Ação do PPS contra geraldo julio

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EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA DA CAPITAL. RAUL BELENS JUNGMANN PINTO, brasileiro, solteiro, Vereador da Cidade do Recife, identidade 964.067, SSP/PE, CPF 244.449.284-68, Título de eleitor 0027.2871.0809, 4ª Zona do Recife, 12ª Seção, domiciliado na Câmara Municipal do Recife, sita à Rua Princesa Isabel, 410, Boa Vista, Recife-PE., vem promover AÇÃO POPULAR POR ATOS LESIVOS AO PATRIMÔNIO DO MUNICÍPIO contra o Município do Recife, pessoa jurídica de Direito Público Interno, e o Exmo. Sr. Prefeito, Dr. GERALDO JÚLIO DE MELLO FILHO, ambos domiciliados na sede da Prefeitura do Recife, Cais do Apolo, 925, Bairro do Recife, nesta Cidade, pelos fatos e fundamentos que a seguir passa a expor: DOS FATOS ACÚMULO ILEGAL DE REMUNERAÇÕES Conforme se verifica no Portal da Transparência da Prefeitura do Recife (portaltransparência.recife.pe.gov.br), o Prefeito da Cidade, Dr. GERALDO JÚLIO DE MELLO FILHO, recebe, além da remuneração como

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EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA DA

CAPITAL.

RAUL BELENS JUNGMANN PINTO, brasileiro, solteiro, Vereador da

Cidade do Recife, identidade 964.067, SSP/PE, CPF 244.449.284-68,

Título de eleitor 0027.2871.0809, 4ª Zona do Recife, 12ª Seção,

domiciliado na Câmara Municipal do Recife, sita à Rua Princesa Isabel,

410, Boa Vista, Recife-PE., vem promover

AÇÃO POPULAR

POR ATOS LESIVOS AO PATRIMÔNIO DO MUNICÍPIO

contra o Município do Recife, pessoa jurídica de Direito Público Interno,

e o Exmo. Sr. Prefeito, Dr. GERALDO JÚLIO DE MELLO FILHO, ambos

domiciliados na sede da Prefeitura do Recife, Cais do Apolo, 925, Bairro

do Recife, nesta Cidade, pelos fatos e fundamentos que a seguir passa a

expor:

DOS FATOS

— ACÚMULO ILEGAL DE REMUNERAÇÕES

Conforme se verifica no Portal da Transparência da Prefeitura do Recife

(portaltransparência.recife.pe.gov.br), o Prefeito da Cidade, Dr.

GERALDO JÚLIO DE MELLO FILHO, recebe, além da remuneração como

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funcionário de carreira do Tribunal de Contas do Estado, pela qual

optou, um valor de R$ 11.708,00 (onze mil, setecentos e oito reais),

sobre o quê incidem descontos de R$ 4.041,88, resultando num valor

líquido de R$ 7.666,12.

Nome Categoria Cargo Vencimento do Cargo

GERALDO JULIO

DE MELLO FILHO

EXTRA

QUADRO

PREFEITO

DA CAPITAL

11.708,00

Gratificação da Função

Total de Vantagens

Descontos Compulsórios Valor Líquido

0,00 11.708,00 4.041,88 7.666,12

O valor de R$ 11.708 representa 80% do subsídio normal do Prefeito,

que é de R$ 14.635 (quatorze mil, seiscentos e trinta e cinco reais).

O fato ganhou as redes sociais e a imprensa passou a noticiá-lo

amplamente. Veja-se a matéria do Jornal do Commercio, no dia 8 do

corrente1:

O prefeito do Recife, Geraldo Julio (PSB), recebe remunerações da

Prefeitura e do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Os dados constam nos

Portais da Transparência dos órgãos. Informações de março mostram que

o gestor recebeu do TCE salário bruto de R$ 17.532,91 – com os descontos,

ficou R$ 8.876,19 –, pelo cargo de técnico de auditor das contas públicas.

Pela PCR, no mesmo mês, ele ganhou R$ 7.666,12. O salário bruto foi

1http://jconline.ne10.uol.com.br/canal/politica/pernambuco/noticia/2013/08/12/gera

ldo-julio-recebe-dois-salarios-93391.php

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R$ 11.708,00. Do TCE, outras 34 pessoas cedidas a outras instituições

também acumulam subsídios.

Como foi noticiado (íntegra da reportagem anexa), o Sr. Prefeito

receberia em duplicidade com base na Lei municipal 17.732/2011, que

Dispõe sobre a remuneração dos servidores efetivos e comissionados da

Administração Direta, Autárquica e Fundacional do Município do Recife e

de outras vantagens especificadas, a qual, por sua vez, alterou a Lei n°

14.728/85 (Estatuto dos Funcionários Públicos do Município do Recife).

A citada Lei 17.732/2011 assim dispõe no seu art. 33:

Art. 33. O §2º do Art. 128 da Lei nº 14.728/1985, alterado pelo Art. 63 da

Lei nº 17.108/2005, passa a vigorar com a seguinte redação:

...

“§ 2º Os servidores do Município ou de outro ente federado que o tenha

colocado a disposição do Município e que, nessa condição venham a

ocupar os cargos de Prefeito, de Vice-Prefeito ou de Secretário Municipal,

poderão optar pelo subsídio desses cargos ou pelas suas remunerações

do cargo ocupado na origem, com direito, nesse caso, a perceberem uma

verba de representação em valor correspondente a 80% (oitenta por

cento) do valor do subsídio do cargo político ocupado."

Como se pode ver, utilizou-se um meio data venia grosseiro de burlar o

mandamento constitucional.

A Constituição, embora admita que o funcionário público de carreira

possa optar pela remuneração do cargo efetivo, impede se acumulem a

remuneração de servidor com o subsídio de Prefeito. Uma coisa ou

outra.

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Porém, a Lei municipal 17.732/2011 permitiu o acréscimo, aos

vencimentos do cargo efetivo, de uma “verba de representação” — de

nada menos que 80% (oitenta por cento) do valor do subsídio!

Deu-se o nome de “verba de representação” ao acréscimo, como se a

mudança do nome valesse mais que a regra Constitucional EXPRESSA.

A manobra é acintosa, além de ferir o Princípio da Moralidade

Administrativa. Ao invés de 100% + 100%, vedado pela Constituição, o

Prefeito receberia 100% + 80%.

O dispositivo, com a devida vênia, é manifestamente inconstitucional.

Urge, portanto, declarar-se a inconstitucionalidade, em face do caso

concreto, determinando-se a suspensão do pagamento.

DO DIREITO

A Lei 4.717/1965, no seu art. 1°, afirma: Qualquer cidadão será parte

legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos

lesivos ao patrimônio da União, do Distrito Federal, e dos Municípios.

No caso em tela, o Município do Recife vem praticando atos nulos,

consistentes no pagamento de 80% (oitenta por cento) do subsídio

destinado ao Prefeito, a título de “verba de representação”, que se soma

ao salário de servidor efetivo do Tribunal de Contas do Estado, do atual

mandatário.

Tal pagamento é inconstitucional, e lesa o erário público.

A inconstitucionalidade se dá em face, especialmente, do art. 38 da

Carta Magna, que proíbe a acumulação de vencimentos aos agentes

políticos municipais, excetuando-se apenas o caso dos Vereadores que,

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por compatilidade de horários, permaneçam exercendo as funções do

cargo efetivo.

Diz a Constituição Federal, por meio do art. 38:

Art. 38. Ao servidor público da administração direta, autárquica e

fundacional, no exercício de mandato eletivo, aplicam-se as seguintes

disposições: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

I - tratando-se de mandato eletivo federal, estadual ou distrital, ficará

afastado de seu cargo, emprego ou função;

II - investido no mandato de Prefeito, será afastado do cargo, emprego ou

função, sendo-lhe facultado optar pela sua remuneração;

III - investido no mandato de Vereador, havendo compatibilidade de

horários, perceberá as vantagens de seu cargo, emprego ou função, sem

prejuízo da remuneração do cargo eletivo, e, não havendo compatibilidade,

será aplicada a norma do inciso anterior;

(...)

A Constituição do Estado, como não poderia deixar de ser, segue a Lei

Maior:

Art. 88. O Prefeito será substituído, no caso de impedimento ou ausência

do Município por mais de quinze dias, e sucedido, no de vaga, pelo Vice-

Prefeito, na forma que a lei estabelecer.

(...)

§ 5º Perderá o mandato o Prefeito que assumir outro cargo ou função na

administração pública direta, indireta ou fundacional, ressalvada a posse

em virtude de concurso público e observado o disposto no art. 38, IV e V,

da Constituição da República.

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Como se pode ver, a única possibilidade de acumular proventos é dos

Vereadores, desde que viável o exercício, de fato, das duas funções.

Para o Prefeito e o Vice-Prefeito vale a regra do inciso II: é facultado,

apenas, optar pela remuneração. Não lhes é dado acumular

remunerações de um e de outro cargo, a qualquer título.

Mesmo porque o Prefeito, o Vice-Prefeito, e demais agentes políticos

municipais, recebem SUBSÍDIO, fixado em lei específica.

E é da natureza do subsídio ser constituído de parcela única, vedando-se,

ademais, a acumulação de gratificações, ou mesmo a cisão do subsídio

em parcelas. O art. 29 da Constituição Federal especifica:

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos,

com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos

membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios

estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os

seguintes preceitos:

(...)

V - subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito e dos Secretários Municipais

fixados por lei de iniciativa da Câmara Municipal, observado o que dispõem

os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I; (Redação dada pela

Emenda constitucional nº 19, de 1998)

Disposição simétrica está no art. 88, §3°, da Carta Estadual:

§ 3º Os subsídios do Prefeito, Vice-Prefeito e Secretários Municipais serão

fixados por lei de iniciativa da Câmara Municipal, observado o que dispõem

os arts. 37, XI; 39, § 4º; 150, II; 153, III e 153, § 2º, I da Constituição da

República Federativa do Brasil. (Redação alterada pelo art. 1º da Emenda

Constitucional n˚ 16, de 4 de junho de 1999).

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Na famosa obra Direito Municipal Brasileiro, de Hely Meirelles, com

atualização de Dalmo de Abreu Dallari (Coordenador), assinala-se2:

A remuneração do cargo de prefeito, a partir da Emenda Constitucional

19/1998, compõe-se unicamente de subsídio fixado por lei específica, de

iniciativa da Câmara Municipal, em parcela única, vedado o acréscimo de

qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação

ou outra espécie remuneratória (CF, art. 29, V, c/c os arts. 37, X e XI, 39

§4°, 150, II, e 153, III, e §2°,I). A essa lei a Constituição Federal assegura

revisão anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices

relativamente aos utilizados para a remuneração dos servidores públicos

em geral (art. 37, X).

(...)

O subsídio do prefeito é inacumulável com a remuneração ou subsídio de

qualquer outro cargo ou função pública, estatal, autárquica, fundacional

ou de empresas públicas e sociedades de economia mista, por incidir

vedação genérica do art. 37, XVII, da CF.

Chamar a parcela acrescida de “verba de remuneração” foi uma

tentativa malsucedida de burlar o princípio da inacumulabilidade.

A verba de representação, a priori, tem natureza indenizatória. Porém,

no caso presente, é visível que a alteração do nome foi, como já se disse,

uma tentativa grosseira de burlar o princípio da inacumulabilidade de

vencimentos. Mesmo porque tal verba, supostamente indenizatória, não

tem regras para ser gasta, muito menos prestação de contas.

Cita-se novamente a obra de Hely Meirelles3:

2 Meireles, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 17ª ed. Atualização: Dalmo de Abreu Dallari (Coordenador). São Paulo: Malheiros, 2013, p. 743-744. 3 Idem, 743.

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A Câmara pode conceder, ainda, ajuda de custo ao Prefeito, visando a

cobrir despesas com viagens e estadia fora do Município mas no

desempenho do cargo. Tais pagamentos não se confundem com o subsídio,

pelo quê podem ser alterados em cada exercício, suplementadas as

dotações, sem ofensa ao princípio da inalterabilidade da remuneração do

cargo durante o mandato; mas, como se destinará a compensar despesas

efetivas, ficam sujeitas a comprovação dos gastos e a prestação de contas

pelo Prefeito.

E, no caso, a inconstitucionalidade é mais gritante, porque, se o Prefeito

não tiver cargo público anterior, ele simplesmente não recebe a verba.

Ou seja, quem não possui ou não opta pela remuneração do cargo

efetivo receberá somente o subsídio. Quem possui um vencimento

superior ao subsídio, referente ao cargo efetivo, ganha sua remuneração

e mais 80% do que ganharia, se optasse pelo subsídio.

Que justificativa existe para uma verba, supostamente indenizatória,

que só é paga a quem ganha mais, e não a quem ganha menos?

Fica patente que, de indenizatória, a verba não tem nada.

Data venia, se uma manobra como essa, de mudar o nome da verba,

fosse suficiente para contornar o mandamento constitucional, a

Constituição perderia seu valor, pois bastaria alterar o nome de

qualquer instituto, a partir de uma lei local, e pronto: a Constituição

Federal não mais seria aplicada.

Matéria semelhante já foi tratada pelo Supremo Tribunal, que proibiu o

vice-prefeito de perceber a verba de representação do cargo, cumulando-

a ao salário de servidor efetivo4:

4 Íntegra do Acórdão em anexo.

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RE 140269 / RJ - RIO DE JANEIRO

RECURSO EXTRAORDINÁRIO

Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA

Julgamento: 01/10/1996 Órgão Julgador: Segunda Turma

Publicação DJ 09-05-1997 PP-18139 EMENT VOL-01868-03 PP-00650

Parte(s) RECTE. : LUIZ CARLOS TANNOS RECDO. : PREFEITURA MUNICIPAL

DE TRAJANO DE MORAIS

EMENTA: - Recurso extraordinário. 2. Vice-Prefeito, que é titular de emprego

remunerado em empresa pública. 3. Não pode o Vice-Prefeito acumular a

remuneração decorrente de emprego em empresa pública estadual

com a representação estabelecida para o exercício do mandato eletivo

(Constituição Federal art. 29, V). 4. Constituição, art. 38, II. 5. O que a

Constituição excepcionou, no art. 38, III, no âmbito municipal, foi apenas a situação

do Vereador, ao possibilitar-lhe, se servidor público, no exercício do mandato,

perceber as vantagens de seu cargo, emprego ou função, sem prejuízo da

remuneração do cargo eletivo, quando houver compatibilidade de horários; se não

se comprovar a compatibilidade de horários, será aplicada a norma relativa ao

Prefeito (CF, art. 38, II). 6. Hipótese em que o acórdão não reconheceu ao Vice-

Prefeito, que exercia emprego em empresa pública, o direito a perceber,

cumulativamente, a retribuição estabelecida pela Câmara Municipal. 7. Recurso

extraordinário não conhecido.

Decisão

Por unanimidade, a Turma não conheceu do recurso extraordinário.

Ausentes, justificadamente, o Senhor Ministro Marco Aurélio e, neste

julgamento, o Senhor Ministro Francisco Rezek. 2a. Turma, 01.10.96.

O Supremo Tribunal Federal veda, até mesmo, a percepção do adicional

de 1/3 sobre as férias, no caso de agentes políticos que recebem

subsídio:

AI 850291 / RS - RIO GRANDE DO SUL

AGRAVO DE INSTRUMENTO

Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA

Julgamento: 22/02/2012 | Publicado em 29/02/2012

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AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. VICE-PREFEITO.

ACUMULAÇÃO DE CARGOS REMUNERADOS: IMPEDIMENTO. ALEGADA

CONTRARIEDADE AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA

DEFESA. ACÓRDÃO RECORRIDO FUNDAMENTADO E CONSOANTE À

JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO AO QUAL SE

NEGA SEGUIMENTO. Relatório 1. Agravo de instrumento contra decisão

que não admitiu recurso extraordinário, interposto com base na alínea d

do inc. III do art. 102 da Constituição da Republica.2. O Tribunal de Justiça

do Rio Grande do Sul decidiu: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE.

LEI N. 2.377/08, DO MUNICÍPIO DE SANANDUVA (ARTIGOS 3°, I, e 5°).

IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO QUE NÃO SE OSTENTA. CARTA

ESTADUAL INCORPORANDO OS PRINCÍPIOS BALIZADORES DA

CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ART. 8°). SUBSÍDIO DO VICE-PREFEITO, VEDAÇÃO

DE PERCEPÇÃO DIFERENCIADA CASO EXERÇA ATIVIDADE PERMANENTE NA

ADMINISTRAÇÃO. REGRA DE FIXAÇÃO EM PARCELA ÚNICA, PROIBIÇÃO DE

ACRÉSCIMO DE QUALQUER NATUREZA (CF, ART. 39, § 4°, REDAÇÃO DA EC

N. 19/98). AGENTES POLÍTICOS, ACUMULAÇÃO REMUNERADA DE CARGOS

PÚBLICOS, VEDAÇÃO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 37, XVI). PREFEITO E

VICE-PREFEITO, GRATIFICAÇÃO DE FÉRIAS, DESATENDIMENTO À MESMA

REGRA PROIBITIVA DE QUALQUER ACRÉSCIMO REMUNERATÓRIO.

INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL OU SUBSTANCIAL. PRINCÍPIOS AOS

QUAIS OS MUNICÍPIOS DEVEM OBEDIÊNCIA, NA FORMA DOS ARTIGOS 8° E

11, DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO. PRECEDENTES DOUTRINÁRIOS E

JURISPRUDENCIAIS. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE, POR MAIORIA”(fl. 191).

Os embargos declaratórios opostos foram assim julgados:

“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. AÇÃO DIRETA DE

INCONSTITUCIONALIDADE. EFICÁCIA DA DECISÃO. LEI N. 9.868/99 (ART.

27). MATÉRIA NÃOENFRENTADA, OMISSÃO NO ACÓRDÃO. DIFERIMENTO,

PORÉM, DESATENDIDO.EMBARGOS DE DECLARAÇÃO PARCIALMENTE

ACOLHIDOS. UNÂNIME” (fl. 223). 3. A decisão agravada teve os seguintes

fundamentos para a inadmissão do recurso extraordinário: a) as

circunstâncias de que a “pretensa violação ao art. 5º, LV, da Carta Política

não se configura” (fl. 322 v.) e de que “é totalmente insubsistente a

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alegação de que o acórdão não contém fundamentação” (fl. 323); e b) a

incidência das Súmulas n. 283 e 284 da Constituição. 4. O Agravante

argumenta que: “diferentemente do afirmado na decisão ora em exame,

restaram ofendidos os princípios do contraditório, da ampla defesa e da

motivação das decisões judiciais. (...) Desta forma, fazendo este

cotejo jurisprudencial, resta evidente o conflito de entendimento

entre a decisão então recorrida e a decisão paradigma antes invocada.

Ademais, conforme restou admitido pelo próprio relator, e retratado a

todo o momento no bojo do seu voto condutor, a Lei municipal

questionada foi diretamente confrontada com dispositivos da Carta

Magna e não da Constituição Federal [Estadual]. Logo, descabido o

argumento de que não se teria feito o confronto direto da norma local

com dispositivos da Constituição Federal” (fls. 20 e 24). No recurso

extraordinário, alega que o Tribunal a quo teria contrariado os arts.

5º, inc. LV, e 93, inc. IX, da Constituição. Sustenta que: “Na

prática, a Lei municipal [n. 2.377/2008] fixou, em parcela única,

subsídios diferentes para cargos e atividades diferentes que podem ser

exercidos cumulativamente pela mesma pessoa. (...) É inegável que o

escopo foi proteger o interesse da comunidade sananduvense impondo ao

ocupante do cargo de Vice-Prefeito a obrigação da labutar

permanentemente em favor dos munícipes e não apenas nas hipóteses de

substituição do titular do cargo de Prefeito. Não se trata de um

‘plus’, mas de uma forma lógica e razoável de acabar com a velha (e

nada louvável) prática de se pagar metade do subsídio dos Prefeitos

para Vices que, com exceção dos períodos de substituição, jamais

exerciam qualquer labuta em favor dos munícipes” (fls. 290-291).

Apreciada a matéria trazida na espécie, DECIDO. 5. Razão jurídica não

assiste ao Agravante. Quanto à alegação de nulidade do acórdão por

contrariedade ao inc. IX do art. 93 da Constituição da República,

embora em sentido contrário à pretensão do Agravante, o acórdão

recorrido apresentou suficiente fundamentação. E, tal como se firmou

na jurisprudência deste Supremo Tribunal: “O que a Constituição exige,

no art. 93, IX, é que a decisão judicial seja fundamentada; não, que a

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fundamentação seja correta, na solução das questões de fato ou de

direito da lide: declinadas no julgado as premissas, corretamente

assentadas ou não, mas coerentes com o dispositivo do acórdão, está

satisfeita a exigência constitucional” (RE 140.370, Rel. Min.

Sepúlveda Pertence, Primeira Turma, DJ 21.5.1993). 6. O Desembargador

Relator afirmou: “De fato, a regra que fixa de forma diferenciada o

subsídio do Vice-Prefeito, conforme exerça ou não atividade permanente

na administração, com substancial acréscimo em caso positivo (art. 3º,

I), efetivamente desatende ao princípio estabelecido no art. 39, § 4º,

da CF (redação dada pela EC n. 19/98), que determina: ‘O membro de

Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os

Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente

por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer

gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou

outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto

no art. 37, X e XI’. (...) Na verdade, o acréscimo pelo exercício de

responsabilidades permanentes, na forma da lei questionada, representa

‘outra espécie remuneratória’, afrontando o princípio constitucional

que restringe a remuneração do detentor de mandato eletivo à parcela

única. Como também, consoante assevera a proponente, entra em testilha

com a vedação de acumulação remunerada de cargo público, que a mesma

Carta proíbe terminantemente, fora das exceções nela expressamente

previstas (CF, art. 37, XVI). Assim, estou em que o permissivo a que

alude o inciso I do artigo 3º da lei impugnada efetivamente padece de

inconstitucionalidade material ou substancial, malferindo os

princípios estabelecidos nos art. 39, § 4º, e 37, XVI, da CF, aos

quais os municípios se submetem, por força do que determinam os

artigos 8° e 11 da Constituição do Estado. Padece do idêntico vício

apontado, também, o artigo 5° da mesma lei, conferindo ao Prefeito

Municipal e ao Vice-Prefeito, este caso exerça atividades permanentes,

a gratificação de férias (correspondente a 1/3). Com efeito, trata-se

de gratificação própria do trabalhador rural ou urbano, público e

privado, estendendo-se ao servidor público por força do disposto no

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art. 39, § 3º, da CF (redação dada pela EC n. 19/98), com a remissão

feita ao art. 7º, XVII, da mesma Carta, característica que,

desenganadamente, não têm os agentes políticos. Em realidade, na

condição de detentores de mandato eletivo, enfrentam aqui a mesma

restrição do já aludido no art. 39, § 4º, da CF, no sentido de que

serão remunerados exclusivamente em parcela única, vedada a percepção

de gratificação de qualquer natureza” (fls. 193-194). O Tribunal de

Justiça do Rio Grande do Sul decidiu em consonância com a

jurisprudência deste Supremo Tribunal, que assentou que o disposto no

inc. II do art. 38 da Constituição da República também se aplica, por

analogia, aos vice-prefeitos, que, por esse motivo, estão impedidos de

acumular remuneração de cargos públicos. Nesse sentido: “AGRAVO DE

INSTRUMENTO – VICE-PREFEITO – ACUMULAÇÃO DE VENCIMENTOS E

SUBSÍDIO – IMPOSSIBILIDADE – APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO INCISO II

DO ART. 38 DACONSTITUIÇÃO FEDERAL – DIRETRIZ JURISPRUDENCIAL

FIRMADA PELO SUPREMOTRIBUNAL FEDERAL – RECURSO DE AGRAVO

IMPROVIDO” (AI 451.267-AgR, Rel.Celso de Mello, Segunda Turma, DJe

12.6.2009). 7. Ademais, esteSupremo Tribunal assentou que a alegação de

contrariedade ao princípioda legalidade e a verificação, no caso

concreto,da ocorrência, ounão, de ofensa ao direito adquirido, ao ato

jurídico perfeito, à coisajulgada ou, ainda, aos princípios do devido

processo legal, da ampladefesa, do contraditório e da jurisdição, se

dependentes de análiseprévia da legislação infraconstitucional (Código de

Processo Civil),configurariam apenas ofensa constitucional indireta. Nesse

sentido:

“AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALEGADA

VIOLAÇÃO AOSPRINCÍPIOS DA AMPLA DEFESA, DO CONTRADITÓRIO E DO

DEVIDO PROCESSOLEGAL E DO DIREITO ADQUIRIDO. MATÉRIA

INFRACONSTITUCIONAL. OFENSAINDIRETA. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AO

ART. 93, IX, DA CARTA MAGNA.ACORDÃO SUFICIENTEMENTE

FUNDAMENTADO. AGRAVO IMPROVIDO. I – A jurisprudência desta Corte

fixou-se no sentido de que a afronta aos

princípios do devido processo legal, da ampla defesa, do

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contraditório, do direito adquirido, dos limites da coisa julgada e da

prestação jurisdicional, se dependente de reexame prévio de normas

infraconstitucionais, em regra, seria indireta ou reflexa.

Precedentes. II – A exigência do art. 93, IX, da Constituição, não

impõe que seja a decisão exaustivamente fundamentada. O que se busca é

que o julgador informe de forma clara e concisa as razões de seu

convencimento. III – Agravo regimental improvido” (AI 816.034-AgR,

Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJe 23.2.2011). A

decisão agravada, embasada nos dados constantes do acórdão recorrido,

está em harmonia com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, razão

pela qual nada há a prover quanto às alegações do Agravante. 8. Pelo

exposto, nego seguimento a este agravo (art. 557, caput, do Código de

Processo Civil e art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo

Tribunal Federal). Publique-se. Brasília, 22 de fevereiro de 2012.

TODAS as leis municipais que previam acumulação ou acréscimos ao

subsídio, e que chegaram ao STF, foram declaradas inconstitucionais. Os

precedentes são inúmeros. A jurisprudência é pacífica.

Veja-se mais este julgado:

AI 476390 AgR / MG - MINAS GERAIS

AG.REG.NO AGRAVO DE INSTRUMENTO

Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE

Julgamento: 22/03/2005 | Órgão Julgador: Primeira Turma

Publicação DJ 15-04-2005 PP-00014 EMENT VOL-02187-07 PP-01485

Parte(s) AGTE.(S): JOÃO ANTÔNIO DE ALMEIDA ADVDO.(A/S) : JOSUÉ

IRFFI JÚNIOR E OUTRO (A/S) AGDO.(A/S): MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO

DE MINAS GERAIS

EMENTA: 1. Acumulação de vencimentos e subsídios: impossibilidade. O

Vice-Prefeito não pode acumular a remuneração percebida como servidor

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público municipal (Escriturário III), e posteriormente como Secretário de

Obras do Município, com os subsídios do cargo eletivo: firmou-se o

entendimento do STF no sentido de que as disposições contidas no inciso II

do art. 38 da Constituição Federal, relativas ao Prefeito, aplicam-se, por

analogia, ao servidor público investido no mandato de Vice-Prefeito (ADIn

199, Pleno, Maurício Corrêa, DJ 7.8.1998). 2. Recurso extraordinário:

descabimento: questões que demandam prévio exame de legislação

infraconstitucional e dos fatos que permeiam a lide: incidência da Súmula

279. 3. Agravo regimental: necessidade de impugnação de todos os

fundamentos da decisão agravada (RISTF, art. 317, § 1º). 4. Agravo

regimental manifestamente infundado: aplicação da multa de 2% (dois por

cento) sobre o valor corrigido da causa (C. Pr. Civil, art. 557, § 2º).

A matéria, portanto, não comporta maiores discussões. Se a

Constituição excepcionou o acúmulo de vencimentos e subsídios

APENAS AOS VEREADORES, não poderia a legislação infraconstitucional

abrir novas exceções, ou, o que é pior, inventar artifícios para tentar

escapar do rígido e expresso mandamento constitucional.

A Lei municipal 17.732, de 29 de agosto de 2011, em seu art. 33, padece

de inconstitucionalidade, que há de ser reconhecida, declarando-se,

outrossim, a nulidade dos atos administrativos que importaram no

pagamento da dupla remuneração ao Sr. Prefeito.

DA TUTELA ANTECIPADA

Estão presentes os requisitos que autorizam a tutela de urgência:

1. Verossimilhança da alegação: não há dúvida sobre a matéria de

fato. O valor indevidamente recebido pelo Sr. Prefeito consta do

Portal da Transparência da Prefeitura.

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2. Fundado receio de dano irreparável ou difícil reparação: trata-se

de dinheiro público, pago indevidamente, a quem já recebe salário

de cargo efetivo.

A persistência no pagamento acarreta prejuízo aos cofres públicos, que

se reflete na Administração.

Por outro lado, a suspensão do pagamento não comprometeria a

sobrevivência do Servidor, uma vez que este já recebe os salários do

Cargo que ocupava no Tribunal de Contas do Estado. Apenas deixaria de

receber o acréscimo ditado pela Lei 17.732/2011, do Município do

Recife.

Há interesse público relevante, que, se atendido, não trará grandes

prejuízos à parte adversa.

Requer, portanto, seja deferida a tutela antecipada, no sentido de

suspender o pagamento da “verba de representação” prevista na

inconstitucional Lei 17.732/2011.

DO PEDIDO

Ante o exposto, vem requerer:

a) seja concedida tutela antecipada, suspendendo-se o pagamento

da “verba de representação” hoje percebida pelo Prefeito do

Recife;

b) sejam citados os Demandados para, querendo, contestarem a

presente;

c) seja intimado o ilustre Representante do Ministério Público;

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d) seja, a final, julgada procedente esta Ação Popular, reconhecendo-

se a inconstitucionalidade da Lei municipal n° 17.732/2011,

declarando-se a nulidade dos atos referentes ao pagamento, bem

assim determinando à Administração se abstenha de pagar o

benefício;

e) sejam os Demandados, ainda, condenados ao pagamento de

custas e honorários advocatícios, à razão de 20% do valor da

causa.

Protesta provar o alegado por todos os meios em Direito admitidos,

inclusive juntada ulterior de documentos e ouvida de testemunhas.

Dá-se à causa o valor de R$ 1.000.00 (mil reais), para efeitos fiscais.

Termos em que,

Pede deferimento.

Recife, 20 de agosto de 2013.

PAULO CÉSAR MAIA PORTO

OAB/PE 12.726