Acerca do Direito à Negociação Coletiva das Categorias Diferenciadas

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1 ACERCA DO DIREITO À NEGOCIAÇÃO COLETIVA DAS CATEGORIAS DIFERENCIADAS Luiz Felipe Monsores de Assumpção I- INTRODUÇÃO Em razão do ofício, é comum recebermos demandas de mediação de conflitos coletivos de interesses, por ocasião das datas-bases de categorias diferenciadas, em face de empresas, normalmente de grande porte, cujos trabalhadores, em razão do critério da preponderância da atividade econômica, são representados por sindicatos diversos. Não menos comum é a conduta dessas empresas, rejeitando as tratativas, sob o argumento de que a obrigação em negociar se restringe à categoria preponderante, e a mais nenhuma outra. Vezes há em que tais argumentos convencem o próprio Ministério Público do Trabalho, quando provocados pelas representações de categorias diferenciadas. Na prática, o que se vê com indesejável frequência é a mera extensão administrativa dos benefícios e regulações conferidas às categorias preponderantes através dos acordos coletivos, sem considerar as singularidades que caracterizam as categorias diferenciadas. Luiz Felipe Monsores de Assumpção é Auditor-Fiscal do Trabalho, especialista em direito do trabalho e legislação social e mestrando em direito e sociologia pela Universidade Federal Fluminense.

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ACERCA DO DIREITO À NEGOCIAÇÃO COLETIVA DAS

CATEGORIAS DIFERENCIADAS

Luiz Felipe Monsores de Assumpção

I- INTRODUÇÃO

Em razão do ofício, é comum recebermos demandas de

mediação de conflitos coletivos de interesses, por ocasião das datas-bases de

categorias diferenciadas, em face de empresas, normalmente de grande porte, cujos

trabalhadores, em razão do critério da preponderância da atividade econômica, são

representados por sindicatos diversos.

Não menos comum é a conduta dessas empresas, rejeitando

as tratativas, sob o argumento de que a obrigação em negociar se restringe à

categoria preponderante, e a mais nenhuma outra.

Vezes há em que tais argumentos convencem o próprio

Ministério Público do Trabalho, quando provocados pelas representações de

categorias diferenciadas. Na prática, o que se vê com indesejável frequência é a

mera extensão administrativa dos benefícios e regulações conferidas às categorias

preponderantes através dos acordos coletivos, sem considerar as singularidades

que caracterizam as categorias diferenciadas.

Desse modo, o presente artigo pretende ofertar alguns bons

argumentos em favor da garantia do direito à negociação, cujo exercício pelas

agremiações de categorias obreiras diferenciadas nos parece defensável, e

necessário.

II- O DIREITO À NEGOCIAÇÃO COLETIVA E O DEVER DE NEGOCIAR.

O art. III da Constituição da OIT (1946), que elenca os fins e

objetivos desta organização internacional, determina que a entidade fomente:

Luiz Felipe Monsores de Assumpção é Auditor-Fiscal do Trabalho, especialista em direito do trabalho e legislação social e mestrando em direito e sociologia pela Universidade Federal Fluminense.

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(...) o reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva, a cooperação de empregadores e de trabalhadores para melhorar continuamente a eficiência na produção e a colaboração de trabalhadores e empregadores na preparação e aplicação de medidas sociais e econômicas. (grifo meu).

Em 1948, a Declaração Universal dos Direitos do Homem

proclamou que: “Todo homem tem direito de organizar sindicatos e neles ingressar

para a proteção de seus interesses” (art. XXIII, n.4).

Em 1949, a Convenção n. 98 da OIT estabeleceu o direito de

sindicalização e de negociação coletiva. Adiante, em 1981, a Convenção n. 154

conclamou o fomento da negociação coletiva em todos os ramos da atividade

econômica.

A CF/88, em seu título II “Dos Direitos e Garantias

Fundamentais”, Capítulo II “Dos Direitos Sociais”, dispõe sobre o “reconhecimento

das convenções e acordos coletivos de trabalho (art. 7º, inc. XXVI). Mais adiante, no

art. 114, §§ 1º e 2º, a CF/88 estabelece que as partes poderão eleger árbitros, nos

casos em que a negociação coletiva restar frustrada; outrossim, que da recusa à

negociação resultará a promoção do competente dissídio coletivo.

Por sua vez, o art. 616, caput, da CLT firma que:

Os sindicatos representativos de categorias econômicas ou profissionais e as empresas, inclusive as que não tenham representação sindical, quando provocados, não podem recusar-se- à negociação coletiva.

De outro modo, o enunciado da Súmula nº 374, do TST,

estabelece que:

Nº 374 - NORMA COLETIVA. CATEGORIA DIFERENCIADA. ABRANGÊNCIA. (conversão da Orientação Jurisprudencial nº 55 da SDI-1) - Res. 129/2005 - DJ 20.04.2005Empregado integrante de categoria profissional diferenciada não tem o direito de haver de seu empregador vantagens previstas em instrumento coletivo no qual a empresa não foi representada por órgão de classe de sua categoria. (ex-OJ nº 55 - Inserida em 25.11.1996)

A Lei 7.783/89, que regulamenta o direito de greve, condiciona

o seu exercício à frustração das negociações (art. 3º). Já a Lei 8.542/92, que dispõe

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sobre a política nacional de salários, estabelece expressamente, em seu art. 1º, que

“a política nacional de salários, respeitado o princípio da irredutibilidade, tem por

fundamento a livre negociação coletiva (...)”. Por fim, a Lei 10.192/01, que trata das

medidas complementares ao Plano Real, estabelece que é direito dos trabalhadores

ter os seus “salários e demais condições referente ao trabalho” fixados e revistos

através de negociação coletiva (art. 10).

No âmbito doutrinário, DÉLIO MARANHÃO1 ensina que:

O Estado liberal e individualista deixara o trabalhador isolado e enfraquecido, diante do empregador economicamente poderoso e que, por reunir sob o seu controle os meios de produção funcionalmente organizados, já representada, no dizer de Adam Smith, em si mesmo, uma “coalizão”. Daí resultou, como sabemos, que o contrato de trabalho se resumia na adesão forçada do trabalhador às cláusulas que lhe eram impostas pelo contratante mais forte e que constavam do regulamento da empresa. A convenção coletiva surgiu para substituir este regulamento unilateral, ou seja, nas palavras de La Cueva, “para democratizar a economia e romper a farsa do contrato individual”.

Ainda sobre as convenções coletivas, LEWIS COSER2 afirma

que o processo histórico de amadurecimento social dessa espécie de “contrato

coletivo” obedeceu às seguintes etapas: 1- a da proibição; 2- a da tolerância; 3- a da

justificação pelo direito civil; 4- a do reconhecimento pelo direito comum; 5- a da

regulamentação por leis especiais; 6- a da elevação ao nível de garantia

constitucional.

MAURÍCIO GODINHO DELGADO3 relata que entre os

princípios regentes das relações entre os seres coletivos trabalhistas situa-se o

“princípio da interveniência sindical na normatização coletiva”. Segundo o autor,

assumido pela CF/88 (art. 8º, III e VI), o princípio visa a assegurar a existência de

efetiva equivalência entre os sujeitos contrapostos, evitando a negociação informal

do empregador com grupos coletivos obreiros estruturados apenas de modo

episódico, eventual, sem a força de uma institucionalização democrática como a

propiciada pelo sindicato. Ainda segundo o notório jurista:

1 MARANHÃO, Délio e CARVALHO, Luiz Inácio B. Direito do Trabalho. 17ª Ed. Rio de Janeiro. FGV: 1993, p. 328.2 COSER, Lewis. Nuevos aportes a la teoria del conflito social. Trad. Esp. Buenos Aires. Amorrortu, 1967. p. 96/97.3 DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 6ª Ed. São Paulo. LTr: 2007, p. 1314.

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A presente diretriz atua, pois, como verdadeiro princípio de resistência trabalhista. E corretamente, pois não pode a ordem jurídica conferir a particulares o poderoso veículo de criação de normas jurídicas (e não simples cláusulas contratuais) sem uma consistente garantia de que os interesses sociais mais amplos não estejam sendo adequadamente resguardados. E a presença e a atuação dos sindicatos têm sido consideradas na história do Direito do Trabalho uma das mais significativas garantias alcançadas pelos trabalhadores em suas relações com o poder empresarial.

HUGO GUEIROS BERNARDES4, também abordando os

princípios norteadores na negociação coletiva, destaca o “princípio da boa-fé ou

lealdade”, cuja consequência é o “dever formal de negociar”, consubstanciado na

obrigatoriedade do exame de propostas recíprocas e na formulação de

contrapropostas convergentes.

Antecipando-se ao advento da E.C. nº 45, o mestre ARNALDO

SÜSSEKIND5 ensinava que:

Em 1992, ratificamos a Convenção nº 154 da OIT, que dispõe sobre o “fomento à negociação coletiva”; mas os já mencionados efeitos da globalização da economia nas relações de trabalho dificultam, também entre nós, o êxito da negociação coletiva. Demais disto, a facilidade com que qualquer das partes pode ajuizar o dissídio coletivo concorre, inquestionavelmente, para o malogro da composição dos interesses das partes em conflito. Entendemos, e já propusemos em Congresso, que a instauração judicial do dissídio coletivo só deveria ser admitida:

a) Por consenso das partes, que poderão optar entre a arbitragem ou a via judicial;b) Pelo Ministério Público do Trabalho, em caso de greve capaz de afetar substancialmente as necessidades inadiáveis da comunidade;c) Por qualquer das partes, após o malogro da negociação direta e com mediação efetivamente praticada durante o prazo fixado por uma lei que disporia sobre o tema.

A negociação coletiva deve ser facilitada e fomentada, a fim de que possa, em maior escala, ampliar o nível imperativo da proteção legal ao trabalhador brasileiro.

4 BERNARDES, Hugo Gueiros. Princípios da Negociação Coletiva – Relações Coletivas de Trabalho. Estudos em Homenagem ao Ministro Arnaldo Süssekind. São Paulo. LTr: 1989, p. 357.5 SÜSSEKIND, Arnaldo. Direito Constitucional do Trabalho. Rio de Janeiro. Renovar: 2001, p. 404/405.

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Analisando a constitucionalidade do art. 617, CLT, MOZART

VICTOR RUSSOMANO6 nos brinda com o seguinte comentário:

Há quem entenda que, dessa forma, o art. 617 da CLT foi derrogado pelo constituinte. E, aparentemente, na verdade, é o que acontece. Se se exige, sempre, a presença do sindicato em todas as formas de negociações coletivas, é razoável entender-se que a hipótese de negociação direta dos trabalhadores na celebração de acordos coletivos “heterodoxos”, ficou impedida pela lei Maior.Não pensamos assim, porém, porque entendemos que o art. 8º, inc. VI, da CF/88, pela sua formulação e por sua natureza, não é self executing: ele carece de regulamentação por lei ordinária, que até hoje não existe. Desse modo, os preceitos consolidados a propósito do tema continuam íntegros e eficazes.Se se concluir de forma diversa, teremos, então, que admitir que os acordos coletivos diretos (trabalhadores + empresa) deixaram de ser possíveis e, igualmente, deixaram de ser necessários: a obrigatoriedade da presença do sindicato na negociação, prevista naquela norma constitucional, não envolve, apenas, exigir-se que o sindicato, sempre, tenha a iniciativa de toda e qualquer negociação coletiva. Ela alcança, coativamente, também o próprio sindicato. Este não se poderá furtar – taxativa ou indiretamente – a atuar no processo da negociação, sob pena de faltar às suas obrigações fundamentais. (grifo meu).

Coube a JOÃO LIMA TEIXEIRA FILHO7, atualizando uma das

mais completas obras da doutrina juslaboral brasileira, fazer a defesa definitiva da

negociação coletiva, no âmbito do direito sindical pátrio.

De início, o mestre propõe uma crítica acerca da forma

“tangencial” com que a doutrina brasileira trata a negociação coletiva. Modo geral,

ele observa que as tratativas negociais são mencionadas – de regra – quando se

examinam os instrumentos normativos e sua natureza jurídica. Isto é, costuma-se

analisar a negociação coletiva “de costas”, a partir de seus sub-produtos: acordos e

convenções coletivas. A própria CLT só tratou diretamente da negociação coletiva

em um único artigo, o 616 (já mencionado). Para o autor, a negociação coletiva seria

uma preciosa fonte de Direito do Trabalho, e sobre ela a Constituição Federal irradia

um facho de luz, reconhecendo-a como o processo mais eficaz e democrático de

solução dos conflitos coletivos trabalhistas.

6 RUSSOMANO, Mozart Victor. Princípios Gerais de Direito Sindical. 2ª Ed. Rio de Janeiro. Forense: 2002, p. 44.7 SÜSSEKIND, Arnaldo et al. Instituições de Direito do Trabalho. 22ª Ed. Atualizada por Arnaldo Süssekind e Lima Teixeira. Vol. 2. São Paulo. LTr.: 2005, p. 1193/1195.

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Nesse sentido, LIMA TEIXEIRA reúne o que seriam os

“princípios da negociação coletiva”, encabeçados pelo “princípio da inescusabilidade

negocial”. Conforme o autor:

A função precípua dos atores sociais é vocalizar e debater os reais interesses do grupo que representa, objetivando alcançar uma composição consensual. Essa finalidade, imanente às entidades representativas, de que são exemplos conspícuos os sindicatos, obsta que a negociação coletiva seja rechaçada ao primeiro aceno. Negá-la corresponde a negar a própria existência do ente coletivo e a desprestigiar exatamente o diálogo social que a Carta Política de 88 valorizou – como nenhuma outra fez.A Constituição vigente foi a primeira a tratar da negociação coletiva em seus múltiplos aspectos: a) como espécie do gênero “solução pacífica das controvérsias” para alcançar a “harmonia social e comprometida” (Preâmbulo); b) quanto a seus atores (art. 8º, VI); c) reconhecendo a autonomia privada coletiva (art. 7º, XXVI); d) como mecanismo exclusivo para a flexibilização de direitos (art. 7º, VI, XIII e XIV); e d) aludindo às formas de heterocomposição, quando fracassado o diálogo direto (art. 114, §§ 1º e 2º). Tão inigualável quantidade de comandos sobre o tema, sistematicamente interpretados, leva o operador do direito e os agentes coletivos a captar a sinalização emitida pelo legislador constituinte no sentido de valorizar a negociação coletiva na determinação das condições de trabalho e exercitá-la como forma democrática de entendimento harmônico e comprometido.É certo que a Constituição Federal prevê o dissídio coletivo, “recusando-se qualquer das partes à negociação coletiva ou à arbitragem” (art. 114, § 2º). Sucede que a recusa pressupõe uma negociação tentada. Não se recusa o que inexiste.

O professor AIRTON PEREIRA PINTO8, ao tratar do conceito

de direitos humanos sociais, menciona o reconhecimento das convenções e acordos

coletivos de trabalho em sede constitucional, destacando o efeito social e jurídico no

mundo sindical, mormente no que tange à “criação de uma cultura negocial com

civilidade e razoabilidade entre as partes que negociam, além de amadurecer as

instituições de empregados e empregadores na democracia social do mundo do

trabalho”.

8 PINTO, Airton Pereira. Direito do Trabalho, Direitos Humanos Sociais e a Constituição Federal. São Paulo. LTr: 2006, p. 140 e 194.

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Chega-se, por fim, ao reconhecimento da negociação coletiva

enquanto direito fundamental do trabalhador9. Na mesma linha, JOÃO ROBERTO

CESÁRIO10 ensina que “a greve é um direito de natureza fundamental e

instrumental, que visa, numa perspectiva mais ampla, viabilizar outro direito não

menos fundamental dos trabalhadores, que é o de negociar coletivamente os seus

direitos”. Aliás, é nesse sentido que a OIT se manifesta sobre o direito à negociação

coletiva:

La Conferencia Internacional Del Trabajo (...) declara que todos los miembros, aun cuando no hayan ratificado los convenios aludidos, tienen un compromiso que se deriva de su mera pertenencia a la Organización de respetar, promover y hacer realidad, de buena fe y de conformidad con la Constitución, los principios relativos a los derechos fundamentales que son objeto de esos convenios, es decir:(a) la libertad de asociación y la libertad sindical y el reconocimiento efectivo del derecho de negociación colectiva11. (sem grifo no original).

III- NEGOCIAÇÃO COLETIVA E ENQUADRAMENTO SINDICAL.

De tudo que foi exposto, tem-se que no âmbito

infraconstitucional, a negociação coletiva de salários e demais condições de trabalho

é direito dos trabalhadores e dever dos sindicatos e empresas. No plano

constitucional, a CF/88 elevou a negociação coletiva ao status de direito

fundamental social. Neste mesmo sentido, a OIT – desde 1946 – já vinha

proclamando a negociação coletiva como condição de efetivação dos direitos

fundamentais. A ONU reconhece a negociação coletiva de condições de trabalho

como móbil assegurador dos direitos humanos, em sintonia com o princípio da

dignidade da pessoa humana.

9 SANTOS, Jonábio Barbosa dos. Liberdade Sindical e Negociação Coletiva como Direitos Fundamentais do Trabalhador. São Paulo. LTr: 2008.10 CESÁRIO, João Humberto. O direito constitucional fundamental de greve e a função social da posse. Um novo olhar sobre os interditos possessórios na Justiça do Trabalho brasileira. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1604, 22 nov. 2007. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=10683>. Acesso em: 12 jan. 2010.11 Excerto extraído da Declaração dos Direitos Fundamentais do Trabalhador. OIT, 1998.

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Porém, é óbvio que a regulação da estrutura sindical brasileira

pressupõe uma condição antecedente ao exercício do direito à negociação coletiva,

que é a legitimidade representativa de categorias profissionais ou econômicas.

Sem adentrar profundamente na discussão da personalidade

sindical das agremiações obreira e patronal, tem-se que o princípio da

inescusabilidade da negociação coletiva atua a partir do momento em que o

empregador enquadra seus funcionários a determinada categoria profissional, em

simetria com o denominado autorreconhecimento da categoria econômica.

Portanto, estritamente no âmbito da legitimidade

representativa, a recusa patronal à negociação coletiva só se justifica quando houver

controvérsia quanto à condição de representante da categoria profissional. Nem se

comente o argumento de que a obrigatoriedade da negociação está adstrita à

categoria preponderante, uma vez que esse critério não é válido, em se tratando de

categorias diferenciadas, visto que, neste caso, o enquadramento sindical laboral se

orienta – excepcionalmente – pelo exercício da atividade profissional,

independentemente da atividade econômica preponderante do empregador. A esse

respeito, a doutrina de ARION SAYON ROMITA12 revela que:

Por isso, com razão, escrevem Arnaldo Süssekind e Délio Maranhão: “Em regra, o enquadramento do trabalho decorre da atividade preponderante da empresa de que é empregado; mas há exceções, restritas aos profissionais liberais, trabalhadores autônomos e empregados integrantes de categorias profissionais diferenciadas. Todavia, o vínculo social básico determinante do enquadramento sindical das empresas e entidades empregadoras que lhes são equiparadas é sempre ditado pela natureza do respectivo empreendimento, o qual estabelece a solidariedade e os interesses comuns configuradores da categoria econômica. (grifo meu).

Em sentido idêntico, CASSIO MESQUITA BARROS13:

Assim, o enquadramento da atividade econômica se dá segundo a atividade preponderante da empresa, exceção feita aos profissionais liberais, trabalhadores

12 ROMITA, Arion Sayão. O Conceito de Categoria. In: FRANCO FILHO, Georgenor de Souza. (Coord.). Curso de Direito Coletivo do Trabalho. Estudos em Homenagem ao Ministro Orlando Teixeira da Costa; São Paulo: LTr, 1998, p. 203.13 BARROS, Cássio Mesquita. Categorias Econômicas e Profissionais. In: PRADO, Ney. (Coord.). Direito Sindical Brasileiro. Estudos em homenagem ao prof. Arion Sayão Romita. São Paulo: LTr, 1998, p. 91.

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autônomos e empregados integrantes de categorias profissionais diferenciadas, exceções nas quais o enquadramento sindical guarda correlação com a profissão exercida. (grifo meu).

Deste modo, inexistindo controvérsia acerca de quem seja o

legítimo representante de determinada categoria profissional ou, noutros termos, em

havendo o reconhecimento de determinada representação sindical pelo empregador,

este atrai para si a obrigação de negociar condições de trabalho e revisão salarial

dos seus empregados. Essa obrigação, como dito, é inescusável. Por sua vez, é

dever do sindicato representativo de determinada categoria profissional diferenciada

chamar a empresa e/ou sua representação patronal às tratativas, sob pena de não

garantir, aos seus representados, os direitos fixados em instrumento normativo

próprio (v. Súm. 374, TST).

Portanto, a obrigação de negociar é inafastável, bastando que

se reconheça a legitimidade representativa das categorias; fato que se dá com o

enquadramento sindical espontâneo. A desobrigação das tratativas se admite,

apenas, na hipótese de uma “desutilidade”, como se vê – de regra – quando já

existe uma convenção coletiva em vigor. Mesmo assim, a doutrina e a jurisprudência

não costumam excepcionar esse dever de negociar, quando os interesses em

conflito são “particularizados”14, isto é, não abarcados por norma autônoma genérica,

mormente quando o direito à negociação “particularizada” constituiu-se pelo costume

(CLT, art. 8º).

IV- CONCLUSÃO.

A negociação coletiva é um direito fundamental dos

trabalhadores, para o quê a legitimação dos sindicatos tem assento constitucional

(CF/88, art. 8º, III). Por outro lado, não se justifica a tese de que a liberdade sindical,

proclamada pela Norma Ápice, tenha revogado a garantia ex lege de

enquadramento sindical exclusivo, atribuído às categorias diferenciadas. Aliás, o

entendimento pacificado pela jurisprudência, inclusive a da Corte Constitucional, é

no sentido de que a CF/88 recepcionou o § 3º do art. 511, da CLT:

14 Expressão empregada na revogada IN 04, do TST, inc. IV.

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CATEGORIA DIFERENCIADA - CF/88 - REGULAMENTAÇÃO COLETIVA ESPECÍFICA - CRITÉRIO PARA OBTENÇÃO - EXEGESE. Categoria diferenciada - Atuação na sistemática introduzida pela Carta Política de 1988: Uma vez que o legislador constituinte confirmou a manutenção do critério de organização dos setores econômico e profissional das categorias - o que leva à permanência do paralelismo e da correlação estabelecidos no art. 577 da CLT e anexo -, poder-se-ia considerar incompatível com a nova ordem jurídica o instituto da ‘categoria diferenciada’, por equivaler, na verdade, a um sistema de organização por profissão. Considerado, porém, o princípio constitucional da liberdade associativa, admite-se, genericamente, que as antigas categorias diferenciadas logrem êxito em obter regulamentação coletiva específica, mas desde que a busquem junto a cada setor específico da economia, sem o que inviabiliza-se por completo a negociação - que também é imperativo constitucional. Processo que se extingue, sem julgamento do mérito, por ausência de processo negocial efetivo.” (Ac da SDC do TST - RO DC 488.270/98.6-2a R - Rel. Min. Armando de Brito - j 07.12.98 - Rectes.: Sindicato da indústria da Fabricação do Álcool do Estado de São Paulo e outros; Recdos.: Sindicato dos Empregados Desenhistas, Técnicos Artísticos, industriais Copistas, Projetistas Técnicos e Auxiliares do Estado de São Paulo e outros - DJU 1 05.02.99, pp 24/5 - ementa oficial).

ENQUADRAMENTO SINDICAL. DEFINIÇÃO. REGRA GERAL. ATIVIDADE PREPONDERANTE DA EMPRESA. OBJETO SOCIAL. INDUSTRIALIZAÇÃO DE EMBALAGENS DE PAPELÃO. A figura jurídica do enquadramento sindical sobrevive como decorrência da adoção pelo nosso ordenamento jurídico da organização sindical por categorias econômicas e profissionais e do princípio da unicidade sindical (CF/88, art. 8º, II e CLT, art. 570). A categoria econômica é definida em razão da atividade preponderante da empresa (art. 511, §1º da CLT). A categoria profissional, por sua vez, é definida em razão do trabalho do empregado em favor de empresa de determinada categoria econômica (art. 511, §2º da CLT), exceto em se tratando de categoria profissional diferenciada, a qual é composta de empregados que exerçam profissões ou funções diferenciadas por força de estatuto profissional especial ou em consequência de condições de vida singulares (art. 511,§§ 2º e 3º, da CLT). Sendo o objetivo social do reclamado a industrialização de embalagens personalizadas por meio de impressão ‘off set’ de altíssima qualidade, integra a categoria econômica das indústrias gráficas e seus empregados, a categoria profissional dos empregados em indústrias gráficas. Assim, tem legitimidade para representação sindical o sindicato autor. Recurso não provido.” (TRT 15ª Região (Campinas/SP) RO 12920-2005-144-15-00-4 – (Ac. 80/09-PADC, SDC) – Rel. José Antonio Pancotti. DOE 6.3.09, p. 55.).

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RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CRIAÇÃO DE NOVO SINDICATO NA MESMA BASE TERRITORIAL. PLURALISMO SINDICAL. AFRONTA AO ART. 8º, DA LEI MAIOR. DESMEMBRAMENTO DE CATEGORIA DIFERENCIADA. DECRETO - LEI 9295/96. REGISTRO DO ATO CONSTITUTIVO ARQUIVADO NO MINISTÉRIO DO TRABALHO. PRECEDENTES DA SUPREMA CORTE............................................................................................Acresce notar que, segundo entendimento esposado pela Excelsa Corte, somente o Ministério do Trabalho tem condições de avaliar, com base nos dados contidos em seus arquivos, a observância desses requisitos (nesse sentido: RE - 146822, Segunda Turma, eminente Ministro Relator PAULO BROSSARD, in DJ de 15.04.94, pp. 05049, dentre outros). 18. Postas essas considerações, verifica-se, primeiramente, que o acórdão recorrido, ao decidir que o registro de ato constitutivo de entidades sindicais far-se-á no ofício do Registro Civil das Pessoas jurídicas (fls. 556), contrariou o entendimento do Supremo Tribunal Federal. 19. Por outro lado, a decisão impugnada inobservou a regra inscrita no inciso II do art. 8º, da Lei Maior, já que o técnico em contabilidade faz parte da categoria geral de contadores por força do art. 2º do Decreto-lei 9.295/46, que regulamenta atividade profissional na área contábil, cujo teor se reproduz: A fiscalização de exercício da profissão de contabilista, assim entendendo-se os profissionais habilitados como contadores e técnicos em contabilidade... . 20. O fato do acórdão recorrido ter decidido que para o contador se exige, necessariamente, diploma de curso superior e para o técnico em contabilidade apenas o de nível médio, cada um com atribuições exclusivas, o que tornaria viável a criação de um novo sindicato deste último, não parece a melhor exegese do art. 2º do Decreto-lei 9.295/46, uma vez que inexistem, na espécie, duas categorias de trabalhadores que possam ensejar o seu fracionamento. Destarte, a profissão ora em análise tem que ser vista pelo gênero e não pela especialidade porquanto ambas fazem parte do ramo das ciências contábeis. 21. Sobreleva notar, ainda, o disposto no art. 511, § 3º, da C.L.T, recepcionado pela Constituição Federal, que define a categoria profissional diferenciada como sendo a que se forma de empregados que exerçam profissões ou funções diferenciadas em razão de estatuto profissional especial ou em conseqüência de condições de vida singulares. 22. Ora, considerando que a profissão de contador constitui uma categoria única, com regulamento próprio, dela fazendo parte, como visto, os técnicos em contabilidade, seria inviável o seu desdobramento sem ofensa ao princípio da unicidade sindical............................................................................................RECURSO EXTRAORDINÁRIO 291.822-9 (487) PROCED.: RIO GRANDE DO SUL. RELATOR : Rel. MIN. CELSO DE MELLO (Julgado em 17/03/2006 e publicado no DJ em 29/03/2006)

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Desse modo, o reconhecimento da representação sindical das

categorias diferenciadas permanece como uma obrigação legal dos empregadores,

a despeito de o Estado não mais exercer o controle administrativo do

enquadramento sindical, que hodiernamente só se admite em sede jurisdicional

(CF/88, art. 114, III). De qualquer forma, essa discussão pode se tornar despicienda,

bastando que o empregador reconheça espontaneamente a representação da

categoria diferenciada.

Quer pela via da compulsoriedade, ou espontaneidade, o fato é

que o enquadramento dos trabalhadores à representação de categoria diferenciada

independe de qual seja a atividade econômica preponderante do empregador.

Nesse sentido, uma vez superado o eventual conflito em torno do enquadramento

sindical dos trabalhadores pertencentes à categoria diferenciada, desaparece

qualquer argumento que justifique a recusa à negociação, muito menos o que

vincula a obrigação de negociar apenas à categoria profissional preponderante.

V- BIBLIOGRAFIA.

BARROS, Cássio Mesquita. Categorias Econômicas e Profissionais. In: PRADO,

Ney. (Coord.). Direito Sindical Brasileiro. Estudos em homenagem ao prof. Arion

Sayão Romita. São Paulo: LTr, 1998

BERNARDES, Hugo Gueiros. Princípios da Negociação Coletiva – Relações

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São Paulo. LTr: 1989.

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Organização de Guilherme Peña de Moraes. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris,

2008.

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Costa, Irany Ferrari e Melchíades Rodrigues Martins. 36ª Ed. São Paulo: LTr,

2009.

CESÁRIO, João Humberto. O direito constitucional fundamental de greve e a função

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