Ação didática no ensino superior a docência em discussão

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Rev. Teoria e Prática da Educação, v.7, n.1., p.101-106, jan./abr. 2004. AÇÃO DIDÁTICA NO ENSINO SUPERIOR: A DOCÊNCIA EM DISCUSSÃO DIDACTIC ACTIVITY IN HIGHER EDUCATION: TEACHING UNDER DISCUSSION Maiza Taques Margraf Althaus * Resumo O artigo discute como vem sendo abordada no meio acadêmico a questão da ação didática em instituições de ensino superior, concebida como o desenvolvimento da docência e suas implicações no cotidiano da aula e da vida universitária. Também é apresentado o PRODEA – Programa Didática em Ação, em desenvolvimento pela Pró-Reitoria de Extensão e Assuntos Culturais da Unicentro, que desde 2001 vem assessorando a comunidade de ensino superior de Guarapuava e região em temas pertinentes à organização do trabalho pedagógico na docência universitária. Além do trabalho permanente de assessorias, o projeto contempla em sua atuação a organização de grupos de estudos, pesquisas e diversos cursos que vêm mobilizando os profissionais de ensino superior para a necessidade do desenvolvimento profissional na área da Didática. Palavras-chave: Didática, docência universitária, formação docente. Abstract The problem of didactic activity in higher education is provided. Teaching in institutes of higher education is conceived of as a development of the teaching role with its implications for classroom routine and undergraduate academic life. Further, Didactics in Action Program (PRODEA), undertaken by the Pro-Rectory of Extension and Cultural Affairs of the Unicentro since 2001, is also introduced and discussed. The program has provided assistance to teachers involved in higher education in Guarapuava PR Brazil and neighboring towns with regard to important issues related to the organization of teaching in higher education. Besides the constant assistance to university professors, the project offers study groups, research and several courses that motivate university professors and make them aware of the need for developing teaching skills in Didactics. Key words: didactics, teaching in higher education, teacher training. * Mestre em Educação. Professora de Didática na Universidade Estadual de Ponta Grossa-PR. INTRODUÇÃO Focalizar a articulação entre ensino, pesquisa e extensão tem sido uma das maneiras de se discutir a prática pedagógica no ensino superior, que vem enfrentando muitos desafios na sociedade atual. Neste artigo, apresento a trajetória do PRODEA – Programa Didática em Ação, promovido pela Universidade Estadual do Centro-Oeste, em Guarapuava-Paraná. Direciono as reflexões iniciais também para a produção acadêmica na área do desenvolvimento profissional na docência universitária, destacando alguns pressupostos teóricos. Considerando a docência como fio condutor posto nesta discussão, e por conseqüência, como objeto de estudo da Didática, é imperativo resgatar o sentido etimológico desta palavra. Se recorrermos à história, constataremos que as relações entre o ensinar e o aprender já eram anunciadas no século XVII por Comênius. Gasparin (1994, p.70-72, grifo nosso), estudioso das obras Comenianas, afirma: Comênio vai do ensino à aprendizagem, da ação do professor à ação do aluno, ou seja, da docência à discência [...] As palavras docente e discente, que encerram o sentido de que alguém está fazendo alguma coisa, referem-se à ação do professor e do aluno, pois a origem delas atesta que docere significa ensinar, fazer aprender, enquanto discere traduz o sentido de aprender. Seriam, pois, duas ações distintas, mas complementares, interligadas e inseparáveis [...] A aquisição de conhecimentos não pode

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AÇÃO DIDÁTICA NO ENSINO SUPERIOR: A DOCÊNCIA EM DISCUSSÃO

DIDACTIC ACTIVITY IN HIGHER EDUCATION: TEACHING UNDER DISCUSSION

Maiza Taques Margraf Althaus*

ResumoO artigo discute como vem sendo abordada no meio acadêmico a questão da ação didática em instituições deensino superior, concebida como o desenvolvimento da docência e suas implicações no cotidiano da aula e davida universitária. Também é apresentado o PRODEA – Programa Didática em Ação, em desenvolvimento pelaPró-Reitoria de Extensão e Assuntos Culturais da Unicentro, que desde 2001 vem assessorando a comunidade deensino superior de Guarapuava e região em temas pertinentes à organização do trabalho pedagógico na docênciauniversitária. Além do trabalho permanente de assessorias, o projeto contempla em sua atuação a organização degrupos de estudos, pesquisas e diversos cursos que vêm mobilizando os profissionais de ensino superior para anecessidade do desenvolvimento profissional na área da Didática.Palavras-chave: Didática, docência universitária, formação docente.

AbstractThe problem of didactic activity in higher education is provided. Teaching in institutes of higher education isconceived of as a development of the teaching role with its implications for classroom routine and undergraduateacademic life. Further, Didactics in Action Program (PRODEA), undertaken by the Pro-Rectory of Extension andCultural Affairs of the Unicentro since 2001, is also introduced and discussed. The program has providedassistance to teachers involved in higher education in Guarapuava PR Brazil and neighboring towns with regardto important issues related to the organization of teaching in higher education. Besides the constant assistance touniversity professors, the project offers study groups, research and several courses that motivate universityprofessors and make them aware of the need for developing teaching skills in Didactics.Key words: didactics, teaching in higher education, teacher training.

* Mestre em Educação. Professora de Didática na Universidade Estadual de Ponta Grossa-PR.

INTRODUÇÃO

Focalizar a articulação entre ensino, pesquisa eextensão tem sido uma das maneiras de se discutir aprática pedagógica no ensino superior, que vemenfrentando muitos desafios na sociedade atual.

Neste artigo, apresento a trajetória do PRODEA– Programa Didática em Ação, promovido pelaUniversidade Estadual do Centro-Oeste, emGuarapuava-Paraná. Direciono as reflexões iniciaistambém para a produção acadêmica na área dodesenvolvimento profissional na docênciauniversitária, destacando alguns pressupostosteóricos.

Considerando a docência como fio condutorposto nesta discussão, e por conseqüência, como

objeto de estudo da Didática, é imperativo resgataro sentido etimológico desta palavra. Se recorrermosà história, constataremos que as relações entre oensinar e o aprender já eram anunciadas no séculoXVII por Comênius. Gasparin (1994, p.70-72, grifonosso), estudioso das obras Comenianas, afirma:

Comênio vai do ensino à aprendizagem, daação do professor à ação do aluno, ou seja,da docência à discência [...] As palavrasdocente e discente, que encerram o sentidode que alguém está fazendo alguma coisa,referem-se à ação do professor e do aluno,pois a origem delas atesta que doceresignifica ensinar, fazer aprender, enquantodiscere traduz o sentido de aprender.Seriam, pois, duas ações distintas, mascomplementares, interligadas e inseparáveis[...] A aquisição de conhecimentos não pode

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se dar unicamente por uma das partes, istoé, ou só pelo ensino ou só pelaaprendizagem. Uma e outra constituemduas faces intercambiáveis e inseparáveisdo mesmo todo.

De fato, os grandes desafios que se impõem àprática docente no ensino superior relacionam-se àspossibilidades de articular as duas ações didáticas –ensinar e aprender –, no contexto de sala de aula.Nem sempre quem domina conhecimentos para suaatuação profissional sabe transpô-los para umasituação de aprendizagem!1 Entendo, deste modo,que dificilmente um professor consegue planejar,gerir e avaliar situações didáticas eficazes para odesenvolvimento da autonomia dos acadêmicos senão compreender os conteúdos próprios de sua áreade atuação, que serão objeto de sua ação didática.Assim, se a docência é sua área de atuação, alémdas especificidades inerentes aos diferentes camposde conhecimento, a Didática também compõe oquadro como conteúdo próprio da práticapedagógica universitária.

No que diz respeito à articulação entre ensino eaprendizagem, Masetto (2003, p.82-83) alerta para anecessidade atual de transposição de paradigmas naação didática universitária: o autor propõe asubstituição da ênfase no ensino pela ênfase naaprendizagem. Para ele, não se trata apenas dasimplificação do ato de substituir palavras. Assim,nas ações desenvolvidas na prática pedagógicauniversitária, é preciso transitar: a) da centralizaçãodo professor para o aluno, cabendo a este o papelcentral de sujeito que exerce as ações necessáriaspara que ocorra sua aprendizagem, adquirindohabilidades, enfim, produzindo conhecimento; b) dopapel do professor enquanto agente de transmissãode informações para a função de mediadorpedagógico, ou mesmo de orientador do processo deaprendizagem do aluno.

O vigor das reflexões do autor ainda apontampara a visão de que faz parte dessa aprendizagem oaluno universitário adquirir progressiva autonomiana aquisição de conhecimentos ulteriores.

Nesse esforço de articulação ensino-aprendizagem, a questão da construção daautonomia do estudante universitário tem sidoamplamente discutida. Para Teixeira (2002, p.161), 1 Transposição didática é o termo designado por Chevellard

(apud PERRENOUD, 1993), para expressar a relação entrea reconstrução de um conhecimento no processo de ensino,isto é, a mediação didática para tornar um conhecimentoensinável.

o papel do aluno, o aprendente, o sujeitoconstrutor do conhecimento, é deimportância relevante na construção de suaautonomia, pois deve mostrar-se co-responsável pela construção de resultadosem todos os momentos de seu percursoacadêmico.

É neste contexto de relações entre a construçãoda autonomia na aprendizagem universitária que aDidática, campo de conhecimentos vinculado àPedagogia, ganha força para dimensionar o ensino,isto é, a docência no ensino superior. Esta, por suavez, exige articulação da saberes complementares.Frente aos desafios postos para o ensinar, o domínioespecífico de uma área científica do conhecimentonão é suficiente. O professor universitário devedesenvolver também outros saberes: pedagógico epolítico. A própria Lei de Diretrizes e Bases daEducação Nacional não concebe a docênciauniversitária como um processo de formação, massim de preparação para o exercício do magistériosuperior (PIMENTA, 2002).

DESENVOLVIMENTO

O artigo 10 da Declaração Mundial sobreEducação Superior no Século XXI (1998, p.26)aponta para a necessidade de iniciativas na área dodesenvolvimento da prática docente universitária:

Devem ser tomadas providênciasadequadas para pesquisar, atualizar emelhorar as habilidades pedagógicas, pormeio de programas apropriados dedesenvolvimento de pessoal, estimulando ainovação constante dos currículos e dosmétodos de ensino e aprendizagem.

Muitas Instituições de Ensino Superior têm sededicado, há anos, a propor iniciativas voltadas paraa formação continuada de professores. No Brasil, oprimeiro órgão voltado à assessoria pedagógica dodocente universitário foi o Laboratório de EnsinoSuperior da Faculdade de Educação daUniversidade Federal do Rio Grande do Sul(BERBEL, 1994).

O Programa Didática em Ação – PRODEA,vem sendo desenvolvido na Unicentro, emGuarapuava-PR, tendo as discussões da práticapedagógica universitária como norte de suas ações.

Mantém parceria com a Pró-Reitoria deExtensão e Assuntos Culturais daquela Instituição.

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A opção pelo campo institucional da extensão deve-se à possibilidade de articular ações com acomunidade local, oportunizando um trabalho deparcerias entre ensino e pesquisa. A abordagemcomunicativa do saber nas ações do ensino e dapesquisa representa o que se intitula extensãouniversitária (FRANTZ; SILVA, 2002).

Guimarães (1997, p.58) destaca que, emfunção das necessidades urgentes da sociedade,tende-se, nas universidades, a desprezar o registrode projetos e ações extensionistas. Com isto,enfatiza a autora, “perde-se assim a possibilidade decriar história, recomeça-se freqüentemente do zero,desrespeitando-se trajetórias já executadas, mas nãoescritas”.

Tendo como pressuposto que “a práticapedagógica só se aperfeiçoa, por quem a realiza, apartir de sua história de vida e saberes de referência,das experiências e aspirações” e que “é na prática ena reflexão sobre ela que o professor consolida ourevê ações, encontra novas bases e descobre novosconhecimentos” (RIBAS, 2000, p.62), revelo umpouco da trajetória que desenvolvi em parceria comum grupo de professoras na Unicentro.

Para a compreensão das concepções aquiexpressas, é relevante resgatar historicamente meuenvolvimento com esta Instituição, onde atuei comoprofessora de Didática de 1999 a 2002.

Em 2001, houve a manifestação de um grupo deprofessores do Setor de Ciências Biológicas e daSaúde interessados em discutir questões didáticasligadas ao cotidiano da prática pedagógicauniversitária, e assim, em parceria com um grupo deprofessoras2, foi idealizado o curso extensionista“Revitalizando o ensinar-aprender naUniversidade”. Logo após, propus a elas que asdiscussões não se esgotassem, tendo em conta arepercussão positiva do curso. Em 2001 redigi oesboço de um Centro de Apoio Didático, idéia quesocializei junto à Reitoria da Unicentro e que foiamplamente discutida junto aos docentes eprofessores universitários que haviam participadodo curso. A idéia desse Centro de Apoio Didáticofoi ampliada e tornou-se o PRODEA – ProgramaDidática em Ação, que coordenei até julho de 2002.Após esta data, o programa passou a ser coordenadopelos professores Ms. Adnilson Silva e Dra. AnaLúcia Crisóstimo.

Os objetivos do projeto são:

2 Professoras Ms. Déa Silveira, Dra. Wanda Pacheco, Ms.

Maria Aparecida Crissi Knuppel e Maria Regina Vargas.

- assessorar a comunidade educacional deEnsino Superior interessada em temas pertinentes àDidática, concebida como reflexão sistemáticasobre o processo ensino-aprendizagem, tendosempre como ponto de partida a discussão daprática docente de cada professor;

- organizar grupos de estudos comprofessores interessados em investigar questõesrelacionadas à docência universitária, mobilizando-os para a relevância do envolvimento com pesquisasna área da didática;

- favorecer o desenvolvimento profissionaldos docentes universitários, através do seuenvolvimento em estudos e reflexões a respeito dequestões didáticas, que propiciam suporte aotrabalho específico nas diferentes áreas de atuação;

- promover, semestralmente, o curso deextensão “Revitalizando o ensinar-aprender naUniversidade”.

Neste programa de assessoria didática, opropósito mais imediato é o de disponibilizar osquadros teóricos da Didática no campo daPedagogia Universitária, colocando-os à disposiçãodos professores de Ensino Superior.

Como estratégias propostas, odesenvolvimento das ações foi estruturado emquatro pilares: assessorias aos professores dasInstituições de Ensino Superior do município deGuarapuava, grupos de estudos semanais, comdiscussões de temas apontados pelos professoresenvolvidos3, o curso Revitalizando o ensinar-aprender na Universidade4, organização depalestras e Mesas Redondas para debates comprofessores universitários a respeito da docênciauniversitária.

As assessorias, desenvolvidas em uma sala naPró-Reitoria de Extensão, têm se constituído desdeo início do programa, em um espaço de trocas deidéias, de posturas e também de controvérsias. As 3 A professora Déa Silveira sugeriu na época (2001) que os

encontros do Grupo de Estudo fossem semanais. Suaposição revelou este compromisso: “não vamos consolidareste espaço se não tivermos o hábito formado [...]reunirmos os professores para discutir, e perceberem que adocência exige estudo”.

4 Curso proposto na modalidade de aperfeiçoamento, atravésda Pró-Reitoria de Extensão da Unicentro, com 40 horas deduração, sendo 32 em sala de aula, com discussõesreferentes ao desenvolvimento da prática pedagógica noensino superior. Sugeri ao grupo de professores queatuavam como assessores que a carga horária do cursopoderia ser completada com oito horas de assessoriaindividual a cada professor inscrito, num processo de apoioà reflexão sobre a própria prática, na prática.

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práticas são discutidas em parcerias, buscando, naação partilhada, caminhos de superação. Destesencontros individuais, às vezes coletivos (com maisde um professor de um mesmo curso) resultaramnovos encaminhamentos para projetos de pesquisasobre a própria prática profissional.

Compreendo, com 13 anos de vivência comoprofessora de ensino superior, que ensinar, na aulauniversitária, não é tão somente transmitir algo aalguém que me ouve, mas sim comunicar-me comalguém que participa deste processo.

O curso “Revitalizando o ensinar-aprender naUniversidade” vem tentando mobilizar osprofessores universitários para as questões acimaapontadas. Os participantes do curso sãoprofissionais que, embora graduados, mestres,doutores, muitos deles já especialistas em suas áreasde atuação, buscam refletir a respeito do desafio dadocência universitária.

A problemática tomada como ponto inicial detoda esta trajetória direcionou-se para o seguintequestionamento: o que caracteriza um professordidático?

Buscando conhecer a visão acadêmica, produzium documentário5 em que busquei descobrir comoos alunos concebem a ação didática no ensinosuperior. As revelações expressas pelos alunos daInstituição foram amplamente discutidas durante ocurso desenvolvido, como ponto de partida para otrabalho desencadeado.

Alguns depoimentos apontam para anecessidade da dinamização do trabalhopedagógico:

“Quando o professor consegue chamar aatenção, a aula fica muito mais participativa [...] etambém quando o professor abre espaço para que aturma se posicione.”

“É importante quando o professor se preocupacom o aluno, com o que a gente já sabe, e nãosomente com o que ele traz na aula.”

5 O objetivo central era diagnosticar a visão dos acadêmicos

e docentes da Unicentro em relação a temas pertinentes àprática pedagógica no ensino superior, por meio deentrevistas gravadas em vídeo. Este documentário foiobjeto de análise e discussão para os alunos do curso“Revitalizando o ensinar-aprender na Universidade”, nasaulas em que conduzi a docência em parceria com asprofessoras Déa Silveira, Wanda Pacheco, Maria ApareciaCrissi Knuppel, e Ariel Pires, no primeiro semestre de2002. O apoio técnico da produção foi da equipe deComunicação da Instituição, coordenado pela professoraCerize Gomes.

“Eu acho que é preciso pesquisar na aula, e nãosomente quando a pesquisa é orientada para trazerpra Universidade.”

“Ser um pouco didático é também conseguirpassar o que preparou, porque não adianta saber enão conseguir dar conta do que tem que passar.”

O espaço destas reflexões num universo amploonde se discute a participação e o envolvimento dosestudantes universitários é bastante significativo. Alinguagem da prática pedagógica, da ação que separtilha no espaço da aula universitária, precisa serresgatada.

Para Veiga (2000, p.175):

A aula é parte do todo, está inserida nauniversidade que, por sua vez, está filiada aum sistema educacional que também éparte de um sistema socioeconômico,político e cultural mais amplo [...] A aulauniversitária é a concretude do trabalhodocente propriamente dito, que ocorre coma relação pedagógica entre professor ealuno. Ela é o locus produtivo daaprendizagem, que é, também, produçãopor excelência. O resultado do ensino é aconstrução do novo e a criação de umaatitude questionadora, de busca einquietação, sendo local de construção esocialização de conhecimento e cultura.

O novo, na ação didática universitária,pressupõe avanços no que respeita à produção doconhecimento, sendo viabilizado, além da pesquisa,pelo ensino e pela extensão.

Quando nos referimos à inovação, fazemo-lo em associação a práticas de ensino quealterem, de algum modo, o sistemaunidirecional de relações que caracteriza oensino tradicional. Em outras palavras, osistema de relações centrado apenas natransmissão da informação – emitida pelodocente, presente em um impresso ouveiculada por qualquer meio tecnológicomais sofisticado, como o que se produzpela comunicação virtual. Uma inovaçãona aula supõe sempre uma ruptura com oestilo didático imposto pela epistemologiapositivista, o qual comunica umconhecimento fechado, acabado,conducente a uma didática da transmissãoque, regida pela racionalidade técnica,reduz o estudante a um sujeito destinado areceber passivamente esse conhecimento(LUCARELLI, 2000, p.63).

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As revelações dos participantes do projeto sãomuito pertinentes para esta análise. Todas asverbalizações dos professores vêm sendoorganizadas num diário, para análise dos registroscoletados. São aplicados, após cada estratégiavivenciada com grupos de professores,questionários com questões abertas, para discussãocom o grupo de assessores do Programa. Asquestões contemplam um encadeamento dedepoimentos pessoais e temáticos em relação àsações desenvolvidas.

Alguns aspectos da prática pedagógicauniversitária, como a troca de experiências,destacam-se na fala dos professores participantesacerca de seu fazer didático:

“Descobri que existem muitas possibilidadespara dinamizar nosso trabalho no ensino superior...precisamos deste espaço de apoio. Não penso quesó algumas assessorias ou alguns cursos bastam. Oimportante é saber que do envolvimento doprofessor nas ações do Programa acabamaparecendo novas discussões.”

“Professor é professor... temos algo muito emcomum para sempre estar aprendendo.”

“Discutir, e saber que podemos discutir sobre oque estamos fazendo, e perceber que o aluno adultotambém precisa ser mobilizado para o que a gentepretende passar.”

“Mesmo no meu Mestrado não pensamos nestasquestões... a gente se preocupa tanto com a áreaespecífica, e esquece que há outras coisasimportantes, que todos vivemos no dia-dia dafaculdade.”

“Não é só no concurso que pensamos naDidática para dar aulas... precisamos pensarsempre.”

“Participar de debates com professores defaculdades particulares possibilita uma visão deabertura, pois pensamos juntos na prática que temosao ensinar.”

O espaço para avaliação das práticas do grupode professores envolvidos tem sido fundamentalpara a continuidade do programa.

DISCUSSÕES FINAIS

A trajetória aqui traçada, tendo a ExtensãoUniversitária como fio condutor das ações doPRODEA, foi exaustivamente discutida com osprofessores atuantes na proposta original,desencadeada em 2001. O movimento posto pelaação didática no ensino superior, que é pautada

pelas tensões enfrentadas no cotidiano universitário,consolida-se pelo o que é inerente à extensão: “Aautêntica ação de estender o conhecimento, viaextensão universitária, operacionaliza-se por meiode uma práxis dialética (mediadora entreuniversidade-sociedade-universidade) de produção /reprodução crítica do conhecimento” (RAYS, 2003,p.3).

A escolha da Didática justifica-se pelo seuobjeto de estudo: o ensino, e suas relações com otrabalho pedagógico.

Vale registrar a postura expressa por Amaral(2000, p.143), ao dizer:

diferentemente do que se propõe no ensinode alguma coisa, não temos aí o problemada especificidade do saber, delimitada embases epistemológicas: delineia-se, combase no diferente, o que perpassa todas assituações. O papel da Didática, no caso, é ode percorrer os diferentes campos,auscultando as diferentes experiências,para levantar as semelhanças e promover oenriquecimento do próprio campo e dosoutros campos.

O programa tem oportunizado discussõesinterdisciplinares envolvendo professores dediversas Instituições que participam dos cursos,grupos de estudos, pesquisas e assessorias. OPRODEA consolida-se como programa permanente,pois sua repercussão, bastante positiva no meiouniversitário, com seus avanços e recuos, ratifica asua validade. A proposta vem ganhando novosrumos, ampliando suas áreas de atuação. O desafiopermanente é a inovação!

REFERÊNCIAS

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PIMENTA, S. De professores, pesquisa e didática. Campinas:Papirus, 2002. p.129-144.RAYS, O. A. Ensino-pesquisa-extensão: notas para pensar aindissociabilidade. Palestra proferida. Santa Maria, 2003.RIBAS, M. H. Construindo a competência: processo deformação de professores. São Paulo: Olho d’Água, 2000.TEIXEIRA, M. Prática docente e autonomia do aluno: umarelação a ser construída em cursos de graduação. Tese deDoutorado. São Paulo: 2002.UNESCO, Declaração mundial sobre educação superior noséculo XXI: visão e ação. Piracicaba: UNIMEP, 1998.VEIGA, I. Aula universitária e inovação. In: Veiga, I.Pedagogia universitária: a aula em foco. Campinas: Papirus,2000. p. 161-192.

Recebido: 28/07/03Aceito: 15/09/03

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