foram separados de suas

famílias de forma violenta e internados compulsoriamente.

Em sua maioria, permaneceram institucionalizados por várias

décadas. Muitos se casaram e tiveram filhos durante o

período de internação. Os filhos, ao nascer, eram

imediatamente separados dos pais e levados para instituições

denominadas “preventórios”. Na maioria dos casos, não

tinham quase nenhum contato com os pais.

6. A disciplina nos preventórios era extremamente rígida, com

aplicação habitual de castigos físicos desmesurados. As

crianças eram induzidas a esquecerem de seus pais, porquanto

a hanseníase era considerada uma “mancha” na família.

7. Nos hospitais, as fugas eram freqüentes, mas a dificuldade

de viver no mundo exterior sob o forte estigma da doença,

forçava os pacientes a voltar. Os anos se passaram, e o Brasil,

seguindo a tendência mundial, começou a pôr fim ao

isolamento compulsório mantendo um regime de transição

semi-aberto. A internação compulsória foi abolida

formalmente em 1962, mas há registros de casos ocorridos

ainda na década de 1980.

8. Nos últimos vinte anos, com a consolidação da cura da

hanseníase por meio da poliquimioterapia - tratamento com

múltiplos medicamentos - realizada sem necessidade de

internação, os hospitais-colônia passaram apenas a asilar

antigos doentes que não possuíam mais vínculos familiares ou

sociais fora de seus muros, aqueles que, mesmo curados,

continuavam dependentes de tratamento por conta de

 

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seqüelas, além de ex-pacientes que saíram, mas retornaram

por não terem condições de sobreviver fora da instituição.

9. Dos 101 hospitais-colônia outrora existentes no País, cerca

de trinta e três continuam parcialmente ativos. Estima-se que

existam atualmente cerca de três mil remanescentes do

período de isolamento.

10. Reconhecendo a gravidade da situação, Vossa Excelência,

em 24 de abril de 2006, assinou Decreto instituindo Grupo de

Trabalho Interministerial (GTI) de Ex-Colônias de

Hanseníase, com o duplo objetivo de proceder a levantamento

da situação dos residentes nas ex-colônias e propor/articular a

execução de ações interministeriais de promoção dos direitos

de cidadania dessa população. O GTI desenvolveu seus

trabalhos até dezembro de 2006, sob coordenação da

Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da

República. O Relatório Final foi recentemente concluído.

11. Dentre o amplo leque de recomendações deste Relatório,

destaca-se, pela oportunidade, a criação de uma Pensão

Indenizatória Vitalícia de caráter pessoal e intransferível aos

ex-internos, no valor de R$ 750,00. O gasto total estimado

será de pouco mais de R$ 27 milhões a partir da cobertura

integral dos potenciais beneficiários, com grande impacto na

qualidade de vida de uma população que sofre com as graves

seqüelas adquiridas e a avançada idade.

12. No âmbito internacional, o Governo Japonês foi pioneiro

ao reconhecer a figura do “exilado sanitário” e a estabelecer

indenização para as pessoas com hanseníase que sofreram

reclusão compulsória por motivos sanitários.

13. É neste contexto que se configura a importância desta

Medida Provisória, restabelecendo a iniciativa do Presidente

 

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da República na reparação aos efeitos causados pela ação do

Estado, ainda que embasada nas teorias científicas vigentes à

época, causadora de danos irrecuperáveis. A iniciativa do

Governo Brasileiro significa uma demonstração contundente

do compromisso de resgatar parte da dívida que a sociedade

tem com esses cidadãos.

14. A urgência e relevância da adoção da providência aqui

proposta, por meio de Medida Provisória, inclusive com o

reconhecimento do direito à pensão a partir de sua edição, é

caracterizada pelo fato de que o público-alvo da medida,

sofrendo de graves seqüelas, possui idade média bastante

avançada e vive em condições precárias, correndo grave risco

de vida, obrigando o Estado a instituir desde já um benefício

de caráter indenizatório.

15. A despesa estimada para o ano de 2007 é de R$ 13

milhões, atingindo R$ 27 milhões nos anos subseqüentes.

16. Para fins de cumprimento do que dispõe o art. 17 da Lei

de Responsabilidade Fiscal - LRF (Lei Complementar no 101,

de 4 de maio de 2000), as despesas decorrentes do pagamento

da Pensão Vitalícia serão atendidas dentro da margem de

expansão das despesas obrigatórias de caráter continuado,

prevista no Anexo de Metas Fiscais da Lei de Diretrizes

Orçamentárias de 2007, Lei no 11.439, de 29 de dezembro de

2006”4 (grifou-se).

O reconhecimento da lesão à dignidade da pessoa humana das pessoas

acometidas com hanseníase foi de extrema importância para que houvesse a

reparação dos danos causados. Todavia, Excelência, a pensão federal adotada para a

                                                            4 Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Exm/EMI-16-MPS-MP-MF-MS-MDS-SEDH-C.CIVIL.htm. Acessado em 13.07.2009.

 

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reparação, não abrangeu uma parcela importante de pessoas que foram vítimas da

política de internações compulsórias de hansenianos, qual seja OS FILHOS

SEPARADOS DE PESSOAS COM HANSENÍASE.

Isso porque, com a premissa de isolar as pessoas acometidas com a

doença e especificamente com a finalidade de segregar saudáveis de enfermos para

que não houvesse a proliferação da moléstia, foi o Estado brasileiro responsável por

uma das maiores atrocidades da história recente do Brasil.

A princípio, a atitude de separar pais com hanseníase de filhos

saudáveis pode parecer razoável, visto que, em tese, estaria garantindo-se a

integridade das crianças, evitando que estas fossem acometidas pela mesma

enfermidade dos pais. Todavia, Excelência, esta SEPARAÇÃO FORÇADA afastava

qualquer vínculo familiar entre crianças e genitores.

Conforme citado anteriormente, o Artigo 1º da Lei Federal Nº

610/1949 demonstra que a separação de crianças dos pais com hanseníase era uma

política de saúde pública da época. Após serem afastados dos pais, os “filhos

separados” tiveram diversos destinos oficiais: alguns eram adotados por outras

famílias, outros ficavam em “educandários” e outros era enviados para orfanatos.

Embora as destinações fossem, na aparência, adequadas, eram nelas

que surgiam os maiores tipos de abusos que se pode cometer contra uma criança:

graves agressões físicas e mentais, algumas crianças eram adotadas para serem

“empregadas domésticas” das famílias adotantes, outras sofriam abusos sexuais

dentro dos educandários e orfanatos, dentre outros abusos. QUANTO MAIS

HISTÓRIAS SÃO CONTADAS, MAIS VIOLAÇÕES SÃO RELATADAS.

Somado aos abusos descritos anteriormente, os filhos de pessoas com

hanseníase tiveram que conviver com estigma e preconceito por serem filhos de

vítimas da doença. Na época, sabia-se muito pouco sobre a hanseníase, como esta

era transmitida ou como deveria ser tratada, então, aqueles que tinham a doença

eram estigmatizados, tendo seus filhos sofrido o mesmo estigma, por “herança”.

Sendo a política de separar filhos de pais com hanseníase aplicada

nacionalmente, o Maranhão não ficou de fora. Aqui existiu a Colônia do Bonfim

 

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(atual Hospital Aquiles Lisboa) como local de internações de pessoas com a doença,

e o Educandário Santo Antônio, como local onde, em regra, as crianças eram

destinadas.

Procurado por maranhenses que passaram pela situação desumana de

conviver em Colônia ou ter sido separado dos pais, indo para educandários ou

estabelecimentos similares, o núcleo maranhense da Defensoria Pública da União,

através de seu Ofício Direitos Humanos e Tutela Coletiva (DHTC), passou a atuar

na defesa destas pessoas, ensejando a abertura do Procedimento de Assistência

Jurídica (PAJ) n. 2011/012-681 (Anexo 5 - Documentos do PAJ e Despacho de

Abertura).

Após a instauração do PAJ, foi realizada audiência pública no

auditório da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção Maranhão, organizada pelo

Ofício de DHTC, conjuntamente com a Coordenação Nacional do Movimento de

Reinteração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase – MORHAN (Anexo 6 -

Relatório de Audiência Pública 28.06.2011).

Na audiência, após os debates, foi aprovada de forma unânime pelos

presentes: a apresentação conjunta por diversos órgãos de recomendações à

inúmeras autoridades e órgãos estatais, visando a confecção de projeto de lei com

vistas à reparação pecuniária dos filhos separados de seus pais em razão de políticas

estatais de tratamento de hansenianos, bem como o encaminhamentos de ofícios ao

Hospital Aquiles Lisboa e ao Educandário Santo Antônio, requisitando a

conservação e remessa de cópia de documentos constantes de seu acervo que

atestem, direta ou indiretamente, a separação compulsória de filhos em razão da

hanseníase.

Seguindo o que foi deliberado na audiência pública, a Defensoria

Pública da União enviou recomendação de confecção de projeto de lei (Anexo 7 -

Cópias de Recomendações) e oficiou ao Hospital Aquiles Lisboa e ao Educandário

Santo Antônio (Anexo 8 - Ofícios Hospital Aquiles Lisboa e Educandário Santo

Antônio).

 

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Em resposta, o Educandário Santo Antônio (Anexo 9 - Ofício

Educandário Santo Antonio), informou o caráter beneficente da sociedade civil,

indicando que não possui quaisquer fins lucrativos, sendo destinada ao amparo

social de crianças desamparadas, carentes, com prioridade a assistência ao filho de

pessoas com hanseníases. A entidade informou também que a política de receber

filhos de hansenianos é ali adotada há 80 (oitenta) anos, realizando o controle de

recebimento das referidas crianças através de registro nos livros da Instituição.

Informou também que forneceu declarações atestando o recebimento de filhos de

hansenianos separados em razão da política de internações e isolamento

compulsórios. A instituição fez remessa da documentação relatada.

Se o Educandário Santo Antonio tenha fornecido um vasto conteúdo e

informativo sobre os internos do educandário, o Hospital Aquiles Lisboa, através de

Ofício Nº 633/2011/GDG/HAL-SES (Anexo 10 - Ofício Nº 633/2011 Aquiles

Lisboa) alegou que existem inúmeros prontuários no hospital, nos quais a maioria

não informa se os antigos internos da Colônia do Bonfim tinham filhos ou não. O

hospital destacou que seria necessário uma grande força tarefa para que os

postulantes possam apresentar certidões de nascimento ou qualquer outro

documentos que possam ser relacionados ao período de internações compulsórias

experimentados pelos pacientes da Colônia.

O Hospital Aquiles Lisboa finalizou o expediente registrando a

necessidade de ser apresentado nomes dos supostos filhos separados, assim como do

genitor, para que pudesse ser realizada uma pesquisa mais densa nos registros.

Concomitante à solicitação de informações referentes ao Maranhão, o

Movimento de Reinteração de Pessoas Atingidas pela Hanseníase (MORHAN) e

outras instituições da sociedade civil organizada têm levantado a bandeira na busca

pela reparação à lesão sofrida pelos filhos separados de pessoas com hanseníase,

motivados pela vitória anterior que foi a pensão federal.

Tais instituições, juntamente com a Defensoria Pública da União,

buscam apoio parlamentar e no Executivo para que a reparação venha a ser

efetivada.

 

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As movimentações perante o legislativo renderam Projetos de Lei

referentes a reparação dos filhos segregados pela política de internação compulsória

da hanseníase. Dentre eles, destaca-se a atuação da bancada maranhense: PL Nº

2.962/2011, de autoria do Deputado Federal Sarney Filho, PL 3.303/2012, de autoria

do ex-deputado federal Edivaldo Holanda Júnior, e o PL 4.907/2012, de autoria do

ex-deputado federal Domingos Dutra (Anexo 11 - Projetos de Lei).

Ao passo da existência de proposta de norma no Poder Legislativo,

existe movimentação também no Poder Executivo para que haja a publicação de

uma Medida Provisória, nos moldes da que deu origem à pensão federal para as

vítimas de hanseníase que passaram por internações compulsórias.

Porém, apesar da constante negociação com a Secretaria de Direitos

Humanos do Governo Federal, ainda não há nenhuma ação que possa ser

considerada relevante para o reconhecimento à lesão sofrida pelos “filhos

separados”.

Isso porque, independente das tratativas com vistas à reparação

pecuniária dos homens e mulheres vítimas da separação forçada de seus genitores, o

que não constitui objeto desta ação coletiva (NÃO HÁ PEDIDO

INDENIZATÓRIO), há urgência na necessidade de adoção de uma séria de outros

atos com vistas a identificar e proteger a coletividade ora assistida, notadamente

através de políticas públicas específicas. Esse é o propósito da presente ação civil

pública.

Para finalizar o relato dos fatos que ensejam a propositura desta

demanda, segue transcrição integral de carta enviada à Teresa Oliveira, publicado no

livro Nascidos Depois (Anexo 12 - Cópia Integral do Livro “Nascidos Depois”)5, na

qual uma filha separada dos pais com hanseníase conta sua história (pag. 29 – 31):

“Boa Tarde, Teresa Oliveira,

Estou lhe enviando minha história de vida!

                                                            5 Nascidos Depois. Teresa Oliveira. Editora Scortecci. São Paulo. 1ª Ed. 2013

 

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Nasci em 26 de março de 1948, dentro de um hospital

de Hanseníase, na Colônia Padre Damião em UBÁ, Município de

Tocatins – MG, porque meus pais eram portadores da doença. Logo

após o meu nascimento, fui transferida para um Internato, em Juízo

de Fora – MG, ficando até aos meus três anos de idade. Depois, fui

transferida para o Educandário Santa Maria, em Jacarepaguá – RJ,

ficando até os meus 11 anos.

Meus pais se conheceram, se apaixonaram, se casaram

e tiveram 15 filhos! Só que, deste relacionamento, morreram cinco

filhos, com doenças explicáveis e inexplicáveis.

Na época, não havia tantos recursos como temos hoje.

Com o passar dos anos, meus pais foram transferidos

para o Rio de Janeiro, recebendo ordens do Hospital, ou do Governo,

que os filhos teriam que se ISOLAR num Internato, devido ao

contágio desta doença, que estava em altíssimo grau. Em estudos e

experimentos, em laboratórios com várias drogas e remédios

fortíssimos.

O meu isolamento e dos meus nove irmãos foram uma

tragédia inconsequente! Sofri preconceitos perante a sociedade, não

tive a infância que merecia, roubaram o meu cérebro, o meu coração!

Hoje, com 62 anos de idade, não pude chegar aos meus Sonhos, pois

tenho uma deficiência psicologia crônica. Fiz terapia ocupacional,

trabalhai em três empresas quando jovem e não pude ir até ao fim!

Não consigo finalizar o que aprendi. Quando coloco em prática o que

tem em minha mente, tudo me parece confuso; volto para a primeira

ideia, várias vezes, mas não chego lá! Os médicos dizem que possuo

bloqueio imenso, devido a minha infância que se tornou muito pobre

em bases necessárias para o meu desenvolvimento.

O Internato “EDUCANDÁRIO SANTA MARIA”,

onde fomos confinados, tinha várias crianças, principalmente uma

 

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em especial que cuidei muito e não sabia que era minha irmã, cujo

nome é Neide Guimarães Belo. Ela não comia a refeição do

refeitório e, sim, vinha de outra cozinha, que era das “Freiras”, pois,

no período, elas quem comandavam e dava as regras no Colégio. A

época até que foi favorável, com limpeza, asseio, comida boa.

Depois de alguns meses, ou ano, não sei precisamente, veio

bruscamente uma mudança! As freiras foram embora, não sei por

que. Sei que todo o Educandário, na hora de refeição, sempre servia

um sopão, no café da manhã, um prado de melado com farinha; e no

jantar, Sopão! Tudo muito pouco...

Passamos um bocado de fome! Eu até comia restos da

lixeira da cozinha catava coisas no chão onde jogavam pedaços de

peixes, mas só chupava os espinhos que encontraram pelo gramado,

não sei dizer de quantos meses ou anos estavam ali. Imagine, não sei

a contabilidade de crianças que tinham no colégio. Como sofreram!

Meus pais nem imaginavam o que se passava entre nós! Havia

visitas dos pais: dentro do Colégio e no Hospital Colônia do

Curupaiti. Lembro-me que eu procurava minha MÃE, que também

nos procurava. Eu sentia sua presença. Achava magra, cabelos

grandes, mãos deformadas e sempre só. Digo que não via meu PAI.

E nem sabia quem ele era. Quando fomos retirados do Internato e

fomos morar juntos, sofri calada: com medos, receios. Tudo me

parecia estranho e ao mesmo tempo feliz. Uma felicidade

desconfiada e tímida.

Meus pais queriam absorver e mostrar o carinho deles

por nós, mas a distância que nos separa foi longa demais!

Surgiram momentos de obediência, preconceitos, pois

eles tinham defeitos no corpo, pés e mãos. Aos poucos, meus outros

irmãos se integraram ao convívio de um lar.

 

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Foi uma educação balançada, sem estruturas básicas e

com poucos de recursos financeiros. Hoje tempos irmãos com vários

problemas mentais sérios.

Minha mãe foi uma lutadora e sofredora. Sem

estruturas emocionais, foi várias vezes abandonada pelo meu pai.

Ele, marinheiro, aos 14 anos, entrou para a Marinha como sinaleiro

de um navio carga. Com o aparecimento da Lepra foi imediatamente

afastado do cargo, indo para o Hospital do Curupaiti. Lá, para

arrumar trabalho, fez o curso de enfermagem e, assim, ocupou o

cargo de enfermeiro. Ela, sempre cuidando da casa e de duas filhas,

uma com 73 anos e outra com 70 anos, hoje, ambas casadas. Uma

casou-se dentro do hospital do Curupaiti, também afastada do

Exército devido à doença. Os outros irmãos que não conheço, os

quais foram juntos comigo, seguem suas vidas.

Minha mãe, Carlita Fialho Guimarães Bello, e meu

Pai, Miguel Monteiro Belo, falecido há mais de 40 anos, e ela

falecida em 12 de fevereiro de 2009 com 98 anos de idade, foi uma

verdadeira heroína. Espero que com este meu depoimento o governo

se sensibilize e digne-se em trazer a milhares de crianças a

recompensa do atraso em que vivemos e que nos ajude a melhorar

este país.

Grata,

Maria das Dores Belo Jurassek

Jacarepaguá/RJ”

Excelência, conforme relatado neste tópico, é visível a situação

humilhante vivida pelas pessoas vítimas da política de internações compulsórias

para tratamento da hanseníase, como também é degradante a situação vivida pelos

filhos separados, uma vez que foram destinados a adoções irregulares (tráfico de

 

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pessoas), educandários e orfanatos, passavam por todas as situações abusivas que

destroem a formação de uma criança e de um adolescente.

Tais violações feriram a dignidade destas crianças e adolescentes que,

até hoje, já senhores e senhoras de meia idade e idosos, vivem com os danos e

traumas advindos daquela época obscura.

O pontapé inicial para a reparação histórica que estas pessoas

merecem começa pelo reconhecimento da lesão sofrida.

Reitere-se que, embora possa haver a aparência de que a reparação

desejada nesta demanda seja pecuniária, na realidade o objeto é outro:

RECONECTAR OS LAÇOS FAMILIARES PERDIDOS, ou seja, tentar

reaproximar famílias separadas pela política de saúde pública da época. Como

também proteger o acervo histórico, para que sirva de lição a todos nós brasileiros e

para que nenhuma política similar seja repetida.

Portanto, requer-se o RECONHECIMENTO À LESÃO SOFRIDA

pelos filhos separados de seus pais com hanseníase, por força da política de

internações e segregação compulsória no tratamento da doença, como também a

criação de um SISTEMA NACIONAL DE FILHOS SEPARADOS

COMPULSORIAMENTE DE PAIS COM HANSENÍASE, com a finalidade de

cruzar dados entre as pessoas, a fim de reconstituir o elo familiar natural perdido.

Requer-se também A PRESERVAÇÃO DOS PREVENTÓRIOS,

EDUCANDÁRIOS, CRECHES, ORFANATOS E ESTABELECIMENTOS

SIMILARES, UTILIZADOS NA POLÍTICA DE SEPARAÇÃO DE FILHOS DE

PAIS COM HANSENÍASE, assim como a PRESERVAÇÃO DE SEU ACERVO

DOCUMENTAL, com a finalidade de restaurar a história deste período bárbaro do

Brasil, para que sirvam de exemplo, garantindo-se que nenhuma política simular

volte a ocorrer no país.

 

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3. DO DIREITO

3.1 Alijamento do sistema de proteção a crianças e a adolescentes

Muito embora algumas das normas citadas neste tópico não fossem

aplicáveis na época da segregação compulsória aqui referida, premente a

contextualização dos reais prejuízos advindos da prática de separação forçada ao

sistema de proteção a crianças e adolescentes hoje em vigor, sobretudo para melhor

caracterização da sistemática violação de direitos humanos à qual foi submetida a

coletividade aqui representada.

A doutrina contemporânea, tomando como fonte os postulados

Constitucionais, tem ensinado que a criança e do adolescente não podem ser meros

sujeitos passivos de direito. Por muito tempo negligenciou-se a figura das crianças e

dos adolescentes, permitindo que diversos abusos fossem cometidos, sem que

houvesse uma devida reprovação social. Todavia, a Constituição Federal de 1988, de

forma inovadora, estabeleceu os direitos desses agentes:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado

assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta

prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à

educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à

dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e

comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de

negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e

opressão.

O rol exemplificativo de direitos tem a finalidade de mostrar ao universo

jurídico aquilo que é necessário para que uma criança e o adolescente tenham pleno

desenvolvimento em sua formação. SÃO DIREITOS ESSENCIAIS, OS QUAIS SE

NÃO FOREM RESPEITADOS, HAVERÁ ENORME PREJUÍZO AOS ADULTOS

QUE SERÃO FORMADOS.

 

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Destaca-se, também, que a Constituição Federal de 1946 já previa que a

obrigatoriedade de haver a devida assistência à infância e à adolescência, em seu

artigo 164, não sendo recente a previsão estatal de garantir direitos as crianças e aos

adolescentes.

A seguir serão evidenciados direitos essenciais para formação de um

indivíduo, os quais foram violados historicamente com relação à coletividade

assistida, prejudicando a formação das crianças e dos adolescentes, hoje adultos e

mesmo idosos, que foram separados de seus pais.

3.1.1. Direito a convivência familiar

Não foi só na Constituição Federal de 1988 que a família recebeu a tutela

do Estado brasileiro, sendo protegida desde as cartas constitucionais anteriores,

como pode ser observado no Artigo 163 da Constituição Federal de 1946:

Art. 163 - A família é constituída pelo casamento de vínculo

indissolúvel e terá direito à proteção especial do Estado

(grifou-se).

A Carta Magna de 1988 não inovou em sentido contrário, garantindo a

proteção do estado à família, previsto no artigo 226. A família é considerada base da

sociedade, sendo a instituição mais antiga da humanidade, sobrevivendo a inúmeras

eras da história.

Para uma criança e um adolescente, a família é o primeiro vínculo social

e afetivo. A convivência familiar é importante para a formação da criança e do

adolescente, visto que é onde estes vão aprender valores éticos, morais, religiosos,

dentre outros. POR ESSES FUNDAMENTOS, O DIREITO A CONVIVÊNCIA

FAMILIAR E COMUNITÁRIA CHEGOU AO STATUS DE DIREITO

FUNDAMENTAL.

Assim, o direito à convivência familiar e comunitária é tão importante

quanto o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à dignidade, à

 

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liberdade, dentre outros. Isso porque, Excelência, a família, como base da sociedade,

É UM DOS SUSTENTÁCULOS PARA A EFETIVAÇÃO DOS DEMAIS

DIREITOS MENCIONADOS. Negar a convivência familiar e comunitária pode

significar uma grande perda para a criança e o adolescente.

Decisão recente do Superior Tribunal de Justiça informa que é dever do

Estado assegurar com absoluta prioridade à criança o direito à convivência familiar e

comunitária. Informa também que o intérprete do direito não pode utilizar-se de

exegese que atente contra a dignidade da pessoa humana. Seguindo ementa de

acórdão:

PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO

EM MANDADO DE SEGURANÇA. PENSÃO POR

MORTE. MENOR SOB GUARDA JUDICIAL.

APLICABILIDADE DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO

ADOLESCENTE - ECA. INTERPRETAÇÃO

COMPATÍVEL COM A DIGNIDADE DA PESSOA

HUMANA E COM O PRINCÍPIO DE PROTEÇÃO

INTEGRAL DO MENOR.

1. Caso em que se discute a possibilidade de assegurar

benefício de pensão por morte a menor sob guarda judicial,

em face da prevalência do disposto no artigo 33, § 3º, do

Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, sobre norma

previdenciária de natureza específica.

2. Os direitos fundamentais da criança e do adolescente têm

seu campo de incidência amparado pelo status de prioridade

absoluta, requerendo, assim, uma hermenêutica própria

comprometida com as regras protetivas estabelecidas na

Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do

Adolescente.

 

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3. A Lei 8.069/90 representa política pública de proteção à

criança e ao adolescente, verdadeiro cumprimento da ordem

constitucional, haja vista o artigo 227 da Constituição Federal

de 1988 dispor que é dever do Estado assegurar com absoluta

prioridade à criança e ao adolescente o direito à vida, à saúde,

à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à

cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência

familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda

forma de negligência, discriminação, exploração, violência,

crueldade e opressão.

4. Não é dado ao intérprete atribuir à norma jurídica conteúdo

que atente contra a dignidade da pessoa humana e,

consequentemente, contra o princípio de proteção integral e

preferencial a crianças e adolescentes, já que esses postulados

são a base do Estado Democrático de Direito e devem

orientar a interpretação de todo o ordenamento jurídico.

5. Embora a lei complementar estadual previdenciária do

Estado de Mato Grosso seja lei específica da previdência

social, não menos certo é que a criança e adolescente tem

norma específica, o Estatuto da Criança e do Adolescente que

confere ao menor sob guarda a condição de dependente para

todos os efeitos, inclusive previdenciários (art. 33, § 3º, Lei

n.º 8.069/90), norma que representa a política de proteção ao

menor, embasada na Constituição Federal que estabelece o

dever do poder público e da sociedade na proteção da criança

e do adolescente (art. 227, caput, e § 3º, inciso II).

6. Havendo plano de proteção alocado em arcabouço

sistêmico constitucional e, comprovada a guarda, deve ser

garantido o benefício para quem dependa economicamente do

instituidor.

 

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7. Recurso ordinário provido. (STJ - RMS: 36034 MT

2011/0227834-9, Relator: Ministro BENEDITO

GONÇALVES, Data de Julgamento: 26/02/2014, S1 -

PRIMEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 15/04/2014)

(grifou-se).

No caso em tela, a separação forçada dos filhos de seus pais acometidos

com hanseníase representou um grande dano aos direitos ora referidos. Os “filhos

separados” tiveram dilacerado o direito fundamental à convivência familiar e

comunitária, deixando, predominantemente, um imenso vazio na vida dessas

crianças e adolescentes, hoje adultos. Não por outra razão, o sentimento de revolta é

evidente e forte junto a maioria dos filhos que foram separados dos pais com

hanseníase.

Conforme já relatado, os filhos e pais eram separados e dificilmente

conseguiam manter ou restabelecer contato, SENDO POLÍTICA REGULAR DOS

HOSPITAIS-COLÔNIA E DOS EDUCANDÁRIOS, PREVENTÓRIOS, ASILOS,

CRECHES E ORFANATOS DIFICULTAR AO MÁXIMO ESSE CONTATO.

Filhos recém-nascidos, em regra, NUNCA CHEGARAM A

CONHECER SEUS PAIS BIOLÓGICOS, visto que a maioria era destinada a

adoções (tráfico de pessoas), chegando vários ao absurdo de nunca terem tido

ciência de que são vítimas da política de segregação em referência.

Mesmo quando adotadas, poucas dessas crianças tiveram a “sorte” de

irem parar em boas famílias, onde podiam conviver com o AMOR. Por outro lado,

crianças adotadas já com alguma idade viravam “empregadas domésticas” das

famílias adotantes, prática ainda recorrente nos lugares mais pobres do Brasil. Em

qualquer uma dessas condições, tais crianças tiveram mitigada a convivência

familiar, o que obviamente afetou os laços afetivos necessários ao seu

desenvolvimento.

Quanto aos filhos separados que eram destinados a educandários, creches

e orfanatos, foram os que mais sofreram com a ausência da convivência familiar.

 

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Vivendo em um regime prejudicial a qualquer criança, esses foram as que mais

ficaram distantes de conhecer o que é o vínculo familiar. Isso porque, regra geral,

não havia carinho dentro destes estabelecimentos. As crianças eram meros sujeitos

que moravam, estudavam, alimentavam-se e dormiam naqueles lugares, NÃO

HAVENDO A PREOCUPAÇÃO DE GARANTIR O MÍNIMO DE CARINHO,

AMOR, COMPREENSÃO, DENTRE OUTROS SENTIMENTOS

IMPORTANTÍSSIMOS PARA A FORMAÇÃO DE UMA PESSOA.

Outro símbolo da total destruição dos laços familiares ocorreu quando a

política de separação foi extinta e filhos e pais foram postos para reencontrarem-se.

O que poderia ser um momento feliz, de troca de afetos, mostrou-se um momento de

bastante tortura psicológica para ambos os lados: PAIS E FILHOS, OLHANDO UM

PARA OUTRO, CIENTES QUE POR SUAS VEIAS CORREM O MESMO

SANGUE, MAS COMPLETAMENTE DESCONHECIDOS ENTRE SI.

Ora, Meritíssimo, tanto tempo separado destrói qualquer relação

anterior. Dezenas de anos de separação não pode ser solucionados com um

reencontro ou outros anos de convivência. O tempo da infância com os pais, a

convivência harmônica, preenchida pela figura dos pais, jamais poderá ser

recuperada.

Diante do exposto, patente que o direito à convivência familiar foi

sistematicamente violado no caso dos filhos separados pela política de hanseníase.

Como relatado, a não convivência com a família gerou danos irreparáveis, como a

ausência de sentimentos, princípios e valores importantes para a formação de

qualquer indivíduo.

3.1.2. Direito à integridade física, psíquica e moral e à formação do ser humano

O Estado Democrático de Direito brasileiro tem como fundamento

previsto na Carta de 1988 a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III,

CF/88). O termo “pessoa humana” que consta do princípio, não está ali por mero

acaso, este apresenta ao universo jurídico a obrigatoriedade deste princípio ser

aplicado a todas as pessoas, sem qualquer distinção.

 

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O princípio da dignidade da pessoa humana é um dos mais amplos e

abrangentes de nosso ordenamento jurídico, pois compreende inúmeros outros

direitos fundamentais, tais como a vida, a liberdade, a igualdade, dentre outros. Da

mesma forma, OS DIREITOS A INTEGRIDADE FÍSICA, PSÍQUICA E MORAL

TAMBÉM SÃO COMPREENDIDO PELO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA

PESSOA HUMANA.

No caso tem tela, percebe-se pelos relatos apresentados das inúmeras

vítimas da política de internações compulsórias que em quase sua totalidade as

pessoas sofriam abusos nos locais onde deveriam ser protegidas, sendo a maioria das

crianças destinada a educandários, creches ou orfanatos, onde sofriam abusos que

atingiam sua integridade física, psíquica e moral.

Os agentes estatais, que tinham a obrigação de cuidar das crianças

separadas de seus pais eram, não raras vezes, os responsáveis por agredir

fisicamente, ministrar remédios indiscriminadamente, oferecer alimentação

inadequada, molestar sexualmente das crianças, dentre outros abusos.

Ora, nobre Julgador, especialistas já pacificaram o entendimento que é

na fase da infância que o ser humano é moldado em diversos aspectos. Nesse

período é ESSENCIAL que a criança seja assistida das melhores condições

possíveis e existentes para desenvolver-se plenamente. Ocorre que a política de

internação compulsórias, que separou filhos de pais com hanseníase, teve como

consequência a destruição desse momento de formação da pessoa.

Como pode uma criança que sofreu violência física, moral e psíquica,

desvinculando-se da convivência dos pais, ser um adulto plenamente desenvolvido

sem qualquer problema fisiológico ou psicológico? Caso a resposta seja afirmativa,

certamente se estaria diante da exceção a uma triste regra. Isso porque não existe

possibilidade alguma da pessoa viver plenamente sua dignidade sem ter garantido o

direito ao respeitado a sua integridade física, psíquica e moral.

3.2 Da responsabilidade civil do Estado perante os “filhos separados”

3.2.1. Responsabilidade por violações aos Direitos Humanos

 

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Responsabilidade Civil do Estado, segundo ensinamento do professor

Helly Lopes Meirelles é: “a que impõe à Fazenda Pública a obrigação de compor o

dano causado a terceiros por agentes públicos, no desempenho de suas atribuições

ou a pretexto de exercê-las”.6

Prevista constitucionalmente desde a Carta Magna de 1946, o poder

constituinte originário adotou a teoria objetiva da responsabilidade civil do Estado

na Constituição Federal de 1988 como pode ser visto, em sua literalidade, no artigo

37 §6º:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer

dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos

Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,

impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e,

também, ao seguinte:

§ 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito

privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos

danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a

terceiros, assegurado o direito de regresso contra o

responsável nos casos de dolo ou culpa (grifou-se).

Pela Teoria Objetiva da Responsabilidade Civil do Estado, não existe

necessidade de comprovação de culpa do agente estatal para ser caracterizada a

responsabilidade civil. A responsabilidade surge no momento da ocorrência do ato

lesivo. No Recurso Extraordinário Nº 109.615 julgado no Supremo Tribunal

Federal, o voto do relator Ministro Celso de Melo, apresenta mais ensinamentos

sobre a Responsabilidade Civil do Estado:

                                                            6 Hely Lopes Meirelres, Direito Administrativo Brasileiro, 36ª Edição. 2010. Malhjeiros Editora. São Paulo.

 

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A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos

documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política

de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade

civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os agentes

públicos houverem dado causa, por ação ou por omissão. Essa

concepção teórica, que informa o princípio constitucional da

responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir,

da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo

Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou

patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de

culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do

serviço público7 (grifou-se).

No caso em referência, a lesão começou a partir da separação dos

filhos de seus pais com hanseníase, o que consistiu, consoante fartamente já

comprovado, em política pública adotada pelo Estado brasileiro. No momento desta

separação, toda e qualquer relação familiar harmoniosa que poderia se construir foi

rompida pela política de Estado. Tal separação gerou um dano eterno nas famílias

envolvidas, tendo em vista que a separação forçada destruiu laços indelevelmente.

É oportuno prever que a União deverá argumentar que a política de

segregação era legalmente prevista na época, pela Lei nº 610, de 13 de janeiro de

1949. Ocorre, Excelência, que, como sabido, predomina em nosso país um

pensamento doutrinário e jurisprudencial que admite a reparação por danos

provocados por ato legislativos concretos.

Em regra, a Lei em sentindo amplo é geral e abstrata, ou seja, é de

observância de toda a sociedade. Todavia, a lei pode ter seus efeitos concretos, que

atingem pessoas determinadas, estes atos fogem das características da generalidade e

abstração. A Lei nº 610, de 13 de junho de 1949, que instituiu a política de saúde

pública da hanseníase é um exemplo de ato legislativo concreto, porquanto atingiu

                                                            7 http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=200815

 

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uma determinada parcela da população, qual seja pessoas com hanseníase e seus

familiares.

Embora advinda de um poder independente da República e mesmo

que esteja de acordo com o texto constitucional, o ato legislativo de efeitos

concretos pode gerar dano injusto a coletividade atingida. A doutrina sempre

utilizou-se do exemplo do dano patrimonial para explicar o instituto da

responsabilidade civil que surge de ato legislativo concreto, todavia, é

completamente cabível utilizar este instituto no caso em tela, que lida

essencialmente com o dano moral.

Maria Sylvia Di Pietro defende a tese aqui apresentada, informando

que: “Em resumo, quando se trata de lei de efeito concreto, a responsabilidade civil

do Estado em nada difere da responsabilidade por atos da Administração Pública”.8

O primeiro dano causado aos “filhos separados” pelo ato normativo e

pelas práticas dele advindas foi, sem espaço para dúvidas, a própria separação. O elo

familiar, tão importante para a formação social de um indivíduo, foi quebrado.

Embora o dano da segregação familiar já fosse enorme por si só, os “filhos

separados” ainda tiveram que conviver com outras lesões durante a separação

forçada, relativas, como visto, a integridade física, moral e psíquica.

Não pode o Estado ficar desobrigado de sua Responsabilidade Civil

com único fundamento de seus agentes estarem cumprindo a lei. FOI O ATO

LEGISLATIVO DE EFEITOS CONCRETOS QUE GEROU UMA LESÃO

GIGANTESCA ÀS PESSOAS ENVOLVIDAS A ESSA POLÍTICA E ORA

ASSISTIDAS PELA DEFENSORIA PÚBLICA. Devendo, portanto, ser

reconhecida a Responsabilidade Civil do Estado no caso em tela.

Por outro lado, quanto à produção do dano, inconteste que o Estado

brasileiro, através do Poder Executivo federal, já reconheceu a autoria e a

materialidade dos atos de lesão aqui tratados.

Consoante já referido, o Executivo editou a Medida Provisória nº 373,

de 24 de maio de 2007, posteriormente convertida na Lei nº 11.520/2007 (Anexo 3,

                                                            8 Maria Sylvia Di Pietro, Direito Administrativo, 23ª Edição, São Paulo, Editora Atlas S.A, 2010

 

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já referido), que concedeu, como forma de indenização, pensão especial às pessoas

atingidas pela hanseníase que foram submetidas a isolamento e internação

compulsórios.

Na exposição de motivos do projeto de medida provisória, diferentes

Ministros de Estado reconhecem a sistemática lesão a direito produzido pelo Estado

brasileiro a pessoas internadas compulsoriamente em decorrência das políticas

voltadas à hanseníase (Anexo 4, já referido). Igualmente, temos como atingidos os

filhos desses brasileiros e brasileiras, coletividade protegida pela presente ação

coletiva.

3.2.2 Da necessidade e das formas de compensação dos danos causados pelo

Estado

Exposto a fundamentação que confirma a existência de

Responsabilidade do Estado em reparar, visualiza-se a existência de três funções no

instituto da reparação civil: (1) compensatória do dano à vítima; (2) punitiva do

ofensor; e (3) a desmotivação social da conduta lesiva.

A primeira função apontada refere-se ao objetivo precípuo da

reparação civil: retornar as coisas ao status quo ante. A função de punição do

ofensor, apesar de não ser a função básica da reparação civil, tem a utilidade de

provocar no ofensor o cuidado de não mais praticar novamente o ato danoso. Por

fim, a terceira função, de caráter sócio-educativo, tem como finalidade fazer da

reparação civil um exemplo para a sociedade, a qual passa, em tese, a entender que

praticar aquele determinado ato ilícito gera uma sanção.

Embora a reparação econômica seja a mais utilizada nas ações que

visam reconhecer a Responsabilidade Civil de alguém, como visto, ela não será

objeto de nenhum pedido da presente ação. Entende-se que o principal direito

violado na política que separou filhos de pais com hanseníase foi o da convivência

familiar e comunitária. A reparação econômica, a qual está devidamente sendo

debatida nos poderes Legislativo e Executivo, não seria capaz de cumprir a primeira

função da reparação civil, que seria retornar as coisas ao status quo ante.

 

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No presente caso, o mecanismo viável para compensação às lesões

citadas de forma razoável e completamente possível é a criação de uma SISTEMA

NACIONAL DE FILHOS SEPARADOS COMPULSORIAMENTE DE PAIS

ATINGIDOS PELA HANSENÍASE.

O Sistema Nacional aqui proposto será o pontapé inicial para que elos

perdidos sejam encontrados, que um filho possa encontrar uma mãe, que irmãos

possam finalmente se reencontrar, que avós conheçam netos, dentre outras inúmeras

possibilidades.

Em verdade, o Sistema proposto não seria o pioneiro, nosso país

vizinho, a Argentina, criou um Banco Genética, através da Ley Nacional Nº 23.511

(Anexo 13 – Ley Nacional Nº 23.511)9, com a finalidade de que netos afastados da

família por causa da Ditadura Militar tenham novamente contato com seus

familiares genéticos.

O Banco argentino surgiu após muita luta e reivindicações das

chamadas Avós da Praça de Maio, uma associação civil não-governamental, que tem

por objetivo “localizar e retornar a suas famílias legítimas todas as crianças

desaparecidas, sequestradas pela repressão política, e criar condições para que nunca

mais se repeta tal terrível violação dos direitos das crianças, exigindo punição aos

responsáveis.”10 O Banco Genético das Avós da Praça de Maio é referência mundial

em estudo genético e propiciou centenas de felizes reencontros familiares.

Por outro lado, é preciso haver razoabilidade na criação deste Sistema

Nacional de Filhos Separados Compulsoriamente de Pais Atingidos pela

Hanseníase, o qual deve inicialmente ser subsidiado com documentos – certidões,

prontuários, declarações, dentre outros – das creches, orfanatos, educandários e

preventórios correlatos à política de segregação aqui tratada.

Por fim, de forma similar o Banco Genético argentino, com a

finalidade de garantir no futuro a validade dos exames de sangue produzidos, o

Sistema Nacional de Filhos Separados Compulsoriamente de Pais Atingidos pela

                                                            9 http://archivohistorico.educ.ar/sites/default/files/IX_10.pdf 10 http://www.abuelas.org.ar/portugues/historia.htm 

 

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Hanseníase deve conter os mapas genéticos de todas as famílias que tenho perdido

laço com seus parentes, podendo haver cadastro genético de filhos, pais, avós, netos,

tios. Devendo estar registrado no Sistema Nacional e sendo objeto de pesquisa:

A) Grupo Sanguíneo e RH;

B) Histocompatibilidade (HLA A, B, C, DR);

C) Pesquisa de Isoenzimas eritrócitos;

D) Investigação de proteínas plasmáticas.

Por outro lado, premente o desenvolvimento de uma política de

preservação de toda e qualquer instituição e acervo relacionados à separação forçada

entre pais e filhos. Isso porque a não preservação dos educandários, creches e

orfanatos, como também a não preservação de seu acervo documental, pode

acarretar esquecimento de política tão nefasta, ensejadora, quem sabe, da repetição

de práticas tão abomináveis quanto a aqui tratada.

Portanto, para efetivo cumprimento da terceira função da reparação

civil, os educandários, creches, orfanatos, preventórios ou qualquer instituição

análoga, utilizadas como destinação para os filhos separados de pais com

hanseníase, devem ser PRESERVADOS, assim como deve existir a

LOCALIZAÇÃO E A RESTAURAÇÃO DO ACERVO DOCUMENTAL destas

instituições. A preservação física dos prédios e a preservação documental serão de

grande importância para que o povo brasileiro tome conhecimento das práticas de

segregação tratadas nesta ação coletiva.

3.3 Do pedido de antecipação dos efeitos da tutela

O art. 2º da Lei nº 7.347/85 estabelece a possibilidade de concessão de

mandado liminar para evitar dano irreparável ou de difícil reparação ao direito em

conflito, decorrente da natural morosidade na solução da lide.

O referido dispositivo tem natureza tanto cautelar, protetiva da

eficácia do provimento jurisdicional final, quanto de antecipação da tutela

pretendida, de acordo com os contornos traçados pela novel redação do art. 273 do

CPC.

 

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Com efeito, a Lei n° 8.952/94, alterando a redação do art. 273 do

CPC, abriu ao julgador a possibilidade de antecipar, total ou parcialmente, os efeitos

da tutela jurisdicional definitiva, a requerimento da parte autora, desde que

preenchidos os requisitos que o referido dispositivo legal estabelece.

Razões de extrema urgência na realização do direito violado ou

ameaçado de lesão, a par de um conjunto probatório pré-constituído e da

verossimilhança das alegações do autor, autorizam o julgador a antecipar

provisoriamente os efeitos da tutela jurisdicional definitiva. Nesses casos, a

realização do direito não pode aguardar a longa demora da sentença final.

Quanto aos primeiros requisitos, prova inequívoca e verossimilhança

das alegações, ressalte-se que a argumentação desenvolvida da inicial tem suporte

documental.

Ademais, quanto à fumaça do bom direito, o próprio Executivo já

reconheceu sua existência. Isso porque editou a Medida Provisória nº 373, de 24 de

maio de 2007, posteriormente convertida na Lei nº 11.520/2007, que concedeu,

como forma de indenização, pensão especial às pessoas atingidas pela hanseníase

que foram submetidas a isolamento e internação compulsórios.

Nunca é demais lembrar que na exposição de motivos do projeto de

medida provisória diferentes Ministros de Estado reconhecem a sistemática lesão a

direito produzido pelo Estado brasileiro a pessoas internadas compulsoriamente em

decorrência das políticas voltadas à hanseníase.

Quanto ao perigo da demora, no caso em análise, patente é o receio de

dano irreparável ou de difícil reparação ao direito que se busca tutelar, eis que os

inúmeros filhos separados pela política de segregação da hanseníase já SOFREM

DIARIAMENTE COM O DANO DA SEPARAÇÃO FORÇADA DE SEUS

FAMILIARES, sendo de extrema importância que esses laços sejam reatados o mais

rápido possível.

Em verdade, os danos da política que surgiu na década de 1920 para

muitos é irreparável, alguns já constituíram família, já falecerem, dentre outros.

 

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Porém, o imediato provimento jurisdicional ajudará reatar relações quebradas ainda

possíveis, tendo em vista que a política durou ate a década de 1980.

A única forma de conseguir reatar laços separados e destruídos pela

desastrosa política é a criação de um Sistema Nacional de Filhos Separados

Compulsoriamente de Pais Atingidos pela Hanseníase, sendo que sua construção

seria feita por etapas, para que pessoas possam ter mais chance de encontrar

familiares nunca localizados, nos termos aqui já delineados.

Destarte, requisita-se a Vossa Excelência que sejam antecipados os

efeitos da tutela jurisdicional, a fim de determinar que a União Federal crie um

Sistema Nacional de Filhos Separados Compulsoriamente de Pais Atingidos pela

Hanseníase (nome meramente sugestivo), que de início seja sustentado pelo acervo

documental dos estabelecimentos envolvidos na política de separação dos filhos de

pais com hanseníase, depois sendo levantado e cruzado o material genético descrito

anteriormente.

Ainda em sede de antecipação de tutela, pleiteia-se, igualmente, que a

União seja obrigada a preservar a estrutura física e o acervo documental dos

estabelecimentos envolvidos na polícia de internações compulsórias. E, por fim, que

estas medidas sejam amplamente divulgadas para que o todos os interessados tomem

ciência do Sistema e possam fazer o registro de documentos em sua posse e coletar o

referido material genético.

4. DOS PEDIDOS:

Diante de todo o exposto, a DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO,

pelas razões fáticas e jurídicas desenvolvidas nesta peça inicial, requer de Vossa

Excelência:

4.1 Pedidos preliminares:

a) a concessão dos benefícios da Justiça Gratuita, nos termos da Lei

nº. 1.060/50, e a observância das prerrogativas dos defensores

públicos federais, previstas na Lei Complementar nº. 80/94 e

 

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demais diplomas legais, especialmente no que tange à contagem

em dobro dos prazos processuais e à intimação pessoal, inclusive

com carga dos autos, de todos os atos do processo (LC 80/94,

artigo 44, X);

b) seja dada prioridade na tramitação desta ação coletiva, em

cumprimento ao Artigo 71, da Lei Nº 10.741/2003 (Estatuto do

Idoso);

c) seja reconhecida a abrangência nacional dos efeitos dos atos

decisórios proferidos nesta ação, compreendendo a extensão de

todo o território brasileiro;

d) o reconhecimento da imprescritibilidade dos diretos ventilados

nesta demanda, dado seu caráter essencial na proteção a violações

a direitos humanos;

e) a citação da UNIÃO FEDERAL, pessoa jurídica de Direito

Público, representada para este fim pela Advocacia-Geral da

União no Maranhão, a ser citada na pessoa de um de seus

Advogados, com sede na Rua Osvaldo Cruz, 1618, Centro, São

Luís, Maranhão;

f) a notificação do Ministério Público Federal para acompanhar o

presente feito, como fiscal da lei, conforme artigo 5º, parágrafo 1º

da Lei nº 7.347/1985;

4.2 Pedidos de antecipação de tutela:

g) a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, inaudita altera

pars, pelos fundamentos jurídicos acima expostos, com a

 

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expedição de ordem à Ré para que, nos prazos abaixo sugeridos ou

em outros reputados mais adequados por Vossa Excelência,

planeje e implemente todas as medidas necessárias à imediata

promoção de políticas voltadas ao regate e à preservação da

memória e dos laços familiares entre pais e filhos rompidos ou

mitigados pelas práticas de isolamento e internação compulsórios

de pessoas atingidas pela hanseníase no Brasil, sendo estipulada

multa diária no valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), ou

outro valor que Vossa Excelência entenda mais adequado, por

descumprimento dos prazos estabelecidos pela decisão que

antecipar os efeitos da tutela, contado do término dos prazos

concedidos, a ser depositada em conta bancária aberta por este

MM. Juízo (art. 13, parágrafo único, da LACP). Para tal, em

específico, requer-se:

g.1) seja a União Federal obrigada, em até 180 (cento e oitenta

dias), ou em outro prazo reputado mais adequado por este juízo, a

planejar, estruturar e implementar política voltada à identificação,

à catalogação, à restauração e à manutenção de acervos

documentais de educandários, creches, orfanatos, asilos,

preventórios, hospitais ou outros estabelecimentos similares, de

natureza pública ou particular, destinados à recepção e

manutenção de crianças separadas compulsoriamente de seus pais

em razão da política de isolamento e internação forçada de pessoas

atingidas pela hanseníase, inclusive mediante a produção de

catálogos eletrônicos que possibilitem a utilização de informações

do acervo para o desenvolvimento de políticas públicas de atenção

aos “filhos separados”, bem como, dentro dos parâmetros de

respeito à privacidade, ao nome e à imagem, disponibilizados a

 

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pessoas físicas e jurídicas comprovadamente interessadas na

matéria;

g.2) seja a União Federal obrigada, em até 180 (cento e oitenta

dias), ou em outro prazo reputado mais adequado por este juízo, a

planejar, estruturar e implementar política sanitária voltada

especificamente aos filhos separados compulsoriamente de seus

pais em razão da política de isolamento e internação forçada de

pessoas atingidas pela hanseníase, priorizando a atenção à saúde

física e mental dessas pessoas, de forma a minorar as

consequências do rompimento de vínculos familiares aqui

referido;

g.3) seja a União Federal obrigada a, em até 1 (um) ano, ou em

outro prazo reputado mais adequado por este juízo, planejar,

estruturar e implementar política voltada à identificação e à

manutenção de educandários, creches, orfanatos, asilos,

preventórios, hospitais ou outros estabelecimentos similares, de

natureza pública ou particular, destinados à recepção e

manutenção de crianças separadas compulsoriamente de seus pais

em razão da política de isolamento e internação forçada de pessoas

atingidas pela hanseníase, em especial desenvolvendo políticas de

preservação e revitalização da estrutura física desses locais, bem

como que se abstenha de construir, demolir ou fazer grande obra

que altere a estrutura física desses estabelecimentos, quando

constituintes de seu patrimônio ou quando possuir legítimo poder

de política sobre eles;

g.4) seja a União Federal obrigada a, em até 1 (um) ano, ou em

outro prazo reputado mais adequado por este juízo, planejar,

 

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estruturar e implementar um Sistema Nacional de Filhos

Separados Compulsoriamente de Pais Atingidos pela Hanseníase

(nome meramente sugestivo), tendo como principal finalidade

reunir acervo documental, material genético e relatos escritos ou

orais relacionados a pessoas separadas compulsoriamente de seus

pais em razão da política de isolamento e internação forçada de

atingidos pela hanseníase no Brasil, e a promover a ampla

divulgação/publicidade dessa política e do acervo que dela derive,

possibilitando, inclusive, que sejam cruzados dados de pessoas

separadas forçadamente de seus pais pela política em referência e

de seus familiares (pais, avós, filhos, netos, irmãos, tios e

sobrinhos), visando, sobretudo, resgatar a memória dessas vítimas

e reatar laços familiares rompidos ou mitigados, devendo haver,

para tal, inclusive a produção de Banco Genético que inclua o

estudo sobre os Grupo Sanguíneo e RH, Histocompatibilidade

(HLA A, B, C, DR), Pesquisa de Isoenzimas eritrócitos e

Investigação de proteínas plasmáticas;

g.5) seja, ainda em sede de antecipação de tutela, a União Federal

obrigada a dar a mais ampla divulgação da decisão que antecipou

os efeitos da tutela e das políticas de Estado nela cominadas,

através das mídias existentes, como televisão, rádio, internet,

diários impressos, dentre outros, inclusive disponibilizando aos

interessados, com destaque aos “filhos separados” e a seus

familiares, a possibilidade de apresentar documentos e

informações que tenham em seu poder, com a finalidade de

enriquecer ainda mais o acervo documental do Sistema criado;

h) caso Vossa Excelência entenda não ser possível o deferimento da

antecipação da tutela jurisdicional da forma pretendida, tendo em

 

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conta a fungibilidade prevista no artigo 273, §7º, do Código de

Processo Civil, bem como o poder geral de cautela, positivado no

artigo 798, do Código de Processo Civil, que determine outras

medidas provisórias que julgue adequadas para assegurar que a

demanda não cause ainda mais danos aos filhos separados de seus

pais pela política de isolamentos e internações compulsórios de

pessoas atingidas pela hanseníase;

4.3 Pedidos principais:

i) que seja, ao final, confirmada a tutela antecipatória, com o

reconhecimento da lesão aos filhos separados de seus pais pela

política de isolamento e internação compulsórios de pessoas

atingidas pela hanseníase no Brasil, condenando-se a União

Federal, de forma definitiva, ao cumprimento das diferentes

medidas arroladas nos itens anteriores (“g” e “h”), assegurando-se

que a Ré planeje e implemente todas as medidas necessárias à

imediata promoção de políticas voltadas ao regate e à preservação

da memória e dos laços familiares entre pais e filhos rompidos ou

mitigados pelas práticas de isolamento e internação aqui referidas,

cominando ainda multa diária, para a hipótese de descumprimento

total ou parcial do provimento, no valor de R$ 50.000,00

(cinquenta mil reais) ou outro reputado mais adequado por Vossa

Excelência, contado do término do prazo concedido, a ser

depositada em conta bancária aberta por este MM. Juízo (art. 13,

parágrafo único, da LACP)

j) por fim, a condenação da Requerida ao pagamento das custas

judiciais e honorários advocatícios, a serem revertido em favor da

Defensoria Pública da União, na forma da lei.

 

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Protesta provar o alegado por todos os meios de prova em direito

admitidos.

Dá-se à causa o valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais).

Termos em que aguarda deferimento.

São Luís/MA, 1º de junho de 2015.

YURI COSTA

Defensor Público Federal

Ivaldo da Cruz Lima Júnior Estagiário de Direito DPU-MA