ACERVO Escritas Do Brasil - 10

download ACERVO Escritas Do Brasil - 10

of 248

Transcript of ACERVO Escritas Do Brasil - 10

Presidncia da Repblica

Arquivo Nacional

ACERVOREVISTADO

ARQUIVO NACIONAL

RIO DE JANEIRO, V.12, NMERO 1/2, JANEIRO/DEZEMBRO 1999

2000 by Arquivo Nacional Rua Azeredo Coutinho, 77 CEP 20230-170 - Rio de Janeiro - RJ - Brasil Presidente da Repblica Fernando Henrique Cardoso Ministro-Chefe da Casa Civil Pedro Pullen Parente Diretor-Geral do Arquivo Nacional Jaime Antunes da Silva Editores Cludia Beatriz Heynemann, Oswaldo Munteal Filho e Maria do Car mo T. Rainho Conselho Editorial Adriana Cox Hollos, Alba Gisele Gouget, Maria do Carmo T. Rainho, Maria Esperana Rezende, Maria Isabel Falco, Maria Izabel de Oliveira, Nilda Sampaio Barbosa e Slvia Ninita de Moura Estevo Conselho Consultivo Ana Maria Camargo, Angela Maria de Castro Gomes, Boris Kossoy, Clia Maria Leite Costa, Elizabeth Carvalho, Francisco Falcon, Helena Ferrez, Helena Corra Machado, Helosa Liberalli Belotto, Ilmar Rohloff de Mattos, Jaime Spinelli, Joaquim Maral Ferreira de Andrade, Jos Carlos Avelar, Jos Sebastio Witter, La de Aquino, Lena Vnia Pinheiro, Margarida de Souza Neves, Maria Inez Turazzi, Marilena Leite Paes, Regina Maria M. P. Wanderley e Solange Ziga Edio de Texto e Reviso Jos Claudio da Silveira Mattar Pesquisa de Imagens Cludia Beatriz Heynemann e Maria do Carmo T. Rainho Projeto Grfico Andr Villas Boas Editorao Eletrnica, Capa e Ilustrao Gisele Teixeira de Souza Resumos Flvia Roncarati Gomes Reproduo Fotogrfica Flvio Ferreira Lopes, Marcello Lago e Slvio Pente da Costa Secretaria Ana Teresa de Oliveira Scheer

Acervo: revista do Arquivo Nacional. v. 12, n. 1-2 (jan./dez. 1999). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2000. v.; 26 cm Semestral Cada nmero possui um tema distinto ISSN 0102-700-X 1.Historiografia - Brasil - I. Arquivo NacionalCDD 981

S

U

M

R

I

O

Apresentao5

As Idias e Noes de Moderno e Nao nos Textos de Capistrano de AbreuOs Ensaios e estudos , 4 a srie - comentriosFrancisco Jos Calazans Falcon 27

Capistrano de Abreu e o Descobrimento do BrasilArno Wehling 37

O Achamento do Brasil e de PortugalPerfil intelectual do historiador luso-brasileiro Joo Lcio de AzevedoAntnio Edmilson Martins Rodrigues 67

Vitorino Magalhes Godinho no Labirinto UltramarinoAs frotas, as especiarias e o mundo atlnticoOswaldo Munteal Filho 89

Joaquim Nabuco e um Novo Olhar sobre a NaoMaria Emlia Prado 107

A Propsito de uma Construo InterrompidaJos Lus Fiori 129

Conscincia e Realidade NacionalNotas sobre a ontologia da nacionalidade de lvaro Vieira Pinto (1909-1987)Norma Crtes

147

A Epopia PortuguesaA origem filosfica dos Descobrimentos na historiografia luso-brasileiraCladia Beatriz Heynemann 169

Religio, Cordialidade e PromessaO catolicismo em Razes do Brasil e Mones , de Srgio Buarque de HolandaRobert Wegner 187

A Forma Excessiva da FaltaRetrica nacionalista e pensamento plsticoVera Beatriz Siqueira 199

Cornlio PenaNotas para um estudoRogerio Luz 213

Perfil Institucional Instituto de Estudos Brasileiros (IEB/USP)217

Resenha Homenagem a Francisco IglsiasMaria Yedda Leite Linhares 223

Bibliografia

A

P

R

E

S

E

N

T

A

O

gueses que, por meio de suas obras, nos possibilitam uma reflexo profunda no apenas sobre esses 500 anos que acabamos de completar, mas, sobretudo, sobre os horizontes que vo permear as discusses acerca da nossa histria e do nosso passado comum no prximo milnio. Escritas do Brasil, porque muitos textos, traos e vozes se confrontaram ao longo desses sculos, enfrentando-se e disputando a frmula do que seria a Nao, agenciando seus antecedentes histricos e signos, sua origem americana ou ibrica e privilegiando o meio natural ou a cultura em uma reflexo que sempre sobre o presente. O Brasil inscreve-

E

ste um nmero especial da revista Acervo, dedicado aos intelectuais brasileiros e portu-

se nas obras de sntese, nas produes ensasticas, nos movimentos artsticos e literrios que, a partir do oitocentos, definem um personagem, o intelectual brasileiro. No outro lado do Atlntico, talvez movidas pelo processo inverso, realizamse as leituras portuguesas sobre a expanso martima e o mundo colonial que, igualmente, constrem uma histria contempornea. A anlise da obra desses intelectuais configura um instrumento fundamental para os estudantes de graduao e ps-graduao, em diversas reas do conhecimento nas cincias humanas. Vale lembrar que Caio Prado Jnior, Florestan Fer nandes, Fer nando Henrique Cardoso, Gilberto Freire, Oliveira Viana e outros no aparecem aqui diretamente, entretanto com-

pem o debate, dialogam com os textos apresentados. Postulamos, nesta reunio imaginria, um ensaio sobre a escrita do Brasil. Capistrano de Abreu, historiador que ocupa um lugar mpar na historiografia brasileira, est presente nos dois artigos que abrem este nmero da revista. O texto de Francisco Falcon toma por base Ensaios

ressaltando a variedade de temas desenvolvidos por ele. Esse artigo, alis, aproxima Joo Lcio de Capistrano, delegando ao primeiro um papel de intermedirio entre Capistrano e os arquivos portugueses, tendo sido Joo Lcio responsvel pela pesquisa a documentos que enriqueceram as interpretaes do historiador brasileiro. No artigo de Oswaldo Munteal percebemos como Vitorino Magalhes Godinho revolucionou a historiografia portuguesa com relao aos descobrimentos, ao tratar da histria das frotas e dos metais amoedveis, das rotas ultramarinas e das especiarias do Oriente e da Amrica. Oswaldo parte da obra de Vitorino para enfatizar que, quinhentos anos depois, tanto o Brasil como Portugal necessitam acertar contas com a nossa memria coletiva elaborando um inventrio dos marcos conceituais que possam caracterizar uma historiografia dos povos de lngua portuguesa. O texto de Maria Emlia Prado revela uma face original do pensamento do estadista brasileiro Joaquim Nabuco, ao enfocar o programa de refor mas presente no conjunto de suas reflexes. Olhar sobre a nao, neste caso, no constitui um artifcio retrico, mas representa um esforo de compreenso da singularidade do pacto social brasileira. Deve-se ressaltar, ainda, que o debate em torno das idias polticas no Brasil do sculo XIX ganha uma nova contribuio. Pensar os descobrimentos luz da filosofia representa um desafio para os histori-

e estudos 4 srie, obra composta porescritos redigidos entre 1876 e 1904/ 1905, para discutir as idias de moderno e nao na produo historiogrfica brasileira poca do cientificismo. Falcon aborda, com muita propriedade, o que era o ofcio de historiador para Capistrano, revelando que nesses ensaios no estavam separados o rigor da exposio histrica da crtica documental e da erudio. O artigo de Ar no Wehling, por sua vez, percorre diversas obras de Capistrano, para analisar os procedimentos metodolgicos adotados pelo autor em sua reflexo sobre o descobrimento do Brasil. Arno ressalta que as concluses de Capistrano no envelheceram, pelo contrrio, continuam a revelar caminhos possveis de investigao. A seguir, os artigos de Antnio Edmilson Martins e Oswaldo Munteal enfocam a obra de dois grandes historiadores portugueses, respectivamente Joo Lcio de Azevedo e Vitorino Magalhes Godinho. O texto de Edmilson constitui um belo retrato de Joo Lcio, revelando aspectos biogrficos inclusive a sua passagem pelo Brasil e sua trajetria intelectual,

adores. Cludia Beatriz Heynemann rev o problema das viagens, partindo de duas coordenadas centrais: em primeiro lugar surpreende o leitor caracterizando o mundo moderno, e utiliza-se dele como fonte e razo de ser da inovao, num dilogo entre antigos e modernos. Num segundo momento, Cludia busca um outro sentido para a palavra descobrir. Faz uma anlise da historiografia brasileira contempornea, e para isso recorre a uma verdadeira genealogia da cultura brasileira. Norma Crtes desenrola o fio isebiano atravs da obra de lvaro Vieira Pinto. A autora sinaliza para a tradio intelectual comprometida com a questo nacional, revelando as influncias do pensamento ocidental em revista. A erudio de Vieira Pinto se imbrica com a sede de interpretao do Brasil, presente na dcada de 1950. Nor ma no cede tentao da explicao fcil, e vai alm, proporcionando uma etimologia do pensamento do ISEB. Jos Lus Fiori apresenta um dos estudos mais densos e analticos deste nmero da nossa revista. Pode-se perceber o encontro de dois pensamentos: o de Celso Furtado e o do prprio Fiori. O texto uma ferramenta para a compreenso do pensamento econmico brasileiro contemporneo. A reflexo sobre o desenvolvimento econmico realimenta o debate atual acerca da crise do Estado e do processo de despolitizao dos mercados. Nos artigos de Robert Wegner, Rogerio Luz e Vera Beatriz Siqueira, encontramos o

tema, por caminhos diversos, de formas de compreenso da arte e da cultura brasileiras que resistem, buscando a expresso de uma interioridade religiosa, esttica, espacial s redues inerentes ao modelo historicista e ao padro modernista de nacionalidade. Assim, a anlise de Wegner sobre o pensamento de Srgio Buarque de Holanda discute a especificidade do catolicismo brasileiro por meio do conceito de cordialidade, e o faz na clave das inflexes weberiana e nietzschiana que figuram na obra daquele autor e que particularizam sua participao modernista. Vera Beatriz Siqueira assinala a imposio de uma brasilidade inventada no modernismo de Mrio de Andrade ou de Oswald de Andrade e a concretizao espacial dessa origem nos monumentos barrocos, no passado colonial. A questo da autonomia da arte afirma-se nas experincias que, a partir da dcada de 1950, parecem se opor sntese modernista, encaminhando a proposta da autora, de resistncia sintetizao do fato esttico. Irredutvel s classificaes tradicionais , tambm, a obra do escritor Cornlio Pena, que, na anlise de Rogerio Luz, escapa inteno de inserilo na histria do romance brasileiro. Aqui tambm encontramos a idia de uma falta, incompletude inerente obra literria, que pode ser lida na construo plstica de espaos sem profundidade real, sem ilusionismo naturalista, na forma da narrativa e na inacessibilidade de uma realidade objetiva, nas quais h uma promessa de alma e de Brasil que se

estiola nos vilarejos e nas fazendas. O perfil institucional dedicado ao Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de So Paulo, criado por Sr gio Buarque de Holanda em 1962 e especializado em ensino, pesquisa e documentao na rea de historiografia e cultura brasileiras. Fechando a revista, uma inovao. A partir deste nmero estaremos publicando uma seo dedicada a resenhas, preferencialmente de livros relacionados com o

tema enfocado. O texto da professora Maria Yedda Linhares sobre Historiadores

do Brasil , de Francisco Iglsias, mais doque uma resenha, constitui um emocionante depoimento sobre aquele que, nas palavras da autora, era integrado no seu tempo, no seu mundo. Para ns, editores, uma oportuna homenagem pstuma a um membro do nosso Conselho Consultivo. Ao professor Emannuel Arajo, criador da revista Acervo , falecido neste ano, dedicamos este nmero. Os editores

R

V

O

Professor associado do Departamento de Histria da PUC-Rio.

Francisco Jos Calazans Falcon

As Idias e Noes de Moderno e Nao nos Textos de Capistrano de AbreuOs Ensaios e estudos , 4 a srie - comentrios

E

ste texto resulta das circunstncias associadas ao andamen-

laes de idias constitutivas do universo de Capistrano. Quanto escolha da 4 a srie dos Ensaios e estudos para objeto desta anlise, poderamos talvez justific-la como resultante da avaliao que fizemos de cada um dos quatro volumes, cujo resultado foi a convico de que os escritos daquela ltima srie permitem uma viso mais ampla que os demais acerca do historiador cearense em face da histria e da historiografia.2 No se pense, porm, que no temos conscincia de problemas e objees mais ou menos provveis. Afinal, estaremos a questionar, na prtica, categorias respeitveis, ou respeitadas, como totalidade

to dos trabalhos do nosso subgrupo de pesquisa e como tal constitui apenas um primeiro esboo dos temas nele abordados. 1 Nosso ponto de partida comum, como sabido, so as idias de moder no e de nao na produo historiogrfica brasileira poca do cientificismo. Todavia, estabelecer a natureza e o alcance da pertinncia ou no dessas duas idias no

corpus textual de autoria de Capistranode Abreu constitui precisamente o objetivo que visamos e no uma espcie de a

priori . Na realidade, tais idias so apenas hipteses a explorar e no obstculos a um exame sistemtico das conste-

Acervo, Rio de Janeiro, v. 12, n 1-2, p. 5-26, jan/dez 1999 - pg.5

A

C

E

e textualidade. Com referncia totalidade, convm deixar claro que no pensamos aqui nas conhecidas anlises pr-textuais e subtextuais,3 mas reconhecemos que os textos por ns analisados somente adquirem sentido mais amplo quando duplamente contextualizados: no conjunto da obra de Capistrano, e no momento significativo correspondente produo historiogrfica cientificista.4 T al contextualizao entretanto fica para depois. Por enquanto, apenas nos interessam as concepes do prprio Capistrano a propsito de cincia, histria, escrita da histria, verdade histrica, fontes documentais, bem como seus juzos e ironias acerca de autores, obras e instituies de seu tempo. Interessam-nos, principalmente, as formas originais criadas por Capistrano para lidar com a histria do Brasil. 5 A questo da textualidade sequer ser, por enquanto pelo menos, objeto de discusso. Apesar das muitas proclamaes e sentenas sobre a morte do autor, continuamos a trabalhar com a certeza de que impossvel e sem sentido, para ns, analisar os textos de Capistrano somente como material textual, sem associ-los quele que os produziu, quando, como e porqu. Claro est, porm, que no preconizamos alguma coisa parecida com a busca de um suposto sentido original ou verdadeiro, doado pelo autor. Nem por isso, no entanto, devemos cair no extremo oposto, recusando-nos a levar em con-

siderao os condicionamentos histricos da operao historiogrfica, descrita por Michel de Certeau.6 Todavia, no apenas aquilo que precede/acompanha a escrita da histria que pe seu autor em evidncia. Alem disso, ou depois disso, entra-se no espao-tempo da recepo, ou melhor, das recepes. No seu prprio tempo, e aps, autor e obra aparecem quase sempre em ntima associao o historiador e os textos que produziu. Capistrano ocupa no conjunto da histria da historiografia brasileira um lugar realmente nico, uma espcie de quase (?) unanimidade. Marco fundamental, verdadeiro farol, entre a historiografia romntica e a modernista, isto , entre Var nhagen e a trade Sr gio Buarque de Holanda, Gilberto Freire e Caio Prado Jr., Capistrano gozou da admirao de seus contemporneos e dos que vieram depois, a comear por Jos Honrio Rodrigues. Crticas, quando as encontramos, so quase todas dirigidas muito mais obra que Capistrano no produziu mas que poderia muito bem ter produzido do que quela efetivamente publicada. Quase obrigatrias, tambm, so as aluses simpticas , compreensivas, s obras da fase cientificista do jovem historiador, ainda com a cabea cheia de idias e teorias positivistas e evolucionistas. Enfim, a revoluo copernicana, o historiador que revolucionou, de alto abaixo, a escrita da histria entre ns, o verdadeiro iniciador da moderna historiografia brasilei-

pg.6, jan/dez 1999

R

V

O

ra. Logo, afora os entusiasmos apaixonados e valoraes algumas vezes hiperblicas, Capistrano tem para ns o significado e importncia de um problema-chave da nossa historiografia. Para tentarmos comear a resolv-lo, h necessidade de algo mais do que a nostalgia dos futuros-passados do autor, a delimitao de fases, ou a proclamao retrospectiva de uma revoluo problemtica, como tantas outras, na historiografia. ***

presena do observador da produo intelectual, sobretudo na seo Livros e letras, ou na de Variedade. Crtico e juiz, Capistrano distribui elogios e conselhos, condena e retifica, conforme o caso, sem jamais deixar escapar a oportunidade de invocar suas concepes positivistas, ou fazer valer sua prpria erudio e competncia de historiador. Mas, deixemos um pouco de lado as incertezas da autoria e vamos tentar analisar esses textos em funo de suas temticas principais, cortando, recortando e organizando o material discursivo segundo um certo nmero de tpicos que nos pareceram os mais significativos do ponto de vista das nossas indagaes. Temos assim, ento, algo como cinco tpicos principais e mais gerais: o cientificismo positivista; a viso historicista ; a concepo rigorosa do mtodo histrico , e do papel-chave atribudo erudio ; o conhecimento de histria do Brasil e sua

Ensaios e estudos , 4 srie, organizadaa

por Jos Honrio Rodrigues e publicada em 1976, apresenta vrias novidades em relao s (trs) anteriores, a comear pelo fato de ser composta de 17 ensaios e estudos assinados e 58 outros, no assinados. Em ambos os casos o perodo abrangido se estende de 1876 a 1904/5, se bem que a parcela mais substancial dos trabalhos compreenda os anos de 1879 a 1881/2, sendo seu veculo a Gazeta de

Notcias.No prefcio, Jos Honrio Rodrigues informa sobre a provenincia destes Ensai-

os e estudos e explicita, em linhas gerais,os critrios que o levaram a incluir, ou excluir, textos atribudos a Capistrano, sobretudo os indcios de autoria que lhe permitiram reconhecer, com razovel convico, o trabalho do historiador cearense. 7 A matria que se contm nesses textos de Capistrano razoavelmente variada. Alm do historiador, percebe-se aqui a

historiografia; a perspectiva geogrfica ,espacial. parte, apresentamos sua abordagem sobre as relaes entre portugueses e

brasileiros, e, quase como curiosidades,assinalamos amostras da atitude de Capistrano em face da poltica, apresentamos alguns exemplos de suas ironias e

Acervo, Rio de Janeiro, v. 12, n 1-2, p. 5-26, jan/dez 1999 - pg.7

A

C

E

farpas, e terminamos com uma breve apresentao do historiador moder no, atento histria social e cultural. Comecemos pelo cientificismo So freqentes em Capistrano as referncias a Herbert Spencer e Auguste Comte, bem como, embora menos numerosas, a Buckle e Littr. Capistrano parece estar convencido da realidade do conhecimento cientfico das sociedades humanas enunciado pelo positivismo em geral e pela filosofia sinttica de Herbert Spencer, em particular. Ao noticiar a morte de Spencer (1887), Capistrano no poupa elogios ao filsofo que assimilou e superou as idias de Comte e soube rapidamente incorporar ao seu sistema a teoria geral da evoluo, logo aps a publicao da Origem das espcies por Charles Darwin (1859). Tampouco se esquece Capistrano das relaes entre Buckle e Stuart Mill e Spencer. 8 As aluses e citaes de Capistrano das idias desses expoentes do positivismo podem assumir, conforme o caso, caractersticas bastante variadas: argumento de autoridade, e esclarecimento cientfico, retificao ou correo de equvoco praticado por algum autor, educao e informao dirigidas ao leitor. Assim, se os ensaios de n os 37, 38 e 29 sintetizam a histria do positivismo no Brasil, ou especificamente em So Paulo, 9 em outros, como os ensaios de n os 2, 8 e 33, seu autor tenta aplicar sociedade brasileira uma lei demonstrada por Comte e Spencer, 10 ou seja: ... o desenvolvimen-

to individual e o desenvolvimento especfico coincidem completamente. Ora, ... o caracterstico da sociedade brasileira e pode dizer-se das sociedades americanas em geral terem um rgo desempenhando vrias funes. Da resultam conseqncias variadas, pois para que possa executar tarefas diferentes o rgo deve ter uma estrutura rudimentar e indefinida, enquanto que a fun-

o , no estando localizada, pouco intensa nas suas manifestaes, pouco produtiva no trabalho que realiza. Logo: O consensus, a reao do todo sobre as partes, a reao das partes sobre o todo so pouco considerveis.11 Ao analisar o volume de Jos Leo, Ques-

tes sociais , Capistrano retoma o fecundo princpio formulado pelo grande criador da filosofia positivista... os fenmenos sociais so interdependentes, e o estudo de um possvel somente com o estudo simultneo de outros.12 Segue-se a crtica ao uso equivocado, pelo autor em tela, dos conceitos de rgo e funo, ao abordar a imprensa, a literatura, as artes, a poltica, a religio, a famlia e o ensino. Segundo Capistrano, o equvoco consiste justamente em que se h duas verdades demonstradas pela sociologia, a primeira que um povo tanto mais se atrasa quanto maior o nmero de funes executadas pelo mesmo rgo, sendo a segunda a de que s depois de circunscrito em sua ao pode o governo bem desempenhar o seu papel. 13 Ao resumir sua opinio sobre o opsculo,

pg.8, jan/dez 1999

R

V

O

Capistrano assim se pronuncia:O autor tem dois graves defeitos: o primeiro, s olhar para o presente [e assim] deixar de lado justamente o mais importante, isto , o solo e as razes. O segundo, no classificar os fenmenos sociais segundo a sua dependncia mtua, e assim privar-se dos auxlios que lhe prestaria o mtodo verdadeiramente cientfico. 14

cia real, individualizada, de cada perodo histrico os diferentes sculos da histria do Brasil. Alis, percebe-se perfeitamente que a especificidade de cada sculo aquelas caractersticas que os identificam como outros tantos indivduos histricos situa-se tanto nas respectivas histrias quanto no estado atual dos conhecimentos disponveis acerca de cada um deles. No texto dedicado ao livro de Manuel de Oliveira Lima sobre a histria de Pernambuco, 16 Capistrano elogia, emenda, discute e no deixa passar a ocasio de dar nomes aos sculos: Se quisssemos designar cada sculo de nossa histria por um epteto aproximado, saberia [sic] o de pernambucano ao XVI, o de baiano-paulista ao XVII, o de mineiro ao XVIII, como de fluminense ao que breve terminar. E acrescenta: E do mesmo modo que a cultura do acar o caracterstico do primeiro, do segundo so as bandeiras e a criao do gado, do terceiro as minas e as deslocaes da populao, e do nosso o caf, as estradas de ferro e a centralizao.17 Noutro texto, criticando uma histria do Brasil, escrita18

Citamos apenas alguns exemplos. As referncias a princpios positivos so inmeras e per meiam comentrios os mais diversos de nosso autor. O historicismo O historicismo nos textos de Capistrano no nos parece to evidente ou fcil de detectar como o cientificismo. Alis, provvel que espritos menos avisados acreditem de boa f que estamos a incidir em autntica contradio terica. Bem, mas esse o problema mesmo das interpretaes da historiografia de Ranke, expresso maior da escola histrica (germnica) e uma das referncias principais de Capistrano no mbito do ofcio historiador. 15 Nesses Ensaios de Capistrano, a histria como processo real, imanente, racional, est subentendida nas categorias do progresso e evoluo, to caras ao positivismo de Spencer. Bem mais que tal viso da histria enquanto singular coletivo o historicismo se faz presente em Capistrano na nfase com que afir ma a necessidade de se reconhecer a existn-

pelo

s r.

Anbal

Mascarenhas,

Capistrano se detm a

analisar a chamada primeira poca, que o autor considera terminada em (1581), do que discorda Capistrano:Se quisssemos estabelecer pocas em fatos to complexos e fugidios, como os que estuda a histria, fixaramos o fim da primeira em 1616, quando o

Acervo, Rio de Janeiro, v. 12, n 1-2, p. 5-26, jan/dez 1999 - pg.9

A

C

E

cabo de S. Roque estava montado, fundaram-se Cear, Maranho, Par; a direo do rio-mar estava chamando para o ocidente; o mesmo movimento para o ocidente comeava na Bahia... 19

deixar sua anlise sistemtica para mais tarde. No presente texto apresentamos somente alguns exemplos, dentro dos limites que nos impusemos. A concepo do mtodo histrico e o papel da erudio Em diversos passos, Capistrano

Por outro lado, na perspectiva do estado atual dos conhecimentos acerca de cada sculo, Capistrano, fazendo a crtica das

Efemrides nacionais , de Teixeira deMelo, vai apontando, do sculo XIX at o XVI, em que e porque o citado autor merece maior ou menor credibilidade em ter mos das fontes utilizadas ou das ignoradas e dos autores consultados.20 Dada a importncia que atribumos a esta questo do historicismo, optamos por

exterioriza suas convices a respeito do que entende ser uma escrita moderna da histria necessidade de generalizao e crtica rigorosa das fontes documentais: ... aps quatro sculos de empirismo, uma necessidade de generalizao se faz sentir, que s pode ser satisfeita depois que as particularidades bem estudadas fornecerem uma base lar ga para a refle-

Johan Nieuhofs. Gedenkweerdige Brasiliae Zee-em-Lant-Reize (...) . Amsterdam, 1682.

pg.10, jan/dez 1999

R

V

O

xo.21 Nota-se, nesse trecho, como seu autor enuncia um discurso que, aps um primeiro momento necessidade de generalizao, isto , de teoria , desilude prontamente os mais afoitos ao lembrar que, embora real, a necessidade de generalizao s poder ser atendida depois que as particularidades forem bem estudadas.22 Outra no , alis, a substncia de crtica dirigida por Capistrano a Pereira da Silva:A histria quando escrita com precipitao, sem o conhecimento dos fatos e de todas as circunstncias que a eles se prendem, e onde o autor, poeta ou romancista d largas sua imaginao, deixa de ser histria, romance, poema, deleita, agrada, distrai, mas no instrui, e no adianta idia alguma, e livros que no adiantam idias, de pouca utilidade so. 23

um livro. Na realidade, porm, a diferena bem mais profunda e j est presente no prprio texto. Embora nestes En-

saios ele nos oferea numerosos estudossobre temas literrios 27 algo nor mal se tivermos em mente a natureza da sua seo na Gazeta de Notcias , o fato que, do seu ngulo de viso, no h como se perder de vista que a histria exige um mtodo rigoroso de busca e crtica das fontes, base da objetividade de um discurso que se prope como verdadeiro. Na prtica historiadora de Capistrano, as fontes documentais so quase tudo, da resultando, em contrapartida, uma permanente preocupao com as lacunas historiogrficas, as inexatides documentais, a crtica deficiente das fontes, salpicadas sempre, aqui e ali, de uma ou outra observao irnica, como no ensaio Histria ptria (1905): Em vez de combinar os documentos vistos por Varnhagen e ainda desconhecidos, o protesto de Bertrand dOrnesan e o informante de frei Vicente, deixemo-los com todas as discordncias aos investigadores futuros.28 As fontes constituem, portanto, a pedra de toque do trabalho historiador, e do seu perfeito conhecimento, ou no, decorrem elogios e crticas. Elogios, por exemplo, quando Capistrano comenta o primeiro volume do parecer apresentado por Pandi Calgeras comisso especial da Cmara dos Deputados incumbida de legislar sobre as minas nacionais: Muitas questes complicadas de geografia e his-

Para Capistrano, ou histria verdadeira ou romance, tem-se a escolher, mas fazer romance em assuntos srios, s um esprito superior disso capaz.24

Como era do seu estilo, Capistrano no perdeu a oportunidade de fazer ironia: preciso saber muita coisa, ter grande solidez de raciocnio, para se poder escrever histria, e entre o que se deve saber indispensvel tambm conhecer a histria que se pretende escrever. 25 Para Capistrano, o ponto de vista histrico difere bastante do ponto de vista literrio, 26 quando se trata da leitura de

Acervo, Rio de Janeiro, v. 12, n 1-2, p. 5-26, jan/dez 1999 - pg.11

A

C

E

tria so esmiuadas por quem, conhe-

tm, ou d-lhes uma interpretao que no a que daria se de mais folgas dispensasse para a meditao. 32 Ao contrrio de Anbal Mascarenhas, historiador objeto das crticas acima, Teixeira de Melo, autor de Efemrides nacionais , s merece elogios: O que a distingue das outras de igual espcie que h entre ns, o conhecimento direto e o estudo prprio das fontes, em que, como chefe da Seo dos Manuscritos da Biblioteca Nacional, tanta facilidade tem o autor em haurir. 33 Em um de seus curiosos e sugestivos Gravetos de histria ptria, Capistrano proporciona ao leitor um autntico roteiro metodolgico: O melhor meio de estudar a histria ptria, ou antes o nico, tomar os testemunhos contemporneos autnticos e deles extrair a narrativa dos acontecimentos. Apurados estes, resta pela sua comparao descobrir os fatos gerais, isto , as leis e tendncias que dirigem a nossa existncia de quatro sculos.34 No entanto, escreve Capistrano, tal estudo no suficiente. A verdade que com ele se alcana ainda incompleta e inativa e para torn-la viva e frtil necessrio fazer acompanhar a crtica dos documentos de duas ordens de investigaes que os esclarecem: A primeira o exame da histria dos outros pases americanos, pois, apesar de todas as diferenas,o problema inicial o mesmo: radicar uma civilizao transplantada. A segunda ordem de investigaes o estudo

cendo diretamente as fontes (grifo nosso), pde dar novas solues s vezes e outras as d mais completas. 29 Crticas, em compensao, como na apreciao da Histria do Brasil , de Matoso Maia, a qual no sendo m, pois at mesmo aproveitvel, tem dois grandes defeitos.O primeiro no mostrar o estudo das fontes. Que um professor de histria

universal as no conhea, desculpvel, mesmo justo: mas um professor de histria particular professor que rege a cadeira h anos, histria que pouco mais abraa que trs sculos no nos parece que tenha a mesma desculpa. 30

Ou, ainda, acerca de A crnica geral e

minuciosa do Brasil , de Melo Morais:... nem sempre os resultados nos satisfazem. Poderamos dar muitos motivos, porm dois bastam. O primeiro que os seus documentos saem s vezes truncados ou fora do lugar conveniente. O segundo que tendo de se ocupar de mais de trs sculos de nossa histria, o laborioso escritor no pde tratar completamente de nenhum no que est publicado.31

Em suma, como observa Capistrano em outro artigo sobre Histria ptria, so muitos os perigos que rondam o historiador: Em alguns pontos, v-se que o autor andou demasiado s pressas, ou no tira dos documentos tudo quanto con-

pg.12, jan/dez 1999

R

V

O

dos sertes... Nos sertes, em conseqncia das distncias, a sociabilidade sempre diminuta e inter mitente e a ao coletiva fraca e mesmo insignificante... Conseqncia: o serto se conserva estacionrio, isto , colnia, histrico, se pode empregar-se esta expresso. 35

como aos poucos se foi formando a populao, devassando o interior, ligando entre si as diferentes partes do territrio, fundando indstrias, adquirindo hbitos, adaptando-se ao meio e constituindo por fim a nao. A outra histria externa convm que trate o Brasil como colnia portuguesa, a princpio desdenhada, dividida depois em donatarias para fazer frente aos franceses, paulatinamente reduzida possesso rgia, vaca de leite no tempo de d. Joo IV, bezerro de ouro no tempo de d. Joo V.

A

histria do Brasil e sua

historiografia Conhecer as fontes documentais, sim, mas conhecer tambm a histria e a historiografia, pois sempre do cotejar dessas duas que emerge a percepo precisa do que j se conhece, bem como das lacunas que ainda persistem constantemente tendo-se em vista cada sculo de

A primeira, afir ma Capistrano, deve escrev-la um brasileiro, e s daqui a quarenta anos ser possvel, quando estiverem reunidos os documentos, e as monografias tiverem esclarecido pontos ainda obscuros, ao passo que para a segunda um portugus prefervel, porque grande parte dos monumentos existe em Portugal e, alm disso, proferida por lbios portugueses, a sentena no ser acoimada de injusta.36 E assim, no entender de Capistrano, aquela histria exter na bem que podia ser escrita por Oliveira Martins, se a tendncia generalizadora do seu esprito no lhe apresentasse a empresa como somenos, ou se os fatos em sua particularidade e exatido no se amoldassem pouco sua natureza. De fato, acrescenta, difcil encontrar um livro mais inexato que o de Oliveira Martins; rara a pgina em que no se encontra um erro e se no se tratasse de quem , escreve Capistrano, no

per si . Em Capistrano, alis, uma vastaerudio parece estar sempre a servio do esclarecimento ou retificao do que se supe j sabido, e, ao mesmo tempo, da indicao dos caminhos ou problemas ainda insuficientemente percorridos ou equacionados. Em Capistrano, em muitos destes ensaios, no se separam a exposio histrica, a crtica documental e a erudio do autor. Ao apreciar, quer as edies ou reedies de textos fundamentais, quer as obras recm-publicadas, ele raramente consegue evitar a apresentao de um novo desenho ou resumo do tema em foco. Assim, ao comentar a Histria do

Brasil , de Oliveira Martins, Capistranocomea por distinguir entre as duas histrias de que o Brasil precisa:Uma histria ntima deve mostrar

Acervo, Rio de Janeiro, v. 12, n 1-2, p. 5-26, jan/dez 1999 - pg.13

A

C

E

teramos dvida em declarar que a presente histria do Brasil uma obra de fancaria.37

cialmente sua influncia sobre o organismo social (acanhamento das funes, depauperamento do organismo, atrofiamento da sociedade brasileira45) , nosso autor voltou-se freqentemente para a geografia. A ocupao-construo do espao geogrfico assume, assim, o lugar de honra na compreenso do processo histrico brasileiro. Em funo dessa perspectiva, ganham significao alguns dos pares semnticos por ele utilizados: litoral e interior ou serto; viagens exteriores e interiores; ao dos particulares e dos governos; entradas e bandeiras; serto e cidade(s) ou beira-mar. T rata-se a, provavelmente, de outros tantos caminhos e atalhos em busca do carter nacional cuja explicao se ir encontrar por meio do conhecimento das origens do povo brasileiro, tal como se depreende, por exemplo, da interveno de Capistrano na polmica entre Slvio Romero e Couto de Magalhes. As viagens constituem uma parte da histria ptria que deveria ser estudada com especial cuidado. Fato capital de nossos anais durante muito tempo e princpio de classificao.Com efeito, at certo ponto possvel reduzir a dois os perodos da histria do Brasil: durante o primeiro, as viagens do-se no litoral que acabam povoando quase totalmente; no segundo, levam ao interior que desfloram, exploram e at certo ponto povoam. Como todos os perodos histricos, es-

Em outros artigos, o historiador cearense oferece-nos snteses brilhantes de Histria ptria, como, por exemplo, ao tratar da sociedade portuguesa de comeos do sculo XVI e da vida segura e conversvel instituda por Martim Afonso nas praias de So Vicente e nos campos de Piratininga; 38 ou ainda, ao se referir s capitanias hereditrias,39 elementoschaves da histria do Brasil no sculo XVI. O mesmo se pode dizer, em maior ou menor grau, das observaes de Capistrano a propsito de livros publicados por Melo Morais, 40 Oliveira Lima, 41 Anbal Mascarenhas, 4 2 Jos Leo 4 3 e Teixeira de Melo. 44 Tomados em conjunto, tais ensaios oferecem-nos a viso do constante vai-e-vem, tpico de Capistrano, entre sua propenso propriamente historiadora e a tentao, ou hbito, da erudio textual e factual, que no lhe per mitem, talvez, ler uma obra de histria do Brasil sem que, de imediato, assinale erros, insuficincias ou lacunas factuais. Uma histria em perspectiva

geogrfica

os mltiplos espaos

A histria do Brasil, na viso de Capistrano, possui uma espessura temporal diminuta, apenas trs sculos, escreveu ele. Com a cabea cheia de teorias cientficas a respeito da influncia da natureza ativa ou passiva e da raa em confronto com a do meio social (populao, cultura, linguagem), espe-

pg.14, jan/dez 1999

R

V

O

tes se deixam dividir com alguma dificuldade; entretanto, se pode com alguma preciso dar para extremo a guerra holandesa. 46

pois de 1549 e se ter em vista as diferenas ento existentes entre as capitanias de Coroa e as capitanias senhoriais. Estas tinham marcado um litoral, indeterminado ficava para o ocidente. J as capitanias reais tinham o o

No perodo do litoral, os objetos preponderantes, seno exclusivos, do comrcio foram as madeiras, o acar e depois o fumo; no segundo, a primazia pertenceu criao de gados e minerao temos aqui as provncias colonizadas ou exploradas durante o perodo do serto: Cear, Piau, Minas, Gois e Mato Grosso. Todavia, apesar de to importante, uma histria das viagens ainda no foi escrita, nem s-lo- nestes cinqenta anos. 47 Segundo Capistrano, por meio das sesmarias escrever-se-ia uma histria que ainda no encontrou quem a narrasse: a do emprazamento lento do territrio; do avano da civilizao e do refluxo da barbaria. provvel que dentro de uns trs sculos ela seja descrita quando outras questes estudadas com o rigor dos princpios cientficos mostraram que a luta territorial a grande, a importante, a fundamental questo, sem a qual nenhuma outra pode ser completamente resolvida. 48

indeterminado no serto e no litoral neste as capitanias realengas podiam sempre expandir-se s custas da desdia ou da impotncia dos donatrios. Logo, se as capitanias senhoriais no podiam alargar seus domnios no litoral, a tendncia devia ser de aplicarem-se ao interior.Em resumo, foi o governo que explorou e colonizou quase todo o litoral, que nos ps em comunicao com a Europa e que para aqui transplantou a civilizao ocidental; mas foram os donatrios que iniciaram a conquista do serto e assim concorreram para a formao de um pas e de um povo novos e que desde o comeo tenderam a diferenciar-se dos moldes europeus. 49

Em outro texto, retomando a mesma temtica, Capistrano reafirma sua interpretao acerca das duas foras divergentes que laboraram no empossamento do territrio nacional: os donatrios, voltad o s p a r a o i n t e r i o r, e o g o v e r n o , direcionado ao litoral. Para demonstrar a regularidade de tal processo, Capistrano prope a diviso das provncias do Brasil em duas classes: na primeira, aquelas que entestam com possesses estrangeiras; na segunda, as que por todos os lados entestam com terras nacionais.Nas primeiras, o povoamento no es-

Sublinha ento Capistrano as duas direes tomadas pelos esforos dos conquistadores no sculo XVI: no litoral, do norte ao sul; no serto, do oriente para o ocidente. Essa dualidade entrou pelos sculos XVI e XVIII e ainda durava no XIX. Para explic-la, preciso colocar-se de-

Acervo, Rio de Janeiro, v. 12, n 1-2, p. 5-26, jan/dez 1999 - pg.15

A

C

E

pontneo, pois que o deter minam sobretudo consideraes militares; nas segundas, o que domina a convenincia industrial... Nas provncias que confinam com pases estrangeiros, as fronteiras so o ponto de partida do povoamento.50

a um livro de Oliveira Lima. 53 *** No sendo para ns, ao menos por ora, oportuno analisar os ensaios e artigos de Capistrano dedicados a temas especificamente literrios, resta-nos assinalar trs tpicos bastante distintos, cuja importncia relativa caberia talvez ao leitor avaliar: as relaes entre colonizadores e co-

J no caso das provncias no militares, o povoamento parte do oriente para o ocidente, do oceano para o serto, se bem que se encontrem algumas anomalias ou irregularidades deter minadas por diferentes causas: a maior ou menor resistncia dos indgenas, a maior ou menor facilidade em navegar os rios e sobretudo os empenhos industriais que se tm em vista como nos casos de So Paulo, Minas Gerais e Cear.51 Logo, em resumo, o povoamento do Brasil cedeu a duas correntes: a corrente militar e a industrial. Associando sempre as bandeiras conquista e ao povoamento do serto, Capistrano tendia a incorporar sua anlise aquelas noes por ns j mencionadas: viagens interiores, apossamento territorial do oriente para o ocidente, papel dos donatrios, mais voltados para o interior, o indeter minado das capitanias senhoriais, enfim, a expresso concreta da corrente industrial do povoamento. Veja-se, a ttulo de exemplos, seus comentrios sobre a histria da ocupao e do povoamento de So Paulo (as bandeiras e as minas), 52 ou a propsito da influncia da geografia na histria per nambucana, nos comentrios que faz

lonos , portugueses e brasileiros; o apoliticismo, aparente ou real, deCapistrano; suas ironias e farpas . a) Capistrano praticamente no aborda de maneira sistemtica a questo das relaes entre os colonizadores e colonizados. Bem que gostaramos que o houvesse feito, pois assim talvez fosse possvel avanar um pouco a propsito de alguns temas e questes que particularmente nos atraem: o(s) lugar(es) da cooperao e do conflito na sociedade colonial; o surgir de um sentimento nacional, a noo de povo brasileiro; as tomadas de conscincia antilusitanas; a independncia como projeto. Infelizmente, para ns, essas coisas no parecem estar muito claras em Capistrano, ou para o prprio Capistrano! Assim, ao comentar a reimpresso da Histria da Amrica

portuguesa , de Sebastio da RochaPita, 54 ele no esconde seu entusiasmo pelo autor e pela obra. Releva-lhe a falta de esprito crtico algo comum ento e louva-lhe as inspiraes de forte patriotismo, pois ele amava a

pg.16, jan/dez 1999

R

V

O

sua ptria como artista, mas amava tambm a ptria como homem, e o fato de se entregar s pesquisas de seus anais o prova bastante, porm a idia de independncia no lhe sorria, no tinha simpatia por qualquer separatismo brasileiro queria ver o Brasil unido a Portugal. Afinal, explica Capistrano, Rocha Pita era rico, de Portugal recebeu grandes distines; era um saciado que desde cedo se impregnara desse respeito que os vassalos do Brasil tm aos seus governadores que chega a parecer idolatrias, confor me suas prprias expresses.55

tificar, refutar os exageros ou radicalismos ento na ordem do dia a respeito das semelhanas e diferenas entre Portugal e Brasil, ou entre portugueses e brasileiros. o que lemos, por exemplo, num artigo sobre um livro de Lus Barreto (quarto volume da Biblioteca til) em que nega com veemncia as idias de fatalidade biolgica e determinismo sociolgico para explicar o carter portugus dos brasileiros, quando, segundo Capistrano, a verdade a diferenciao, embora no se trata de negar grandes semelhanas entre Brasil e Portugal. Os Rascunhos sobre a gramtica por-

Bem mais complicada, no entanto, a questo quando se trata de criticar, re-

tuguesa, de Batista Caetano, oferecema Capistrano oportunidade para abor-

Henry Chamberlain, Vistas e costumes da cidade e arredores do Rio de Janeiro em 1819-1820 , Rio de Janeiro; So Paulo, 1943.

Acervo, Rio de Janeiro, v. 12, n 1-2, p. 5-26, jan/dez 1999 - pg.17

A

C

E

dar nossa independncia lingstica, conseqncia fatal da independncia poltica que j se fez, da independncia literria que se est fazendo, e da independncia industrial que se far quando povo e gover no melhor curarem de seus interesses. 56 Congratula-se Capistrano com a crescente aceitao da idia de dialeto brasileiro, mas no aceita que a diferena dialetal consista apenas em variedades fonticas produzidas pelo clima e pela miscigenao de raas. Na verdade, afirma, a linguagem de um povo um organismo ao alterar-se um membro alteram-se tambm os outros. 57 Por ocasio do 7 de setembro de 1881, as reflexes de Capistrano encaminham-se no sentido de enfocar historicamente os acontecimentos de 1822. Em primeiro lugar, est o fato de que o dia Sete de Setembro radica cada vez mais na conscincia nacional, quando, h anos, era de alguma sorte um fato dinstico. medida que se conhece melhor o passado, explica, abarcando-se suas manifestaes mltiplas, v-se que um dia lgico e coletivo, que teve uma incubao de sculos e teria alvorecido quaisquer que fossem as circunstncias. Na realidade, continua,a diferenciao era fato inevitvel entre a Colnia e a Metrpole apesar, no entanto, das muitas diferenas que se manifestaram desde o incio da colonizao, coisa que os58

primeiros povoadores compreenderam intuitivamente; a jovem Colnia estremecia e curvava-se de venerao ante a Metrpole.

Nesse passo, Capistrano reitera um de seus temas prediletos: a submisso da Colnia Metrpole lusa somente comeou a ser abalada quando contra ela foram desfechados golpes ao mesmo tempo no sul e no norte no sul, os paulistas, indo aprisionar ndios nos domnios de Castela; no norte, os pernambucanos, quebrando o jugo dos holandeses. A partir da segunda metade do sculo XVII j no mais a luta contra estrangeiros agora a luta entre colonos e reinis, entre portugueses da Europa e portugueses da Amrica, porm ainda no estava desenvolvida a idia de ptria comum: no havia brasileiros e portugueses e a luta no podia tomar carter nacional. 59 Assim, de forma um tanto original, Capistrano contorna o (nosso) fantasma do nativismo, pois, diante de todas as revoltas comeadas, todos os movimentos de impacincia... a palavra mais adequada para qualific-las seria lutas municipais, cujos vestgios ainda se encontram em diferentes provncias: filhos da terra versus mercadores. Lutas municipais teriam sido ento a revolta de Beckmann e a guerra dos Mascates. Aos poucos, no entanto, se ia forman-

pg.18, jan/dez 1999

R

V

O

do a conscincia de comunidade e de solidariedade entre as diferentes provncias. As descobertas das minas provocaram o combate dos interesses (aluso provvel chamada guerra dos emboabas), maiores exigncias do reino, e, como resultado, o despedaamento dos laos que ligavam a Colnia Metrpole. Intensos e vivazes, a antipatia e o dio entre colonos e reincolas impressionam viajantes estrangeiros, sendo a conspirao de Minas, ou de Tiradentes, um sintoma. 60 Pouco simptico a d. Joo VI, Capistrano grato a d. Pedro I porque ele prestou-nos um grande servio, talvez o nico (referncia unidade do pas). Enfim, os louvaminheiros oficiais podem esquecer toda a elaborao destas idias, que germinou nas bandeiras dos paulistas, foi acalentada entre os arraiais per nambucanos, estendeu-se por toda parte e um dia cristalizou-se fulgurante no esprito de Tiradentes.61 b) A p r o p s i t o d o a p o l i t i c i s m o d e Capistrano, fiquemos, pelo menos por ora, com algumas amostras no mnimo curiosas: Primeira Na polmica de Santos

de poltica so muito transcendentes para que nelas nos aventuremos. E, no entanto, como comum, a poltica expulsa logo retor na: ... se no estamos convencidos... que a monarquia necessria, no temos dvida em com ele reconhecer que a repblica ineficaz e impotente.62 Na opinio de Capistrano, o

empirismo, o estgio rudimentar em que nos achamos, no pode ser modificado por simples mudana de forma de gover no. O trabalho em foco ( Positivismo republicano na academia, de Santos Werneck), se prezasse o conhecimento da histria ptria, mostraria que entre o regime atual e o da Colnia h muitas diferenas aparentes porm muitas concordncias profundas e efetivas. O serto pode dizerse que puramente Colnia.... 63 Segunda Recebemos um folheto do sr. J. F. Rocha Pombo, impresso em Morretes, no Paran. Intitula-se Ao povo e trata de poltica. Passa fora! 64 Terceira ... por no pretendermos falar da obra [ Solues positivas da

poltica brasileira , de Lus Barreto].Trata-se a de poltica, e este elemento est banido destas colunas. Que o diga o dr. Franco de S, de cujo interessante livro no dissemos palavra.65 c) Quanto ao terceiro tpico, ao concluir breve comentrio sobre a Gramtica

Wer neck, um positivista que no republicano, contra Assis Brasil, positivista republicano, Capistrano recusa-se a opinar por no conhecer o trabalho de Assis Brasil, mas acrescenta: ... mesmo porque estas questes

portuguesa,

de

Jlio

Ribeiro,

Capistrano contrasta admirao e

Acervo, Rio de Janeiro, v. 12, n 1-2, p. 5-26, jan/dez 1999 - pg.19

A

C

E

tristeza:Eis um homem que, no centro de So Paulo, no poupou tempo, nem esforo, nem despesa, parece ensinar aos seus naturais o que de outrem no pde aprender. Este homem, porm, nem lente do Pedro II, nem professor da Escola Normal, nem membro do conselho diretor da instruo pblica. Portanto o seu livro no ser adotado nem ser lido, e ficar no conceito dos Garniers muito abaixo dos livros dos Motas

lise dos membros do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro (IHGB), Capistrano reconhece quemesmo no Instituto algumas pessoas existem dignas de pertencerem comisso [que iria escrever uma histria fsica e poltica do Brasil]. Conselheiro Pereira da Silva pode talvez ser aproveitado; mas preciso cautela: havendo necessidade de qualquer data, nome ou ttulo de livro, o conselheiro no tem escrpulos em invent-los. Cautela pois; tanta prodigalidade necessita um curador. 69

et reliqua . 66

A respeito da segunda edio da His-

tria da fundao do Imprio brasileiro , do conselheiro Pereira da Silva,Capistrano sarcstico: Escrito de longo flego, exigiu ele muita fora de vontade e aplicao do seu laborioso autor, mas a verdade que com muito mais gosto e eloqncia, em menos pginas, se podem dizer quanto em trs volumes diz o sr. conselheiro Pereira da Silva. 67 As ironias no param por a pois Capistrano mostra-se implacvel: a coragem e o sangue frio manifestados por ele sempre que empunha a pena: aborda todos os assuntos com a maior sem-cerimnia possvel, mas a grande iluso do sr. conselheiro Pereira de Silva supor que se escreve histria com a mesma facilidade com que se improvisa um romance.... 68 Em outro artigo, quando faz uma an-

Por sinal, Capistrano no poupa ironias ao IHGB. No texto que acabamos de citar, por exemplo, ele caracteriza e avalia, em poucas palavras, as pessoas que, no seu modo de entender, so merecedoras de crdito, para afinal concluir: Assim vemos que de 187 scios do Instituto podem servir e servir bem 26; podem servir condicionalmente trs; so perfeitamente inteis 158.70 Mas encontramos, ainda, outras farpas. assim que se podem entender os comentrios de Capistrano sobre a filosofia do carter brasileiro que teria sido formulada por d. Pedro II: entre ns as aspiraes limitam-se a duas: ser senador ou lente de Pedro II. Depois de rejeitar, ironizando, essas duas metas, Capistrano declara pretender posio muito mais elevada: a de membro do Instituto Histrico e se-

pg.20, jan/dez 1999

R

V

O

gue-se, ento, longa e irnica descrio sobre o que e em que consiste ser membro do Instituto.71

a afirmao de que ele (Capistrano) seria lido e versado em todos os ramos de conhecimentos humanos, Capistrano se apropria do discurso do oponente: Como podemos s-lo se ainda no lemos tudo quanto julgamos necessrio?. Criticando o curso de literatura brasileira, de Melo Morais Filho, e, finalmente, ao comentar a comemorao do centenrio de Cames pelo Gabinete Portugus de Leitura, o historiador cearense incansvel! Critica obras, pessoas e comportamentos sempre com a mesma ironia afiada e implacvel:Sem o Gabinete, o centenrio teria

Havendo de ceder imposio regulamentar hesitamos mais; j escolhemos at o assunto. Vamos escrever a histria do Instituto Histrico, uma histria curiosssima, onde esto traadas em caracteres indelveis os progressos da histria ptria, a dignidade de nossas letras, os efeitos da proteo sobre a literatura, enfim a origem e desenvolvimento da literatura oficial.72

Respondendo, treplicando na verdade, a artigo de Matoso Maia, e ironizando

Henry Chamberlain, Vistas e costumes da cidade e arredores do Rio de Janeiro em 1819-1820 , Rio de Janeiro; So Paulo, 1943.

Acervo, Rio de Janeiro, v. 12, n 1-2, p. 5-26, jan/dez 1999 - pg.21

A

C

E

sido celebrado no Brasil? bem provvel que no. Suponhamos, porm, que o fosse. A festa seria alinhavada nas vsperas; no haveria a unanimidade, o aspecto solene, o carter nacional que revestiu. Os brasileiros somos incapazes de pensar em uma coisa oito dias antes de faz-la, e por isso as manifestaes coletivas revestem entre ns um carter constante de patulia. 73

Partindo dessa metfora, Capistrano afirma:Quem l uma histria do Brasil, mesmo a melhor que a de Varnhagen, no pode suspeitar a importncia de um fato que todos os historiadores omitem: os festejos. E entretanto nada h mais freqente, mais tpico, mais notvel durante todo o perodo de nossa dependncia. O Brasil naquele tempo era uma festa quase ininterrompida. 74

Capistrano precursor da nova histria? Nos vrios ensaios intitulados Gravetos de histria ptria, Capistrano apresenta observaes e sugestes quase sempre originais e, no raro, frente dos estudos histricos da sua poca. T rata-se, verdade, de temas e questes um tanto marginais com relao aos objetivos do presente trabalho, mas julgamos que esta anlise da 4 a srie dos Ensaios e estudos ficaria incompleta caso no fizssemos uma aluso, sumria, a esses autnticos

Festas de igreja, festas pela famlia real e nas chegadas de governadores e bispos festas, em suma, de carter pblico, para no mencionar as de carter particular, inumerveis, como j assinalava Fer no Cardim, em 1584. Como a significao destas festas ainda no foi estudada, nem conhecida, Capistrano prope quatro causas para os festejos freqentes, sendo a primeira a ausncia da vida da famlia, conseqncia do segregamento absoluto dos sexos antes do casamento. Enfim, os festejos dos tempos coloniais provam uma sociabilidade instvel e imperfeita.75 Dando seqncia questo da vida familiar, os Gravetos seguintes abordam as conseqncias do limitado nmero de mulheres portuguesas na Colnia: a mestiagem dos europeus com os brasis comeou desde o primeiro dia, e em muito maiores propores que com os africanos . Mais importante, no entanto, foi o impacto sobre a moralidade a grande corrupo dos costumes, a desmoraliza-

insights historiogrficos moder nos deCapistrano. Observe-se, para comear, a maneira sutil como ele introduz o problema do visvel e do invisvel, do dito e do no dito, na histria do Brasil: as poses assumidas por quem vai tirar um retrato so em geral as menos familiares ou tpicas do retratado; nas obras de histria se d a mesma coisa: nos livros que pretendem pintar uma poca raramente encontra-se a feio que a destaca porque se acha escondida ou fora de alcance.

pg.22, jan/dez 1999

R

V

O

o que reinou nos primeiros tempos da histria do Brasil.76

Estado governado industrialmente por meio de cooperao, consentimento, discusso , o mesmo acontece na famlia. Nessa altura, Capistrano retoma sua conhecida distino entre o litoral e o serto, e aplica relao entre cnjuges na sociedade colonial os traos que ao seu ver caracterizariam, ainda, o serto: o homem assumia a posio imperiosa; tomava a atitude de capito-mor; ... A mulher passava a um papel secundrio, o de vassalo ou agregado. A famlia, de bases j de si superficiais, ficava sem base alguma. A casa era um inferno... Era necessrio achar meios de divertimentos, inteiramente diferentes da famlia. O jogo era um... O segundo expediente eram as festas....78

Como resultado, temos o estado de segregamento em que viviam os dois sexos; a mulher trancada dentro de casa o tempo todo; o homem, desde criana convivendo com os castigos, com os vcios de uma educao precria, com a escravido, com o pai autoritrio e distante. Logo, o amor era planta efmera e extica.77 Finalmente, a famlia, e, nesse passo, Capistrano estabelece um paralelismo entre o gover no da famlia e o governo do Estado. Se o Estado gover nado militar mente atravs da coao, da imposio , a famlia tambm o ; se o

N

O

T

A

S

1. No mbito do projeto A questo do moderno na histria da cultura brasileira, o nosso subgrupo vem desenvolvendo um subprojeto acerca da Questo do moderno na historiografia brasileira, no qual so estudadas as obras de Capistrano de Abreu, Joaquim Nabuco, Oliveira Lima, Joo Ribeiro, Slvio Romero, Joo do Rio, e outros intelectuais da Belle poque. 2. Capistrano de Abreu, Ensaios e estudos , 1 a srie, 2 a edio, nota liminar de Jos Honrio Rodrigues, Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira/Instituto Nacional do Livro, 1975; Ensaios e estudos , 2 a srie, 2a edio, 1976; Ensaios e estudos , 3a srie, 2 a edio, 1976; Ensaios e estudos , 4a srie, edio preparada e prefaciada por Jos Honrio Rodrigues, Civilizao Brasileira, 1976. 3. Carlos Reis, Tcnicas de anlise textual , Coimbra, Almedina, 1981, 3 a ed. rev.

Acervo, Rio de Janeiro, v. 12, n 1-2, p. 5-26, jan/dez 1999 - pg.23

A

C

E

4. J na definio do projeto anterior, sobre a Histria da histria no Brasil, utilizamos essa noo de momento significativo, haurida em Antnio Cndido, para sintetizar e organizar em conjuntos razoavelmente coerentes os textos de historiadores unidos por algumas identidades essenciais a respeito da natureza da histria-disciplina e da sua escrita. 5. Chamemos de insights essas manifestaes irnicas e crticas a propsito de homens e coisas do seu tempo. Interessam-nos a, sobretudo, algumas sugestes e percepes de Capistrano sobre as caractersticas essenciais da histria do Brasil. 6. Michel de Certeau, Lcriture de lhistoire, Paris, Gallimard, 1975, pp. 63-122. 7. Ensaios e estudos , 4a srie, pp. XI-XIII. 8. Ibidem, n o 14, pp. 153-155 e n o 19, pp. 173-174. 9. Ibidem, n o 37, pp. 252-258 e n o 29, pp. 218-221. 10. Ibidem, n o 2, pp. 17-24, n o 8, pp. 46-50, e n o 33, pp. 236-240. 11. Ibidem, n o 8, pp. 128-129. 12. Ibidem, no 33, p. 236. 13. Ibidem, no 33, p. 239. 14. Ibidem, no 33, p. 240. 15. Francisco Jos Calazans Falcon, Historicismo: a atualidade de uma questo aparentemente inatual, Tempo, v. 2, n o 4, dez. 1997, pp. 5-26. 16. Manuel de Oliveira Lima, Pernambuco, seu desenvolvimento histrico , Leipzig, F. A. Brockhaus, 1894, 1 vol., in 8 o, XIII, 327 p. 17. Ensaios e estudos , 4 a srie, no 20, pp. 179-180. 18. Ibidem, n o 22, p. 191. 19. Ibidem, n o 22, p. 193. 20. Ibidem, n o 22, pp. 246-247. 21. Ibidem, no 35, p. 246. 22. por demais significativa a insistncia de Capistrano neste ponto: toda generalizao ser sempre apressada ou impossvel (?) enquanto as particularidades no forem bem estudadas. O desconhecimento dos fatos, isto , da realidade histrica, abre caminho imaginao, quer dizer, literatura, e afasta o historiador daquilo que mais lhe deve interessar: as idias! 23. Ensaios e estudos , 4 a srie, n o 6, p. 39. 24. Como exemplos de literatos famosos que tentaram escrever histria mas s conseguiram fazer romances, poemas, livros de anedotas..., Capistrano menciona Lamartine, Thackeray, Castelar e Petruccelli della Galttina. 25. Ensaios e estudos , 4 a srie, n o 6, p. 40. 26. Ibidem, parte II, n o 2, pp. 100-101. 27. Ibidem, Jos de Alencar, parte I, n os 7, 8, 9 e 10; Literatura brasileira, n o 11; Literatura. Uma grande idia, n o 17. Na parte II, sempre com o ttulo Livros e letras, h numerosos ensaios sobre temas literrios. 28. Ibidem, parte I, n o 12, p. 69. 29. Ibidem, loc. cit., n o 16, p. 84. 30. Ibidem, parte II, no 9, p. 131 e no 21, p. 188. 31. Ibidem, parte II, no 17, p.166 (1880). 32. Ibidem, no 22, p. 194 (1898). 33. Ibidem, no 25, p. 205 (1880). 34. Ibidem, n o 54, p. 308. 35. Ibidem, no 54, p. 309. 36. Ibidem, n o 15, pp. 157-158 (1880).

pg.24, jan/dez 1999

R

V

O

37. Ibidem, loc. cit. 38. Ibidem, parte I, n o 12, pp. 63-70 (1905). 39. Ibidem, parte I, n o 13, pp. 71-77 (1905). 40. Ibidem, parte II, n o 17, p. 165. 41. Ibidem, parte II, n o 20, p. 177. 42. Ibidem, parte II, n o 22, p. 192. 43. Ibidem, parte II, n o 33, p. 236. 44. Ibidem, parte II, n o 35, p. 247. 45. Ibidem, parte I, n o 1, pp. 3-16 e n o 2, pp. 17-24 (1876). 46. Ibidem, parte II, n o 46, p. 280 (1881). 47. Ibidem, parte II, n o 46, p. 281. 48. Ibidem, parte II, n o 55, p. 311 (1881). 49. Ibidem, parte II, n o 55, p. 312 . 50. Ibidem, parte II, n o 56, p. 314 (1882). 51. Ibidem, parte II, loc. cit. 52. Ibidem, parte II, n o 21, pp. 185-190 (1895). 53. Ibidem, parte II, n o 20, pp. 181-182 (1894). 54. Ibidem, parte II, n o 6, pp. 117-122 (1880). 55. Ibidem, parte II, loc. cit., p. 121. 56. Ibidem, parte II, n o 43, p. 271 (1881). 57. Ibidem, parte II, loc. cit., p. 272. 58. Ibidem, parte II, n o 47, p. 284 (1881). 59. Ibidem, parte II, loc. cit., p. 284-285. 60. Ibidem, parte II, n o 47, pp. 286-287. 61. Ibidem, loc. cit., p. 287. 62. Ibidem, parte II, n o 14, pp. 154-155 (1880). 63. Ibidem, loc. cit., p. 155. 64. Ibidem, parte II, n o 26, p. 209 (1880). 65. Ibidem, parte II, n o 30, p. 224 (1880). 66. Ibidem, parte II, n o 5, p. 36 (1882). 67. Ibidem, parte II, n o 6, p. 38 (1877). 68. Ibidem, loc. cit., p. 38. 69. Ibidem, parte II, n o 17, p. 90 (1880). 70. Ibidem, parte II, n o 17, p. 92. 71. Ibidem, parte II, n o 3, p. 105 (1879). 72. Ibidem, loc. cit. 73. Ibidem, parte II, n o 40, p. 263 (1881). 74. Ibidem, parte II, n o 49, p. 292 (1881). 75. Ibidem, parte II, loc. cit., pp. 291-294. 76. Ibidem, parte II, n o 50, pp. 295-297 (1881). 77. Ibidem, parte II, n o 51, pp. 298-300. 78. Ibidem, parte II, n o 52, pp. 301-303 (1881).

Acervo, Rio de Janeiro, v. 12, n 1-2, p. 5-26, jan/dez 1999 - pg.25

A

C

E

A

B

S

T

R

A

C

T

In his article the author puts in relief the ideas of modern and nation in the Brazilian historiography in the time of the scientism. In this context the author has as object of research Capistrano de Abreu's fourth series Ensaios e estudos, which principal topics are the scientism, the historicism, the conception of the historical method and the paper of erudition.

R

S

U

M

Dans son article lauteur met en relief les ides de moderne et nation dans lhistoriographie brsilienne lpoque du scientisme. ce sujet lauteur expose comme objet de recherche la quatrime srie Ensaios e estudos du historien Capistrano de Abreu, dont les topiques principaux sont le scientisme, lhistorisme, la conception de la mthode historique et le papier de lrudition.

pg.26, jan/dez 1999

R

V

O

Professor titular da Uni-Rio e da UGF. Presidente do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro.

Wehling Ar no Wehling

Capistrano de Abreu e o Descobrimento do Brasil

A

obra

relativamente

morte do autor, ressentem-se s vezes da fugacidade dos comentrios e do pequeno desenvolvimento. Se examinar mos as obras principais buscando o tema do descobrimento, constataremos que o assunto est ausente dos

exgua de Capistrano de Abreu teve, com fre-

qncia, dois livros valorizados, Ca-

ptulos de histria colonial e Caminhos antigos e povoamento do Brasil. Arazo para o fato parece-nos estar em que, alm do valor intrnseco como snteses dos anos formativos coloniais e frutos amadurecidos de slida pesquisa e reflexo, deixam os demais trabalhos do autor para trs pela prpria natureza destes: a tese sobre o descobrimento do Brasil vista como obra de juventude, presa ao esquema spenceriano; os opsculos sobre o descobrimento e o trabalho acerca das lnguas indgenas so forosamente mais restritos; e os artigos de jor nal reunidos nos Ensaios e estudos , aps a

Caminhos, o que perfeitamente lgico, 1e nos Captulos de histria colonial tratado no terceiro captulo, de um conjunto de onze, correspondendo a 15 pginas de um volume com 297, o que significa 5%. 2 Se o tema for alargado para os antecedentes europeus e a disputa inicial pela terra, isto , para o captulo antecedente e o posterior, a conjuntura dos descobrimentos cresce para 31 pginas. O tema preferido de Capistrano, o serto, foi tratado nesse livro em captulos de 105

Acervo, Rio de Janeiro, v. 12, n 1-2, p. 27-36, jan/dez 1999 - pg.27

A

C

E

pginas, correspondente a pouco mais de um tero da obra. Devemos concluir, por esses dados, que Capistrano de Abreu, aps um breve entusiasmo de juventude, desinteressou-se do tema do descobrimento? Teria sobre ele, na maturidade, um juzo semelhante a aquelas conhecidas opinies sobre as invases holandesas e a conjurao mineira? Para responder s duas perguntas, temos de repassar os textos nos quais o autor se refere ao descobrimento. Em 1880, publicou um texto no referente de modo direto ao descobrimento, mas sua conjuntura: O Brasil no sculo XVI : a armada de d. Nuno Manuel, quando defendeu o ponto de vista do comando desta personagem na expedio de 1501. Trabalho de juventude, mais tarde o autor reformularia conceitos nele emitidos, a partir do prprio comando da expedio. Esse trabalho e a tese foram as obras nas quais se baseou o relator Manuel Duarte Moreira de Azevedo para dar parecer favorvel ao ingresso de Capistrano no Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, em 14 de setembro de 1887. 3 Na tese apresentada em 1883 ao Imperial Colgio Pedro II, para a obteno da cadeira de histria do Brasil, o autor apresentou o trabalho Descobrimento do Bra-

brimento de 1500, sob o ngulo das pretenses francesas, espanholas e portuguesas. Na segunda, Capistrano continuou utilizando o conceito de descobrimento, estendendo-o para todo o sculo: Descobrimento do Brasil no sculo XVI. As duas partes possuem concluses parciais. Dezessete anos mais tarde, no contexto das comemoraes do IV Centenrio do Descobrimento, Capistrano publicaria mais dois trabalhos: O descobrimento do Brasil pelos portugueses foi publicado primeiro pelo Jornal do Comrcio , na edio de 3 de maio de 1900, seguindose a edio em opsculo, no mesmo ano, pela editora Laemmert. 5 O outro texto, intitulado O descobrimento do Brasil povoamento do solo evoluo social, foi concludo no Livro do centenrio

1800-1900, publicado pela Associao doQuarto Centenrio do Descobrimento do Brasil, entidade que fora fundada com o objetivo de centralizar as comemoraes do evento. 6 Os dois trabalhos no se repetem. No primeiro, o autor descreveu e analisou a viagem de Cabral, as questes conexas (local da chegada, originalidade da carta de Caminha, a grafia da palavra Brasil) e as duas correntes histricas das navegaes, pelo litoral africano e no oeste. O segundo texto de 1900 mais abrangente, revelando a viso ampla do autor em relao aos antecedentes da expanso europia, quando remonta sua anlise ao sculo XII. Levando em conta

sil e seu desenvolvimento no sculo XVI .

4

O assunto foi desenvolvido em pouco mais de oitenta pginas e compreendeu duas partes. Na primeira, foi tratado o desco-

pg.28, jan/dez 1999

R

V

O

o estado da historiografia poca, a sntese de Capistrano era atualizada e muito superior ao que circulava no Brasil sobre o assunto, com exceo do ento recm-lanado (tambm em 1900) compndio de Joo Ribeiro, cuja filiao Kulturgeschichte de Lamprecht explica a importncia atribuda sucesso de quadros conjunturais da baixa Idade Mdia. 7 No caso portugus, Capistrano trata da poltica do infante e de d. Joo II. Considera ainda os grupos indgenas existentes em 1500 e o papel que assumiria o Brasil nesse processo de expanso. Como na tese, organizou no texto as fontes para a histria do descobrimento ento disponveis, trabalhando com as cartas de Caminha e do mestre Joo. Em 1905, voltaria ao tema dos descobrimentos com dois artigos publicados na

independncia, em 1922. 9O autor elabora seu estudo com o levantamento das edies da carta, os dados biogrficos de Caminha, a descrio da estrutura da narrativa e a avaliao dos juzos nela contidos. Discute no texto, ainda, as dvidas sobre a autenticidade do documento e sobre o acaso, referindo-se carta de mestre Joo e ao controvertido trecho de Duarte Pacheco Pereira, no

Esmeraldo de situ orbis, de 1906, de suavinda ao Brasil em 1498, tema que j considerara na tese do Colgio Pedro II.

Ee

*** m 1976, publicamos estudo sobre a presena do cientificismo, em algumas de suas vertentes,

na obra de Capistrano. Defendemos ento a tese de que seus trabalhos de juventude, at o concurso do Colgio Pedro II, foram realizados sob a influncia poderosa de Spencer, Darwin, Comte, Taine Buckle, numa combinao de evolucionismo com positivismo na qual preponderava o primeiro. Para alm desta ou daquela filiao doutrinria, porm, afirmvamos que o que efetivamente tinha significao de um ponto de vista epistemolgico era sua plena adeso ao cientificismo, traduzida na adoo explcita ou implcita de alguns pressupostos tericos do10

Revista Kosmos . Neles trata das controversas expedies de 1501 e 1503, descrevendo os acontecimentos com base nos documentos existentes e elaborando inferncias fundadas no conhecimento dos portugueses sobre o tema. Nesses artigos, chamou a ateno para a explorao do litoral brasileiro da por diante em duas vertentes, a da costa leste-oeste (Rio Grande do Norte ou Par) e sudoeste (litoral do Rio Grande do Norte ao rio da Prata).8

chamado

paradigma

O ltimo texto, de 1908, intitula-se Vaz de Caminha e sua carta e foi publicado na Revista do Instituto Histrico e Geo-

newtoniano.

Assim, na tese sobre o descobrimento do Brasil, esses traos do cientificismo revelaram-se cabalmente. A concepo que presidia o trabalho era a de que o desco-

grfico Brasileiro , saindo uma segundaedio no Livro de ouro do centenrio da

Acervo, Rio de Janeiro, v. 12, n 1-2, p. 27-36, jan/dez 1999 - pg.29

A

C

E

brimento fora resultado da expanso de um organismo o portugus e que no Brasil se constituiu, ao longo do sculo, um novo organismo, a sociedade colonial. 11 Essa concepo fez com que, avaliando criticamente as pretenses francesas, espanholas e portuguesas, ele admitisse a prioridade espanhola com Pinzn j que descartou a hiptese da chegada anterior de Duarte Pacheco Pereira , embora considerando que o descobrimento efetivamente vlido ocorrera com Cabral. Sua concluso foi:, portanto, com os documentos de que

dispomos, incontestvel que o descobrimento do Brasil foi em 1500. E foram os espanhis que o descobriram, porque Cabral viu terra mais de meado de abril; Pinzn viu-a em fevereiro, e Lepe, quando Cabral ainda nem percebera sinais de terra, j dobrara o cabo de S. Agostinho para o sul e tornava para o norte. Esta a soluo cronolgica. A soluo sociolgica diferente; nada devemos aos espanhis, nada influram sobre nossa vida primitiva; prendem-se muito menos nossa histria do que os franceses. Sociologicamente falando, os descobridores do Brasil foram os portugueses. 12

Se analisarmos as duas partes da tese, que se divide em Descobrimento do Brasil e Desenvolvimento do Brasil no sculo XVI, veremos que o mesmo princpio unificador da epistemologia cientificista as enforma, a partir da idia da expanso do organismo social ibrico. Entretanto, h uma diferena, evidenciada no uso das fontes disponveis, entre a primeira e a segunda. Na primeira, o autor trata de uma pequena questo do ponto de vista cientfico que poca esposava, embora fosse aspecto politicamente relevante: a de responder a qual dos pretendentes glria de ter descoberto o Brasil deveria ser atribudo este fato.13 Baseando sua anlise nas fontes dispon-

pg.30, jan/dez 1999

R

V

O

veis e num grande rigor lgico, utilizou os procedimentos da metodologia historista de que to bem se valeria nos trabalhos da maturidade. J era um rankeano, por esse motivo, mas a distino entre a soluo cronolgica e a sociolgica da questo demonstra como, em 1883, ainda predominava em sua concepo a epistemologia cientificista. Na segunda parte, a questo discutida cresce: a obra de um sculo a sociedade estabelecida no Brasil aps cem anos de colonizao. Nela a presena cientificista completa, da concepo ao jar go, justapondo conceitos e evolucionistas a positivistas. Ao concluir, dizia sobre o Brasil quinhentista:Organismo de pouca massa, de estrutura rudimentar, em que cada rgo representava mais de uma funo, em que no havia um rgo especial para cada funo: faltava-se o consensus profundo, a interdependncia fundamental, a ao incorporada que o tornaria uma repblica...14

lecendo as fontes, coletando as informaes e cotejando os dados para, ento, estabelecer suas concluses. De permeio, faz crtica da historiografia que o antecede, concordando ou discordando dos juzos luz das suas prprias investigaes.15 Os procedimentos metodolgicos tornamse, agora, plenamente hermenuticos: a interpretao fundada numa combinao de anlise lgica, evidncia documental e crtica das interpretaes anteriores. ***

tura, com esse instrumental? I. O interesse pelas ndias era atribudo busca do reino cristo do preste Joo, com quem se admitia a idia de uma aliana antimuulmana, alm do interesse comercial, que implicava a eliminao do Egito e Sria como intermedirios do comrcio oriental, possibilitando o barateamento dos produtos e o estanco da corrente de metais preciosos que desde a Roma republicana fluam para o Oriente. 16 II. Nos ltimos anos do infante, j se definiria seu interesse pelas ndias e no somente pela costa da frica. O assunto foi ignorado pelo autor na tese de 1883, pois ao tratar das pretenses portuguesas ao descobrimento, no recua ao perodo do infante.

A

que

concluses

chegou

Capistrano de Abreu sobre o descobrimento e sua conjun-

Os textos de 1900 em diante sobre a temtica do descobrimento acompanham a mudana de posio terica do autor, que se expressaria nas obras de maturidade, como os Captulos e os Caminhos

antigos e, mais esparsamente, na suacorrespondncia com outros intelectuais. Nesses textos, aparece plenamente vitoriosa a metodologia historista, de inspirao rankeana, desaparecendo os traos mais vigorosos do cientificismo. O autor repete os procedimentos da tese, estabe-

Acervo, Rio de Janeiro, v. 12, n 1-2, p. 27-36, jan/dez 1999 - pg.31

A

C

E

Mas na Memria do centenrio , onde faz uma sofisticada anlise do processo de expanso da Europa desde o sculo XIII, conclui que os planos do infante, no final da vida, incluam as ndias, apresentando como prova a bula de Nicolau V, 17 que atribuiu-lhe as terras existentes do cabo Bojador at as ndias. III. A inspirao permanente de Colombo e dos navegadores espanhis eram as idias de Paulo Toscanelli, cuja cartografia minudente, aproximando a Europa da sia pelo ocidente, continuou sendo aceita no apenas pelo descobridor, mas por homens como Vicente Yanez Pinzn, cuja chegada no cabo de Santo Agostinho, em Pernambuco, a 26 de janeiro de 1500, obedeceu a essa orientao. Capistrano sublinhou a concluso de que foi somente com a descoberta por Balboa do oceano Pacfico, em 1513, que a tese de ToscanelliColombo perdeu credibilidade.18 IV. As concepes de Cristvo Colombo permaneceram basicamente as mesmas desde a dcada de 1480 at sua morte, em 1506, isto , ele admitia no apenas a possibilidade de chegar s ndias navegando para o ocidente, ao contrrio da orientao portuguesa, como continuou acreditando nisso aps as quatro viagens rea do Caribe.19 V. A descoberta do Brasil ocorreu portanto em janeiro de 1500, devendo-

se a Pinzn, embora continuasse a afirmar, como em 1883, que o fato cronolgico em nada alterava a efetiva descoberta sociolgica pelos portugueses. VI. A questo do acaso ou da

intencionalidade do descobrimento cabralino, que tanta tinta gastara desde sua proposio ao Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro por d. Pedro II, em 1849, nunca empolgou Capistrano. 20 Em O descobrimento do Brasil pelos portugueses, trata do assunto incidentalmente, a propsito da refutao presena de Duarte Pacheco Pereira, para concluir como o faria mais tarde Lucien Fbvre sobre os falsos problemas do conhecimento histrico: Foi fortuito ou no o descobrimento? No questo histrica, deve relegar-se para as mincias da biografia conjetural. 21 VII. Os supostos predecessores de Cabral, como Jean Cousin e Duarte Pacheco Pereira, no tiveram a seu favor, segundo Capistrano, nem documentos nem argumentos definitivos. O primeiro teve o texto que o indica publicado somente em 1785, levantando-se-lhe vrias objees. 22 O segundo no deve ser erroneamente interpretado quando fala em terras na direo do polo Antrtico, no que poderia ser o Brasil, porque existia opinio corrente em Lisboa em outubro de 1501, de que eram entre si contguas as terras geladas descobertas

pg.32, jan/dez 1999

R

V

O

pelos portugueses ao norte com as Antilhas descobertas pelos espanhis e a terra dos Papagaios descoberta mais ao sul por Pedro lvares Cabral....23 Esse ponto de vista em relao a Duarte Pacheco Pereira, Capistrano o manteve desde 1883, reafir mando-o na Memria do centenrio , de 1900, e na anlise da carta de Caminha, em 1908. VIII. Nas afirmaes de Desmarquets sobre a prioridade de Jean Cousin em 1488 e de frei Gaspar da Madre de Deus sobre a chegada de Joo Ramalho a So Vicente antes de Cabral e de Colombo, por volta de 1490, Capistrano viu o mesmo intuito de afirmar prioridades, o primeiro para seu pas, a Frana, o segundo para sua terra natal, a capitania de So Vicente. A diferena, diz nosso autor, que Desmarquets teve a sorte de ter sua tese valorizada, no sculo XIX, por Paul Gaffarel, enquanto o segundo teve a sua desmontada por Cndido Mendes.24

Henrique, mas a menor importncia atribuda missa do que aos ndios; o talento de Caminha e sua mente quantitativa; a valorizao da natureza, mas o desinteresse pela astronomia. 26 X. O Brasil rapidamente mudou de significado para os navegadores portugueses: enquanto em Caminha a terra aparece como pousada da rota para as ndias, logo depois, com Amrico Vespucci, caminho de uma nova rota, para Malaca. 27 XI. Quando se inicia a explorao sistemtica do litoral brasileiro, com as expedies de 1501 a 1503, a costa passa a ser percebida como duas sees distintas, a leste-oeste e a sudoeste. 28

C

***

erca de um sculo nos separam dos textos de Capistrano de Abreu sobre o descobrimento:

117 anos da tese, 92 dos ltimos escritos. Apesar disso, suas concluses sobre o tema no envelheceram, tendo sido incorporadas a nosso conhecimento do assunto, ou pelo menos continuando a se constituir em opes vlidas nos terrenos mais controversos. Duas razes podem explicar o fato: a pequena significao dos documentos posteriormente encontrados sobre a expedio de Cabral, que confirmam os textos bsicos disponveis poca de Capistrano, como as cartas de Caminha,

IX. Refutando com facilidade a tese da falsificao da carta de Caminha, 25 Capistrano fez a primeira anlise estrutural dessa narrativa. Destacou o papel atribudo ao Brasil, em detrimento dos acontecimentos que antecederam chegada; as trs menes aos indgenas, inclusive o impactante encontro e a simpatia por eles demonstrada; a influncia de frei

Acervo, Rio de Janeiro, v. 12, n 1-2, p. 27-36, jan/dez 1999 - pg.33

A

C

E

de mestre Joo e de d. Manuel aos reis da Espanha; e a capacidade hermenutica do autor, que esquadrinhou de modo absolutamente competente as possibilidades da investigao. Se o paradigma indicirio de que falam alguns historiadores realmente existe, as pesquisas de Capistrano sobre o descobrimento do Brasil so uma prova de sua eficcia. Quais so os passos da pesquisa do autor? Em primeiro lugar, uma excepcional capacidade heurstica. Estabelecidas as fontes, inclusive avaliando a contribuio das diferentes verses disponveis, como fez com a carta de Caminha, passava o autor sua articulao. Chegava assim composio de um mosaico, no qual faltavam elementos fundamentais. Em troca, abun-

davam caminhos hipotticos, acumulados pela historiografia por diferentes motivos, dos quais os patriticos ou nacionalistas no foram, nesse assunto, os menos importantes, como se percebe na discusso sobre a prioridade do descobrimento. Em segundo, a segura hermenutica. Em lugar de deixar-se impressionar pelos argumentos de autoridade, ou pelas motivaes ideolgicas, soube complementar a ausncia daqueles elementos fundamentais com a capacidade de bem perguntar. As respostas, que fluam dos documentos ou das dedues, eram com argcia e capacidade lgica ordenadas e depuradas, tendo como norte a preocupao com as intenes dos agentes histricos.29 Essa epistemologia historista, que se definiu com Ranke, cuja obra conhecia, e que se aperfeioaria com Dilthey e Weber, Capistrano desenvolveu sem que para isso necessitasse escrever um manual de metodologia histrica necessidade, alis, que Ranke sentira. Abandonado o cientificismo, utilizaria tais procedimentos cada vez mais naturalmente, como se co-naturais fossem ao historiador. Em terceiro lugar, uma fina percepo da contemporaneidade das situaes e uma forte desconfiana em relao aos anacronismos. Assim, a todo momento, nos textos sobre o descobrimento, aparece a preocupao com o que efetivamente existia e com o que era percebido pelos

pg.34, jan/dez 1999

R

V

O

agentes histricos. T ratando-se de um assunto o desencravamento planetrio de Pierre Chaunu sobre o qual existiam diferentes e contraditrias representaes, ou, olhado sob a cmoda tica de nossa cartografia por satlites, diferentes graus de ignorncia, era procedimento inteligente no considerar uma informao a partir do referencial geogrfico absoluto posterior, mas luz das prprias representaes cartogrficas coevas. Sua aplicao desse procedimento crtica dos intrpretes que poca favoreciam Duarte Pacheco Pereira de uma lgica de ferro. A pesquisa sobre o descobrimento em

Capistrano de Abreu reproduz em ponto menor a evoluo do pensamento histrico do autor, que transita do cientificismo da juventude para uma posio historista, rankeana, na qual a capacidade hermenutica, perceptvel na tese de 1883, tornou-se plenamente dominante nas obras da maturidade, entre as quais se encontram as produzidas sobre o tema entre 1900 e 1908. A vigncia das concluses do autor bem demonstra que, para alm das circunstncias que a produziram, a grande obra historiogrfica permanece, mesmo quando seus fundamentos tornam-se intelectualmente datados.

N

O

T

A

S

1. Joo Capistrano de Abreu, Caminhos antigos e povoamento do Brasil, Rio de Janeiro, Briguiet, 1960. 2. Joo Capistrano de Abreu, Captulos de histria colonial , Rio de Janeiro, Briguiet, 1954. 3. Parecer da Comisso de Admisso de Scios do Arquivo do Instituto Histrico e Geogrfico Brasileiro, pasta Capistrano de Abreu. 4. Joo Capistrano de Abreu, O descobrimento do Brasil , Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 1976, pp. 3-92. 5. Idem, O descobrimento do Brasil pelos portugueses, em O descobrimento do Brasil , pp. 93117. 6. Idem, O descobrimento do Brasil povoamento do solo evoluo social, em O descobrimento do Brasil , pp. 128-189. 7. Joo Ribeiro, Histria do Brasil , Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1960, p. 10 ss. 8. Joo Capistrano de Abreu, Histria ptria, em O descobrimento do Brasil , p. 206 ss. 9. Idem, Vaz de Caminha e sua carta, em O descobrimento do Brasil , pp. 191-205. A reunio desses textos foi realizada por Jos Honrio Rodrigues, tambm autor de uma Nota liminar, na qual faz o histrico de cada um dos trabalhos. 10. Arno Wehling, Capistrano de Abreu, a fase cientificista, RIHGB , n o 316, 1976. Republicado, revisto e ampliado em A inveno da histria estudos sobre o historicismo, Rio de Janeiro, UFF/UGF, 1994. 11. Joo Capistrano de Abreu , O descobrimento do Brasil , p. 87. A idia j estava presente, ainda de modo mais explcito, num texto de 1874, A literatura brasileira contempornea, em Ensaios e estudos, 1 srie, Rio de Janeiro, Civilizao Brasileira, 1976, p. 35 ss. 12. Idem, O descobrimento do Brasil , p. 41. 13. Idem, ibidem, p. 2. A questo colocada como prembulo da tese.

Acervo, Rio de Janeiro, v. 12, n 1-2, p. 27-36, jan/dez 1999 - pg.35

A

C

E

14. Idem, ibidem, pp. 87-88. 15. Em passos muito semelhantes aos sugeridos por Ranke. Arno Wehling, Em torno de Ranke: a questo da objetividade histrica, Revista de Histria da USP, n o 93, 1973, p. 177 ss; republicado e revisto em A inveno da histria , op. cit., p. 150. No mesmo sentido da influncia rankeana, Alice Canabrava, Varnhagen, Martius e Capistrano de Abreu, em Anais do III Colquio de Estudos Teuto-Brasileiros , Porto Alegre, URGS, 1980, p. 215. 16. Joo Capistrano de Abreu, O descobrimento do Brasil povoamento do solo evoluo social, (1900), op. cit., pp. 134-135. 17. Idem, ibidem, p. 134. Repetiria a concluso nos Captulos de histria colonial , op. cit., p. 68. 18. Idem, O descobrimento do Brasil , (1900), p. 149. 19. Idem, ibidem, pp. 146-147. 20. Idem, Vaz de Caminha e sua carta, op. cit., p. 202. 21. Idem, O descobrimento do Brasil pelos portugueses, op. cit., p. 108. 22. Idem, O descobrimento do Brasil, (1883), op. cit., pp. 14-15. 23. Idem, O descobrimento do Brasil povoamento do solo evoluo social, (1900), op. cit., p. 155. 24. Idem, O descobrimento do Brasil , (1883), op. cit., p. 31. 25. Idem, O descobrimento do Brasil pelos portugueses, op. cit., p. 110. 26. Idem, Vaz de Caminha e sua carta, op. cit., p. 195 ss. 27. Idem, O descobrimento do Brasil povoamento do solo evoluo social, (1900), op. cit., p. 175. 28. Idem, Histria ptria, op. cit., p. 208. 29. O tema do descobrimento j fora considerado, com tais instrumentos, por Varnhagen. Arno Wehling, Estado, histria, memria: Varnhagen e a construo da identidade brasileira, Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999, p. 155 ss. e As recepes do descobrimento: histria, memria e identidade no historicismo brasileiro, Oceanos , Lisboa, CNCDP, vol. 39, 1999, p. 144 ss.

A

B

S

T

R

A

C

T

The main subjects considered by Capistrano de Abreu, in his literary work, allude to the study of the hinterland , to the indigenous languages and to the discovery of Brazil. The author, in his researches, made use of the heuristic, the hermeneutic and the historical epistemology. In his work, two books were very valorized: Captulos de histria colonial and Cami-

nhos antigos e povoamento do Brasil .

R

S

U

M

Les principaux thmes dvellopps par Capistrano de Abreu, dans son oeuvre littraire, se rapportent la dcouverte du Brsil et ltude de la brousse et des langues indignes. Lauteur, dans ses recherches, savait employ de la heuristique, de la hermneutique et de lpistemologie historique. Dans son oeuvre, deux livres taient trs valoriss: Captulos de hist-

ria colonial et Caminhos antigos e povoamento do Brasil .

pg.36, jan/dez 1999

R

V

O

Pesquisador associado ao Pronex/CNPq/Departamento de Histria da PUC-Rio. Historiador e professor dos programas de Graduao e Ps-Graduao da PUC-Rio e da UERJ.

Antnio Edmilson Martins Rodrigues

O Achamento do Brasil e de PortugalPerfil intelectual do historiador lusobrasileiro Joo Lcio de AzevedoOPRIMEIRO ACHAMENTO :

pimenta. Mais tarde, numa segunda leitura, esta j para um curso que ministrei como professor de civilizao ibrica, compreendi que o livro esboava a idia de fundao da nacionalidade portuguesa. Nessa nova leitura, entretanto, encantoume mais o modo pelo qual Joo Lcio operou a compreenso da realidade portuguesa, e chamou-me a ateno a preocupao em mostrar a fora da raa portuguesa em sua mestiagem e a sua formao como associada ao meio fsico ibrico. Voltei a tomar contato com Joo Lcio quando li os volumes da correspondncia de Capistrano de Abreu, editados e

A PERSONAGEM

E

ntrei em contato com a obra de Joo Lcio quan-

do, na universidade, fiz meu primeiro curso de histria do Brasil. No final dos anos de 1960 aprendia-se Portugal nos cursos de histria do Brasil. Como todo mundo, o livro foi pocas de

Portugal econmico . 1 Devo dizer quequela altura nada me surpreendeu na leitura, pois pareceu-me uma histria pica e que caminhava na direo dos escritos de Vitorino Magalhes Godinho nos seus Ensaios , 2 quando se referiam aos ciclos portugueses na ndia e s questes das especiarias, principalmente da

Acervo, Rio de Janeiro, v. 12, n 1-2, p. 37-66, jan/dez 1999 - pg.37

A

C

E

apresentados3

por

Jos

Honrio

O

SEGUNDO ACHAMENTO : A

Rodrigues. No volume 2, Jos Honrio incluiu as respostas de alguns dos correspondentes de Capistrano, dentre eles Joo Lcio. Para alm das anlises de poca postadas nas cartas, descobri alguns fazeres de Joo Lcio que me eram desconhecidos: sua importncia para os historiadores brasileiros, como inter medirio entre eles e os arquivos portugueses, fazendo buscas de documentos que, com certeza, enriqueceram as interpretaes, por exemplo, de um Capistrano. Nessa funo, estabeleceu certas intervenes que nos ajudam a entender a construo de deter minadas obras de nossa historiografia e o modo pelo qual so elas documentadas. Novamente me aproximei de Joo Lcio quando, a partir de 1998, envolvi-me no projeto de pesquisa A questo do moder-

RECEPO DA OBRA

P

oucos conhecem, hoje, a produo do historiador Joo Lcio de Azevedo ou quando a conhecem

esse conhecimento fica restrito a pocas

de Portugal econmico , na maioria dasvezes tomado como referncia para a compreenso da histria de Portugal, em sua interface com a histria do Brasil colonial. No mbito da historiografia portuguesa, historiadores como Vitorino Magalhes Godinho e Joel Serro,5 entre outros, anunciam esse livro como sendo um dos seus clssicos, elevando-o categoria de fundamental para a compreenso da formao de Portugal. O exclusivo conhecimento de pocas identifica duas questes que ao invs de aclarar a trajetria intelectual de Joo Lcio a colocam sob sombras. A primeira associar Joo Lcio histria econmica e a segunda tom-lo apenas como um historiador da formao do Estado portugus. Essas questes, eleitas como principais, na avaliao do historiador portugu