Acesso à terra urbanizada implementação de Planos ... · ... Utilização e planejamento. 5....

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Florianópolis, 2008 Acesso à terra urbanizada implementação de Planos Diretores e regularização fundiária plena Venda Proibida Secretaria Nacional de Programas Urbanos Ministério das Cidades

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Florianópolis, 2008

Acesso à terra urbanizadaimplementação de Planos Diretorese regularização fundiária plena

Venda Proibida

Secretaria Nacionalde Programas Urbanos

Ministériodas Cidades

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Autores

Alexandra Reschke

Camila Agustini

Claudia Virginia de Souza

Cristiane Siggea Benedetto

Denise Gouvêa

Edésio Fernandes

Ellade Imparato

Gabriel Blanco

José Abílio Belo Pereira

Junia Santa Rosa

Margareth Matiko Uemura

Otilie Macedo Pinheiro

Patrícia de Menezes Cardoso

Patryck Araújo Carvalho

Paula Santoro

Paulo Somlanyi Romeiro

Pedro Jorgensen

Raquel Rolnik

Renato Cymbalista

Rosana Denaldi

Rosane Tierno

Sandra Ribeiro

Simone Gueresi

Equipe editorial

Coordenação GeralCelso Santos Carvalho (SNPU/MCidades)Denise Gouvêa (SNPU/MCidades)Renato Balbim (SNPU/MCidades)

Coordenadores dos MódulosOtilie Macedo Pinheiro– Módulo I (especialista)Cristiane Benedetto – Módulo II (especialista)

Supervisão EditorialAna Luzia Dias Pereira (SEaD/UFSC) Karine Pereira Goss (SEaD/UFSC)

Supervisão EducacionalMarivone Piana (SEaD/UFSC)

Design InstrucionalDauro Veras (SEaD/UFSC)Marina Cabeda Egger Moellwald (SEaD/UFSC)

Projeto gráfico

Márcio Judas (SEaD/UFSC)Pricila Cristina da Silva (SEaD/UFSC)Thaís de Almeida Santos (SEaD/UFSC)Victor Américo (SEaD/UFSC)

DiagramaçãoAndré Rodrigues da Silva (SEaD/UFSC)Felipe Augusto Franke (SEaD/UFSC)Pricila Cristina da Silva (SEaD/UFSC)

Editoração eletrônicaAmanda Chraim (SEaD/UFSC)Rafael de Amaral Oliveira (SEaD/UFSC)Ana Maria Elias Rodrigues (SEaD/UFSC)Juliana Schumacker Lessa (SEaD/UFSC)

IlustraçãoRenata Brandão Miguez (SEaD/UFSC)

Revisão TextualMarcelo Mendes de Souza (SEaD/UFSC)

Tiragem: 1.200 exemplares1ª Edição

A174 Acesso à terra urbanizada : implementação de planos diretores e regularização fundiária plena / Otilie Macedo Pinhero ... [et al.]; coordenação

Celso Santos Carvalho, Denise Gouvêa, Renato Balbim.

– Florianópolis : UFSC; Brasília : Ministério das Cidades, 2008.

366 p.

ISBN: 978-85-7426-018-1

1. Planejamento urbano. 2. Política fundiária. 3. Administração

publica. 4. Terras – Utilização e planejamento. 5. Educação a distância.

I. Pinheiro, Otilie Macedo.

CDU: 711.4

Catalogação na publicação por: Onélia Silva Guimarães CRB-14/071

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Governo Federal – Ministério das Cidades

PRESIDENTE DA REPÚBLICALuiz Inácio Lula da Silva

MINISTRO DE ESTADO DAS CIDADESMarcio Fortes de Almeida

SECRETÁRIO NACIONAL DE PROGRAMAS URBANOS (substituto)Benny Schasberg

CHEFE DE GABINETESandra Bernardes Ribeiro

DIRETOR DE ASSUNTOS FUNDIÁRIOS URBANOSCelso Santos Carvalho

Universidade Federal de Santa Catarina

REITORÁlvaro Toubes Prata

VICE-REITORCarlos Alberto Justo da Silva

Secretaria de Educação a Distância

SECRETÁRIO DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIACícero Barboza

COORDENAÇÃO FINANCEIRAVladimir Fey

COORDENAÇÃO ADMINISTRATIVANadia Rodrigues de Souza

SUPERVISÃO DE LINGUAGEM EM EADAna Luzia Dias Pereira

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O Curso a distância “Acesso à terra urbanizada: implementação de Planos Diretores e regularização fundiária plena”, fruto da parceria do Ministério das Cidades com a Universidade Federal de Santa Catarina, faz parte de uma das ações prioritárias do Ministério das Cidades, por meio da Secretaria Nacional de Programas Urbanos, de apoiar os municípios e estados na implementação do Estatuto da Cidade.

Nosso desafio é fortalecer a construção da política nacional de desenvolvimento urbano e de acesso à terra urbanizada para todos, rompendo com o quadro de exclusão social e degradação das nossas cidades. Para a execução dessa política, é fundamental ampliar as ações de capacitação em planejamento e gestão urbana e mobilizar entes públicos e a sociedade civil para esta missão.

O Ministério das Cidades busca, desta forma, estimular os municípios e os cidadãos a construírem novas práticas de planejamento e gestão democrática. Convidamos, portanto, a todos os alunos deste Curso a serem agentes multiplicadores, disse-minando uma nova cultura urbana mais democrática, includente, redistributiva e sustentável para os municípios brasileiros.

Marcio Fortes de Almeida

Ministro de Estado das Cidades

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A Secretaria Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades enfrenta como desafios estratégicos a implementação dos planos diretores e a ampliação das ações de regularização fundiária. Para implementar a Política Nacional de Desenvolvimento Urbano em construção, torna-se fundamental reforçar as ações de capacitação, sensi-bilização e mobilização. O Objetivo é estabelecer uma nova cultura urbana para o País, cujas bases estão referenciadas na Constituição Federal e no Estatuto da Cidade.Em 2008, pretende-se dar seqüência às ações já iniciadas de capacitação e uma de-las é a realização do segundo Curso à distância “Acesso à terra urbanizada: imple-mentação dos Planos Diretores e regularização fundiária plena”. O primeiro curso, realizado em 2006, ofereceu uma especialização para 900 alunos na temática da regularização fundiária plena. Este segundo, ampliando e incorporando o tema da implementação dos Planos Diretores, pretende aprofundar o conhecimento dos alunos a partir de dois módulos básicos. O Módulo 1 trata da implementação dos Planos Diretores, com seis aulas, enfocan-do principalmente dois desafios básicos no sentido de reverter o nosso modelo de urbanização excludente e predatório, que são: ampliar a oferta de terra urbana urbanizada e bem localizada para moradia de interesse social e implementar nos municípios um processo de planejamento e gestão eficiente e democrático.Para entender os limites e possibilidades de acesso ao solo urbano, esse Módulo co-meça pela análise do processo brasileiro de urbanização, do mercado de bens imo-biliários e da formação dos preços do solo urbano. São apresentadas as conquistas recentes tanto no marco legal quanto nas políticas públicas de implementação dos planos diretores e de ampliação do acesso à moradia e são detalhados os novos ins-trumentos colocados à disposição dos municípios para a ampliação do acesso à terra e de gestão da valorização imobiliária resultante de obras e outras ações do Poder Público. Apresenta orientações também para melhorias na gestão municipal, para que a aplicação de recursos esteja associada à política fundiária e ao controle social, particularmente, como instrumento de implementação dos Planos Diretores. O Módulo 2, com seis aulas, abordará a “regularização fundiária plena”. Apresenta-rá, inicialmente, os conceitos e as bases legais da regularização fundiária de interes-se social nas áreas urbanas e fará uma reflexão sobre a integração da regularização fundiária com o planejamento territorial.Abordará os procedimentos básicos comuns a todos os processos e instrumentos de regularização fundiáriua. Apresentará também uma visão geral e prática sobre os as-pectos que interferem nos procedimentos de registro, especialmente aqueles relacio-nados à retificação de registro dos imóveis ocupados ou parcelados irregularmente. Este Módulo ainda mostrará os procedimentos específicos de regularização fun-diária de ocupações de interesse social em áreas públicas e privadas, diferencian-do as áreas públicas da União, dos estados e dos municípios. Neste Módulo, será também detalhada a regularização dos loteamentos irregulares e clandestinos e a regularização dos conjuntos habitacionais.Assim, O Ministério das Cidades, por meio da SNPU, espera que todos os partici-pantes do Curso à distância “Acesso à terra urbanizada: implementação dos Planos Diretores e regularização fundiária plena” sejam agentes na construção da nova política nacional de desenvolvimento urbano e multiplicadores ativos na imple-mentação dos planos diretores e da regularização fundiária plena.

Benny Schasberg

Secretário Nacional de Programas Urbanos

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A segunda metade do século XX foi marcada pela rápida e desordenada migração populacional do campo para as cidades. Tal fenômeno vincula-se ao contexto de mudanças econômicas, políticas, sociais e tecnológicas de abrangência internacio-nal: crescente industrialização; aumento da produtividade agropecuária, com libe-ração de mão-de-obra; investimentos consideráveis, mas sem eqüidade, na infra-estrutura dos centros urbanos; massificação do uso do automóvel, entre outras. Três quartos da população da América Latina já vivem nas cidades. A maioria, em condições precárias.

No Brasil a urbanização ocorreu em velocidade muito superior à dos países capita-listas mais avançados. Em 1940, menos de um terço da população vivia nas cida-des. A partir da década de 1950, houve forte migração do campo para os grandes centros, em especial São Paulo e Rio de Janeiro, mas também para as capitais dos estados. Em 1970 já havia mais gente vivendo em centros urbanos que em áreas rurais. Segundo o censo demográfico do IBGE, em 2000 as cidades concentravam 81,25% dos brasileiros.

A acelerada transformação do Brasil em país urbano foi marcada pela desigualda-de de oportunidades, privando a população de menor renda de condições básicas para uma vida digna. Conseqüências do “inchaço” das cidades podem ser acompa-nhadas no noticiário e vividas no cotidiano: violência; desmoronamento de mo-radias em áreas de risco; precariedade no transporte; falta de infra-estrutura para educação, cultura e lazer; problemas de saúde pública pela ausência de saneamen-to básico e pela destinação inadequada de lixo etc.

Por diversos motivos, tem sido limitada a capacidade dos municípios de planejar e gerir seu território. Faltam referências regionais e nacionais de planejamento. Falta também, é preciso reconhecer, experiência na construção de projetos com parti-cipação democrática efetiva das comunidades. Por outro lado, nos últimos anos a conjuntura política, administrativa e econômica tornou-se mais favorável a avanços na estrutura fundiária. A Constituição de 1988 e o Estatuto da Cidade criaram um arcabouço legal para alavancar o desenvolvimento sustentável em áreas urbanas. Há experiências positivas que podem e devem ser disseminadas.

O curso a distância Acesso à Terra Urbanizada, promovido pela Secretaria Nacio-nal de Programas Urbanos do Ministério das Cidades em parceria com a Univer-sidade Federal de Santa Catarina, é uma contribuição relevante para enfrentar o problema com soluções factíveis. Nós da UFSC nos sentimos gratificados em dar suporte técnico-pedagógico para qualificar profissionais que colocarão seus co-nhecimentos a serviço da sociedade brasileira.

Álvaro Toubes Prata

Reitor da Universidade Federal de Santa Catarina

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Sumário

Módulo I ......................................................................................19Aula 01 Acesso ao solo urbano: limites e possibilidades ................ 21Aula 02 O mercado imobiliário e a formação dos preços do solo ................................................... 51Aula 03 Gestão social da valorização da terra ..................................... 77Aula 04 Instrumentos de ampliação do acesso à terra urbanizada ........................................................103Aula 05 Acesso à moradia ........................................................................131Aula 06 Gestão Urbana Integrada e Participativa e a implementação dos Planos Diretores ..............................161

Módulo II ...................................................................................187Aula 07 Regularização de assentamentos informais: o grande desafio dos governos e da sociedade ..............189Aula 08 A regularização fundiária plena: questões comuns a todos os processos .............................213Aula 09 O registro imobiliário: conceitos e bases legais ...............239Aula 10 Regularização fundiária de ocupações em áreas públicas ...............................................279Aula 11 Regularização fundiária de interesse social em áreas privadas ............................................................315Aula 12 Regularização fundiária de interesse social de loteamentos e conjuntos habitacionais ...........333

Autores .............................................................................................................361

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Guia do Curso

Você está iniciando o Curso Acesso à Terra Urbanizada: Implementa-ção de Planos Diretores e Regularização Fundiária Plena, promovido pela Secretaria Nacional de Programas Urbanos do Ministério das Cidades, em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina.

O Curso está organizado em doze aulas que serão desenvolvidas ao longo de doze semanas. Neste Curso você encontrará subsídios para:

Identificar os limites e possibilidades de ampliação do acesso à •terra urbanizada.

Conhecer e analisar os instrumentos de gestão social da valorização •da terra.

Abordar diferentes aspectos relativos à regularização fundiária e •aos planos diretores municipais.

Incentivar a elaboração de planos diretores participativos que •visam a função social da propriedade.

Aprofundar estudos sobre a questão fundiária na política habita • cional e urbana do país e as formas de acesso à moradia.

Divulgar o conhecimento e a compreensão do Estatuto da Cidade. •

Buscar alternativas para o mercado de terra, a recuperação de cus •tos e a auto-sustentabilidade na provisão de infra-estrutura básica.

Incentivar a elaboração de uma proposta de gestão urbana inte •grada e participativa.

Abordar as questões relacionadas à regularização fundiária de assenta- •mentos informais de interesse social, com ênfase em terras públicas.

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Material impresso

Este é o “livro-base” do Curso. Nele você encontrará o conteúdo das doze aulas com as indicações de leituras complementares e das atividades que você vai realizar no Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem (AVEA), como os fóruns e os chats. Outros quatro livros, elaborados pele MCidades, comple-mentam os conteúdos desenvolvidos neste livro. São eles:

Para avançar na Regularização Fundiária.

Biblioteca Jurídica de Regularização Fundiária Plena

Manual da Regularização Fundiária Plena

Regularização Fundiária Plena: referências conceituais

O livro-base é composto por dois Módulos, cada um com seis aulas.

O Módulo I, Acesso à Terra Urbanizada: Implementação dos Planos Diretores, aborda aspectos relativos à implementação do Estatuto da Ci-dade e do plano diretor municipal. Partindo do processo de urbanização brasileiro, você vai conhecer os limites e as possibilidades de acesso ao solo urbano; o mercado de terras e a infra-estrutura básica sustentável; os instrumentos de gestão social da valorização da terra e de ampliação do acesso à terra urbanizada; o acesso à moradia; e uma proposta de gestão urbana integrada e participativa.

O Módulo II, Regularização Fundiária de Interesse Social, aborda con-ceitos, bases legais e exemplos dos procedimentos comuns a todos os pro-cessos de regularização fundiária plena.

Recursos didático-pedagógicos

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O livro-base contém uma série de ícones que sinalizam momentos distin-tos de uma aprendizagem à distância: indicação de leituras complementa-res e de atividades que serão desenvolvidas no AVEA

Atividades – Indicação das atividades que você deverá desenvolver, muitas vezes, com seus co-

legas.

iSaiba mais – Informações mais detalhadas sobre o assunto em questão, muitas vezes, com referências bibliográficas para leituras complementares.

@

Link – Indicação de endereços eletrônicos relacionados ao con-teúdo exposto, nos quais você encontrará informações adicio-nais sobre determinados temas.

Fórum – Indicação de questões específi-

cas que estarão posta-das no AVEA e que de-verão ser debatidas por você e por seus colegas.

Música – Indicação de músicas, pos-

tadas no AVEA, que serão utilizadas no de-senvolvimento de ativi-dades propostas.

Chat – Indicação das temáticas que serão

desenvolvidas nos chats virtuais programados para o Curso.

Biblioteca Virtual - Indicação dos arqui-

vos, com leituras com-plementares, que estão postados no AVEA.

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Ambiente Virtual de Ensino e Aprendizagem (AVEA)

O AVEA é um espaço virtual interativo no qual você irá desenvolver as atividades propostas no Curso. É neste espaço, por exemplo, que ficam pos-tados os arquivos e materiais que você utilizará no Curso. É também por meio deste espaço que você vai interagir com os seus colegas, tutores, pro-fessores e monitores. Acesse o AVEA do curso periodicamente para que você saiba quais os temas e horários dos chats programados.

Serviço de apoio ao estudante

Tutoria

Neste Curso, você contará com um(a) tutor(a), que estará à sua dis-posição para orientá-lo(a) a respeito dos procedimentos para a utilização do AVEA e a realização das atividades propostas. O papel do tutores é fundamental na Educação a Distância, pois são eles que mantêm uma co-municação dinâmica e constante com você, motivando-o(a) a participar das atividades do Curso. Eles disponibilizam o material pedagógico, corri-gem as atividades, organizam, divulgam e interagem com você nos chats e fóruns. Enfim, eles estão sempre dispostos a auxiliá-lo em seu processo de estudo, orientando-o(a) individualmente e em pequenos grupos.

Monitoria

Os monitores(as) são responsáveis pelo esclarecimento de dúvidas admi-nistrativas e relacionadas ao desenvolvimento do Curso, como, por exemplo:

atualização de dados cadastrais; •

problemas com logins e senhas para acessar o AVEA; •

confirmação de horários de • chats;

confirmação de dados para organização e envio dos certificados •de conclusão do Curso.

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É importante saber

Cada tutor será responsável por um mesmo grupo de estudantes do início ao fim do Curso.

Quando o Curso começar você será contactado, por e-mail, pelo seu tutor. Assim, você será informado sobre seu horário de atendimento.

Procure entrar em contato com seu tutor no horário de atendimento, para que ele possa acompanhar seus estudos mais sistematicamente e fa-cilitar a troca de informações.

Seu tutor fará contatos periódicos com você para acompanhar o anda-mento de seus estudos. Por isso, é importante manter seus dados cadas-trais e endereço eletrônico atualizados.

Processo de avaliação

É importante que você participe das atividades propostas no livro-base e indicadas no AVEA para que o seu processo de aprendizagem seja real-mente proveitoso. Além disso, você irá desenvolver as atividades propos-tas nas duas Fichas Tarefa que serão disponibilizadas no AVEA – a primei-ra até o final da Aula 6 e a segunda, até o final da Aula 12.

Critérios para a certificaçãoParticipar de, no mínimo, três fóruns de conteúdo. •

Participar de, no mínimo, três • chats.

Entregar, por • e-mail e para o seu tutor, as Fichas Tarefas preen- chidas. Aguarde contato para saber como você desenvolverá estas tarefas e também para saber quais são as datas limites para o envio destas atividades de avaliação.

Contato Secretaria de Educação a Distância – Universidade Federal de Santa Catarina Rua Dom Joaquim, 757 - Centro - CEP 88015-310 - Florianópolis – SCFone (48) 3952.1900 - Fax (48) 3224.8869 http://www.sead.ufsc.br ou http://www.sead.ufsc.br/[email protected]

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Módulo I

O Módulo I, com seis aulas, aborda diversos aspectos relativos à implementação do Es-tatuto da Cidade e do plano piretor munici-pal, que tem como maiores desafi os o aces-so à terra urbana e o modelo de gestão dos municípios. Partindo do processo de urba-nização brasileiro, você irá estudar: limites e possibilidades de acesso ao solo urbano; o mercado de terras e a formação do preço do solo urbano; os instrumentos de gestão social da valorização da terra e de amplia-ção do acesso à terra urbanizada; o acesso à moradia; e uma proposta de gestão urbana integrada e participativa.

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Nesta aula, você verá que o processo de urbanização brasileiro acirrou as desigualdades e privou a população de menor renda de condições básicas para inserção efetiva na cidade. Por diversos motivos, tem sido limitada a capacidade dos municípios de plane-jar e gerir seu território. Faltam referências regionais e nacionais de planejamento. Mas este quadro pode mudar.Você terá a oportunidade de conhecer como a Constituição e o Es-tatuto da Cidade apostaram em uma política fundiária com planeja-mento participativo local, que pudesse ampliar o acesso à moradia digna. A elaboração dos Planos Diretores foi um processo coletivo de reconhecimento do território, de seus limites e vulnerabilidades, e dos interesses confl itantes. Mas nem todos esses planos foram de fato par-ticipativos ou contêm instrumentos para transformar a realidade.Vamos ver a importância de disponibilizar solo urbano em quan-tidade e concondições adequadas para a produção de moradias. E também como as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) e outros instrumentos, presentes em mais de 70% dos Planos Di-retores Participativos, podem facilitar a integração em defi nitivo dos assentamentos informais populares à cidade e, principalmen-te, possibilitar o uso de vazios urbanos para a produção de novas moradias. Ressaltamos que atualmente há um contexto socio-político favorável e abundância de créditos e subsídios para a po-pulação de rendas mais baixas e alertamos que a aplicação destes recursos só terá efeitos positivos se ocorrer associada à política fundiária, ao controle social e à melhoria na gestão municipal.

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Aula 01

Acesso ao solo urbano: limites e possibilidades

Raquel Rolnik

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A dura realidade dos moradores da periferia do Recife, em contraste com o lado “cartão-postal” da cidade, foi retratada em canções da banda

Chico Science e Nação Zumbi, que, na década de 1990, promoveu uma renovação artística e estética na música brasileira com o movimento cultural

manguebeat. Você pode ouvir esta música no AVEA.

A CIDADE - Chico Science

O sol nasce e ilumina as pedras evoluídas, Que cresceram com a força de pe-dreiros suicidas. Cavaleiros circulam, vigiando as pessoas, Não importa se são ruins, nem im-porta se são boas.

E a cidade se apresenta centro das ambições, Para mendigos ou ricos, e outras armações. Coletivos, automóveis, motos e metrôs, Trabalhadores, patrões, policiais, camelôs.

A cidade não pára, a cidade só cresce O de cima sobe e o debaixo desce. A cidade não pára, a cidade só cresce O de cima sobe e o debaixo desce.

A cidade se encontra prostituída, Por aqueles que a usaram em busca de saída. Ilusória de pessoas e outros lugares, A cidade e sua fama vai além dos mares.

No meio da esperteza internacional,

A cidade até que não está tão mal. E a situação sempre mais ou menos, Sempre uns com mais e outros com menos.

A cidade não pára, a cidade só cresce O de cima sobe e o debaixo desce. A cidade não pára, a cidade só cresce O de cima sobe e o debaixo desce.

Eu vou fazer uma embolada, um samba, um maracatu Tudo bem envenenado, bom pra mim e bom pra tu. Pra gente sair da lama e enfrentar os urubus. Eu vou fazer uma embolada, um samba, um maracatu Tudo bem envenenado, bom pra mim e bom pra tu. Pra gente sair da lama e enfrentar os urubus.

Num dia de sol, Recife acordou Com a mesma fedentina do dia anterior.

A cidade não pára, a cidade só cresce O de cima sobe e o debaixo desce. A cidade não pára, a cidade só cresce O de cima sobe e o debaixo desce.

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Aula 01

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Introdução

A urbanização brasileira: expressão territorial das desigualdades

Em um dos movimentos sócio-territoriais mais rápidos e intensos de que se tem notícia, a população brasileira passou de predominantemen-te rural para majoritariamente urbana. Este movimento – impulsionado pela migração de um vasto contingente de pobres – ocorreu sob a égide de um modelo de desenvolvimento urbano, que basicamente privou as faixas de menor renda da população de condições básicas de urbanidade ou de inserção efetiva à cidade.

Hoje, em nosso País, mais de 80% da população é considerada urbana, em um modelo de urbanização que concentrou 60% desta em 224 municí-pios com mais de 100 mil habitantes, dos quais 94 pertencem a aglomerados urbanos e regiões metropolitanas com mais de um milhão de habitantes.

No vasto e diverso universo de 5.564 municipalidades, são raras as ci-dades que não têm uma parte significativa de sua população vivendo em assentamentos precários. De acordo com os dados do Censo Demográ-fico, estão nesta condição aproximadamente 40,5% do total de domicílios urbanos brasileiros, ou 16 milhões de famílias, das quais 12 milhões são famílias de baixa renda, que auferem renda familiar mensal abaixo de cin-co salários mínimos.

Considerando os dados apresentados acima, universalizar a condição adequada de moradia – pelo menos no que diz respeito a seus aspectos urbanísticos e de plena segurança fundiária – implicaria, por um lado, ur-banizar, introduzindo melhorias urbanísticas e habitacionais em pelo me-nos 10,2 milhões de domicílios, e, por outro, produzir 6 milhões de novas unidades para substituir moradias extremamente precárias e superar o adensamento excessivo. A natureza deste desafio fica mais clara quando se analisa a distribuição destes déficits por renda. O universo dos assentamen-tos precários é marcadamente também o território da pobreza nas cidades. Embora existam loteamentos irregulares ou sem infra-estrutura completa de renda média e alta, a grande concentração da precariedade está nas fai-xas de baixa renda. Para provisão de novas moradias, este porcentual é de 83% do total; para água potável e afastamento do esgoto, é de 60%; apenas

Definição da ONU do que é um assentamen-to precário: trata-se de um assentamento contíguo, caracteriza-do por condições ina-dequadas de habitação e/ou serviços básicos. Um assentamento pre-cário é freqüentemente não reconhecido/con-siderado pelo poder público como parte in-tegral da cidade. Cinco componentes refletem as condições que carac-terizam os assentamen-tos precários:

status residencial 1. inseguro;

acesso inadequado 2. à água potável;

acesso inadequado 3. a saneamento e infra-estrutura em geral;

baixa qualidade 4. estrutural dos do-micílios e

adensamento ex-5. cessivo.

Em um assentamento precário, os domicílios devem atender pelo menos uma das cinco condições acima.

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para tratamento de esgoto em áreas que já possuem esgoto coletado, este percentual diminui, já que esta carência é mais generalizada. Mais de 70% dos esgotos gerados nas áreas urbanas não recebiam, em 2002, qualquer tipo de tratamento (Ministério das Cidades - Cidades para Todos, 2004).

Assentamentos irregulares

A ilegalidade é também uma das marcas da cidade brasileira, para além das metrópoles. Embora não exista apreciação segura do número total de famílias e domicílios instalados em favelas, loteamentos e conjuntos habi-tacionais irregulares, loteamentos clandestinos e outras formas de assenta-mentos marcados por alguma forma de irregularidade administrativa e pa-trimonial, é possível afirmar que o fenômeno está presente na maior parte da rede urbana brasileira. A pesquisa Perfil Municipal (MUNIC-IBGE 2000) revela a presença de assentamentos irregulares em quase 100% das cidades com mais de 500 mil habitantes e em 80% das cidades entre 100 mil e 500 mil. Até nos municípios com menos de 20 mil habitantes, os assentamen-tos informais aparecem em mais de 30% dos casos. Estimativas realizadas pelo Ministério das Cidades, a partir de cruzamentos de dados censitários, indicam que mais de 12 milhões de domicílios, habitados por famílias com renda mensal até cinco salários mínimos, encontram-se nesta condição.

BRASIL URBANO 80% dos brasileiros vivem nas cidades 60% moram em municípios com mais de 100 mil habitante Quatro em cada 10 domicílios são assentamentos precários 16 milhões de famílias vivem em assentamentos precários Há assentamentos irregulares em quase todas as cidades com mais de 500 mil habitantes e em 80% das cidades entre 100 mil e 500 mil

Excluídos do marco regulatório e dos sistemas financeiros formais, os assentamentos irregulares se multiplicaram em terrenos frágeis ou em áreas não passíveis de urbanização, como encostas íngremes e áre-as inundáveis, além de constituírem vastas franjas de expansão periférica sobre zonas rurais, eternamente desprovidas de infra-estruturas, equipa-mentos e serviços que caracterizam a urbanidade. Ausentes dos mapas e cadastros de prefeituras e concessionárias de serviços públicos, inexisten-tes nos registros de propriedade nos cartórios, estes assentamentos têm uma inserção no mínimo ambígua nas cidades onde se localizam. Modelo dominante de territorialização dos pobres nas cidades brasileiras, a con-

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solidação destes assentamentos é progressiva, eternamente incompleta e totalmente dependente de uma ação discricionária do poder público – já que para as formas legais de expressão de pertencimento à cidade estes assentamentos simplesmente não existem.

A presença deste vasto contingente de assentamentos inseridos de for-ma ambígua na cidade é uma das mais poderosas engrenagens da máquina de exclusão territorial que bloqueia o acesso dos mais pobres às oportu-nidades econômicas e de desenvolvimento humano que as cidades oferecem. Essa situação de exclusão é muito mais do que a expressão da desigualdade de renda e das desigualdades sociais: ela é agente de reprodução dessa desigualdade. Em uma cidade dividida entre a porção le-gal, rica e com infra-estrutura e a ilegal, pobre e precária, a população que está em situação desfavorável acaba ten-do pouco acesso a oportunidades de trabalho, cultura ou lazer. Simetricamente, as oportunidades de crescimento circulam nos meios daqueles que vivem melhor, pois a so-breposição das diversas dimensões da exclusão incidindo sobre a mesma população fazem com que a permeabili-dade entre as duas partes seja muito pequena.

Além disso, este modelo alimenta, de forma permanente, relações políticas marcadas pela troca de favores e manutenção de clientelas, li-mitando o pleno desenvolvimento de uma democracia verdadeiramente includente. Finalmente, o modelo condena a cidade como um todo a um padrão insustentável do ponto de vista ambiental e econômico, já que im-põe, para o conjunto da cidade, perdas ambientais e externalidades muito difíceis de recuperar. Esses processos geram efeitos nefastos para as cida-des, alimentando a cadeia do que poderíamos chamar de um urbanismo de risco, que atinge as cidades como um todo.

Caos no transporte

Ao concentrar todas as oportunidades em um fragmento da cidade e estender a ocupação a periferias precárias e cada vez mais distantes, esse urbanismo de risco vai acabar levando multidões para trabalhar nessa parte da cidade e devolvê-las a seus bairros no fim do dia, gerando, assim, uma necessidade de circulação imensa, o que, nas grandes cidades, tem gera-do caos diário nos sistemas de circulação. E quando a ocupação das áreas

Para refletir e debater

Como a exclusão territorial e a de-sigualdade se manifestam na sua cidade? De que forma isso se reflete no cotidiano dos habitantes e no seu próprio? Acesse o espaço Fóruns de Conteúdo, no AVEA do nosso Curso, e participe do Fórum em que discutiremos essas questões. Com-partilhe sua opinião com os seus colegas! O conhecimento que você tem sobre o seu município é fundamental para que pensemos juntos sobre as reais necessida-des de desenvolvimento do nosso País!

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frágeis ou estratégicas do ponto de vista ambiental provoca enchentes ou erosão, é evidente que quem vai sofrer mais é o habitante desses locais, mas as enchentes, a contaminação dos mananciais, os processos erosivos mais dramáticos, enfim, atingem a cidade como um todo.

Além disso, a pequena parte melhor infra-estruturada e qualificada da cidade acaba sendo objeto de disputa, de cobiças imobiliárias. A escassez de áreas de maior qualidade leva às alturas os preços de terra dessas áreas, mas os preços de terras periféricas sobem também, pois se coloca em cur-so um motor de especulação imobiliária que não existiria com essa força se a qualidade urbana fosse mais distribuída pela cidade. E, logicamente, quanto maior o preço da terra, menor a capacidade de o poder público intervir como agente no mercado (ROLNIK 1997).

O drama da multiplicação desses habitats precários, inacabados e inse-guros vem à tona quando barracos desabam, em conseqüência de chuvas intensas, e quando eclodem crises ambientais, como o comprometimento de áreas de recarga de mananciais, em função de “ocupação desordenada”.

Na ausência desses episódios, no entanto, parece “natural” o apartheid que partiu nossas cidades em “centros” e “periferias”. O primeiro é o am-biente dotado de infra-estrutura completa, no qual estão concentrados o comércio, os serviços e os equipamentos culturais, e onde todas as residên-cias de nossa diminuta classe média têm escritura devidamente registrada em cartório. Já a “periferia” é o lugar feito exclusivamente de moradias de pobres, precárias, eternamente inacabadas e cujos habitantes raramente têm escrituras de propriedade.

São usuais, nos momentos em que voltam à mídia os dramas das “pe-riferias” e das “favelas”, as análises que culpam o Estado por não ter plane-jado, por não ter política habitacional ou mesmo por ter “se ausentado”. Entretanto, é flagrante o quanto o planejamento, a política habitacional e de gestão do solo urbano têm contribuído para construir este modelo de exclusão territorial.

Hoje, as áreas “de mercado” são reguladas por um vasto sistema de normas, contratos e leis, que tem quase sempre como condição de entra-da a propriedade escriturada, fruto da compra e venda. São essas as bene-ficiárias do crédito e as destinatárias do “Habite-se”. Os terrenos que a lei permite urbanizar, assim como os financiamentos que a política habitacio-nal praticada no País tem disponibilizado, estão reservados ao restrito cír-culo dos que têm dinheiro e propriedade da terra. A política habitacional

Palavra originária da lín-gua africânder, apartheid refere-se à segregação e discriminação político-econômica contra a po-pulação não-branca na África do Sul durante a maior parte do século XX. Por extensão de sentido, qualquer tipo de segre-gação (Dicionário Hou-aiss; Merriam-Webster; Encyclopedia Britannica).

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de interesse social tem reforçado a exclusão dos mais pobres, ao localizar estes conjuntos em periferias distantes e precárias.

Para as maiorias, sobram os mercados informais e irregulares, em terras que a legislação urbanística e ambiental não disponibilizou para o mercado formal: áreas de preservação, zonas rurais, áreas non-edificandi, parcelamentos irregulares.

Clientelismo

Invisíveis para o planejamento e a legislação, as “periferias” e “favelas” do País estão, há décadas, sendo objeto de micro-investimentos em infra-estrutura, que, diante da ambigüidade de inserção legal destes assenta-mentos à cidade, são vividas por beneficiários e concedentes como favores a serem recompensados por lealdades políticas. Este tem sido, inequivo-camente, um dos mecanismos mais poderosos de geração de clientelas nas cidades e regiões metropolitanas.

O quadro acima descrito revela a magnitude do desafio a enfrentar – trata-se de um desafio que requer a mobilização de quantidades conside-ráveis de recursos para investimentos dirigidos à melhoria de qualidade do habitat de uma população com baixíssima capacidade de retorno. Por outro lado, o desafio está longe de se resumir a uma equação financeira: a máquina de exclusão territorial tem, como vimos, enorme correlação com a concentração de renda e poder em nossa sociedade. Desta forma, a cons-trução de cidades mais equilibradas, eficientes e justas requer a implemen-tação de políticas urbanas que, além de mobilizarem recursos financeiros, introduzam mecanismos permanentes de acesso à terra legal e formal por parte dos mais pobres, redesenhando a natureza e os instrumentos até ago-ra em vigor no campo da gestão do solo urbano em nossas cidades.

Solo urbano e habitação de interesse social: a questão fundiária na política habitacional e urbana do País

Parece haver um consenso entre os estudiosos e formuladores de po-líticas habitacionais, no Brasil e na esfera internacional, de que o solo urbano deva ser um dos componentes essenciais da política e que sua dis-ponibilidade em quantidade e condições adequadas para a promoção de

Clientelismo é a tro-ca de favores entre quem detém o poder e quem vota (Dicioná-rio Houaiss).

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programas e projetos de moradia é fun-damental para seu êxito. No entanto, po-líticas de solo voltadas para dar suporte a programas de promoção habitacional raramente escaparam do binômio desa-propriação/localização periférica, muitas vezes através de operações de conversão de solo rural em urbano.

Na experiência brasileira, desde os arranjos financeiros formulados nos anos 1960 no âmbito do Sistema Financeiro da Habitação (SFH), o componente solo – condicionante da localização dos empre-endimentos, da sua inserção na cidade e do acesso a equipamentos e serviços – foi delegado aos municípios e aos agentes promotores dos conjuntos habitacionais. Mesmo durante os dez anos (1976-1986) em que o Banco Nacional da Habitação (BNH) implementou uma política de terras, esta foi focalizada na aquisição de terrenos, através de financiamentos espe-cíficos para formação de bancos de terras por parte dos agentes do SFH e compras diretas pelo BNH, não chegando a impac-

tar de forma significativa a localização e inserção dos conjuntos nas cidades. Embora em alguns períodos, como o início dos anos 80, quando foi criado o Departamento de Terras do BNH, o estoque tenha atendido a quase 50% do total de terras consumidas pelos projetos habitacionais de interesse so-cial em algumas conjunturas, a maior parte da produção se deu em terre-nos comprados no âmbito do próprio financiamento, e geralmente:

(...) as aquisições eram feitas quase sempre de forma isolada, mais influen-ciadas pelas ofertas dos terrenos, e destacadamente por seus custos. Em con-seqüência, os terrenos financiados encontravam-se cada vez mais distantes dos centros urbanos, em áreas nem sempre prioritárias para o crescimento físico das cidades, e que exigiam investimentos adicionais por parte do poder público, para o provimento dos serviços necessários (SERPA, 1988, p. 67).

i Saiba mais sobre a trajetória da política habitacional:

ARRETCHE, Marta T. S. “Intervenção do Estado e Setor Privado: o Modelo Brasileiro de Política Habita-cional”. In: Espaço & Debates, ano X, no. 31, 1990.

AZEVEDO, S. e ANDRADE, L.A. Habitação e Po-der: da fundação da casa popular ao Banco Nacio-nal da Habitação. Rio de Janeiro: Zahar, 1981

BOLAFFI, Gabriel. A Casa das Ilusões Perdidas: aspectos socioeconômicos do Plano Brasileiro de Habitação. São Paulo: Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, 1977.

BONDUKI N. Origens da habitação social no Bra-sil. São Paulo: Estação Liberdade, 1998.

MARICATO, Ermínia T. M. Indústria da Construção e Política Habitacional. São Paulo: Tese de Doutorado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – USP, 1983;

MELO, Marcus André B. C. de. “Estruturação intra-urbana, regimes de acumulação e Sistemas Finan-ceiros da Habitação: Brasil em perspectiva compara-da”. In: Espaço & Debates, ano X, no. 31, 1990.

NAKANO, Anderon Kazuo. Quatro COHABs da Zona Leste de São Paulo: Territórios, Poder e Se-gregação. Dissertação de Mestrado. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo – USP, 2002.

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Especulação imobiliária

Avaliação qualitativa da inserção urbana dos terrenos realizada no âmbito do próprio BNH em 1985 revelou que menos de 10% dos terrenos adquiridos para a construção de conjuntos habitacionais estavam situados dentro da malha urbana ou eram imediatamente contíguos a ela. Estes ter-renos eram dotados de acesso e transporte, e servidos pelo menos por abas-tecimento de água e energia elétrica (SERPA, op. cit., p. 99). Por outro lado, o controle de custos de produção por parte dos agentes financeiros, aliado às limitações dos tetos de financiamento nos programas habitacionais de baixa renda (integralmente voltados para a aquisição da propriedade individual da casa ou apartamento), transformou o preço dos terrenos no principal elemento de sobrelucro para os promotores imobiliários do Sistema. Isso se refletiu também em aumento de preços de terrenos em função do aumento da demanda provocada pela política oficial. Já em 1975, ao avaliar os impas-ses da política habitacional brasileira, assim escrevia Gabriel Bolaffi:

O fenômeno só encontra explicação no fato de que uma parte consi-derável da riqueza criada no país transfere-se continuamente dos cofres públicos para aqueles dos proprietários de imóveis, sem que para isso seja necessário qualquer tipo de ação empresarial, nenhum investimento produtivo, nenhuma espécie de risco. O mecanismo que opera esta ilu-sória partenogênese da riqueza é criado e alimentado pelo próprio poder público, quando deixa de cobrar, por meio de impostos adequados, os investimentos que realiza nos serviços públicos, responsáveis pela valo-rização imobiliária. (...) As conseqüências dessa prática governamental não se limitam a uma flagrante iniqüidade tributária, mas transformam a propriedade imobiliária no santuário da especulação parasitária que persegue o lucro sem risco. A demanda de terrenos urbanos adquire uma dimensão especulativa, parcelas consideráveis de terrenos urbani-zados são retidas ociosas, as cidades se espalham, os custos de implanta-ção e operação de serviços públicos se elevam e, sobretudo, se elevam os custos da habitação. (...) A política fundiária no Brasil, cuja principal característica é a ausência de impostos significativos sobre a propriedade imobiliária, se transforma assim no principal mecanismo por meio do qual os capitais provenientes da arrecadação tributária são transferidos aos proprietários de casas e terrenos (BOLAFFI, 1979, p. 66 e 67).

Na formulação do modelo de financiamento do desenvolvimento ur-bano do Governo Federal, que em 1964 criou o BNH, o locus de de-finições do ordenamento territorial urbano deveria ser o Plano Diretor municipal. No modelo proposto o BNH, estaria vinculado ao Serviço Fe-deral de Habitação e Urbanismo (SERFHAU), este encarregado de definir o marco regulatório e financiar a elaboração dos Planos Diretores muni-cipais com os recursos do próprio banco, através de um Fundo de Finan-

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ciamento ao Planejamento. Esta proposta, assim como parte do modelo de construção de uma política nacional de habitação e urbanismo, fazia parte das propostas do Seminário Nacional de Habitação e Reforma Ur-bana, realizado em 1963 no contexto dos debates das grandes reformas sociais nacionais: agrária, da saúde, da educação, da cultura, entre outras. Entretanto, o contexto político nacional mudara radicalmente entre 1963, quando o seminário foi realizado, e 1964, quando, por meio de um golpe, uma junta militar assumiu o poder (MARICATO, 2001).

A construção de cidades mais justas requer políticas urbanas de aces-so à terra, bem localizada, legal e formal por parte dos mais pobres.

O modelo proposto – a promoção de um sistema de planejamento local que daria suporte às intervenções no campo dos investimentos urba-nos – opunha-se frontalmente a todo o sistema de planejamento e execu-ção orçamentária montado no País, baseado na concentração de recursos nas mãos do Governo Federal, depois da reforma tributária de 1966/67 (MONTE-MÓR, 2006), limitando as possibilidades de avanço na capaci-dade de gestão e financiamento dos governos locais. É neste momento também que o BNH assume a gestão dos recursos do FGTS, tornando-se o maior banco de segunda linha do País, encarregado de arrecadar recur-sos financeiros para em seguida transferi-los a agentes privados interme-diários, transformando-se, assim, no locus da política habitacional e de desenvolvimento urbano.

Visão setorialista x visão globalista

No início dos anos 70, no bojo do processo de elaboração do II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), um capítulo foi dedicado à Política de Desenvolvimento Urbano. Naquele momento, segundo um dos planeja-dores envolvidos na tarefa, era evidente o embate de duas concepções: “uma procurando lidar com o espaço brasileiro como uma totalidade manifesta no terri-tório e outra com uma visão segmentada do urbano, entendida como a somatória da habitação, do transporte, do saneamento básico, da gestão administrativa, das finanças. Visão que propiciava de imediato uma ação sobre a política urbana dos distintos grupos de interesse em cada um destes setores. Esta visão, setorialista, foi a vencedora e a globalista, portanto geográfica, foi derrotada” (SOUZA, 1999).

Em 1974, o SERFHAU é extinto e toda atividade de planejamento na área de desenvolvimento urbano no âmbito do Governo Federal se con-substancia no planejamento setorial, basicamente através do Plano Nacio-

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nal de Habitação Popular (PLANHAP) e do Plano Nacional de Saneamento (PLANASA), que se tornam marcos re-ferenciais de atuação do BNH, com me-tas quantitativas de produção na área de habitação e saneamento.

A combinação perversa de uma gestão local frágil e de uma enorme con-centração de recursos em um banco, cuja atuação foi estruturada por uma visão setorialista e cuja implantação estava sob responsabilidade dos agentes intermediários, transformou a elaboração de Planos de Desenvolvimento Urbano em meros documentos acessórios de justificação de investimentos setoriais, paralelos e externos à própria gestão local, definidos e negociados em esferas e circuitos que pouco ou nada tinham a ver com esta.

Soma-se, nas cidades, o enorme poder econômico e político dos pro-prietários de imóveis, sobretudo daqueles cuja atividade econômica está diretamente ligada ao mercado imobiliário, tanto de sua produção como de seu financiamento e gerenciamento dos ativos. Empreendedores imo-biliários, empreiteiros de obras públicas e concessionários de serviços dia-logam permanentemente com os executivos e legislativos municipais, e sobre estes exercem grande pressão e influência.

Zoneamento

Quanto mais se instalavam no espaço das cidades as contradições e a desigualdade, mais restrita se tornava a intervenção do planejamento, que permanecia lidando com modelos ideais, pressupondo um território sem tensões ou conflitos. O instrumento que hegemoniza a prática do planeja-mento nesse período é o zoneamento, que significa a divisão do conjunto do território urbanizado (ou a ser urbanizado) em zonas diferenciadas, para as quais são aplicados parâmetros de uso e ocupação específicos. Essa estra-tégia baseia-se na idéia da definição de um modelo de cidade ideal, traduzi-do em índices como taxas de ocupação, coeficientes de aproveitamento, tama-nhos mínimos de lotes, etc. – linguagem construída no interior da lógica de renta-bilidade econômica do solo e, portanto, diretamente ligada à lógica do mercado.

iA meta do PLANHAP era a extinção do chamado “déficit habitacional”, com a construção de 2 mi-lhões de moradias para famílias com renda até três salários mínimos.

iA história da chegada do zoneamento ao Brasil, e da sua utilização cada vez mais autônoma enquanto instrumento de planejamento urbano, está contada em Planejamento e Zoneamento (Sarah Feldman, Tese de doutoramento, FAUUSP, 1996).

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Os planos e projetos continuaram a ser feitos, mas na vida cotidiana das cidades o planejamento se explicitava apenas sob a forma de zonea-mento, ficando os ambiciosos planos quase sempre na gaveta dos órgãos públicos. É curioso lembrar que a década de 1970, de grande crescimento da informalidade, das favelas e dos loteamentos clandestinos, é também a década dos grandes planos diretores, dos planos metropolitanos, que se propunham a dirigir e articular todas as políticas setoriais sob a batuta do planejamento urbano.

A adoção de padrões urbanísticos exigentes e de difícil compreensão e a alta complexidade dos planos fazem parte de um quadro de hegemonia de uma visão tecnocrática na legislação urbanística. Isso significa o trata-mento da cidade como um objeto puramente técnico, no qual a função da lei seria apenas a de estabelecer os padrões satisfatórios de qualidade para seu funcionamento. Ignoram-se, dessa forma, qualquer dimensão que re-conheça conflitos e a realidade da desigualdade das condições de renda e sua influência sobre o funcionamento dos mercados imobiliários urbanos.

Diante da primazia da tecnocracia, míngua a esfera da política, ou seja, a permeabilidade da lei a processos e pressões vindos dos diversos setores da sociedade, cuja atuação visa à intervenção nos campos da tomada de decisão. Dificultando a explicitação de forças e setores excluídos da legali-dade, a regulação acaba contemplando aqueles que já estão contemplados, ou seja, a minoria de alta renda. A tecnocracia, ou a impermeabilidade à política, na verdade favorece a captura dos mecanismos legais por parte dos mais poderosos.

A combinação destas condições é o conhecido quadro de ausência de políticas fundiárias redistributivas ou de ampliação de acesso à terra para moradia popular em nível federal sequer como conteúdo do plane-jamento e gestão locais. Este quadro permaneceu inalterado, tendo sido impactado, nos anos 80, pela falência do BNH e pela queda no nível de investimentos no setor, e, do ponto de vista político, pelo movimento pela redemocratização do País, do qual os movimentos sociais urbanos consti-tuíram parte de sua base popular.

Planejamento urbano e democracia

Nos anos 80, a democratização do País veio acompanhada de avanços no campo da política urbana, especialmente no reconhecimento do direi-to à moradia e à cidade, no incremento dos processos de participação ci-

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dadã e na incorporação dos mais pobres como interlocutores das políticas urbanas. Entretanto, este movimento em direção às periferias não foi ime-diatamente acompanhado pela formulação e revisão de uma nova política de desenvolvimento urbano em nível federal. Do ponto de vista do finan-ciamento, nas décadas de 80 e 90, os investimentos foram extremamente limitados, em função do ajuste estrutural que limitava o gesto e o endivi-damento público. Tampouco se formulou uma estratégia territorial para o País, restringindo o debate sobre o território ao tema das desigualdades regionais e grandes projetos de infra-estrutura e logística.

A gestão municipal reproduziu os modelos do período autoritário, que desconsideram as necessidades da maioria dos moradores, com inequívocos impactos sócio-ambientais.

Se em nível nacional a proposta de um ordenamento territorial como suporte a um projeto de desenvolvimento para o País não conquistou es-paço nas estratégias de crescimento econômico, na escala dos municípios o imediatismo e pragmatismo da gestão promoveram a hegemonia de práticas voltadas para resultados imediatos, com grande capacidade de resposta a pressões e demandas, sem que questões estruturais, como a forma de organização física das cidades, fossem enfrentadas.

Desta forma, a gestão municipal acabou por reproduzir os modelos da cultura urbanística herdada do período autoritário. Um modelo que des-considera as necessidades da maioria dos moradores, que segrega e diferen-cia moradores “incluídos” na urbanidade formal e moradores dela excluí-dos, com inequívocos impactos sócio-ambientais para a cidade como um todo. Trata-se de um modelo baseado na expansão horizontal e no cresci-mento como ampliação permanente das fronteiras, na subutilização tan-to das infra-estruturas quanto da urbanidade já instaladas e na mobilidade centrada na lógica do automóvel particular. No epicentro deste modelo – e sua interface com a questão habitacional –, está a questão do solo urbano.

A trajetória da reforma urbana

É possível localizar, na década de 80, um momento de amadurecimen-to de um discurso inovador em torno da política urbana, que ocorreu no bojo do processo de redemocratização do País e que se tornou conhecido como Movimento Nacional pela Reforma Urbana. Este movimento foi ar-ticulado em torno dos nascentes movimentos sociais de luta por moradia, parte dos novos atores políticos que surgiam no País naquele momento,

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pressionando por reformas em várias áreas do Estado. Os novos movi-mentos sociais foram atores fundamentais no processo da redemocrati-zação brasileira nos anos seguintes e foram um fator fundamental para a criação de um tônus político para a negociação e aprovação de uma série de mudanças institucionais posteriores.

Articulados a novos movimentos sociais, encontravam-se setores técnicos de várias áreas, como advogados, arquitetos e urbanistas, engenheiros, além de técnicos de prefeituras e segmentos de universidades. A articulação desses atores potencializou a discussão de novos temas, como a politização do debate sobre

a legalidade urbanística e a necessidade de abertura da gestão urbana para novos atores sociais, sob um marco participa-tivo. Isto configurou um discurso para a reforma urbana, que buscava intervir na formulação de novas políticas públicas, in-cludentes, no nível local (ROLNIK, 1997).

A crítica ao status quo do planeja-mento urbano e da regulação urbanística vinha sendo feita também no seio das gestões municipais comprometidas com a revisão dos paradigmas de construção da política urbana, inicialmente de maneira tímida e, a partir de meados da década de 80, cada vez mais articulada. Tratava-se, portanto, de uma trincheira dupla na disputa: por um lado, na esfera nacional, o Movi-mento pela Reforma Urbana lutou pela criação de um novo marco regulató-rio para a política urbana, conforme relatado adiante. Por outro lado, o mo-delo descentralizador-municipalista adotado pela Constituição significou também maior autonomia para que os municípios experimentassem novos instrumentos de planejamento e gestão urbana, mesmo antes da aprovação do Estatuto da Cidade (ROLNIK; CYMBALISTA, 2000. RIBEIRO; SANTOS JR., 1997. BONDUKI, 1996).

Os grupos que empunharam a bandeira da reforma urbana propuseram, no âmbito local, instrumentos que superassem a idéia da legislação como obje-to puramente técnico, explorando suas múltiplas alianças com as desigualdades da sociedade e elaborando instrumentos urbanísticos que jogassem o peso do Estado e da regulação a favor – e não contra, como de costume – da democra-tização do espaço da cidade. O tema da política fundiária foi particularmente importante neste debate. A questão do acesso ao solo urbano para as popula-ções de menor renda já vinha sendo formulada desde a emenda popular pela reforma urbana em duas vertentes: do reconhecimento dos direitos de pos-

Na Biblioteca Virtual do nosso Curso, está dispo-nível o texto “Instrumentos urbanísticos contra a

exclusão social: introdução”. In: ROLNIK, Raquel e CYMBALISTA, Renato (orgs.), Instrumentos urba-

nísticos contra a exclusão social. Revista Pólis 29. São Paulo: Instituto Pólis, 1997.

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se e de integração à cidade daqueles que constituíram as favelas e ocupações, e do combate à retenção especulativa de ter-renos. Em nível local, experiências como o Programa de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social (PREZEIS) em Recife, o Profavela, em Belo Horizon-te, as Áreas Especiais de Interesse Social (AEIS), em Diadema, todos iniciados na década de 80 ou início da década de 90, estão entre as primeiras aplicações práti-cas dessa nova abordagem.

Mobilização social e mudanças

As potencialidades desse novo arranjo de forças políticas evidenciaram-se na imensa mobilização social prévia à Constituição de 1988, que logrou inserir no texto constitucional um viés marcado pelos direitos humanos e ci-dadania. Especificamente na área da política urbana, a mobilização resultou em uma proposta de reformulação da legislação através da Emenda Popular da Reforma Urbana, encaminhada ao Congresso Constituinte em 1988 pelo Movimento Nacional pela Reforma Urbana, que resultou no capítulo de Política Urbana da Constituição (artigos 182 e 183). Nele estavam contidas propostas que procuravam viabilizar novos instrumentos urbanísticos de controle do uso e ocupação do solo, para que se pudesse, entre outros obje-tivos, possibilitar o acesso à terra, democratizando o solo urbano.

Após a aprovação da Constituição Federal de 1988, a luta pela renovação dos instrumentos de regulação urbanís-tica, da política urbana e do planejamen-to territorial continuou percorrendo o caminho duplo das lutas nos âmbitos local e nacional. Vários setores – agrega-dos principalmente em torno do Fórum Nacional da Reforma Urbana – perma-neceram na luta pela conclusão do pro-cesso, que era a regulamentação do capí-

Acesse a Biblioteca Virtual do nosso Curso e leia um balanço dessas primeiras experiências em MOURAD, Laila Nazem. Democratização do aces-so a terra em Diadema (Dissertação de Mestrado, PUC-Campinas, 2001). Sobre a experiência de Recife, veja: MIRANDA, Lívia, O PREZEIS do Recife: 15 anos da cons-trução de uma política habitacional de interesse social no município. Rio de Janeiro: Observatório das metrópoles/IPPUR/FASE/UFPE/Finep; e ARAÚJO, Adelmo. O prezeis enquanto instrumento de regulação urbanística. Revista Proposta no 61. Rio de Janeiro: FASE, 1994.

iPara saber mais, leia OSÓRIO, Letícia (ed). Estatuto da Cidade: Novas perspectivas para a reforma urba-na. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor, 2002; DALLARI, Adilson Abreu e FERRAZ, Sérgio (orgs.). Estatuto da Cidade (Comentários à Lei Federal 10.257/2001). São Paulo: Malheiros Editores, 2002; ROLNIK, Raquel (org.) Estatuto da Cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Brasília: CAIXA/Instituto Polis/Senado Federal, 2002.

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tulo de política urbana na Constituição. Já em 1990, surge o Projeto de Lei 5.788/90, que tramitou por mais de uma década no Congresso, sendo intensamente discutido e alterado, resultando posteriormente no Estatuto da Cidade, ao qual nos referire-mos em seguida.

Estatuto da Cidade

Os primeiros anos do século XXI marcaram um novo momento no progressivo movimento de construção de uma institucionalidade para a política urbana no País. Em 2001, foi aprovada no Congresso Nacional a

Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001, co-nhecida como Estatuto da Cidade, insti-tuindo as diretrizes e os instrumentos de cumprimento da função social da cidade e da propriedade urbana, do direito à ci-dade e da gestão democrática das cidades. A produção técnica em torno do Estatu-to foi efervescente, tanto no campo jurí-dico quanto do planejamento urbano.

Por meio da Constituição e, principal-mente, do Estatuto da Cidade, foi redefi-nida a função do Plano Diretor municipal, obrigatório para as cidades com mais de 20 mil habitantes e aquelas integrantes de regiões metropolitanas e aglomerados ur-banos. Antes utilizados majoritariamente como instrumento de definição dos inves-timentos setoriais necessários ou desejá-veis para os municípios, o Plano Diretor transformou-se na peça básica da política urbana do município, responsável pela de-finição de critérios para o cumprimento da função social da propriedade. Na prática, o Plano Diretor ganhou a missão de estabele-

O website do Fórum Nacional da Reforma Urbana traz am-pla variedade de informações pertinentes ao tema deste curso: histórico, legislação, conflitos urbanos, movimentos sociais participantes, eventos, fóruns regionais, referências nacionais e internacionais, entre outras.

Acesse http://www.forumreformaurbana.org.br e fique por den-tro destas informações (endereço acessado em 01/04/2008).

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i Leia mais em ROLNIK, Raquel (coord.). Estatuto da cidade – guia para implementação pelos municípios e cidadãos, pp. 21-22.

i Você pode se aprofundar no debate sobre o tema por meio destas leituras: DALLARI, Adilson. A e FERRAZ, Sérgio (orgs). Estatuto da Cidade: co-mentários à lei federal 10.257/2001; Instituto Polis/Caixa Econômica Federal: Estatuto da Cidade; guia para implementação pelos municípios e cidadãos; OSÓRIO, Letícia M (org.) Estatuto da Cidade e re-forma urbana: novas perspectivas para as cidades brasileiras. Porto Alegre: Sergio Fabris Editores, 2002. RIBEIRO, Luiz César e CARDOSO, Adauto. Reforma Urbana e Gestão Democrática. Promessas e desafios do Estatuto da cidade. Rio de Janeiro: Edi-tora Revan/FASE 2003.

O site www.estatutodacidade.org.br traz ampla varieda-de de informações: o texto da Lei, análises, banco de experiências, material didático nas mais diversas mí-dias, cursos, etc. (endereço acessado em 01/04/2008).

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cer os conteúdos para a definição dos direitos de propriedade no município e as sanções por seu não cumprimento.

Em 2003, no âmbito do governo Lula, foi criado o Ministério das Cida-des, antiga demanda da articulação pela reforma urbana, com o horizonte de retomar a agenda de uma política urbana nacional, integrando os seto-res de habitação, saneamento ambiental e transportes em um mesmo órgão. A opção do primeiro grupo dirigente do Ministério foi formular esta política de forma federa-tiva e participativa, mobilizando os três ní-veis de governo e os distintos segmentos da sociedade civil para esta finalidade.

No mesmo ano, foi realizada a I Con-ferência Nacional das Cidades, que resul-tou na eleição da primeira composição do Conselho Nacional das Cidades. A primeira Conferência, que contou com mais de 2.500 delegados eleitos a partir de conferências em mais de 3 mil muni-cípios e em todos os Estados, aprovou, entre os princípios que deveriam orien-tar a construção da política urbana:

a promoção do direito à cidade, o desenvolvimento social, econômico e ambiental, o combate à desigualdade social, racial, de gênero e regio-nal; diretrizes e instrumentos que promovam a integração da políticas urbanas por meio das políticas de habitação, saneamento ambiental, transporte e mobilidade, considerando o Estatuto da Cidade e a Cons-tituição; garantia da participação da população e dos vários segmentos da comunidade na formulação, execução e acompanhamento de planos e projetos de desenvolvimento urbano e, diretrizes e orientação que ga-rantem que os investimentos públicos sejam aplicados no enfrentamento das desigualdades sociais e territoriais (Ministério das Cidades. Primeira Conferência Nacional das Cidades. Brasília, novembro de 2003).

O Ministério das Cidades e a Campanha Nacional dos Planos Diretores Participativos

A avaliação do impacto da ação do Ministério das Cidades nas políticas de desenvolvimento urbano do País no período 2001-2004 é trabalho que ainda precisa ser feito. Aqui, a proposta é avançar na sistematização de

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O site do Ministério das Cidades disponibiliza informações detalhadas sobre a política urbana, tais como notícias sobre obras prioritárias, ações de governo, cursos e outras informa-ções úteis. http://www.cidades.gov.br (endereço acessado em 01/04/2008).

iO primeiro ministro das Cidades foi Olívio Dutra, que havia sido prefeito de Porto Alegre e em cuja gestão foi implementada a primeira experiência de orçamento participativo municipal. O conceito de construção e controle social das políticas urbanas foi, então, também aplicado para a construção da política nacional.

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informações sobre uma das vertentes de ação do Ministério: a Campanha Nacional pelos Planos Diretores Participativos, especificamente na verten-te que pretende aliar a política habitacional, o tema do solo urbano e a política de desenvolvimento urbano.

Considerando a obrigatoriedade e o prazo definido pelo Estatuto – outubro de 2006 – para a aprovação destes Planos, em setembro de 2004

o Conselho Nacional das Cidades aprovou uma resolução no sentido da realização de uma Campanha Nacional pelo Plano Diretor Participativo, destinada a sensi-bilizar, apoiar e capacitar equipes técnicas das prefeituras e setores da sociedade civil para viabilizar a construção de 1.683 Pla-nos Diretores Participativos nos municí-pios brasileiros que tinham a obrigação de fazê-lo até outubro de 2006.

A estratégia adotada então pelo Ministério foi, por um lado, apoiar fi-nanceiramente os municípios para a elaboração de seus PDPs, e, de outro, disseminar, através de instrumentos de difusão e capacitação, uma nova concepção de Plano Diretor Participativo e seu processo de elaboração voltado para a construção de pactos sócio-territoriais entre os diferentes interesses presentes na cidade, em torno da definição da função social das diferentes áreas do município, urbanas ou rurais, privadas ou públicas.

Para poder construir um material de referência para os Planos, foi reali-zado um seminário nacional, em conjunto com a Câmara dos Deputados, através da Comissão de Desenvolvimento Urbano, promovendo o debate e aprofundamento de temas polêmicos no processo de planejamento, por meio de trabalhos em grupos, com representantes da área técnica, acadê-mica, gestores municipais, movimentos populares e entidades profissionais. O resultado foi processado e sistematizado na publicação “Plano Diretor Participativo: Guia para Elaboração pelos Municípios e Cidadãos”. Jun-

tamente com vídeos, cartilhas, cartazes e folders, a publicação constituiu um “Kit do Plano Diretor Participativo”, que serviu como material de apoio aos técnicos municipais e demais segmentos sociais na condução de seus processos de elaboração de PDPs.

O Ministério das Cidades disponibiliza informações detalhadas sobre esta campanha e materiais de divulgação. Confira em http://www.cidades.gov.br (em Secretarias Nacionais → Programas Urbanos → Programas → Programa de Fortaleci-mento da Gestão Municipal Urbana → Campanha Plano Dire-tor Participativo). (Endereço acessado em 01/04/2008.)

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O livro está disponível na Biblioteca Virtual do nosso Curso.

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A Campanha foi estruturada através de uma Coordenação Nacional composta por instituições integrantes do Conselho Nacional das Cidades e por Núcleos Estaduais constituídos por representações de entidades pro-fissionais nacionais – por exemplo, o Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia (CREA), a Federação Nacional dos Engenhei-ros, a Federação Nacional dos Arquitetos, as quatro federações de mo-vimentos sociais de luta pela moradia e associações de bairro (UNLM, MNLM, CMP e CONAM), secretarias ou órgãos estaduais, Universidades, representantes locais da Caixa Econômica Federal (CEF), entre outros, com grande variação de composição em cada Estado.

O Governo Federal destinou recursos financeiros, provenientes de vá-rios ministérios, para apoio direto a cerca de 550 municípios, aproximada-mente 30% do total dos municípios “obrigatórios”. Somaram-se recursos provenientes de governos estaduais, particularmente nos estados do Para-ná, Goiás, Bahia, Mato Grosso, Espírito Santo e Pernambuco. Além disto, recursos foram investidos nas atividades de capacitação e sensibilização em todas as regiões do País. Essas atividades utilizaram o “Kit do Plano Diretor Participativo” como material didático, além da realização de 388 oficinas presenciais que atingiram mais de 21 mil pessoas em 1.349 municí-pios. O programa também ofereceu bolsas para equipes de universidades, em convênio com o Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq), para projetos de assistência técnica aos municípios; formou e divulgou um cadastro de profissionais de cada região do País com experiência na capacitação ou na elaboração de Planos Diretores e implementação do Estatuto da Cidade; criou a Rede do Plano Diretor, hoje com mais de 20 mil endereços eletrôni-cos de todo o País, espaço de informação, reflexão e crítica que se tornou um canal de discussão e troca de experiências; inau-gurou, no mês de março de 2006, o Banco de Experiências do Plano Diretor Partici-pativo no sítio do Ministério das Cidades, que conta hoje com mais de 100 registros.

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A relação completa das organizações participantes da Coorde-nação Nacional, com nomes, telefones e endereços eletrônicos dos representantes, está disponível em http://www.cidades.gov.br (Endereço acessado em 01/04/2008).

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Propomos que você acesse o Banco de Experiências do Plano Dire-tor Participativo em www.cidades.gov.br/planodiretorparticipativo.

Na aula 6, você terá orientação para analisar e refletir sobre o Plano Diretor do seu município

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Desta forma, foi possível apoiar de maneira direta ou indireta, o uni-verso dos municípios “obrigatórios”, principalmente disseminando e fo-mentando a renovação conceitual e metodológica dos Planos a partir do Estatuto da Cidade. Três eixos estruturaram o conteúdo da Campanha Nacional do Plano Diretores Participativos: Inclusão territorial (assegu-rar aos pobres o acesso à terra urbanizada e bem localizada, garantindo também a posse da moradia de áreas irregulares ocupadas pela população de baixa renda); Justiça social (distribuição mais justa dos custos e dos be-nefícios do desenvolvimento urbano); e Gestão democrática (participação efetiva da população na política urbana).

O tema do solo urbano e, particularmente, da inserção territorial dos pobres na cidade esteve, portanto, presente em toda a estratégia de sen-sibilização e capacitação adotada pela Campanha. Dentre as trincheiras de disputa abertas pelos novos Planos Diretores, aquela que talvez seja a mais identificada com a agenda da reforma urbana é a busca por viabilizar melhor localização para os pobres nas cidades e melhorar suas condições de vida. As oportunidades para que isso seja atingido por meio dos Planos Diretores Participativos são várias:

a inclusão dos segmentos vulneráveis nos processos de discussão sobre •as análises e propostas;

a eleição da regularização fundiária e da oferta de terras urbanas infra- •estruturadas para os mais pobres como eixos dos PDPs;

a inclusão de instrumentos de democratização do acesso à terra como •as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), o Parcelamento, a Utili-zação e Edificação Compulsória, o IPTU Progressivo no Tempo;

a integração da estratégia fundiária com as políticas habitacionais; •

a delimitação de perímetros urbanos, procurando estancar a expansão •periférica, entre outros.

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O fato de estarmos tratando de um processo muito recente impede que avaliações mais definitivas sobre o impacto dos novos PDPs sejam fei-tas. Por outro lado, já é possível identificar alguns movimentos analíticos que devem ser acompanhados nos próximos anos.

Considerações finais

Desde as diferentes fases do período de atuação do BNH e do Sistema Financeiro da Habitação, as alterna-tivas de moradia promovidas ou financiadas pelo setor público foram majoritariamente produzidas nas franjas ou fora das cidades, em situações muito próximas à pro-dução do setor informal. Além de distantes e precárias, a abertura destas frentes de expansão urbana sobre solo rural tem sido um dos grandes indexadores dos merca-dos de terra nas cidades, encarecendo-a na medida em que, no processo de transformação do rural em urbano, reside um dos processos mais agudos de valorização imobiliária. (SMOLKA, 2003). Ao longo desta história, tem sido limitada a capacidade dos municípios de es-tabelecer planejamento e gestão de seu território em função de sua baixa capacidade política de impor limites para a ocupação urbana e captar a valorização imobiliária decorrente dos investimentos públicos.

A Constituição brasileira e o Estatuto da Cidade apostaram na implementação de uma política fundiária que, baseada em processos de planejamento partici-pativos locais, pudesse ampliar o acesso à terra urbanizada e bem localizada para a moradia, rompendo com o modelo extensivo e excludente de promoção de novas periferias.

Os municípios, em sua grande maioria, elaboraram seus Planos Di-retores, e, em grande número desses Planos, os temas da moradia, do solo urbano e dos instrumentos de política fundiária estão presentes. Há que se apontar, entretanto, as limitações e fragilidades destes processos de planejamento locais. Em primeiro lugar, eles foram elaborados em sua grande maioria sem referências ou marcos de planejamento regionais e, muito menos ainda, nacional. Esta questão é particularmente importante

Estamos chegando ao final da pri-meira aula deste Curso. Propomos a você as seguintes atividades:

Leia as Considerações Finais.1.

Sintetize a aula em um texto curto.2.

Anote os pontos que mais chamam a 3. atenção ou despertam dúvidas.

Participe de um chat para debater os 4. temas da aula. Informe-se com o seu tutor sobre os horários disponíveis e como proceder.

No módulo 2, você conhecerá o passo a passo para avançar na Regularização Fundiária.

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e problemática no caso das regiões metropolitanas ou na relação do plane-jamento local com as bacias hidrográficas que transcendem as fronteiras municipais. Este é um limite da ação exclusivamente focada no município, utilizada na Campanha pelos Planos Diretores Participativos, fruto mais das contingências – prazo de 2006 definido pelo Estatuto da Cidade e a necessidade de que este não se transformasse imediatamente em “lei que não pega” antes mesmo de ser experimentado – do que propriamente de uma opção radicalmente descentralizadora.

Em muitos casos, os processos participativos reduziram-se a encena-ções burocráticas “para cumprir a lei”, sem investimentos políticos por parte do governo ou da sociedade civil.

Em grande número de municípios, a elaboração dos Planos represen-tou um processo coletivo de reconhecimento do território, de seus limites e vulnerabilidades físico-ambientais e dos interesses conflitantes que atu-am sobre ele. Evidentemente, em muitos casos, os processos participativos reduziram-se a encenações burocráticas “para cumprir a lei”, sem investi-mentos políticos por parte do governo ou da sociedade civil. Da mesma forma, será necessário verificar em quais casos os dispositivos e normas que constam dos Planos Diretores Participativos refletem processos que efetivamente buscam aliar a política urbana e a habitacional, e interferir na oferta de terras para os mais pobres, e em quais casos os instrumentos cons-tam dos Planos apenas para cumprir obrigatoriedades da Constituição, do Estatuto da Cidade e das resoluções do Conselho Nacional das Cidades.

Particularmente as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), que es-tão presentes em mais de 70% dos PDPs, podem abrir possibilidades para a regularização fundiária e melhoria das condições urbanísticas e habita-cionais em favelas, loteamentos irregulares ou clandestinos e conjuntos habitacionais populares existentes nas cidades do País. O combate aos va-zios urbanos e imóveis ociosos, por meio da Utilização, Edificação e Par-celamento Compulsórios, IPTU Progressivo no Tempo e Desapropriação sanção, também pode abrir possibilidades para aproveitar as glebas, lotes e edifícios desocupados para a produção de moradias populares. Caso os PDPs combinem esses instrumentos com ZEIS demarcadas nesses imóveis, são maiores as possibilidades de ampliação do acesso ao solo urbano para aquelas moradias. Os PDPs podem, simplesmente, definir áreas adequadas do ponto de vista urbano e sócio-ambiental para a expansão urbana e im-plantação de empreendimentos habitacionais de interesse social. Ou então, por meio de uma política de regularização fundiária plena, podem integrar de forma definitiva os assentamentos informais populares à cidade.

Segundo dados da Pesquisa CONFEA/Ministério das Cidades (2007), que captou jun-to aos municípios “obri-gatórios” a presença de instrumentos de gestão do solo urbano, proces-sos participativos, entre outros temas.

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A implementação desses instrumentos de política fundiária, que en-trelaçam a política habitacional à política urbana, é um desafio tão grande ou maior do que a elaboração dos Planos Diretores Participativos e sua aprovação nas Câmaras Municipais. Para isso, os municípios enfrentarão uma série de obstáculos, tais como:

a fragilidade e a baixa capacidade de gestão das secretarias e órgãos •responsáveis;

a resistência em mudar procedimentos de trabalho; •

as pressões constantes de interesses privados ligados ao processo de •valorização da terra urbana sobre legislativos e prefeitura;

a cultura política do acordo negociado fora de esfera pública. •

A visão setorialista das políticas é também um forte obstáculo a ser supe-rado: a ação do município no território permanece dividida em componen-tes estanques – habitação, saneamento, mobilidade –, que constroem seus processos de planejamento e gestão de forma independente. Na maior parte dos municípios, os Planos Diretores Participativos foram construídos nessa mesma lógica, como um Plano “Setorial” da secretaria de urbanismo ou pla-nejamento do município, e não como Plano de articulação entre setores.

A aula 5 e o módulo II vão mostrar como os recursos disponíveis hoje para urbanizar favelas e construir moradias podem fortalecer a implementação do Estatuto das Cidades.

Tais dificuldades tornam-se mais graves quando se consideram as pers-pectivas de uso dos recursos do Fundo de Habitação de Interesse Social (FNHIS), que vão exigir a instituição de Conselhos e Planos Municipais e Estaduais de Habitação, e os investimentos em habitação e saneamento previstos pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) em várias ci-dades do País. Se a aplicação desses recursos ocorrer sem política fundiária, mecanismos de controle social e incremento na capacidade de gestão terri-torial, poderemos assistir à repetição de cenários já vividos em nossas cida-des quando a abundância de crédito imobiliário e fontes de financiamento do desenvolvimento urbano, combinada à baixa capacidade de controle do uso e ocupação do solo, produziu um modelo caracterizado pela segrega-ção, pela exclusão sócio-territorial e pela precariedade urbano ambiental.

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Todos esses limites e desafios não significam, entretanto, que este texto deva ser encerrado em tom cético ou pessimista. Pelo contrário: é exatamente porque agora temos, por um lado, abundância de créditos e subsídios para que estes possam chegar a rendas mais baixas, e, por outro lado, processos sócio-políticos que estabeleceram as bases para uma ges-tão territorial, que hoje é possível se falar em política de acesso ao solo urbanizado para a maioria da população em muitas cidades do Brasil. Particularmente, a implementação das ZEIS, seja para provisão, seja para regularização fundiária plena, com os recursos disponíveis hoje para urba-nizar favelas e construir moradias, pode ser uma aposta que, se bem suce-dida, ao mesmo tempo fortalecerá o planejamento e a implementação do Estatuto das Cidades. Se, e onde, essas novas apostas resultarão em novas cidades mais includentes e equilibradas, é algo a ser observado com proxi-midade nos próximos anos.

A aula 2 irá abordar o mercado de terras, a recuperação de custos e a auto-sustentabilidade na provisão de infra-estrutura básica.

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Esta aula busca resumir as principais características do mercado de bens imobiliários e da formação dos preços do solo urbano desde uma perspectiva não especializada. Os principais aspectos do merca-do e da formação dos preços são apresentados de forma a propiciar ao aluno/leitor algumas pontes entre as diversas disciplinas que tra-tam do tema – planejamento urbano, economia urbana, fi nancia-mento urbano, engenharia de avaliações, projeto imobiliário. A par-te inicial é uma compilação de conhecimentos adquiridos no Curso Profundización em Políticas de Suelo Urbano em América Latina, Cidade do Panamá, Lincoln Institute of Land Policy, de fevereiro a maio de 2006. A parte fi nal (seção Cálculo do preço de um terreno em diante) baseia-se em meu trabalho fi nal do mesmo curso.

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Aula 02

O mercado imobiliário e a formação dos preços do solo

Pedro Jorgensen

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As mudanças na estrutura urbana serviram de inspiração para diversas composições da MPB. Uma das mais conhecidas é um samba que retrata o acelerado ritmo de demolições e desapropriações para a construção de

edifícios na cidade de São Paulo. Você pode escutar a música no AVEA.

SAUDOSA MALOCA - Adoniran Barbosa (Continental, 1951)

Si o senhor não istá lembrado Dá licença deu contá Que aqui onde agora está Esse edifício arto Era uma casa véia Um palacete assobradado Foi aqui seu moço Que eu, Mato Grosso e o Joca Construímos nossa maloca Mas um dia Que nem quero me lembrá Veio os home c’as ferramentas O dono mandô derrubá Peguemo toda as nossas coisa E fumo pro meio da rua Preciá a demolição

Que tristeza que eu sentia Cada táuba que caía Duia no coração Mato Grosso quis gritá Mas em cima eu falei: Os homi istá co’a razão Nóis arranja outro lugá Só se conformemos quando o Joca falou: “Deus dá o frio conforme o cobertô” E hoje nóis pega a páia nas grama do jardim E prá esquecê nóis cantemos assim: Saudosa maloca, maloca querida, Que dim donde nóis passemos dias feliz de nossa vida

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Aula 02

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Introdução

A construção da cidade e seus agentes: um breve panorama

Numa primeira aproximação, a transformação das cidades pode ser associada a dois fatores principais: o desenvolvimento econômico e o cres-cimento demográfico. Com eles, incorporam-se novas áreas à malha ur-bana e intensifica-se o uso das já ocupadas (BORRERO, 2000).

Desenvolvimento econômico implica maior demanda de terrenos cen-trais para a construção de escritórios e lojas; de terrenos adequadamente urbanizados e próximos a comércios e serviços para a construção de mora-dias; e de terrenos estrategicamente localizados, geralmente ao longo das rotas terrestres, marítimas e aéreas de acesso à cidade, para a construção de fábricas, garagens e armazéns. E implica, por outro lado, novos empregos, e com eles a atração de mão-de-obra imigrante, que por sua vez demanda-rá terras ou casas acabadas para morar ao alcance de suas possibilidades.

Combinado ao desenvolvimento econômico, o crescimento demográ-fico vegetativo e migratório empurra para cima o valor dos aluguéis e o preço da terra. Quanto mais “bem localizado” o imóvel, mais alto o seu preço – independentemente do custo de construção – e maior sua proba-bilidade de valorização. Nessas circunstâncias, as pessoas que têm maior capacidade de pagamento geralmente optam por adquirir um imóvel. Em países com desenvolvimento relativamente fraco do mercado de capitais, a propriedade imóvel tende a ser considerada a maneira mais segura de progresso patrimonial em longo prazo.

Pessoas que não têm poupança ou capacidade de endividamento po-dem passar toda a sua vida morando “de aluguel”, isto é, pagando ao pro-prietário da moradia uma renda mensal – no limite de suas possibilidades – pelo direito de usá-la. No entanto, somente uma ínfima parte do aluguel se refere ao consumo da benfeitoria. A parte “do leão” provém do direito exclusivo que tem o proprietário de dispor de seu terreno ou fração ideal – vale dizer, de sua localização na cidade – impondo ao locatário o máximo preço que ele possa pagar. A renda paga pelo locatário absorve a maior parte, senão a totalidade, do que sobra de seu rendimento mensal depois de descontados os gastos essenciais com consumo de bens (alimentação, vestuário, etc.) e serviços de transporte (acesso ao local de trabalho).

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Uma vez instalado na terra – legal ou ilegalmente – e adquirido um mí-nimo de segurança de posse, o trabalhador passa a dedicar a poupança de sua vida à construção da moradia – sua, de seus filhos e agregados.

O proprietário, por sua vez, é obrigado a repartir essa renda com o go-verno sob a forma do imposto predial e territorial urbano, cujo principal componente é o preço do terreno. Pouco imposto sobre a terra implica maiores preços, maior concentração de riqueza privada e maior pressão pela concentração espacial do investimento público, que é um poderoso fator de impulso às espirais de riqueza e pobreza urbana.

Somente uma parte da demanda por produtos imobiliários acabados – moradia, principalmente – é satisfeita pelos construtores e incorpora-dores, que só operam acima de parâmetros mínimos de rentabilidade, determinados, em última instância, pelas taxas de juros bancários. Essa rentabilidade mínima se defronta, nos países da América Latina, com três fatores restritivos principais:

altas taxas de juros; •

baixa capacidade de pagamento e acesso ao crédito por parte da popu- •lação de baixa renda e

preços da terra inflacionados pelas expectativas e comportamentos es- •peculativos dos proprietários de terrenos (alto preço).

A expectativa que move os proprietários de solo é a de máxima valoriza-ção de seus terrenos, resultante principalmente dos investimentos públicos – mas também dos privados – que fazem deles localizações desejada por po-tenciais compradores e usuários. A possibilidade de obtenção de ganhos ex-traordinários em forma de renda do solo transforma construtores em incor-poradores e faz dos bancos sócios destes últimos nos negócios imobiliários.

Para o trabalhador pouco qualificado, é praticamente impossível pagar o aluguel de um imóvel no mercado formal, que dirá comprar moradia, ou mesmo um simples terreno, adequadamente localizado e urbanizado. Ao mesmo tempo em que convive com uma relativa estabilização e até com baixas significativas de preços de produtos industrializados – do celu-lar com que se mantém conectado às oportunidades de trabalho ao tijolo com que constrói a própria casa –, esse trabalhador nunca vê baixar o preço do bem que lhe é mais indispensável: a terra, ainda que distante. Instalar-se, então, na terra por quaisquer meios à sua disposição, e por pior que sejam a localização e os serviços urbanos, torna-se uma necessidade imperiosa.

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Aula 02

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O trabalhador convive com uma relativa estabilização e até com bai-xas significativas de preços de produtos industrializados, mas nunca vê baixar o preço do bem que lhe é mais indispensável: a terra, ainda que distante.

É neste cenário que surgem as ocupações ilegais e as favelas, assim como os loteamentos e os loteadores clandestinos. Uma vez instalado na terra – legal ou ilegalmente – e adquirido um mínimo de segurança de posse, o trabalhador passa a dedicar a poupança de sua vida à construção da moradia – sua, de seus filhos e agregados. A continuada pressão da demanda leva, por sua vez, a que dentro das próprias comunidades infor-mais – particularmente naquelas mais bem localizadas dentro do tecido urbano – surja uma pequena indústria de produtos imobiliários – sub-mo-radias de aluguel, por exemplo –, que pouco a pouco pode vir a se trans-formar, como se vê nas grandes favelas das principais cidades brasileiras, num verdadeiro mercado imobiliário de produtos precários, à margem da regulação urbanística e econômica estatal.

Em todos os países latino-americanos, décadas de políticas habitacio-nais e de urbanização de assentamentos informais, mais ou menos intensas dependendo da época, têm tido pouco ou nenhum sucesso em impedir o contínuo crescimento da produção informal de urbanizações e moradias, vale dizer, de assentamentos urbanos desprovidos de condições mínimas de habitabilidade e serviços, mais ou me-nos adequadamente refletidas nas nor-mas urbanísticas. A razão fundamental desse insucesso pode estar associada não tanto aos custos de produção da moradia, mas à implacável tendência altista dos preços do solo, que, dentre outros efeitos, pode levar ao bolso dos proprietários políticas inteiras de subsí-dio direto à demanda.

Veremos, pois, em seguida, de um modo bastante sintético, como fun-cionam e se comportam esses mecanismos de formação do mercado e dos preços do solo urbano.

Como texto de apoio à aula, sugerimos a leitura, na Biblioteca Virtual, do artigo Mercado de terras, formação de preços e recuperação de custos de infra-estrutura básica no Brasil, de Fernanda Furtado e Pedro Jorgensen. É uma adaptação do artigo desses autores “Land Markets in Brazil: Capturing Land Values to Finance Infrastructure Improvement”. In: Brazil – Inputs for a Strat-egy for Cities – A Contribution with a Focus on Cities and Municipalities, Vol. II. The World Bank, Novembro de 2006.

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Os principais fatores determinantes do preço do solo

Os especialistas costumam dizer que os principais fatores determinantes dos preços do solo são a localização, a localização e a localização, o que pare-ce suficiente para expressar a sua primazia. Convém, no entanto, acrescentar o grau de escassez, a expectativa dos proprietários por usos mais rentáveis e a legislação municipal que define o uso e a edificabilidade legais.

O solo urbano é um bem escasso “por definição” econômica, muito mais que natural, fundada nas vantagens relativas das localizações para os diversos usos. A metáfora do teatro de ópera sugere o porquê dos diferen-tes valores das localizações, mesmo que inexista um mercado privado.

Na ópera, os mais abastados costumam pagar caro pela exclusivi-dade dos camarotes. Os acomodados, por sua vez, preferem os as-sentos mais centrais e próximos ao palco, onde podem, também, se sentir entre os “seus”. Há quem prefira pagar um pouco menos para ficar relativamente próximo ao palco, porém no alto e lateralmente, para poder apreciar o trabalho da orquestra. Quem não pode, ou não está disposto, a pagar mais, deve ser contentar em desfrutar o espetáculo sentado nas galerias distantes. Quem chega atrasado só consegue ingresso, muito mais caro, com o cambista. E em teatros com pouco zelo pela segurança, os retardatários podem dar um “jei-tinho” de assistir ao espetáculo em pé, nos corredores – vale dizer, em situação de risco.

Por se tratar de um bem escasso, o solo urbano tem seu preço forma-do num vasto leilão social, de caráter permanente, em que os demandan-tes com maior capacidade de pagamento têm o “poder de preempção” na escolha da localização mais adequada ao seu uso – no marco da regulação urbanística vigente, mas também fora dela.

Por serem mais rentáveis, os usos comerciais (lato senso) podem pagar aluguéis mais caros e assim se estabelecer nas localizações mais “centrais”, onde desfrutam de vantagens de aglomeração, comunicações, serviços es-pecializados, etc. Um terreno localizado num grande centro de comércio popular pode valer, por sua rentabilidade, quase tanto quanto um terreno situado numa zona de alto padrão.

A tendência contemporânea de localização de shopping centers muda a configuração espacial dessa tendência, mas não a sua essência. Ao contrá-rio, os próprios shopping centers tendem a atrair condomínios residenciais de classe média e se tornar, eles próprios, novos pólos de centralidade

A idéia central desta metáfora me foi ensi-nada pelo prof. Carlos Morales Schechinger, em palestra proferida no seminário da ACIUR (Asociación Colombia-na de Investigadores Urbano-Regionales) de março de 2008.

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Aula 02

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e valorização urbana baseados no deslocamento por automóvel. A terra periférica barata proporciona aos primeiros empreendedores de uma nova “localização” altíssimos ganhos, pressionando, como era de se esperar, o setor público a prover de serviços as novas áreas, processo que redesenha a estrutura da centralidade urbana e o próprio mapa de preços e da cor-respondente apropriação social do solo.

A competição dos serviços comerciais e financeiros (às vezes incluídas as famílias de altos rendimentos) pelas localizações centrais mais impor-tantes determina a intensificação do uso do solo escasso disponível, que se manifesta como verticalização das edificações (com o superfracionamen-to jurídico do solo). A redução da área util com encarecineto unitário do solo natural implica aumento de densidade de ocupação e coresponde ao encarecimento relativo do solo construido.

O escasseamento dos terrenos mais bem localizados torna o solo o insumo de maior incidência no preço dos novos empreendimentos, em-purrando a demanda solvável para a área de influência de centralidades secundárias e a demanda não solvável para outras zonas, periféricas à ci-dade urbanizada (no caso dos países latino-americanos), onde geralmente faltam infra-estruturas e serviços.

O modelo de base da economia espacial

Com base em parâmetros típicos como distância do centro urbano, custo de transporte, quantidade e uso de solo demandado e fatores de produção imobiliária, a economia urbana desenvolveu, ao longo do úl-timo século, modelos de imensa utilidade – embora sustentados por vi-sões mais ou menos simplificadas do comportamento dos agentes – para a compreensão tanto do funcionamento do mercado como da estrutura espacial urbana. Na base de todos esses modelos, está a renda ofertada pe-los diversos agentes aos proprietários do solo urbano.

Transpondo o modelo de excedente de renda agrícola de Von Thünen para o ambiente urbano, William Alonso estabeleceu um modelo de es-trutura espacial do continuum cidade-campo com base na demanda (con-correncial) de três categorias de uso – agrícola, residencial, comercial – disputando a oferta (racionada) de localizações.

Sendo a renda ofertada pelo solo (aluguel) o resíduo do rendimen-to dos agentes depois de descontadas as despesas de transporte e demais

Por centralidade se en-tende, pois, não apenas o centro comercial-fi-nanceiro da cidade, mas toda a rede de subcen-tros construída ao longo das décadas e de novas centralidades criadas pelo investimento pú-blico e/ou privado.

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gastos essenciais à sua atividade, resultam três curvas de oferta de ren-da (aluguel) que se interceptam, formando uma curva de renda de mercado (“curva-envelope”) tal que os “lances” mais altos exercem o seu “poder de preempção” na ocupação das distintas regiões-distância ao centro urbano (fig. 3a). A estrutura espacial resultante desse continuum urbano-rural ideal monocêntrico e homogêneo sob todos os demais aspectos se apresenta como uma sucessão de círculos concêntricos de uso comercial, residencial e agrícola (fig. 3b).

Centro

empresas

residências

agricultores

d1 d2 d3

r

Centro d1 d2 d3

r

Figuras 3a e 3b – Fonte: ABRAMO 2001

Podemos aplicar o mesmo modelo considerando uma multiplicidade de agentes com distintas capacidades de oferta de renda e uma multiplici-dade de “centros”, formando uma cidade muito mais parecida com aque-las em que vivemos.

Desenvolvimentos posteriores da economia espacial baseados em hipó-teses mais detalhadas a respeito das opções dos demandantes (os chamados trade-offs acessibilidade x espaço x densidade) permitiram a construção de modelos mais refinados, que explicam, por exemplo, a presença dos pobres no coração das cidades norte-americanas. Por valorizar mais o espaço con-sumido e andar de automóvel com gasolina barata, as classes rica e média buscaram as localizações mais afastadas do centro, ao passo que os traba-lhadores pobres, que dão mais valor ao custo e ao tempo de transporte (acessibilidade) do que à quantidade de espaço, tenderam a elevar a oferta de renda por metro quadrado ocupado nas localizações mais centrais.

No “terceiro mundo”, a precariedade dos sistemas de transporte e a distribuição espacial marcadamente desigual das infra-estruturas levaram os ricos e a classe média – que valorizam mais o tempo e a acessibilidade, respectivamente – para as localizações mais centrais, restando aos pobres

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Aula 02

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se instalarem na periferia, apesar do elevado custo-tempo de viagem aos locais de trabalho. (ABRAMO, 2001)

O mapa da escassez do solo urbano baseado nos parâmetros econô-micos típicos (acessibilidade, quantidade e densidade do solo demandado) pode ser afetado, no entanto, pelo lado da demanda, por comportamentos coletivos (preconceito étnico e racial, valorização do “verde”), estratégias de progresso familiar e outros aspectos, nem sempre levados devidamente em conta pela ciência econômica clássica e neoclássica. Isso torna a mode-lagem do mercado um problema bastante complexo.

Pelo lado da oferta, o mapa da escassez é também afetado pelo com-portamento dos proprietários de solo, que não são ne-cessariamente coletores passivos e, em certo sentido, “neutros”, de rendas de localização. Ao contrário, mo-vidos pela permanente expectativa de valorização de seus terrenos com usos mais rentáveis que o atual – quer pelo benefício das obras públicas quer pela vantagem de nor-mas urbanísticas menos restritivas –, os proprietários tendem a se comportar como agentes ativos da regula-ção do nível de escassez.

O preço da terra está dado, pois, pelas vantagens relativas da localização, em um ambiente de escassez, para usos potenciais. Um terreno ocupado por uma residência vale por seu uso potencial no mercado – que não é um resul-tado instantâneo. A pretensão dos proprietários de dar aos terrenos urbanos seu maior e melhor uso está na raiz de alguns dos mais relevantes problemas do planejamento e do financiamento das cidades, como a retenção espe-culativa e o custo das desapropriações para fins de utilidade pública – que, como manda a Constituição, devem ser pagas não pelo valor de uso efetivo do terreno, mas pelo valor de mercado, isto é, por seu “valor de expectativa”.

Legislação urbanística e preços

As normas urbanísticas exercem efeitos significativos na configuração do “mapa da escassez” e, portanto, no funcionamento do mercado. As normas de limitação de uso e edificabilidade, por exemplo, que até certo ponto protegem o ambiente urbano de efeitos negativos da hiperdensifi-cação, implicam a acomodação do excesso de demanda das localizações mais centrais em seu entorno, ou em centralidades secundárias, com o respectivo balanço em termos de redução e aumento de preços do solo.

Você consegue identificar, no mu-nicípio em que vive ou trabalha, áreas onde existe retenção especula-tiva de imóveis? Que conseqüências isto tem para o planejamento urbano local? Discuta este problema com seus colegas no tópico específico para a atividade no Fórum do AVEA.

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Normas inclusivas como as Zonas de Especial Interesse Social e as co-tas obrigatórias de habitação de interesse social em grandes empreendi-mentos garantem a permanência e o acesso dos pobres a áreas sujeitas à pressão de usos mais rentáveis. A delimitação da “zona urbana”, se por um lado protege as finanças públicas dos altos custos do espraiamento excessivo da urbanização, por outro tende a fazer aumentar a pressão da demanda sobre as áreas urbanizadas, elevando os seus preços (fig. 4a); já o seu recíproco, a passagem de áreas de rurais à categoria de urbanizáveis, gera fortes taxas de valorização, que podem tornar a periferia um podero-so atrativo para os investidores, efeito similar à mudança do uso permitido dentro de uma zona já urbanizada, de um menos rentável para um mais rentável – tipicamente, de residencial a comercial (fig. 4b).

Centro Bairro A

uso comercial

valorização por mudança de uso legal

uso residencial

$

Centro Zona rural

Limite legal da zona urbana

Baixa de preços por não serurbanizável

Alta de preços por pressão da demanda

Figuras 4a e 4bFonte: SMOLKA 2006

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Os direitos de uso e edificabilidade são, pois, assim como o IPTU, ele-mentos de que dispõe o governo urbano para atuar no mercado de solo de modo a satisfazer o que hoje chamamos de função social da propriedade. A prerrogativa de fixar esses direitos pode e deve ser uma forma de a mu-nicipalidade recuperar, ao menos em parte, os custos da urbanização que dá à propriedade o seu valor.

O preço do solo e o financiamento das cidades

O preço de um terreno equivale à capitalização da renda bruta peri-ódica que o proprietário pode exigir para permitir seu uso (MORALES, 2007). Se investido pelo proprietário no mercado de capitais, esse montan-te deveria render um juro periódico equivalente à renda bruta que recebia pelo imóvel em forma de aluguel.

Um proprietário geralmente busca adquirir um terreno a outro pro-prietário pagando um preço equivalente à renda capitalizada do uso atual, na expectativa de vendê-lo a um preço equivalente à renda capitalizada do uso futuro – assim ganhando com a valorização não antecipada pelo ven-dedor. Dado, porém, que o solo não é criado pelo trabalho humano, esta operação é a mesma que se realiza desde que o terreno entrou no merca-do pelas mãos de seu proprietário original, que o obteve gratuitamente por conquista, grilagem ou cessão para fins de colonização. Independente-mente, portanto, de que cada proprietário só visualize como valorização a diferença entre o preço de compra e o preço de venda, a totalidade do pre-ço da terra urbana é pura valorização propiciada por fatores alheios à sua ação, tal como representado na figura 1, página 62 (FURTADO, 2006).

Por meio do imposto sobre a renda do solo, o governo pode se tornar, ou abrir mão de se tornar, o “sócio silencioso” do negócio da renda do solo em prol da coletividade.

A escassez da oferta de solo que permite ao proprietário extrair da demanda a máxima renda que ela possa pagar o obriga, por essa mesma razão, a arcar integralmente com o pagamento do imposto sobre a terra (inserido no IPTU), ao contrário do que sucede com os impostos dos pro-dutos industrializados (mercado competitivo), que tendem a ser reparti-dos entre produtores e consumidores.

Embora o locatário geralmente não se dê conta, o proprietário sabe que, quanto mais alto o imposto, mais baixo terá de ser o aluguel, uma vez que a soma de ambos esgota a capacidade de pagamento do inquilino. Por essa

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mesma razão, o imposto sobre a terra não tem como encarecer ainda mais o aluguel do imóvel. Ele é pago pelo proprietário (ainda que desembolsado pelo inquilino) com parte da renda do solo. A figura 2 introduz o conceito de curva de renda (aluguel) ofertada por um agente econômico qualquer, aqui acompanhada de um imposto com alíquota espacialmente diferen-ciada, mostrando como a renda de um metro quadrado de terreno loca-lizado à distância d1 do centro da cidade se reparte em aluguel e imposto.

AA BB CC DD

Ao Bo Co Do

COMPONENTES DO VALOR DO SOLO URBANO(A+B+C+D)

“Esforço” do proprietário

“Esforço” do proprietário anterior

Valorização apropiada peloproprietário anterior

Ações de outros individuos

Investimento públicos

Figura 1- O Preço do solo é 100% “mais valia” Fonte: FURTADO, 2006

blicos

Pro

f. Fe

rnan

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rtad

o

renda

distânciaCentro d1aluguel

imposto

imposto

i1

$

Figura 2 - A renda se divide entre imposto e aluguel

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A conseqüência fundamental dessa relação é: tudo o que o proprietário deixa de pagar ao governo como IPTU se converte em renda de aluguel. E isto, como se pode imaginar, é crucial para o financiamento da cidade. Por meio do imposto sobre a renda do solo, o governo pode se tornar, ou abrir mão de se tornar, o “sócio silencioso” do negócio da renda do solo em prol da coletividade.

Teoricamente, todo o valor do solo pode converter-se em fonte de financiamento da cidade. Embora excepcional, é ilustrativo o exemplo de Hong-Kong, onde, por determinação do governo britânico, toda a terra foi estatizada, aplicando-se as rendas obtidas ao financiamento da infra-estrutura e dos serviços urbanos. Além das pesadas obrigações de urba-nização impostas aos empreendedores, Canadá, Estados Unidos, Reino Unido e demais países industrializados taxam significativamente a terra urbana, com o que cobrem, por exemplo, parte significativa do custo do ensino fundamental.

Processos de valorização e desvalorização do solo urbano

Por valorização entende-se o aumento de preços imobiliários acima da inflação. Para saber se um imóvel, ou uma área urbana, se valorizou, é ne-cessário compará-los em termos de preços constantes, isto é, descontado o efeito da inflação (BORRERO 2000).

O resultado dessa operação pode nos levar a concluir que um imóvel, ou uma área da cidade, se desvalorizou. A desvalorização de uma área ur-bana por um período relativamente prolongado caracteriza um processo de deterioração – geralmente uma espiral de caráter físico (má conservação dos imóveis e do ambiente público), social (predominância de grupos so-ciais empobrecidos), fiscal (baixa arrecadação) e urbanístico (poucos inves-timentos públicos).

As praças centrais constituem o típico foco histórico de valorização, substituídos pelo cruzamento das grandes avenidas e pelas zonas de amenidades (praias, parques) e, no urbanismo de fins do século XX, pelas “novas centralidades”.

Os processos de valorização e desvalorização geralmente se desenca-deiam a partir de “focos”. As praças centrais (governo, culto, mercado) cons-tituem o típico foco histórico de valorização, substituídos na época moderna

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pelo cruzamento das grandes avenidas e pelas zonas de amenidades (praias, parques) e, no urbanismo de fins do século XX, pelas “novas centralidades”. Numa cidade monocêntrica ideal, a tendência dos preços assumiria a forma de um cone invertido centro-periferia-zona agrícola. Em cidades reais, mul-ticêntricas, o “mapa de preços” tende a se apresentar como uma sucessão de cones de diferentes alturas, parcialmente superpostos.

Processos de desvalorização podem ser desencadeados pela deteriora-ção ambiental provocada por infra-estruturas de transporte, pelo espraia-mento de uma favela próxima a um bairro de classe média e, muito impor-tante, pela “obsolescência programada” intrínseca ao processo de criação de novos desejos, característica da indústria de produtos imobiliários.

Dado que o preço da terra é estabelecido pela disposição da demanda de pagar pelas melhores localizações e que esta é formada de um “pacote” de vantagens objetivas e subjetivas, a valorização dos terrenos urbanos apresenta uma clara tendência a se manifestar como agrupamento dos usos mais valorizados em determinadas áreas urbanas, geralmente com a forma de setores circulares formados a partir dos centros das cidades (também chamados de “cones de valorização”).

Demanda sempre crescente e oferta sempre mais escassa, num am-biente de crescimento econômico sustentado, resulta em uma tendência de valorização contínua do solo urbano. Essa tendência contém, no entan-to, duas dimensões: estrutural e cíclica (BORRERO 2000). A dimensão estrutural diz respeito ao comportamento dos preços do solo em face do processo de urbanização – altas taxas iniciais de valorização real, até atin-gir um máximo, seguido de um período de queda até próximo de zero. O ingresso de uma área no campo da valorização negativa pode ser detido (ou não) por investimentos públicos e privados (reabilitação urbana), bem como por medidas normativas que favoreçam usos mais rentáveis (reno-vação urbana). A dimensão cíclica diz respeito à flutuação de preços da terra em face das conjunturas econômicas, mediada pelo comportamento da indústria da construção civil. A tendência dos preços da terra num dado lugar e momento aparecem, portanto, como a resultante de vetores estru-turais (desenvolvimento/deterioração) e cíclicos (auge/recessão).

O cálculo do preço de um terreno

A avaliação de imóveis constitui um campo especializado da engenha-ria. Cada um dos métodos existentes de avaliação dos preços dos terrenos

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tem seu melhor campo ou circunstância de aplicação. Embora o mais di-fundido dentre eles seja o comparativo, baseado no tratamento estatístico de dados empíricos de preços obtidos no campo, interessa-nos particular-mente, para fins de nosso tema, o método residual dedutivo, porque sua estrutura “espelha” o processo vivo pelo qual os empreendedores imo-biliários estabelecem o máximo preço que se dispõem a pagar pelos ter-renos urbanos. Enquanto o método comparativo extrai o padrão médio dos preços já formados, o método residual expressa a própria mecânica da geração dos preços do solo urbano.

Uma vantagem adicional do método residual para fins da discussão so-bre o mercado e a formação dos preços é permitir a decomposição analíti-ca das receitas, custos e ganhos envolvidos em um empreendimento imo-biliário entre os três agentes privados que tipicamente dele participam – o incorporador, o construtor e o proprietário do terreno (ainda que sejam, muitas vezes, o mesmo agente) –, além do governo, que interfere na equação po-tencial do mercado com sua prerrogativa de definir os usos e quantidades de bens imobiliários permitidos no lote e as obrigações que incidem sobre o empreendimento – dotações de áreas para finalidades públicas, urbani-zação, potencial construtivo oneroso, etc. O residual é, portanto, o melhor método para se calcular o valor das obrigações imputadas aos empreendi-mentos em benefício da coletividade.

O método residual dedutivo consiste em subtrair, do valor geral de vendas (VGV) dos produtos imobiliários mais rentáveis que se podem alo-car no terreno, o total das despesas necessárias para construí-los e vendê-los no mercado – incluindo as remunerações do construtor e do capital incorporador. O resíduo dessa operação é o máximo preço que o incorpo-rador se dispõe a pagar pelo terreno (fig. 5).

No “edifício” representado pela barra vertical da fig. 5, a receita oriunda da venda dos “pavimentos” de cor cinza custeia a construção, os de cor preta pagam o retorno do incorporador e os de cor laranja ficam para o proprie-tário do terreno. Mais comumente, o retorno do incorporador (Ri) e o valor residual do terreno (Vr) se obtêm pela repartição do Retorno bruto (Rb) em proporções que variam de 50-50 a 40-60, conforme as condições do mercado. Essas proporções refletem a expectativa dos incorporadores quanto à taxa de retorno do seu capital em condições de mercado já consolidadas. Em merca-dos menos estáveis e áreas hipervalorizadas, obtém-se o retorno do incorpo-rador aplicando a taxa de retorno esperada sobre o VGV (relacionada à taxa de retorno da economia), ficando o resíduo para a propriedade do solo.

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VGVValor Geral de Vendas

Retorno bruto Rb

$

Custo da contrução

Publicidade e comercialização

Projeto e administração

Despesas �nanceiras

Remuneração do construtor

Retorno do incorporador

Valor residual do terreno

Despesas doempreendimento

Produto (cesta)mais rentávelLegislação

Custos construçãoFinanciamento

Produtos demandados

Adquirentes potenciaisincorporador

Empreendimento

Figura 5 e 6

Tenhamos em conta que o produto mais rentável – identificado na lin-guagem da economia urbana como maior e melhor uso – não é necessaria-mente aquele que gera a maior receita total (VGV), mas aquele no qual o resultado da subtração valor geral de vendas menos preço de construção é máxi-mo. Ou seja, dentre as diversas “cestas” de produtos (apartamentos de dois e três quartos, por exemplo, de frente e de fundos, andar alto e andar baixo) que a norma urbanística permite construir em um dado terreno, o incor-porador deverá optar por aquela que lhe proporciona o maior retorno bru-to, pois assim estará maximizando simultaneamente o lucro imobiliário e o valor residual do terreno. Portanto, onde às vezes se diz “a terra vale pelo que nela se pode construir”, o correto é ouvir “a terra vale por aquilo que nela se pode construir e vender no mercado com o maior retorno possível”.

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Aula 02

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O dado crítico na montagem do empreendimento (fig. 6) é, pois, a fixação do preço dos produtos (baseado no preço de venda do metro qua-drado construído na localização em questão). Dado que ele contém a co-ta-parte do preço do solo, sua determinação supõe o conhecimento mais perfeito possível, por um lado, dos preços vigentes na área (aplicação do método comparativo) e, por outro, do interesse dos diversos segmentos da demanda por aquela localização e suas respectivas capacidades de en-dividamento.

Há que considerar também que o valor residual é o preço mais provável, não necessariamente o preço de transação do terreno. Se o empreendedor tem informações sobre as aspirações da demanda que não são do conhe-cimento do proprietário do solo, poderá conseguir comprar o terreno por um preço menor do que o valor que obterá como resíduo das vendas do seu empreendimento, embolsando uma parte da renda (capitalizada como preço) da terra. Sabedores do resultado desse primeiro empreendimento, os proprietários dos lotes próximos tenderão a aumentar seus “preços de oferta”, levando os preços de transação a um novo “patamar de equilíbrio”. É essa instabilidade inerente ao proces-so de geração dos preços que o método comparativo de avaliação busca contor-nar, por meio do tratamento estatístico dos dados da pesquisa empírica dos ter-renos já transacionados no mercado ao longo de um período de tempo.

O empreendimento, a legislação e o preço provável do terreno

Para ilustrar a relação entre a quantidade de produto imobiliário cons-truído, a norma urbanística e o valor residual do terreno, propomos um diagrama focado na variação do retorno bruto (também chamado mar-gem operacional) em função do coeficiente de aproveitamento do terreno (quantidade construída).

Para a cesta de produtos mais rentáveis (“melhor uso” permitido pela norma) e considerando-se como essencialmente linear a variação do VGV, do retorno bruto e do valor residual em relação ao coeficiente de aproveita-mento (construção em altura), a quantidade ótima a ser produzida no terreno (do ponto de vista do incorporador e do proprietário) é aquela que maximiza

iO negócio da terra costuma ser tão lucrativo que muitos empresários-construtores o convertem no objeto principal de sua atividade.

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o retorno bruto. Acima dessa quantidade, tendem a se manifestar os efeitos com-binados do aumento dos custos de cons-trução, da redução da área de vendas e da queda do preço que paga a demanda pelo metro quadrado construído (devido à per-cepção de menor qualidade do produto – menos espaços comuns, maior densidade, menor “exclusividade”, etc.).

Este ótimo do proprietário do terreno e do incorporador não é, po-rém, necessariamente, o ótimo da sociedade, que estabelece, por meio da Lei de Uso e Ocupação do Solo, um coeficiente máximo legal de aproveita-mento do terreno, tendo em vista a proteção das qualidades do ambiente urbano, a mais importante delas a capacidade das infra-estruturas. Con-seqüentemente, o empreendedor não poderá produzir toda a quantida-de que lhe compraria a demanda. O efeito da norma urbanística sobre o valor residual do terreno é, neste caso particular, impedir que ele atinja o máximo valor gerado pela competição entre os potenciais compradores daquele produto, naquela localização (fig. 7). A diferença no preço final provável do terreno está expressa, no diagrama, por (d).

PGV

CA

$

Dp

Ri

VR

d

Retorno bruto (Rb) = Receita (PGV) - Despesas (Dp)

Efeito do máximo coe�ciente de aproveitamentolegal sobre o retorno bruto e o valor do terreno

CA + máx rentávelCA máx legal

Figura 7

i Na prática, a curva de retorno bruto da construção em altura assume a forma de uma “escada”, dado que o coeficiente de aproveitamento do terreno se materializa em “plantas-tipo” construídas. Além disso, o Custo Unitário da Construção civil (CUB) muda ao atingir certos patamares de construção em altura. Como recurso analítico, porém, constitui uma simplificação válida, e útil, tomá-la como linear em relação à variação da edificabilidade.

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Aula 02

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PGV

CA

CA + rentável

$

Dp

Ri

OODC

Efeito da Outorga Onerosa do Direito de Consumirsobre o preço de transação do terreno e a remuneraçãodo incorporador

CBás CMáxVr "liquido" = Preço de transação

Retorno bruto (Rb) =Receita (PGV) - Despesas (Dp)

Vr Líq.

A OODC não encarece o produto porque este já é o mais rentável possível para aquela localização

RB Produto P1

Figura 8

Duas importantes noções podem se deduzidas das figuras 7 e 8. A pri-meira é que as normas reguladoras da edificabilidade dos terrenos urba-nos não têm efeito sobre os preços do solo para coeficientes de aprovei-tamento situados além do coeficiente ótimo dos empreendimentos mais rentáveis. Ou seja, em nada afetam os preços do solo as normas que concedem coeficientes de aproveitamento de terreno maiores do que aqueles que o mercado está interessado em comprar, nas condições em que o empreendedor está interessado em construir e vender (rentabilidade mínima).

A segunda é que a imposição de obrigações à maior edificabilidade (como a Outorga Onerosa do Direito de Construir – OODC – e a dotação obriga-tória de equipamentos públicos) não pode afetar o preço do produto imobi-liário pela simples razão de que ele já é, como vimos, o máximo que a de-manda está disposta a pagar naquela localização. Lembremo-nos de que a curva de retorno bruto da figura corresponde ao produto mais rentável que o empreendedor pode realizar no mercado. Não podendo transferir ao preço dos produtos imobiliários as obrigações que lhes são imputadas pela coletividade (assim como o IPTU não pode ser “repassado” ao aluguel, embora aparente sê-lo), resta-lhe fazê-los recair sobre o agente passivo da operação, ou seja, o proprietário do solo (fig. 8).

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Imaginemos que um proprietário e um empreendedor cheguem, cada um pela via de seu próprio estudo de mercado, à conclusão de que um ter-reno alcança um valor residual de 500 mil. O empreendedor sabe, porém, que, pelo Plano Diretor recém aprovado, parte da edificabilidade necessá-ria para obter o valor residual de 500 mil terá de ser adquirida à prefeitura, como Outorga Onerosa do Direito de Construir, pelo preço de 100 mil. Quanto pagaria, pois, esse empreendedor pelo terreno? Obviamente, um máximo de 400 mil. Quanto pagariam os demais empreendedores por ter-renos vizinhos nas mesmas condições? Qual o valor de mercado provável desses terrenos depois de instituída e consolidada a Outorga Onerosa?

A figura 8 ilustra o efeito da imposição de obrigações urbanísticas ao empreendimento. A Outorga Onerosa do Direito de Construir (na figura, cobrada integralmente pela diferença entre os coeficientes básico – Cb – e máximo –Cm) subtrai do valor residual uma parcela que será destinada a projetos de urbanização social via Fundos Municipais de Desenvolvimento Urbano. Todo acréscimo de valor residual proporcionado pelo aumento de edificabilidade acima do coeficiente básico (Cb) é transferido à coletividade.

Uma conclusão importante a ser sacada desta seção é: todo gasto do incorporador que contribua para “sustentar” o preço de venda do incor-porador que leva ao máximo retorno bruto é investimento. Todo gasto do incorporador em obras públicas que não sirvam para fazer subir mais que proporcionalmente a oferta de preço por metro quadrado construído cons-titui obrigação urbanística. Uma maneira típica do empreendedor “rentabili-zar” uma obrigação urbanística é remodelar um parque público ao redor do empreendimento e “vendê-lo” como vantagem de localização do produto.

Aplicação do método residual à urbanização de uma gleba

Discutiremos aqui a concretização do preço do solo na produção de lotes urbanizados em um ambiente estritamente formal com base no mes-mo método utilizado para a construção em altura – o residual dedutivo de avaliação – com foco no conceito de retorno bruto. A finalidade dessa abor-dagem é estabelecer com a maior clareza possível a natureza residual do preço do solo, qualquer que seja o tipo de empreendimento imobiliário.

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Aula 02

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O preço máximo que o urbanizador pagará pela gleba é o resíduo do valor geral de vendas (VGV) depois de descontadas as despesas totais de urbanização e o retorno do seu capital.

De modo análogo ao que sucede na construção em altura, o produto de um projeto de urbanização consiste em um lote “médio” representativo de uma cesta de diferentes tamanhos e localizações dentro da gleba, servido por uma urbanização de certo padrão. Há que se considerar, no entanto, uma importante particularidade: dado que a terra é irreproduzível a cada quantidade a ser produzida (número de subdivisões da gleba) corresponde, para um mesmo padrão de urbanização, um produto diferente a ser valora-do pela demanda – e um preço final de metro quadrado de terreno.

Também aqui utilizamos, para fins analítico-didáticos, uma simplifi-cação quanto à variação de custos em relação à quantidade de lotes, que admitimos como estritamente linear.

Essa quantidade de produto aparece aqui expressa como quantidade de lotes. A uma dada quantidade de lotes-padrão corresponderá, portan-to, o lote mínimo estabelecido pela norma.

Como expresso na figura 9, o urbanizador deverá optar pelo produto padrão de urbanização + tamanho de lote (P1L1) que maximize o retorno bruto, no marco das normas urbanísticas que estabelecem o padrão míni-mo de urbanização e o tamanho mínimo do lote (opção A). No diagrama, o lote mínimo legal (Lmín) impede que o urbanizador realize o máximo potencial de mercado da gleba (opção B), assim determinando o valor re-sidual Vr < Vr ótimo, sendo Vr o preço mais provável da transação.

Do parcelamento formal ao informal

Sem pretender minimizar a complexidade do mercado informal de solo, usaremos, finalmente, o esquema residual para ilustrar a passagem de um projeto de parcelamento do mercado formal ao informal.

No projeto de urbanização representado na figura 9, opção A, o urba-nizador e o proprietário dividiriam entre si o retorno bruto da venda do produto mais rentável permitido pela norma.

Suponhamos, no entanto, que o proprietário deste terreno tenha sido procurado por um urbanizador oportunista, dizendo-se intermediário de uma demanda D2 que, por desinformação ou simples premência, estaria

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disposta a pagar o mesmo preço por lotes de tamanho inferior ao permiti-do pela norma (ou seja, um preço mais caro por metro quadrado de solo). Assim se configuraria um empreendimento com um produto P1L2 (mes-mo padrão de urbanização e lote menor que o mínimo legal), gerando um valor residual da gleba Vr2 > Vr (fig. 9, B).

O proprietário, neste caso, conclui que o aumento do preço da gleba não compensa o risco de se envolver num empreendimento irregular.

1 10 20 30 40 50 60 70...

VGV

Q

P1L2

P1L1

A B C

P2L3

D1D2

D3

Vr2 Vr3Vr

$

Ru3

Ru2

Formação do valor residual do termo em loteamento formal/informal

Mercado formal Mercado informal

demanda

Retornourbanizador

Despezas deurbanbanização

Vr glebaL min L ótimo P1 L ótimo P2

Retorno Bruto =VGV - Dp urb

Legenda figura 9a ,9b e 9c

Para deter o crescimento do mercado informal, é preciso ou uma redu-ção significativa do preço da terra urbanizada ou um aumento mais que proporcional dos rendimentos das camadas mais pobres da população.

O urbanizador pirata informa, então, que também é intermediário de uma demanda D3 – ainda mais premida pela necessidade – que, convencida de que o governo executará em breve um grande programa de urbanização de assentamentos irregulares, se dispõe a pagar um preço algo mais baixo por lotes bem menores do que o mínimo legal (provavelmente um metro quadrado ainda mais caro, portanto) e um padrão de urbanização bastante inferior ao estabelecido pela norma – e sem cumprimento das obrigações legais de doação de terrenos para escola e posto de saúde. Assim se configu-raria um empreendimento com um produto P2L3 (padrão muito inferior, lote menor que o legal e sem cumprir obrigações), gerando, apesar da redu-ção do valor geral de vendas, um valor residual da gleba Vr3 >>> Vr, sendo este o máximo que o urbanizador pirata pode oferecer (fig. 9, C)

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Aula 02

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O proprietário, neste caso, calcula que o aumento do preço da gleba mais que compensa o risco do empreendimento e fecha o negócio. O lo-teador pirata embolsa o seu retorno (Ru3) e o proprietário o seu preço (Vr3), ambos consideravelmente aumentados. Embora muitos compra-dores venham a se tornar inadimplentes, a estratégia de vendas de altas prestações iniciais assegura a manutenção do negócio dentro da margem de risco calculada.

Aos compradores, resta esperar que o governo execute as obras pro-metidas. Ao governo, resta pagar a conta do prejuízo anunciado – a valo-rização a ser gerada pelas obras já foi embolsada, por antecipação, pelo proprietário da gleba. Fica a sugestão de que, para deter o crescimento do mercado informal, é preciso ou uma redução significativa do preço da terra urbanizada ou um aumento mais que proporcional dos rendimentos das camadas mais pobres da população.

Na próxima aula, você conhecerá uma série de instrumentos urba-nísticos, tributários, financeiros, jurídicos e políticos para que a so-ciedade possa recuperar a valorização da terra produzida por inves-timentos ou ações do poder público ou da coletividade.

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BibliografiaABRAMO, Pedro. Mercado e Ordem Urbana – do caos à teoria da locali-zação. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil/Faperj, 2001

BORRERO, Oscar. “Formación de precios del suelo urbano”. Lincoln Insti-tute of Land Policy, EAD, Programa para América Latina y el Caribe, 2000.

FURTADO, Fernanda. “Curso Instrumentos Fiscais e de Regulação do Es-paço Urbano” (Apresentação). Ministério das Cidades/ CEF/ Lincoln Insti-tute of Land Policy, Jaboatão dos Guararapes e Brasília, maio de 2006.

JORGENSEN, Pedro. “Contribución al estudio de la Outorga Onerosa do Direito de Construir (Brasil): contenido económico y fórmulas de cálcu-lo”. Lincoln Institute of Land Policy, Curso Profundización en Políticas de Suelo en América Latina Fev-Mai 2007 – Ciudad de Panama.

MORALES SCHECHINGER, Carlos. “Algunas reflexiones sobre el finan-ciamiento de las ciudades con suelo urbano”. Lincoln Institute of Land Policy, EAD, Programa para América Latina y el Caribe, 2007

SMOLKA, Martin. “Determinación de los precios – de Von Thünen a Alonso y más allá” (Apresentação). Lincoln Institute of Land Policy, Outubro de 2006.

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Nesta aula, você aprofundará o conhecimento sobre o Estatuto da Cidade e particularmente de seus instrumentos, para recuperar, para toda a sociedade, a valorização imobiliária obtida, de forma privada, resultante de obras e outras ações do poder público, como as mudanças de usos e dos indíces de ocupação dos imóveis.Após a promulgação do Estatuto, passou a ser dever do Estado pro-mover a justa distribuição de ônus e benefícios da urbanização e reduzir as desigualdades e equalizar as oportunidades nas cidades. O Estatuto lista uma série de instrumentos urbanísticos, tributá-rios, fi nanceiros, jurídicos e políticos para realizar as funções sociais da cidade e da propriedade urbana. Nesta aula, serão tratados os seguintes instrumentos tributários e urbanísticos: o IPTU (Impos-to Predial e Territorial Urbano), a Outorga Onerosa do Direito de Construir e de Alteração de Uso, a Operação Urbana Consorciada, a Contribuição de Melhoria e os incentivos fi scais e fi nanceiros.

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Aula 03

Gestão social da valorização da terra

Paula SantoroRenato Cymbalista

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i Edifício Master

O Master é um prédio de Copacabana, a uma quadra da praia. São 276 conjugados (23 por andar), em que vivem mais ou menos 500 pessoas (donos ou inquilinos). O aluguel de um apartamento é por volta de R$ 350, com despesas de condomínio de R$ 135.

Coutinho e sua equipe ficaram no prédio por um mês, filmando entrevistas. Na montagem final, aparecem depoimentos de 37 moradores. (...) considere o parado-xo da modernidade urbana: uma extrema proximidade física, vidas que se tecem a poucos metros umas das outras, atrás de uma parede ou de um piso, mas que mal se cruzam.

(...) Os prédios em que moramos são aldeias paradoxais: compartilhamos cheiros, barulhos, gritos, sem por isso saber o que define a nossa tribo; ou seja, sem saber o que temos em comum ou mesmo sem admitir que tenhamos algo em comum. Até porque, em geral, preferimos curtir a ilusão de nossa unicidade absoluta.

Qual é o comum denominador de humanidade que reconhecemos em nossos vizi-nhos e semelhantes? Como essa humanidade comum se concilia com a presunção de nossa unicidade? O filme de Coutinho responde. Graças a ele, descobrimos que nossos vizinhos não são exóticos; ao contrário, são banais, mas, apesar disso, suas vidas são tão únicas quanto as nossas...

Contardo Calligaris - Folha de São Paulo 21/11/2002

A íntegra da resenha está disponível em <http://www2.tvcultura.com.br/metro-polis/critica/critica.asp?idcritica=19>

(Endereço acessado em 01/04/2008)

Título: Edifício Master

País de origem: Brasil

Gênero: Documentário

Tempo de duração: 110 minutos

Ano de lançamento: 2002

Estúdio/Distribuidora: Riofilme

Direção: Eduardo Coutinho

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Aula 03

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Introdução

Em julho de 2001, foi aprovada pelo Congresso Nacional a Lei Federal nº 10.257/01, conhecida como o Estatuto da Cidade, que regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal (capítulo de política urba-na) e institui a nova moldura institucional que regula a política urbana a ser feita pela União, estados e municípios. Desde 1990 em tramitação no Congresso, o Estatuto da Cidade é ao mesmo tempo resultado e nova trin-cheira de luta para os segmentos sociais que trabalham, há décadas, pela democratização das cidades e das políticas territoriais no Brasil. Muitas foram as inovações do Estatuto da Cidade em relação às práticas e moldu-ras institucionais tradicionais do planejamento e da gestão urbana no País. Entre essas inovações, as que mais têm sido evocadas são:

a renovação dos princípios e diretrizes que devem ser seguidos nas •políticas urbanas;

o detalhamento do conceito de função social da propriedade; •

a regulamentação de instrumentos com maior capacidade para inter- •vir nos mercados de terras;

a maior facilidade para conduzir processos de regularização fundiária; •

o imperativo de que o planejamento urbano vise sempre construir a •gestão democrática da cidade (ROLNIK, Raquel et allii, 2002).

Desde sua promulgação, o Estatuto da Cidade vem sendo utilizado por go-vernos democráticos e pela sociedade ci-vil como ferramenta para renovar prá-ticas de planejamento, seja por meio da implementação de novos instrumentos democráticos e participativos de plane-jamento, seja por impedir os processos de planejamento que não estejam cons-truídos e conduzidos segundo os precei-tos do Estatuto da Cidade.

iQuanto às possibilidades de renovar a legislação, destacam-se vários planos diretores construídos de forma participativa, que têm logrado implementar instrumentos de democratização da terra urbana (as Zonas Especiais de Interesse Social, por exemplo), como os planos diretores dos municípios de Recife/PE, São Paulo/SP, Santo André/SP, Diadema/SP, Mauá/SP, entre outros. Quanto aos processos que fo-ram questionados e até mesmo obstruídos com base nos princípios do Estatuto da Cidade, destacamos os planos diretores de Salvador/BA, que foi temporaria-mente interrompido, e, principalmente, o de Forta-leza/CE, cujo processo participativo foi questionado pela sociedade civil. Algumas delas podem ser vistas no Banco de Experiências www.cidades.gov.br

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Este texto oferece uma leitura específica, a ser agregada às abordagens mais comumente apropriadas do Estatuto da Cidade, sob a perspectiva da justa distribuição dos ônus e benefícios decorrentes do processo de urbanização, o que inclui uma análise da possibilidade de a coletividade recuperar para si a valorização da terra que resulte de ações públicas ou privadas – como obras públicas, alterações da norma urbanística (mudan-ça de uso do solo) ou mudanças na classificação do solo. A idéia central é fundamentar, aqui, uma interpretação de mão dupla: por um lado, a interpretação segundo a qual, após a promulgação do Estatuto da Cidade, é dever do Estado promover a justa distribuição de ônus e benefícios da urbanização e recuperar, para toda a sociedade, a valorização resultante de obras públicas (diretrizes do Estatuto da Cidade), e, por outro lado, a interpretação segundo a qual a recuperação social da valorização do solo obtida como resultado de investimentos públicos deve ser operada com vistas à efetivação da função social da propriedade.

Portanto, o objetivo aqui não é se debruçar sobre instrumentos especí-ficos para a recuperação social da valorização do solo somente para obter contrapartidas dos proprietários ou empreendedores. Também interessa considerá-los como instrumentos para recuperar socialmente a valoriza-ção do solo como instrumentos que influenciam a democratização do acesso à terra e que colaboram para combater a especulação imobiliária e

para regular o mercado de terras; como instrumentos que, em síntese, colabo-ram para promover a justa distribuição, para todos os habitantes da cidade, dos ônus e benefícios decorrentes do proces-so de urbanização.

As diretrizes gerais do Estatuto da Cidade: a justa distribuição de ônus e benefícios da urbanização como instrumento de justiça social

Com a promulgação do Estatuto da Cidade, é importante ressaltar o papel desempenhado pelas diretrizes gerais da política urbana, definidas pelo seu art. 2º. As diretrizes gerais se constituem em verdadeiras nor-mas gerais do Direito Urbanístico no Brasil. Como tal, são consideradas obrigatórias tanto para agentes públicos como privados. Incluem, ainda, os três entes federativos – União, estados e municípios – bem como as

i Temos insistido na necessidade desses enfrentamen-tos, produzindo o que denominamos “gestão social da valorização da terra”.

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Aula 03

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três esferas de poder – Legislativo, Executivo e Judiciário (Sundfeld, 2002; Fernandes, 2002; Saule Júnior, 2003). Assim, a política urbana passa a ser controlada por parâmetros normativos de âmbito nacional.

Não se trata de mera orientação: qualquer ação ou omissão que contrarie as diretrizes gerais da política urbana na-cional pode ser considerada ilegalidade e, como tal, passível de questionamento judicial. É certo que qualquer ato ou nor-ma a elas contrário pode ser invalidado. O poder público pode ser submetido a sanções caso contrarie esses parâmetros.

Aliás, as diretrizes gerais do Estatuto da Cidade têm seu fundamento já no tex-to constitucional. De fato, determina o art. 182 da Constituição Federal que:

“A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes” (grifo nosso).

Ou seja, a desobediência às diretrizes gerais do Estatuto da Cidade se constitui não só em ilegalidade, mas também em inconstitucionalidade. Ten-do em vista a extrema importância dessas diretrizes gerais definidas pelo art. 2º do Estatuto da Cidade, convém destacar algumas delas, que trazem conse-qüências mais específicas para a recuperação da valorização fundiária no Bra-sil, que passa a se constituir como instrumento de justiça social na cidade.

Primeiro, os dois princípios constitucionais fundamentais da política urbana, o principio da função social da cidade e da propriedade urbana, artigos 182 e 183 da Constituição Federal e do art. 2º, do Estatuto da Cida-de, são considerados os pilares da ordem urbanística brasileira. O desen-volvimento pleno das funções sociais da cidade supõe a realização plena do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, ao transporte e aos serviços públi-cos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações (Estatuto da Cidade, art. 2º, inciso I).

iCom efeito, o Estatuto prevê a violação à ordem ur-banística como passível também de tutela judicial coletiva, pela via da Ação Civil Pública (Art. 53-54). Assim, é possível pleitear ao Poder Judiciário “limi-nares de cunho acautelatório ou antecipatório (Lei 7.347/85, arts. 4º e 12); pleitear a imposições de obri-gação de fazer e não fazer, inclusive com a adoção de multas diárias (astreintes) (Lei 7.347/85, art. 3º); destinar eventuais indenizações para um fundo para a proteção específica dos bens protegidos pela ação civil pública (Lei 7.347/85, art. 13); tudo sem prejuízo da tutela pela ação civil pública de direitos e interesses de cunho individual (desde que homogêneos)” pre-vistos pelo art. 21 da Lei no 7.347/85 (Bueno, 2002).

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Já a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no Plano Di-retor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes gerais previstas pelo art. 2º (art. 39, Estatuto da Cidade). De acordo, ainda, com o art. 2º, inciso VI, esta orde-nação e controle do uso do solo expressos no Plano Diretor deve evitar:

a utilização inadequada dos imóveis urbanos;a.

a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;b.

o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequa-c. dos em relação à infra-estrutura urbana;

a instalação de empreendimentos ou atividades que possam funcionar d. como pólos geradores de tráfego, sem a previsão de infra-estrutura correspondente;

a retenção especulativa de imóvel urbano, que resulte na sua subutili-e. zação ou não utilização;

a deterioração das áreas urbanizadas;f.

a poluição e degradação ambiental.g.

O Estatuto da Cidade coloca, portanto, no patamar de normas gerais do direito urbanístico e do planejamento urbano no Brasil, o combate à retenção especulativa de imóvel urbano (art. 2, inciso VI, a), bem como o parcelamento, a edificação e o uso do solo inadequados ou excessivos em relação à infra-estrutura (art. 2, inciso VI, c), e a instalação de em-preendimentos ou atividades de impacto sem previsão de infra-estrutura correspondente (art. 2, inciso VI, d). Mais adiante, o Estatuto consagra ainda outras importantes diretrizes gerais, que, de forma expressa, tratam da justa distribuição de ônus e benefícios da urbanização:

Art. 2. A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvi-mento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais: (...)

IX – Justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização;

XI – recuperação dos investimentos do Poder Público de que tenha resul-tado a valorização de imóveis urbanos”

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Essas diretrizes são orientadas especificamente para a recuperação so-cial da valorização do solo, entendida como elemento importante para a realização da justiça social na cidade. Partem do pressuposto de que os incrementos de valor de uma propriedade urbana que derivam de ações do poder público devem retornar à comunidade como um todo, em vez de serem apropriados apenas pelos proprietários. As ações públicas que ge-ram valorizações fundiárias – incluindo o investimento em infra-estrutura e serviços, ou ações decorrentes de decisões regulatórias sobre o uso do solo urbano – devem reverter em um benefício a todos os habitantes da cidade.

De fato, esses dispositivos fixam uma importante diretriz ao aspec-to econômico do processo de urbanização: seus ônus e benefícios devem ser distribuídos segundo um critério de justiça. A presença dessa idéia no Direito Brasileiro não é propriamente uma novidade, pois ela já estava incorporada em institutos como a Contribuição de Melhoria (CF, art. 145, III) e a Desapropriação por Zona (Decreto-lei 3.365, de 21 de junho de 1941). Mas agora ela assume o status de diretriz da política urbana, com o que sua influência se amplia (Sundfeld, 2002: 60). Isto porque, como nor-ma geral de direito urbanístico, conforme já dito, deve ser obedecida por agentes públicos e privados, sob pena de invalidade e submissão às san-ções correspondentes. Outra diretriz geral de importância para a questão da justa distribuição é a necessidade de:

Art. 2º:

X - adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e fi-nanceira e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urbano, de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais;”

Esta determinação consagra a necessária consonância entre as políti-cas econômica, tributária e financeira aos objetivos da política urbana e da justiça social. Relaciona-se também com a imprescindível aproximação entre Direito Urbanístico e Direito Tributário. O Estatuto lista inclusive instrumentos tributários e financeiros no Capítulo II, “Dos instrumentos da Política Urbana”, à luz de seu art. 4º, inciso IV:

Art. 4º. Para os fins dessa Lei, serão utilizados, entre outros instrumen-tos: (...)

IV – institutos tributários e financeiros:

a) imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana – IPTU;

b) contribuição de melhoria;

c) incentivos e benefícios fiscais e financeiros.”

Recuperação de mais-valia fundiária, aqui denominado recupe-ração da valorização da terra, de acordo com Smolka & Fur-tado (2001: XIV), é a recuperação da valo-rização do solo obtida de forma privada, por alguns proprietários, valorização essa fruto de ações, como realiza-ção de obras públicas, alterações na norma urbanística ou mesmo mudanças na classi-ficação do solo (que promovem alteração no valor do solo). Se forem ações bem-suce-didas, aumentam o va-lor do solo de proprie-dades particulares que são afetadas por essas ações públicas, ou seja, se revertem em benefí-cios privados. Existem instrumentos, conheci-dos como instrumen-tos de recuperação de mais-valia fundiária, que buscam recupe-rar para a coletividade parte (ou a totalidade) dessa valorização do solo obtida de forma privada.

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Essa análise evidencia o papel do Estatuto da Cidade como norma que busca combater a especulação imobiliária e promover a justiça só-cio-territorial, estabelecendo a recuperação social da valorização da terra como dever do Estado. Para a realização dessas diretrizes, o Estatuto da Cidade avança, instituindo uma série de instrumentos de política urbana, que devem ser usados tendo por objetivo reverter a lógica da exclusão nas cidades. Por serem normas gerais, conclui-se que instrumentos de política urbana aplicados em oposição a essas diretrizes – que evocam os princí-pios da função social da cidade e da propriedade urbana bem como da de-mocratização do acesso à terra – podem ser invalidados e os responsáveis por sua instituição, punidos.

Instrumentos para a justa distribuição de ônus e benefícios da urbanização no Estatuto da Cidade

Convém, agora, analisar os instru-mentos de política urbana previstos no Estatuto da Cidade, que possam garan-tir a realização dessas diretrizes gerais, especialmente no que tange à diretriz da justa distribuição de ônus e benefícios da urbanização, enfatizando os instrumen-tos de recuperação social da valoriza-ção fundiária. Todos os instrumentos da política urbana previstos no Estatuto da Cidade – sejam eles de planejamento, tributários, financeiros, jurídicos ou po-líticos – deverão necessariamente seguir todas as diretrizes dispostas pelo art. 2º.

Essa análise vai se restringir a alguns instrumentos urbanísticos – Ou-torga Onerosa e Operação Urbana Consorciada – e tributários – Impos-to Predial e Territorial Urbano (IPTU) e Contribuição de Melhoria, sob a perspectiva da recuperação social da valorização da terra. Também o Plano Diretor será abordado, considerando que esse é o principal ins-trumento para a política urbana e por isso tem importância central como articulador dos diversos instrumentos em prol da realização das funções sociais da cidade e da propriedade urbana. Como já se afirmou na Intro-dução, esses instrumentos serão tratados considerando o modo como in-fluenciam a democratização de acesso à terra, o combate à especulação

i No Brasil, alguns autores (como Smolka, Furtado, Ambrosi, etc.) colocam como ferramentas que po-dem trabalhar no sentido da justa distribuição de ônus e benefícios da urbanização ou de gestão social da va-lorização da terra outras além das citadas no Estatuto da Cidade, entre elas: (a) impostos: Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e Imposto de Transmissão de Bens Intervivos (ITBI); (b) taxas: licença de uso e autorização de funcionamento ou habite-se; (c) Con-tribuição de Melhoria; (d) Outros instrumentos que exijam contrapartidas financeiras ou não (em obras, em permuta de terreno, em doação) ou que possam promover incentivos e benefícios fiscais e financeiros, como, por exemplo: Legislação de Controle de Pó-los Geradores de Tráfego, Termo de Ajustamento de Conduta, Termos de Compromisso.

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imobiliária e a regulação do mercado de terras, garantindo a justa distri-buição de ônus e benefícios decorrentes do processo de urbanização a to-dos os habitantes da cidade, sempre na perspectiva de realização das fun-ções sociais da cidade e da propriedade urbana, lembrando que todos os agentes públicos e privados deverão, ao aplicar os instrumentos, realizar as diretrizes gerais estabelecidas no art. 2º. Como lembra Betânia Alfonsin (2004:1), “Não há validade jurídica para a aplicação de instrumentos em sentido contrário ao preconizado pelas diretrizes da política urbana traça-das no Estatuto da Cidade”.

“Não há validade jurídica para a aplicação de instrumentos em sen-tido contrário ao preconizado pelas diretrizes da política urbana tra-çadas no Estatuto da Cidade.” Betânia Alfonsin

Plano Diretor

Com a Constituição de 1988 e o Estatuto da Cidade, o Plano Diretor adquire nova importância como instrumento de política urbana. Passa a ser considerado o instrumento básico de política de desenvolvimento e expansão urbana (art. 40). É o Plano Diretor que definirá o conteúdo da fun-ção social da propriedade (art. 39), que a partir de então deixa de ser uma mera “recomendação” para se concretizar na realidade brasileira.

A importância central atribuída pelo Estatuto da Cidade ao Plano Diretor como elemento de regulação do uso do solo e de efetivação da função social da propriedade faz com que este seja o ins-trumento que explicita a forma que a re-cuperação social da valorização da terra será feita nas cidades e como ela compõe a moldura geral da gestão do território municipal. Além disso, o Plano Diretor passa a ser obrigatório para muitos mu-nicípios, que tiveram de aprovar seus pla-nos diretores até outubro de 2006 (art. 50), sob pena de incorrer em improbidade ad-ministrativa (art. 52).

iA lei nº 11.673/08 sancionada em 2006 prorrogou para 28 de fevereiro de 2008 a data para os municípios envia-rem os Planos Diretores às Câmaras e estabeleceu a data de 30 de junho de 2008 para a aprovação das Câmaras.

O Plano Diretor é obrigatório para cidades com mais de 20 mil habitantes; integrantes de regiões metro-politanas ou aglomerações urbanas; onde o poder público pretenda utilizar os instrumentos previstos no § 4º do art. 182 da Constituição Federal; integran-tes de áreas especiais de interesse turístico; inseridas na área de influência de empreendimentos ou ativi-dades de significativo impacto ambiental de âmbito regional ou municipal (Estatuto da Cidade, art. 41).

iA Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrati-va) define como penalidades a perda da função públi-ca, a suspensão dos direitos políticos, o pagamento de multa, a proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou credití-cios, direta ou indiretamente, ainda que por intermé-dio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário.

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O Plano Diretor define a realização concreta das diretrizes gerais do Es-tatuto e a aplicação dos instrumentos de política urbana no território da ci-dade. Há, inclusive, instrumentos que só poderão ser aplicados se estiverem definidas as áreas para sua utilização no próprio Plano Diretor. É o caso do Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios, do Direito de Preemp-ção, da Outorga Onerosa do Direito de Construir e de Alteração de Uso, das Operações Urbanas Consorciadas e da Transferência do Direito de Construir, instrumentos pertencentes ao conteúdo mínimo do Plano Diretor (art. 42).

As diretrizes gerais e os instrumentos específicos de recuperação so-cial da valorização da terra previstos no Estatuto da Cidade devem ser planejados no território do município através do Plano Diretor, que orga-niza o crescimento e o funcionamento da cidade e, principalmente, é um instrumento que regula o preço da terra. Pode promover a valorização fundiária, na medida em que propõe alterações na norma urbanística ou mesmo mudanças na classificação do solo, fatores geradores de valoriza-ção, que deve ser recuperada e distribuída de forma justa.

Isso pode ocorrer em muitas situações, como quando o Plano Diretor define zonas de expansão urbana; quando altera o uso do solo de rural para urbano; quando estabelece a possibilidade de novos loteamentos; quando define formas, parâmetros de ocupação e potenciais construti-vos para as diversas zonas da cidade; quando altera usos permitidos (por exemplo, de habitacional para comercial, de estritamente residencial para misto); quando estabelece incentivos à ocupação com determinado uso; quando define as formas de parcelamento permitidas para cada parte da cidade; entre outros. Uma vez que o Plano Diretor incide sobre o valor da terra, pode incluir instrumentos de recuperação social da valorização do solo gerada após a sua entrada em vigor.

O Plano Diretor é também um ins-trumento importante para evitar a re-tenção especulativa de imóveis, princi-palmente no que diz respeito à indução da ocupação de imóveis e terrenos vazios dotados de infra-estrutura. Promove, as-sim, a democratização do acesso à terra e pode operar de forma preventiva, evi-tando posteriores apropriações indevidas da valorização do solo.

i Um exemplo nesse sentido podem ser as Zonas Especiais de Interesse Social para Áreas Vazias. De acordo com Mourad (2000: 106 e 113), o instru-mento urbanístico das Áreas Especiais de Interesse Social utilizado em Diadema/SP (a partir de 1994) serviu para ampliar o mercado de terras no municí-pio, democratizando o acesso à terra, na medida em que significou reserva de terra para moradia para fa-mílias com renda de um a quatro salários mínimos, duplicando a oferta de terras e promovendo inicial-mente diminuição do preço da terra ao mudar sua classificação de industrial para AEIS.

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Se levarmos em conta as diretrizes gerais colocadas no item anterior, um Plano Diretor que interfere nos investimentos públicos ou nas normas de uso e ocupação do solo de forma a promover valorização fundiária deve prever os instrumentos através dos quais irá recuperar a valorização fundiária gerada por essas interferências. Da mesma forma, um Plano Di-retor que possui instrumentos de recuperação da valorização fundiária deve associar essas receitas ao cumprimento da recuperação para toda a sociedade, como parte da efetiva função social da propriedade e da cida-de, exigida por lei no Brasil depois de promulgado o Estatuto da Cidade. Caso contrário, caberá até mesmo questionamento judicial. Isto porque o Plano Diretor, como instrumento da política urbana, deve respeitar todas as diretrizes gerais estabelecidas pelo Estatuto da Cidade, especialmente a justa distribuição do ônus e benefícios decorrentes do processo de urba-nização e a necessidade de recuperação social da valorização imobiliária decorrente da ação do poder público.

Outorga Onerosa do Direito de Construir e de Alteração de Uso

O direito de construir, fundamentado no direito de propriedade, é ex-pressamente tratado como objeto de regulação pública. A partir da apro-vação do Estatuto da Cidade, o direito de construir passa, então, a se sub-meter aos objetivos da política urbana e, conseqüentemente, às funções sociais da cidade e da propriedade urbana.

A Outorga Onerosa do Direito de Construir foi regulamentada pelos artigos 28 a 31 do Estatuto, tomando como pressuposto o conceito de Solo Criado, definido na Carta de Embu. A carta “propunha criar mecanismos para recuperação [social] da valorização fundiária gerada pelos investimen-tos públicos, principalmente, por meio do Solo Criado, mediante o estabe-lecimento de coeficiente único para o conjunto da cidade e venda de co-eficiente adicional” (Rolnik, 2002). Nesse sentido, a Outorga Onerosa do Direito de Construir pode ser considerada importante instrumento de recu-peração social da valorização fundiária, na medida em que se baseia na justa distribuição dos ônus e benefícios decorrentes do processo de urbanização, permitindo o retorno de parte dos investimentos públicos consolidados nas redes de infra-estrutura. Implica, portanto, a recuperação pela coletividade da valorização fundiária decorrente da ação do poder público.

A Carta de Embu foi re-sultado do Congresso sobre o solo criado na cidade de Embu, São Paulo, por iniciativa da Fundação Prefeito Fa-ria Lima (Cepam), em 1976, que contou com a participação de gesto-res públicos, urbanistas, juristas e economistas. A carta defende que “toda a edificação aci-ma do coeficiente único é considerada solo cria-do, quer envolva a ocu-pação de espaço aéreo, quer a de subsolo”.

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Com efeito, os proprietários que se beneficiarem com a utilização maior do potencial construtivo e, pois, da infra-estrutura urbana deverão devolver parte da riqueza gerada à coletividade. O mesmo acontece com a Outorga Onerosa de Alteração de Uso. O Estatuto determina que o Plano Diretor fixe áreas nas quais poderá ser permitida a alteração de uso do solo mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário (Estatuto da Ci-

dade, art. 29). Dessa forma, estabelece a possibilidade da recuperação social da va-lorização fundiária criada a partir da alte-ração de uso do solo, abrindo uma série de possibilidades aos municípios brasilei-ros, especialmente aqueles acostumados a promover a expansão urbana através do redesenho constante do perímetro ur-bano e de mudanças de zoneamento de uso agrícola para urbano, ou usos menos valorizados para mais valorizados, entre outros. É também uma opção para os municípios que têm dificuldade para re-visar com a freqüência desejável a Planta Genérica de Valores.

Primeiramente, o Estatuto arrolou a Outorga Onerosa como instituto jurídico e político (art. 4º, V, “n”) e, portanto, não é um tributo. Embo-ra haja posição contrária a essa interpretação, entendemos que a receita

oriunda do pagamento da outorga é pre-ço público, uma vez que a aquisição do direito ao Solo Criado ou à mudança de uso do solo não possui o caráter compul-sório inerente ao tributo, conforme está definido no art. 3º do CTN. De acordo com Eros Grau:

“Tributos são receitas que encontram sua causa em lei, daí sua defini-ção como receitas legais. No caso em espécie, estamos diante de um ato de aquisição de um direito não compulsório. Trata-se de ato voluntário, no qual o requisito das vontades das partes – setores público e particular – substitui o requisito da imposição legal” (Grau, 1982:82).

A Outorga Onerosa, portanto, não se origina de um ato compulsório, gerador de obrigação ao particular como os tributos. É diferente, portan-

i Ao revisar os valores de cobrança de IPTU, nem sempre os municípios conseguem recuperar social-mente a grande valorização promovida pela mu-dança de uso de solo agrícola para urbano, um dos fatos geradores que, com certeza, provocam maior valorização da terra. Por isso, a cobrança de Outor-ga Onerosa de Alteração de Uso pode ser pensada combinada com a revisão dos valores do IPTU, considerando que ela estaria sendo cobrada levan-do em conta a valorização que não estaria sendo recuperada pelo IPTU. Além disso, diferentemente do IPTU, a Outorga Onerosa não é compulsória, é cobrada no momento em que o proprietário fizer algo, efetivamente mudar o uso, portanto pode ser uma opção para recuperar a valorização fundiária associada à realização dessa mudança de uso.

i Assim também entendem Hely Lopes Meirelles e Floriano de Azevedo Marques Neto.

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to, do IPTU, em que o simples fato de possuir um imóvel urbano já gera a obrigação. A aquisição de potencial construtivo excedente pelo proprie-tário do imóvel é um ato voluntário, que importa um ônus – no caso, a contrapartida do beneficiário (art. 30, III).

Outro aspecto importante trazido pelo Estatuto da Cidade é vincular a aplicação da Outorga Onerosa do Direito de Construir e de Alteração de Uso à sua previsão no Plano Diretor (art. 28). Além disso, a Outorga One-rosa só poderá ser aplicada em áreas definidas pelo Plano Diretor (art. 28, caput, c/c art. 29 c/c art. 42, II). Esse papel central conferido ao Plano Di-retor busca, na verdade, vincular a aplicação da Outorga ao planejamento urbano, à realização das funções sociais da cidade e da propriedade urba-na. Evitam-se, assim, soluções casuísticas, decididas individualmente, caso a caso. O Plano Diretor define o coeficiente de aproveitamento básico – que poderá ser único ou diferenciado – e o coeficiente de aproveitamento máximo (art. 28, § 2º e 3º). Esse limite máximo ao direito de construir deverá levar em conta a proporcionalidade entre a infra-estrutura existen-te e o aumento de densidade esperado em cada área (art. 28, § 3º). Dessa forma, evita-se o adensamento construtivo desvinculado de um plano de desenvolvimento urbano e de um estudo das condições e possibilidades de provisão de infra-estrutura.

O Estatuto da Cidade prevê, ainda, a edição de uma lei municipal espe-cífica que definirá a fórmula de cálculo da cobrança, os casos passíveis de isenção do pagamento da outorga e a contrapartida do beneficiário (art. 30). A exigência de discriminar em lei o cálculo permite que reavivemos uma das principais limitações e polêmicas em relação aos processos de se recuperar a valorização: a aferição dos valores. Como diz Furtado (2004), tanto a influência política dos proprietários como as deficiências técni-cas – e também legais, para poder fazer avaliações adequadas de valores de solo – foram identificadas por estudiosos e funcionários públicos como deturpado-ras de sua aplicação em muitos países. Dessa forma, a aprovação dos cálculos por lei pode facilitar o controle social, evitando soluções particulares e eventu-ais favorecimentos.

iDessa forma, a publicação e a informação dos cál-culos efetuados (não necessariamente através da legislação, mas através de instrumentos de comu-nicação) são fundamentais para permitir o controle pela sociedade e para evitar favorecimentos, além de colaborar para a imagem positiva do instrumento, uma vez que é fácil aferir se a cobrança está sendo feita a partir de valores justos.

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A definição dos critérios e casos passíveis de isenção do pagamento também deve estar de acordo com os objetivos do Plano Diretor e, uma vez estabelecida em lei específica, dificulta o surgimento de exceções obtidas sem critérios claros e negociados de forma obscura nas Câmaras Munici-pais. Esse aspecto é importante para entender o instrumento da Outorga não apenas como recuperador da valorização da terra, mas como instru-mento de controle urbanístico. A isenção pode ser possível, por exemplo, para estimular a produção de determinados usos, como usos não residen-ciais em regiões dormitório, com a intenção de diminuir a necessidade de deslocamentos na cidade, ou o uso para produção de Habitação de Interesse Social, ou mesmo para implantação de equipamentos culturais ou de saúde em áreas carentes desses equipamentos (Rolnik, 2002:71).

A contrapartida dada pelo beneficiário não é necessariamente paga em dinheiro. Pode ser também em obras e serviços para o desenvolvimento urbano ou em bens imóveis. Com efeito, o Estatuto da Cidade define a destinação dos recursos captados com a Outorga Onerosa, o que contri-bui para uma política urbana redistributiva, que garanta que a recuperação social da valorização fundiária e da distribuição dos benefícios decorrentes do processo de urbanização se reverta efetivamente para toda coletividade. Fica estabelecida, em seu art. 26, a obrigatoriedade da aplicação dos recur-sos obtidos com a Outorga Onerosa com as seguintes finalidades:

regularização fundiária;I.

execução de programas e projetos habitacionais de interesse social;II.

constituição de reserva fundiária;III.

ordenamento e direcionamento da expansão urbana;IV.

implantação de equipamentos urbanos e comunitários;V.

criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes;VI.

criação de unidades de conservação ou proteção de outras áreas de VII. interesse ambiental;

proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico (Es-VIII. tatuto da Cidade, art. 26, incisos I a VIII).

Se os recursos das contrapartidas da Outorga não forem aplicados de acordo com essas finalidades, o prefeito incorre em improbidade admi-nistrativa (Lei Federal no 8.429/92 c/c Estatuto da Cidade, art. 52). Essa

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vinculação dos recursos busca relacionar a aplicação da Outorga Onerosa aos objetivos da política urbana, à realização das funções sociais da cidade e da propriedade urbana. Só é possível por não se tratar de um tributo, uma vez que a vinculação de impostos a órgão, fundo ou despesa legal é vedada pela Constituição Federal (CF, art. 167, IV). Mas essa vinculação da aplicação dos recursos a tais finalidades per si não é suficiente.

Antes da aprovação do Estatuto, muitos desses recursos eram reverti-dos em benefícios a quem obteve os direitos de construir, revalorizando os imóveis e não se revertendo em benefícios à coletividade. É o caso, por exemplo, de contrapartidas como melhoria do sistema viário, sinalização e pista de desaceleração em frente ao empreendimento beneficiado com direitos de construção. Conforme já dito, de acordo com as diretrizes ge-rais do Estatuto, os benefícios decorrentes do processo de urbanização de-vem ser distribuídos de forma justa. E isso deve ser garantido também no território de forma que a recuperação social da valorização se reverta para a comunidade como um todo. É o que determina também o princípio das funções sociais da cidade.

Por fim, convém ressaltar que uma forma de garantir a aplicação dos recur-sos nas finalidades previstas é o Plano Diretor estabelecer a destinação das contrapartidas da Outorga para um Fundo Municipal de Desenvolvimento Urbano, que deve ser gerido de forma democrática, por um conselho com-posto por representantes da sociedade civil e do poder público.

Operação Urbana Consorciada

As operações urbanas envolvem simultaneamente o redesenho de um setor (tanto de seu espaço público como privado), a combinação de in-vestimentos privados e públicos para sua execução e alteração, manejo e transação dos direitos de uso e edificabilidade do solo e obrigações de ur-banização. Trata-se, portanto, de um instrumento de implementação de um projeto urbano para uma área implantada por meio de parceria entre proprietários, poder público, investidores privados, moradores e usuários permanentes (ROLNIK, 2002:78).

iO controle pela sociedade, na definição e realização das contrapartidas, também é fundamental para que se compreenda o caráter social dessas contrapartidas. Como se verá adiante, até o Estatuto estabelecer al-gumas finalidades para a utilização dos recursos ob-tidos, muitos recursos eram obtidos e revertidos em benefícios para quem fosse detentor dos direitos de construir, o que implicava revalorização dos imóveis e não revertia em nenhum benefício à coletividade.

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O instrumento da Operação Urbana Consorciada (OUC) se utiliza do mesmo raciocínio da Outorga Onerosa, permitindo alterações nos índices urbanísticos e características de parcelamento, uso e ocupação do solo e subsolo, mas associa essas alterações a um plano urbanístico para um pe-rímetro determinado. Significa que estabelece uma área dentro da qual a valorização recuperada deverá ser aplicada na própria área.

Esse é certamente um dos instrumentos polêmicos do Estatuto da Ci-dade. As experiências de Operações Urbanas anteriores ao Estatuto mostram que em alguns casos há a recuperação da valorização, mas esta, ao ser rein-vestida onde já houve valorização, acaba por reconcentrar recursos e reforçar

processos de segregação socioespacial e exclusão territorial (Fix, 2001). Recuperar a valorização e reinvestir no mesmo local não promove a redistribuição de renda em termos espaciais e pode, ao contrário do esperado, reconcentrar riqueza (e geral-mente, também, população de melhor renda) em espaços privilegiados, foco de um volume maior de investimentos.

Para definir o que deve ser considerado como OUC, o Estatuto esta-belece que:

Art. 32, Parágrafo 1o – Considera-se Operação Urbana Consorciada o conjunto de intervenções e medidas coordenadas pelo Poder Público municipal, com a participação dos proprietários, moradores, usuários permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcançar, em uma área transformações urbanísticas estruturais, melhorias sociais e a valorização ambiental”.

Alfonsin (2004: 3-5), ao definir os contornos jurídicos do instrumento da Operação Urbana Consorciada, destaca que as “transformações urba-nísticas estruturais” podem ser:

modificação de índices e características de parcelamento, uso e ocupa- •ção do solo e subsolo;

alterações das normas edilícias, considerado o impacto ambiental de- •las decorrente;

regularização de construções, reformas ou ampliações executadas em •desacordo com a legislação vigente.

i Esses aspectos enfraquecem o instrumento da Ope-ração Urbana, se comparado a outros instrumentos para recuperação social que também podem ser usados e que têm melhor desempenho no aspecto redistributivo; por exemplo, o IPTU. Embora reco-nheçam seu potencial de arrecadação, a maioria dos especialistas em recuperação social faz críticas e ex-põe as limitações da Operação Urbana.

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Como se pode verificar, algumas delas são evidentes geradores de alte-ração do valor da terra, principalmente a modificação de índices e carac-terísticas de parcelamento, uso e ocupação do solo. Reforçando essa afir-mação, pode-se verificar que o Estudo Prévio de Impacto de Vizinhança é exigido nas áreas de Operação Urbana e dele devem constar estudos de valorização imobiliária, considerando que na própria concepção do que se entende como Operação Urbana Consorciada há valorização fundiária beneficiando alguns proprietários.

Entre as exigências do Estatuto, está a necessidade de uma lei especí-fica na qual deve constar o plano de Operação Urbana (art. 33). O conte-údo mínimo para o plano da Operação Urbana visa atingir um resultado urbanístico e envolve: definição da área a ser atingida; programa básico de ocupação da área; programa de atendimento econômico e social para a população diretamente afetada pela operação; finalidades da operação; estudo prévio de impacto de vizinhança; contrapartida a ser exigida dos proprietários, usuários permanentes e investidores privados em função da utilização dos benefícios previstos (alterações na norma e classificação do solo); forma de controle da operação, obrigatoriamente, compartilhada com representação da sociedade civil (art. 33, incisos I a VII).

Quanto à destinação dos recursos obtidos, é interessante a inclusão de elementos como a destinação de uma porcentagem dos recursos para construção de Habitação de Interesse Social (Ver Fix, 2001; Maricato e Ferreira, 2002). A destinação de recursos deve estar de acordo com os in-teresses da coletividade, por isso, a gestão social e a determinação de prio-ridades e destinação dos recursos é muito importante em uma Operação Urbana, pois elas podem evitar que as prioridades sejam de interesse de “poucos” – como, por exemplo, obras viárias localizadas, de acesso apenas a um empreendimento – e que as destinações do interesse de “muitos” demorem para se efetivar.

O Estatuto da Cidade também estabelece que a Operação Urbana deve definir em sua lei específica a contrapartida a ser exigida dos proprietários, usuários permanentes e investidores privados em função dos benefícios concedidos. De acordo com Alfonsin (2004: 5):

(...) aqui se apresenta o desenho redistributivo de cargas e benefícios que tem toda a Operação Urbana, indicando que e quanto é possível ganhar com a mudança das regras urbanísticas, bem como o que, quanto e como se paga para beneficiar-se delas. É aqui que será explicitada a forma como o poder público pretende calcular e captar as mais-valias geradas pela Operação Urbana aos terrenos privados” (grifos da autora).

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Em relação à definição das contrapartidas, seria possível retomar as mes-mas observações feitas em relação à Outorga Onerosa, especialmente no que

tange às possibilidades de redistributivi-dade no território. O fato de a Operação estar limitada por um perímetro contínuo força a associação das contrapartidas nesse perímetro, e isso tem levado a propostas de utilização do instrumento em perímetros descontínuos, visando à redistributividade.

Em São Paulo, foram criados os “Cer-tificados de Potencial Adicional de Construção” (CEPAC), que permi-tem a livre comercialização de potenciais construtivos adicionais e podem ser vendidos em leilão ou utilizados diretamente no pagamento das obras necessárias à própria operação. Existe um debate em que os defensores do

instrumento (Sandroni, 2001) avaliam que o mercado pode regular o preço do poten-cial construtivo adicional de forma positiva, permitindo ágios que beneficiam o poder público. Os críticos (FERREIRA e DE CE-SARE, 2004: 130) afirmam que “essa opera-ção subordina a política urbana aos interes-ses do mercado, transformando potencial construtivo em mais uma fonte de espe-culação financeira”. Mais ainda que a livre negociação de CEPACs entre particulares, acaba por permitir que compradores espe-culem com as expectativas de preços futu-ros dos certificados, portanto não apontam para a efetivação da redistribuição e podem ser apropriadas privadamente.

Instrumentos tributários e as funções sociais da cidade e da propriedade urbana

O Estatuto lista uma série de instrumentos tributários que passam a ser vistos também como instrumentos de política urbana e, como tal, com objetivo de realizar as funções sociais da cidade e da propriedade urbana. São eles: o IPTU e a contribuição de melhoria e os incentivos fiscais e financeiros (art. 4º, IV). Isto porque o art. 2º do Estatuto define como dire-

i É importante observar que, pelo Estatuto da Cida-de, comete crime de improbidade administrativa o prefeito que não aplicar os recursos auferidos com Operações Urbanas Consorciadas exclusivamente na própria Operação Urbana Consorciada (Estatuto da Cidade, art.52, inciso V).

Propomos que você se reúna com mais dois ou três colegas e que o grupo escolha uma das ati-

vidades descritas a seguir:

Relacionar em forma de tópicos os principais argu-1. mentos contra e a favor das Operações Urbanas Con-sorciadas.

Pesquisar a experiência dos Certificados de Potencial 2. Adicional de Construção, criados em são Paulo, e descrevê-la em um texto de até 30 linhas.

Os resultados das pesquisas devem ser apresentados pelos grupos em um chat. Sua contribuição ao debate é impor-tante. Aproveite para esclarecer também outras dúvidas relacionadas a esta aula. Confira com seu tutor as datas e os horários disponíveis.

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Aula 03

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triz geral a adequação dos instrumentos de política econômica, tributária e financeira, e dos gastos públicos aos objetivos do desenvolvimento urba-no, de modo a privilegiar os investimentos geradores de bem-estar geral e a fruição dos bens pelos diferentes segmentos sociais. Mais adiante, define, ainda, que os tributos sobre imóveis urbanos devem ser diferenciados de acordo com o interesse social.

Surge, a partir daí, uma importante intersecção entre direito urbanísti-co e direito tributário: a extrafiscalidade. A extrafiscalidade consiste no uso de instrumentos tributários para obtenção de finalidades não arrecadató-rias, ou seja, para obtenção de objetivos que não a geração de recursos para o Estado. Assim, na tributação extrafiscal, afasta-se o princípio da capaci-dade contributiva, para dar lugar à realização de um princípio de relevante interesse social: a função social da propriedade urbana (Costa, 2002).

IPTU

Se bem gerenciado, o IPTU é um dos principais instrumentos de ges-tão da valorização da terra, abrangendo todos os imóveis urbanos, cuja cobrança é incorporada ao cotidiano da gestão e relativamente aceita pelos cidadãos. Constante na Constituição Federal, o IPTU consagra um importante instrumento tributário para o cumprimento da função social da propriedade. Esse imposto pode ser utilizado tanto para fins arreca-datórios – com uma progressividade de acordo com o valor do imóvel, respeitando a capacidade econômica do contribuinte (CF, art. 156, § 1º, inciso I) – como para fins urbanísticos.

Essa progressividade extrafiscal, com finalidades urbanísticas, é regula-mentada de duas diferentes formas. Primeiro, a progressividade de acordo com a localização e o uso do imóvel, regulamentada pelo inciso II do § 1º do art. 156, inserido pela Emenda Constitucional 29/00. Assim, os imóveis localizados em áreas definidas pelo Plano Diretor como não adensáveis podem ter sua ocupação desestimulada pela progressividade do imposto. Ou, então, aqueles imóveis que sofreram alguma espécie de valorização pela alteração da classificação do solo podem ter sua alíquota majorada de acordo com o uso dado ao imóvel. Estas duas variações da progressividade não foram regulamentadas pelo Estatuto da Cidade, mas devem obedecer a todas as diretrizes da política urbana, já que o IPTU é considerado tam-bém instrumento da política urbana (art. 4º, IV, “a”).

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O outro tipo de utilização do IPTU para fins urbanísticos é regulamenta-do pelo art. 182, § 4º, II, que garante a aplicabilidade da progressividade no tempo, de forma a evitar a especulação imobiliária e realizar concretamente a função social da propriedade. Seu objetivo não é, portanto, arrecadatório. Esse instrumento é regulamentado pelo Estatuto da Cidade em seu art. 7º. Uma vez não cumpridas as condições do parcelamento, edificação e uti-lização compulsórios, caberá a aplicação do IPTU progressivo no tempo,

com majoração da alíquota pelo prazo de cinco anos. Há que se obedecer à alíquota máxima de 15%, não poden-do ser maior que o dobro cobrado ao ano anterior. A finalidade da cobrança progressiva não é de confiscar a proprie-dade, mas de induzir uma obrigação de fazer (Saule, 2003).

Não cumpridas as obrigações de parcelar, edificar e utilizar, o municí-pio poderá promover a desapropriação para fins de reforma urbana. Uma vez adquirido o imóvel, o município deverá promover seu adequado aproveitamen-to, a fim de garantir o cumprimento da função social da propriedade, como, por exemplo, através da construção de habi-tação de interesse social, urbanização ou regularização de favelas, construção de equipamentos públicos ou comunitários, etc. O município tem o prazo de cinco anos para promover seu adequado apro-veitamento sob pena de se submeter às sanções cabíveis características da impro-bidade administrativas (art. 52, II).

Como alternativa à desapropriação, outros instrumentos podem também ser utilizados para realizar a função social da propriedade do imóvel, após a cobrança até o limite estabelecido para a progressi-vidade da alíquota. Uma solução possível é a aplicação do direito de preempção, o

Você pode consultar o artigo 7º e os demais arti-gos do Estatuto da Cidade na Biblioteca Virtual

do nosso Curso.

i Em relação à desapropriação para fins de reforma urbana, é importante tecer algumas considerações, que trazem conseqüências para análise da recupe-ração da “mais-valia fundiária”. A desapropriação regulamentada pelo art. 182, § 4º, III da CF e o art. 8º do Estatuto da Cidade se constitui em importante instrumento urbanístico. Trata-se de uma exceção ao art. 5º, XXIV, da CF, que determina que as de-sapropriações devem ser efetuadas mediante justa e prévia indenização em dinheiro. A desapropriação para fins de reforma urbana consiste em sanção ao proprietário que não cumpre a função social da propriedade. Em vez de indenização justa e prévia em dinheiro, a desapropriação para fins de reforma urbana será paga em títulos da dívida pública, apro-vados pelo Senado Federal, resgatáveis em até dez anos, e deverá refletir o valor real do imóvel, que de acordo com o art. 8º, § 2º do Estatuto da Cidade de-verá: “I- refletir o valor da base de cálculo do IPTU, descontado o montante incorporado em função das obras realizadas pelo Poder Público na área onde este se localiza após a notificação de que trata o § 2º do art. 5º; e II – não computará expectativas de ga-nhos, lucros cessantes e juros compensatórios”. Fica definido, portanto, o cálculo do que seria o valor real, que pode até mesmo chegar a valores inferiores aos de mercado (Sundfeld, 1990; Saule, 2003).

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direito de superfície ou, então, o consórcio imobiliário. Além da possibili-dade de utilizar a progressividade do IPTU como instrumento de política urbana, podemos, ainda, citar outro instrumento, capaz de aprofundar sua cobrança e realizar as diretrizes gerais do Estatuto da Cidade: o aban-dono regulamentado pelos artigos 1.275 e 1.276 do Novo Código Civil:

Art. 1.276. O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a inten-ção de não mais o conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições (...)

§ 2º. Presumir-se-á de modo absoluto a intenção a que se refere este arti-go, quando, cessados os atos de posse, deixar o proprietário de satisfazer os ônus fiscais”.

Ou seja, o novo Código Civil prevê a possibilidade de arrecadação do imóvel pelo município quando o imóvel estiver vago e o proprietário não pagar os impostos respectivos, no caso, o IPTU. Trata-se de dispositivo que busca também combater a especulação imobiliária e ao mesmo tempo in-centiva o pagamento pelos contribuintes do imposto territorial devido.

Contribuição de Melhoria

A Contribuição de Melhoria é também definida como instru-mento de política urbana pelo Estatuto da Cidade. É importan-te instrumento de realização da “recuperação dos investimentos do poder público de que tenha re-sultado a valorização de imóveis urbanos”, diretriz geral da política urbana (art. 2º, IX).

Considerações finais

Não se trata de discutir aqui as dificuldades para im-plementar o Estatuto da Cidade, principalmente relacionadas às desigual-dades na correlação de forças nos municípios brasileiros, cujas políticas fun-diárias refletem também as disparidades tradicionais da nossa sociedade.

Leia na Bibliotéca Virtual o texto “Mercado de ter-ras, formação de preços e recuperação de custos de infra-estrutura básica no Brasil”, no qual são apon-tadas algumas possibilidades de aplicação do instru-mento de forma a garantir sua aplicabilidade de acordo com as diretrizes gerais da política urbana, embora ele não tenha sido regulamentado no Estatuto.

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No entanto, essas disparidades não são necessariamente “incombatí-veis”, e há uma série de atores políticos e sociais envolvidos em combatê-las e reduzi-las. O que se tenta, aqui, é compreender o Estatuto da Cidade como um entre vários instrumentos mediante os quais é possível utilizar a política fundiária e o marco de regulação urbana como redutores de de-sigualdades e equalizadores de oportunidades nas cidades. Sabe-se que o Estatuto da Cidade é objeto de leituras que apontam direções diferentes, até mesmo opostas. Cabe também lembrar que os instrumentos de gestão social da valorização da terra devem ser operados de forma democrática, segundo a diretriz da “gestão democrática da cidade”, obrigatória a partir da aprovação do Estatuto.

Sustenta-se aqui que agregar a leitura da recuperação da mais-valia fundiária que vise a tornar mais efetivo o princípio redistributivo é uma das possibilidades para potencializar as leituras democráticas e progressis-tas do Estatuto da Cidade.

Na aula 4, você conhecerá os instrumentos de ampliação do acesso à terra urbanizada. Esses instrumentos variam conforme as peculia-ridades e especificidades de cada território.

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Aula 03

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Aula 03

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Nesta aula, você conhecerá diversos instrumentos para transfor-mar em realidade o preceito constitucional da função social da pro-priedade no contexto da reforma urbana. Instrumentos que vão induzir a ocupação dos imóveis vazios, aumentando a oferta de lotes urbanizados para produção de moradias de interesse social. Também verá que a reforma da cidade depende de gestão pública e de mudanças de procedimentos na “máquina” pública para que as novas ferramentas possam ser adequadamente gerenciadas.O Poder Público, como protagonista, deve garantir o interesse público e o acesso a todos à terra urbanizada. Deve também dia-logar com os diversos atores sociais sobre os problemas e as pro-postas para a cidade.

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Aula 04

Instrumentos de ampliação doacesso à terra urbanizada

Margareth Matiko Uemura

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Esta outra canção da banda Chico Science e Nação Zumbi retrata o co-tidiano de alguém que vive em uma comunidade da periferia de Recife,

convivendo com a lama do mangue, os urubus e o mau cheiro provocado pela ausência de saneamento básico. Você pode ouvir esta música no AVEA.

Manguetown - Chico Science

Estou enfiado na lama É um bairro sujo Onde os urubus têm casas E eu não tenho asas Mas estou aqui em minha casa Onde os urubus têm asas Vou pintando, segurando as paredes do mangue do meu quintal Manguetown

Esta noite sairei Vou beber com meus amigos E com as asas que os urubus me deram ao dia Eu voarei por toda a periferia Vou sonhando com a mulher Que talvez eu possa encontrar Ela também vai andar Na lama do meu quintal Manguetown

Andando...

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Aula 04

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Introdução

A partir do exposto nas aulas anteriores, pode-se facilmente inferir o quanto é estratégico disponibilizar terras para o desenvolvimento de uma política urbana adequada, sejam quais forem as características da cidade ou região onde ela se aplica. Evidentemente, podemos considerar que tais áreas não precisam ser terras públicas (estar sob domínio da administração pública); em alguns casos, é até mais conveniente que se induza o proprie-tário a dar um uso adequado para a concretização da função social da pro-priedade imóvel urbana, segundo regras estabelecidas pelo Poder Público.

Por outro lado, e atendo-nos apenas ao patrimônio público, pode-se notar que até recentemente era muito estreita a grade de alternativas da-das à administração pública, recaindo quase sempre nas opções da desa-propriação por utilidade pública ou interesse social e na reserva e doação de áreas por parte do loteador, quando da aprovação de seus projetos de parcelamento do solo, conforme está previsto na lei no 6766 e, em alguns casos, em legislação municipal específica.

No entanto (o que procuraremos retomar ao longo do texto), tais opções já não são suficientes, por conta de limitações intrínsecas ao seu marco legal, ainda mais quando confrontados com novas dinâmicas que tomaram con-ta, de um lado, do modelo de gestão pública no Brasil das ultimas décadas, dentre elas, a financeira, com a emergência de novas demandas, a crítica ao aumento da carga tributária e o contro-le mais apurado dos gastos públicos. Por outro lado, as características da urbaniza-ção neste mesmo período, que apresen-tou um sem-número de novos problemas a serem enfrentados, e não só a oferta de equipamentos e serviços públicos.

É relevante apontar o fato de que os instrumentos aptos a operarem a política urbana )aqueles já estabelecidos ou que foram regulados pelo Estatuto da Cidade) por si só não têm o poder de solucionar todas as questões que se apresentam cotidianamente ao gestor público ou ao cidadão. Não obstante, há um pano de fundo importante, político, cultural, econômico e social, que deve ser levado em conta e com o qual a política urbana, na sua concepção e principalmente na gestão, deve dialogar.

iA desapropriação para fins urbanísticos é admitida há muito no ordenamento brasileiro, mas por in-ferência da legislação que regula a desapropriação por utilidade pública e por interesse social. Um mar-co legal específico para ela seria importante, como ocorre em outros países.

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Em outras palavras, trata-se de con-siderar que a sociedade e o poder local devem refletir acerca da adequação des-te ou daquele instrumento, tendo em vista as peculiaridades e especificidades de cada território e das forças que com ele interagem, sob risco de deslegitimar o instrumento, por insuficiência, ou, ainda, dar-lhe destinação divergente das finalidades para as quais ele foi concebi-do, qual seja, a concretização da função social da cidade.

Aspectos gerais

Os instrumentos que serão apresentados a seguir possibilitam, na sua gestão, o cumprimento da função social da propriedade com a ampliação do acesso à terra urbanizada. Buscam também aumentar a oferta de terras no mercado e a produção de lotes urbanizados, na medida em que dispo-nibilizam áreas que em muitos casos estão retidas para fins especulativos. São eles:

Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS); •

Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios (PEUC); •

Consórcio Imobiliário; •

Direito de Preferência (ou Preempção) e a •

Dação em Pagamento. •

Estes e outros instrumentos passam a ser concebidos e aplicados tendo em vista as diretrizes estabelecidas pelo Estatuto da Cidade em seu artigo 2°, quando inseridos numa estratégia de ampliar e garantir

disponibilidade de terra urbanizada, para buscar a urbanização/ requali-ficação /reestruturação de uma área específica e, em especial, para aten-der as faixas segregadas ou excluídas da cidade formal, considerando que o plano diretor indique tal necessidade.

i Imagine, por exemplo, a instituição de uma Zona de Especial Interesse Social (ZEIS) com o objetivo de facilitar a regularização de loteamentos de alto pa-drão. Por um lado, é evidente que toda irregularida-de deve ser combatida e sanada e, por outro, não há, do ponto de vista formal, obrigatoriedade de que as ZEIS sejam instrumento de regularização ape-nas para áreas de baixa renda, mas ela é adequada a esta situação, e não àquela, que pode se socorrer de alternativas. A resolução 34/2005, do Conselho das Cidades, em seu artigo 5º, também enfatiza que as Zonas Especiais (sem qualificá-las), quando volta-das à regularização fundiária ou edilícia, sejam para atender a população de baixa renda.

Conheça a íntegra do Estatuto da Cidade na Bi-blioteca Virtual do nosso Curso.

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Aula 04

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Alguns deles já estavam presentes no ordenamento jurídico brasileiro, como a Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) e Direito de Preferên-cia. Porém, todos ganham novas características com o Estatuto da Cidade. Outros instrumentos ainda, como a Dação em Pagamento, têm aplicabili-dade para além dos quadros da política urbana (os chamados “instrumen-tos atípicos”), ainda que possam ser por ela apropriada para a consecução de seus objetivos.

A ZEIS, que sempre foi utilizada como instrumento para possibilitar a urbanização de núcleos precários, passa a ser aplicada em vazios urba-nos, muitas vezes subutilizados, com o objetivo de “reservar” áreas para a produção habitacional, buscando atender a população de baixa renda em áreas providas de infra-estrutura. Aprofundaremos, neste módulo, a apli-cação do instrumento em áreas vazias, uma vez que a aplicação para fins de regularização fundiária será abordada no segundo módulo.

A ZEIS, que sempre foi empregada na urbanização de núcleos precários, passa a ser aplicada em vazios urbanos, às vezes subu-tilizados, para “reservar” à população de baixa renda habitações em áreas com infra-estrutura.

O direito de preferência, tradicional nas relações privadas e eventu-almente até mesmo como forma de aquisição de bens públicos em situ-ações específicas, que comentaremos adiante, toma caráter urbanístico, como instrumento de provisão de equipamentos públicos.

Por exemplo, o plano diretor de dado município, já apontando para a necessidade de estratégias de acesso à terra urbanizada, relaciona as áreas sobre as quais incidirá o direito de preferência (ou preempção). A escolha das áreas e sua destinação – provisão de infra-estrutura, equipamentos urbanos e outros apontados no inciso V do citado art. 2° – deve estar de acor-do com as necessidades apontadas pelo Plano Diretor. Da mesma forma, a es-colha das áreas sobre as quais incidirão parcelamento, edificação e utilização compulsórios (PEUC).

O PEUC, o novo e importante instrumento introduzido pela Consti-tuição Federal, além de induzir a oferta de terras para urbanização, esti-mula uma importante atividade econômica privada (incorporação e cons-trução civil). O instrumento torna-se estratégico, em momentos como o

i“Art. 2º (...)

V – oferta de equipamentos urbanos e comunitá-rios, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às caracte-rísticas locais.”

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presente, no qual facilidades creditícias, em especial, são estabelecidas por força de políticas que fogem à competência municipal.

Assim, a possibilidade de sobreposição de instrumentos em uma mesma área, como por exemplo, a obrigatoriedade de parcelamento e edificação em uma determinada área gravada como ZEIS, pode atingir a dois objetivos: o de disponibilizar a terra e o de atender a população de baixa renda em áreas urbanizadas. Neste caso, a constituição do Consórcio Imobiliário possibilita ainda a produção de lotes urbanizados ou edificados pela municipalidade.

Da mesma forma, o direito de preferência, pode facilitar a aquisição de áreas por parte da administração pública, além de oferecer à ela indica-dores confiáveis acerca de valores e dinâmica das transações imobiliárias operadas entre particulares, e, portanto, permitir a formação de um ban-co de dados que monitore o mercado de terras no município

Ou seja, a ampliação da oferta de áreas, antes retidas por processos especulativos, é essencial para mobilizar os setores público e privado. Para tanto, a gestão dos instrumentos pelo Poder Público é importante para explorar todas as possibilidades ofertadas pelos instrumentos e atingir os objetivos traçados no Plano Diretor.

Por fim, anotamos que os instrumentos que serão descritos a seguir têm como finalidade o acesso à terra urbanizada para as mais diversas ações públicas como:

atender as faixas segregadas ou excluídas da cidade formal;1.

reverter a lógica de ocupação pela criação de novos territórios, buscan-2. do ocupar os vazios urbanos existentes;

estimular processos de requalificação/reestruturação de áreas específicas;3.

atender a demandas de equipamentos urbanos; entre outras estraté-4. gias, igualmente valiosas à implementação e ao desenvolvimento da política urbana.

Passaremos, então, a uma análise mais detida de cada um dos instru-mentos, verificando sua estrutura, possibilidades e regulamentação, com ênfase nas possibilidades que oferecem para aumentar a disponibilidade de terra urbanizada.

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Aula 04

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Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS)

Há diversas nomenclaturas para designar o instrumento que ora exa-minamos. Com efeito, o Estatuto da Cidade (Art. 4º, inciso V, “f ”) se refere a “Zonas Especiais de Interesse Social”, ao passo que a Lei no 6766, com as alterações realizadas pela Lei no 9785/99, introduziu a figura das “Zonas Habitacionais de Interesse Social” (ZHIS). Já o Município de Santo André, cuja experiência será discutida durante o curso, utilizou em sua legislação, durante muito tempo, a figura das “Áreas de Especial Interesse Social” (AEIS), assim como o Plano Diretor de Porto Alegre, que utiliza a mesma sigla. Adotaremos a expressão “Zonas (ou ‘Áreas’) de Especial Interesse Social”, na medida em que qualifica melhor a destinação do ins-trumento, qual seja um interesse social singular, de extrema relevância não para os beneficiários imediatos, mas, também, para toda cidade, afas-tando qualquer possibilidade de adoção desta modalidade com desvio de finalidade. No entanto, trata-se da mesma figura, que define perímetros destinados “primordialmente à produção e manutenção de habitação de interesse social”, visando “incorporar os espaços urbanos da cidade clan-destina, favelas, assentamentos urbanos populares, loteamentos irregula-res e habitações coletivas - cortiços, à cidade legal” (SAULE JR. 1997).

Como se depreende da definição anterior, as ZEIS são extremamente úteis a uma política de inclusão social em dois sentidos: permitir a regula-rização dos assentamentos de baixa renda consolidados, mas igualmente facilitar a produção (pelo Poder Público, por cooperativas habitacionais e, em situações especiais, até pelos agentes econômicos) de habitação de interesse social em áreas vazias.

Nos dois casos, é possível estabelecer regras diferenciadas para o par-celamento sobretudo e também para uso e ocupação do solo urbano com a finalidade de viabilizar a produção de novas habitações para faixas com menores salários e para atuar na regularização de assentamentos habita-cionais para e por parte da população de baixa renda.

Assim, o conceito agrega uma nova possibilidade ao Poder Público: gravar áreas vazias como ZEIS de forma a destiná-las exclusivamente ou prioritariamente à produção de Habitação de Interesse Social (HIS), am-pliando o acesso a terra urbanizada à população de baixa renda e bus-cando uma nova forma de intervenção que ocupa vazios urbanizados, ao invés estender a cidade, criando territórios de exclusão.

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A demanda

No entanto, as políticas públicas para financiar a produção de moradia popular e os “fenômenos” do mercado (em especial o custo da terra, gera-do em grande parte pela falta de oferta) não atendem a parte significativa do déficit brasileiro, que é composto não só pelos que moram de maneira precária, mas por aqueles que buscam novas moradias e que nem ao me-nos para se habilitam às “filas” das companhias habitacionais públicas.

Para esta camada da população com renda abaixo dos cinco salários mínimos, que tradicionalmente recorre à autoconstrução como alterna-tiva para ter sua “casa própria”, há pouquíssimos programas públicos e menos ainda oferta de linhas de crédito e financiamento públicos.

Resta então, aos governos locais, nas regiões metropolitanas, prover habitação para atender a demanda originária dos processos de urbaniza-ção de favela, loteamentos irregulares, cortiços, áreas de risco, etc.

Esta demanda não é atendida pelo mercado privado, porque não se en-quadra nas exigências dos bancos para acessar as linhas de crédito oferecidas.

As ZEIS são úteis a uma política de inclusão social e têm duas fun-ções segundo o seu tipo: permitir a regularização dos assentamentos de baixa renda consolidados e facilitar a produção de habitação de interesse social em áreas vazias.

Assim, o Zoneamento ainda tem sido mais eficiente como instrumen-to para reservar áreas para uma determinada demanda definida pelo Po-der Público no Plano Diretor, do que para viabilizar a produção pelo mer-cado privado, mesmo considerando novas regras para uso e ocupação do solo nestes territórios e porque praticamente não existe mercado privado regular voltado para a população de baixa renda.

Embora façamos estas considerações, é importante dizer que é um grande avanço os municípios demarcarem ZEIS em áreas vazias, princi-palmente áreas centrais, além das ZEIS que estão sendo definidas nos pro-jetos de reestruturação urbana, criando a possibilidade da permanência da população em áreas já valorizadas, como fizeram Santo André (Eixo Tamanduathy), Recife (Projeto Recife-Olinda) e outros municípios.

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Marco legal

No plano da legislação federal, são esparsas as referências às ZEIS. O pró-prio Estatuto da Cidade apenas as ar-rola entre os instrumentos que podem ser adotados para a consecução da po-lítica urbana. Por outro lado, a Lei nº 6.766/79, com as alterações introduzidas pelas Leis nº 9.785/99 e nº 11.445/07, a par de se referir explicitamente a esta modalidade de parcelamento do solo quando estipula os componentes da infra-estrutura básica exigível, conta com outras regras que permitem afir-mar a autonomia municipal no estabe-lecimento de regras diferenciadas para o percentual de reserva de áreas desti-nadas ao sistema viário e aos equipa-mentos urbanos e comunitários, bem como as dimensões mínimas do lotes.

(...) .

§ 6º A infra-estrutura básica dos parcelamentos situados nas zonas habitacionais declaradas por lei como de interesse social (ZHIS) consistirá, no mínimo, de:

vias de circulação;I.

escoamento das águas pluviais;II.

rede para o abastecimento de água potável eIII.

soluções para o esgotamento sanitário e para a energia elé-IV. trica domiciliar.

Por fim, a Lei nº 11.124/05, que institui o Sistema e o Fundo Nacional da Habitação de Interesse Social, determina como uma das hipóteses de destinação de recursos às áreas “caracterizadas” como de interesse social.

aaaI.

aaaII.

iEsta realidade tende a mudar substancialmente se apro-vada a Lei de Responsabilidade Territorial (PL 3057/00), ora em tramitação na Câmara dos Deputados.

iArt. 2º - O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legisla-ções estaduais e municipais pertinentes.

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O texto da Lei 11124/05 se encontra na Biblioteca Virtual do Curso.

Art. 11. As aplicações dos recursos do FNHIS serão destinadas a ações vin-culadas aos programas de habitação de interesse social que contemplem:

(...)

urbanização, produção de equipamentos comunitários, re-III. gularização fundiária e urbanística de áreas caracterizadas de interesse social.

Portanto, compreende-se facilmente que a tarefa de conformação des-se instituto cabe essencialmente aos municípios, por meio do Plano Dire-tor e da legislação que eventualmente lhe for complementar. Aliás, e mes-mo anteriormente às inovações trazidas pela legislação federal, diversos municípios já se socorreram desta modalidade como um dos elementos estruturantes dos programas de regularização fundiária, na maioria das vezes articulados com ações de urbanização física e resolução do domínio (concessão de direito real de uso e, mais recentemente, usucapião coletiva e concessão especial para fins de moradia).

Da mesma forma, as ZEIS “vazias”, ainda que em menor proporção, possibilitaram a produção de um número considerável de unidades habi-tacionais a custos mais acessíveis por parte dos governos, das cooperativas habitacionais e mesmo de empreendedores privados. Este último, quando falamos de população com renda acima de cinco salários mínimos em re-giões metropolitanas, pelos motivos expostos anteriormente.

Portanto, as ZEIS podem se desdobrar entre áreas ocupadas ou vazias e de domínio da administração pública (municipal, estadual e até federal) ou de particulares.

No entanto, quando se combinarem situações de áreas particulares va-zias em que pese a autonomia municipal no ordenamento do solo urbano, certa cautela é necessária, levando em conta especificidades do mercado em cada local. Em outras palavras, instituir uma ZEIS em áreas extrema-mente valorizadas, de forma a que o único uso possível seja a moradia para a população, por exemplo, com renda até três salários mínimos, pode ensejar demandas, da parte dos proprietários, alegando esvaziamento do conteúdo econômico da propriedade. Assim, tal estratégia deve ser pon-derada junto a outros elementos, dentre outros, (i) coeficientes de apro-veitamento mais elevados, (ii) subsídios, fiscais ou de subvenção aos adqui-rentes, (iii) flexibilização do perímetro onde seja admitido HIS em parte

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da área e outros usos, a critério do proprietário, na área remanescente do perímetro, e (iv) transferência do direito de construir – considerando a possibilidade de estabelecer a proporção de ocupação em cada parte ter-ritório municipal.

As ZEIS podem efetivamente colaborar para o acesso à terra urbani-zada, seja por inserir na “cidade formal” uma fatia considerável de mora-dias da população de baixa renda (loteamentos irregulares e clandestinos, favelas e cortiços), quando associada a programas de regularização urba-nística e fundiária, seja por vincular áreas vazias (públicas ou privadas) à produção de habitação de interesse social, cuja demanda e estratégia po-dem estar detalhadas no diagnóstico do Plano Municipal. Este tema será mais bem detalhado nas aulas do módulo II.

Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios – PEUC

A adoção de parcelamento, edificação ou utilização compulsórios (PEUC), e dos instrumentos criados a partir dele (Imposto Predial e Terri-torial Urbano e desapropriação com o pagamento de títulos) já foi preco-nizada desde a década de 70, quando o então Banco Nacional de Habita-ção (BNH) estabeleceu o Programa Comunidade Urbana de Recuperação Acelerada (CURA), que tinha entre seus pressupostos “a eliminação da capacidade ociosa dos investimentos urbanos”, a “diminuição dos efeitos negativos da especulação imobiliária” e “o adensamento da população ur-bana até níveis tecnicamente satisfatórios”.

Já em 1983, o Executivo Federal enviou ao Congresso a primeira pro-posta consolidada de Lei Nacional (PL no 775/83) acerca da política urba-na, constituindo-se em marco fundamental, posto que estabelecia princí-pios e um rol de instrumentos definitivamente incorporados na pauta da reforma urbana, entre eles parcelamento, edificação ou utilização com-pulsórios. Por força destes precedentes, e sob o signo da emenda popu-lar da reforma urbana, a Constituição Federal de 1988, a par de repetir a exigibilidade do cumprimento da função social da propriedade, delineou no artigo 182 as regras pertinentes ao exercício da propriedade imóvel urbana, com seus condicionantes.

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O parcelamento, edificação ou utiliza-ção compulsórios foi o único instrumen-to que se tornou regra constitucional, dentre aqueles debatidos ao longo dos anos anteriores; incorporados pelo PL no 775 e apontados na emenda popular.

Isso não denota que cumprir a função social da propriedade imóvel urbana signifique simplesmente parcelar, edificar ou dar-lhe um uso, mas, também, que a subutilização, em sentido amplo, constitui a mais grave ofensa ao princípio, um abuso ao direito de propriedade com as mais pro-fundas conseqüências para o desenvolvimento urbano, capaz mesmo de colocar a perder qualquer estratégia local de concretização da função so-cial da cidade. Mesmo assim, sua aplicabilidade ficou limitada à edição de legislação posterior, de competência da União, a qual deveria dar-lhe os parâmetros de concretização.

Tanto a lei nacional destinada a veicu-lar normas gerais de política urbana, quan-to a lei federal destinada a dar eficácia plena ao parcelamento, edificação e uso compul-sórios só vigoram a partir da edição da Lei no 10.257/2001, o “Estatuto da Cidade”. Porém, desde a promulgação da Constitui-ção Federal, não faltou quem defendesse que o instrumento poderia ser adotado de imediato pelos municípios, desde que esta-belecidas as condições nos planos diretores. Desta forma, vários municípios passaram a inserir em seus respectivos planos direto-res (quando das aprovações ou revisões) a possibilidade de exigência do PEUC, mas não avançaram no sentido de implementá-lo verdadeiramente, permanecendo as re-gras locais em compasso de espera, aguar-dando a edição da lei federal.

O Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/2001) cumpre duas funções pri-mordiais. A primeira, de funcionar como

i Evidentemente, não nos esquecemos da usucapião urbana, disposta no artigo 183 da CF, ainda que ela não se relacione diretamente à noção de instrumento de política pública, mas, sim, a um direito subjetivo.

i Dentre outros, Natal, João Pessoa, São José dos Campos e Angra dos Reis.

Para refletir, pesquisar e debater:

Por que a subutilização ou não-utilização de áreas ur- •banas é um abuso do direito de propriedade com sé-rias conseqüências para o desenvolvimento urbano?

Em grupo de até quatro pessoas, pesquise um exem- •plo de subutilização ou não-utilização de área urbana e um exemplo de parcelamento, edificação ou utili-zação compulsórios em seu município ou região.

Compartilhe as conclusões e descobertas do grupo •com os colegas durante um chat no AVEA. Sua par-ticipação nesta atividade coletiva de aprendizado é muito importante! Informe-se com seu tutor sobre os horários agendados para o chat.

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norma geral de direito urbanístico, estabelecendo as bases da política urba-na, a serem estabelecidas pelos municípios, no âmbito de sua autonomia. A outra, de leis federais, franqueando o uso do instrumento denominado Parcelamento, Edificação ou Utilização Compulsórios (PEUC) na im-plementação desta política.

Sua configuração está dada pelos artigos 5º e 6º daquele diploma legal:

Art. 5º - Lei municipal específica para área incluída no plano diretor pode-rá determinar o parcelamento, a edificação ou a utilização compulsórios do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, devendo fi-xar as condições e os prazos para implementação da referida obrigação.

§ 1º- Considera-se subutilizado o imóvel:

cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano di-I. retor ou em legislação dele decorrente;

(vetado).II.

§ 2º - O proprietário será notificado pelo Poder Executivo municipal para o cumprimento da obrigação, devendo a notificação se averbada no car-tório de registro de imóveis.

§ 3º- A notificação far-se-á:

por funcionário do órgão competente do Poder Público municipal, I. ao uroprietário do imóvel ou, no caso de este ser pessoa jurídica, a quem tenha poderes de gerência geral ou administração;

por edital quando frustrada, por três vezes, a tentativa de notifica-II. ção na forma prevista pelo inciso I.

§ 4o Os prazos a que se refere o caput não poderão ser inferiores a:

um ano, a partir da notificação, para que seja protocolado o projeto I. no órgão municipal competente;

dois anos, a partir da aprovação do projeto, para iniciar as obras do II. empreendimento.

§ 5º - Em empreendimentos de grande porte, em caráter excepcional, a lei municipal específica a que se refere o caput poderá prever a conclusão em etapas, assegurando-se que o projeto aprovado compreenda o em-preendimento como um todo.

Art. 6o A transmissão do imóvel, por ato inter vivos ou causa mortis, posterior à data da notificação, transfere as obrigações de parcelamento, edificação ou utilização previstas no art. 5º desta Lei, sem interrupção de quaisquer prazos.”

Em essência, o Estatuto da Cidade, em seus artigos 5º e 6º, cuida de

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estabelecer prazos, condições e garantias para que o município exija o cumprimento da função social daqueles imóveis não edificados, subutili-zados ou não utilizados. E o faz de maneira econômica, como convém a uma norma geral, uniformizando aquilo que é comum às administrações locais, mas deixando à legislação municipal (plano diretor à frente) a tarefa de definir concretamente as situações de cabimento, como, por exemplo, os parâmetros e critérios para a definição de imóvel subutilizado. De resto, os prazos e procedimentos estabelecidos buscam muito mais garantir ra-zoabilidade e segurança jurídica na adoção do instrumento pelos municí-pios, evitando o uso arbitrário e situações que caracterizem expropriação indireta, mas também evitam a ocorrência de fraudes, como a alegação de que a obrigação seja “intuite personae” (atribuível á pessoa), o que permi-tiria desobrigar o adquirente de imóvel cujo proprietário fora notificado a cumpri-la. O artigo 6º é claro ao afastar tal possibilidade.

Por fim, e reforçando a idéia de estabelecimento do PEUC como dever, e não faculdade em sentido estrito, o artigo 42, inciso I, do Estatuto, deter-mina que do conteúdo mínimo do plano diretor deva constar “a delimita-ção das áreas urbanas onde poderá ser aplicado o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, considerando a existência de infra-estrutura e de demanda para utilização”. Mais uma vez, portanto, se aponta a adoção racional e razoável do instituto, a partir de um diagnóstico seguro acerca das peculiaridades do processo de urbanização de cada município.

Alguns elementos deverão ser levados em consideração no enfrenta-mento de algumas questões:

Dimensões mínimas e máximas e localização dos imóveisa. : as di-mensões das áreas (glebas ou lotes) abarcadas pelo instrumento de-vem ser definidas tendo em vista características do processo de urba-nização. É perfeitamente possível adotar uma área menor em zonas da cidade onde a demanda por edificação seja intensa e as características da ocupação já estejam dadas por lotes menores e, por outro lado, estabelecer lotes mínimos maiores em decorrência da estratégia do plano em zonas das cidades que sejam ocupadas por usos que exijam grandes áreas como: indústria, comércio atacadista, etc.

Um mesmo proprietário com diversos lotes abaixo do mínimob. : dar função social é condição de legitimidade para a relação jurídica estabe-lecida entre o sujeito (proprietário) e a coisa (bens). Portanto, o PEUC deve incidir sobre a conduta dos proprietários, quando esta estiver em

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desacordo com as “exigências fundamentais de ordenação da cidade”, o que fica claro, por exemplo, no artigo 6º do Estatuto, como comen-tado acima. Portanto, caso se caracterize a retenção de um número considerável de lotes não edificados (e até mesmo unidades constru-ídas) pelo mesmo proprietário, e esta atitude tenha impacto signifi-cativo na dinâmica imobiliária da cidade, nada impede que ele seja notificado para a edificação ou a utilização destes imóveis.

Imóveis que cumprem a função social, porém foram parcelados ou c. edificados acima do coeficiente mínimo: há situações em que o imóvel para cumprir uma função social prescinde de edificação. Entre as situa-ções mais comuns, estão (i) a relevância ambiental, dada a ocorrência de vegetação significativa ou a presença de cursos d’água, (ii) áreas de risco, (iii) a relevância paisagística, história ou arquitetônica, independente de tombamento, mas devendo o plano diretor (eventualmente a lei espe-cífica) anotar as características que se pretende preservar no interesse da memória ou da cultura, e (iv) as ati-vidades econômicas ou institucionais que por segurança não permitem edi-ficações, como, por exemplo, dutos, li-nhas de transmissão e fornos, ou ainda atividades vinculadas a uma principal como depósitos, estacionamentos, áreas de lazer: campos de prática es-portiva, piscinas, clubes, etc.

Qualidades inerentes ao proprietáriod. : o imóvel de domínio da administração direta, autarquia ou fundação também deve estar afetado a um uso, o que difere da função social da propriedade. Se ao longo de um largo período de tempo, os governos que se sucedem não lhe dão destinação compatí-vel, há outros instrumentos para impelir seu aproveitamento que não o PEUC (eventualmente a Ação Popular ou mesmo a Ação Civil Pública). Não por acaso, o Estatuto da Cidade estabelece o prazo de cinco anos (art. 52, II) para que seja dada destinação aos imóveis adquiridos median-te a desapropriação-sanção, sob pena de impropriedade administrativa. Mas há diversas situações, pertinentes a proprietários privados (massa falida, espólio, associações comunitárias ou filantrópicas, dentre outros), nas quais a tendência política e social é de não aplicar o instituto. Porém, nem a Constituição Federal nem o Estatuto da Cidade dão guarida para

iOs estacionamentos não vinculados a alguma ativi-dade devem ser objeto de análise especial, segundo estratégia da Política Urbana Municipal. Nos casos de Reabilitação de Áreas Centrais, as áreas utiliza-das para estacionamento podem ser estratégicas, ou seja, o município pode criar critérios para notificar o proprietário a construir e criar mecanismos para incentivar o uso misto (neste caso, estacionamento comercial e outro uso) e a oferta de vagas na área. De maneira geral, o uso misto é mais freqüente em áreas centrais de grandes centros urbanos, mas é pouco adotado no restante do tecido urbano.

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o estabelecimento de diferenciações. Eventualmente, é possível adiar o início dos prazos para cumprimento da obrigação, para estas ou outras situações de relevância social.

Definição e controle de imóveis não utilizados ou subutilizados: e. tratam-se de imóveis parcelados ou edificados (portanto, que se sub-meteram ao licenciamento urbanístico), mas que não são utilizados, como as grandes edificações indústrias, galpões e até unidades habita-cionais verticalizadas e vazias. Um critério possível para aferir o aban-dono do imóvel é combinar vistorias periódicas com o controle da utilização, durante certo período, dos serviços públicos, como água, luz e coleta de lixo. Ainda assim, é preciso cuidado, pois o mesmo imóvel pode trafegar em curtos períodos de tempo da utilização a não-utilização, como usualmente ocorre no mercado de locação imobiliá-ria. De qualquer forma, eventuais dificuldades na aferição não são, por si, impedimento à exigibilidade da utilização do imóvel.

Outras fraudes possíveis à eficácia do PEUCf. : no limite de sua com-petência, o Plano Diretor (ou a lei específica) deve buscar coibir con-dutas que claramente visam apenas afastar a incidência da obrigação. Entre elas, está o desmembramento em poucos lotes, sem abertura de via, de forma que cada um deles, antes da notificação fique com o tamanho limite para que não seja notificado e ainda não precise deixar a reserva obrigatória de áreas públicas (o que se resolve facilmente nos quadros da Constituição Federal e da Legislação Federal, ao estabele-cer a reserva de áreas públicas mesmo para os desmembramentos). Outra forma de burlar a lei é o proprietário iniciar as obras no prazo previsto, mas estender o prazo de execução da obra ou até não con-cluí-la sem apresentar justificativas ao Poder Público.

A adoção de tais estratégias e a “seleção” destas áreas podem parecer, à primeira vista, condutas totalmente discricionárias da administração local. Não o são, se estão inseridas em uma política urbana orientada pelo plane-jamento baseado em um diagnóstico que seja participativo. Desta forma, estão dadas às condições para a implementação dos instrumentos de ma-neira que eles componham uma forma de atuar no território que não seja pontual e que apresente uma lógica urbanística pouco contestável.

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O próprio texto constitucional prescreve:

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

(...)

§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do pro-prietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:

parcelamento ou edificação compulsórios; •

imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo •no tempo;

desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de •emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, asse-gurados o valor real da indenização e os juros legais (grifos nossos).”

Aparentemente, e por uma interpretação unicamente gramatical, a adoção do parcelamento ou da edificação compulsórios representaria uma “faculdade”, cabendo a cada município, no âmbito de seu plano diretor e respectiva legislação urbanística, exercer uma opção, com total liberdade para fazê-lo ou não. Porém, não é esta a interpretação correta, sob pena de amesquinhar o princípio da função social da propriedade.

Ora, como toda competência constitucional, o exercício da autonomia municipal se expressa através de um poder-dever, significando que, dado um poder, ele obrigatoriamente deve ser exercido quando necessário à con-cretização dos direitos fundamentais. Em outras palavras, um imóvel traz efeitos negativos decorrentes do não-uso – como a falta de oferta de terre-nos no mercado –; sendo assim, o município deve prever na legislação local (plano diretor e, eventualmente, em lei específica) um instrumento apto a reverter esta situação, sob pena de inconstitucionalidade por omissão.

Tal faculdade, portanto, implica definir elementos gerais ou específi-cos de cada município, buscando modular o uso do instrumento, a fim de que ele atinja seu propósito, e não de negá-lo.

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Raciocínio semelhante pode ser adotado em relação aos demais ins-trumentos e regras estipulados quer pela Constituição Federal, quer pelo Estatuto da Cidade. Assim, salvo condições extraordinárias, que permitam enfrentar o problema de forma diversa, o município que apresentar extensa irregularidade em seu território, caracterizando a exclusão ou segregação

de parcelas da população de baixa renda, deve instituir em seu Plano Diretor um zoneamento diferenciado para tal reali-dade, além, é claro, de outras condutas, sejam de instituição de regras adequadas, sejam de ação administrativa.

Dos procedimentos para aplicação do instrumento

O marco inicial dos prazos estabelecidos no Estatuto da Cidade para cumprimento da obrigação é a notificação do proprietário, com as forma-lidades descritas naquela lei federal. O primeiro deles é de um ano para apresentação de projeto, salvo se a legislação municipal determinar outro, mais dilatado, ou ainda se conceder efeito suspensivo aos questionamen-tos apostos pelo proprietário.

No entanto, os desequilíbrios na ocupação do solo urbano, em espe-cial a consolidação dos grandes vazios, não se estabeleceram de forma instantânea; ao contrário, foram fruto de pelo menos algumas décadas de processos econômicos e sociais perversos, acompanhados da carência de instrumentos jurídicos e políticas públicas que os direcionassem. Ou seja, as correções necessárias não se darão de imediato.

Por outro lado, em cada cidade e região, há especificidades também no que tange à dinâmica imobiliária. Há limites estruturais que podem ser obstáculos para que o adensamento pretendido daqueles vazios se dê com a velocidade e da maneira desejada, considerando que há fartura de crédito, agilidade no licenciamento, desoneração de insumos e incentivos ao empreendedorismo na incorporação imobiliária e na construção civil.

Portanto, a melhor alternativa, que nos parece mais coerente com um conceito jurídico de política pública, é construir, de forma transparente e estável, uma escala de notificações, em função das prioridades e estraté-gias estabelecidas no plano para o cumprimento da obrigação de parcelar, edificar ou utilizar os imóveis. Assim, pode-se iniciar exigindo a correção da conduta dos proprietários de imóveis de uma dada região da cidade

i STJ, REsp 448216, São Paulo, j. 14/10/2003, 1ª Tur-ma, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 17/11/2003.

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(obviamente, dentre as apontadas já no plano diretor, como determina o artigo 5º do Estatuto), nos seguintes casos:

os imóveis com maiores dimensões ou1.

sobre os muitos imóveis contíguos de um mesmo proprietário ou ainda 2.

onde os coeficientes de aproveitamento praticados estejam mais dis-3. tantes do mínimo previsto no plano diretor ou

priorizar as áreas com maior infra-estrutura instalada. 4.

Desta forma, é possível uma acomodação coordenada do mercado, dentro de suas possibilidades de aporte de capital sem causar estremeci-mento de dinâmicas, como a valorização ou desvalorização imobiliária, que são perniciosas e próprias do regime econômico. É necessário con-siderar principalmente a capacidade técnica e de gestão do município na operação e no monitoramento do instrumento.

Consórcio imobiliário

Uma vez realizada a notificação para parcelamento ou edificação com-pulsórios, o proprietário pode encontrar dificuldades ou obstáculos ao seu cumprimento. Para estes casos, instituiu-se a figura do Consórcio Imobi-liário, com o intuito de possibilitar a utilização do imóvel notificado, per-mitindo, conforme descrito no art.46, a transferência do imóvel ao Poder Público para execução das obras necessárias, sejam elas de urbanização, produção de lotes, edificação de unidades habitacionais, etc.

Imaginemos, por exemplo que, além de notificado, o imóvel seja deli-mitado como uma ZEIS, onde apenas se admite a edificação de habitação de interesse social, a qual o mercado formal, sabidamente, ainda é refratá-rio, mesmo havendo impossibilidade conjuntural de aportar capital.

Buscando modular tais situações, e ao mesmo tempo permitir que o Poder Público crie um estoque de terrenos para os empreendimentos de interesse social, o que só é possível através da desapropriação, o Estatuto introduziu a figura do Consórcio Imobiliário, assim definido:

“Art. 46. O Poder Público municipal poderá facultar ao proprietário de área atingida pela obrigação de que trata o caput do art. 5º desta lei, a requerimento deste, o estabelecimento de consórcio imobiliário como forma de viabilização financeira do aproveitamento do imóvel.

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§ 1º - Considera-se consórcio imobiliário a forma de viabilização de planos de urbanização ou edificação por meio da qual o proprietário transfere ao Poder Público municipal seu imóvel e, após a realização das obras, recebe, como pagamento, unidades imobiliárias devidamente ur-banizadas ou edificadas.

§ 2º - O valor das unidades imobiliárias a serem entregues ao proprietário será correspondente ao valor do imóvel antes da execução das obras, observado o disposto no § 2o do art. 8o desta Lei”.

O Consórcio Imobiliário é uma nova forma de contrato administrati-vo, celebrado sob regime jurídico de direito público, com as peculiarida-des que lhe são dadas pelo Estatuto da Cidade.

No âmbito constitucional, o ar-tigo 22, inciso XXVII, inclui entre as matérias de competência legislativa privativa da União as normas gerais de licitação e contratação (em espe-cial a Lei no 8666/93). E o Estatuto não alterou esta condição.

Ou seja, dadas pelo menos duas propostas de constituição de consór-cio imobiliário, deve a administração local realizar licitação para a escolha daquela melhor. Todas as demais características de um contrato adminis-trativo se aplicam ao consórcio imobiliário, desde que respeitadas as es-pecificidades trazidas pelo artigo 46 do Estatuto da Cidade e outras que podem ser adotadas pelos municípios em sua legislação desde que obede-cidas as normas gerais constantes da lei nacional.

Assim obedecidas àquelas normas gerais, há possibilidade de estados e municípios criarem suas próprias regras para a constituição do Consócio Imobiliário.

Dação em pagamento

A dação em pagamento é instituto antigo do direito civil, correspon-dendo, naquele contexto, em modalidade de extinção de uma obrigação em que o credor pode consentir em receber coisa que não seja dinheiro em pagamento da dívida.

i Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

(...)

XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI, e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do art. 173, § 1°, III.

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Sua aplicação no campo do Direito Público, mais especificamente no Direi-to Tributário, já é há muito admitida, como forma de extinção do crédito tri-butário, e ainda reforçada pela edição, em 2001, da Lei Complementar 104.

Independente das questões que emergem para o direito financeiro e tributário, fica patente que a dação em pagamento pode constituir uma excelente forma de formação de estoque de terras, com diversas vanta-gens em relação à desapropriação, uma vez que não compreende fluxos monetários, quando respeitadas certas condições:

sua operação deve estar regulada em lei, que pode ser a do município, •observadas as normas gerais de direito financeiro e tributário (além do Código Tributário Nacional, a lei federal no 4320/64 - orçamentos públi-cos, e a lei complementar no 101/00 - responsabilidade fiscal) . Esta lei de-terminará, como apontado, forma e condições para a celebração do ne-gócio, como (i) quais tributos podem ser extintos com a dação, (ii) se há ne-cessidade de consolidação de todos os débitos atribuídos ao particular, ou, ao contrário, apenas alguns lançamentos serão extintos, (iii) eventual destinação dos bens imóveis adquiridos, etc.;

A dação implica satisfação do crédito; portanto, do ponto de vista con- •tábil, os valores envolvidos são receita tributária. Esse fato deve ser levado em conta, principalmente considerando o fato de que há per-centuais de dispêndio obrigatório para tais receitas (saúde e educação). Em outras palavras, aumenta a receita sem que haja aporte monetário. Porém, a fim de cumprir o orçamento anual, a ela corresponderá uma elevação dos gastos, estes, sim, monetários, das receitas vinculadas;

A dação é uma opção posta ao devedor. Portanto, um planejamento •de aquisição de áreas públicas que leve em conta esta modalidade será meramente indicativa, podendo as expectativas não se concretizarem.

iNa medida em que o rol de hipóteses para tal, estipu-lada no artigo 156 da lei nº 5.172/66 do Código Tri-butário Nacional, não seria taxativo. Dentre outros, Luciano Amaro: in: “Direito tributário brasileiro”, p. 367, o qual usava justamente a dação em pagamento como exemplo desta característica do artigo 156.

iA lei no 8666/93, em seu artigo 19, simplifica os cri-térios para alienação de bens imóveis oriundos da dação em pagamento.

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O Poder Público que realizou o diagnóstico da cidade para a elaboração do Plano Diretor reconhece os imóveis que interessam a sua política fundiá-ria e o montante da dívida referente aos mesmos. Sendo assim, o município, em sua gestão, poderá criar formas de atender a estes proprietários a fim de utilizar o instrumento em favor da política urbana que foi traçada.

Com estas ressalvas, e outras que podem surgir com a aplicação do instrumento, a dação em pagamento pode vir a ser uma opção de grande interesse para a aquisição de imóveis pela administração pública, seja qual for a sua finalidade, especialmente quando a ausência de áreas constituir um obstáculo para a concretização da política urbana.

Direito de preferência (preempção)

Assim como a dação em pagamento, o direito de preferência (ou pre-empção) é instituto já consolidado e regulado pelo direito privado. Sua apli-cabilidade pode ser encontrada na Lei do Inquilinato (no 8245/91, artigo 27 e seguintes) e na Lei das Sociedades Anônimas (no 6404/76, artigos 171 e se-guintes). Mesmo no campo do Direito Público, o direito de preferência é apli-cado quando da alienação de bens tombados (decreto-lei no 25/37, artigo 22).

No entanto, o Estatuto da Cidade ampliou enormemente o número de possibilidade de uso deste instrumento. Com efeito, dispõe o artigo 25:

Art. 25. O direito de preempção confere ao Poder Público municipal pre-ferência para aquisição de imóvel urbano objeto de alienação onerosa entre particulares.

§ 1o Lei municipal, baseada no plano diretor, delimitará as áreas em que incidirá o direito de preempção e fixará prazo de vigência, não superior a cinco anos, renovável a partir de um ano após o decurso do prazo inicial de vigência.

§ 2o O direito de preempção fica assegurado durante o prazo de vigência fixado na forma do § 1o, independentemente do número de alienações referentes ao mesmo imóvel.

Art. 26. O direito de preempção será exercido sempre que o Poder Públi-co necessitar de áreas para:

regularização fundiária;I.

execução de programas e projetos habitacionais de interesse II. social;

constituição de reserva fundiária;III.

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ordenamento e direcionamento da expansão urbana;IV.

implantação de equipamentos urbanos e comunitários;V.

criação de espaços públicos de lazer e áreas verdes;VI.

criação de unidades de conservação ou proteção de outras VII. áreas de interesse ambiental;

proteção de áreas de interesse histórico, cultural ou paisagístico;VIII.

(VETADOIX. )

Parágrafo único. A lei municipal prevista no § 1o do art. 25 desta Lei deverá en-quadrar cada área em que incidirá o direito de preempção em uma ou mais das finalidades enumeradas por este artigo.

À primeira vista, o direito de preferência se caracteriza como uma op-ção à aquisição de áreas por parte do Poder Público, que apresenta vanta-gens em relação á desapropriação; em suma, ficam afastadas intermináveis discussões acerca da “justa e prévia indenização em dinheiro” afetas àquele instituto, que acabam por atravancar o planejamento financeiro dos muni-cípios. Em algumas situações, os juros moratórios e compensatórios, ho-norários periciais, etc., acabam por suplantar a indenização principal.

Por outro lado, assim como a dação em pagamento, o instrumento fica à mercê de probabilidades de transação, devendo o Poder Público aguardar que esta se concretize. Na verdade, que esteja na iminência de se concretizar, uma vez que o direito de preferência é condição resolutiva ao negócio entre privados.

No entanto, como já comentado anteriormente, o direito de preferên-cia pode também se constituir em excelente alimentador de um banco de dados que acompanhe o mercado imobiliário. A metodologia mais usual adota fontes não confiáveis, porque

ou muitas transações são omitidas, quando observamos os registros •acerca da escrituração no registro de imóveis, ou ainda porque

os dados são obtidos a partir da expectativa de negócios (pesquisas em •imobiliárias), a qual quase sempre não corresponde aos parâmetros dos negócios efetivamente concretizados.

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Considerações finais

Do ponto de vista do ordenamento territorial, a função social da terra urbana se efetiva quando a organização e a ocupação do solo estão com-patíveis com a infra-estrutura, equipamentos e serviços existentes e com a preservação ambiental, da paisagem e do patrimônio edificado signifi-cativo para a cidade. E, para obter melhor ocupação do solo, ampliando o acesso a terra urbanizada e buscando o desenvolvimento urbano e eco-nômico, os municípios têm elaborado seus planos diretores participativos, os planos setoriais (habitação, mobilidade, patrimônio, etc.), e instituído conselhos para debater a questão urbana.

Este conjunto de planos por si só não garante a efetividade do que está estabelecido nos Planos Diretores. Como foi possível verificar na descri-ção de alguns dos instrumentos, eles compõem um conjunto de “ferra-mentas” que, para serem utilizadas, exigem um conhecimento fundiário do município e, principalmente, uma definição clara do uso das áreas pú-blicas e privadas vazias, ociosas e subutilizadas, e, ainda, das que sofrerão processos de mudanças decorrentes da implementação do Plano Diretor e das diversas legislações complementares.

A função social da terra urbana se efetiva quando o melhor uso e a ocupação do solo estão compatíveis com a infra-estrutura existente e com a preservação ambiental, da paisagem e do patrimônio edifi-cado significativo para a cidade.

Ou seja, é necessário que haja gestão pública, para articular a utilização dos instrumentos de modo que eles sejam complementares. Este proces-so exige análises territoriais, monitoramento dos processos das dinâmicas imobiliárias e econômicas no território e dos resultados da implementação dos instrumentos de gestão fundiária para serem realizados ajustes para alcançar a finalidade para as qual eles foram previstos em cada cidade.

O Poder Público, como protagonista, deve garantir o interesse público e o acesso a todos à terra urbanizada, e dialogar com os diversos atores sociais sobre os problemas e as propostas para a cidade. Por exemplo, a notificação pelo Poder Público para que um proprietário que tenha dívidas no terreno demarcado como ZEIS parcele e edifique no seu imóvel demanda um traba-lho que envolve vários departamentos de diversas secretarias da prefeitura, exigindo interação, integração e complementaridade nas ações. Esta “matri-cialidade”, pouco comum nos organismos públicos, se não estruturada, ten-de a burocratizar o processo e até inviabilizar a consecução do instrumento.

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Portanto, a reforma urbana, prevista com a implementação dos Planos Diretores, utilizando os instrumentos do Estatuto da Cidade, depende de gestão pública e de mudanças de procedimentos na “máquina” pública para gerenciar estas novas ferramentas. Além de um novo modo de olhar a cidade, combinando e integrando as dinâmicas públicas e privadas, e uti-lizando o Plano Diretor, de fato, como instrumento de planejamento.

A aula 5 trata da viabilização do acesso à moradia.

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BibliografiaBUCCI, Maria Paula Dallari. Direito administrativo e políticas públicas. São Paulo: Saraiva, 2002.

BUENO, Vera Scarpinella. “Parcelamento, edificação ou utilização com-pulsórios da propriedade urbana”. In: DALLARI, Adilson Abreu; FER-RAZ, Sérgio (coords). Estatuto da Cidade - comentários à lei federal 10.257/2001. São Paulo: Malheiros, p. 89-98, 2002.

GASPARINI, Diógenes. Direito de preferência: instrumento urbanístico municipal. Fórum de direito urbano e ambiental. São Paulo: Editora Fó-rum: 28: jul/ago-2006.

NAKANO, Kazuo. “Dinâmicas dos Sub-espaços da área central de São Paulo”. In: SOMEKH, Nádia e COMIN, Álvaro. Caminhos para o Cen-tro – Estratégias de Desenvolvimento para a região central de São Paulo. São Paulo. CEM/CEBRAP e EMURB, 2004.

PINHEIRO Renata Peixoto. A desapropriação como instrumento de in-tervenção urbanística. Fórum de direito urbano e ambiental. São Paulo: Editora Fórum: 07:jan/fev-2003.

PINTO, Victor Carvalho. “Do parcelamento, edificação ou utilização compulsórios”. In: MATTOS, Liana Portilho (org.). Estatuto da Cidade comentado. Belo Horizonte: Mandamentos, p. 131-140, 2002.

ROLNIK, Raquel. A cidade e a lei. São Paulo: FAPESP/Nobel, 1997.

ROLNIK, Raquel, SAULE JR., Nelson. Estatuto da Cidade – Guia para a implementação pelos municípios e cidadãos. Brasília: Instituto Polis, 2001.

SAULE JR., Nelson. As zonas especiais de interesse social como instru-mento da política de regularização fundiária. Fórum de direito urbano e ambiental. São Paulo: Editora Fórum: 30, nov/dez-2006

______. Novas perspectivas do direito urbanístico brasileiro - ordena-mento constitucional da política urbana - aplicação e eficácia do plano diretor. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, editor, 1997.

SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a cidade – uma introdução crítica ao pla-nejamento e à gestão urbanos. 2ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

SUNDFELD, Carlos Ari. Desapropriação. São Paulo: Editora RT, 1989.

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Nesta aula, você verá que a viabilização do acesso à moradia de-pende de um insumo indispensável: o solo urbano, cujo mercado é altamente especulativo. Daí a necessidade estratégica da articu-lação da política de habitação à política urbana e fundiária para combater o défi cit habitacional.O Estatuto da Cidade garante o direito a cidades sustentáveis. Esse novo marco regulatório criou diversos instrumentos para concreti-zar esse objetivo, como você já viu nas aulas anteriores: as ZEIS, o parcelamento, edifi cação ou utilização compulsórios, entre outros.A nova Política Nacional de Habitação avançou quanto à gestão democrática da promoção do acesso à moradia digna, em espe-cial para os segmentos de baixa renda, historicamente excluídos. Você conhecerá os eixos dessa política, terá informações sobre o Sistema Nacional de Habitação e sobre o aumento na oferta de recursos para a moradia, principalmente de interesse social.

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Acesso à moradia

Claudia Virginia de SouzaRosana Demaldi

Junia Santa Rosa

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Nesta canção da década de 80, gravada no disco “Dia Dorim Noite Neon”, o cantor e compositor Gilberto Gil faz uma crítica contundente à

injustiça da política habitacional da época. Você pode escutá-la no AVEA.

NOS BARRACOS DA CIDADE (BARRACOS)Música e letra: Gilberto Gil e Liminha (1985)

Nos barracos da cidade Ninguém mais tem ilusão No poder da autoridade De tomar a decisão E o poder da autoridade, Se pode, não fez questão Se faz questão, não consegue Enfrentar o tubarão

Ô-ô-ô, ô-ô Gente estúpida Ô-ô-ô, ô-ô Gente hipócrita

O governador promete Mas o sistema diz não Os lucros são muito grandes Mas ninguém quer abrir mão Mesmo uma pequena parte Já seria a solução Mas a usura dessa gente Já virou um aleijão

Ô-ô-ô, ô-ô Gente estúpida Ô-ô-ô, ô-ô Gente hipócrita

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Introdução

Articulação política urbana e política habitacional

A política habitacional no Brasil, quando a tivemos, foi pensada seto-rialmente, sem estar referenciada ao quadro mais amplo da política ur-bana nacional, até porque esta não existiu de fato em nosso País até o advento do Estatuto da Cidade e do Ministério das Cidades. Essa não é a única, mas certamente é uma das razões pelas quais o Banco Nacional da Habitação, não obstante contar com um montante considerável de recur-sos, logrou pouco êxito no enfrentamento do problema habitacional.

Para viabilizar o acesso à moradia, o insumo terra urbanizada é abso-lutamente indispensável. Tornar disponível esse insumo especial – a mer-cadoria solo urbano – exige, na realidade brasileira em que o mercado de solo é altamente especulativo, que o Estado, através de adequada regula-ção, atue no sentido de ampliar a oferta, de modo a reduzir a escassez ar-tificial (provocada pela retenção de solo urbano à espera de valorização), incidindo, dessa forma, sobre a formação do preço da terra urbana. Essa é uma necessidade imperiosa, que visa garantir o uso social da propriedade imobiliária e criar condições para a pro-moção de moradia de interesse social, o que comprova o quão fundamental e estratégica é a articulação da política de habitação à política urbana e fundiária.

Nesse sentido, o Estatuto da Cidade, aprovado em 2001, tem o objetivo de or-denar o pleno desenvolvimento das fun-ções sociais da cidade e da propriedade, regulamentando as disposições dos arti-gos 182 e 183 da Constituição Federal. Oferece, assim, ao processo de planeja-mento e à gestão urbana instrumentos capazes de induzir a disponibilização de terra urbana, como, entre outros, o par-celamento, edificação ou utilização com-pulsórios (e seus sucedâneos) e as ZEIS.

iSete anos após a aprovação do Estatuto, ainda es-tamos iniciando a implementação dos novos instru-mentos urbanísticos, embora alguns deles já fossem empregados por vários municípios anteriormente à Lei Federal, como observa DENALDI (2002), assi-nalando que, “no entanto, o aprimoramento deste referencial de regulamentação urbanística não foi acompanhado pela instituição de outros mecanis-mos e instrumentos que efetivamente interferis-sem no mercado de terras, para ampliar sua oferta e conter sua valorização”, o que – conclui – quer dizer que “conseguimos estabelecer um arcabouço jurídico-institucional para consolidar e regularizar a cidade ilegal, mas não para alterar a lógica de sua formação”. Certamente, no momento atual pós-Es-tatuto, nos encontramos em novo patamar de possi-bilidades no tocante à reversão dessa lógica, caben-do aos gestores urbanos experimentar, monitorar e avaliar a eficácia dos novos instrumentos diante, como dizem FERREIRA e MOTISUKE (2007), dos “antagonismos estruturais da formação do Estado e da sociedade brasileiros”.

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É necessário termos muito claro que, para garantir o direito de todos a cidades sustentáveis – uma das diretri-zes gerais da política urbana nacional –, precisamos incidir sobre a lógica que presidiu o processo da urbanização bra-sileira, o qual se fez pela via da exclusão sócio-territorial, como já expôs a pro-fessora Raquel Rolnik na primeira aula deste curso. Incidir sobre essa lógica perversa que faz com que tenhamos um enorme déficit habitacional, da ordem de 8 milhões de moradias, fortemen-te concentrado nas famílias com renda familiar mensal de zero a três salários mínimos, implica, obrigatoriamente, construir uma estreita articulação entre política urbana e política habitacional nos diferentes níveis de governo, visan-do à colocação de terra urbanizada no mercado, a preços compatíveis com a produção habitacional voltada aos seg-mentos de menor renda. Não é por ou-tra razão que a integração da política de habitação à política de desenvolvimento urbano comparece como princípio, dire-triz e componente estruturador da nova Política Nacional de Habitação.

Não podemos admitir mais o cresci-mento urbano que produz a expansão periférica sobre áreas não urbaniza-das e ambientalmente protegidas, enquanto grandes extensões de terreno no interior da cidade, que dispõem de toda a infra-estrutura, se mantêm à margem do mercado, sem função social. Não podemos aceitar as 6 mi-lhões de unidades habitacionais vagas, número muito próximo ao do défi-cit habitacional (FJP: 2006).

Por isso, é fundamental romper com a concepção tradicional de planeja-mento, baseada em modelos idealizados de cidade, que ignora a cidade real – a periferia e os assentamentos informais, que muitas vezes sequer constam dos mapas oficiais –, aplicando-se apenas a uma parte do território urbano,

i Cidades sustentáveisA garantia do direito a cidades sustentáveis é a pri-meira diretriz geral da política urbana contida no Es-tatuto da Cidade (art. 2º, inciso I), tendo o sentido do pleno desenvolvimento das funções sociais da cida-de e da propriedade urbana, o que é definido como “o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gera-ções”. Embora haja controvérsias quanto ao emprego da noção de sustentabilidade, estamos aqui nos aten-do ao texto legal que a emprega reforçando o princí-pio da função social da cidade e da propriedade.

i Déficit habitacional

Em 2005, o déficit habitacional brasileiro era de 7.902.699 habitações, pelos cálculos da Fundação João Pinheiro (FJP); as famílias com rendimento mensal de zero a três salários mínimos representam 90,3% do total. O déficit se concentra, também, em áreas urba-nas que carecem de 6.414.143 habitações (FJP: 2006).

i Integração

Observe, também, que o desenho institucional do Ministério das Cidades, reunindo as áreas de habi-tação, saneamento urbano, mobilidade urbana e or-denamento territorial, visa integrar as políticas seto-riais, superando a tradicional fragmentação presente no planejamento e na gestão de nossas cidades.

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exatamente aquela já beneficiada pelos investimentos públicos. Em outras palavras, é preciso que os planejadores e gestores urbanos conheçam a ques-tão habitacional, reconheçam sua relevância e não a tratem em separado, dissociada do plano geral de ordenamento urbano ou plano diretor.

O Brasil tem um déficit de 8 milhões de moradias. Nove entre dez famí-lias sem habitação decente ganham de zero a três salários mínimos por mês. Por outro lado, há 6 milhões de unidades habitacionais vagas.

Plano Diretor e política habitacional

De acordo com o texto constitucional, reiterado no Estatuto da Cida-de, o plano diretor é “o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana”. A ele cabe definir a estratégia e os critérios para que o município cumpra a função social da cidade e a função social da proprieda-de que, como assinala a professora Uemura em sua aula, é um imperativo ditado pelo novo marco regulatório da política urbana nacional.

Sendo assim, já que a ele é dado definir as exigências fundamentais de ordenação da cidade que farão com que a propriedade cumpra sua função social – conforme artigo 182 da Constituição Federal e artigo 39 do Estatuto da Cidade –, o plano diretor ocupa o centro do sistema de pla-nejamento. Compete-lhe, em consonância com as diretrizes fixadas pelo artigo 2º do Estatuto da Cidade, fixar os objetivos da política urbana local e as diretrizes e instrumentos para levar à concretização desses objetivos.

Observe-se que, mais que um documento técnico, os Planos Diretores atuais devem ser organizados como um processo de discussão que envolva os diferentes segmentos da comunidade e os relacione para a negociação de um pacto social orientado no sentido da construção de uma cidade sustentável, entendida como aquela que confere a todos e todas “o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gera-ções”, conforme estabelecido no art. 2º, inciso I do Estatuto da Cidade.

Mais que um documento técnico, os Planos Diretores atuais devem envolver os diferentes segmentos da comunidade na negociação de um pacto social para a construção de uma cidade sustentável e justa.

Do plano diretor, portanto, necessariamente devem constar: a definição das diretrizes gerais da política habitacional, que serão objeto de detalhamen-to posterior no plano municipal de habitação; e a determinação dos instru-

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mentos adequados para garantir o direito e o acesso à terra, tanto para aque-les que a ocupam quanto para viabilizar a produção habitacional nova.

Tanto quanto possível, o plano diretor deve ser auto-aplicável, não care-cendo de regulamentação posterior que posterga a implementação ampla da nova política urbana local e, eventualmente, a submete a novos períodos de exame e negociação no âmbito do poder legislativo. Para tanto, o plano deve conter as disposições necessárias ao emprego dos instrumentos urbanísticos indicados, em especial aquelas pertinentes ao parcelamento, edificação ou utilização compulsórios, que, como vimos, pode ser o instrumento mais efi-

caz para ampliar o acesso da população de baixa renda à terra urbanizada.

A escolha dos instrumentos adequa-dos a cada município e situação vai de-pender da leitura da cidade – tanto a téc-nica quanto a comunitária –, bem como dos objetivos e diretrizes que expressam o projeto de cidade que se quer.

Para promover a regularização fundiária, temos a concessão de direito real de uso, cuja utilização não é recente, e novos instrumentos, como a usucapião especial de imóvel urbano, previstos no artigo 183 da Constitui-

ção Federal e regulamentados pelo Esta-tuto da Cidade. Trazidos pelo Estatuto da Cidade, temos também a concessão de uso especial para fins de moradia e o direito de superfície. Todos podem ser previstos no Plano Diretor, embora disso não dependam para sua aplicação.

As Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) ocupam lugar de desta-que no quadro dos instrumentos de acesso à terra, pois tanto se aplicam para o reconhecimento da posse e conseqüente regularização fundiária (ZEIS que circunscrevem assentamentos precários e que estão na origem do instrumento na década de 80), quanto para a reserva de terrenos vazios necessários à produção habitacional.

Embora o Estatuto da Cidade não remeta sua definição aos planos diretores, defendemos que assim deve ser feito, já que as ZEIS são zone-amentos especiais, que se sobrepõem ao zoneamento definido no plano diretor e com ele devem dialogar. Além do mais, as ZEIS em terrenos

A esse respeito, confira na Biblioteca Virtual do AVEA a publicação do Instituto Pólis Estatuto da Ci-

dade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Brasília: Câmara dos Deputados: CEDI, 2001.

i As aulas 9 e 11 na segunda parte deste Curso, a cargo dos professores Rosane Tierno e Paulo Somlanyi Ro-meiro, detalharão a aplicação desses instrumentos.

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vazios ganham um caráter mais estratégico se forem delimitadas no cor-po do plano diretor, podendo contribuir para a formação de estoque de terras para a provisão habitacional e para conter a especulação fundiária, facilitando o acesso das famílias de baixa renda à habitação.

As ZEIS podem ser combinadas a outros instru-mentos, como o parcelamento, edificação ou utiliza-ção compulsórios, para que a terra que se encontra em estoque e à espera de valorização assome ao mercado e seja utilizada – ao menos em parte, onde seu pre-ço não inviabilize a produção – em habitação social, como está se dando na experiência de Santo André. Observe-se que nas ZEIS vazias nem todo o terreno precisa ser reservado para habitação de interesse so-cial; parte da área pode receber habitação de mercado e usos não residenciais diversos, o que deve funcionar como um estímulo à produção de interesse social. O plano diretor pode delimitar e regular as ZEIS ou pode indicar que será feita lei específica com essa finalidade. Já o parcelamento, edificação ou utilização compulsó-rios só se aplica a áreas definidas no plano diretor.

Outro instrumento que pode se combinar com as ZEIS e com a produção de habitação de interesse social é a outorga onerosa do direito de construir e de altera-ção de uso que, quando empregado pelo município, deve dirigir os recursos auferidos para a execução de programas habitacionais, constituição de re-serva fundiária, regularização fundiária ou, ainda, para dotar áreas periféri-cas com infra-estrutura e equipamentos. É importante garantir o controle social desses recursos, destinando-os ao fundo municipal de habitação ou ao de desenvolvimento urbano, geridos por conselhos democráticos.

As ZEIS podem ser combinadas a outros instrumentos, como o par-celamento, edificação ou utilização compulsórios, para que a terra à espera de valorização assome ao mercadoe seja utilizada – ao menos em parte – em habitação social.

O direito de preempção e o consórcio imobiliário são outros instrumen-tos que atuam facilitando o acesso à terra, como já foi visto na aula anterior. Não é necessário que retomemos essa discussão. Aqui, basta assinalar a im-portância do plano diretor no sentido da definição de instrumentos e estra-tégias que contribuam para o acesso à terra urbanizada e à moradia digna.

Pesquisa em grupo e debate no Fórum

Propomos que você forme um grupo de até quatro pessoas e juntos realizem a se-guinte atividade:

Pesquisem a experiência de uso 1. combinado da ZEIS com outros ins-trumentos de urbanização no muni-cípio de Santo André (SP).

Escrevam um texto de até 40 linhas 2. com o relato da experiência (ou en-trevista com algum participante da mesma) e publiquem na área de Pes-quisa do AVEA.

Participem do debate sobre a experi-3. ência de Santo André no Fórum do AVEA, expressando suas opiniões sobre a viabilidade de replicá-la em outros municípios.

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A nova Política Nacional de Habitação

Uma das primeiras medidas do governo Lula, efetivada quando de sua posse em 1º de janeiro de 2003, foi a criação do Ministério das Cidades, incumbido de exercer a coordenação da política urbana nacional que, al-çada ao nível de política de Estado, demonstrava a prioridade conferida ao tratamento da questão urbana. De imediato, iniciou-se a construção da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU), congregan-do em sua definição os demais entes federativos (estados e municípios), os demais poderes do Estado (Legislativo e Judiciário) e a sociedade civil organizada. Em outubro de 2003, realizou-se a 1ª Conferência Nacional das Cidades, quando foram traçadas as linhas e diretrizes gerais da Política Nacional de Desenvolvimento Urbano e se deliberou acerca da criação do Conselho Nacional das Cidades (ConCidades) como fórum de participa-ção e controle social da política urbana.

Por sua vez, a Política Nacional de Habitação (PNH) foi elaborada e debatida ao longo do ano de 2004 em vários encontros e seminários que contaram com a contribuição de diferentes profissionais, acadêmicos e lideranças sociais, tendo como referência o Projeto Moradia. O Conselho das Cidades acompanhou esse processo e, ao final de 2004, deliberou so-bre o produto gerado – a nova Política Nacional de Habitação.

Regida pelos princípios do direito à moradia, consagrado na Constitui-ção Federal de 1988; da moradia digna como vetor de inclusão social, através de um padrão mínimo de habitabilidade, que pressupõe, além da unidade habitacional, o acesso à infra-estrutura, ao saneamento, ao transporte e aos serviços urbanos e sociais; da função social da propriedade urbana, o que significa a aplicação de instrumentos urbanísticos que viabilizem o acesso à terra urbanizada, insumo indispensável para a produção habitacional; da gestão democrática com a participação dos diferentes segmentos sociais; e da articulação das ações de habitação à política urbana, de modo integrado às demais políticas sociais e ambientais, a Política Nacional de Habitação tem como principal objetivo promover as condições de acesso à moradia digna para todos, especialmente para os segmentos de baixa renda, historicamen-te excluídos, com os quais há uma enorme dívida social a ser resgatada.

Vale dizer que o documento que lançou a PNH prevê sua implantação gradual e um período de transição estratégica em que deve ser desenvolvi-da uma série de ações de ordem institucional, relativas à mobilização de re-cursos. Estamos exatamente vivenciando esse momento de transição. Tan-

O Projeto Moradia, elaborado no ano 2000 pelo Instituto Cidada-nia (organização não governamental coorde-nada por Luis Ignácio Lula da Silva até sua posse como presidente da República), com a participação de vários técnicos e intelectuais, previa a construção do Ministério das Cidades e a elaboração de uma política urbana que ar-ticulasse e integrasse as propostas setoriais de saneamento, transpor-te/trânsito e planeja-mento territorial, além da habitação.

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to é que a 3ª Conferência Nacional das Cidades, ocorrida em 2007, teve como tema central “Avançando na Gestão Democrática das Cidades”.

Eixos da Política

Os componentes principais da PNH, ou linhas mestras de sua atuação, que chamaremos de Eixos da Política, são a integração urbana de assentamentos precários, a provisão de habitação e a integração da política de habitação à po-lítica de desenvolvimento urbano.

O primeiro eixo – integração urbana de assentamentos precários – relaciona-se à estratégia de combate à pobreza e à perspectiva de susten-tabilidade sócio-ambiental de nossas cidades. Desdobra-se nas seguintes linhas programáticas de atuação: urbanização integrada, intervenção em cortiços, melhoria habitacional, regularização fundiária e desenvolvimen-to institucional, cujas ações devem guardar complementaridade.

O segundo eixo – produção da habitação – que mobiliza um expres-sivo volume de recursos onerosos, compatíveis com a capacidade de pagamento da população de baixa renda, e recursos não onerosos, re-laciona-se ao enfrentamento do déficit e da inadequação habitacional, além da demanda demográfica.

É necessário que esses dois eixos estejam estreitamente articulados, isto é, que os programas de urbanização, regularização e inserção sejam implementados juntamente com programas de produção habitacional, de natureza preventiva, visando atender à demanda de forma que esta não precise recorrer à formação de novos assentamentos precários.

Programas habitacionais

Desde a extinção do BNH, em 1986, o governo federal se ausentou da formulação de uma política que fosse além de programas isolados, cons-tantemente alterados. Assim, da década de 80 até os primeiros anos do novo milênio, as favelas apresentaram um crescimento explosivo, enquan-

iO debate em torno do tema teve como objetivo promover a reflexão acerca de como as políticas e os investimentos nos três níveis de governo na área da política urbana contribuem para reverter a lógica da desigualdade e da exclusão territorial, bem como para reverter a lógica de fragmentação e desarticu-lação das intervenções setoriais e intergovernamen-tais. Tal discussão chama a atenção, sobretudo, para a importância da integração das políticas setoriais e das ações governamentais na área de desenvolvi-mento urbano, para o enfrentamento dos proble-mas que acometem as cidades brasileiras.

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to a maior parte dos recursos sob gestão federal era destinada a famílias que ga-nhavam mais de cinco salários mínimos e que representavam menos de 10% do déficit habitacional à época.

Para reverter essa tendência e dar prioridade às faixas de mais baixa renda, fazia-se necessário ampliar o mercado privado de modo a atender à classe mé-dia, razão pela qual, a partir de 2004, o Governo Federal tomou medidas para estimular o mercado imobiliário. Enca-minhou ao Congresso Nacional projeto que resultou na Lei nº 10.391/2004, que dá maiores garantias aos bancos financia-dores que utilizam recursos do Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), e trabalhou para que fosse apro-

vada pelo Conselho Monetário Nacional a Resolução nº 3259, tornando desvantajosa para os bancos a retenção de recursos da poupança privada no Banco Central, fazendo com que fosse cumprida a regulamentação que obriga os bancos a dirigir 65% dos recursos das cadernetas de poupança para financiamentos imobiliários.

Ao mesmo tempo, em dezembro de 2004, a Resolução nº 460 do Con-selho Curador do FGTS criou novas regras para nortear a aplicação dos recursos, das quais a mais importante foi a revisão do modelo de conces-são de subsídios permitindo que os recursos disponíveis no Fundo fossem dirigidos para famílias com renda mensal de até cinco salários mínimos. Sem dúvida, essas medidas fizeram crescer o volume dos financiamentos e o desempenho do mercado imobiliário.

i Quando o SFH entrou em crise nos anos 80, criou-se “um hiato em relação à política habitacional no País, com a desarticulação progressiva da instância federal, a fragmentação institucional, a perda de ca-pacidade decisória e a redução significativa dos re-cursos disponibilizados para investimento na área” (Caderno MCidades, n. 4, p. 10). A isso se somaram a reforma do Estado e a descentralização trazidas pela CF de 1988, reforçando o municipalismo. O fato é que, na década de 80, os municípios deram início à construção institucional das políticas de urbani-zação de favelas que, na década seguinte, segundo DENALDI (2003), passam a ser aceitas pelo governo federal, que cria e/ou adéqua programas com essa finalidade, porém sem que os resultados previstos fossem realizados, “devido, entre outros motivos, às limitações impostas pela excessiva padronização, documentação exigida e falta de recursos causada pelo não cumprimento de repasses, em função do Plano de Estabilização Econômica (Plano Real)” .

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No contexto da nova Política Nacional de Habitação, o Governo Federal operou uma revisão dos programas habitacionais construindo um variado mix de possibilidades. Alguns programas foram reestruturados e outros fo-ram criados, formando um conjunto que se relaciona aos eixos da política. Explicando: há programas que, por sua natureza, se enquadram no eixo integração urbana de assentamentos precários, e há os que se ligam ao eixo da provisão habitacional, como se verifica no quadro da próxima página.

Os programas relacionados à integração urbana de assentamentos precá-rios exigem como proponente os executivos municipal, estadual e do Distri-to Federal e contam com recursos do Fundo Nacional de Habitação de Inte-resse Social (FNHIS), do Programa de intervenções em favelas (OGU) e do FGTS, caso do Pró-Moradia, na modalidade de urbanização e regularização de assentamentos precários. Com base nas experiências de urbanização in-tegrada levadas a efeito em diferentes municípios, esses recursos se destinam ao segmento de mais baixa renda residen-te em assentamentos humanos precários, que se objetiva integrar ao tecido urbano da cidade, através da urbanização articu-lada à regularização fundiária, ao sanea-mento e a ações de inclusão social.

Eixo da Política Programa Ação ou modalidade Fonte de

recursos

Inte

graç

ão u

rban

a de

as

sent

amen

tos

prec

ário

s

Urbanização, regularização e integração de assentamentos prec

ários

Melhoria das condições de habitabilidade de assentamentos

precáriosOGU / FNHIS

Programa de atendimento habi-tacional através do setor público

(Pró-Moradia)

Urbanização e regularização de assentamentos precários FGTS

Programa de intervenções em favelas

OGU

Habitar Brasil / BID (HBB)

iO Programa Santo André Mais Igual – Programa Integrado de Inclusão Social, desenvolvido pela pre-feitura de Santo André desde o final dos anos 90, é a principal referência que se tem a respeito.

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Eixo da Política Programa Ação ou modalidade Fonte de

recursos

Prov

isão

hab

itac

iona

l

Programa Habitação de Interesse Social

Produção ou aquisição de unidades habita-cionais

OGU / FNHIS

Produção ou aquisição de lotes urbanizados

Requalificação de imóveis

Prestação de serviços de assistência técnica

Apoio à elaboração de planos habitacionais de interesse social

Programa de subsídio à habitação de interesse social (PSH)

Programa de apoio à produção de habitações

FDSPrograma Crédito Solidário

Programa de atendimento habi-tacional através do setor público

(Pró-Moradia)Produção de conjuntos habitacionais FGTS

Programa de Arrendamento Resi-dencial (PAR) FAR

Carta de crédito individual

Aquisição de unidade habitacional nova ou usada

FGTS / FDS

Aquisição de lote urbanizado

Aquisição de material de construção

Construção de unidade habitacional

Reforma ou melhoria de unidade habitacio-nal

Carta de Crédito Associativo

Aquisição ou construção de unidades habi-tacionais

Reabilitação urbana

Produção de lotes urbanizados

Programa Prioritário de Investi-mentos (PPI) OGU

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Os programas de urbanização integrada são complexos, exigindo abor-dagem matricial e interdisciplinar, amparada em diagnóstico que envolva os moradores e que considere não apenas o assentamento, mas também seu entorno imediato. São uma metodologia e uma forma de intervenção ainda em aprimoramento, que apresentam desafios a serem superados. DENALDI (2007:67) recomenda que sejam adotadas várias estratégias no pós-urbanização, no tocante ao controle urbano, à manutenção urbana e à requalificação habitacional, esta última quase sempre deixada a car-go da população, que, devido aos parcos recursos de que dispõe para o autofinanciamento, auto-constrói ou reconstrói gradual e lentamente sua moradia, no mais das vezes sem alcançar condições de habitabilidade adequadas. Por essa razão, o Programa de urbanização de assentamentos precários contempla a ação que se denomina “Apoio à melhoria das con-dições de habitabilidade de assentamentos precários.”

Os programas de urbanização integrada exigem uma abordagem inter-disciplinar amparada em diagnóstico que envolva os moradores e consi-dere não apenas o assentamento, mas também seu entorno imediato.

De fato, é importante que os programas relacionados à integração urbana de assentamentos precários sejam combinados aos programas de provisão habitacional, permitindo a complementaridade entre eles e o atendimento de diferentes necessidades, tais como a construção de habi-tações; a conclusão, ampliação, reforma ou melhoria de unidade habita-cional; e a aquisição de material de construção. É o caso do programa Ha-bitação de Interesse Social, que, valendo-se de recursos do FNHIS, conta com modalidades que permitem a produção ou requalificação de imóveis como parte da ação de apoio à provisão habitacional de interesse social. Já o Programa Crédito Solidário, criado em 2004, conta com recursos do Fundo de Desenvolvimento Social e é outro importante programa vol-tado exclusivamente para a habitação social de famílias de baixa renda, que devem ser organizadas por cooperativas habitacionais, associações e demais entidades sem fins lucrativos. O programa atende reivindicação do movimento social por moradia, com financiamento a juro zero.

Além do Crédito Solidário e do Programa Habitação de Interesse So-cial, para atender às necessidades de construção de habitações e de aquisi-ção de habitação nova há vários programas:

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Carta de Crédito Individual e Carta de Crédito Associativo • , ambos contando com recursos do FGTS dirigidos a pessoas físicas cuja renda situa-se entre três e cinco salários mínimos (esses dois programas ser-vem também para fazer frente às demais necessidades habitacionais, além da construção da unidade de moradia);

Pró-Moradia • , na modalidade produção de conjuntos habitacionais, que se destina à população em situação de vulnerabilidade social, tendo o poder público como proponente e o FGTS como fonte de recursos;

Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social • (PSH), cria-do em 2004 para oferecer subsídio destinado diretamente à comple-mentação do preço de compra/venda ou construção de unidades resi-denciais, que é operado com recursos do OGU e com contrapartida do poder publico municipal, estadual ou do Distrito Federal; e, ainda,

Programa de Arrendamento Residencial • (PAR), criado em 2001 e re-formulado em 2004 e 2007, que financia empresas do ramo da constru-ção civil com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial. Destina-se às capitais dos estados, aos municípios das regiões metropolitanas e aos municípios com população urbana superior a cem mil habitantes.

Finalmente, merece também ser destacada a aprovação recente da Ação de Apoio à Produção Social da Moradia, no âmbito do Programa de Habitação de

Interesse Social, que permitirá o repasse de recursos às associações comunitárias, coo-perativas e entidades sem fins lucrativos. A abertura da seleção de propostas para essa ação deve ocorrer ainda em 2008 e os re-passes atingirão R$ 100 milhões. Trata-se do atendimento de uma reivindicação his-tórica dos movimentos sociais para acesso direto aos recursos do FNHIS.

Instrumentos da nova política

Três instrumentos estruturam a PNH: o Sistema Nacional de Habi-tação, o Plano Nacional de Habitação e o Desenvolvimento Institucional.

i Uma das novidades do FNHIS foi a abertura de ações de custeio, até então inexistentes, como a Ação de Apoio à Elaboração de Planos Habitacio-nais de Interesse Social e a modalidade Prestação de Serviços de Assistência Técnica, ambas dentro do Programa de Habitação de Interesse Social. Mais à frente, ao tratar do Desenvolvimento Institucional, comentaremos sobre elas.

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Sistema Nacional de Habitação

O Sistema Nacional de Habitação é o principal instrumento da nova política e estrutura-se em dois subsistemas: o Subsistema de Habitação de Interesse Social, voltado para o atendimento da demanda de baixa renda, e o Subsistema de Habitação de Mercado, que objetiva a reorganização do mercado privado de habitação (ampliando as formas de captação de recursos, estimulando a inclusão de novos agentes e facilitando a promo-ção imobiliária) para que seja capaz de atender a faixas de renda média baixa (imediatamente superiores às de baixa renda), que, sem alternativas, vinham se apropriando dos recursos públicos sob gestão nacional, difi-cultando ainda mais o atendimento da baixa renda. Além de dinamizar a economia, gerar empregos e estimular a construção civil, o Subsistema de Habitação de Mercado visa o barateamento da produção.

De janeiro a novembro de 2007, os financiamentos via Sistema Brasi-leiro de Poupança e Empréstimo (SBPE) cresceram 98% na comparação com o mesmo período de 2006, representando um montante de R$ 16,5 bilhões. Este volume de recursos significou uma média de 177 mil unida-des financiadas, portanto um aumento de 73% no volume de produção, considerando a mesma base de comparação do ano anterior. O cresci-mento do mercado habitacional privado observado ao longo do ano 2007 está diretamente associado à expansão do setor imobiliário em geral, par-ticularmente do segmento “de mercado”, focado nas faixas de alta renda, estimulado pela expansão do crédito, pela redução de juros e pelo alon-gamento de prazos, além da significativa captação de recursos através de ofertas primárias de ações por parte das principais construtoras do País. O cenário propiciado pela estabilidade econômica e a melhora da segurança jurídica no segmento imobiliário continua favorecendo a expansão do cré-dito imobiliário. No entanto, permanece o desafio de tornar os produtos oferecidos (tanto o financiamento como a moradia) mais apropriados ao perfil dos segmentos da classe média.

Como não poderia deixar de ser, o Subsistema de Habitação de Inte-resse Social é o prioritário para a consecução da PNH, uma vez que mais de 90% do déficit habitacional concentra-se nas famílias com renda de zero a três salários mínimos. Congrega uma série de órgãos que se arti-culam horizontal e verticalmente (entre os três níveis de governo), tendo o Ministério das Cidades como organismo central, exercendo o papel de

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formulador e gestor da PNH, de forma articulada à PNDU. Do Sistema, fazem parte vários conselhos, fundos e agentes – financeiros, promotores e técnicos, públicos e privados.

Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS)

Em junho de 2005, foi aprovada a Lei 11.124, que dispôs sobre o Sistema de Ha-bitação de Interesse Social (SNHIS), criou o Fundo Nacional de Habitação de Inte-resse Social (FNHIS) e instituiu o Conse-lho Gestor do FNHIS. Finalmente, concre-tizava-se a intenção contida no primeiro PL de iniciativa popular apresentado ao Congresso Nacional em 1991. A aprova-ção desta Lei criou as condições legais e institucionais para a consolidação do setor habitacional como política de Estado.

Segundo a Lei, o SNHIS deve centralizar todos os programas e projetos destinados à habitação de interesse social, “articulando, compatibilizando, acompanhando e apoiando a atuação das institui-ções e órgãos que desempenham funções no setor da habitação”.

É integrado por órgãos, conselhos e entidades da União, estados e municí-pios afetos à questão da habitação, assim como por entidades privadas que desem-penham atividades na área de habitação e, ainda, por agentes promotores e fi-nanceiros autorizados a atuar no âmbi-to do Sistema Financeiro da Habitação.

Constitui, portanto, instrumento de articulação essencial para viabilizar uma política habitacional integrada e capaz de equacionar o enfrentamen-to do problema da moradia.

i O Ministério das Cidades, o Conselho das Cidades, o Fórum Nacional de Reforma Urbana e os quatro movimentos sociais nacionais (Central de Movi-mentos Populares, Confederação Nacional de Asso-ciações de Moradores, União Nacional por Moradia Popular e Movimento Nacional de Luta pela Mora-dia) trabalharam pela aprovação deste PL, que, com mais de um milhão de assinaturas de apoio, tramita-va no Congresso Nacional desde 1991 e que se tor-nou a Lei 11.124 só em 2005.

Artigo 2º, inciso III, da Lei 11.124/2005. Leia a íntegra da Lei na Biblioteca Virtual do AVEA

i O FNHIS é dirigido por um Conselho Gestor e tem a Caixa Econômica Federal na qualidade de agente operador.

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A Lei 11.124/2005 criou, para oficializar a adesão dos entes federativos ao SNHIS, um instrumento chamado Termo de Adesão, condição neces-sária para o fortalecimento da nova organização institucional do setor. Regulamentado pelas Resoluções Normativas nº 2, nº 7 e nº 12 do Conse-lho Gestor do FNHIS, o Termo de Adesão estabelece como requisitos que prefeituras e governos estaduais assumam o compromisso de elaborar seus planos de habitação de interesse social, além de constituírem o fundo de habitação de interesse social e seu conselho gestor.

O FNHIS é um fundo composto basicamente por recursos orçamentá-rios, que podem ser associados a recursos onerosos, inclusive os do FGTS, bem como a linhas de crédito de outras fontes. De forma compatível com o caráter descentralizado com que foi instituído o SNHIS, a lei esta-belece que os recursos do FNHIS devam ser aplicados por intermé-dio dos estados, Distrito Federal e municípios que, para receberem os repasses, devem cumprir o con-junto de condições seguintes:

constituir Fundo com dotação orçamentária própria, •destinado a implementar Política de Habitação de Interesse Social, e receber os recursos do FNHIS;

constituir Conselho que contemple a participação de entidades públi- •cas e privadas, bem como de segmentos da sociedade ligados à área de habitação;

apresentar Plano Habitacional de Interesse Social (PLHIS), conside- •rando as especificidades do local e da demanda;

firmar termo de adesão ao SNHIS; •

elaborar relatórios de gestão; •

observar os parâmetros e diretrizes para concessão de subsídios no •âmbito do SNHIS.

De acordo com o artigo 12 da Lei 11.124/2005, que está à sua disposição na Biblioteca Virtual des-te Curso. Caso você precise de instruções para ter acesso à Biblioteca Virtual, entre em contato com seu tutor, que dará todas as orientações necessárias.

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A Lei determina também que “a aplicação dos recursos do FNHIS em áreas urbanas deve submeter-se à política de desenvolvimento urbano ex-

pressa no plano diretor (...) ou, no caso de Municípios excluídos dessa obrigação legal, em legisla-ção equivalente”, confirmando a necessidade de integração da política de habitação à política de desenvolvimento urbano e dando relevo à figura do plano diretor.

No final de 2007, foi sancionada a Lei nº 11.578, alterando a Lei nº 11.124/2005 para permitir o repasse de recursos do FNHIS a entidades pri-vadas sem fins lucrativos, marcando uma conquista histórica dos movimen-tos de luta por moradia, que reivindicavam o acesso direto de associações e cooperativas aos recursos do Fundo. Estas entidades poderão obter repasse de recursos do FNHIS para a provisão habitacional orientada para famílias de baixa renda, observados alguns requisitos, como o funcionamento re-gular da entidade por no mínimo três anos, a definição de valor limite por projeto e por entidade e a participação em chamada pública para seleção dos projetos.

Com a criação do SNHIS, consolida-se a idéia de que as políticas ha-bitacionais dos três níveis de governo precisam estar articuladas entre si, ordenadas através de planos habitacionais e submetidas a instâncias de participação e controle social para que os recursos de subsídio do FNHIS possam ser repassados aos estados e municípios.

Plano Nacional de Habitação (PlanHab)

A Secretaria Nacional de Habitação do Ministério das Cidades está ela-borando o PlanHab, etapa essencial para a implantação da nova Política Na-cional de Habitação. Embora a elaboração do PlanHab deva ser entendida como um processo cumulativo e progressivo de trabalho conjunto envol-vendo todos os atores públicos, privados e sociais que operam e são benefi-ciários da política habitacional, a primeira versão do Plano está prevista para ser divulgada ainda no primeiro semestre de 2008. Essa primeira proposta será apresentada pelo Governo Federal às suas instâncias participativas e, a partir de então, ocorrerão novas rodadas de discussão e pactuação com a sociedade sobre as principais estratégias do PlanHab.

Conforme parágrafo 2º do artigo 11 da Lei 11.124/2005. Confira na Biblioteca Virtual do

Curso, onde você também encontrará a Lei nº 11.578/2007.

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O PlanHab é parte de um processo de planejamento habitacional, que pressupõe revisões periódicas e articulação com outros instrumentos de planejamento e orçamento, como o Plano Plurianual (PPA). Deverá ser realimentado através de avaliações e monitoramento periódico da política habitacional. Seu horizonte final é o ano de 2023, com revisões nos anos de elaboração dos PPA’s: 2011, 2015 e 2019. O PlanHab deve articular as instâncias de governo e superar a dispersão das ações e programas habita-cionais. Neste sentido, será essencial estabelecer novos arranjos institucio-nais e articular as fontes de recursos públicos e sob gestão pública. Além disso, deverão ser criadas as condições para ampliar a atuação do setor privado e mobilizar os movimentos sociais para contribuir na superação do déficit habitacional.

Como plano-mestre da política habitacional no Brasil, o PlanHab deve conter:

cenários que levem em conta os indicadores macroeconômicos (PIB, •inflação, emprego e renda), o crescimento demográfico, a evolução das necessidades habitacionais, a receita das várias fontes de financia-mento habitacional e as perspectivas de atendimento dos programas habitacionais existentes e previstos;

metas físicas e financeiras, com base em prioridades e critérios regio- •nais e de acordo com o perfil do déficit habitacional;

a forma de articulação dos recursos dos três níveis de governo na im- •plementação dos programas e projetos habitacionais, materializada no Sistema Nacional de Habitação;

proposta de uma nova articulação institucional do conjunto de atores •públicos, privados e demais agentes sociais afetos ao setor habitacional, a partir do Sistema Nacional de Habitação (SNH), de forma a garantir que possam cumprir seus papéis na implementação do PlanHab;

definição dos mecanismos e instrumentos de regulamentação e fo- •mento à produção de mercado e ampliação da cadeia produtiva;

proposta de articulação dos programas de caráter nacional e linhas •de financiamento nas quais sejam consideradas as diversas fontes de recursos a serem utilizadas;

diretrizes para priorizar o atendimento da população de baixa renda, •garantindo mix entre recursos onerosos e subsidiados para focalizar os segmentos onde se concentra o déficit;

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outros critérios, além da renda familiar, para definir a faixa prioritária •de atendimento, como a renda familiar per capita e a indicação de gru-pos conforme sua capacidade de pagamento em relação aos custos de financiamento das diferentes fontes de recursos.

Para que suas diretrizes e metas se consolidem com base em pactos e propostas construídas coletivamente, a elaboração do PlanHab deve con-templar a participação das várias instâncias de controle social que atuam no setor habitacional e garantir uma interlocução privilegiada com os en-tes federativos (prefeituras e governos de Estado). Os principais interlocu-tores e estratégias propostas são:

canais institucionais de controle social e participação, como o Con- •selho das Cidades e seu Comitê Técnico de Habitação, o Conselho Curador do FGTS e o Conselho Gestor do FNHIS;

Fórum Nacional dos Secretários de Habitação de Desenvolvimento •Urbano e Associação Brasileira de Cohab (ABC);

grupo de acompanhamento do PlanHab - formado por representantes •do Comitê Técnico de Habitação do ConCidades, Conselho Gestor do FNHIS e Conselho Curador do FGTS;

oficinas com segmentos sociais específicos, como movimentos de mo- •radia, empresários, sindicatos, categorias profissionais, associações de municípios, etc.;

seminários com especialistas do setor habitacional e áreas afins; •

cinco seminários regionais como momentos de participação e consul- •ta à sociedade.

O PlanHab deve orientar a elaboração dos planos habitacionais dos estados e municípios. Por essa razão, deve ser acompanhado com atenção pelos gestores municipais, que, nesse momento, iniciam a elaboração dos Planos Municipais de Habitação.

Desenvolvimento Institucional (DI)

O DI é um instrumento estratégico da PNH, concebido para dar su-porte ao edifício em que se baseia a nova política. Consiste em um con-junto de ações que visam:

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a integração e a cooperação entre os três níveis de governo; •

a articulação entre os agentes públicos, privados e os atores sociais; •

a capacitação dos agentes públicos e sociais para exercerem com auto- •nomia e capacidade técnica a implementação da nova política, através de diferentes recursos metodológicos, valorizando as formas interati-vas, como este curso, por exemplo;

a modernização organizacional e técnica dos organismos estaduais, •municipais e metropolitanos, o que implica apoio aos organismos es-pecíficos de formulação, coordenação e implementação das políticas de habitação nessas três esferas, bem como no incentivo à formação de agentes promotores de natureza social (cooperativas, associações de moradores);

a atualização do • quadro legal e normativo no âmbito federal e nos demais níveis de governo, inclusive na instância metropolitana, através do estímulo e apoio à consolidação das políticas urbanas e habitacionais em instrumentos discutidos e legiti-mados pela sociedade.

Ainda no campo do desenvolvimento institucional, lembramos que está em construção o Sistema de Informação, Avaliação e Monitoramento da Habitação (Simahab). Pela complexidade, dimensão e gravidade social da questão habitacional, a informação qualificada é de suma importância. É impossível realizar uma boa gestão se não conhecermos devidamente o problema habitacional. E todos sabemos que no Brasil a informação é escassa e imprecisa, em particular no caso da habitação, em que mesmo organismos oficiais como o IBGE não podem ser usados como referência para, por exemplo, entre outros que poderiam ser lembrados, medirmos o déficit habitacional. Dispor de informações sistematizadas e de ferramen-tas de análise capazes de contribuir no entendimento da dinâmica social de produção dos assentamentos precários nas cidades brasileiras é fundamen-tal para, como indica Maricato (2001), “criar a consciência da cidade real”.

iA esse respeito, sugerimos que você retome o artigo da primeira aula deste Curso.

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Pela complexidade, dimensão e gravidade social da questão habita-cional, a informação qualificada é de suma importância. É impossí-vel realizar uma boa gestão sem conhecer bem o problema.

O Simahab deve eleger e construir indicadores habitacionais que in-formem sobre a situação da habitação no Brasil e, também, sobre a polí-tica, os programas e as ações efetivadas País afora pelos agentes públicos, privados e pela sociedade civil, assim como, ainda, sobre os investimentos realizados, de forma a subsidiar o processo decisório e permitir que se ava-liem as realizações no campo da habitação. Estados e municípios devem se empenhar na montagem de sistemas semelhantes, que se articulem e apóiem o sistema nacional.

O DI faz parte do escopo de programas e ações habitacionais desen-volvidos pelo Governo Federal, como o Programa Intervenções em Fa-velas, o Apoio à Provisão Habitacional de interesse Social na modalidade Assistência Técnica e o Pró-Moradia. Recursos para DI podem ser aces-sados, também, por meio de programas projetados especialmente para essa finalidade, como o de Apoio à Elaboração de Planos Habitacionais de Interesse Social (PLHIS).

Sistemas municipais de habitação

Como já mencionado anteriormente, para aderir ao Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), é preciso que o ente federado firme um Termo de Adesão. Esse dispositivo fundamenta a relação de par-ceria e integração entre os estados, o Distrito Federal, os municípios e a União, e permite o acesso aos recursos articulados no âmbito do FNHIS.

No contexto de estruturação do sistema como um todo (ou, em ou-tras palavras, do Sistema Nacional de Habitação), o município tem papel altamente relevante, visto que a ele compete o ordenamento territorial através dos planos diretores, dos quais a Lei Federal exige, em consonân-cia com seus ditames, a definição das diretrizes que levarão ao cumpri-mento da função social da propriedade.

Para 2008, foram reservados R$ 13,72 milhões do Fundo Nacional de Ha-bitação de Interesse Social para apoiar planos de habitação nos municípios com mais de 20 mil habitantes ou integrantes de regiões metropolitanas.

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Tal como o Sistema Nacional de Habitação e os sistemas estaduais, o Sistema Municipal deve contar com um órgão central responsável pela for-mulação, coordenação e execução da política municipal de habitação, papel que pode ser desempenhado por uma secretaria municipal ou por outro órgão específico responsável pelo tema. É preciso destacar que a existência pura e simples do organismo não responde ao que se requer; a realidade brasileira torna indispensável a capacitação de quadros técnicos da grande maioria dos municípios para que possam desempenhar as funções devidas, coisa a que se prestam os programas de DI, sobre os quais já informamos.

Os conselhos municipais devem se orientar pelos princípios da demo-cratização, controle social e transparência dos processos decisórios, e de-les devem participar entidades públicas e privadas, bem como represen-tantes dos segmentos sociais ligados à área de habitação, garantindo aos movimentos populares 25% do total de vagas, condições constantes da Lei 11.124/2005 para que sejam acessados os recursos do FNHIS. Compete-lhes, nos termos da Lei, “observadas as re-gras emanadas do conselho Gestor do FNHIS”, fixar “critérios para a prioriza-ção de linhas de ação, alocação de re-cursos e atendimento dos beneficiários dos programas habitacionais”.

Ao Conselho Municipal cabe, portanto, a gestão do Fundo Municipal de Habitação, que deve ser constituído com dotação orçamentária própria, destinando-se à implementação da política municipal de habitação de inte-resse social e à recepção dos recursos do FNHIS. Os conselhos e fundos já existentes nos municípios serão admitidos no âmbito do SNHIS, desde que sejam compatíveis com os requisitos da Legislação Federal. Devemos obser-var, ainda, que os recursos carreados ao fundo estadual podem ser transferidos aos fundos municipais, num mecanismo de transferência fundo a fundo.

Estamos vivendo um momento muito propício à formação dos siste-mas municipais de habitação, em que as exigências derivadas da legisla-ção e das normativas da escala federal vêm acompanhadas de estímulos e incentivos que se concretizam em recursos transferidos aos municípios para que possam operar. Em janeiro deste ano (2008), foram anunciados

Veja na Biblioteca Virtual do Curso o artigo 18 da Lei 11.124/2005, já citada aqui.

iUma alternativa para o caso de existirem conselho e fundo não compatíveis é adequar os mesmos às cita-das exigências, ação que tende a ser menos morosa que a criação de novos.

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os resultados da seleção para acesso aos recursos do FNHIS em 2008. Do montante de R$ 900 milhões, foram reservados R$ 13,72 milhões para o apoio à elaboração de planos de habitação (PLHIS) pelos municípios de todas as grandes regiões brasileiras que tenham população superior a 20 mil habitantes ou sejam integrantes de regiões metropolitanas. O critério, fixado pelo Conselho Gestor do FNHIS, coincide com o perfil dos municí-pios para os quais o Estatuto da Cidade exige planos diretores municipais, confirmando a necessária articulação entre política urbana e habitacional que comentamos no início deste texto.

O Plano Habitacional de Interesse Social (PLHIS)

Dadas a complexidade e a abrangência da questão habitacional, seu en-frentamento não é uma tarefa fácil para qualquer nível de governo. O mu-nicípio, no novo quadro resultante da implementação do Sistema Nacional de Habitação, passa a ser protagonista, com a atribuição de mobilizar, oti-mizar, fiscalizar, articular e adequar os agentes, instrumentos e recursos necessários, de forma que se garanta a participação direta da sociedade na definição e no controle das prioridades e dos programas. Nessa perspectiva, o PLHIS constitui-se em instrumento de articulação da política municipal de habitação à política urbana e ao plano diretor e com a política estadual e nacional para o setor, além de articular, entre si, as várias componentes da política de habitação local. O PLHIS deve servir, ainda, como instrumento de controle, monitoramento e avaliação de seus próprios resultados.

O PLHIS deve conter, no mínimo, um diagnóstico do setor habitacional e um plano de ação. O diagnóstico deve reunir informações que permitam elucidar as raízes e a evolução do problema habitacional e, ao mesmo tempo, registrar e avaliar as soluções encontradas pela municipalidade. Deve traçar

um diagnóstico das necessidades habita-cionais atuais e estimar sua evolução no tempo. O plano de ação, por sua vez, con-siste no delineamento das estratégias para fazer frente aos principais problemas, es-pecialmente no que se refere à habitação de interesse social. Dele devem constar:

i Caso o município queira solicitar recursos do PLHIS, deve, além disso, apresentar proposta metodológica para a realização dos trabalhos de elaboração do Plano

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as diretrizes e objetivos da política local de habitação; •

as linhas programáticas e as ações; •

as metas a alcançar e uma estimativa dos recursos necessários para •atingi-las, por programas ou ação, identificando as fontes existentes;

e os indicadores que permitam medir a eficácia do planejamento; •

São possíveis vários arranjos ou combinações entre os conteúdos do plano diretor e do PLHIS, e no tocante aos instrumentos diretamente rela-cionados à questão habitacional. Vejamos, por exemplo, que a regulamen-tação das ZEIS pode se dar parcial ou integralmente no corpo do Plano Diretor, mas nada obsta que o plano diretor delimite as ZEIS e fixe suas diretrizes gerais para que o detalhamento se faça no âmbito do PLHIS, não esquecendo que as ZEIS são zoneamentos que exigem a aprovação do legislativo, enquanto que o PLHIS pode ou não ser lei.

O PLHIS deve ser elaborado com acompanhamento social e conside-rando os instrumentos locais do ciclo de gestão orçamentário-financeira, tais como o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA).

Considerações finais

Em 2007, de forma inédita, ao ser incluído no rol de ações do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) o tema da urbanização de assentamentos precários, foi considerado pelo Governo Federal como um dos eixos funda-mentais para a consecução do desenvolvimento econômico e social do país.

O governo vai injetar, por meio do PAC, R$ 106,3 bilhões no setor ha-bitacional até 2010. O montante contabiliza recursos oriundos ou geridos pela União, investimentos do setor privado e contrapartida de estados, municípios e mutuários. O balanço de um ano do PAC, realizado em ja-neiro de 2008, mostrou que foram investidos R$ 33,9 bilhões em habita-ção, enquanto as contrapartidas estaduais e municipais trouxeram outros R$ 7,9 bilhões para o setor, totalizando R$ 41,8 bilhões em 2007.

O PAC selecionou 544 projetos de urbanização de favelas, de todos os es-tados e de 282 municípios, com investimentos de R$ 10,7 bilhões. Destes, R$ 9,4 bilhões foram contratados, beneficiando 723 mil famílias. Em dezembro último, 32,3% dos projetos estavam em licitação e 6,4% com obras iniciadas.

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Foram selecionados, também, 1.112 pro-jetos de produção de moradias, de todas as unidades da Federação e de 1.024 mu-nicípios, representando R$ 854,5 milhões em investimentos do OGU. Até dezem-bro de 2007, foram contratados R$ 276 milhões, beneficiando 14 mil famílias.

De fato, repetindo a expressão usada por um conhecido urbanista em recente depoimento, “nunca houve tanto dinheiro para programas de saneamento e habitação no Brasil”. E, mais que isso, nunca se priorizou, como agora, o atendimento às necessidades habitacionais da população de mais baixa renda, o que vem sendo feito através da ampliação dos re-cursos de subsídios para a construção habitacional e por meio de progra-mas de urbanização de favelas direcionados ao setor público, conjugando financiamento e recursos a fundo perdido. Estamos vivendo um período que, do ponto de vista da disponibilização de recursos para políticas de interesse social, supera as expectativas mais otimistas.

Palavras de Demetre Anastassakis em entrevista à publicação Retrato do Brasil (dez 2007/jan 2008). Na época, ele era presidente do Instituto de Arquitetu-ra do Brasil.

Os especialistas na questão habitacional, no entanto, estão preocupa-dos diante de tal abundância de crédito, que fez disparar o preço dos ter-renos, o que pode levar às conseqüências aventadas por ROLNIK (2008): “Podemos estar diante de uma situação, que já se verificando em nossas cidades, em que o subsídio vai parar no bolso dos proprietários de terre-nos, drenando a capacidade de estes atingirem quem mais precisa e reite-radamente jogando os pobres ‘para fora’ das cidades e de suas áreas mais consolidadas e com infra-estrutura”. O enfrentamento dessa situação, in-duzindo o mercado a redirecionamento de recursos, segundo ela, é pos-sível exatamente através dos instrumentos previstos nos planos diretores participativos, que podem “limitar a captura de investimentos públicos por parte dos mecanismos de valorização imobiliária e ampliar o acesso à terra urbanizada e subutilizada para os mais pobres”, desde que – conti-nua – se supere a “fragilidade técnico-institucional e vulnerabilidade polí-tica das gestões municipais às pressões dos interesses por lucros imediatos, pouco comprometidos com a sustentabilidade das cidades”.

i Dados constantes do documento Balanço PAC – 1º ano. Você pode acompanhar o andamento do PAC em www.brasil.gov.br/pac

acessado em 09/05/2008

i É o caso de Santo André, em que o cenário mais oti-mista delineado pelo PMH, aprovado no início de 2006, foi ultrapassado de longe pelos recursos oriun-dos do PAC-Habitação – R$ 120 milhões, dos quais R$ 85,2 milhões do OGU, R$ 17,8 milhões do BNDES e R$ 17 milhões de contrapartida do município.

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Aula 05

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Esse é um alerta que não deve ser desconsiderado. Pelo contrário, deve fazer redobrar os esforços dos governos e da sociedade para que se evolua rapidamente no processo de construção articulada de uma política urbana e habitacional mais justa e inclusiva.

Na aula 6, você vai ver o que precisa ser feito para que os Planos Di-retores possam ser colocados em prática e transformar para melhor as nossas cidades.

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BibliografiaBRASIL. Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001. Estabelece diretrizes gerais da política urbana.

BRASIL. Lei nº 11.124, de 16 de junho de 2005. Dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), cria o Fundo Nacional de Interesse Social (FNHIS) e institui o conselho gestor do FNHIS.

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______ Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Programas Urba-nos. Política Nacional de Habitação. Caderno MCidades, n. 4. Brasília: Ministério das Cidades, 2005.

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BRUNO, F.; DENALDI, R.“Parcelamento, edificação ou utilização compulsó-rios e a função social da propriedade: notas acerca de uma experiência”. Re-vista Óculum Ensaios, 2º sem. 2006. Campinas: CEATEC PUC-Campinas.

DENALDI, Rosana. Políticas de urbanização de favelas: evolução e im-passes. Tese de doutorado. São Paulo: FAUUSP, 2002.

______ “Estratégias de enfrentamento do problema: favela”. In: SANTA ROSA, Junia (Org.). Política habitacional e a integração urbana de as-sentamentos precários: parâmetros conceituais, técnicos e metodológi-cos. Ministério das Cidades, Secretaria Nacional de Habitação, 2007.

FERREIRA, João S. W. MOTISUKE, Daniela. “A efetividade da implemen-tação de Zonas Especiais de Interesse Social no quadro habitacional bra-sileiro: uma avaliação inicial”. In: BUENO, Laura; CYMBALISTA, Renato (Org.). Planos diretores municipais: novos conceitos de planejamento territorial. São Paulo: Annablume, 2007.

FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO. Déficit habitacional no Brasil 2005. Fundação João Pinheiro: Belo Horizonte, 2006.

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INSTITUTO PÓLIS. Estatuto da Cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. Brasília: Câmara dos Deputados: CEDI, 2001.

______ Subsídios para a implementação do Sistema Nacional de Habi-tação de Interesse Social pelos Estados e Município visando a promo-ção do direito à moradia. São Paulo: Instituto Pólis, nov. 2007.

MARICATO, Ermínia. Brasil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis: Vozes, 2001.

______ Metrópole na periferia do capitalismo: ilegalidade, desigualda-de e violência. São Paulo: Hucitec, 1996.

RETRATO DO BRASIL. Publicação mensal. Editora Manifesto. São Pau-lo, n.6, dez. 2007- jan. 2008.

ROLNIK, Raquel. “Habitação, solução ou reprodução do caos?” Jornal de Brasília, Brasília, 07 jan. 2008.

SANTO ANDRÉ, Prefeitura. Plano Municipal de Habitação. Santo An-dré: PMSA, 2006.

SCHECHINGER, Carlos M. “El debate por reformas al suelo urbano en América Latina”. Documento apresentado no Foro sobre reforma urba-na y desarrollo territorial: experiencias y perspectivas de aplicación de las Leyes 9ª de 1989 y 388 de 1997 en Colombia. Bogotá: Alcadia Mayor de Bogotá, Lincoln Institute and Land Police, Cider de la Universidad de los Andes, 22-23 abr. 2003. Mimeo.

Aula 05

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Nesta aula, faremos uma refl exão sobre o desafi o que é adotar ações concretas para transformar em realidade as diretrizes con-tidas no Plano Diretor. Você verá quais são as condições mínimas para este sistema de gestão, tanto no que compete à administra-ção municipal quanto aos setores organizados da sociedade. Duas ações devem ser iniciadas simultaneamente: analisar o Plano Diretor quanto a sua aplicabilidade imediata e promover a reorga-nização interna da prefeitura que propicie uma gestão integrada e participativa do plano.A gestão democrática, compartilhada, bem instruída, consisten-te e disciplinada produz uma sinergia social capaz de alavancar a execução do Plano Diretor e do desenvolvimento urbano, cons-truindo a cultura política de direitos.

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Aula 06

Gestão Urbana Integrada e Participativa e a implementação dos Planos Diretores

José Abílio Belo PereiraOtilie Macedo Pinheiro

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Programa de rádio “Sintonia da Cidade”Um programa de rádio envolve ouvintes de diversas regiões do País, mo-

radores da área urbana e rural, que discutem problemas das suas cidades e como os Planos Diretores podem contribuir para solucioná-los. Produzido pelo Minis-tério das Cidades para a campanha nacional “Plano Diretor Participativo: Cidade de Todos”, foi dirigido por Marcelo Machado para a O2 Filmes. Tem duração de 18 minutos e você pode ouvi-lo no AVEA.

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Aula 06

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Introdução

Os municípios têm hoje o desafio e os meios para reverter o quadro de exclusão territorial e garantir a todos o direito às cidades. Como foi visto nos capítulos anteriores, as prefeituras dispõem, particularmente pós Es-tatuto da Cidade, de um conjunto de instrumentos legais, urbanísticos, fiscais e financeiros para concretizar as políticas de regulação do uso e ocupação do solo e de captação da valorização imobiliária urbana, que, se utilizados de forma adequada e monitorada, vão possibilitar a reforma urbana e a redução progressiva da desigualdade nas nossas cidades.

A Constituição Federal e o Estatuto da Cidade delegaram ao município a competência, ou seja, o poder e o dever, de ordenar o pleno desenvolvi-mento das funções sociais da cidade e da propriedade por meio do plano di-retor, que, “aprovado por lei municipal, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana”. Ou seja, os Planos Diretores são o instrumento de transformação e ampliação de direitos e deveres para que a convivência nas cidades torne-se mais justa e melhor, para todos.

O Ministério das Cidades, com parce-rias, em todos os estados, de entidades dos diversos segmentos que compõem o Con-selho das Cidades (o ConCidades), desen-volveu uma política e conduziu uma ação que estimulou e contribuiu para que mais de 1.500 municípios revissem ou elaboras-sem novo Plano Diretor.

O grande desafio é transformar a lei em ações concretas, que tornem realidade as diretrizes e estratégias contidas no Plano. E esta transforma-ção passa pela estruturação de um sistema de gestão do território munici-pal e do plano diretor.

O objetivo deste texto é apontar as condições mínimas para este sis-tema de gestão, tanto no que compete à administração municipal quanto aos setores organizados da sociedade, particularmente aqueles compro-metidos com a reforma urbana.

@

Veja, na aula 1 (Raquel Rolnik), o texto de Rolnik, Raquel, “Aces-so ao Solo Urbano: Limites e Possibilidades”. Confira também a página da campanha nacional “Plano Diretor participativo: Ci-dade de Todos” em <www.cidades.gov.br> (endereço acessado em 02/04/08).

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Duas ações devem ser iniciadas simultaneamente. Por um lado, anali-sar o Plano Diretor quanto a sua aplicabilidade imediata e, por outro lado, promover a reorganização interna da prefeitura que propicie uma gestão integrada e participativa do plano.

Análise do Plano Diretor aprovado

Em cada município, o primeiro passo é verificar se o Plano Diretor foi elabora-do e está aprovado, segundo as diretrizes contidas no Estatuto da Cidade, tanto em relação ao processo participativo de ela-boração, quanto ao seu conteúdo. Esta análise é importante porque muitos dos instrumentos, tratados nas aulas anterio-res, que possibilitam que a cidade e a pro-priedade cumpram sua função social, só podem ser aplicados se estiverem descri-tos e delimitados no plano diretor. É tam-bém importante analisar se há coerência entre os objetivos, as estratégias e os ins-trumentos previstos para alcançá-los.

Esta análise pode resultar em quatro situações: (1) o município ainda não elaborou ou concluiu seu Plano; (2) o município elaborou o Plano, que depende, para sua aplicação, de detalhamento em outras leis ou da regulamentação dos instrumentos; (3) o Plano não contempla as diretri-zes do Estatuto da Cidade e (4) o Plano é auto-aplicável, ou seja, pode ser implementado imediatamente.

Se o município ainda não elaborou ou concluiu seu Plano,1. a grande tarefa é mobilizar forças, dentro e fora da administração municipal, para in-cluir no seu texto os instrumentos da forma mais completa possível para que o plano se torne auto-aplicável logo após sua aprovação.

Se o Plano já foi aprovado2. e está incompleto, deve-se elaborar a regula-mentação complementar necessária para que ele se torne aplicável e começar a preparar emendas substitutivas para os instrumentos indis-pensáveis que não foram contemplados. Deve-se também observar, é

Veja na Biblioteca Virtual de nosso Curso as reso-luções 25 e 34 do Conselho das Cidades, que dão

diretrizes sobre o processo de elaboração e sobre o conteúdo mínimo dos planos diretores.

Sugerimos que você consulte, na Biblioteca Virtual do Curso, a cartilha “Os vereadores no

processo de elaboração dos planos Diretores par-ticipativos”, particularmente o capítulo “Avaliação do

conteúdo do Plano Diretor”, páginas 16-25.

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Aula 06

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claro, a prioridade e a conjuntura política de apresentar estas emendas, para não correr o risco de perder conquistas já alcançadas. De toda for-ma, deve-se iniciar a implementação do plano pelos instrumentos já regulamentados.

Se o plano já foi aprovado, mas não 3. atende às diretrizes do Estatuto da Ci-dade, deve-se iniciar o processo de revisão e elaborar um novo projeto substitutivo.

Se o Plano é auto-aplicável,4. está pronto para iniciar o processo de implementação.

Assegurar a coerência entre objetivos e instrumentos e os conteúdos mínimos é um primeiro passo e respaldo legal indispensável para a concretização dos objetivos, ou seja, transformar o Plano Diretor em cidade. A eficá-cia do Plano vai depender da atitude e do compromisso da sociedade local e, especialmente, da administração pública, para que sua operacionalização se faça no res-peito às decisões, diretrizes e ações acordadas.

Gestão integrada e participativa do território e do Plano Diretor

Esta tarefa será facilitada se foi implantado no município um processo democrático de planejamento urbano e gestão, fortalecido ou iniciado na elaboração do plano diretor. Esse processo continuará nas fases de imple-mentação, monitoramento e revisão, instaurando uma abordagem e um compromisso coletivos com olhar atual, que incorpora definitivamente a função social da propriedade, e futuro, para além dos mandatos, tornando o desenvolvimento urbano um projeto de longo prazo, de cidadania.

Isto implica promover transformações profundas na gestão pública, tanto no interior da administração quanto na relação da sociedade com o poder público. Vamos destacar três aspectos: (1) A reorganização da pre-feitura para a Gestão Integrada e Participativa do Território e do Plano Diretor (2) A Regulamentação dos Instrumentos e/ou a revisão da Le-

Em qual das quatro situações descritas se encontra o seu muni-cípio quanto ao Plano Diretor?

Publique sua resposta, com as circuns-tâncias específicas, no Fórum do AVEA e compartilhe-a com os colegas.

Participe! Essa troca de experiências e informações sobre distintas realidades locais é muito importante para o apren-dizado de todos.

@

Para mais informações sobre este processo, consulte na Biblio-teca Virtual “Plano Diretor Participativo: Guia para elaboração pelos Municípios e Cidadãos”, as publicações dos itens 2 e 3 (Ministério das Cidades); “Estatuto da Cidade: Guia para Imple-mentação pelos Municípios e Cidadãos” (Instituto Polis); consul-

te também a biblioteca do www.cidades.gov.br/secretarias-nacionais/programas-urbanos/biblioteca

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gislação Urbanística Municipal Complementar ao Plano Diretor e (3) a implementação do Sistema de Gestão Participativa para monitorar a im-plantação e revisão do Plano Diretor e o Desenvolvimento Urbano.

Reorganização da prefeitura para a gestão do Plano

A reorganização da prefeitura para a Gestão Integrada e Participativa do Território e do Plano Diretor se subdivide em cinco itens:

A organização interna e a definição de responsabilidades para a imple-1. mentação do plano;

A articulação dos órgãos municipais a partir da integração das políti-2. cas e ações no território;

A articulação Plano Diretor e Orçamento Municipal; 3.

A atualização do sistema de informações e 4.

O sistema de comunicação para subsidiar o controle social5.

Historicamente, nossas administrações, em sua maioria, são marcadas pelo centralismo das decisões como margem de manobra e poder e pela submissão/adesão ao poder econômico local (elite econômica, proprietários e empreendedores imobiliários, empresários do setor de infra-estrutura ur-

bana e transporte, detentores dos meios de comunicação), que se beneficiou das ações e investimentos públicos e ocupa, por meio de seus quadros, funções permanentes e es-tratégicas na burocracia das administrações (RIBEIRO e CARDOSO, 2003).

A partir da Constituição de 88, esta prá-tica tradicional do poder público controlador da vida social e dos destinos da cidade, deten-tor do saber técnico, elitista, populista, que valoriza as grandes obras, começou a enfren-tar o crescimento da organização da socieda-de que reivindica seus direitos e se contrapõe à cultura dos privilégios. Destacam-se os movimentos de luta por moradia, que pas-

Propomos que você realize a seguinte ativida-de em grupo de até quatro participantes – de

preferência, de uma mesma região do País, para que tenhamos mais variedade de experiências a

compartilhar:

Identifiquem a atuação de um movimento de luta •por moradia.

Descrevam o perfil da área ocupada e de seus mora- •dores, os conflitos, encaminhamentos e resoluções, se houver.

Publiquem um breve relato no Fórum. •

Leiam os relatos dos demais grupos e debatam com •os colegas.

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Aula 06

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saram a exigir o reconhecimento dos direitos à permanência e à posse das áreas ocupadas em favelas e loteamentos irregulares e também os meios de acesso a novas moradias, inclusive, em imóveis vazios de áreas centrais.

Os processos de elaboração dos planos em várias cidades do País foram ricos na explicitação do choque entre estas duas concepções e apresentaram os mais diversos resultados de enfrentamentos e pactuação, dependendo do compromisso da administração, do nível de organização e mobilização da sociedade, e da articulação e atuação do poder econômico local.

A organização interna e a definição de responsabilidades para a implementação do Plano

Uma vez aprovado o Plano, quanto mais comprometido for com a reforma urbana e com a gestão democrática, mais sua implementação vai encontrar resistências e exigir modificações profundas nos procedimentos internos, nas prioridades de gastos públicos, na articulação das ações seto-riais e na superação da fragilidade administrativa.

A implementação do Plano vai perpassar várias administrações e, por-tanto, deve ter no seu horizonte a descontinuidade administrativa e princi-palmente não pode prescindir do engajamento de quadros permanentes da administração. Como o aparelho administrativo não é monolítico, é preci-so identificar os espaços, mesmo limitados, abertos a práticas democráticas e buscar na estrutura administrativa servidores capazes e cientes de seu papel numa sociedade democrática, muitas vezes desestimulados e alijados de um trabalho significativo. Os processos de capacitação da equipe interna para a implementação do plano podem contribuir para essa identificação.

Um primeiro grande desafio é romper com a visão tecnocrática e incor-porar a visão política da questão urbana. Mesmo nos municípios com tradição de planejamento, a prática é voltada para a cidade formal, para os mercados da classe média e alta, raramente dialogando com os mercados de baixa renda.

Por outro lado, o Plano não será implementado se ficar sob a respon-sabilidade de uma equipe técnica, por mais competente e comprometida que seja. É essencial que ele se torne ação de governo e que o projeto seja acompanhado permanentemente pela sociedade organizada e pelos operadores de direito. Portanto, trata-se mais de gestão da cidade do que simplesmente gestão do Plano.

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A gestão do Plano Diretor demanda definição de órgão e equipe res-ponsável pela sua coordenação. É desejável que a responsabilidade pelo Pla-no Diretor, internamente nas prefeituras, tenha sido acordada e definida nas discussões de sua elaboração. Melhor ainda se na Lei do Plano Diretor ficaram estabelecidas com clareza as normas de gestão em seus diversos as-pectos, dentre outros: da participação dos vários setores do poder público e da sociedade civil, da produção e disseminação de informações, das instân-cias de discussão e decisão, da organização administrativa da prefeitura.

Se não foi esse o caso, é hora de se organizar e distribuir responsabili-dades. Sugere-se:

Estrutura matricial • constituída por servidores de diferentes áreas, que farão a ponte entre as políticas e ações setoriais e as diretrizes do Plano. Es-ses servidores devem preferencialmente ser do quadro permanente e, sem se desligarem de seus elos verticais e independente de seu grau na hierar-quia, devem cooperar em tempo parcial na execução do plano. Deve-se evitar que a equipe seja exclusivamente de “especialistas” da área de pla-nejamento urbano. Além das áreas normalmente afins como habitação, saneamento, transporte e meio ambiente, é fundamental a presença de servidores ligados ao orçamento municipal, ao plano de obras, ao cadas-tro técnico municipal, à política fiscal (código tributário) e partircularmen-te com experiência em mobilização social e processos participativos.

Comissão executiva • para operacionalizar a execução do Plano Dire-tor dentro da prefeitura. Deverá articular as propostas do Plano com outras propostas do governo (especialmente o Plano Plurianual-PPA) e incorporá-las ao orçamento municipal, acompanhar a implantação dos programas e projetos, buscar parcerias e oportunidades de finan-ciamento, organizar reuniões e informações, fornecer condições de funcionamento ao Conselho Gestor do Plano Diretor ou similar. En-fim, esta comissão executiva, subordinada à coordenação geral, deve promover uma sistemática de avaliação da implementação junto ao Conselho da Cidade ou similar.

Coordenação política • da implementação do Plano Diretor. O ideal é que tenha o prefeito e secretários estratégicos. Demanda a nomeação de um coordenador geral, que costuma ser, em muitos municípios, o secretário de Planejamento ou Desenvolvimento Urbano. O importan-te é que seja uma pessoa com perfil articulador e tenha acesso direto e apoio do prefeito; conhecimento da cidade como um todo e das po-

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líticas e atividades setoriais; fácil interlocução nas diversas secretarias e nos órgãos de decisão; capacidade de impulsionar o funcionamento do conselho gestor do Plano Diretor que envolve a sociedade civil. E, para que realize tudo isto, que tenha como atividade prioritária a im-plantação do Plano.

Se for necessário, faz-se a contratação nas formas legais, por tempo •determinado, de especialista/responsável, de preferência que tenha participado da equipe que elaborou o Plano, de ONGs, OSCIPS ou universidades. Deve-se exigir no contrato a permanência do profissio-nal na prefeitura para assegurar a transferência de conhecimento para a equipe local.

A responsabilidade do Poder Executivo é clara no Estatuto da Cidade.

A integração das políticas e ações no território para sedimentação do Plano Diretor na máquina administrativa

Tradicionalmente, pratica-se, no executivo, a visão setorial, centrada em secretarias autônomas, cada uma com sua abordagem própria do mu-nicípio, estabelecendo prioridades e ações desintegradas. Articular idéias, projetos e ações de governo continua sendo um desafio para a administra-ção pública. Em grande parte das cidades brasileiras, o Plano Diretor pode inaugurar um novo processo: articular ações no território. É na análise do território que, ao se superpor mapas setoriais de atendimento de serviços públicos, se percebe mais claramente a expressão territorial das desigual-dades sociais. Os espaços de carências de infra-estrutura e serviços mapea-dos em cada setor se superpõem e são os mesmos onde se concentram as mais baixas rendas, a sub-moradia, o espaço da “não-cidade”.

Uma das contribuições do Plano Diretor, além de pautar o processo de planejamento urbano e introduzir os princípios da função social da cidade e da propriedade, é fornecer um suporte facilitador à articulação de ações e, portanto, uma oportunidade de otimizar recursos, ampliando a eficácia da administração. Esse suporte consiste na abordagem territorial integrada, do município e da cidade, fornecendo uma visão da estrutura rural e urbana.

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Em grande parte das cidades brasileiras, o Plano Diretor pode inaugurar um novo processo: articular ações no território, para as-sim perceber mais claramente a expressão territorial das desigualda-des sociais e alcançar melhores resultados.

Nossas cidades raramente são administradas a partir da noção de ter-ritório, mas é exatamente essa visão que se constitui num elemento faci-litador de articulação das políticas públicas e compreensão dos cidadãos sobre o papel do poder público e sobre a apropriação social do espaço.

A abordagem focada no território, se necessária na elaboração do Pla-no Diretor, é indispensável na sua implementação; além de permitir a inte-gração das políticas, facilita o estabelecimento de indicadores para medir a eficácia do plano e o controle da função social da cidade e da propriedade, em diversas escalas: do município, das regiões e dos bairros, propiciando o acompanhamento pelos munícipes da implementação e avaliação do Plano Diretor, no município e em suas partes.

A abordagem territorial pressupõe representação do sítio natural e do espaço urbano, geralmente embrionária nos cadastros municipais. Além das já tradicionais representações cartográficas e imagens aéreas, as ima-gens de satélites, muitas vezes disponíveis na Internet, e as ferramentas de geoprocessamento disponibilizam novos instrumentos para a gestão municipal, especialmente facilitadores da visualização do município e das cidades, nos mais diversos aspectos: rurais, urbanos, arrecadação, saúde, turismo, meio ambiente, adensamento, etc.

A atuação pública vem incorporando cada vez mais a noção de territo-rialidade e inter-relação de setores ou temas, com mais profundidade:

nas ações sociais, educação, agricultura e na saúde já são inúmeras •as articulações de ações, gerando programas eficazes de atendimento público como o “Fome Zero”;

a segurança pública se beneficia cada vez mais da visão do território •nos seus diagnósticos e nas suas ações;

o • meio ambiente tem contribuído muito para o avanço da visão ter-ritorial, ao estabelecer, por exemplo, o conceito de desenvolvimento sustentável, que integra aspectos econômicos, sociais e ambientais.

O Fome Zero <www.fomezero.gov.br> é um programa que agre-ga dezenas de ações estatais e de parceiros, transversais e interse-toriais das três esferas de governo. A mais co-nhecida é o “Bolsa Fa-mília”. Ele atua a partir de quatro eixos articu-ladores: acesso aos ali-mentos, fortalecimento da agricultura familiar, geração de renda e arti-culação e mobilização e controle social.

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Portanto, existe já uma atuação no espaço, ainda que desintegrada e par-cial, em diversas experiências munici-pais, caminhando cada vez mais para o foco no território.

A aproximação da coordenação do Plano Diretor das secretarias ou setores tem, na visão de território, um importante elemento comum de apoio e referência.

Se a apropriação do espaço, urbano e rural, é a expressão física da estrutura das relações sociais, o conhecimento e a análise da organização territorial com sua complexidade: história, diversida-des de usos e ocupação, identidade(s), estrutura fundiária, articulações, desi-gualdades, especulações, etc., fornece meios de conhecer, compreender, par-tilhar e atuar na sua reestruturação.

Na gestão da cidade, os efeitos da atuação integrada no território tendem a ser muito mais eficazes e estruturado-res nas áreas que concentram popula-ções mais pobres.

A articulação de planos, programas e projetos dos diversos setores (secretarias) sobre uma base territorial co-mum revela vínculos e possibilidades de atuação conjunta inovadoras, faci-lita romper o pensamento e a atuação setorial e propicia avanços importan-tes na gestão municipal, tornando mais compreensível, criativa, econômica e eficaz a atuação pública.

Na gestão da cidade, os efeitos da atuação integrada no território tendem a ser muito mais eficazes nas áreas que concentram popula-ções mais pobres.

A regularização fundiária para as camadas mais pobres da população, além de garantir o direito à propriedade da moradia, demanda uma abor-dagem integrada de diversas secretarias, na reestruturação urbana da área

iEste é também um tema de muito conflito. A pri-meira diretriz geral do Estatuto (Cap.1, art.2º inciso I) determina “o direito de cidades sustentáveis, en-tendido como direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações”. Para a in-tegração dos princípios do desenvolvimento susten-tável com aqueles da Reforma Urbana, é preciso uma ação conjunta para revisão da legislação ambiental, a começar pelo código florestal, que não considera as especificidades das áreas urbanizadas do País, que correspondem a apenas 1% do território e têm sido obstáculo aos processos de regularização fundiária.

i A política habitacional é a mais estruturante para a implementação do acesso à cidade e foi tratada na aula anterior.

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a ser regularizada, conferindo a ela uma nova estrutura urbana, centrada no acesso a infra-estrutura, aos serviços públicos e à integração com a cidade formal. Nessas áreas, há necessidade de padrões especiais de urba-nização e soluções novas e criativas, especialmente para acessibilidade, e do estabelecimento de normas para o controle do parcelamento, do uso do solo e da especulação. É desejável também a criação de equipamentos

e espaços de uso coletivo, que possam fa-zer o vínculo da área a ser regularizada com a cidade formal, permitindo maior interação dos moradores com o entorno, produzindo, assim, maior possibilidade de integração do tecido urbano e social.

A articulação Plano Diretor e Orçamento Municipal

O Orçamento Municipal é o instrumento central da gestão pública: as ações se viabilizam, se previstas e executadas dentro do Orçamento, no equilíbrio entre receitas e despesas.

O Estatuto estabelece (no §1º do art. 40) que o “plano diretor é parte integrante do processo de planejamento municipal, devendo o plano plu-rianual, as diretrizes orçamentárias e o orçamento anual incorporar as di-retrizes e prioridades nele contidas”. E estabelece no art. 44 que “a gestão orçamentária participativa incluirá a realização de debates, audiências e consultas públicas sobre as propostas do plano plurianual, da lei de diretri-zes orçamentárias e do orçamento anual, como condição obrigatória para sua aprovação pela Câmara Municipal”. O Estatuto torna, portanto, obri-gatório o Orçamento Participativo, que pode se transformar num podero-so instrumento de implementação do Plano Diretor e, por outro lado, o Plano Diretor pode subsidiar a elaboração do Orçamento Participativo.

A elaboração do orçamento deverá expressar as decisões contidas no Plano Diretor e é condição para programar sua implementação. Mesmo que a aprovação do Plano Diretor tenha se dado após a aprovação do Pla-no Plurianual, esse pode ser revisto anualmente, por justificativa do Exe-cutivo, para incorporar as novas propostas.

Os recursos necessários à implementação das propostas do Plano devem ter sido objeto de compatibilização com a arrecadação municipal, seu escalona-mento no tempo segundo as prioridades, considerando-se, inclusive, a capacida-de de arrecadação e indicando as outras fontes de recursos para sua efetivação.

i Como já foi tratado em aulas anteriores, e será tra-tado particularmente no segundo módulo, que trata da Regularização Fundiária Plena.

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É interessante lembrar que, se por um lado o Plano Diretor gera despe-sas para garantir direitos, por outro deve gerar receitas oriundas dos serviços prestados, da gestão da valorização imobiliária e do combate à especulação imobiliária. Esse é um dos pontos básicos a serem trabalhados na gestão do plano. Os capítulos anteriores mostraram diversas ações e instrumen-tos para se cumprir a diretriz da “justa distribuição dos benefícios e ônus decorrentes do processo de urbanização” para o cumprimento do pleno de-senvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana dentre outras citadas no artigo 2º. Foram detalhados os diversos instrumentos de política urbana que propiciam a geração ou ampliação de receitas, dentre outros: o IPTU (com atualização freqüente da Planta de Valores), o Parce-lamento, Edificação ou Utilização Compulsórios, o IPTU Progressivo no Tempo, as Operações Urbanas Consorciadas, a Contribuição de Melhoria, a Outorga Onerosa do Direito de Construir e de Alteração de Uso.

Mesmo que a aprovação do Plano Diretor tenha se dado após a aprovação do Plano Plurianual, esse pode ser revisto anualmente, por justificativa do Executivo, para incorporar as novas propostas.

Se os instrumentos de política urbana foram bem discutidos e enfoca-dos no processo de elaboração do Plano Diretor, certamente novas recei-tas orçamentárias foram sinalizadas.

No Orçamento Público, as despesas são classificadas por funções de go-verno e os recursos são alocados por órgãos do governo. A montagem, em cada etapa do Orçamento Municipal (Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Orçamento Anual), demanda incluir as despesas referentes ao Plano Diretor em diversas funções de governo (urbanismo, habitação, saneamento, gestão ambiental, transportes, saúde, educação, cultura, agri-cultura, indústria, etc.), sendo que, na maior parte dos casos, as dotações orçamentárias são alocadas nos órgãos de governo em diversas secretarias.

Para tornar coerente com o plano e principalmente explicitar a todos claramente o seu conteúdo, para abrir a “caixa preta” do orçamento, serão necessárias algumas mudanças na estrutura de apresentação orçamentá-ria: as despesas deverão ser classificadas e demonstradas segundo os pro-gramas e projetos de investimentos identificados no Plano e priorizadas respeitando as ações estratégicas definidas no Plano. No quadro das recei-tas, devem estar explicitados os recursos oriundos dos novos instrumentos contidos no Plano. Recomenda-se particularmente verificar se consta do orçamento a rubrica relativa aos fundos de habitação ou de desenvolvi-mento urbano, se estes foram criados no município.

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No Orçamento Municipal, deve-se tomar cuidado ainda para que os demais investimentos do governo estejam em consonância com o Plano Diretor, por exemplo: se nele está delimitada uma área para preservação, não pode haver previsão de recursos para abertura de via ou instalação que induzam o adensamento na área. Se a diretriz é priorizar a urbani-zação de áreas adensadas de baixa renda, os investimentos previstos em infra-estrutura devem estar alocados prioritariamente nestas áreas.

Mais uma vez, também na elaboração e execução do Orçamento Mu-nicipal, percebe-se a profunda articulação do Plano com o conjunto da ad-ministração. Esse esforço de integração do Plano Diretor no conjunto das ações e órgãos de governo pode ter como contrapartida um salto de qualidade dos gestores públicos, na percepção e operacionalização de pro-gramas integrados, seja no poder executivo, seja no poder legislativo, onde é discutido e aprovado o Orçamento Municipal. Os municípios que elabo-raram seu plano num processo participativo e já têm a prática de discutir o Orçamento com a comunidade terão grande facilidade neste processo.

Atualização do Sistema de Informações

A montagem do sistema de informações tem dois movimentos: um de estruturação e sistematização dos bancos de dados e mapas para permitir o segundo movimento, que é o de análise e produção de informações para o monitoramento e gestão do plano pelo governo e pela sociedade.

A estruturação e a sistematização de informações demanda, à equi-pe matricial, a tarefa imediata de atualização e integração dos cadastros, e de construção de uma base de dados espacializada, de preferência geo referenciada. Ou seja, dotar a prefeitura de um sistema de cadastro mul-tifinalitário de informações atualizadas, integradas e confiáveis, da estru-tura fundiária, das ações realizadas, do sistema de arrecadação fiscal, etc. A atualização do IPTU, a identificação de áreas vazias para implantação de ZEIS ou para incidência de urbanização compulsória e do direito de preferência exigem um cadastro permanentemente atualizado, que per-mita, inclusive, acompanhar o cumprimento dos prazos estabelecidos e as mudanças nos usos e ocupações dos imóveis e permita acompanhar a dinâmica urbana e sua compatibilidade com as políticas traçadas. Particu-larmente a produção de informações para o monitoramento da “recupe-ração da valorização da terra” coloca também desafios específicos. Devem ser estabelecidos mecanismos de acompanhamento da arrecadação e dos

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gastos decorrentes dos novos instrumentos, e também o controle sobre as conseqüências urbanísticas dessas ações.

Este conjunto de dados deverá ser também permanentemente traba-lhado para subsidiar a prefeitura e a sociedade, particularmente o Conse-lho Gestor, no processo de monitoramento e gestão do Plano e da cidade.

Há duas categorias básicas de informações a serem produzidas para o monitoramento do Plano: (a) informações sobre a inserção do Plano Diretor no Orçamento Municipal e (b) informações sobre a eficácia do Plano Diretor nas suas metas de desenvolvimento urbano e em especial no cumprimento da função social da cidade e da propriedade urbana.

Informações sobre a inserção do Plano Diretor no Orçamento Municipala. , retra-tando a incorporação das diretrizes e normas do Plano Diretor no Plano Plurianual, nas Diretrizes Orçamentárias e no Orçamento Anual. Como o Orçamento é uma peça bastante complexa para compreensão geral, pode-se dar publicidade a ele através de planilhas simples de acompa-nhamento da arrecadação (inclusive as receitas com origem no Plano Diretor) e das despesas com programas e atividades. Especial atenção deve ser dada à produção de informações relativas à recuperação da va-lorização da terra, pelo seu caráter complexo e inovador.

Para facilitar o acompanhamento do Conselho Gestor do Plano Di-retor ou similar e da comunidade em geral, é interessante organizar as informações com foco territorial, nas diversas escalas do município e, se for o caso, com recortes espaciais e prioritários.

Como as ações municipais ou programas subdividem-se em diversas etapas ou atividades, é importante que as informações sejam repassadas descrevendo cada etapa (desapropriações, projetos, licitações, etc.), por exemplo: para implantação de uma área de lazer, pode ser necessária a desapropriação (decreto de desapropriação, imissão de posse da área), a licitação ou a execução direta de projeto e em seguida a licitação ou a execução direta da obra. Todas essas atividades têm prazos legais ou tecni-camente necessários, demandando um tempo muitas vezes desconhecido pelos munícipes e causando uma impressão de lentidão do setor público. É fundamental que esses prazos regulamentares sejam conhecidos, para que a prestação de contas das ações públicas seja melhor percebidas em sua complexidade e não gere desânimo.

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Informações sobre a eficácia do Plano Diretorb. , nas suas metas de desenvol-vimento urbano e em especial no cumprimento da função social da cidade e da propriedade urbana. Essas informações deverão ser cons-truídas pelo poder público e sociedade civil, gerando indicadores eco-nômicos, sociais e ambientais, que permitam acompanhar e avaliar o desempenho do PD, nos seus acertos e nos seus erros.

É interessante que sejam indicadores simples, construídos também territorialmente e acordados com os diversos setores do governo e com a população, inclusive dos pedaços da cidade. Assim, pode-se demonstrar a evolução do acesso de todos os munícipes à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos servi-ços públicos, ao trabalho e aos equipamentos de cultura e lazer. O artigo 2º do Estatuto da Cidade fornece os temas para o estabelecimento desses indicadores, que serão fundamentais no processo de discussão e revisão de conteúdo dos Planos Diretores.

O sistema de comunicação para subsidiar o controle social

A produção de informações é parte do processo de Controle Social. Dar a conhecer, com regularidade, o monitoramento do Plano Diretor, tanto via Orçamento Municipal quanto via cumprimento das metas de desenvol-vimento urbano, é vital para sedimentar a noção de planejamento, conti-nuidade e processo iniciados na elaboração do Plano Diretor. Isso alimenta um sentimento de construção do futuro pelo exercício da cidadania.

Há muitos meios de divulgar a implementação do Plano Diretor para o cidadão. Cada município tem seus próprios caminhos, da mídia tradicional até a mídia alternativa. O resgate das formas de mobilização para elaboração do Plano Diretor pode indicar outros caminhos de popularização do PD.

É importante lembrar que o processo de disseminar informações para acompanhamento da implementação do Plano Diretor deverá se dar com regularidade. E que haverá momentos de necessária capacitação, para am-pliar conhecimentos ou para incluir novos munícipes no processo de popu-larização do Plano Diretor, com linguagem simples, acessível e politizada.

O Registro de todo o processo é fundamental na prestação de contas, defesa do poder público e na garantia dos direitos de cidadania.

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O processo de comunicação alimenta o processo de controle social e fortalece o Sistema de Gestão Participativa (ver último item).

A regulamentação dos instrumentos e/ou a revisão da Legislação Urbanística Municipal Complementar ao Plano Diretor

A grande maioria dos planos diretores infelizmente não é auto-aplicá-vel e remete, em geral, a questões mais polêmicas para a legislação com-plementar, ou seja:

A Lei de Zoneamento ou de Uso e Ocupação do Solo, que deverá de- •talhar as diretrizes genéricas do macrozoneamento, como a definição de perímetros rural e urbano, a definição dos uso e ocupação do solo e a definição de normas específicas para as Zonas Especiais definidas no Plano, inclusive as de interesse social;

A Lei de Parcelamento; •

A regulamentação dos instrumentos de política urbana; •

O detalhamento ou desenvolvimento de Planos Setoriais ou temas •cujas diretrizes foram definidas no Plano Diretor;

E ainda as demais normas urbanísticas como os códigos de obras ou •de edificações; código de posturas e o código tributário.

No caso de os Planos Diretores serem auto-aplicáveis, estas normas complementares devem ter sido incorporadas, no todo ou em grande parte, no texto dos planos. Pressupõe-se, nestes casos, que os temas conflitantes da cidade já tenham sido profundamente tratados e pactuados, dando origem a normas e instrumentos de política urbana claros e operacionais. A regula-mentação complementar, nesse caso, tende a ser desenvolvida sem grandes embates, apesar de que, muitas vezes, um acordo celebrado em níveis gerais pode resultar, em seu detalhamento mais pontual, em conflitos de ordem local. Por exemplo, a pactuação estabelecida no macrozoneamento pode dar origem a novas discussões e acertos em nível local, nos bairros.

Mas uma grande parte dos Planos Diretores não enfrentou as discus-sões mais polêmicas no período de sua elaboração, em especial os instru-mentos de política urbana, relacionados às estratégias e objetivos do plano, por razões diversas: exigüidade de tempo, falta de informações suficientes,

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busca de pactuação em temas menos polêmicos, temor de enfrentar os temas polêmicos e contrariar os grandes interesses fundiários do municí-pio, dentre outras, ou mesmo por um posicionamento acordado de deixar determinados aspectos para a legislação complementar. Na sua maioria, os instrumentos são citados no plano, mas não são regulamentados, nem são definidas as áreas da cidade em que eles incidem.

Nesses casos o processo de regulamentação deve estabelecer o mo-mento para se enfrentar e pactuar os grandes temas da função social da cidade e da propriedade. Certamente, o momento da regulamentação é inadequado para grandes definições estruturantes, mas muitos Planos Di-retores postergaram essas discussões para o período de regulamentação.

Qualquer que seja o caso, a produção da regulamentação complementar deve dar continuidade ao processo participativo de elaboração do Plano Di-retor, com discussões nas escalas do município, regional e local. Discussões e decisões locais são necessárias, sobretudo quando se tratam de normas de parcelamento, uso e ocupação do solo. Se o Plano Diretor, por exigência do Estatuto da Cidade, ficou condicionado à participação da sociedade local, o detalhamento e a produção de legislação urbana complementar deve utili-zar metodologias participativas, com processo promovido, coordenado e aprovado pelo Conselho Gestor ou qualquer outra instância que tenha sido responsável pela elaboração do Plano Diretor ou proposto pelo mesmo.

É preciso estar atento para que o processo de produção da legislação complementar não torne inócuos os princípios ou diretrizes do Plano Di-retor, especialmente naqueles aspectos que promovam a efetiva função social da cidade ou da propriedade.

Há uma grande tendência de voltar neste momento à prática tradicio-nal de legislação de parcelamento e zoneamento, com seus índices de apro-veitamento, taxas de ocupação, propostos como “atividade técnica” para uma cidade ideal, que só atendem e protegem pequena parcela da cidade e as estratégias de mercado dos grandes investidores imobiliários. Este mo-delo, por não considerar a cidade real, exclui a maior parte da cidade que não consegue alcançar os altos padrões exigidos e é relegada a viver à mar-gem da lei, formando os mercados informais paralelos. Este modelo gera e alimenta duas ordens legais e urbanísticas que coexistem como os dois lados da mesma moeda, sustentando e perpetuando nosso modelo de ur-banização, que mantém à distância o pobre, e perpetuando o modelo que impede o pequeno investidor e a população em geral de acessar a cidade.

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Por outro lado, “criar padrões ‘mais baixos’ e as regularizações espe-ciais de baixa renda, sem quebrar a lógica completa da ordem urbanística baseada em uma forma homogênea e de alta renda de produzir as cida-des, não é uma política capaz de democratizar o mercado de terras e, con-seqüentemente, a cidade” (In: Regulação urbanística no Brasil: conquista e desafios de um modelo em construção; Rolnik,R, Cymbalista Renato).

Portanto, a proposta é priorizar as ações estratégicas definidas no plano com sua especificidade, concentrando a regulamentação nos instrumentos mais apropriados para a concretização dos objetivos, fiscalizando sua apli-cação e fazendo sua a revisão periódica. Por exemplo, o que falta regula-mentar ou detalhar para implementar as ZEIS, para efetivar a edificação e urbanização compulsória, para implantar a contribuição de melhoria, etc.

A legislação complementar precisa ser elaborada de forma mais sim-ples possível, abordando aqueles elementos fundamentais e estruturais (é necessário aprofundar, em cada município, o que é estruturante), para que venha a ser apropriada socialmente. Não pode existir participação efetiva da população na elaboração e implementação de normas urbanas se estas forem de grande complexidade técnica, de difícil compreensão e operacio-nalização, ensejando complexos e desnecessários caminhos burocráticos. Esse tipo de legislação, muito estimada pelos setores técnicos, serve apenas aos grandes interesses capazes de manipular essas informações, impedem a apropriação coletiva do território urbano com normas claras e tendem a estimular alto grau de irregularidade e clandestinidade no território, pela am-pliação da cidade informal.

A produção dos planos setoriais, especialmente o de habitação, sane-amento e mobilidade, pode ser uma boa oportunidade para implementar a inclusão territorial.

Um dos aspectos a serem abordados na regularização de áreas é a promoção de “assistência técnica e jurídica gratuita para comunidades e grupos sociais menos favorecidos”, conforme determina o Estatuto da Cidade, no artigo 4º, inciso V, letra r.

A propósito da produção de planos setoriais, consulte na página <www.cidades.gov.br/secretarias-nacio-nais> as orientações para elaboração dos planos seto-riais, ou seja, na Secretaria de Habitação – o PlanHab; na Secretaria de Transporte e Mobilidade/biblioteca/ para o Plano de Mobilidade e na Secretaria de Saneamento Ambiental para o plano de saneamento. (Endereço acessado em 02/04/2008.)

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A implementação do Sistema de Gestão Partici-pativa para monitorar a implantação e revisão do Plano Diretor e o desenvolvimento urbano

O sistema de gestão participativa foi o principal tema da III Conferência das Cidades, que ocorreu entre os me-ses de maio e novembro de 2007. O Sis-tema de Gestão Participativa proposto tem nas Conferências Municipais e no Conselho Gestor/Municipal seus prin-cipais canais de deliberação e deverá ser regulamentado em cada município.

Como dissemos, a gestão do plano se funde com a gestão da cidade. Cada município deve definir as instâncias diversas de acompanhamento e discussão, variando o nível de formalidade, de delegação das representa-ções, e pautadas por informações de categorias diferentes.

É bom lembrar que, na gestão dos Planos Diretores, há também esca-las supra-municipais: regiões metropolitanas, microrregiões formadas por municípios vizinhos, com identidade comum, Estado, União.

Iniciando pelos processos mais gerais e abrangentes, as Conferências das Cidades, de Política Urbana ou similar são boa oportunidade para discutir questões que transcendem o município e encaminhar propostas, inclusive orçamentárias, para os níveis estadual e federal. É interessante que nessas instâncias possam ser feitos os vínculos de ações e políticas de diversos ní-veis de governo, aprofundando-se simultaneamente as questões locais, a discussão sistemática do desenvolvimento do município, seus avanços e retrocessos, ancorados na produção de informações socialmente reconhe-cidas e balizados pelas metas, temas pactuados, estratégias acordadas, etc.

Esses são os momentos de maior mobilização da sociedade e do go-verno para discutir os temas mais gerais e abrangentes, grandes marcos, diretrizes e princípios, produzir encaminhamentos novos e revisões, com o maior número de entidades e pessoas. Nesse momento de foco no futu-ro, unem-se o acompanhamento de mais longo prazo e os temas de mais ampla repercussão no desenvolvimento social e do território.

Veja na Biblioteca Virtual a resolução nº 13/2004 do ConCidades.

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O acompanhamento mais cotidiano e anual da implementação do Pla-no Diretor se dá, em geral, pelo Conselho Gestor do PD ou similar. É in-teressante a incorporação de conselheiros de outros setores ou funções de governo ou sua representação nas reuniões, no sentido de ir produzindo estímulos aos vínculos entre as políticas públicas. A esse Conselho deve caber a responsabilidade pela coordenação de todo o processo de gestão do Plano Diretor e o estímulo e definição de diretrizes para conselhos ou instâncias regionais e locais.

Para o bom funcionamento do sistema, é fundamental a produção de informações, e a continuação do processo de capacitação de atores locais, particularmente os conselheiros e delegados do orçamento participativo, para alimentar os processos de conhecimento, análise e, principalmente, de deliberação.

Quando abordamos o processo de produção de informações para mo-nitoramento do Plano Diretor, distinguimos duas categorias:

informações relativas à implementação do Plano Diretor pelo acompa- •nhamento do Orçamento Municipal, produzidas especialmente sob res-ponsabilidade do poder executivo, com foco na execução orçamentária;

informações relativas ao processo de desenvolvimento urbano e cum- •primento da função social da cidade e da propriedade, produzidas sob responsabilidade do poder público e da sociedade civil, com foco nas metas e temas pactuados na elaboração do Plano Diretor.

Observamos ainda que as informações deveriam ser construídas inte-grando diversos órgãos de governo, com objetividade, simplicidade e cla-reza e, para que possam facilitar sua apropriação além dos conselheiros, pela população em geral, deveriam ser apresentadas também territorial-mente em diversas escalas: do município, das regiões e bairros.

A gestão do Plano Diretor guarda forte vínculo com o processo de produção de informação e de capacitação, e se dá no tempo e no espaço.

No tempo:

no acompanhamento cotidiano, mensal ou freqüente da execução or- •çamentária, observada na ótica das propostas prioritárias e do monito-ramento da “recuperação da valorização da terra”

na participação ativa na elaboração anual da Lei de Diretrizes Orça- •mentárias, do Orçamento Anual e modificações do Orçamento Pluria-nual, já incorporadas análises sobre as metas e temas pactuados;

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no acompanhamento de longo prazo, especialmente na construção de •novos Orçamentos Plurianuais, no primeiro ano das gestões dos prefei-tos, momento de profunda reflexão sobre o desenvolvimento munici-pal e urbano, a partir dos indicadores econômicos, sociais e ambientais. É quando se avalia se os instrumentos propostos e ações realizadas es-tão produzindo os resultados desejados do ponto de vista urbanístico. São momentos especiais de reflexão também nos vínculos regionais.

No espaço:

de todo o município, com sua identidade natural e cultural, conside- •rando a subdivisão urbano e rural; se possível, é desejável o município em sua inserção regional;

das regiões do município (distritos, povoados, regiões especiais, con- •juntos de bairros);

dos bairros ou pedaços especiais (áreas de patrimônio natural ou cul- •tural, centros...)

A Gestão do Plano Diretor, portanto, deve incorporar as noções de tempo e espaço, de processo de mudança e construção social num territó-rio, pautados pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Cidade, na pro-moção do pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantia do bem-estar de seus habitantes.

Vale ainda lembrar que o Estatuto da Cidade prevê que ausência de par-ticipação popular pode ser alvo das penalidades previstas pela Lei de Impro-bidade Administrativa (art. 52, inciso VI) e pela Lei da Ação Civil Pública.

Considerações finais

A gestão do Plano Diretor, partilhada entre Poder Público – Executi-vo e Legislativo – e sociedade civil, estimula iniciativas de projeto de lei, fóruns de discussão e decisão consultivos e deliberativos, permanentes e temporários, momentos de abertura para discussão e momentos de pro-dução de sínteses, promoção de audiências públicas, diretrizes da produ-ção de informação e comunicação, etc.

Um processo de gestão democrática, compartilhada, bem instruída, consistente e disciplinada, produz a sinergia social necessária e capaz de alavancar a implementação do Plano Diretor, e do desenvolvimento ur-

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bano, tanto pelas ações governamentais quanto particulares, constituindo um exercício da cidadania na construção de um futuro para todos.

Não é tarefa fácil. É um processo lento, gradativo, muitas vezes desgastante. Mas, no nosso entendimento, é a única maneira de reverter o quadro de desigualdade das nossas cidades e construir a cultura política de direitos.

Na aula 7, a primeira do módulo 2, você verá como a regularização de assentamentos informais é um grande desafio dos governos e da sociedade.

Chat sobre o Módulo 1

Você chegou ao final do Módulo 1, que tratou da implementação dos Planos Diretores. Convidamos você a participar de um chat para trocar opiniões, esclarecer dú-vidas e avaliar o seu aprendizado até o mo-mento. Para isso, a proposta é que você:

anote os pontos que mais lhe pare- •ceram relevantes nas seis aulas deste módulo;

registre seus questionamentos e le- •ve-os para o debate;

sua participação enriquece o Cur- •so; entre em contato com seu tutor para verificar as datas e horários dis-poníveis para o chat.

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BibliografiaCYMBALISTA, Renato; SANTORO, Paula; POLLINI, Paula. “Estatuto da Cidade: o desafio da capacitação de atores locais”. V Curso gestão urbana e de cidades 2004. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro/Escola de Governo Prof. Paulo N. de Carvalho, 2004. (cd-rom).

MARICATO, Ermínia – “Sociedades Desiguais, cidades desiguais”. In: Bra-sil, cidades: alternativas para a crise urbana. Petrópolis, Vozes, 2001.

MINISTÉRIO DAS CIDADES página da campanha nacional “Plano Di-retor participativo: Cidade de Todos”. In: www2.cidades.gov.br (acessado em 02/04/2008).

______ . “Os Vereadores no Processo de Elaboração dos Planos Diretores Participativos”. Cartilha www2.cidades.gov.br/planodiretorparticipativo (acessado em 02/04/2008).

PINHEIRO, Otilie Macedo. “Apoio à Gestão Territorial Municipal”. Brasí-lia: PNUD-BRA00/019, 2003

______ . “Estatuto da Cidade, o Jogo tem Novas Regras”, Belo Horizonte: CREA-MG, 2002

RIBEIRO, LC e CARDOSO (org.). Reforma Urbana e Gestão Democrática: promessas e desafios do estatuto da Cidade. Rio de Janeiro: FASE, 2003.

ROLNIK, Raquel, CYMBALISTA Renato e NAKANO, Kazuo. “Solo Urba-no e Habitação de Interesse Social: A Questão Fundiária na Política Habi-tacional e Urbana do País.

ROLNIK, Raquel et allii. Estatuto da Cidade: guia para implementação pelos municípios e cidadãos. 2a edição. Brasília, Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2002.

ROLNIK, Raquel e PINHEIRO, Otilie (orgs). In “Plano Diretor Participa-tivo: Guia para Elaboração pelos Municípios e Cidadãos”. Brasília: Minis-tério das Cidades; Confea, 2005.

SMOLKA, M.O e MULLAHY. Perspectivas Urbanas:Temas Críticos em Políticas de Suelo en América Latina. LILP, 2007.

SOUZA, Marcelo Lopes de. In: A Prisão e a Agora: Reflexões em torno da Democratização do Planejamento e da Gestão das Cidades. Rio de Ja-neiro, Bertrand Brasil, 2006

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O Módulo II deste Curso, composto por seis aulas, aborda questões relacionadas à regu-larização fundiária de interesse social. Estu-daremos conceitos, bases legais e exemplos dos procedimentos comuns a todos os pro-cessos de regularização fundiária plena.

Módulo II

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Nesta aula, você terá a oportunidade de refl etir sobre os princi-pais aspectos jurídicos dos programas de regularização de assen-tamentos informais consolidados. Também estudará algumas experiências brasileiras e internacionais sobre a questão. Avalia-remos juntos as possibilidades abertas pelo Estatuto da Cidade para que tais programas possam ser implementados com sucesso no Brasil.

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Aula 07

Regularização de assentamentos informais: o grande desafi o dos governos e da sociedade

Edésio Fernandes

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i Favela

Considerada oficialmente a primeira favela do Rio de Janeiro, o Morro da Provi-dência, que fica atrás da Central do Brasil, foi batizado no final do século 19 como Morro da Favela, daí também a origem do nome (substantivo) que se espalhou depois por outras comunidades carentes do Rio de Janeiro e do Brasil.

Os primeiros moradores do Morro da Favela eram ex-combatentes da Guerra de Canudos e se fixaram no local por volta de 1897. Cerca de 10 mil soldados foram para o Rio com a promessa do Governo de ganhar casas na então capital federal. Como os entraves políticos e burocráticos atrasaram a construção dos alojamen-tos, os ex-combatentes passaram a ocupar provisoriamente as encostas do morro - e por lá acabaram ficando.

Tanto a origem do nome Favela quanto Providência remetem à Guerra de Ca-nudos, travada entre tropas republicanas e seguidores de Antônio Conselheiro no sertão baiano. Favela era o nome de um morro que ficava nas proximidades de Canudos e serviu de base e acampamento para os soldados republicanos. (...)

Pequeno Dicionário das Favelas. Marcelo Monteiro – Viva Riowww.favelatemmemoria.com.br

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Aula 07

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Introdução

Uma das principais características do processo de urbanização intensi-va no Brasil tem sido a proliferação de processos informais de desenvolvi-mento urbano. Ao longo das décadas de crescimento urbano, mas, sobre-tudo, nas três últimas décadas, dezenas de milhões de brasileiros não têm tido acesso ao solo urbano e à moradia senão através de processos e me-canismos informais – e ilegais. Favelas, loteamentos clandestinos, conjun-tos habitacionais irregulares, cortiços, casas de frente-e-fundo, ocupações de áreas públicas sob pontes, viadutos, nas beiras de rios e em áreas de preservação ambiental – essas têm sido as principais formas de habitação produzidas diariamente nas cidades brasileiras, seja nas capitais e grandes cidades, seja nas cidades de porte médio e mesmo nas menores.

Ainda que diversas formas de ilegalidade urbana também sejam clara-mente associadas a grupos sociais mais privilegiados – como, por exem-plo, o descumprimento sistemático das normas edilícias e a prática cada vez maior dos chamados “condomínios fechados”, vedando o acesso de todos ao sistema viário e às praias, que são legalmente bens de uso co-mum de todos –, a informalidade entre os grupos mais pobres precisa ser urgentemente enfrentada, dadas as graves conseqüências socioeconô-micas, urbanísticas e ambientais desse fenômeno. Deve-se ressaltar que, além de afetar diretamente os moradores dos assentamentos informais, tais práticas e processos também têm diversos impactos negativos de todo tipo sobre as cidades e sobre as comunidades urbanas como um todo.

Esta aula se propõe tão somente a apresentar algumas reflexões gerais sobre os principais aspectos jurídicos dos programas de regularização de assentamentos informais consolidados. Depois de uma breve identificação dos principais fatores que têm causado o fenômeno da informalidade ur-bana, inclusive o papel central da ordem jurídica, este texto pretende dis-cutir os principais conceitos que estão envolvidos – explicitamente ou não – quando da formulação de programas de regularização pelos governos municipais, bem como as lições mais importantes que já podem ser apren-didas com as experiências brasileiras e internacionais sobre a questão ao longo das últimas décadas. Por fim, este texto fará uma breve avaliação das possibilidades abertas pelo Estatuto da Cidade para que tais programas possam ser implementados com sucesso no Brasil, assim como das princi-pais condições para que tais possibilidades sejam concretizadas.

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A produção socioeconômica (e político-jurídica) da informalidade urbana

Os assentamentos informais – e as conseqüentes falta de segurança da posse, vulnerabilidade política e baixa qualidade de vida dos seus ocu-pantes que lhes são características – resultam do padrão excludente dos processos de desenvolvimento, planejamento e gestão das áreas urbanas. Mercados de terras especulativos, sistemas políticos clientelistas e regi-mes jurídicos elitistas não têm oferecido condições suficientes, adequadas e acessíveis de acesso à terra urbana e à moradia para os pobres, assim provocando a ocupação irregular e inadequada do meio ambiente urba-no. Em especial, o papel da ordem jurídica na produção da informalidade urbana precisa ser mais bem compreendido.

Por um lado, a definição – por leis e políticas públicas – e a interpre-tação judicial acerca dos direitos de propriedade de maneira individualis-ta, sem uma preocupação consistente com a materialização do princípio constitucional da função social da propriedade, têm permitido que o pa-drão do processo de crescimento urbano continue sendo essencialmente especulativo, determinando os processos combinados de segregação so-cioespacial e degradação ambiental.

Por outro lado, tanto a ausência de leis urbanísticas municipais quanto a aprovação (especialmente pelos municípios) de uma legislação urbanís-tica elitista, baseada em critérios técnicos irrealistas e sem considerar os impactos socioeconômicos das normas urbanísticas e regras de constru-ção, têm tido um papel fundamental na determinação dos preços da terra e das propriedades urbanas, alimentando, assim, a dinâmica segregadora do mercado imobiliário.

Além disso, deve-se ressaltar a dificuldade de implementação de mui-tas das leis em vigor, devida, em parte, à limitada capacidade de ação das agências publicas, à falta de informação e educação jurídicas, bem como às difíceis condições de acesso ao poder judiciário para a promoção do re-conhecimento dos interesses sociais e ambientais (ROLNIK, 1997, e MA-RICATO, 1996; 2000).

A combinação entre esses processos tem feito com que os lugares dos pobres nas cidades sejam tradicionalmente as áreas periféricas, ou mesmo as áreas centrais não dotadas de infra-estrutura urbanística adequada, e, cada vez mais, áreas não adequadas à ocupação humana ou áreas de pre-

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Aula 07

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servação ambiental. De fato, nos últimos anos, os loteamentos irregula-res, ocupações informais e favelas têm se assentado justamente nas áreas ambientalmente mais frágeis, muitas delas protegidas por lei através de fortes restrições ao uso, pelo menos nominalmente – e conseqüentemen-te desprezadas pelo mercado imobiliário formal.

Deve-se ressaltar que, por todas essas razões, a ocupação informal se tornou a maior, senão a única, opção de moradia permitida aos pobres nas cidades, o que não é certamente uma boa opção – em termos urbanís-ticos, sociais e ambientais – e nem, ao contrário do que muitos pensam, uma opção barata, já que o crescimento das práticas de informalidade e o adensamento das áreas já ocupadas têm gerado custos muito elevados de terrenos e aluguéis nessas áreas. Em outras palavras, os pobres no Brasil têm pagado um preço cada vez mais alto – em muitos sentidos – para viver em condições precárias, indignas e, com freqüência cada vez maior, inaceitáveis. Cidades produzidas informalmente são fragmentadas e como tal sua administração é muito mais cara, sendo que, além de complexos e demorados, os programas de regularização de assentamentos informais são necessariamente muito caros. Em outras palavras, prevenir é muito mais fácil e barato do que regularizar.

Os pobres no Brasil têm pagado um preço cada vez mais alto – em muitos sentidos – para viver em condições precárias, indignas e inaceitáveis. Prevenir é muito mais fácil e barato que regularizar.

É importante destacar que as taxas de crescimento informal têm sido maiores do que as taxas de crescimento urbano e as taxas de crescimento da pobreza, o que claramente demonstra que há uma série de fatores a serem considerados quando da formulação de políticas publicas que se disponham a enfrentar o fenômeno.

Os programas de regularização

Na falta de uma política nacional sobre a questão até muito recente-mente, desde meados da década de 80, quando as experiências pionei-ras de Belo Horizonte e Recife foram iniciadas, diversos municípios têm, sempre com muita dificuldade, tentado formular políticas e programas de regularização para o enfrentamento dos processos de desenvolvimento urbano informal.

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O termo “regularização” tem sido usado pelas diversas municipalida-des com sentidos diferentes, referindo-se, em muitos casos, somente à ur-banização das áreas informais, isto é, aos programas de implementação de obras de infra-estrutura urbana e prestação de serviços públicos. Em ou-tros casos, o termo tem sido usado para se referir tão somente a políticas de legalização fundiária das áreas e dos lotes ocupados informalmente. Al-gumas experiências mais compreensivas têm tentado combinar em algu-ma medida essas duas dimensões fundamentais, quais sejam urbanização e legalização. São ainda mais raros os programas que têm se proposto a promover a regularização das construções informais.

Muitos têm sido os argumentos historicamente utilizados, de maneira isolada ou combinada, para justificar a formulação de tais programas, in-cluindo desde princípios religiosos, éticos e humanitários a diversas razões político-econômicas e socioambientais. Mais recentemente, esse “discurso de valores” se tornou ainda mais forte, na medida em que encontra supor-te pleno em um “discurso de direitos”, já que a ordem jurídica nacional – consolidando o capítulo constitucional sobre política urbana, através do Estatuto da Cidade, da Medida Provisória no. 2.220/2001 e da Lei Federal no. 11.481/2007 – finalmente reconheceu o direito social à moradia – de base constitucional – dos ocupantes de assentamentos informais.

Tal direito social deve ser entendido aqui em sentido amplo, isto é, o direito de todos a viverem em condições dignas e adequadas das perspecti-vas jurídica, urbanística e ambiental. De fato, se a Constituição Federal de 1988 já reconheceu os direitos coletivos ao planejamento urbano, ao meio ambiente equilibrado e à gestão democrática das cidades, atualmente tem sido feito, no Brasil e internacionalmente, todo um esforço jurídico-polí-tico no sentido de construir as bases de um amplo “direito à cidade”, de forma a garantir que todos possam participar de maneira mais justa dos benefícios e oportunidades criados pelo crescimento urbano. Em outras palavras, os programas de regularização fundiária devem ter por objeti-vo não apenas o reconhecimento da segurança individual da posse para os ocupantes, mas principalmente a integração socioespacial dos assenta-mentos informais e seus moradores.

Políticas sustentáveis de regularização são as que, ao combina-rem urbanização e legalização com políticas de geração de emprego e renda, busquem equilíbrio entre os interesses dos moradores e os interesses coletivos.

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Entretanto, a falta de compreensão acerca da natureza e dinâmica dos processos de produção da informalidade urbana tem levado a todo tipo de problemas e distorções, sendo que, com freqüência, os programas de regularização acabam por reproduzir a informalidade urbana, ao invés de promoverem a devida integração socioespacial dos assentamentos infor-mais. Nesse contexto, é importante destacar que as políticas sustentáveis de regularização são aquelas que, combinando as dimensões de urbani-zação e legalização com outras políticas socioeconômicas que visem à geração de emprego e renda, também busquem um equilíbrio entre os interesses individuais dos moradores dos assentamentos e os interesses coletivos da cidade.

Há no Brasil hoje três situações principais de informalidade que, ge-rando efeitos jurídicos distintos, devem ser tratadas de formas diferentes: situações nas quais os moradores têm direitos próprios, subjetivos (indivi-duais e/ou coletivos), à regularizacão; situações nas quais o Poder Publico detém o poder discricionário de determinar a conveniência e as condições da regularização; e situações nas quais, por não envolverem comunidades pobres, não se constitui uma ordem jurídica de “interesse social”.

Em todas essas situações, o lugar dos municípios é central, através da formulação de políticas de ordenamento territorial, leis urbanísticas e pro-gramas de regularização de assentamentos informais.

Lições do debate internacional sobre a regularização

Não se pode esquecer que, ao longo dos últimos vinte a trinta anos, não somente no Brasil, mas também em diversos países em desenvolvi-mento onde o mesmo problema da ocupação informal tem ocorrido e crescido – e onde um volume enorme de recursos financeiros também tem sido investido no sentido de solucioná-lo –, uma significativa corren-te de pesquisa acadêmica e institucional tem constantemente avaliado os principais problemas dos programas de regularização. Em 1999, o Programa Habitat da Organização das Nações Unidas lançou a importante Campanha Global pela Segurança da Posse. É im-portante que os formuladores de novas políticas e programas de regularização aprendam com as lições das experiên-

@

Saiba mais sobre o Programa Habitat da ONU em http://www.unchs.org/ (em inglês). Para informações mais detalhadas sobre a América Latina, con-sulte http://www.unhabitat-rolac.org/ (em espanhol).(Endereços acessados em 07/04/2008.)

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cias passadas. Precisamos todos fazer uma discussão ampla e crítica da questão, pois, afinal, não há necessidade de estarmos constantemente in-ventando a roda.

Formulando as perguntas corretas

Dentre as principais lições das experiências internacionais, deve-se ressaltar que a formulação e avaliação dos programas de regularização, bem como a análise dos aspectos práticos e metodológicos do desenho dos projetos de regularização e de sua implementação, dependem funda-mentalmente da compreensão da natureza e da dinâmica dos processos que produzem a informalidade urbana. De fato, a condição para que os programas de regularização sejam formulados de forma adequada é que a discussão sobre tais programas precisa ser apoiada na compreensão prévia dos processos socioeconômicos e jurídico-políticos que produzem a infor-malidade urbana. Para tanto, é preciso promover uma leitura interdiscipli-nar da questão, combinando as perspectivas econômica, política, social, institucional e técnica – bem como colocando ênfase em sua dimensão jurídica. Em especial, é preciso que os administradores públicos tentem refletir sobre, e responder, algumas questões principais antes de fazerem suas propostas – já que são as respostas a tais perguntas que vão determi-nar a natureza e o alcance efetivo dos programas de regularização:

Como são produzidos os assentamentos informais? •

Por que é importante regularizá-los? •

Quando devem os programas de regularização ser formulados e im- •plementados?

Que áreas devem ser regularizadas? •

O que deve ser feito nas áreas onde, por alguma razão, não couber a •regularização?

Como devem os programas de regularização ser formulados e imple- •mentados?

Que direitos devem ser reconhecidos aos ocupantes de assentamentos •informais?

Quem deve pagar, e como, pelos programas de regularização? •

O que deve acontecer depois da regularização das áreas? •

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Aula 07

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Essas são algumas das principais questões a serem enfrentadas pelos administradores públicos.

A natureza curativa dos programas de regularização

Acima de tudo, deve-se reconhecer que os programas de regulariza-ção têm natureza essencialmente curativa e não podem ser dissociados de um conjunto mais amplo de políticas públicas fundiárias e habitacionais, diretrizes de planejamento e estratégias de gestão urbana destinadas a re-verter o atual padrão excludente de crescimento urbano.

Por um lado, é preciso ampliar o acesso ao mercado formal – isto é, a lotes com serviços e/ou a unidades habitacionais – a uma parcela mais ampla da sociedade, sobretudo os grupos de renda média-baixa, ao lado da reserva de áreas adequadas para habitação de interesse social e oferta de subsídios públicos significativos para as faixas da menor renda (espe-cialmente entre três a cinco salários mínimos). Por outro lado, é preciso rever os modelos urbanísticos que têm sido utilizados pelos municípios, de forma a adaptá-los às realidades socioeconômicas do País e à limitada capacidade de ação institucional das agências públicas. Nesse contexto, as políticas de regularização fundiária não podem ser formuladas de ma-neira isolada e necessitam ser combinadas com outras políticas públicas preventivas para quebrar o ciclo de exclusão que tem gerado a informa-lidade. Isso requer intervenção direta e investimento público, sobretudo por parte dos municípios, para produzir opções de moradia, democrati-zar o acesso à terra e promover uma reforma urbana ampla. Regularizar sem interromper o ciclo de produção da irregularidade acaba implicando, além do sofrimento renovado da população, uma demanda de recursos públicos infinitamente maior.

Além disso, em muitos casos o ciclo perverso que leva da informalidade à regularização tem reafirmado e ampliado as bases da política clientelista tradicional, responsável em grande parte pela própria produção do fenôme-no da informalidade. Em outros casos, a inadequação ou mesmo o fracasso dos programas tem facilitado o surgimento de novos pactos sociais que, sobretudo no contexto das áreas controladas pelo tráfico de drogas e pelo crime organizado, estão, cada vez mais, desafiando as estruturas político-institucionais oficiais, bem como as bases e a validade da ordem jurídica.

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Condições básicas para a regularização

De qualquer forma, ainda que não devam ser concebidos marginal-mente ou somente através de políticas setoriais, os programas de regula-rização têm uma importância em si mesmos. Para serem bem sucedidos, tais programas devem combinar em alguma medida as ações de urbaniza-ção e as estratégias de legalização. Além disso, para serem bem sucedidos, os programas de regularização requerem:

coragem na tomada de decisões; •

tempo de execução; •

investimento significativo; •

continuidade de ações; •

participação popular em todas as suas etapas; •

a devida integração entre seus objetivos e os instrumentos adotados, bem •como entre os programas e as leis existentes e especialmente aprovadas.

A questão da legalização

No que toca à dimensão da legalização fundiária, tais programas de-vem ter por objetivo não apenas o reconhecimento da segurança indivi-dual da posse para os ocupantes, mas principalmente a integração socioes-pacial dos assentamentos informais. Isso significa que a identificação dos direitos a serem reconhecidos aos ocupantes deve refletir esse objetivo principal, bem como a necessidade de se compatibilizar objetivos, estra-tégias e instrumentos.

Ainda no tocante aos instrumentos jurídicos a serem utilizados, mes-mo que a divisão entre direito público/direito privado tenha que ser sem-pre considerada em alguma medida devido às implicações distintas das propostas em função do regime de propriedade original das áreas ocu-padas, é preciso que os formuladores de programas de regularização se lembrem de que há um leque amplo de opções jurídico-políticas a serem consideradas, além dos direitos individuais de propriedade plena. Sobre-tudo, é preciso destacar que a materialização do direito social de moradia, tal como consagrado constitucionalmente, não implica necessariamente o reconhecimento de direitos individuais de propriedade, sobretudo nos assentamentos em áreas públicas.

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A verdade é que, no Brasil e internacionalmente, os programas de regularização baseados na legalização através de títulos de propriedade individual plena não têm sido totalmente bem sucedidos, já que não têm se prestado a garantir a permanência das comunidades nas áreas ocupa-das, deixando, assim, de promover a desejada integração socioespacial. Em muitos casos, mesmo na ausência da legalização de áreas consolida-das e dos lotes ocupados, os ocupantes se encontram efetivamente me-nos expostos às ameaças de despejo e/ou remoção, e os assentamentos informais têm recebido serviços públicos e infra-estrutura urbanística em alguma medida, sendo que muitos moradores têm tido acesso a diversas formas de crédito informal, ou mesmo de crédito formal em alguns casos. Contudo, ainda que a combinação desses fatores gere uma percepção de posse para os ocupantes, isso não quer dizer que a legalização dessas áreas e lotes não seja importante.

Títulos são importantes, sobretudo quando há conflitos, sejam eles conflitos de propriedade, conflitos domésticos e familiares, conflitos de direito de vizinhança, etc. Além de oferecerem proteção jurídica contra ameaças de despejos, títulos também são importantes para emque se re-conheçam direitos -sócio-políticos e para garantir que os ocupantes dos assentamentos informais possam permanecer nas áreas que ocupam, sem risco de serem expulsos pela ação do mercado imobiliário, por mudan-ças políticas que quebrem o pacto gerador da percepção de segurança de posse, pela pressão do crime organizado, etc., como tem acontecido em diversas favelas e loteamentos irregulares brasileiros.

Contudo, quando da formulação dos programas de legalização e da definição do tipo de direito a ser reconhecido aos ocupantes, é necessário compatibilizar a promoção da segurança individual da posse com outros interesses sociais e ambientais, bem com o devido reconhecimento do di-reito social de moradia – que, novamente, não se reduz tão somente ao direito individual de propriedade plena.

Regularização fundiária e erradicação da pobreza

Além disso, é preciso salientar que, ainda que os programas de regula-rização estejam sendo propostos por diversas agências internacionais com a finalidade de promover a erradicação da pobreza urbana, a experiência brasileira e a internacional têm mostrado que, para terem impacto efe-tivo sobre a pobreza social, os programas de regularização precisam ser

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formulados em sintonia com outras estratégias socioeconômicas e políti-co-institucionais especificamente voltadas para a erradicação da pobreza, sobretudo através da criação de emprego e renda.

Acima de tudo, para serem bem sucedidos, tais programas de regula-rização precisam ser combinados com, e apoiados por, um conjunto de processos e mecanismos de várias ordens: financeira, institucional, plane-jamento urbano, políticas de gênero, administração e gestão fundiária, sis-temas de informação, outros instrumentos jurídicos, processos políticos e, processos de mobilização social.

Processos e mecanismos que dão suporte aos programas de regularização

Dentre os processos financeiros que têm sido considerados no Brasil e internacionalmente para dar o devido suporte aos programas de regulari-zação, devem ser mencionados:

a criação de fundos financeiros (fundos para os pobres; fundos comu- •nitários);

empréstimos (esquemas de orientação social); •

programas de hipoteca comunitária; •

incentivos ao setor privado e comunitário; e •

mecanismos de reforma do sistema bancário e financeiro, sobretudo •de forma a garantir melhores condições de acesso ao crédito formal.

Já os processos institucionais propostos incluem cooperação sistemá-tica entre agências públicas em todos os níveis governamentais; melhor cooperação intergovernamental; estratégias de descentralização; criação de parcerias entre o setor público e o setor privado; participação comuni-tária; capacitação administrativa e fiscal, bem como a ação de consultores comunitários e de acadêmicos.

Fundamental é utilizar as possibilidades e recursos do planejamento urbano de forma a promover o pleno reconhecimento e a integração dos assentamentos informais pelo sistema geral de planejamento. O uso de-mocrático dos processos e instrumentos do planejamento requer a cria-ção, no contexto do zoneamento municipal, de ZEIS (Zonas Especiais de Interesse Social), com vistas, sobretudo, a minimizar a pressão do mercado

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imobiliário, visando garantir a permanência dos ocupantes nas áreas regu-larizadas. Além disso, é preciso promover a revisão das regulações urba-nísticas e dos parâmetros construtivos em tais zonas, bem como, sempre no contexto mais amplo do sistema de planejamento urbano, a exploração dos chamados “ganhos do planejamento”, como a transferência do direi-to de construir, sobretudo através das negociações urbanas e operações interligadas. Também é importante que os programas de regularização incorporem uma dimensão de gênero, de forma a confrontar o desequilí-brio histórico e cultural e a permitir o empoderamento das mulheres.

Outra dimensão fundamental é a da administração e gestão fundiá-rias, requerendo sistemas cadastrais acessíveis, remoção dos obstáculos cartorários, identificação da propriedade e avaliação fundiária regular. Há controvérsias quanto às estratégias propondo a criação de bancos de ter-ras ou quanto àquelas baseadas exclusivamente na desapropriação e aqui-sição de terras. Programas de regularização devem ser acompanhados por sistemas de informação, seja no sentido de produzir informações (identifi-cação de regimes de posse; análise e revisão de políticas), seja no sentido de provê-las (planejamento baseado em informação, descentralização do planejamento e gestão, criação de centros abertos de recursos, etc.).

Outras questões e instrumentos jurídicos relacionados a programas de regularização incluem a revisão das leis municipais de loteamento, o en-frentamento do falso dilema entre valores sociais e ambientais e a revisão dos sistemas de resolução de conflitos, de forma a torná-los mais eficazes e justos. Tais programas têm necessariamente que ter suporte em processos políticos caracterizados pelos critérios da boa governança urbana: transpa-rência, prestação de contas e participação popular, e especialmente revelar um enfoque “de baixo para acima”, de forma a materializar a proposta constitucional de democratização das estratégias de gestão urbana.

Por fim, deve ser dito que, em última análise, o sucesso dos programas de regularização de assentamentos informais requer a renovação dos pro-cessos de mobilização social e o fortalecimento da capacidade das associa-ções de moradores e das ONGs, que, mais do que nunca, devem enfatizar a implementação dos programas e o cumprimento dos direitos: a verdade é que há muitas políticas e programas propostos.

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O novo contexto brasileiro a partir do Estatuto da Cidade

No dia 10 de julho de 2001, foi aprovada a Lei Federal no 10.257, chama-da Estatuto da Cidade, que regulamentou o capítulo original sobre política urbana que tinha sido aprovado pela Constituição Federal de 1988. A nova lei se propôs a dar suporte jurídico mais inequívoco à ação dos governos municipais empenhados no enfrentamento das graves questões urbanas, sociais e ambientais, que têm diretamente afetado a vida da enorme parce-la de brasileiros que vivem em cidades. Reconhecendo o papel fundamen-tal dos municípios na formulação de diretrizes de planejamento urbano e

na condução do processo de gestão das ci-dades, o Estatuto da Cidade não só con-solidou o espaço da competência jurídica e da ação política municipal aberto pela Constituição de 1988, como também o ampliou sobremaneira, sobretudo no que toca à questão da regularização fundiária.

Até a aprovação do capítulo constitucional sobre política urbana (ar-tigos 182 e 183 da Constituição Federal), além dos diversos problemas de ordem técnica, financeira e político-institucional existentes, havia tam-bém muitos obstáculos de ordem jurídica à devida implementação dessas políticas e desses programas de regularização. Com o subseqüente reco-nhecimento constitucional do direito à moradia como um direito social (Emenda no 26, de 14 de fevereiro de 2000) e, mais recentemente, com a aprovação do Estatuto da Cidade (acompanhado pela Medida Provisó-ria no 2.220, de 4 de setembro de 2001 e recentemente pela Lei Federal no 11.481/2007), a ordem jurídica aplicável à questão dos assentamentos informais foi bastante aprimorada, sendo que muitos dos principais obs-táculos legais às políticas de regularização foram removidos. Desde então, um número crescente de municípios tem começado a formular políticas e programas de regularização de assentamentos informais; um número ainda maior de municípios tem aprovado e implementado seus Planos Diretores, em cumprimento às disposições do Estatuto da Cidade.

A nova lei federal tem quatro dimensões fundamentais, quais sejam:

consolida a noção da 1. função social e ambiental da propriedade e da cidade como o marco conceitual jurídico-político para o Direito Urbanístico;

i Para uma avaliação mais detalhada sobre o Estatuto da Cidade, indicamos a leitura de MATTOS, Liana Portilho (org.). Estatuto da Cidade Comentado. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.

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Aula 07

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regulamenta e cria novos instrumentos urbanísticos para a construção 2. de uma ordem urbana socialmente justa e includente pelos municípios;

aponta processos político-jurídicos para a gestão democrática das cidades e, 3.

de forma a materializar o direito social de moradia, propõe diversos 4. instrumentos jurídicos – notadamente o usucapião especial urbano, a concessão de direito real de uso e a concessão de uso especial para fins de moradia –, para a regularização fundiária dos assentamentos informais em áreas urbanas municipais.

Dessa forma, a aprovação do Estatuto da Cidade consolidou a ordem constitucional quanto ao controle jurídico do processo de desenvolvimen-to urbano, visando reorientar a ação do poder público, do mercado imo-biliário e da sociedade de acordo com novos critérios econômicos, sociais e ambientais. Sua efetiva materialização em leis e políticas públicas, con-tudo, vai depender de vários fatores. A utilização dos novos instrumentos jurídico-urbanísticos e a efetivação das novas possibilidades de ação pelos municípios, inclusive com a finalidade de promover a regularização fundi-ária, depende fundamentalmente da definição prévia de uma ampla estra-tégia de planejamento e ação pelos municípios, expressando um “projeto de cidade” que tem necessariamente de ser explicitado publicamente atra-vés da legislação urbanística municipal, começando com a lei do Plano Di-retor. Nesse contexto, é fundamental que os municípios promovam ampla reforma de suas ordens jurídicas e políticas publicas de acordo com os novos princípios constitucionais e legais, de forma a aprovar um quadro de leis urbanísticas e programas de ação condizentes com o paradigma da função social e ambiental da propriedade e da cidade.

Também é preciso que os municípios promovam uma reforma com-preensiva de seus processos de gestão político-institucional, político-social e político-administrativa, visando efetivar e ampliar as possibilidades de gestão participativa reconhecidas pelo Estatuto da Cidade, bem como de forma a proceder à devida integração entre planejamento, legislação e ges-tão urbana para democratizar o processo de tomada de decisões e, assim, legitimar plenamente uma nova ordem jurídico-urbanística de natureza social. Contudo, de crucial importância para que o Estatuto da Cidade “pegue” é a ampla e renovada mobilização da sociedade brasileira, dentro e fora do aparato estatal. Afinal, as leis só “pegam” quanto há uma “pega” adequada no processo político-social mais amplo.

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Conclusão

Desde a aprovação do Estatuto da Cidade, o papel estratégico do Go-verno Federal – essencialmente, de apoio aos municípios – nesse sentido tem sido cumprido de maneira cada mais vez significativa. Novas leis fe-derais importantes já foram aprovadas e/ou estão sendo discutidas (Par-cerias Público-Privado; Consórcios Públicos; Fundo de Habitação de Inte-resse Social; Patrimônio Publico; revisão da Lei de Parcelamento do Solo Urbano); um programa nacional foi criado em 2003 pelo Ministério das Cidades para apoio à regularização fundiária sustentável, com recursos fi-nanceiros crescentes, sobretudo no contexto do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento); e diversas iniciativas de capacitação dos municípios, ca-tegorias profissionais e da sociedade mais ampla já foram empreendidas.

Mais do que nunca, cabe aos municípios e às comunidades urbanas promover a materialização do novo paradigma constitucional através da reforma da ordem jurídico-urbanística, visando promover o controle do processo de desenvolvimento urbano através da formulação de políticas de ordenamento territorial nas quais os interesses individuais dos proprie-tários de terras e construções urbanas necessariamente co-existam com outros interesses sociais, culturais e ambientais de outros grupos e da ci-dade como um todo. Para tanto, foi dado ao poder público municipal o poder de, através de leis, políticas publicas e diversos instrumentos urba-nísticos, determinar a medida desse equilíbrio – possível – entre interes-ses individuais e coletivos quanto à utilização do solo urbano. A questão da regularização fundiária dos assentamentos informais é certamente um dos elementos centrais dessa equação.

Nesse contexto, a devida utilização das possibilidades abertas pela nova lei para o enfrentamento dos processos de produção da informalidade ur-bana depende fundamentalmente da compreensão pelos administradores públicos de seu significado e alcance no contexto da ordem jurídica, sobre-tudo no que toca à nova concepção – proposta pela Constituição Federal e consolidada pelo Estatuto da Cidade – dada ao direito de propriedade imobiliária urbana, qual seja, o princípio da função social e ambiental da propriedade e da cidade. Rompendo de vez com a tradição civilista e com a concepção individualista do direito de propriedade imobiliária, que têm orientado grande parte da doutrina jurídica e das interpretações dos tribu-nais ao longo do processo de urbanização intensiva, e culminando, assim, um processo de reforma jurídica que começou na década de 1930, o que a Constituição de 1988 e o Estatuto da Cidade propõem é uma mudança do paradigma conceitual de reconhecimento e interpretação desse direito.

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Aula 07

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Uma reflexão final diz respeito ao papel crucial dos operadores do Di-reito – advogados, professores, juízes, defensores públicos, promotores de justiça, procuradores e estudantes – nesse processo. Em grande medida o sucesso – ou não – da nova lei vai depender da ação dos juristas brasilei-ros. Refletindo as tensões do longo processo político-social que o engen-drou, bem como a precariedade inerente ao processo legislativo no Brasil, o Estatuto da Cidade (assim como a Medida Provisória no. 2.220/01) tem lá seus problemas jurídicos – que vão da ordem da (má) técnica legisla-tiva em alguns casos à (im)precisão de certos conceitos – e com certeza vai gerar interpretações doutrinárias e judiciais contraditórias. O grande desafio colocado para os juristas brasileiros – naturalmente, aqueles que compreendem a necessidade de se colocar o Direito no mundo da vida - é construir um discurso jurídico sólido, que faça uma leitura teleológica dos princípios constitucionais e legais, integrando os novos direitos sociais e coletivos à luz do marco conceitual consolidado pelo Estatuto da Cidade, de forma a dar suporte jurídico adequado às estratégias político-institu-cionais de gestão urbano-ambiental comprometidas com a plataforma da reforma urbana.

Promover a inclusão social pelo direito: eis o desafio colocado para os juristas brasileiros. Não é mais possível interpretar as graves questões urbanas e ambientais exclusivamente com a ótica individu-alista do Direito Civil.

Identificar problemas jurídicos formais e apontar inconstitucionalida-des é uma tarefa fácil, ainda que lucrativa. Difícil – porém urgente – é cons-truir novos argumentos jurídicos que sejam sólidos e consistentes não só da perspectiva da legitimidade político-social, mas também da perspectiva da legalidade. Não podemos mais continuar fazendo apenas o discurso dos valores – temos de construir um discurso dos direitos, que dê suporte às novas estratégias político-institucionais de gestão democrática e inclu-são social que diversos municípios têm tentado formular e implementar em todo o País. Promover a inclusão social pelo direito: eis o desafio colo-cado para os juristas brasileiros. Não é mais possível interpretar as graves questões urbanas e ambientais exclusivamente com a ótica individualista do Direito Civil; da mesma forma, não é mais possível buscar tão somente no Direito Administrativo tradicional (que com freqüência reduz a ordem pública à ordem estatal) os fundamentos para as novas estratégias de ges-tão municipal e de parcerias entre os setores estatal, comunitário, volun-tário e privado.

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O papel de todos, gestores urbanos municipais e juristas, construindo as bases sociais e coletivas do Direito Urbanístico é fundamental nesse processo de reforma jurídica e reforma urbana, que passa necessariamen-te pela regularização dos assentamentos informais, para que sejam reverti-das as bases dos processos de espoliação urbana e destruição socioambien-tal que têm caracterizado o crescimento urbano no Brasil.

Se precisar de ajuda, peça orientações ao seu tutor, que está preparado(a) para atendê-lo por telefone ou e-mail. Participe, também, do fórum de discussão relativo a essa aula.

Na Aula 8, iremos debater sobre al-gumas das questões consideradas mais comuns a todos os processos de regula-rização fundiária no Brasil.

Propomos a seguinte atividade de pesquisa indi-vidual:

1) Por que é importante combinar as políticas pú blicas curativas com as preventivas? Por que é tão difícil colocar esta idéia em prática no cotidiano?

2) Identifique no seu município ou no município objeto do seu estudo, se existe programa de regulari- zação fundiária?

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Aula 07

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Aula 07

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______ . “Legalização de favelas em Belo Horizonte: um novo capítulo na história?”. In: Mosaico, Ano 1, No. 0, Fev. Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 2002a.

______ . “Do Código Civil de 1916 ao Estatuto da Cidade: algumas no-tas sobre a trajetória do Direito Urbanístico no Brasil”. In: Mattos, Liana Portilho (org.). Estatuto da Cidade Comentado. Belo Horizonte: Man-damentos, 2002b.

______ . “Desenvolvimento sustentável e política ambiental no Brasil: confrontando a questão urbana”. In: Lima, André (org.). O Direito para o Brasil Socioambiental. Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris Editor/Insti-tuto Socioambiental, 2002c.

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______ . A Lei e a Ilegalidade na produção do espaço urbano (organiza-dor com Betânia de Moraes Alfonsin). Belo Horizonte: Del Rey, 2003.

______ . Direito de Moradia e Segurança da Posse no Estatuto da Cidade (organizador com Betânia de Moraes Alfonsin). Belo Horizonte: Fórum, 2004.

______ . “Impacto ambiental em areas urbanas sob a perspectiva juridi-ca”. In: Mendonca, Francisco (org.). Impactos Socioambientais Urbanos. Curitiba: Editora UFPR, 2004.

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FERNANDES, Edésio & ROLNIK, Raquel. “Law and Urban Change in Brazil”. In: Fernandes, Edésio & Varley, Ann (orgs.). Illegal Cities - Law

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MARICATO, Ermínia. “As idéias fora do lugar e o lugar fora das idéias”. In: Arantes, Otilia et AL. A cidade do pensamento único: desmanchan-do consensos. Petrópolis: Vozes, 2000.

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MATTOS, Liana Portilho (org.). Estatuto da Cidade Comentado. Belo Horizonte: Mandamentos, 2002.

ROLNIK, Raquel. A Cidade e a Lei. São Paulo: Studio Nobel, 1997.

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Você estudará nesta aula as questões mais comuns a todos os processos de regularização fundiária. Veremos quais são as neces-sidades concretas relativas a diagnóstico, coleta de informações, procedimentos legais e administrativos para o bom encaminha-mento do licenciamento e regularização de assentamentos urba-nos de interesse social. Veremos os principais instrumentos legais para isto e as difi culdades mais freqüentes com que as equipes gestoras se deparam no seu trabalho.

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Aula 08

A regularização fundiária plena: questões comuns a todos os processos

Denise GouvêaSandra Ribeiro

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Assim como em Saudosa Maloca, Adoniran Barbosa (1910-1982) aborda neste samba o tema da desapropriação. Com lirismo e em

tom de denúncia, a letra destaca a impotência dos moradores da favela diante da figura da autoridade. O cantor e compositor foi um dos

melhores cronistas da rápida expansão urbana de São Paulo, que expulsou os mora-dores mais pobres para habitações precárias na periferia.

Você pode escutar este samba no AVEA.

DESPEJO NA FAVELA - Adoniran Barbosa

Quando o oficial de justiça chegou Lá na favela E contra seu desejo entregou pra seu Narciso um aviso pra uma ordem de despejo Assinada seu doutor

Assim dizia a petição dentro de dez dias quero a favela vazia e os barracos todos no chão É uma ordem superior, Ôôôôôôôô Ô meu senhor, é uma ordem superior

Não tem nada não seu doutor, não tem nada, não Amanhã mesmo vou deixar meu barracão Não tem nada, não, seu doutor vou sair daqui pra não ouvir o ronco do trator Pra mim não tem problema em qual-quer canto me arrumo de qualquer jeito me ajeito Depois o que eu tenho é tão pouco minha mudança é tão pequena que cabe no bolso de trás

Mas essa gente aí hein como é que faz? ÔÔÔÔÔÔÔÔÔÔÔ meu senhor mas essa gente aí, hein como é que faz?

Fonte: http://cifrantiga3.blogspot.com (endereço acessado em 07/04/2008)

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Aula 08

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Introdução

Esta aula pretende refletir sobre os processos de regularização fundi-ária realizados pelos municípios, estados e União, pois existe carência de estudos que detalhem o passo a passo operacional da regularização fun-diária. Pretende-se, portanto, destacar algumas das questões consideradas mais comuns a todos os processos de regularização fundiária. Este texto foi elaborado a partir do Manual de Regularização Fundiária do MCida-des (2007), do qual as autoras participaram da coordenação. Destaca-se ainda que a implementação e o detalhamento de cada uma das questões levantadas dependerá muito das peculiaridades locais e das condições dos levantamentos, planos e projetos já existentes.

Articulação política e estratégias de gestão para promoção da regularização fundiária

A formulação e a implementação dos programas de regularização fun-diária é uma necessidade há muito sentida pelos municípios brasileiros, que encontram toda ordem de obstáculos para efetivar a regularização fundiária plena em assentamentos informais de interesse social, principal-mente em função da fragilidade técnico-institucional e da vulnerabilidade política das gestões municipais. São poucos os municípios que possuem uma estrutura própria de gestão para os processos de regularização. Mui-tas vezes, além do município não ter uma política voltada para a regu-larização, a estrutura institucional existente é totalmente fragmentada, propiciando processos demorados e pontuais. Considerando o quadro da informalidade no País e os graves impactos que tem causado às nos-sas cidades, é importante tomar providências e procedimentos mais ágeis para o enfrentamento efetivo da questão. Neste sentido, uma estrutura institucional clara, com a criação de equipe multidisciplinar que tenha competência definida, poderá agilizar o processo, enfrentando as várias dimensões deste fenômeno.

Para a regularização fundiária ser plena, é importante que in-clua também ações de urbanização, ambientais e sociais. Deve proporcionar ao cidadão endereço, identidade, acesso a infra-estrutura básica, equipamentos coletivos e transporte.

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Não basta, na regularização fundiária, o reconhecimento e a segu-rança na posse – a regularização dominial, para viabilizar a titulação da área e do lote. Para a regularização fundiária ser plena, é importante que compreenda também ações de urbanização, ambientais e sociais. Ela deve proporcionar ao cidadão endereço, identidade, acesso a serviços de infra-estrutura básica, equipamentos coletivos e transporte. Além disso, deve propiciar a transformação da economia informal em economia formal, permitindo o acesso dos moradores ao crédito, para melhoria de suas ha-bitações, e, portanto, permitindo ao cidadão sua integração à cidade, o direito à moradia digna e à cidadania plena.

Os municípios precisam também adequar as suas leis de uso, ocupação e parcelamento do solo urbano aos Planos Diretores e não encontram res-paldo na legislação urbanístico-ambiental federal. Passam vários anos para licenciar a regularização de assentamentos informais porque são muitos os entraves burocráticos legais, principalmente quanto à integração do licenciamento urbanístico com o ambiental. São comuns os conflitos de competências entre os entes federativos e as sobreposições de análises e procedimentos entre os órgãos institucionais ambientais e os órgãos mu-nicipais que tratam do licenciamento urbanístico. Os municípios carecem, na maioria dos casos, de procedimentos básicos operacionais e de ordena-mento específico para a regularização fundiária urbana.

É importante ainda a articulação das diferentes políticas e a integração intersetorial dos órgãos institucionais municipais com os diferentes entes federativos envolvidos, para que não haja repetição de ações e conflitos, tornando a regularização cada vez mais cara. O reconhecimento dessas ações deve ser concretizado com a distribuição de recursos orçamentários adequados ao tamanho do problema. A formação de parcerias público-privadas é essencial para captar recursos e para análise e proposição. Res-salte-se a importância da parceria e da estratégia adequada para a perma-nente participação social em todo o processo de regularização fundiária, como base de sustentação da gestão democrática participativa.

Marco legal da regularização fundiária

A Constituição Federal de 1988, no seu art 6º, definiu o direito à mo-radia digna como um direito fundamental. No seu art 5º, também ins-tituiu a necessidade de que a propriedade cumpra sua função social. No artigo 182, estabeleceu que a política de desenvolvimento urbano, com-

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Aula 08

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petência do poder público municipal, tem por objetivo ordenar o desenvolvimento das funções sociais da cidade e que o Pla-no Diretor é o instrumento básico para a definição da função social da proprie-dade. No artigo 183, tratou da garantia do direito à moradia, estabelecendo as condições em que a posse confere ao mo-rador o domínio pleno ou útil sobre o imóvel urbano.

O Estatuto da Cidade, em 2001, regu-lamentou os artigos 182 e 183 da Consti-tuição Federal, estabelecendo os instru-mentos de gestão democrática das cidades e de regularização fundiária, que permi-tem efetivar o direito à cidade e à moradia urbana. Abriu um leque de possibilidades para que a regularização fundiária fosse re-almente efetivada. No entanto, há pouca reflexão acerca do instrumental jurídico e urbanístico disponível.

A Medida Provisória nº 2.220, de 2001, veio complementar o Es-tatuto, disciplinando a Concessão de Uso Especial para fins de Moradia (CUEM), instrumento de regularização fundiária de ocupações em terras públicas. O Código Civil de 2002, ao tratar do direito de propriedade, também disciplinou o instituto da usu-capião e de desapropriação para fins de regularização fundiária, consolidando o princípio da função socioambiental da propriedade. A Lei nº 11.481/07 retira os principais obstáculos jurídicos e aper-feiçoa a legislação patrimonial da União para simplificar e desburocratizar os processos de entrega de títulos de pos-se ou propriedade às famílias com renda até cinco salários mínimos, que vivem em áreas públicas da União.

@

Sugerimos a leitura dos artigos 5º, 6º, 182 e 183 da Consti-tuição Federal. Você pode consultar a Carta Magna em http://www.senado.gov.br/sf/legislacao/const/ (Endereço aces-sado em 07/04/2008).

@

O Estatuto da Cidade está disponível na Biblioteca Virtual do Curso e também em http://www.senado.gov.br/sf/publicacoes/estatuto/ (Endereço acessado em 07/04/2008).

@

Consulte a Lei Federal nº 10.257/2001 - Estatuto da Cidade, a Me-dida Provisória nº 2.220/2001 e a Lei Federal nº 11.481/2007 no CD-ROM da Biblioteca Jurídica de Regularização Fundiária Plena. Sugerimos que você use este instrumento de pesquisa sempre que houver referência a legislação nesta e nas outras aulas.O Novo Código Civil está disponível na Biblioteca Virtual e tam-bém no endereço http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/leis/2002/L10406.htm (endereço acessado em 07/04/2008).

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É recomendável que o Plano Diretor, instrumento fundamental de política urbana, indique no projeto específico de cada cidade e município como deve se dar a regularização dos assentamentos informais de interes-se social e quais serão as diretrizes, os instrumentos e mecanismos para combater à informalidade urbana.

O Fortalecimento e a melhor compreensão do alcance da nova ordem jurídico-urbanística proposta pela Constituição e consolidada pelo Estatu-to da Cidade, pela MP nº2.220/01, pela Lei nº11.481/07 e pelo novo Có-digo Civil é fundamental para o avanço na elaboração e implementação dos programas de regularização fundiária. Este avanço só será exitoso se integrado a processos de parcerias entre o Poder Público e a sociedade civil, contando com a efetiva participação popular.

Caracterização do assentamento informal

A caracterização do assentamento informal envolve levantamentos e pesquisas relativos às dimensões físicas, urbanísticas, sociais e de domínio da terra ocupada. Esses levantamentos são fundamentais para que se pos-sa fazer uma leitura técnica da área a ser regularizada. A leitura técnica implica a análise dos levantamentos e da coleta de dados que se referem à legislação vigente e incidente sobre a área do assentamento, à pesquisa fundiária, ao levantamento topográfico e à pesquisa social. Essa análise deve somar-se à leitura que a comunidade envolvida faz de sua realidade. A partir de então, torna-se possível discutir amplamente com a população moradora os problemas e as soluções para a área a ser regularizada.

A caracterização do assentamento informal deve resultar de pesquisas de campo (levantamentos físicos e sociais) e consultas aos cadastros téc-nicos, às fontes primárias e secundárias, em órgãos públicos, cartórios de registro imobiliário e concessionárias de serviços públicos.

A pesquisa da legislação

A pesquisa da legislação vigente e incidente sobre a área é peça crucial para as futuras definições de projeto dos instrumentos que poderão ser utilizados na regularização patrimonial e urbanística. Para isso, é necessá-rio que se pesquise a Legislação Federal, estadual e municipal aplicada.

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Aula 08

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No âmbito municipal, devem ser verificadas as seguintes leis e normas:

Lei Orgânica; •

Plano Diretor; •

Lei de Zoneamento; •

código de obras e edificações, uso e ocupação do solo, e normas ou •parâmetros para as ZEIS;

lei de parcelamento do solo, lei de habitação de interesse social e de •regularização fundiária;

legislação ambiental e de patrimônio cultural. •

A legislação estadual que deve ser consultada é a constituição estadual; as leis que regulamentam regiões metropolitanas, quando for o caso; as leis sobre registros públicos, incluindo pareceres e provimentos das cor-regedorias gerais de Justiça; as leis sobre regularização fundiária das áreas onde há interesse estadual e as leis ambientais.

Na esfera federal, é necessário que se consulte a Constituição Federal, o Estatuto da Cidade – lei n° 10.257/01, a Medida Provisória n° 2.220/01, para verificação da aplicabilidade dos instrumentos de regularização fun-diária; as resoluções do Conselho das Cidades; a lei de registros públicos – lei federal n° 6.015/73 e alterações, a lei de parcelamento do solo urbano – lei federal 6766/79 e alterações (PL n° 3057/00); a lei de licitações – lei federal 8666/93, principalmente quanto se tratar de concessão, alienação e doação de áreas públicas; o Código Civil – Lei Federal n° 10.406/02, importante para a aplicação da ação de usucapião; a legislação ambiental que define as condições de preservação de áreas de interesse ambiental, especialmente a lei da política nacional de meio ambiente – lei federal n° 6.938/81; Código Florestal – lei federal n° 4.771/65, a Medida Provisória n° 2.166/01 e as resoluções CONAMA, principalmente a n° 369/06, que trata dos casos em que é possível a intervenção ou supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente (APP).

Outras leis federais também são importantes, dependendo da área a ser regularizada. Se a área for da União, devem ser consultadas as leis federais n° 9.636/98 e n° 11.481/07, que se aplicam à gestão do patrimônio da União. Se a área for tombada pelo Governo Federal, é necessário que se conheça a norma que regulamenta esse tombamento. Para a regularização de conjun-tos habitacionais, é importante consultar a Lei Federal n° 4.591/64.

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A pesquisa fundiária

O resultado da pesquisa fundiária é muito importante para se definir o instrumento ou os instrumentos que poderão e deverão ser aplicados para a concretização da regularização dominial do assentamento para seus mo-radores. Muitas vezes um assentamento pode ter vários proprietários com registro cartorial, que mesclam o domínio público e o privado.

Para a caracterização fundiária, é necessário que se pesquise o registro de imóveis em cartórios da área na qual o assentamento se localiza e as eventuais ações judiciais que por ventura existam. Os levantamentos so-bre a situação fundiária são melhor visualizados quando se colocam em mapas as áreas de diferentes domínios dentro do limite do assentamento.

O levantamento topográfico

O levantamento topográfico visa coletar e definir os limites do assenta-mento com as formas de ocupação do solo, que caracterizam as informa-ções urbanísticas e físicas naturais. Esse levantamento permitirá a elabo-ração de projeto urbanístico de regularização fundiária e o cadastramento físico dos lotes. Além disso, possibilita o reconhecimento de logradouros públicos já consolidados pela população moradora.

As principais informações que devem ser coletadas são:

limites do assentamento, com caracterização das vias lindeiras e de •áreas confrontantes;

formas de uso e a ocupação do solo; •

cursos d’água, lagos, lagoas, reservatórios e nascentes; áreas de preser- •vação ambiental; áreas de risco de escorregamentos; áreas inundáveis; áreas sob linhas de transmissão de energia ou sobre dutovias; áreas com vegetação arbórea; áreas degradadas, etc;

sistema viário incluindo vielas, caminhos de pedestre e escadarias; •

quadras e divisão em lotes; •

infra-estrutura implantada (redes de água, energia, coleta de esgoto e •drenagem de águas pluviais);

delimitação física dos lotes (dimensões e área total). •

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Aula 08

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Para uma boa identificação dos lotes, recomenda-se que os levanta-mentos sejam representados em plantas com escala igual ou superior a 1:1.000. O levantamento topográfico deve ser realizado antes do cadas-tramento social das famílias, para que possa ser relacionado à base física, o que permite maior coerência às informações quando da elaboração das ações judiciais. É recomendável que os levantamentos físicos e cadastrais (físico e social) sejam realizados de maneira integrada. Assim, as equipes podem entrar em campo ao mesmo tempo e, pela proximidade da abor-dagem, poderão articular melhor a participação dos moradores, o que pode ajudar a agilizar os trabalhos, pois a receptividade e conhecimento deles contribuirão para o bom resultado dessas atividades.

Os levantamentos devem estar relacionados à base cartográfica muni-cipal e podem ser simples ou planimétrico, planialtimétrico ou planial-timétrico cadastral, dependendo das informações existentes no municí-pio e da declividade da área.

A pesquisa social

A pesquisa social possibilitará a definição do perfil social da população moradora do assentamento a ser regularizado e propiciará verificar o in-teresse social da regularização. Ela se caracteriza por ser o momento do primeiro contato da equipe técnica com as lideranças comunitárias. Esse contato é fundamental para a implementação do processo participativo.

A pesquisa social pode ser feita por meio de informações censitárias, levantamentos junto às concessionárias de serviços públicos e aos órgãos da prefeitura, entrevistas com entidades sociais atuantes na área e entre-vistas com as lideranças comunitárias e agentes sociais locais. Contempla aspectos sociais, econômicos e culturais da comunidade, como:

histórico do assentamento; •

população total; •

nível de renda; •

atividades econômicas desenvolvidas pelos moradores; •

serviços e equipamentos sociais existentes; •

Planimetria: conjunto de processos que visam à determinação de co-ordenadas geodésicas horizontais de uma dada estação geodésica.Altimetria: conjunto de processos que obje-tivam a determinação da altitude de uma dada estação geodésica.

(Fonte: IBGE – Glossá-rio Cartográfico.)

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formas de organização comunitária preponderantes e •

tipo e características das entidades com atuação no local. •

Projeto de regularização fundiária e cadastro físico e social

Alguns municípios possuem normas técnicas de apresentação de proje-to de parcelamento Solo. Esta etapa de projeto deve acontecer após a fase de caracterização do assentamento com os levantamentos e o diagnóstico do assentamento informal a ser regularizado já realizados. No diagnós-tico, é importante constar o estudo: do entorno; do sistema de acessos; da paisagem urbana; da existência e demanda de equipamentos públicos; das praças; das áreas verdes e da infra-estrutura básica existente e projetada.

É importante que o diagnóstico não caia na armadilha de padrões técnicos inatingíveis, dissociados dos processos socioeconômicos de pro-dução de moradia popular. É necessário valorizar e recuperar os espaços coletivos apropriados pela comunidade, como praças, becos e travessas, no sentido de guardar um conjunto de significados e transformar sespaços às vezes fisicamente precários e deteriorados pelas condições de pobreza em locais de apropriação social. Caso contrário, o resultado poderá ser o empobrecimento das relações dos habitantes com o universo social no qual ele está inserido. A chamada falta de urbanidade.

O diagnóstico deverá levar em conta também a avaliação das áreas passíveis de consolidação, as moradias passíveis de remoção e as áreas a serem regularizadas, assim como, as vias de circulação existentes ou proje-tadas e, quando possível, outras áreas destinadas a uso público; as medidas necessárias para a garantia da sustentabilidade urbanística, social e am-biental das áreas ocupadas, incluindo as formas de compensação, quando for o caso; as condições para garantia da segurança da população em casos de riscos de inundações, erosão e deslizamento de encostas e a necessida-de de adequação da infra-estrutura básica.

A partir do diagnóstico, deverá ser elaborado o Projeto de Regulariza-ção Fundiária, às vezes também denominado de Planta de Alinhamento ou Projeto de Parcelamento do Solo Urbano. No projeto de regularização, devem ser definidos:

Urbanidade, segundo Holanda (2002), é um conceito relativo aos padrões espaciais en-contrados nas cidades, que envolvem a facili-dade do encontro nos espaços e nos equipa-mentos públicos entre pessoas de diferentes classes, grupos étnicos e sociais. Envolve tam-bém intensa participa-ção na vida secular, e livre manifestação de diferenças. A compre-ensão da complexidade do fato urbano enquan-to espaço construído e sua interação com os processos de regulari-zação fundiária deve ser melhor explorada.

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Aula 08

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as áreas a serem consolidadas; •

as áreas a serem removidas; •

o sistema de circulação e viário; •

a infra-estrutura básica urbana e as áreas para os equipamentos públicos e •

as praças e áreas verdes. •

O Projeto de Regularização Fundiária deve ser elaborado em escala adequada (1:1.000 ou maior) e, preferencialmente, georreferenciada. Deve conter, de forma básica:

o nome do assentamento; •

a sua localização; •

uma planta contendo o traçado do sistema viário e de circulação, as qua- •dras e lotes com as respectivas dimensões, a área e endereçamento, as áreas destinadas a uso público institucional, as áreas verdes, as áreas de preservação permanentes e as faixas não edificáveis, quando existentes.

O memorial descritivo deve conter um breve relato sobre o processo de regularização fundiária. Poderá conter:

uma apresentação geral; •

croqui de situação com a localização da área de intervenção e seu en- •torno imediato em escala adequada;

descrição dos aspectos legais e institucionais incidentes na área; •

justificativa e condicionantes do parcelamento do solo urbano; •

histórico da ocupação da área; •

situação dominial; •

descrição analítica do sítio físico; •

localização; •

topografia; •

formas de uso e ocupação do solo; •

sistema de circulação; •

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infra-estrutura urbana; •

densidade; •

espaços e equipamentos públicos; •

sistema de endereçamento e •

normas de uso e ocupação do solo. •

O quadro demonstrativo de áreas deve conter:

a identificação e a área de cada lote; •

a identificação do sistema viário; •

a identificação das áreas verdes, das áreas institucionais e das faixas de •domínio e servidão.

A somatória dessas áreas deverá coincidir com a área total da gleba expressa na matrícula existente no Cartório de Registro de Imóveis.

Cadastro físico

A partir do Projeto de Regularização e do levantamento topográfico para caracterização física das habitações e dos lotes, é realizado o cadastro físico dos lotes nas áreas passíveis de consolidação. As informações do ca-dastro físico individualizam o lote, compreendendo:

o endereçamento do lote na quadra e no assentamento; •

o número do lote; •

a forma e dimensões do lote (frente, fundos e laterais); •

a área total do lote e •

croquis do lote e dos lotes vizinhos, com identificação dos confrontan- •tes e tipo de uso predominante.

A projeção das edificações é necessária quando os trabalhos envolve-rem também a regularização das construções existentes nos terrenos.

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Aula 08

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Cadastro social

O cadastro social objetiva caracterizar em detalhe as condições sociais e econômicas dos moradores de cada lote que será regularizado. O ideal é que o cadastro social seja realizado no início do processo, considerado na proposta de estratégia de participação da comunidade, pois é um dos elementos mais importantes para o conhecimento e para a qualificação dos moradores no processo de regularização fundiária.

O cadastro físico e social é fundamental para os processos jurídicos ou administrativos decorrentes da aplicação dos instrumentos como usucapião e concessão de uso especial para fins de moradia.

Nunca é demais lembrar que, para fins de regularização fundiária, é essencial que o cadastro social esteja relacionado com a base física do as-sentamento (cadastro físico), com vistas a garantir a qualidade das instru-ções das ações judiciais ou dos processos administrativos.

Para a realização do cadastro social, é fundamental que haja:

reuniões de sensibilização na comunidade; •

definição do questionário a ser aplicado; •

capacitação da equipe de cadastradores; •

Coleta de cópias dos documentos necessários para a instrução dos •processos administrativos ou judiciais da regularização fundiária.

O levantamento dos documentos dos proprietários das áreas passíveis de regularização e os documentos de promessa de propriedade ou de pos-se dos moradores das áreas sob intervenção, são os principais documentos para a viabilização dos processos judiciais de regularização fundiária. As informações levantadas na pesquisa fundiária permitirão a definição sdos tipos de instrumentos que poderão ser utilizados .

Quanto à comprovação de posse, deve-se sempre buscar reali-zar a prova documental, pois a comprovação por meio de depoimen-tos de testemunhas, apesar de possível e justificável, nem sempre é aceita pela Administração Pública ou pelo Judiciário. O cadastro fí-sico e social é, portanto, fundamental para a montagem e a ins-trução legal das dações judiciais ou dos processos administrativos.

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Estratégias da participação da sociedade

A participação social no processo de regularização fundiária é uma forma de garantir a efetividade das ações, pois elas terão o controle da comunidade envolvida. A implementação dos instrumentos de regulari-zação num assentamento poderá contribuir para alcançar a justiça social se for compartilhada com seus moradores. Ou seja, as decisões sobre a regularização de um assentamento urbano irregular deverão ser fruto de discussões e escolhas de seus moradores em parceria com o Poder Público local. Eles serão os principais protagonistas na realização de todas as etapas do processo de regularização fundiária plena, que incluirá a legalização da posse da terra e todas as ações necessárias para garantir a regularidade urbanística, que deverão dotar o assentamento de melhores condições de moradia e urbanidade. A responsabilidade sobre a gestão do espaço urbano deve ser dividida entre os moradores e os gestores públicos.

Mas como essa participação poderá ocorrer?

Inicialmente, é necessário socializar as informações sobre a irregulari-dade do assentamento e as possíveis formas de regularização, além de esta-belecer a importância em se legalizar essa fração urbana para sua inserção na cidade legal, tornando-a um bairro, com acesso a equipamentos comu-nitários, serviços públicos e até mesmo a empréstimos financeiros para me-lhorias habitacionais. Para que isso aconteça, é importante que os técnicos prestem esclarecimentos sobre a legislação vigente, incluindo os direitos da população à moradia e à cidade; sobre a viabilidade de alternativas jurídicas e urbanísticas e sobre prazos e necessidades de comprovação documental da posse. Essas informações devem ser repassadas aos moradores de maneira clara e descomplicada. Os termos técnico-jurídicos e urbanísticos devem ser decodificados, com uso de exemplos e analogias para que todos tenham entendimento correto e possam, a partir desse conhecimento, discutir e en-contrar a melhor solução para as especificidades locais.

A disposição dos técnicos para o diálogo é muito importante, porque as informações serão trocadas entre moradores e profissionais. Ninguém melhor do que os próprios moradores conhecem sua realidade, suas neces-sidades e dificuldades. Isso é o que chamamos de “saber local”, tão impor-tante quanto o saber técnico, o que significa que sem o primeiro não pode-mos alcançar um processo de participação social. E esse conhecimento é fundamental para o desenvolvimento do trabalho por parte dos técnicos.

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Aula 08

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Uma característica da participação social é que se trata de uma via de mão dupla e, para ter bons resultados, é preciso transparência nas ações e fidedignidade nas informações, de maneira que as decisões possam ser tomadas com consciência, a partir da argumentação e com igualdade de participação. Como defende Jürgen Habermas, por meio do diálogo, explici-tando contradições e buscando a superação dos conflitos de interesses existentes, é que se alcançará o consenso.

Mais acesso às informações pode proporcionar o exercício da cidadania de maneira mais ampla, na medida em que propicia maior consciência aos moradores dos direitos e deveres relativos aos cidadãos e ao Estado. Isso gerará maior auto-estima na população moradora, aumento das reivin-dicações por melhores condições de habitabilidade – saneamento básico, acesso à saúde e educação públicas, serviços de transporte, coleta de lixo – e, conseqüentemente, maior cobrança do Poder Público, o que aumenta a participação na vida política do País. Por outro lado, uma maior partici-pação política implica mais responsabilidade da população com o espaço urbano, evitando o adensamento do bairro e garantindo a existência de espaços públicos para o lazer, conservando os equipamentos públicos e mobiliários urbanos e, principalmente, preservando o meio ambiente.

Quais são as estratégias que poderão ser utilizadas para viabilizar a participação social?

A participação da população moradora no processo de regularização fundiária poderá acontecer de várias formas e um primeiro passo é a di-vulgação do projeto de intervenção que será realizado na comunidade. Essa divulgação poderá se dar pelos meios de comunicação (rádio e jor-nais comunitários) e por meio de instituições como escolas, creches, igre-jas, associações de moradores, clubes de mães e postos de saúde.

Também como estratégia para sensibilizar e mobilizar as comuni-dades pode ser distribuído material didático, como cartilhas, folders, entre outros, no qual se transmita, com linguagem simples, o que é a regulari-zação fundiária plena, a sua importância na vida da população e como se dará cada etapa do processo de regularização.

As primeiras articulações com os moradores a serem beneficiados com a regularização ocorrem, normalmente, em reuniões ou assembléias (organizadas por setores, ruas ou bairros), nas quais são apresentadas a proposta de trabalho e sua agenda. Durante as assembléias, os morado-res podem tirar dúvidas e contribuir com a forma de implementação do

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processo, permitindo os necessários ajustes no método de trabalho a ser adotado. Os principais instrumentos de mobilização são cartilhas e folders; cartazes e faixas; carro de som; rádios e televisão comunitária.

Licenciamento nos órgãos competentes

Normalmente, o licenciamento urbanístico e ambiental é até hoje rea-lizado de forma dissociada tanto com relação à competência dos entes fe-derativos (União, estados e municípios), quanto com relação ao conteúdo. Além de vários conflitos em decorrência do papel de cada ente federativo no processo de licenciamento, são inúmeras as sobreposições de variáveis ambientais e urbanísticas.

A Constituição Federal estabeleceu explicitamente a competência mu-nicipal para o licenciamento de atividades de parcelamento, uso e ocu-pação do solo urbano. Nos termos do art. nº 18, o município é o ente da federação brasileira com a competência exclusiva para legislar sobre questões de parcelamento do solo urbano e de assuntos de interesse local e suplementar à Legislação Federal e estadual, no que couber, conforme o art. nº 30, inciso VIII, da CF.

Já o licenciamento ambiental é defi-nido pelo inciso I do artigo 1º da Reso-lução CONAMA nº 237/97 como um procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, a instalação, a ampliação e a operação de empreendimentos e as atividades utilizadores de recursos am-

bientais considerados efetiva ou potencialmente poluidores ou daqueles que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental. O pro-cesso de licenciamento ambiental foi detalhado a partir do artigo 2º da Resolução CONAMA nº237/97. Esta Resolução inova ao possibilitar que os municípios tenham atribuição de licenciar ambientalmente atividades de baixo impacto, restritas ao território municipal, desde que possuam estrutura administrativa para tal. Portanto, o município assume um papel fundamental na proteção ambiental sustentável, compatibilizando o de-senvolvimento socioeconômico com a preservação ambiental.

Confira a íntegra da Resolução nº 237/97 na

Biblioteca Virtual.

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Aula 08

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Foi assim adotada a repartição de competência entre os entes federati-vos. A União deve legislar sobre as questões nacionais e gerais; os estados, os assuntos regionais; e os municípios, aqueles de interesse local. Para solucionar as questões de superposição de competência em matéria am-biental, surge o princípio da subsidiariedade. Este princípio assegura que as decisões serão tomadas pelo nível político mais baixo, por aqueles que estão mais próximos da situação objeto em questão. Trata-se aqui, mais uma vez, do fortalecimento do poder local, mas, na prática, os procedi-mentos são pouco claros e normalmente pontuais, caso a caso, o que tem resultado na falta de agilidade nos processos de licenciamento.

Uma das grandes novidades para os processos de licenciamento ambien-tal é a Resolução CONAMA nº 369 de 2006, que trata os casos excepcionais de utilidade pública, interesse social ou baixo impacto ambiental, que possibi-litam a intervenção ou supressão de ve-getação em APP. Segundo esta Resolução, a possibilidade de intervenção em APP para regularização fundiária urbana somente poderá ser autori-zada pelo órgão ambiental mediante processo administrativo autônomo e prévio (arts. 1º e 2º). A intervenção em APP em área urbana dependerá de autorização do órgão ambiental municipal, desde que o município pos-sua Conselho de Meio Ambiente com caráter deliberativo e Plano Diretor ou lei de diretrizes urbanas (no caso de municípios com menos de 20 mil habitantes), mediante anuência prévia do órgão ambiental estadual, fun-damentada em parecer técnico. Caso contrário, a autorização é do órgão ambiental estadual, conforme art. 4º dessa Resolução.

O empreendedor da regularização deve primeiramente comprovar a inexistência de alternativa técnica e locacional e que a intervenção em margens de córregos, topo de morros e restingas atende aos seguintes requisitos, conforme art. 9º da Resolução: ocupação de baixa renda pre-dominantemente residencial; ocupação em ZEIS; ocupação inserida em área urbana que possua pelo menos três das seguintes infra-estruturas: malha viária, captação de águas pluviais, esgotamento sanitário, coleta de resíduos, rede de água e rede de distribuição de energia; densidade demo-gráfica maior que 50 hab/ha; que a ocupação esteja consolidada até 10 de julho de 2001 e a apresentação do Poder Público municipal do Plano de Regularização Fundiária.

Confira a íntegra da Resolução nº 369/2006 na Biblioteca Virtual.

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O Plano de Regularização Fundiária, nos termos dessa Resolução, de-verá contemplar, entre outros elementos, o levantamento da sub-bacia em que estiver inserida a APP, identificando passivos e fragilidades ambientais, restrições e potencialidades, unidades de conservação, áreas de proteção de mananciais, sejam águas superficiais ou subterrâneas.

Muitos municípios brasileiros levam mais de cinco ano para licen-ciar e regularizar um assentamento. Esse licenciamento quase nunca é integrado e o processo pode levar anos do órgão ambiental para o urbanístico.

Embora essa Resolução signifique, para legislação ambiental, um avan-ço, é necessário ainda buscar uma formulação que possibilite efetivamen-te a urbanização e a regularização fundiária dos assentamentos informais de baixa renda que ocupam os trechos de APPs em áreas urbanas. Mais de ano após sua aprovação, a aplicação da Resolução pelos municípios tem sido praticamente nula pela falta de procedimentos mais claros e o deta-lhamento excessivo, que impede soluções rápidas para o quadro alarman-te da informalidade brasileira. A aplicação da Resolução deve garantir não só a melhoria das condições ambientais, mas a melhoria das condições de habitabilidade e o respeito ao direito à moradia.

Muitos municípios brasileiros levam mais de cinco anos para licenciar e regularizar um assentamento. Esse licenciamento quase nunca é inte-grado e o processo pode levar anos do órgão ambiental para o urbanístico, sem falar quando, pelos casos definidos pela lei nº6766/79 art.13 e pela legislação ambiental, necessitam da anuência específica do Estado.

O procedimento de licenciamento junto à prefeitura varia muito de município para município. Assim, é necessário, primeiramente, consultar o órgão competente da prefeitura para o conhecimento das exigências e normas locais. O ideal é que o município tenha uma legislação própria so-bre parcelamento do solo e regularização fundiária de assentamentos infor-mais, e Zonas Especiais de Interesse Social, e que defina os procedimentos para agilizar a aprovação dos assentamentos informais em seu território.

O licenciamento na prefeitura, obtido após a aprovação do projeto de regularização fundiária, é essencial para que se atinja a regularização urbanística, com a inclusão do assentamento nos cadastros municipais e a formalização do sistema viário, das demais áreas públicas e dos endereços dos lotes. Destaca-se, entretanto, que o licenciamento não deve ser um obstáculo a mais na concretização do reconhecimento do direito à mora-

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dia. Assim, quando a regularização envolver apenas a dimensão jurídica e patrimonial, poderá ocorrer sem o licenciamento municipal, que poderá ser obtido em etapa posterior, sem que a insegurança na posse influencie nas negociações.

Nesses casos, após a elaboração do projeto, são elaboradas as plantas individuais que irão compor os processos jurídicos, com a identificação dos confrontantes, sistematizadas de acordo com o tipo de ação a ser proposta.

Instrumentos de regularização fundiária

Existem vários instrumentos para se efetivar a regularização fundiária, mas é com a combinação desses instrumentos que poderão ser soluciona-dos muitos dos problemas da informalidade urbana de forma mais inte-grada ao Plano Diretor de cada cidade. Alguns instrumentos associados podem, além de delimitar zonas, definir normas específicas para determi-nada área e gerar recursos para as ações de regularização fundiária advin-das tanto do setor privado como do setor público.

Zonas de Especial Interesse Social (ZEIS)

É um dos instrumentos fundamentais para a regularização fundiária porque reconhece e insere legalmente o assentamento no mapa da cida-de, a partir de uma realidade socioeconômica específica. Está prevista na alínea “f ”, do inciso V do artigo 4º do Estatuto da Cidade. Significa uma categoria específica de zoneamento, permitindo a aplicação de normas es-peciais de uso, parcelamento e ocupação do solo para fins de regularização fundiária de áreas urbanas ocupadas. Essas normas especiais possibilitam o registro do parcelamento do loteamento, do conjunto habitacional ou do projeto de urbanização da favela, no Cartório de Registro de Imóvel.

As ZEIS devem ser instituídas por lei municipal, que pode ser a lei que institui o Plano Diretor, ou por lei municipal específica. A lei deve conter os perímetros das áreas, os critérios para a elaboração e execução do plano de urbanização, as diretrizes para o estabelecimento das normas especiais de parcelamento, uso e ocupação do solo e de edificação, e os institutos ju-rídicos que poderão ser utilizados para a legalização da titulação das áreas declaradas de habitação de interesse social para a população beneficiária.

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Usucapião especial

A usucapião é um instituto muito antigo do Direito para a aquisição da propriedade pelo prazo de tempo e da forma prescrita em lei, a despeito da vontade do proprietário. A Constituição Federal de 1988, entretanto, inaugurou uma nova modalidade de usucapião, a usucapião urbana, com objetivo de garantir o cumprimento da função social da propriedade.

Aplica-se exclusivamente a imóveis particulares, com área máxima: 250 m2 (CF, art. 183; Estatuto da Cidade art.9º ao 14º). Para sua aplicação, é ne-cessária a posse de área urbana de até 250 m2 há cinco anos, sem oposição, e o ocupante não pode possuir outro imóvel e deve utilizar o imóvel ocupa-do para moradia. A partir do Estatuto da Cidade, além da forma individual criada pela Constituição, foi disciplinada a forma coletiva de aquisição do domínio para áreas de difícil individualização. Existe também a forma de usucapião plúrima, ou seja, é aplicável quando o requerente é um grupo de indivíduos, mas cada um pode ter seu o lote individualizado. A inclusão de várias requisições em uma única ação simplifica sua tramitação, gerando economia processual e agilizando o processo de regularização.

O novo Código Civil, nos artigos 1.238 a 1.242, estabelece condições em que se admite a aquisição da propriedade por usucapião, prevendo, além da usucapião urbana (art. 1.240), outras formas de aquisição da pro-priedade por usucapião.

Concessão de Uso Especial para fins de Moradia (CUEM)

Aplica-se a imóveis públicos nos termos da Medida Provisória nº 2.220/01, sem transferência da propriedade e com exigências análogas às da usucapião especial. Não pode haver desvio de finalidade.

O direito à CUEM é limitado às posses anteriores a 30 de junho de 2001. Assim, o morador que comprovar a posse de área pública (inferior a 250 m2), de forma mansa e pacífica, ininterrupta, de cinco anos anteriores à data de 30 de junho de 2001, deverá ter este direito reconhecido pelo Poder Público por meio de emissão de título administrativo ou declarado por sen-tença judicial. A CUEM é gratuita, pode ser transferida pela cadeia sucessó-ria ou por herança, pode ser vendida ou doada e pode ser oferecida como garantia para financiamentos habitacionais (Lei Federal n º 11.481/07).

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Conforme a MP nº 2.220/01, a Concessão é um direito subjetivo e dei-xa de ser uma faculdade do Poder Público para efeito de promover a regu-larização fundiária das áreas ocupadas pela população de baixa renda. O título de concessão de uso especial para fins de moradia será obtido pela via administrativa perante o órgão competente da Administração Pública ou, em caso de recusa ou omissão deste, pela via judicial. A Administração Pública terá o prazo de 12 meses para decidir sobre o pedido, contado da data do seu protocolo, de acordo com o § 1º do artigo 6º. Esse protocolo pode ser requerido individualmente pelo possuidor ou de forma coletiva.

Concessão de Direito Real de Uso, individual ou coletiva (CDRU)

Não constitui direito subjetivo, mas instrumento da ação discricioná-ria do Poder Público, que agiliza as ações de regularização fundiária. Nos programas de interesse social, tem valor de escritura pública. A CDRU pode também ser utilizada entre particulares. No caso de regularização de assentamentos em terrenos pertencentes a sociedades de economia mista, como as Companhias de Habitação (COHAB), que são pessoas jurídicas de direito privado, este instrumento pode ser utilizado para a transferên-cia do domínio útil dos lotes em favor dos atuais moradores.

Direito de Superfície

O Direito de Superfície foi incluído no conjunto de instrumentos de regularização fundiária do Estatuto da Cidade (Arts. 21 a 24) e previsto em título específico no Código Civil (Arts. 1.369 a 1.377). Pode ser utilizado para fins de regularização fundiária. Neste caso, o proprietário do imóvel da área particular ou o Poder Público, a partir de um contrato, concede o direito de superfície à população beneficiária da regularização fundiária.

Outorga onerosa do direito de construir

O objetivo desse instrumento é separar os direitos de propriedade e os de edificação. A outorga onerosa sobre alterações de uso e ocupação do solo pode gerar recursos para investimentos em áreas carentes. Conforme estabelece o artigo 26 do Estatuto da Cidade, o Poder Público Municipal deve utilizar os recursos da Outorga Onerosa para atender às necessidades

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e demandas habitacionais da cidade, levando em conta a urbanização e a regularização fundiária de áreas ocupadas por população de baixa renda.

Operações urbanas consorciadas

São definidas no art. 32 do Estatuto da Cidade e possibilitam a aplica-ção dos recursos oriundos dos negócios imobiliários das operações urba-nas para regularização fundiária de assentamentos irregulares.

Transferência do direito de construir

Conforme define o art. 35 do Estatuto da Cidade, o plano diretor poderá autorizar o proprietário de imóvel urbano, privado ou público, a exercer em outro local ou alienar, mediante escritura pública, o direito de construir. Esse instrumento pode ser utilizado para a implantação de equi-pamentos urbanos e comunitários, para preservação histórica, ambiental, paisagístico, social ou cultural. E pode ser usado também de forma con-jugada com as ZEIS, para atender ao direito à moradia em imóveis que sejam considerados necessários para servir a programas de regularização fundiária, urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda e habitação de interesse social.

Alienação

A alienação dos bens públicos imóveis só é admitida para os bens que integram a categoria dos dominicais, devendo atender às disposições da Lei de Licitações (Lei Federal nº 8.666 de 1993). Apesar de não ser muito empregada para a regularização fundiária, a alienação é um instrumento útil para viabilizar a venda, para fins habitacionais, de prédios que tiveram uso especial destinados à administração direta ou indireta e que deixaram de ser utilizados.

Doação

É a outorga não onerosa e voluntária de um imóvel ou terreno por parte do proprietário. A Administração Pública pode fazer doações de bens imóveis, desde que estejam desafetados do uso público, e comumen-te o faz para incentivar construções e atividades de interesse social, como a regularização fundiária.

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Aula 08

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Adjudicação compulsória

Ocorre quando o morador possui um documento que comprova que adquiriu e pagou pelo imóvel, mas não possui a sua escritura. A partir desta comprovação, é proposta uma ação judicial e o juiz decide pela ad-judicação compulsória e o registro do imóvel em nome do comprador. A adjudicação só gerará registro se o imóvel adquirido tiver matrícula ou transcrição em nome do vendedor.

Desapropriação

A desapropriação pode ser aplicada em casos de necessidade, de utilida-de pública ou de interesse social, como é o caso da regularização fundiária. A partir de 1962, com a Lei Federal nº 4.132, a desapropriação por interesse social passou a ser utilizada “para promo-ver a justa distribuição da propriedade ou condicionar seu uso ao bem estar social” (art. 1º), fortalecendo a idéia de desapro-priar para fins de regularização fundiária.

Registro imobiliário

Só é dono quem registra, diz o dito popular. O registro do título em cartório é a garantia e a segurança efetiva da posse. Significa que o deten-tor do título registrado tem a segurança jurídica da propriedade ou do direito de posse. A documentação básica exigida para o registro em Car-tório de Imóveis é o projeto de regularização, que deverá conter a planta do parcelamento, o memorial descritivo e o quadro de áreas, a certidão de registro anterior, a comprovação de titularidade e a aprovação dos órgãos competentes. No caso da regularização de assentamentos, em vez de auto de aprovação, pode ser emitido pela prefeitura um auto de regularização de parcelamento do solo.

Para a matrícula do titulo, é necessária a definição exata dos limites físicos reais da gleba, que devem coincidir aos limites da gleba registrada em Cartório. Se houver diferença, deve ser realizada a retificação da área. Se o assentamento ocupar somente uma parte da gleba, esta deve ser ob-jeto de desmembramento. Se ocupar mais de um lote, deve ser realizada a unificação deles.

iPara saber mais sobre os Instrumentos de Regula-rização Fundiária, consulte o Manual da Regulariza-ção Fundiária Plena.

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Após o registro do assentamento, é realizada a abertura da matrícula dos lotes, das áreas públicas e do sistema viário. O título (escritura de ven-da e compra, termo de concessão ou sentença declaratória de usucapião) é registrado na matrícula do lote ou da unidade habitacional e, após a mi-crofilmagem, o morador recebe a certidão de matrícula do imóvel.

Conclusão

Procuramos demonstrar nesse artigo a importância de cada passo des-de a formação de equipes institucionais para a realização das atividades de regularização fundiária, passando pelos levantamentos, diagnósticos, elaboração de projeto e licenciamento, até chegar ao registro do assenta-mento e dos lotes. Ao mesmo tempo, incluímos uma breve descrição dos instrumentos existentes para as ações de regularização fundiária, que serão escolhidos a partir das especificidades de cada assentamento informal.

Ressaltamos a importância do controle social na gestão urbana e, por-tanto, a participação da comunidade envolvida no processo de regulari-zação fundiária é um elemento fundamental para o êxito das atividades. Destacamos também que o processo somente está completo quando, além da regularização dominial, que ocorre com o registro da área e dos lotes,,, há a regularização urbanística e a implantação dos equipamentos comunitários e dos serviços públicos necessários para tornar o assenta-mento um bairro da cidade. É nesse momento que se consolida o direito à cidade aos moradores, e a cidade se torna justa com seus habitantes.

Na próxima aula, estudaremos conceitos e bases legais referentes ao registro imobiliário.

A gestão democrática participativa é funda-mental na regularização fundiária. Propomos a

seguinte atividade de pesquisa individual:

Pesquisar e relatar uma experiência concreta em que •houve avanço no processo de regularização fundiária com a ampliação da participação popular; debater as conclusões com os colegas no Fórum. •

Se precisar de ajuda, peça orientações ao seu tutor, que está preparado(a) para atendê-lo por telefone ou e-mail.

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Aula 08

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Bibliografia

BRASIL . Código Civil, Lei Federal n°10.406/02, 2002.

_______ . Constituição Brasileira, 1988.

_______ . Estatuto da Cidade – guia para implementação pelos muni-cípios e cidadãos. Instituto Pólis. Caixa Econômica Federal. Câmara dos Deputados. Brasília, 2002.

_______ . Estatuto da Cidade – lei nº 10.257/01, 2001.

_______ . Lei de parcelamento do solo nº 6766/79, 1979.

_______ . Lei Federal n° 11.481/07, 2007.

_______ . Manual da Regularização Fundiária Plena. Ministério das Ci-dades. Brasília, 2008.

_______ . Medida Provisória nº 2.220/01, 2002.

_______ . Regularização da terra e da moradia – o que é e como imple-mentar. Instituto Pólis. CAIXA, 2003.

_______ . Resolução CONAMA n° 237/97, 1997.

_______ . Resolução CONAMA n° 369/07, 2006.

HABERMAS, Jürgen. Sociologia. FREITAG, Barbara; ROUANET, Sér-gio Paulo (orgs.). Coleção Grandes Cientistas Sociais. São Paulo: Editora Ática, 1993.

HOLANDA, Frederico de. O espaço de exceção. Editora Universidade de Brasília, 2002.

SOUZA, Marcelo Lopes de. Mudar a Cidade: uma introdução crítica ao planejamento e à gestão urbanos. Rio de Janeiro: Ed. Bertrand Brasil, 2002.

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Este artigo pretende fornecer aos alunos uma visão geral e prática sobre os aspectos registrários que interferem nos procedimentos de regularização fundiária, especialmente os aspectos relaciona-dos à retifi cação de registro dos imóveis ocupados ou dos parce-lamentos irregulares. Para tanto, serão abordados a organização do sistema de registro de imóveis no Brasil e o procedimento dos registros imobiliários; como se dá a retifi cação dos registros imo-biliários; como obter o registro do projeto de regularização fun-diária e dos títulos de regularização fundiária.

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Aula 09

O registro imobiliário: conceitos e bases legais

Rosane TiernoPatryck Araújo Carvalho

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Esta canção de Lúcio Barbosa, que ficou conhecida na voz de Zé Geraldo, fala sobre a distância entre os cidadãos e os não-cidadãos

na cidade. O pedreiro que construiu edifícios e escolas não pode nem mesmo admirá-los nem oferecer condições para a família se educar.

Você pode ouvir a música no AVEA.

CIDADÃO - Lúcio Barbosa

Tá vendo aquele edifício moço? Ajudei a levantar Foi um tempo de aflição Eram quatro condução Duas pra ir, duas pra voltar Hoje depois dele pronto olho pra cima e fico tonto Mas me chega um cidadão e me diz desconfiado, tu tá aí admirado ou tá querendo roubar? Meu domingo tá perdido vou pra casa entristecido Dá vontade de beber E pra aumentar o meu tédio eu nem posso olhar pro prédio que eu ajudei a fazer

Tá vendo aquele colégio moço? Eu também trabalhei lá Lá eu quase me arrebento Pus a massa fiz cimento Ajudei a rebocar Minha filha inocente vem pra mim toda contente Pai vou me matricular Mas me diz um cidadão Criança de pé no chão aqui não pode estudar Esta dor doeu mais forte por que que eu deixei o norte eu me pus a me dizer Lá a seca castigava mas o pouco que eu plantava tinha direito a comer (...)

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Aula 09

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Deve o direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter con-clusões inconsistentes ou impossíveis

(Carlos Maximiliano – Hermenêutica e Aplicação do Direito, em 1923)

O registro imobiliário – breve introdução

As Políticas de Regularização Fundiária desenvolvidas pelos Municí-pios brasileiros têm sido aplicadas contemplando aspectos variados: in-tervenções urbanísticas, ações administrativas ou jurídicas de legalização dos “lotes” ocupados informalmente, e mais raramente, a legalização das construções irregulares.

Entretanto, somente a partir da CF de 88, da edição do Estatuto da Cidade – Lei Federal nº 10.257/01 e da Medida Provisória nº 2.220/01, as práticas de regularização plena, contemplando os aspectos urbanísticos, administrativos e jurídicos, passaram a contar com um campo normativo que oferece melhores possibilidades à concretização da regularização.

Desde a criação do Ministério das Cidades, em 2003, os Municípios passaram a contar também com apoio financeiro e institucional efetivos para o desenvolvimento de seus programas de regularização fundiária.

Ainda assim, é muito comum nos depararmos com experiências de regularização que não conseguem avançar além das intervenções urbanís-ticas. Essas intervenções, na maioria dos casos, significam obras de custo bastante elevado, dotando os assentamentos informais das redes de infra-estrutura básica - redes de abastecimento de água, sistemas de coleta e tratamento de esgoto, redes de drenagem, iluminação pública, abertura e pavimentação de sistema viário, implantação de equipamentos públicos. Além disso, são bastante comuns as obras de recuperação ambiental, seja de margens de córregos, seja de encostas.

Mas os aspectos jurídicos da regularização fundiária, especialmente os procedimentos de registro junto aos Serviços de Registro Imobiliário, nem sempre são bem sucedidos. Ou então, o sucesso ocorre após alguns anos de procedimentos judiciais.

Esse fato se deve, em grande parte, às normas que disciplinam o re-gistro imobiliário no Brasil, ou numa outra perspectiva, às leituras dadas a essas normas.

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Nas palavras do Dr. Venício Salles, “o segmento registral ainda con-serva toda a reverência ao direito individual de propriedade, tratando-o como absoluto e indevassável” (SALLES, 2007).

A Lei de Registros Públicos, Lei Federal nº 6.015/73 não passou por uma reformulação de modo a recepcionar as novas regras trazidas pela Constituição de 1988 e demais diplomas normativos relacionados à gestão e planejamento do solo urbano. Vale lembrar que a Carta de 1988, além de colocar a política urbana como uma das prioridades do país, condicionou a propriedade ao cumprimento da função social.

Deste modo, cabe aos operadores do direito a análise sistêmica da lei de Registros Públicos, à luz dessa nova ordem jurídico-urbanística, visan-do atender aos princípios fundamentais da Constituição de 1988:

os fundamentos da República Federativa do Brasil, principalmente •a promoção da dignidade da pessoa humana (art. 1.º, inciso III, da Carta Magna);

os objetivos fundamentais, como: a) a construção de uma sociedade •livre, justa e solidária; b) a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais; e c) promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

a função da propriedade e o direito fundamental à moradia. •

Considerando que a regularização fundiária tem como um dos seus objetivos garantir o reconhecimento do direito de posse ou da propriedade da terra, principalmente à população de baixa renda, é necessário compre-

ender, ainda que de forma resumida, como está estruturado o sistema de registro de imóveis no país. A organização desse sis-tema e a interpretação mais tradicional da legislação que o regulamenta têm ofereci-do obstáculos importantes ao registro da regularização fundiária pelo país afora.

i Aos que desejarem um maior aprofundamento no assunto, indicamos como referência bibliográfica básica o livro “Direito Registral Imobiliário”, escrito pelo Dr. Venicio Antonio de Paula Salles e publicado pela Editora Saraiva em 2006.

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Funcionamento dos registros imobiliários

O sistema registral brasileiro é organizado especificamente pela Lei Federal nº 6.015/73, também conhecida como Lei de Registros Públicos.

Nos termos do art. 1º dessa lei:

Art. 1º Os serviços concernentes aos Registros Públicos, estabelecidos pela legislação civil para autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurí-dicos, ficam sujeitos ao regime estabelecido nesta Lei.

§ 1º Os Registros referidos neste artigo são os seguintes: I - o registro civil de pessoas naturais;II - o registro civil de pessoas jurídicas;III - o registro de títulos e documentos;IV - o registro de imóveis.§ 2º Os demais registros reger-se-ão por leis próprias. (p.ex. protes- tos e notas).

O artigo 236 da Constituição Federal estabelece que os serviços nota-riais e de registro são exercidos em caráter privado por delegação do Po-der Público. Além disso, segundo o artigo 1.227 do Novo Código Civil, “os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vi-vos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis”.

O Registro Imobiliário tem a competência estabelecida pela Constitui-ção Federal, e por legislação específica, para exercer atos que permitam o acesso dos títulos ao registro ou averbação, subordinando-se aos prin-cípios e à fiscalização do Poder Judiciário, por meio do Juiz Corregedor Permanente e da Corregedoria Geral de Justiça.

Ao registro de imóveis aplicam-se, sem prejuízo de dispositivos de ou-tras leis, os art. 167 a 288 da Lei nº 6.015/73 (Título V, do Registro de Imóveis), e ainda os art. 1º a 28 (Título I, Disposições Gerais) e 289 a 299 (Título VI, Das Disposições Finais e Transitórias), da mesma lei.

O registro imobiliário tem como função básica constituir o repositório fiel da propriedade imóvel e dos atos e negócios jurídicos a ela referentes.

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Os atos de registro englobam:

a matrícula do imóvel, em sentido amplo; •

os atos de registro, em sentido estrito; •

as averbações. •

O sistema registral imobiliário utiliza alguns termos específicos para os quais vale a pena trazer definições, ainda que simplificadas. Confira os principais termos neste glossário que consta da cartilha Roteiro para as áre-as públicas ocupadas – Programa de Regularização da Prefeitura do Município de Osasco:

Título – é o documento pelo qual se reconhece um direito. Por exem-plo, um cheque é um título. Outros exemplos: escritura, hipoteca, ins-trumento particular, título judicial (sentença de usucapião, sentença de desapropriação)

Escritura Pública – documento lavrado no tabelião de notas que pos-teriormente poderá acessar o registro. Documento pelo qual se formaliza a transferência de propriedade de uma pessoa para outra.

Contrato – documento que expressa o negócio firmado entre duas pessoas e que estabelece a vontade das pessoas em comprar e vender, en-tregar e receber, doar. O contrato estabelece direitos e deveres para as partes envolvidas. O contrato pode se dar por escritura pública, por ins-trumento particular, etc.

Matrícula – é o número de controle que se dá no Cartório de Registro de Imóveis (CRI) para cada imóvel. Cada imóvel possui apenas um núme-ro de matrícula.

Matrícula é a inscrição numerada seqüencialmente do imóvel, pratica-da sob responsabilidade do oficial do serviço de registro imobiliário, que o identifica e especifica.

A matrícula foi a principal inovação da Lei nº 6.015 quanto ao registro de imóveis.

Ao determinar a matrícula, caracterizando e confrontando o imóvel, passando este a ser o núcleo do registro, adotou a legislação brasileira o sistema cadastral que se aproxima do sistema germânico. A organização do sistema registral brasileiro atual é de fólio real.

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Exige-se, portanto, uma base de dados geográficos capazes de indi-vidualizar o imóvel, determinando o espaço terrestre por ele ocupado. A esse conjunto de informações, que, em função do bem inscritível, são levadas ao registro, denomina-se fólio real.

Averbação – em sentido amplo é anotação, “atos secundários”

Exemplo: alteração de nome que constou errado; averbação de pe-nhora; averbação do estado civil, averbação de Habite-se, averbação de mudança do nome da rua. A averbação informa a terceiros o que acontece com o imóvel.

Registro – também é anotação, mas anotação de “atos principais”. Por exemplo: destaque de área. Quando se leva ao CRI uma escritura de compra e venda ou uma hipoteca de um imóvel, elas são registradas na matrícula do imóvel. O registro é o ato que declara quem é o proprietário do imóvel ou se a propriedade deste bem está sendo transmitida de uma pessoa a outra.

Certidão – é o “extrato”, e a ficha contendo o que está informado lá no CRI.

Transcrição – forma de registro anterior à Lei nº 6.015/73.

O artigo 167, da Lei Federal nº 6.015/73, traz nos seus dois incisos os atos que são passíveis de registro ou averbação. Apontaremos aqueles que são de interesse imediato ou específico nos procedimentos de regulariza-ção fundiária (grifos nossos):

Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos

I - o registro:

(...) 9) dos contratos de compromisso de compra e venda de cessão deste e de promessa de cessão, com ou sem cláusula de arrependimento, que tenham por objeto imóveis não loteados e cujo preço tenha sido pago no ato de sua celebração, ou deva sê-lo a prazo, de uma só vez ou em prestações; (...)17) das incorporações, instituições e convenções de condomínio; 18) dos contratos de promessa de venda, cessão ou promessa de cessão de unidades autônomas condominiais a que alude a Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, quando a incorporação ou a instituição de condo-mínio se formalizar na vigência desta Lei;

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19) dos loteamentos urbanos e rurais; 20) dos contratos de promessa de compra e venda de terrenos loteados em conformidade com o Decreto-lei nº 58, de 10 de dezembro de 1937, e respectiva cessão e promessa de cessão, quando o loteamento se forma-lizar na vigência desta Lei; 21) das citações de ações reais ou pessoais reipersecutórias, relativas a imóveis; (...) 28) das sentenças declaratórias de usucapião, independente da regulari-dade do parcelamento do solo ou da edificação; (Redação dada pela Lei nº 10.257, de 2001) 28) das sentenças declaratórias de usucapião; (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.220, de 2001) 29) da compra e venda pura e da condicional; 30) da permuta; 31) da dação em pagamento; (...) 33) da doação entre vivos; 34) da desapropriação amigável e das sentenças que, em processo de de-sapropriação, fixarem o valor da indenização; (...) 36) da imissão provisória na posse, e respectiva cessão e promessa de cessão, quando concedido à União, Estados, Distrito Federal, Municípios ou suas entidades delegadas, para a execução de parcelamento popular, com finalidade urbana, destinado às classes de menor renda. (Incluído pela Lei nº 9.785, de 1999) 37) dos termos administrativos ou das sentenças declaratórias da con-cessão de uso especial para fins de moradia; (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.220, de 2001) (...) 39) da constituição do direito de superfície de imóvel urbano; (Incluído pela Lei nº 10.257, de 2001) 40) do contrato de concessão de direito real de uso de imóvel público. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.220, de 2001)II - a averbação: (...)2) por cancelamento, da extinção dos ônus e direitos reais; 3) dos contratos de promessa de compra e venda, das cessões e das pro-messas de cessão a que alude o Decreto-lei nº 58, de 10 de dezembro de 1937, quando o loteamento se tiver formalizado anteriormente à vigên-cia desta Lei; 4) da mudança de denominação e de numeração dos prédios, da edifi-cação, da reconstrução, da demolição, do desmembramento e do lotea-mento de imóveis;

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(...) 6) dos atos pertinentes a unidades autônomas condominiais a que alude a Lei nº 4.591, de 16 de dezembro de 1964, quando a incorporação tiver sido formalizada anteriormente à vigência desta Lei; (...)11) das cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabi-lidade impostas a imóveis, bem como da constituição de fideicomisso; 12) das decisões, recursos e seus efeitos, que tenham por objeto atos ou títulos registrados ou averbados; 13) “ ex offício “, dos nomes dos logradouros, decretados pelo po- der público. (...) 15) da re-ratificação do contrato de mútuo com pacto adjeto de hipoteca em favor de entidade integrante do Sistema Financeiro da Habitação, ainda que importando elevação da dívida, desde que mantidas as mesmas partes e que inexista outra hipoteca registrada em favor de terceiros. (...)18) da notificação para parcelamento, edificação ou utilização compulsó-rios de imóvel urbano;(Incluído pela Lei nº 10.257, de 2001) 19) da extinção da concessão de uso especial para fins de moradia; (Inclu-ído pela Lei nº 10.257, de 2001) 20) da extinção do direito de superfície do imóvel urbano. (Incluído pela Lei nº 10.257, de 2001) (...) 22. da reserva legal; (Incluído pela Lei nº 11.284, de 2006) 23. da servidão ambiental. (Incluído pela Lei nº 11.284, de 2006)

A Lei nº 6.015/73 sofreu várias alterações ao longo desses anos, algumas bastante importantes para os procedimentos de regularização fundiária.

Uma delas foi trazida pela Lei Federal 9.785/99, que introduziu a pos-sibilidade de efetuar junto ao Cartório de Registro de Imóveis o regis-tro do auto de imissão na posse, expedido pelo juiz nos procedimentos de desapropriação em curso. Essa inovação é importante na medida em que permite o registro do “parcelamento popular, destinado às classes de menor renda” (...) desde que “promovido pela União, Estados, Distrito Federal, Municípios ou suas entidades delegadas, autorizadas por lei a im-plantar projetos de habitação”, ainda que a propriedade do imóvel não este-ja em nome do ente público.

Consulte no CD-ROM da Biblioteca Jurídica de Re-gularização Fundiária Plena o § 4º do artigo 18 da Lei Federal nº 6.766/79. Lá também estão disponí-veis outras leis citadas nesta aula.

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Outra lei que produziu alterações importantes na Lei de Registros Pú-blicos foi a Lei Federal 10.931/04 (Lei de Alienação Fiduciária). Essa lei introduziu a possibilidade de retificação administrativa de imóveis, asse-gurando ao CRI autonomia para a retificação. Sobre a retificação adminis-trativa de registros imobiliários, nos debruçaremos adiante.

A retificação dos registros imobiliários

Nos procedimentos de regularização, quer sejam de loteamentos irre-gulares ou clandestinos, quer sejam de áreas públicas ocupadas informal-mente, é bastante comum nos depararmos com bases imobiliárias com descrições imprecisas, omissas ou incompletas. Esse fato é facilmente constatado quando se realiza o levantamento cadastral do assentamento informal. Ao pretender confrontar o imóvel descrito no registro de imó-veis com aquele efetivamente existente e parcelado, percebemos que não há correspondência entre eles: inexistem ou faltam as medidas perime-trais, falta ou sobra área, os marcos não existem mais, etc.

Nesses casos, ainda que a regularização urbanística e administrativa es-teja completa, dificilmente a regularização alcançará o registro imobiliário, antes que se proceda à retificação da descrição tabular da área parcelada.

Nos procedimentos de regularização, seja de loteamentos irre-gulares ou áreas públicas ocupadas informalmente, é comum nos depararmos com bases imobiliárias que têm descrições imprecisas, omissas ou incompletas.

Em 2004, o artigo 59 da Lei Federal 10.931 alterou os artigos 212 a 214 da Lei de Registros Públicos, introduzindo a figura da retificação extra-judicial. Dessa forma, a retificação da descrição de um imóvel poderá ser feita diretamente junto ao Oficial de Registro de Imóveis. Antes dessa mo-dificação, os procedimentos de retificação eram feitos judicialmente, com exceção dos casos de erros evidentes, cuja retificação ocorria no próprio Cartório de Registro de Imóveis.

Para enfrentar um procedimento para a retificação de um imóvel, é importante compreender os princípios que orientam o sistema registral brasileiro. Os princípios desse sistema estão definidos na Lei de Registros Públicos, Lei Federal 6.015/73.

Vejamos, de maneira sucinta, esses princípios:

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I - Princípio da Instância – segundo esse princípio somente o titular do direito registral tem a legitimidade para solicitar alterações nos dados tabulares. A lei prevê que se não há o requerimento expresso do titular, somente o Ministério Público pode requer alterações tabulares (art. 13, in-ciso II). Esse princípio pode representar um sério entrave à regularização, especialmente nos casos em que não é possível localizar o titular de domí-nio. Ou ainda nos casos, bastante comuns, de associações de moradores ou cooperativas que são cessionárias de direitos das glebas parceladas e têm dificuldades para obter uma procuração do titular de domínio.

II - Princípio da Unitariedade – estabelece que cada imóvel deve ter matrícula própria. A cada imóvel corresponde uma única matrícula.

III - Princípio da Legalidade – por esse princípio somente os títulos previstos em lei acessam o registro (art. 167, inciso I)

IV - Princípio da Legitimação Registral – estabelece que os atos de regis-tro são válidos enquanto não for promovido o seu cancelamento. (art. 252)

V - Princípio da Especialidade – determina a individualização do imó-vel por meio da descrição tabular. Por esse princípio, a descrição deve dar conta de distinguir um imóvel de outro, permitindo a sua perfeita localiza-ção geográfica. Essa descrição deve conter, nos casos de imóveis urbanos: “características e confrontações, localização, área, logradouro, número e sua designação cadastral, se houver” (art. 176, § 1º, inciso II, item 3b). Essa é a chamada especialidade objetiva.

A especialidade subjetiva determina a perfeita qualificação do titular (ou titulares) de domínio. Nos termos do artigo 176 (§ 1º, inciso II, item 4): “nome, domicílio e nacionalidade do proprietário”. Além disso, “tra-tando-se de pessoa física, o estado civil, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas do Ministério da Fazenda ou do Registro Geral da cédula de identidade, ou à falta deste, sua filiação” e “tratando-se de pessoa jurídica, a sede social e o número de inscrição no Cadastro Geral de Contribuintes do Ministério da Fazenda”.

VI - Princípio da Continuidade – por definição, estabelece a cadeia suces-sória de um imóvel. “Só pode transmitir o direito aquele que possui esse direi-to, formando a filiação com menção do título anterior”. (LIPORONI, 2005).

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VII - Os princípios da verdade (ou realidade) e da eficácia das vonta-des - são princípios mais novos, introduzidos pela Lei nº 10. 931/04 (ver ar-tigos 212 e 213 da Lei Federal nº 6.015/73). São esses dois novos princípios que dão embasamento técnico à retificação de um imóvel pela via adminis-trativa, isto é diretamente junto ao Cartório de Registro de Imóveis.

Princípio da Verdade ou Realidade – a descrição tabular deve refletir as características reais da implantação de fato existente de um imóvel. Vale lembrar que muitas glebas possuem descrições antigas, referenciadas em marcos que não existem mais, ou ainda, cujas descrições originalmente adotadas carregaram as imprecisões dos instrumentos utilizados à época.

Princípio da Eficácia das Vontades – enuncia que as partes envolvi-das, desde que consensualmente, podem alterar as informações tabulares de um imóvel.

Mesmo com as alterações da Lei de Registros Públicos, os procedi-mentos administrativos para retificação de matrículas ainda permanecem como um dos principais dificultadores nas ações de regularização fun-diária. A superação dessas dificuldades só se dará na medida em que os princípios registrais passem a ser aplicados em consonância com outros princípios igualmente previstos em lei.

No caso da regularização fundiária, especialmente em áreas de interes-se social, devem também ser princípios balizadores:

a função social da propriedade urbana; •

o justo ordenamento das cidades; •

o interesse coletivo. •

Uma análise mais detida da Lei de Registros Públicos permite iden-tificar modalidades de procedimentos de retificação, conforme o tipo de situação identificada. Passemos a elas.

Procedimentos para retificação de registros

Aspecto fundamental nas ações retificatórias diz respeito aos procedi-mentos a serem adotados. Os artigos 212 a 214 da Lei de Registros Públi-cos explicitam os procedimentos.

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Para que se proceda à correta aplicação dos procedimentos, deve o interes-sado ou promotor da regularização fundiária proceder a uma completa análi-se da área retificanda, em seus aspectos registrários, físicos e de ocupação.

Quanto aos aspectos registrários, é importante uma análise da trans-crição ou matrícula, buscando compreender, inclusive, a sucessão filiató-ria do imóvel. Algumas vezes, é possível detectar erros ou omissões come-tidos na transposição dos elementos do título: uma medida que se deixou de anotar ou foi anotada com erro evidente; confrontações equivocadas etc. Nessa etapa, pode ser importante também, fazer uma análise das transcrições ou matrículas de imóveis confrontantes.

A análise dos aspectos registrários deve acontecer simultaneamente à análise física. Deve-se lançar mão de fotos aéreas atuais e antigas, plan-tas de cadastros técnicos municipais, mapas históricos do município (nos quais é possível identificar a localização de marcos que não existem mais ou foram modificados), plantas de loteamentos do entorno, etc. O simples ato de tentar desenhar a descrição tabular do imóvel sobre a foto aérea pode revelar fatos preciosos para o procedimento de retificação.

Esse estudo conjugado da matrícula e elementos gráficos (fotos, ma-pas e plantas) é um importante balizador para os levantamentos topográ-ficos, pois indica elementos ou pistas que poderão ser confirmados na fase do levantamento de campo.

Utilizaremos como base para enten-der esses procedimentos, a obra “Direito Registral Imobiliário” (SALLES, 2007), da lavra do Dr. Venício Salles e texto do mesmo autor publicado no site da ANO-REG-DF (Associação dos Notários e Registradores do Distrito Federal).

Segundo esse autor, são duas as modalidades de procedimentos de re-tificação:

Retificação de ofício ou a requerimento do interessado; •

Retificação Consensual •

@

Você pode consultar a íntegra do artigo do juiz Venicio Anto-nio de Paula Salles em http://www.anoregdf.com.br/

(Endereço acessado em 30.03.2008)

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Tanto na retificação de ofício, quanto na retificação a requerimento, o oficial retificará, o registro ou a averbação se houver (ver art. 213, inciso I):

omissão ou erro cometido na transposição de qualquer elemento do •título (alínea “a”);

indicação ou atualização de confrontação (alínea “b”); •

alteração de denominação de logradouro público, comprovada por •documento oficial (alínea “c”);

retificação que vise a indicação de rumos, ângulos de deflexão ou in- •serção de coordenadas georeferenciadas, em que não haja alteração das medidas perimetrais (alínea “d”);

alteração ou inserção que resulte de mero cálculo matemático feito a •partir das medidas perimetrais constantes do registro (alínea “e”);

reprodução de descrição de linha divisória de imóvel confrontante que •já tenha sido objeto de retificação (alínea “f ”);

inserção ou modificação dos dados de qualificação pessoal das partes •por documentos oficiais, ou mediante despacho judicial quando hou-ver necessidade de produção de outras provas (alínea “g”).

Para o autor citado, há que se fazer uma diferenciação entre a retifi-cação de ofício e a retificação por simples requerimento do interessado. Principalmente para que seja atendido o princípio da instância, que “asse-gura, ao titular do domínio, o direito à manutenção da descrição tabular”. Desta forma, como diz Salles no artigo já citado, qualquer correção na informação tabular depende de provocação do interessado, inibindo a re-tificação de ofício.”

Reproduzimos aqui alguns dos argumentos do autor:

Este princípio, evidentemente, não tem aplicação absoluta para todos os casos e hipóteses de correção de registro, sendo admitida a providência direta do Oficial Registrador, sem provocação do interes-sado, em certas hipóteses, como no caso em que a retificação venha a ter sentido de mera superação de erro material constante no registro.

Na condição de “ato administrativo”, o ato de registro deve espelhar a realidade, não podendo, por imperativo de coerência, rivalizar com outras informações constantes ou presentes em outros documentos oficiais. Por-tanto, o ajuste do ato de registro, nestes casos, comporta providência de ofício, não representando desrespeito ao direito outorgado ao interessado.

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Além de tal hipótese, também pode ser admitida retificação direta e sem provocação, quando o erro registral não estiver situado no “núcleo” tipificador da especialidade objetiva, que é a própria e direta descrição ta-bular do imóvel intrinsecamente considerado. Este núcleo atinge, basica-mente, as medidas perimetrais, a área e os ângulos ou rumos, de forma que toda e qualquer correção que escapar a este substrato, pode ser feita independentemente de requerimento.

Em atenção e respeito ao princípio da instância, a retificação de ofí-cio, a exemplo do que ocorria nos casos tipificados como erro evidente, não pode ser deflagrada quando a retificação se mostrar dependente da produção de novas provas. A retificação de ofício se limita à superação de imperfeições viabilizadas pela utilização de documentos pré-existentes.

Assim, a correção de ofício para não agredir o princípio da instância deve ter o exato sentido de correção de erro material incidindo sobre pon-tos periféricos da descrição tabular. (...)

Portanto, a retificação de ofício se encontra LIMITADA às correções tabulares feitas a partir de bases documentais, como nos casos de:

transposição de dados do título causal;a.

atualização do nome do confrontante ou da confrontação, em atenção b. a documento oficial;

alteração da denominação do logradouro como base em documento c. oficial;

inserção de área decorrente de mero cálculo, quando a descrição ta-d. bular possua todas as demais informações, com a indicação das peri-metrais e os ângulos e rumos, ou quando tais informações constem de documentos oficiais;

a inserção de rumos e ângulos desde que presentes em documentos e. oficiais;

inserção de dados da qualificação pessoal das partes, comprovada por f. documentos oficiais.

As demais hipóteses dependem de requerimento do interessado. As-sim se mostra dependente de requerimento do interessado: (a) a retificação tendente a inserir ângulos e rumos do imóvel, desde que não haja alteração das medidas perimetrais; (b) a inserção de área em decorrência de mero cálculo, quando da descrição tabular não constem os ângulos ou rumos.

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Em todos os casos de Retificação de Oficio ou a Requerimento, o Oficial do Registro de Imóveis deverá instaurar procedimento específico, iniciado através do ato inaugural de retificação ou a partir do requerimen-to do interessado, juntando os documentos e as provas eventualmente apresentadas. Havendo dúvida relevante na análise das provas ou docu-mentos, o procedimento pode se converter em Retificação Judicial, com a remessa dos autos à Corregedoria Permanente, com o detalhamento das conclusões. (SALLES, 2004).

A retificação consensual atende aos casos em que é necessário alterar a descrição tabular do imóvel. Vejamos os termos do art. 213, inciso II:

II - a requerimento do interessado, no caso de inserção ou alteração de medida perimetral de que resulte, ou não, alteração de área, instruído com planta e memorial descritivo assinado por profissional legalmente habilitado, com prova de anotação de responsabilidade técnica no com-petente Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura - CREA, bem assim pelos confrontantes.

Nessas situações, o pedido deverá ser sempre acompanhado de levan-tamento planimétrico, memorial descritivo e ART (anotação de responsa-bilidade técnica) do profissional responsável pelo levantamento.

Na retificação consensual, além dos documentos apontados acima, é fundamental a anuência dos confrontantes. Obter a anuência dos con-frontantes é, em regra, um aspecto que pode dificultar os procedimentos de retificação consensual. Em muitos casos, os confrontantes são algumas dezenas de pessoas, ou o que parece pior, não são facilmente localizáveis.

A Lei 6.015/73 também estabelece os procedimentos a serem adota-dos nessas situações. Esclarece quem deve ser citado, explicita a forma de citação dos confrontantes para os quais não se obteve a devida anuência e também os prazos para manifestação dos mesmos.

No § 10 do art. 213, a Lei indica quais são os confrontantes que devem ser citados (g.n.):

§ 10 Entendem-se como confrontantes não só os proprietários dos imó-veis contíguos, mas, também, seus eventuais ocupantes; o condomínio geral, de que tratam os arts. 1.314 e seguintes do Código Civil, será re-presentado por qualquer dos condôminos e o condomínio edilício, de que tratam os arts. 1.331 e seguintes do Código Civil, será representado, conforme o caso, pelo síndico ou pela Comissão de Representantes.

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Quando não se consegue a assinatura de algum confrontante ou quan-do o mesmo não é localizado, a lei estabelece os procedimentos e prazos para notificação (g.n.):

§ 2º Se a planta não contiver a assinatura de algum confrontante, este será notificado pelo Oficial de Registro de Imóveis competente, a reque-rimento do interessado, para se manifestar em quinze dias, promovendo-se a notificação pessoalmente ou pelo correio, com aviso de recebimento, ou, ainda, por solicitação do Oficial de Registro de Imóveis, pelo Oficial de Registro de Títulos e Documentos da comarca da situação do imóvel ou do domicílio de quem deva recebê-la.

§ 3º A notificação será dirigida ao endereço do confrontante constante do Registro de Imóveis, podendo ser dirigida ao próprio imóvel contíguo ou àquele fornecido pelo requerente; não sendo encontrado o confron-tante ou estando em lugar incerto e não sabido, tal fato será certificado pelo oficial encarregado da diligência, promovendo-se a notificação do confrontante mediante edital, com o mesmo prazo fixado no § 2o, publi-cado por duas vezes em jornal local de grande circulação.

§ 4º Presumir-se-á a anuência do confrontante que deixar de apresentar impugnação no prazo da notificação.

§ 5º Findo o prazo sem impugnação, o oficial averbará a retificação re-querida; se houver impugnação fundamentada por parte de algum con-frontante, o oficial intimará o requerente e o profissional que houver assinado a planta e o memorial a fim de que, no prazo de cinco dias, se manifestem sobre a impugnação.

§ 6º Havendo impugnação e se as partes não tiverem formalizado tran-sação amigável para solucioná-la, o oficial remeterá o processo ao juiz competente, que decidirá de plano ou após instrução sumária, salvo se a controvérsia versar sobre o direito de propriedade de alguma das partes, hipótese em que remeterá o interessado para as vias ordinárias.

No texto “Retificação de Registro”, Dr. Venício Salles esclarece acerca do procedimento de obtenção de anuência dos confrontantes:

A anuência dos confrontantes deve ser dada diretamente na PLANTA, com a reserva de espaço adequado para tanto, contendo a exata qualifi-cação do subscritor e a localização e assento registral de seu imóvel.

Nos termos do § 10°, deve ser entendido como confrontante, além dos proprietários, também os “ocupantes”. Assim, para se cumprir os de-sígnios legais, devem concordar com o pedido de retificação, além dos proprietários, também os ocupantes diretos, desde que não estejam na posse por mera detenção, ou escudados em autorização, permissão ou em razão de contrato firmado como o titular do domínio. Nestes casos a anuência é dispensável.

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É de se ter sempre presente que a retificação afeta o direito de proprie-dade de forma que apenas os atores envolvidos com este direito é que devem ser chamados ou consultados.

Também o Poder Público, titular do imóvel público que serve de acesso ao imóvel, pode subscrever a Planta, na medida em que também ostenta a condição de confrontante. Entretanto, para que tal medida não repre-sente um pré-processo no âmbito da Prefeitura local, o interessado pode optar pela Notificação da Municipalidade.

Apresentamos uma outra questão que sempre provoca dúvidas na condução dos procedimentos de retificação. Pode o município, como pro-movedor da regularização fundiária, requerer a retificação de uma trans-crição ou matrícula cujo titular de domínio não seja o próprio município? Se tivermos em mente somente o princípio da instância (somente o titular do direito registral tem a legitimidade para solicitar alterações nos dados tabulares), a resposta pode ser não.

Entretanto, há outra previsão na Lei Federal nº 6.015/73, art. 213, § 11, inciso I. Segundo esse parágrafo, independe de retificação:

I - a regularização fundiária de interesse social realizada em Zo-nas Especiais de Interesse Social, nos termos da Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, promovida por Município ou pelo Distrito Federal, quando os lotes já estiverem cadastrados individual-mente ou com lançamento fiscal há mais de vinte anos.

Não temos notícia da aplicação efetiva desse dispositivo. No entanto está previsto na lei, e como tal, poderá ser solicitado pelos municípios aos Cartórios de Registro de Imóveis. Nesses casos, entendemos que o pedi-do de registro da regularização deverá ser instruído com todas as provas que auxiliem o oficial de registro na tomada de decisão. As provas devem comprovar que a regularização fundiária pretendida não oferece, poten-cialmente, riscos a terceiros. O Cartório de Registro de Imóveis, em caso de dúvida, remeterá o pedido ao Juiz Corregedor, que decidirá ou solici-tará novas provas.

Nesses casos, além das plantas e demais documentos exigidos pelo Cartório de Registro de Imóveis, é prudente carrear ao pedido:

estudo fundiário do imóvel em regularização; •

estudo fundiário dos confrontantes; •

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fotos aéreas com indicação da área em regularização, bem como dos •confrontantes, demonstrando não haver instabilidade das divisas de-marcatórias.

Para concluir essa etapa, podemos dizer que a primeira fase de qual-quer projeto de regularização fundiária consiste na análise do título que compreende a área a ser regularizada. As possíveis ausências de medidas perimétricas, ou insuficiência de dados que permitam a perfeita identifica-ção do perímetro e da área de superfície da gleba regularizanda, deman-dam a prévia retificação da matrícula ou transcrição.

Resumidamente, os aspectos mais importantes da retificação são:

o levantamento planimétrico sobreposto ao desenho perimétrico do •registro da gleba;

em seguida, a identificação dos confrontantes, contendo endereço e •indicação da sua legitimidade para anuir como confrontantes. Esta identificação deve, preferencialmen-te, resultar na anuência quanto à re-gularização que se pretende. Caso não se obtenha todas as anuências, pode-se requerer ao Cartório que notifique os confrontantes indicados. Passado o prazo para que estes se manifestem, presume-se que tenha havido anuência dos mesmos.

Assinale-se que este é o mesmo procedimento para os casos de apura-ção de remanescentes. Expliquemo-nos: Não raro nos defrontamos com situações em que apenas parte da gleba registrada foi parcelada, ou com implantações de loteamentos em parte de áreas desapropriadas, tais como as conhecidas “sobras de obras viárias”.

Nestes casos, é necessário apurar o que de fato “sobrou” do título re-gistrado, e proceder à abertura de matrícula individual para esta área. O procedimento é o mesmo adotado na retificação de registro, com a ressal-va que os confrontantes que deverão anuir são exclusivamente os que se localizam na área remanescente, e não todos aqueles da gleba original.

iEsta legitimidade consiste na apresentação da ma-trícula ou transcrição do imóvel ou título hábil que o qualifique como ocupante. Por exemplo, um con-trato de venda e compra particular outorgado pelo titular de domínio, ou contrato de cessão de direitos. É legítimo também qualquer dos condôminos ou o condomínio edilício, neste último caso, representa-do pelo síndico ou Comissão de Representantes.

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Obtida a retificação do registro da gleba, está satisfeita uma das princi-pais condições para a etapa seguinte da regularização fundiária, que con-siste no registro do projeto licenciado pelos órgãos competentes.

O registro da regularização fundiária

Não existem, no ordenamento jurídico pátrio, procedimentos especí-ficos para o registro da regularização fundiária. A legislação aplicável, em regra, é a Lei de Registros Públicos - Lei Federal nº 6.015/73 e Lei de Parce-lamento do Solo Urbano - Lei Federal nº 6.766/79, salvo exceções que vere-mos adiante (registro da concessão de uso especial para fins de moradia).

Além da legislação citada, orientam os procedimentos de registro de regularização fundiária, as normas expedidas pela Corregedoria Geral de Justiça em cada Estado.

Com efeito, o rito procedimental para o registro especial de loteamen-tos é idêntico, tanto nos casos de loteamentos novos, quanto nos casos de regularização fundiária de assentamentos informais.

O parcelamento do solo está sujeito ao registro especial previsto no art. 18 da Lei nº 6.766/79 que somente pode ser dispensado excepcional-mente, como se verifica no trecho a seguir do parecer apresentado pelo doutor Oscar José Bittencourt Couto, MM. Juiz Auxiliar da Corregedoria, no Processo CG 1807/2000 (Parecer 36/2002-E):

O registro especial, em princípio, é de ser observado em todos os casos de parcelamento, quer em loteamento quer em desmembramento, e so-mente por exceção, tem-se admitido a dispensa, e em hipóteses onde o parcelamento é de pequeno porte, sem mutação das características urba-nísticas do local e sem abertura de novas vias públicas.

O registro especial comporta uma peculiaridade: assim que registrado o parcelamento, as vias e praças formadas com o loteamento, bem como os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipa-mentos urbanos, passam ao domínio do Município.

O art. 18 indica um rol de documentos a serem apresentados para a realização do registro. Vejamos:

Art. 18 - Aprovado o projeto de loteamento ou de desmembramento, o loteador deverá submetê-lo ao Registro Imobiliário dentro de 180 (cento e oitenta) dias, sob pena de caducidade da aprovação, acompanhado dos seguintes documentos:

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I - título de propriedade do imóvel ou certidão da matrícula, ressalvado o disposto nos §§ 4º e 5º; (NR) (Redação dada pela Lei nº 9.785, 29.1.99)

II - histórico dos títulos de propriedade do imóvel, abrangendo os últi-mos 20 (vinte) anos, acompanhado dos respectivos comprovantes;

III - certidões negativas:

a) de tributos federais, estaduais e municipais incidentes sobre o imóvel;

b) de ações reais referentes ao imóvel, pelo período de 10 (dez) anos;

c) de ações penais com respeito ao crime contra o patrimônio e contra a Administração Pública;

IV - certidões:

a) dos Cartórios de Protestos de Títulos, em nome do loteador, pelo pe-ríodo de 10 (dez) anos;

b) de ações pessoais relativas ao loteador, pelo período de 10 (dez) anos;

c) de ônus reais relativos ao imóvel;

d) de ações penais contra o loteador, pelo período de 10 (dez) anos;

V - cópia do ato de aprovação do loteamento e comprovante do ter-mo de verificação pela Prefeitura Municipal ou pelo Distrito Federal, da execução das obras exigidas por legislação municipal, que incluirão, no mínimo, a execução das vias de circulação do loteamento, demarcação dos lotes, quadras e logradouros e das obras de escoamento das águas pluviais ou da, aprovação de um cronograma, com a duração máxima de quatro anos, acompanhado de competente instrumento de garantia para a execução das obras; (Redação dada pela Lei nº 9.785, 29.1.99)

VI - exemplar do contrato-padrão de promessa de venda, ou de cessão ou de promessa de cessão, do qual constarão obrigatoriamente as indica-ções previstas no art. 26 desta Lei;

VII - declaração do cônjuge do requerente de que consente no registro do loteamento.

§ 1º - Os períodos referidos nos incisos III, b e IV, a, b e d, tomarão por base a data do pedido de registro do loteamento, devendo todas elas ser extraídas em nome daqueles que, nos mencionados períodos, tenham sido titulares de direitos reais sobre o imóvel.

§ 2º - A existência de protestos, de ações pessoais ou de ações penais, ex-ceto as referentes a crime contra o patrimônio e contra a administração, não impedirá o registro do loteamento se o requerente comprovar que esses protestos ou ações não poderão prejudicar os adquirentes dos lo-tes. Se o oficial do registro de imóveis julgar insuficiente a comprovação feita, suscitará a dúvida perante o juiz competente.

§ 3º - A declaração a que se refere o inciso VII deste artigo não dispensará o consentimento do declarante para os atos de alienação ou promessa

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de alienação de lotes, ou de direitos a eles relativos, que venham a ser praticados pelo seu cônjuge.

§ 4º O título de propriedade será dispensado quando se tratar de parce-lamento popular, destinado as classes de menor renda, em imóvel decla-ração de utilidade pública, com processo de desapropriação judicial em curso e imissão provisória na posse, desde que promovido pela União, Estados, Distrito Federal, Municípios ou suas entidades delegadas, au-torizadas por lei a implantar projetos de habitação. (Incluído pela Lei nº 9.785, 29.1.99)

§ 5º No caso de que trata o § 4º, o pedido de registro do parcelamento, além dos documentos mencionados nos incisos V e VI deste artigo, será instruído com cópias autênticas da decisão que tenha concedido a imis-são provisória na posse, do decreto de desapropriação, do comprovante de sua publicação na imprensa oficial e, quando formulado por entidades delegadas, da lei de criação e de seus atos constitutivos. (Incluído pela Lei nº 9.785, 29.1.99)

Como se pode observar, é grande o número de documentos a serem providenciados para registro do parcelamento, dificultando enormemen-te a regularização fundiária. Sobretudo se o loteador não se encontrar em paradeiro conhecido, ou estiver falecido.

Outra dificuldade para o cumprimento das disposições acima está rela-cionada à obtenção das certidões negativas aludidas no inciso III do art. 18.

A prática na regularização fundiária nos conduz à constatação das se-guintes situações: loteamentos promovidos por particulares, muitas das vezes inescrupulosos, que após a venda de unidades, simplesmente desa-parecem ou mudam o local da prática delituosa. Essas pessoas, não raras vezes respondem por processos criminais de parcelamento do solo.

Em outras situações, a gleba conta com dívidas vultosas de IPTU, em função da combinação de dois fatos: a) o lançamento tributário recai so-bre a gleba como um todo; b) os moradores contam com dificuldades organizacionais para arrecadarem sua “fração de lançamento tributário” e honrarem o fisco.

As duas situações apresentadas, que são muito freqüentes, certamente impedirão a obtenção das certidões aludidas no Inciso III do art. 18 da Lei Federal nº 6.766/79.

Buscando equacionar a questão das certidões de tributos muni-cipais, alguns municípios têm trabalhado com legislações especí-ficas visando à remissão de créditos tributários, isenção do imposto

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predial e territorial urbano, e até mesmo a isenção do imposto de transmissão de bens imóveis para loteamentos irregu-lares localizados em zonas especiais de interesse social e que se encontrem em processo de regularização.

Diante de tais dificuldades, torna-se imprescindível a elaboração de normas próprias para o registro da regularização fundiária, de teor mais simplificado.

Neste sentido, vale citarmos a experiência legislativa do “Projeto More Legal III”, editado pela Corregedoria Geral de Justiça do Rio Gran-de do Sul, que possibilita a simplificação procedimental do registro da re-gularização fundiária.

Segundo esse Provimento, são requeridos somente os seguintes docu-mentos para registro do parcelamento a ser regularizado:

título de propriedade do imóvel ou, em determinadas hipóteses, ape- •nas a certidão atualizada da matrícula;

certidão negativa de ação real ou reipersecutória, de ônus reais e ou- •tros gravames, referente ao imóvel, expedida pelo Ofício do Registro de Imóveis; e,

planta do imóvel e memorial descritivo, emitidos ou aprovados •pelo Município.

No Estado de São Paulo, onde os processos de regularização fundiária ainda dependem da apreciação do poder judiciário, ou seja, o Cartório só registra o parcelamento regularizado desde que determinado pelo Juiz, o procedimento é regido pelas Normas de Serviço dos Cartórios Extraju-diciais, por meio do procedimento n° 58/89.

Não obstante conterem dispositivos de recepção constitucional ques-tionável, ainda assim, essas Normas de Serviço estabelecem um rol mais simplificado de documentos para a postulação da regularização fundiária quando a mesma for promovida pela Prefeitura, a saber:

@

Veja no web site http://www.leismunicipais.com.br/ os artigos 26 a 30 da Lei Municipal 14.125/05 do Município de São Paulo; a Lei Municipal nº 3.335/01 do Município do Rio de Janeiro; e a Lei Municipal nº 8.924/07, do Município de Santo André-SP.

(Endereço acessado em 30.03.2008)

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152. Não se aplicam os artigos 18 e 19, da Lei nº 6.766, de 19 de dezembro de 1979, aos registros de loteamentos ou desmembramentos requeridos pelas Prefeituras Municipais ou, no seu desinteresse, pelos adquirentes de lotes, para regularizar situações de fato já existentes, sejam elas ante-riores ou posteriores àquele diploma legal.152.1. Para esse fim, os interessados apresentarão requerimento ao Juiz Corregedor Permanente do Cartório competente, instruído com os se-guintes documentos: a) planta do loteamento ou desmembramento, devidamente aprovada pela Prefeitura, contendo as subdivisões das quadras, as dimensões e nu-meração dos lotes, logradouros, espaços livres e outras áreas com desti-nação específica;”b) quadro indicativo das áreas ocupadas pelos lotes, logradouros, espa-ços livres e outras áreas com destinação específica;c) certidão de propriedade, com menção de alienações e ônus, nos casos em que o imóvel tenha passado para outra circunscrição imobiliária;d) anuência da autoridade competente da Secretaria da Habitação, quan-do o parcelamento for localizado em região metropolitana ou nas hipó-teses previstas no art. 13 da Lei nº 6.766/79, salvo a relativa aos parce-lamentos situados em área de proteção aos mananciais ou de proteção ambiental; e) anuência da autoridade competente da Secretaria do Meio Ambiente, quando o parcelamento for localizado em área de proteção aos manan-ciais ou de proteção ambiental; f ) licença de instalação da CETESB, salvo quando se tratar de loteamen-to aprovado ou com existência de fato comprovada (153.1) anterior a 08 de setembro de 1976, ou de desmembramento aprovado ou com existên-cia de fato comprovada (153.1)anterior a 19 de dezembro de 1979. 153. Aplica-se o disposto no item 152 às regularizações requeridas pelos próprios loteadores, desde que, comprovadamente, os parcelamentos se-jam anteriores a 19 de dezembro de 1979 e todos os lotes já tenham sido alienados ou compromissados.153.1. A comprovação será feita com planta aprovada pela Prefeitura ou com certidões que demonstrem lançamento individual de impostos so-bre os lotes, sempre anteriormente a 19 de dezembro de 1979.153.2. Além dos documentos referidos no subitem 152.1, os loteadores deverão apresentar necessariamente:a) declaração de que não há lotes por alienar ou compromissar; b) relação de todos os adquirentes, compromissários compradores ou cessionários dos lotes. 154. Os documentos referidos nos itens anteriores serão registrados e autuados pelo cartório da corregedoria, ouvindo-se, sucessivamente, o oficial do cartório competente e o Ministério Público. 154.1. O Juiz poderá determinar diligências e levantamento pericial para es-clarecer dúvidas, promover a unificação de imóveis ou aperfeiçoar sua des-crição, correndo as despesas por conta de quem requereu a regularização.

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Registro de áreas públicas – Concessão de Uso Especial para fins de moradia

Trataremos nesse tópico exclusivamente do registro da concessão especial para fins de moradia, previsto na Medida Provisória nº 2.220/01, muito em-bora haja outros instrumentos aplicáveis na regularização de áreas públicas.

A escolha da concessão de uso deve-se ao fato da mesma guar-dar singularidades face ao art. 18 da Lei Federal nº. 6.766/79.

Com a publicação do Estatuto da Cidade, Lei Federal nº 10.257/01, as áreas públicas ocupadas passaram a ter a proteção legal em nível nacional por meio da concessão de uso especial para fins de moradia, dentre outros instrumentos legais (art. 4º, inciso V, alínea “g” e “h”)

A Medida Provisória nº 2.220/01, editada logo após o Estatuto da Cidade, disciplinou o instrumento da concessão de uso especial para fins de moradia.

A primeira característica é que o reconhecimento do direito à moradia para a população de baixa renda nas áreas públicas, por meio da concessão de uso especial, deixa de ser mero ato discricionário do Poder Público, tornando-se um poder-dever, uma vez preenchidos os requisitos estampa-dos na Medida Provisória, quais sejam: que o morador possua como seu, até 30 de junho de 2001, ininterruptamente e sem oposição, até 250 m² (duzentos e cinqüenta metros quadrados) de imóvel público situado em área urbana, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, desde que não seja proprietário ou concessionário, a qualquer título, de outro imóvel urbano ou rural.

Alternativa não resta ao Poder Público, senão reconhecer o direito à moradia ao morador de área pública, que atenda essas condições, formali-zando a respectiva concessão de uso especial de forma gratuita.

A Medida Provisória nº 2.220/01 chega a relativizar o exercício deste direito, ou do poder-dever do Poder Público ao tratar de ocupação de imóveis: de uso comum do povo; destinados aos projetos de urbanização; de interesse da defesa nacional, da preservação ambiental e da proteção dos ecossistemas naturais; reservados à construção de represas; situados

Consulte a íntegra da MP nº 2.220/01 e da Lei 6.766/79 no CD-ROM da Biblioteca Jurídica, na parte Normas Constitucionais e Legislação Aplicá-vel à Regularização Fundiária Plena.

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em vias de comunicação. Nesses imóveis é facultado ao Poder Público as-segurar o exercício do direito de moradia em outro local (art. 5° e incisos, da MP nº 2220/01). Podemos inferir então, que a outorga da concessão de uso especial para fins de moradia, atendidos os requisitos da Me-dida Provisória nº 2.220/01, é ato vinculado, não restando alternativa ao poder Público senão praticá-lo em conformidade com a legislação pertinente.

Neste sentido, a doutrina também se posiciona. Segundo SAULE JÚ-NIOR (2004, p.412/413):

“A concessão de uso deixa de ser uma faculdade do Poder Público para efeito de promover a regularização fundiária das ocupadas pela população de baixa renda. Esta norma constitucional, de forma idêntica ao usucapião urbano, caracteriza a concessão de uso como direito subjetivo, que deve ser declarado por via administrativa ou pela via judicial, mediante provo-cação dos interessados, nos termos do art. 6º da MP. De acordo com este artigo, o título de concessão de uso especial para fins de moradia será obtido pela via administrativa perante o órgão competente da Adminis-tração Pública ou, em caso de recusa ou omissão deste, pela via judicial.

(...)

O reconhecimento deste direito deixou de ser uma faculdade do Poder Público. O título de concessão de direito especial de uso será obtido por via administrativa ou judicial, diante da recusa ou da omissão do Executi-vo, nos termos do art. 6º”.

Caberia, assim, ao registrador exi-gir os requisitos previstos no artigo 18 da Lei Federal nº. 6766/79 para regis-tro da concessão de uso especial?

Se o Poder Público adianta-se na postulação do requerimento de reco-nhecimento dos direitos conferidos pela Medida Provisória nº 2.220/01, ela-bora plantas e memoriais em conformidade com a implantação da ocupa-ção, reconhece o direito à moradia outorgando os títulos administrativos de concessão de uso especial para fins de moradia, deve-se ainda curvar-se aos requisitos do art. 18 da Lei Federal nº 6766/79 para registro dos mesmos?

Antes de prosseguir, faça uma pausa para reler na

Biblioteca Jurídica o artigo 18 da Lei nº 6766/79 e tente responder a questão por si mesmo/a.

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Temos que não. Isto porque o conceito de regularização fundiária, a par-tir da Constituição Federal de 1988, e mais precisamente com o advento do Estatuto da Cidade, comporta outras espécies de tratamento normativo.

Podemos concluir sobre esse aspecto que, mesmo que excepcionalmen-te, outras espécies de regularização podem ingressar em Cartório, com tra-tamento diferenciado daquele conferido pela Lei Federal nº 6.766/79.

Neste sentido, destacamos as lições do desembargador paulista Kioitsi CHICUTA (2003):

Tradicionalmente, a regularização fundiária se fazia com observância da Lei nº 6.766/79, mas, agora, a visão não é mais tópica e sim abrangente, o que pode ser observado pela Lei nº 10.257, de 10 de julho de 2001, que estabelece as diretrizes básicas da política urbana, na forma do artigo 182 da Constituição Federal (a política de desenvolvimento urbano, execu-tada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem estar de seus habitantes), dispondo no parágrafo 1.º que “o plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instru-mento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana”, acrescentando no parágrafo 2.º que “a propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor (g.n)

Vejamos também a posição de AGUIAR e BORBA (2007) a respeito:

Ao mesmo tempo em que se constitui como um direito positivo, advin-do dos canais competentes de expedição de norma jurídica, destituído de vícios formais e materiais, porque percorre os canais previstos no orde-namento processual legislativo, as disposições da CUEM são, igualmen-te, um direito subjetivo.

Tal fato representa a possibilidade de que o indivíduo provoque o Estado para fazer valer sua pretensão contra a Administração Pública e contra terceiros, pois é oponível “erga omnes”, distinguindo-a de todos os de-mais instrumentos de regularização fundiária.

Entender que a regularização fundiária que visa reconhecer um direito subjetivo tenha como pressuposto o atendimento aos requi-sitos de uma lei de parcelamento do solo voltada aos casos de co-mercialização de lotes e deva ser por esta disciplinada é o mesmo que afirmar que a usucapião urbana, prevista constitucionalmente, e regida pelo Estatuto da Cidade e pelo Código Civil, deve também se subordinar a Lei Federal nº 6.766/79.

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Com efeito, tanto a concessão de uso especial para fins de moradia quanto a usucapião possuem características análogas: ambas têm, poten-cialmente, condições de conferir a regularidade fundiária de assentamen-tos informais, se consideradas na sua dimensão coletiva. Isto significa que têm o condão curativo próprio à regularização fundiária tradicional, e mais, implicam em regularização fundiária de parcelamento do solo, mes-mo que por via oblíqua.

Podemos concluir que o registro da concessão especial de uso para fins de moradia não deve se submeter aos regramentos previstos na Lei Federal nº 6.766/79.

Procedimentos jurisdicionais de registro

Em alguns Estados da Federação, o procedimento de registro da regu-larização fundiária é disciplinado por normas específicas da Corregedoria Geral de Justiça.

Esse órgão surge historicamente da função exercida pelo corregedor. A correição era a ação exercida pelo corregedor na sua comarca, como re-presentante do Rei. Os corregedores, também designados por meirinhos ou adiantados, eram os magistrados que fiscalizavam a administração da justiça nas comarcas.

Hoje a Corregedoria Geral da Justiça é órgão que funciona na sede do Poder Judiciário estadual. É executora das funções de controle, fiscaliza-ção, orientação e instrução dos serviços jurisdicionais e administrativos da Justiça do 1º grau e dos Cartórios Extrajudiciais, com jurisdição em todo o Estado, sendo dirigida por um desembargador eleito nos termos da lei, denominado Corregedor Geral da Justiça.

No gozo de suas atribuições, a Corregedoria Geral de Justiça em al-guns dos Estados brasileiros edita normas que estabelecem regras especí-ficas para disciplinar o registro da regularização fundiária.

Não pretendemos analisar todas as normas vigentes em cada um dos Estados da Federação, mas vale ressaltar dois aspectos: o primeiro é que todos aqueles que se dedicam à prática da regularização fundiária devem, de antemão, procurar conhecer se no seu Estado a Corregedoria Geral de Justiça editou normas relativas à regularização fundiária, e quais os precei-tos que a mesma determina sobre a matéria.

Os Cartórios de Regis-tro de Imóveis são car-tórios extrajudicias.

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Como é a situação no seu Estado?

O segundo aspecto cinge-se a uma crítica baseada na prática: alguns Estados possuem normas especiais editadas pela Corregedoria Geral de Justiça que determinam que o registro da regularização fundiária deve ser antecedido por processo jurisdicional, ou seja, deve-se ingressar na justiça para obter o competente mandado de registro da regularização fundiária.

A título de exemplificação, temos no Estado do Acre o Provimento Conjunto nº 01, que institui o “Projeto Meu Lugar Legal”, editado pelo Tribunal de Justiça do Estado, Corregedoria Geral da Justiça, Procurado-ria Geral de Justiça, Procuradoria Geral do Estado e pelo Prefeito de Rio Branco representando a Prefeitura e a Associação dos Municípios do Acre – AMAC. No Estado do Mato Grosso, o Provimento nº 50/2007 da Corre-gedoria Geral de Justiça. No Estado do Amazonas, o Provimento 90/2003, também editado pela Corregedoria Geral de Justiça. No Ceará, o Provi-mento nº 01/2007, editado pela Corregedoria Geral de Justiça daquele Estado. No Estado de São Paulo, o Provimento nº 58/89.

Todas as normas citadas acima determinam o prévio exame do Poder Judiciário para o registro da regularização fundiária, o que contribui enor-memente para a morosidade do processo de registro.

Apesar de os órgãos licenciadores da regularização fundiária gozarem de fé pública, em regra, no bojo do processo judicial, ainda que de nature-za administrativa, é determinada perícia para formação da convicção do juiz, o que confere mais tempo ao desenrolar do processo.

Certamente, este é um dos entraves na regularização fundiária, e que pesem os acurados olhos do poder judiciário. Experiências em Estados que não exigem tal procedimento jurisdicional demonstram que o ingres-so do pedido de regularização fundiária diretamente junto ao Cartório de Registro de Imóvel competente, além de não trazer qualquer prejuízo à segurança jurídica, agiliza expressivamente os processos de regularização fundiária. Citemos como exemplo o Estado do Rio Grande do Sul, por meio do provimento More Legal III, e o Estado do Rio de Janeiro, Provi-mento nº. 44/99, que dispensam o prévio procedimento judicial.

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Conclusão

O registro da regularização fundiária demanda por procedimen-tos mais simplificados, sob pena de jamais finalizarmos a regulariza-ção do assentamento, que se traduz nos registros.

Como se pode notar, do ponto de vista registral, a legislação brasileira que incide sobre o registro da regularização fundiária ainda tem muito a avançar. Vimos que são exigidos os mesmos documentos previstos no art. 18 da Lei Federal nº 6.766/79, com a perspectiva de manter os padrões de segurança de aquisição de lotes em parcelamentos do solo recém implan-tados. Contudo, essas exigências tornam-se grande obstáculo ao registro da regularização fundiária nos Estados que não contam com Normas ex-pedidas pelas respectivas Corregedorias Gerais de Justiça visando à sim-plificação de ritos para registro do parcelamento regularizado junto aos Serviços de Registro de Imóveis.

Isto significa que o registro da regularização fundiária padece pelo excesso de disposições, uma vez que é disciplinado por normas que não atendem às suas peculiaridades.

Nesta esteira, certamente temos a aprender com o registro dos proje-tos urbanísticos de áreas sujeitas às concessões de uso especial. Se por um lado tem por escopo o controle de disponibilidade da área pública, por outro pode nos ensinar que o registro da regularização fundiária demanda exclusivamente por procedimentos mais simplificados, sob pena de jamais atingirmos a etapa final da regularização do assentamento, que se traduz nos registros.

O registro dos títulos na regularização fundiária

O registro dos títulos (compromissos de compra e venda, promessas de cessão, instrumentos particulares) na regularização fundiária de parce-lamentos implantados em áreas particulares, tal como o registro do pró-prio parcelamento, possui como regra geral a Lei Federal nº 6.766/79. Em especial, destaquemos os arts. 25 a 36 (contratos) e 38 e 40 (regularização do parcelamento do solo promovido pelo Município ou DF) e 41 (registro do compromisso de venda e compra).

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Está previsto que deve ser depositado em Cartório um contrato deno-minado “padrão”, com no mínimo os seguintes elementos:

“Art. 26 - Os compromissos de compra e venda, as cessões ou promessas de cessão poderão ser feitos por escritura pública ou por instrumento particular, de acordo com o modelo depositado na forma do inciso VI do art. 18 e conterão, pelo menos, as seguintes indicações: I - nome, registro civil, cadastro fiscal no Ministério da Fazenda, naciona-lidade, estado civil e residência dos contratantes; II - denominação e situação do loteamento, número e data da inscrição; III - descrição do lote ou dos lotes que forem objeto de compromissos, confrontações, área e outras características; IV - preço, prazo, forma e local de pagamento bem como a importância do sinal; V - taxa de juros incidentes sobre o débito em aberto e sobre as presta-ções vencidas e não pagas, bem como a cláusula penal, nunca excedente a 10% (dez por cento) do débito e só exigível nos casos de intervenção judicial ou de mora superior a 3 (três) meses; VI - indicação sobre a quem incumbe o pagamento dos impostos e taxas incidentes sobre o lote compromissado; VII - declaração das restrições urbanísticas convencionais do loteamento, supletivas da legislação pertinente.”

Um dos grandes entraves nos registros de parcelamentos regularizados é que os contratos firmados com os adquirentes, não raras vezes, desaten-dem aos elementos previstos na Lei Federal nº 6.766/79. Em decorrência, não “podem” ser averbados na matrícula aberta por ocasião do registro da regularização fundiária.

Um outro aspecto diz respeito à morosidade do processo de regula-rização fundiária, tendo em vista as diversas vendas que podem ocorrer no lapso temporal entre a primeira aquisição e a data da regularização fundiária.

A alternativa lançada pela nº Lei 6.766/79, com fim de assegurar aos adquirentes a efetiva transmissão da propriedade da área, traduz-se na possibilidade de o adquirente do lote, comprovando o depósito de todas as prestações do preço avençado, obter o registro de propriedade do lote adquirido, valendo para tanto o compromisso de venda e compra devida-mente firmado (art. 41), desde que o parcelamento tenha sido regulariza-do pela Prefeitura ou pelo Distrito Federal.

Avençado: acordado, ajustado.Dicionário Houaiss.

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Nesse aspecto, o art. 41:

...induz a considerar que, ocorridas aquelas circunstâncias especiais, um contrato celebrado mediante instrumento particular, o compromisso de compra e venda, mesmo não averbado ou registrado no registro de imó-veis competente, faz base formal suficiente para a obtenção do registro de propriedade imobiliária, consumando a transmissão do domínio, desde que esteja devidamente firmado e o adquirente comprove o depósito de todas as prestações do preço avençado... claro está que as prestações depo-sitadas não precisam cobrir a totalidade do preço avençado. Basta apenas a comprovação de que todo o preço foi pago, seja parte ao loteador, seja par-te depositada em cartório ou até parte paga diretamente ao poder público, nos termos do § 3º do art. 40. (MUKAI e outros, 1987, p. 241/242).

É importante frisar que a forma de transmissão de domínio prevista neste dispositivo é norma de direito excepcional e anômala daquelas pre-vistas pelo Código Civil, e se o legislador assim o previu, é claro o escopo de proteger o comprador de lotes pertencentes a loteamento irregular, o qual não logrará obter a escritura do loteador faltoso.

TAMISO (1999, p. 317) também traz lições valiosas a respeito:

Evidencia-se, assim que o legislador preocupou-se com as várias fases de regularização dos parcelamentos, ou seja, a regularização de um lo-teamento implicará não só na solução das questões urbanísticas (apro-vação dos órgãos públicos competentes) e cíveis (situação dominical). Buscou-se, também, a regularização da situação fundiária da área (vez que somente após o registro do parcelamento é que os lotes passarão a ter existência jurídica), inclusive em relação aos compradores.

E assim foi feito porque as conseqüências advindas da incompleta regulari-zação do parcelamento atingem a toda a comunidade, causando até mes-mo reflexos na segurança jurídica dos negócios celebrados: os adquirentes de lotes irregulares (comumente alienados inúmeras vezes) terão dificul-dade (ou impossibilidade) de constatar a quem realmente pertencem, pos-sibilitando a celebração de contratos irregulares e até fraudulentos.

Atentas a essas questões, algumas Corregedorias de Justiça disciplina-ram a matéria.

Exemplo 1 – Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo – provimento nº. 58/89:

155. Nos loteamentos ou desmembramentos regularizados pelas Prefei-turas Municipais, valerá, como título hábil ao registro dos lotes, o con-trato de compromisso de venda e compra celebrado antes da regulariza-ção, desde que o adquirente comprove, perante o oficial, o pagamento ou o depósito de todas as prestações do preço avençado, bem como do imposto de transmissão devido, sem prejuízo do cumprimento de outras exigências previstas na Lei dos Registros Públicos.

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155.1. Gozará de idêntica validade o contrato de cessão, desde que fir-mado numa das vias do compromisso de venda e compra, ou, embora formalizado em instrumento separado, venha acompanhado do instru-mento de compromisso de venda e compra.

155.2. Para tal fim, o oficial, achando a documentação em ordem, proce-derá ao registro da transmissão de propriedade, arquivando uma via do título e os comprovantes do pagamento. Se a documentação for micro-filmada, poderá ser devolvida.

155.3. Na hipótese prevista no item 155.1, o compromisso de venda e compra e a cessão serão registrados.

Exemplo 2 – Corregedoria Geral do Rio Grande do Sul – Projeto More Legal III:

TÍTULO III

Do Registro dos Contratos

Art. 6º - Registrado ou averbado o parcelamento (loteamento, desdobra-mento, fracionamento ou desdobro) do solo urbano, os adquirentes de lotes de terreno poderão requerer o registro dos seus contratos, padro-nizados ou não, apresentando o respectivo instrumento junto ao ofício do Registro de Imóveis.

§ 1º - O registro poderá ser obtido diante da comprovação idônea da existência do contrato, nos termos do artigo 27, § 1º e § 2º, da Lei nº 6.766/79;

§ 2º - Os requisitos de qualificação das partes necessários ao registro, caso inexistentes, serão comprovados através da apresentação de cópia autenticada de documento pessoal de identificação, ou dos cogitados na Lei nº 9.049, de 18 de maio de 1995, ou, ainda, de cópia de certidão de casamento ou equivalente.

§ 3º - Admite-se, nos parcelamentos populares, a cessão da posse em que estiverem provisoriamente imitidas a União, Estado ou Municípios, e suas entidades delegadas, o que poderá ocorrer por instrumento particular.

§ 4º - A cessão da posse referida no § 3º, cumpridas as obrigações do cessionário, constitui crédito contra o expropriante, de aceitação obriga-tória em garantia de contratos de financiamentos habitacionais.

§ 5º - Com o registro da sentença que, em processo de desapropriação, fixar o valor da indenização, a posse referida no § 3º converter-se-á em propriedade, e a sua cessão em compromisso de compra e venda, confor-me haja obrigações a cumprir ou estejam elas cumpridas, circunstâncias que, demonstradas no Registro de Imóveis, serão averbadas na matrícula relativa ao lote.

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§ 6º - Os compromissos de compra e venda, as cessões e as promessas de cessão valerão como título para o registro da propriedade do lote adquirido, quando acompanhados da respectiva prova de quitação das obrigações do adquirente e de guia de pagamento ou de exoneração do ITBI, registro esse que será feito a requerimento escrito do adquirente, sendo essa regra aplicável somente nos casos do § 3º deste artigo.

Exemplo 3 – Corregedoria Geral do Rio de Janeiro – Provimento nº 44/99

Art. 6º - Nos loteamentos ou desmembramentos realizados nos termos da Lei nº 6.766/79 e regularizados pelas Prefeituras, valerá, como títu-lo ao registro dos loteamentos, o contrato de compromisso de venda e compra celebrado antes da regularização, desde que o adquirente com-prove, perante o Oficial do Registro, o pagamento ou depósito de todas as prestações do preço avençado, bem como do imposto de transmissão devido, sem prejuízo do cumprimento de outras exigências previstas na Lei de Registros Públicos.

§ 1º - gozará de idêntica validade o contrato de cessão e promessa de cessão, bem como os documentos constantes do art. 27, §1º, da Lei nº 6.766/79, desde que firmado numa das vias do compromisso de ven-da e compra, ou, embora formalizado em instrumento separado, venha acompanhado do instrumento de compromisso de venda e compra.

§2º - Para tal fim, o Oficial, achando a documentação em ordem, pro-cederá ao registro da transmissão da propriedade, arquivando uma via do título e os comprovantes dos pagamentos. Se a documentação for microfilmada, poderá ser devolvida.

§3º - Na hipótese prevista no §1º, os contratos ali previstos deverão ser registrados.”

Mais afinada com o espírito do Estatuto da Cidade, temos a Ordem de Serviço nº 04/2005 expedida pelo Juiz de Direito Titular Corregedor da 1ª Vara de Registros Públicos da Comarca de São Paulo. Vejamos:

“V - REVALIDAÇÃO DE TÍTULOS:

15. - Regularizado o registro do parcelamento os interessados, detento-res de direitos sobre os lotes do parcelamento, poderão promover o RE-GISTRO de seus títulos e documentos de aquisição, nos termos do art. 41, da Lei nº 6.766, comprovando a quitação;

§ 1º - Quando os contratos de compromisso de venda e compra e cessão(ões) de direitos não contiverem as qualificações necessárias dos compromissário(s) comprador(es) e seu(s) respectivo(s) cônjuges, serão complementados por requerimento assinado pelo interessado, acompa-nhado de cópias autenticadas das cédulas de identidade, CPF e certidão de casamento, quando for o caso;

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§ 2º - A prova de quitação do preço do lote se dará através de termo de quitação assinado pelo loteador, com firma reconhecida ou com a apre-sentação da última parcela do preço avençado, devidamente quitada;

§ 3º - Quanto constar do título que o loteador (es) é (são) representado(s) por procurador, deverá ser apresentada a respectiva prova de represen-tação;

§ 4º - Em qualquer caso, não deve ser exigida a apresentação da CND do INSS e certidão de quitação de tributos federais;

§ 5º - O imposto de transmissão de bens imóveis (ITBI) deverá ser reco-lhido à PMSP antecedentemente ao pedido de registro;

§ 6º - Quando a descrição do lote constante do título foi imperfeita, o Oficial Registrador complementará os dados faltantes, coletados direta-mente da planta “AU”, arquivada na serventia imobiliária;

16. - Caso o título ou os documentos de quitação ostentem imperfeições ou desajustes no que diz respeito aos aspectos ligados à especialidade registrária, poderá o interessado requerer a REVALIDAÇÃO, nos termos do § 13º, do art. 213, da Lei de Registros Públicos, visando habilitá-lo a registro;

Parágrafo único: - Para a revalidação de título o interessado poderá produzir prova documental ou técnica, notificando, se for o caso, o(s) titular(es) do domínio e/ou o empreendedor(es).

Conclusão

As experiências legislativas acima demonstram a necessidade de ela-borar e aprovar instrumentos normativos que facilitem, após o registro do projeto de regularização fundiária, a recepção e registro dos títulos de aquisição dos lotes junto à matrícula correspondente.

Sem dúvida, é fundamental a elaboração de lei própria que discipli-ne a regularização fundiária em todas as espécies e dimensões. É inviável conduzir procedimentos de regularização de loteamentos implantados ir-regularmente, seguindo, basicamente, as mesmas exigências legais para registro de um novo parcelamento do solo.

Para tanto, será necessário considerar não apenas os aspectos urbanís-ticos, mas também os aspectos jurídicos anteriormente apontados.

No que se refere ao registro de contratos, deve-se ainda analisar se a ausência da qualidade formal dos mesmos pode revelar que a alternativa indicada pela Constituição Federal, qual seja a usucapião, não se torna mais adequada, caso estejam presentes os requisitos desse instituto jurídico.

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TAMISO indica ainda um outro caminho jurídico que merece ser ex-perimentado nos procedimento de regularização: trata-se de “buscar-se a regularização dos títulos dos adquirentes, através de sentença substitutiva de von-tade do parcelador, de maneira coletiva, se atendidos alguns requisitos”.

Neste aspecto revela TAMISO:

Do cotejo desses dispositivos com o já citado art. 641 do CPC, conclui-se que, na hipótese de haverem os compradores pago integral-mente o preço avençado, se esquivarem os loteadores de lhes outorgar as escrituras defi-nitivas e não for possível o ingresso dos com-promissos particulares no registro, viável será a obtenção de provimentos jurisdicional equivalente à declaração de vontade injusta-mente negada pelos parceladores.

“Como conseqüência, os lotes serão adjudicados aos adquirentes, de-monstrada a qualidade de compromissário comprador ou cessionário e o pagamento total do preço” (TAMISO, op. cit., p. 322).

Por fim, não obstante toda sorte de dificuldades, é importante, nas etapas da regularização fundiária, inclusive naquelas atinentes ao registro, lançar mão de todos os instrumentos técnicos e jurídicos previstos no or-denamento jurídico do país: as leis específicas já citadas nesse texto, nor-mas da Corregedoria Geral de Justiça do respectivo Estado da Federação, Código Civil Brasileiro e Código de Processo Civil Brasileiro.

Na aula 10 você conhecerá mais sobre a regula-rização fundiária de ocupações em áreas públicas. Verá como essas áreas são classificadas e quais são os requisitos e estratégias para requisitar a Concessão de Uso Especial para fins de Moradia – CUEM. Tam-bém estudará como são os procedimentos de regula-rização fundiária em terras da União.

i Código de Processo Civil, Art. 641 - Condenado o devedor a emitir declaração de vontade, a sentença, uma vez transitada em julgado, produzirá todos os efeitos da declaração não emitida.

Propomos que você realize a se-guinte atividade individual:

Leia a íntegra do artigo Retificação de •Registro, de Venício Antonio de Paula Salles, disponível na Biblioteca Virtual.

Resuma os pontos principais. •

Anote suas dúvidas. •

Exponha suas dúvidas no tópico desta •atividade no Fórum.

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Aula 09

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Aula 09

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Esta aula se divide em duas partes. Na primeira, você verá uma síntese do surgimento, no Brasil, do conceito histórico de terras públicas, como elas se classifi cam e quais são os instrumentos dis-poníveis para regularização fundiária aplicáveis a ocupações de interesse social em áreas municipais e estaduais.Na segunda parte, estudaremos os avanços legais para regulariza-ção de ocupações de interesse social em áreas públicas da União. Você também terá a oportunidade de conhecer as diretrizes da Secretaria do patrimônio da União, quais os instrumentos especí-fi cos de regularização fundiária em áreas da União (aforamento, inscrição de ocupação, permissão, etc.) e quais são os procedi-mentos para efetivação desta regularização fundiária (o passo a passo da regularização em áreas da União).

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Aula 10

Regularização fundiária de ocupações em áreas públicas

Ellade Imparato

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400 ANOS DE FAVELA - Zé Keti

400 anos de favela Sem água, com mágoa 400 anos de favela Sonhando com ela

Arranjou um moço da cidade Hoje ela tem vida melhor 400 anos de favela E eu só levando a pior

400 anos de favela Sem água, com mágoa 400 anos de favela Sonhando com ela

Arranjou um moço da cidade Hoje ela tem vida melhor 400 anos de favela E eu só levando a pior

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Aula 10

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Introdução

O surgimento histórico do conceito de áreas públicas e a necessidade de discriminá-las

Para a colonização das terras brasileiras, Portugal optou por fazer conces-são das terras aqui existentes a fidalgos da corte que, avessos ao trabalho na terra, necessitavam que a labuta fosse feita através da mão-de-obra escrava.

De fato, como aqui não foram no primeiro momento descobertas ja-zidas de metal e pedras preciosas, a metrópole portuguesa precisou en-contrar um mecanismo economicamente viável à ocupação e exploração de suas novas terras. Por outro lado, a mão-de-obra livre implicaria custos que os detentores das concessões de terras não queriam arcar, assim, foi dado início à importação de mão-de-obra escrava africana.

As concessões de terras eram feitas sobre glebas imensas, sem qual-quer precisão de medidas e confrontações, com a obrigatoriedade de cul-tivo no regime conhecido como sesmarias.

As glebas de terra assim concedidas, de forma que os concessionários (sesmeiros) brigassem entre si pelas terras antes de brigarem com a Metró-pole (CIRNE LIMA, 1988), não só acabou criando as bases dos latifúndios como a dificuldade com que até hoje nos defrontamos para a demarcação cartográfica e o registro de nossas terras.

Os séculos se passaram, veio a independência, em 1822, que encontrou as terras do Brasil atreladas às concessões, porém não cultivadas (idem). O fato de que as terras não cultivadas “cairiam em comisso”, ou seja, o ses-meiro perderia a concessão e as terras voltariam à Coroa, nunca foi muito levado a sério e não há na literatura qualquer caso reportado neste sentido.

No século XIX, pressões internacionais e o início da implantação do modelo econômico capitalista tornaram obsoleto o modelo econômico implantado no Brasil a partir do século XVI. No limite, era necessário que o valor econômico fosse transferido à terra para que paulatinamente dei-xasse de ter valor a comercialização de escravos.

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Assim, em 1824, na Constituição do Império, foi reconhecido o direito à propriedade privada, que poderia ser perdida apenas mediante desapro-priação. Para concretizar o direito à propriedade privada, foi editada a Lei de Terras (Lei 601/1850).

Lá foi criado o instituto jurídico das terras devolutas. As terras que não pertencessem a particulares seriam devolvidas ao Poder Público, isto é, à Coroa Imperial brasileira. Foi aberta a possibilidade de importação de mão-de-obra livre para o cultivo de terras.

Para o registro das terras particulares, essa lei criou o Registro Paro-quial. Através do Decreto Imperial que a regulamentou em 1854, ficou assegurado que aqueles que detinham direito às sesmarias deveriam de-clará-las perante o vigário da paróquia competente pelo local onde se se-diavam as concessões declaradas.

Para a constituição de ônus sobre as terras, foi criado o Registro Geral, em 1864, possibilitando o uso da propriedade como garantia para os finan-ciamentos necessários às safras agrícolas. O fato é que este sistema assim criado fez com que os minifúndios que se formaram entre 1822 e 1850 fos-sem eliminados, consagrando os latifúndios. A forma eleita para a demarca-ção de terras devolutas fez com que, ao se chegar à Proclamação da Repúbli-ca, em 1889, essas terras ainda não fossem devidamente conhecidas.

A República reconheceu o Brasil como uma Federação e um Estado laico, portanto, desde logo extinguiu os Registros Paroquiais, instituiu no Registro Geral e o método de Torrens para o registro das transações imo-biliárias. Em 1891, a primeira Constituição republicana transferiu o direito às terras devolutas aos Estados membros da União recém criada. Ocorre que o método de Torrens aqui parcialmente empregado, ou seja, sem a re-presentação cartográfica das terras que registra, por meio de transcrições, conforme prescreve o modelo original australiano, assim como o Registro Paroquial, não trouxe a clareza necessária a estes registros.

Assim, quando o Código Civil de 1916 trouxe a necessidade de serem inscritas nos Registros Imobiliários as transferências de imóveis para ope-rar legalmente a tradição, ou quando reconheceu que são públicas as ter-ras que não pertençam a particulares, não resolveu o problema que o País enfrenta desde as sesmarias, ou seja, a correta individuação dos imóveis.

Desta maneira, até hoje há litígio para a demarcação de terras, quer sejam particulares, quer sejam públicas. De qualquer forma, o Código Ci-

Logo no começo da República, o governo introduziu no País um registro novo, o Registro Torrens, oferecendo-o ao povo como alterna-tiva ao então vigente Registro de Imóveis. Ide-alizado por Robert Ri-chard Torrens e adotado inicialmente na Austrália em 1858, foi estabelecido no Brasil em 1890.No Brasil, veio a subor-dinar-se a um processo misto, principalmente judicial, muito demora-do e dispendioso, com a publicação de editais, custas e outras despesas, só acessível aos ricos.Oferecia uma matrícula ao mesmo tempo cons-titutiva e legitimadora, dotada de força formal (fé pública) em prova absoluta da proprieda-de, mais valiosa do que a inscrição comum, que, por ser apenas constitutiva, não purga os vícios acaso existen-tes na transmissão.Malgrado seu insucesso e desuso, não obstan-te a excelência teórica desse instituto, o Có-digo de Processo Civil de 1939 o restabeleceu, sendo seguido pelo de 1973, que o incluiu en-tre os procedimentos extravagantes que con-tinuam em vigor. Des-caracterizado, conflitu-oso, caro e demorado, só resta ser declarado extinto por lei.Adaptado de PORTO, Ary Eduardo. Aspectos de Dominialidade. A íntegra está disponível na Biblioteca Virtual.

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Aula 10

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vil anterior e o vigente classificaram os bens púbicos, o que nos leva a discorrer sobre sua classificação.

Classificação de áreas públicas

De fato, o Código Civil atual (artigos 98 a 103) dividiu os imóveis pú-blicos em três categorias, de acordo com o uso que se lhes dá, a saber:

uso comum do povo; •

uso específico (ou especial); e •

bens dominicais (patrimoniais ou •dominiais).

No entanto, a histórica divisão entre bens de uso comum do povo, bens de uso específico e bens dominicais, nos termos do artigo 99, incisos I a III do mesmo diploma legal, restou mitigada com a alteração do arti-go 17, da Lei de Licitações (Lei Federal nº 8.666/1993), pela Lei Federal nº 11.481/2007. Ficou permitida sua alienação, independentemente de avaliação prévia e licitação, para os programas de regularização fundiária promovidos por órgãos ou entidades públicas.

A classificação se impõe pelo fato de que os dois primeiros são forte-mente marcados pela finalidade pública que possuem. Contudo, os bens patrimoniais ou dominicais do Estado têm fortes características de direi-to privado e são, em princípio, disponíveis. Todavia, jamais poderão ser adquiridos por usucapião, conforme disposto nos artigos 183, § 3º e 191, parágrafo único, da Constituição Federal.

Os bens de uso comum do povo e os bens especiais, aqui incluídos os bens utilizados pelas autarquias de qualquer dos entes federados, ao interesse do serviço público, como tais continuam inalienáveis, enquanto subsistir a sua destinação. Assim, permanece a necessidade da sua desafe-tação para deixarem de ser bens fora do comércio. Desafetado o bem, o que somente é possível através de lei, ele passará a ter as características de bem dominical ou patrimonial e, como tal, poderá ser alienado.

Por outro lado, o próprio conceito de propriedade alterou-se desde 1824. De fato, a Constituição, em 1988, abandonou definitivamente o pa-radigma individualista do século XIX ao prescrever que a propriedade é

Consulte o Código Civil na Biblioteca Virtual.

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reconhecida como direito do proprietário enquanto este respeitar a sua função social. Todavia, a necessidade que a propriedade imobiliária púbica cumpra sua função social não havia ficado tão clara assim.

Os tímidos sinais dados em 1988 começam a ser aclarados com a pu-blicação, treze anos mais tarde, do Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/2001). Disciplinando os artigos constitucionais que tratam da Po-lítica Urbana, definiu, dentre os instrumentos previstos, o planejamento municipal para o qual enumera entre outros (art. 4º, III) a concessão de uso especial para fins de moradia e a regularização fundiária.

A função social da terra pública ficou mais óbvia com a promulgação da Lei Federal 11.418, em 2007, que prevê medidas para a regularização fundiária de imóveis da União, alterando o dispositivo da Lei Federal nº 8.666/1993, como já mencionado.

Desta forma, não mais restam dúvidas que o ordenamento jurídico pátrio, que havia reconhecido o direito de moradia como direito social (art. 6º, CF), assegura a função social de seu exercício em terras públicas e determina a sua regularização como forma de democratizar o acesso a terra urbanizada.

No entanto, como a afetação é dada pelo uso, se o uso fático é alterado no curso do tempo, a desafetação já estaria feita de fato, em decorrência do novo uso dado àquela coisa pública. Todavia, não é assim que ainda hoje vê nossa jurisprudência que, com Hely Lopes Meirelles, entende que a altera-ção da destinação de bem público deve ser dada por autorização legislativa.

Se a regra é desafetar para permitir outra destinação ao bem público, temos um problema, pois, ao estudar a concessão de uso especial para fins de moradia, verificamos que ela traz um direito subjetivo do possuidor de área pública ao domínio útil sobre ela.

Este instrumento, criado pela Constituição Federal, mencionado pelo Estatuto da Cidade e disciplinado pela Medida Provisória 2220/2001, dá àquele que possui terra pública o direito subjetivo a seu uso, podendo plei-tear seu reconhecimento e receber o domínio útil sobre o bem que possui da forma que abordaremos abaixo.

O fato é que a dimensão da função social da propriedade pública dada pela Constituição de 1988 ainda não foi plenamente absorvida por nossos Egrégios Tribunais.

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Aula 10

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A propósito, nos bens públicos acima referidos, são facilmente indivi-duados aqueles constituídos por prédios ou apartamentos. O mesmo não se dá quando se fala em terras públicas.

As terras públicas podem pertencer ao município, ao Estado, à União, ao Distrito Federal e às suas autarquias e fundações. As terras públicas de domínio a União merecem tratamento diferenciado.

No caso das terras, ainda são muito sentidas as questões acima tratadas, pois as dificuldades registrárias em suas descrições e a corretas descrições dos imóveis e seus limites afetam tanto terras particulares quanto públicas.

De fato, primeiramente, para extremar a área pública da área particu-lar, é preciso discriminá-las. Isso se faz atualmente através da Lei Federal nº 6.383/1976, que regulamenta este procedimento para as terras estadu-ais e federais.

Independentemente de comentar a pouca eficácia dada por esta Lei que substituiu a legislação anterior e, mesmo assim, não obteve a solução definitiva de processos discriminatórios iniciados no Estado de São Paulo nos anos 20, por exemplo, vê-se que, além da classificação dada às áreas públicas devido a sua destinação, outra classificação é dada pelo ente fede-rado ao qual pertençam.

Assim, as terras públicas podem pertencer ao município, ao Estado, à União, ao Distrito Federal e às suas autarquias e fundações. As terras pú-blicas de domínio da União merecem tratamento diferenciado e, por isto, são tratadas na segunda parte deste artigo.

Em princípio, os entes federados podem adquirir imóveis por quais-quer das formas de aquisição de propriedade dadas pela legislação civil (Código Civil, artigo 1.238 e seguintes). Ocorre que o município recebe áreas públicas a partir do parcelamento do solo feito em seu território.

Assim, são municipais as áreas com destinações públicas, sejam áreas verdes, institucionais e o viário em loteamentos aprovados e implantados nos termos da Lei Federal nº 6.766/1979. Da mesma forma, são estaduais as faixas não edificantes às margens das rodovias estaduais.

De qualquer forma, é importante notar que, para a regularização fun-diária plena, ou seja, aquela que possibilite o registro dos títulos de domí-nio útil ou pleno outorgado, além da desafetação, a área deverá estar des-crita em uma matrícula no Cartório de Registro de Imóveis responsável pela circunscrição territorial na qual estiver localizada.

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A partir desta análise e exposição de pressupostos, vamos abordar os instrumentos utilizados para a regularização em áreas públicas municipais e estaduais.

Instrumentos de Regularização Fundiária em áreas públicas municipais e estaduais

Existem vários instrumentos jurídicos que podem ser utilizados para a regularização de áreas públicas municipais e estaduais.

Primeiramente, devemos ponderar sobre a desapropriação como ins-trumento que utilizado muitas vezes para regularizar ocupações em ter-ras particulares e para a implantação, pelo Poder Público, de habitação de interesse social.

De fato, desde 1941, com a publicação do Decreto-lei nº 3.365, que dis-pôs sobre a desapropriação por utilidade pública, é possível desapropriar áreas para a implantação de loteamentos.

Somente a partir de 1962, com a Lei Federal nº 4.132, a desapropriação por interesse social passou a ser utilizada “para promover a justa distribui-ção da propriedade ou condicionar seu uso ao bem estar social” (Art. 1º), fortalecendo a idéia de desapropriar para fins de regularização fundiária.

Em seu artigo 2º, esta Lei considerou de interesse social para fins de fomentar a moradia: o aproveitamento de todo bem improdutivo ou ex-plorado sem correspondência com as necessidades de habitação, traba-lho e consumo dos centros de população a que deve ou possa suprir por seu destino econômico; a manutenção de posseiros em terrenos urbanos onde, com a tolerância expressa ou tácita do proprietário, tenham cons-truído sua habitação, formando núcleos residenciais de mais de dez famí-lias; e a construção de casas populares.

Aquela Lei determinou ainda que, uma vez decretada, o Poder Públi-co tem o prazo de dois anos para fazer o depósito prévio (normalmente o valor venal do imóvel) ou pagar o valor acordado com o expropriado (na hipótese de desapropriação amigável), e dar ao imóvel o destino que moveu o decreto expropriatório.

O depósito prévio, comprovado em Juízo, faz com que seja determina-da a imissão provisória na posse, que deverá ser registrada na matrícula do imóvel no Registro competente para que produza efeitos jurídicos. Com

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Aula 10

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a imissão provisória na posse, o expropriante poderá, para fins de regula-rização fundiária ou implantação de projetos habitacionais, outorgar aos beneficiários a cessão ou promessa de cessão da posse, que poderá ser registrada. Uma vez finalizado o processo de desapropriação, a proprieda-de plena deverá ser automaticamente transmitida pelo expropriante aos cessionários.

A possibilidade de registro da imissão provisória na posse e a respec-tiva cessão ou promessa de cessão consta da Lei Federal nº 6.766 de 1979, após modificação realizada em 1999.

Por outro lado, na hipótese da área municipal ou estadual ser pública, independentemente de desapropriação prévia, o instrumento utilizado historicamente para a regularização de assentamentos é a Concessão de Direito Real de Uso (CDRU).

A CDRU, criada e regulamentada pelo Decreto-lei nº 267 de 1979, é o instrumento que possibilita ao proprietário de um imóvel ceder o domí-nio útil a um terceiro interessado. Em que pese ao fato de ser aplicável a áreas públicas e particulares, vem sido utilizada para áreas públicas.

É direito real sobre coisa alheia, em que o proprietário de uma área (ce-dente) outorga a terceiro (cessionário), por meio de contrato gratuito ou oneroso, o direito de usar o seu imóvel por prazo determinado ou indeter-minado, da forma estipulada no contrato. Desta forma, é resolúvel, tanto pelo descumprimento das condições contratuais quanto pelo decurso do prazo estipulado.

Quando o cedente for o Poder Público, a outorga do direito pode ser feita por meio de Termo Administrativo, que deverá ser lavrado nos ter-mos previstos na legislação vigente para outorga e registro da CDRU. Por exemplo, se o outorgante for o município, deve ser consultada a legislação municipal para respaldar e formalizar a outorga. Quando a CDRU for feita para fins de regularização fundiária, a legislação federal (Lei nº 8.666 de 1993) expressamente autoriza a dispensa de licitação.

O Estatuto da Cidade revitalizou este instrumento ao estabelecer, em seu artigo 48, que, quando utilizados pelo Poder Público em programas para fins habitacionais de interesse social, os contratos de CDRU terão caráter de escritura pública e constituirão título de aceitação obrigatória para financiamentos habitacionais, desde que registrados no Cartório

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de Registro de Imóveis competente. A Lei Federal nº 11.481 de 2007 con-solidou a possibilidade de utilização da CDRU como garantia para os fi-nanciamentos habitacionais.

O instrumento criado pela Constituição Federal para a regularização da moradia em terras públicas foi a Concessão de Uso Especial para fins de Moradia (CUEM). Por seu caráter inovador e pelas conseqüentes controvér-sias que tem despertado, segue comentada no próximo capítulo desta aula.

Outro instrumento para a regularização fundiária de terras públicas é o direito de superfície, que, incluído no conjunto de instrumentos de regula-rização fundiária do Estatuto da Cidade (artigos nº 21 a nº 24), foi também previsto em título específico no Código Civil (artigos nº 1.369 a nº 1.377).

Nos termos da legislação, pode ser empregado tanto para regularizar ocupações em áreas particulares como em áreas públicas, dando ao superfi-ciário – beneficiário do direito de superfície – o direito de uso da área, da for-ma estipulada no contrato, desde que respeitada a legislação urbanística.

É direito real o que o proprietário do imóvel cede ao superficiário o di-reito de uso do solo, subsolo e espaço aéreo do terreno através de contrato feito necessariamente por Escritura Pública a ser registrada no cartório de registro de imóveis. Poderá estabelecer a cessão do direito de superfície a título oneroso ou gratuito, por tempo determinado ou indeterminado.

Normalmente, o superficiário responde por todos os tributos que inci-direm sobre o imóvel, a não ser que o contrato estipule forma diversa. E, respeitadas as estipulações contratuais, poderá ser transferido a terceiros e será transferido aos herdeiros no caso de morte do superficiário. Na alie-nação do direito de propriedade, deverá ser dada preferência ao superfici-ário, ao passo que, na alienação do direito de superfície, deverá ser dada preferência ao proprietário do imóvel.

O direito extingue-se pelo advento do termo ou pelo descumprimento por parte do superficiário de suas obrigações contratuais. Extinto o con-trato, o fato deverá ser averbado no registro imobiliário e o proprietário recuperará o domínio pleno sobre o imóvel e as acessões que tiverem sido feitas sobre o imóvel, com ou sem indenização, conforme o contratado.

Consulte a íntegra da MP nº 2.220/01 e da Lei

6.766/79 no CD-ROM da Biblioteca Jurídica, na parte Normas Constitucionais e Legislação Aplicável

à Regularização Fundiária Plena.

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Aula 10

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O direito de superfície pode ser dado em garantia, para fins de finan-ciamentos habitacionais, desde que respeitado o seu prazo de vigência. Extinto o contrato, o fato deverá ser averbado no registro imobiliário e o proprietário recuperará o domínio pleno sobre o imóvel.

A alienação dos bens públicos imóveis é admitida para os bens que integram a categoria dos bens dominicais, devendo atender, como já men-cionado, às disposições da Lei de Licitações (Lei Federal nº 8.666 de 1993) que dispensa o processo licitatório para fins de regularização fundiária promovida por órgãos ou entes públicos.

De fato, a Lei Federal nº 11.481, de 2007, alterou a Lei de Licitações e acrescentou a dispensa de licitação de imóveis da administração pública, destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habita-cionais ou de regularização fundiária de interesse social nos casos de alie-nação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis.

Assim, revigorada a possibilidade de alienar bens públicos, acredita-mos que a alienação será um instrumento muito utilizado na regulariza-ção fundiária, até porque os entes federados têm dificuldade de gerenciar os contratos oriundos dos processos de regularização fundiária.

Outro instrumento passível de ser usado para a regularização fundiária de áreas públicas municipais e estaduais é a doação. Trata-se de instituto do Direito Civil e é o contrato pelo qual uma pessoa (o doador), por liberalida-de, transfere um bem do seu patrimônio a um donatário que o aceita.

A Administração Pública pode fazer doações de bens imóveis, desde que sejam de uso dominical, e comumente o faz para incentivar ações de interesse social, como a regularização fundiária.

Existem dois tipos de doação: a simples, sem encargos, e a doação com encargos. As doações simples dependem de autorização legislativa que estabeleça as condições para sua efetivação e de avaliação prévia do bem a ser doado. Na doação com encargos, além dos requisitos já menciona-dos, será possível realizar licitação, e, de qualquer forma, o instrumento contratual deverá conter, obrigatoriamente, os encargos, o prazo de seu cumprimento e cláusula de revisão, sob pena de nulidade do ato.

Bens públicos de uso comum do povo - são os bens disponíveis a todos sem distinção, não necessitando de autorização do Estado para uso e gozo. Exem-plo: parques, praças, rios, praias. Bens públicos de uso es-pecial – são os bens com uma destinação pública específica, não podendo ser usados livremente pela população. Exem-plo: prédios das reparti-ções públicas. Bens de uso domini-cal ou bens de uso do-miniais – são os bens pertencentes à Aadmi-nistração pública do Estado, que não se des-tinam nem ao uso co-mum, nem ao uso es-pecial. Exemplo: ilhas e terras da marinha. Afetação – a afetação de bem público se dá pela transformação da sua destinaçãoDesafetação – oposto de afetação. Ela se dá quando a destinação de determinado bem é re-tirada e este passa a ser de uso dominical.

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Por outro lado, considerando o marco legal que incide sobre a ma-téria, a possibilidade de utilização da adjudicação compulsória deve ser lembrada. Esta possibilidade passa a existir sempre que o comprador pos-sui um documento que comprova que adquiriu e pagou pelo imóvel, mas não possui a sua escritura. A partir desta comprovação, é proposta uma ação judicial e o juiz decide pela adjudicação compulsória e o registro do imóvel em nome do comprador. A adjudicação só gerará registro se o imóvel adquirido for regular, isto é, se previamente existir matrícula ou transcrição em nome do vendedor.

Assim, a adjudicação compulsória poderá ser exigida pelo Poder Públi-co sempre que, terminado o pagamento de determinado bem imóvel em processo de desapropriação, não obtiver sua escritura do expropriado.

Ainda, cabe ao comprador de imóvel alienado pelo Poder Público que ao final do pagamento este lhe adjudique a Escritura de venda e compra do imóvel quitado.

No entanto, o instrumento jurídico mais peculiar e inovador para a regularização fundiária em terras particulares é a Concessão de Uso Es-pecial para fins de Moradia (CUEM).

Requisitos e estratégias para requisição administrativa e judicial para a Concessão de Uso Especial para fins de Moradia (CUEM)

A Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia (CUEM) é um ins-trumento para regularização fundiária em áreas públicas urbanas, criado juntamente com a usucapião urbana, pelo Artigo 183 da Constituição Fe-deral, que, elencada entre os instrumentos jurídicos da política urbana pelo Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.247/2001), foi disciplinada pela Medida Provisória nº 2.220 de 2001.

Sua origem se deu diante da constatação pelo legislador constituinte de que, ao vetar a usucapião de áreas públicas, poderia estar tratando dois possuidores na mesma situação de maneira diferente.

A CUEM é gratuita, pode ser adquirida por cadeia sucessória ou por herança, pode ser transmitida por ato inter vivos através de ven-da ou doação e pode ser oferecida como garantia para financiamen-tos habitacionais.

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Assim, o possuidor de área particular que ocupasse como seu um imó-vel urbano para fins de moradia, uma vez cumpridas as determinações legais, adquiriria o domínio daquela área, enquanto o possuidor de área pública nenhum direito subjetivo teria à sua moradia.

Esta constatação é tanto mais verdade quando verificamos a realidade fundiária dos assentamentos informais que muitas vezes são implantados parte em área privada, parte em área pública.

No entanto, o direito à CUEM ficou limitado às posses anteriores a 30 de ju-nho de 2001, nos termos da Medida Provisória nº 2220/2001. Há quem conteste a fixação da data, que aparentemente fere a vontade do legislador constituinte, todavia desconhecemos a propositura de ação direta de inconstitucionalidade.

De qualquer forma, o morador que comprovar a posse de área pú-blica, de forma mansa e pacífica, ininterrupta, de cinco anos anteriores à data de 30 de junho de 2001, deverá ter este direito reconhecido pelo Poder Público por meio de emissão de título administrativo. É necessário também que o morador não seja proprietário ou concessionário de outro imóvel urbano ou rural.

Na forma individual, a área ocupada para fins de moradia não poderá ser superior a 250 m². Na forma coletiva, será atribuída fração ideal de ter-reno igual a cada possuidor independentemente da área ocupada, desde que cada fração ideal não seja superior a 250 m².

É possível requerer a CUEM coletiva sempre que mais de duas famílias ocuparem a mesma área pública em regime de composse, ou seja, sem que seja possível individuar lotes de terreno.

A CUEM é gratuita, pode ser adquirida por cadeia sucessória ou por herança, pode ser transmitida por ato inter vivos através de venda ou doa-ção e pode ser oferecida como garantia para financiamentos habitacionais nos termos da Lei Federal nº 11.481 de 2007.

O Poder Público deve garantir novo local de moradia ao possuidor quando o local de ocupação acarretar risco de vida ou à saúde deste e de sua família. Nos casos em que a área ocupada for:

de uso comum do povo; •

estiver destinada a projeto de urbanização; •

de interesse da defesa nacional; •

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de preservação ambiental ou de preservação de ecossistemas; •

reservada à construção de represas ou obras congêneres; •

ou se estiver situada em via de comunicação, •

O Poder Público poderá optar entre garantir o direito no próprio local de moradia ou assegurar ao morador o exercício deste direito em outro local. A concessão será extinta se o concessionário der outro uso à área ou se adquirir outro imóvel urbano ou rural.

A concessão é um direito real subjetivo e, em princípio, deve ser reque-rida à administração pública por via administrativa, que tem o prazo de até um ano para concedê-la. Em caso de resposta negativa ou de ausência de resposta, deve ser requerida em Juízo.

Todavia, nada impede que o pedido seja requerido diretamente ao Judiciário se houver resistência aparente da municipalidade em aceitar o pedido de reconhecimento do direito, pois nenhuma lesão ou ameaça a direito poderá ser subtraída do exame do Poder Judiciário.

Se área pública pertencer ao Estado ou à União, o interessado deverá requerer Certidão à municipalidade para que ateste o fato e, assim, requer o reconhecimento de seu direito perante o Estado e a União.

Como direito real, o título de CUEM pode ser registrado no Cartório de Registro de Imóveis competente. O que se dará somente nos casos em que o parcelamento do imóvel sobre o qual se localiza o assentamento estiver devidamente inscrito no Cartório de Registro de Imóveis compe-tente por aquela circunscrição.

É importante notar, ainda, que, se de um lado o Poder Público tem a obrigação de reconhecer o direito à moradia, uma vez que se demonstre o cumprimento dos requisitos legais acima expostos, tem a faculdade de autorizar o funcionamento dos pequenos negócios existentes em ocupa-ções de áreas públicas.

Trata-se de questão muito relevante, porque é natural que nos assen-tamentos informais se formem pequenos negócios que garantam a subsis-tência de parte das famílias moradoras.

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A grande novidade a respeito da CUEM é a publica-ção, em 28 de janeiro de 2008, da Instrução Normativa nº 2, da Secretaria do Patrimônio da União, que trata do procedimento para CUEM e autorização de uso de imóveis da União.

Em que pese o fato de essa Instrução ser obrigató-ria apenas para os servidores daquela Secretaria, para os municípios e os estados que não tenham sua regula-mentação própria ela deverá ser seguida com a motiva-ção que é necessária a todos os atos administrativos.

Considerações finais

A regularização fundiária há de ser vista como uma política pública curativa, todavia absolutamente necessária para o resgate da cidadania e para que se assegure o direito à cidade a todos os brasileiros.

Fala-se em política pública curativa na medida em que é finita, no sen-tido em que deverão ser produzidas habitações legais acessíveis à popula-ção de baixa renda, possibilitando que esta possa deixar de se assentar de maneira informal em nossas cidades.

No entanto, enquanto isso não ocorre, há um imenso passivo de in-formalidade a ser resgatado através da política pública de regularização fundiária. Por outro lado, não se pode falar em regularização fundiária se não pensarmos na regularização de áreas públicas, sejam elas da União, dos estados, dos municípios ou do Distrito Federal.

Propomos que você pesquise como a CUEM está sendo empre-gada na reforma urbana. Em segui-da, troque idéias com seus colegas no tó-pico específico para esta atividade criado no Fórum do AVEA.

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Aula 10

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Aula 10

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Publicações institucionais

Boletim do IRIB – Instituto Imobiliário do Brasil n. 309, São Paulo, mar-ço/abril de 2003,

Estatuto da Cidade, Brasília, Caixa Econômica Federal, 2001

Land Lines, Cambridge, MA, EUA, Instituto Lincoln de Políticas Fundiá-rias, janeiro de 2006.

Projeto Orla - Conduzido pelo Ministério do Meio Ambiente (Secretaria de Qualidade Ambiental nos Assentamentos Humanos) e Secretaria do Patri-mônio da União do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão:

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Parte II: Regularização fundiária de interesse social em áreas da União

Alexandra ReschkeCamila AgustiniPatrícia de Menezes CardosoSimone Gueresi

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Introdução

Os imóveis da União

Com a promulgação da Lei de Terras (Lei nº 601, de 1850) e o poste-rior Decreto nº 1.318, de 1854, estabeleceu-se um sistema de legitimação de posses, o que acabou por ser o marco inicial da primeira grande tenta-tiva de promover a regularização do uso das terras no Brasil.

Desde então, a doutrina jurídica e a legislação brasileiras evoluíram no sentido de definir como públicas as áreas que apresentavam alguma razão de relevante interesse público para tanto.

Desta forma, não é por acaso que, hoje, o art. 20 da Constituição Fe-deral define os bens que pertencem à União:

I - os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos;

II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das forti-ficações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei;

III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu do-mínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais;

IV - as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 2005.)

V - os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva;

VI - o mar territorial;

VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos;

VIII - os potenciais de energia hidráulica;

IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo;

X - as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos;

XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.

Ressalte-se, também, o fato de que os imóveis públicos federais podem ser classificados em três tipos:

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bens de uso comum do povo1. , ou seja, aqueles que são afetados como necessários à coletividade, como rios, praças, ruas, praias, etc., e que, por isso, devem ser do uso de todos os cidadãos;

bens especiais2. , ou seja, aqueles que são afetados ao interesse do servi-ço público, como os prédios das repartições públicas, os fortes, etc.; e

bens dominiais3. , que são aqueles que não têm destinação definida e que, por esta razão, podem ser transacionados pela União e disponibi-lizados para uso privado, se for o caso.

É à luz do dispositivo constitucional e da classificação dos bens públi-cos que se deve compreender o processo de regularização fundiária nos imóveis da União. Primeiro, porque a análise apurada da especificação dos bens que pertencem à União na Constituição revela uma série de razões que justifica manter o domínio público daquelas áreas. Quanto à classifi-cação em uso comum, especial ou dominial, entender em qual tipo se enquadra determinado imóvel ocupado que se pretende regularizar é o primeiro passo para que a regularização seja possível, já que, quando se tratar de ocupação em bens de uso comum do povo ou de bens especiais, o projeto de regularização poderá ter que trabalhar com alternativas de realocação da popu-lação ocupante ou de desafetação daqueles bens.

Como se vê, os bens da União vêm definidos como bens públicos fe-derais porque representam interesses ambientais, urbanísticos, de defesa de direitos, e outros interesses estratégicos para a Nação. A manutenção dos terrenos de marinha no domínio público, por exemplo, visa, acima de tudo, manter como acessível, à totalidade da população, áreas de uso comum do povo e preservar – numa análise mais abrangente e integrada, dos pontos de vista patrimonial, ambiental, econômico e social, da ocupa-ção dessas regiões –, garantindo um controle do Poder Público.

É de se destacar que é nesse mesmo sentido que tem se orientado a ação governamental dos demais países no mundo. A Inglaterra, por exem-plo, começa, agora, a desapropriar propriedades localizadas ao longo de sua costa marítima, a fim de constituir um patrimônio público nacional protegido da especulação imobiliária e de forma a garantir a proteção am-biental dessas áreas, fundamentais para a sustentabilidade da sociedade.

Você tem conhecimento de algum exemplo concreto em que tenha havido (ou não) a regularização de ocupação em terra pública federal? A so-lução, se encontrada, foi satisfatória? Caso não tenha havido solução, o que impediu? Que tal compartilhar suas descobertas e conhecer as dos colegas no Fórum?

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Finalmente, deve-se lembrar, sempre, que os bens definidos pela Constituição como de propriedade da União são de to-dos os brasileiros e que qualquer um que se utilize deles de maneira exclusiva terá, de certa forma, posição privilegiada em relação aos demais cidadãos. É por isto que, em muitos casos, a União estabelece a cobrança das chamadas receitas patri-moniais. São contraprestações devidas pelos particulares pelo uso privilegiado de bens que são de todos.

Feitas estas considerações, passamos a indicar as principais premissas que têm orientado a ação de regularização fundiária dos assentamentos informais localizados nos imóveis que se enquadram na definição do art. 20 constitucional, empreendida pela Secretaria do Patrimônio da União, apontando, principalmente, alguns avanços recentes na matéria.

Novo paradigma da gestão do patrimônio da União: a efetivação da função socioambiental dos imóveis da União

A efetivação da função social é elemento integrador do direito funda-mental de propriedade (art. 5º, XXII, CF/88), sem a qual a propriedade perde sua proteção jurídica. Ao mesmo tempo, é princípio constitucional norteador da ordem econômica nacional (art. 170, III, 182 e 186, CF/88).

A gestão da propriedade pública se orienta pelas determinações cons-titucionais, tanto quanto a gestão da propriedade privada. O fato de a pro-priedade ser pública não garante, por si só, o cumprimento da função so-cial, que depende, sim, da finalidade da utilização dos imóveis públicos.

Os imóveis da União devem contribuir para a redução das desigual-dades sociais e territoriais, e para a promoção da justiça social (art. 3º, III e IV, CF/88), garantindo direitos sociais (art. 6º, CF/88), como o direito à moradia digna; protegendo o meio ambiente e o patrimônio histórico-cultural; apoiando o incremento ao desenvolvimento local e nacional; e promovendo a expansão e a melhoria de oferta dos serviços públicos.

i As receitas patrimoniais são as seguintes:

foro – contrapartida financeira anual relativa ao exercício do domínio útil em área da União autori-zada pelo aforamento;

laudêmio – taxa de 5% do valor da transferência dos direitos de aforamento ou de ocupação e

taxa de ocupação – relativa à contrapartida anual devida pelos ocupantes inscritos na SPU.

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À luz dos ensinamentos do jurista Eros Grau (1977), “a concepção ro-mana, que justifica a propriedade pela origem (família, dote, estabilidade dos patrimônios), sucumbe diante da concepção aristotélica, finalista, que a justifica pelo seu fim, seus serviços, sua função”. A função social dos imóveis da União é determinada por sua efetiva utilização, ao mesmo tempo em que é requisito indispensável à existência do direito de propriedade da União e dos direitos de uso sobre bens da União.

Segundo Eros Grau (1982, p. 240 a 245), a função indica um poder-dever, “o condicionamento do poder – que seria o direito de propriedade – a uma finalidade – atendimento à função social e não só aos interesses individuais do proprietário. Isso impõe ao proprietário o dever de exercê-lo em benefí-cio de outrem e não, apenas, de não o exercer em prejuízo de outrem.”

O princípio da função social da propriedade exige comportamentos positivos do Poder Público, concretizados pela implementação de polí-ticas públicas de inclusão sócio-territorial e promoção de direitos funda-mentais. Nessa perspectiva, os programas de regularização fundiária e de provisão de habitação de interesse social compõem dever do Estado em relação à promoção do direito à moradia da população de menor renda, competência comum à União, aos estados, aos municípios e ao Distrito Federal (art. 23, IIX, CF/88). O que, por sua vez, contribui para a efetiva-ção de objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil (Art. 3º, I, III e IV da CF/88).

A regularização fundiária, como diretriz geral da política urbana (Lei nº 10.257/2001, art. 2º, XIV) rompe, também, com certa lógica de atuação do Estado restrita ao exercício do poder de polícia em áreas de assenta-mento informal de interesse social. Ao contrário, a nova ordem legal exige que sejam definidas normas com padrões especiais para que se viabilize regularização de favelas, garantindo segurança na posse daquela popula-ção que tradicionalmente foi alvo de ações violentas de despejo.

Ainda segundo os valiosos ensinamentos de Eros Grau, “a proprieda-de dotada de função social, que não esteja a cumpri-la, já não será mais objeto de proteção jurídica (...)”. Isso significa que não há fundamento jurídico a atribuir direito de propriedade ao titular do bem (propriedade) que não cumprir sua função social (1990, p. 316).

No mesmo sentido, manifesta-se José Afonso da Silva (1999, p. 286), ao entender que a função social é elemento estruturador do direito de propriedade, sendo, por isso, “elemento qualificante na predeterminação dos modos de aquisição, gozo e utilização dos bens”.

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O reconhecimento do direito à concessão de uso especial para fins de moradia em imóveis da União ocupados e a consagração do abandono como causa extintiva do aforamento são exemplos das conseqüências do fato de que a propriedade pública federal ou parte de seus atributos (como o direito de uso, ocupação, domínio útil) deixa de ser protegida juridica-mente de forma integral. Originam-se direitos reais àqueles que exerceram a posse que, cumpridos os requisitos legais, passam a gozar de segurança jurídica da posse.

A promulgação da Lei nº 11.481, de 31 de maio de 2007, propiciou avanços na consolidação da função social como elemento norteador das ações de regu-larização fundiária de assentamentos de baixa renda em imóveis da União.

Os princípios constitucionais referidos fundamentaram a redefinição da missão institucional, iniciada em 2003, da Secretaria do Patrimônio da União (SPU), responsável pela gestão dos imóveis públicos federais, ligada ao Ministério de Planejamento, Orçamento e Gestão. Cabe, por-tanto, à SPU “conhecer, zelar e garantir que cada imóvel cumpra sua função

socioambiental, em harmonia com a fun-ção arrecadadora, em apoio aos programas estratégicos da Nação”. Vale ressaltar que a missão redefinida expressa com clare-za que a promoção do cumprimento da função social do patrimônio da União envolve a harmonização e a conjugação de interesses diversos.

Especificamente no que se refere à garantia do direito social à mora-dia, destaca-se que a definição da regularização fundiária e da urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda como diretriz da política nacional de desenvolvimento urbano, considerando a situação socioeco-nômica da população e as normas ambientais (art. 2º, XIV, Estatuto da Ci-dade – Lei nº 10.257/2001), eleva a regularização a uma das prioridades do Governo Federal e, obviamente, da atuação da SPU. Da mesma forma, a utilização prioritária de terras públicas para habitação de interesse social, estabelecida como diretriz do Sistema Nacional de Habitação de Interesse

Abandono - assim en-tendido como a ocor-rência de ocupação por população de baixa renda de área aforada

Regulamentado pela MP nº 2.220/2001 e art. 22-A da Lei nº 9.636/98. Leia a íntegra da lei na

Biblioteca Virtual.

Art. 103, IV do Decreto nº 9.760/46, alterado pela Lei nº 11.481/2007. Confira na Biblioteca Virtual.

i Art. 1º, I, Portaria nº 232 de 03/08/2005, Regimento Interno da Secretaria de Patrimônio da União. A ín-tegra está disponível na Biblioteca Virtual.

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Social (art. 4º, II, c, Lei nº 11.124/2005), também vincula a ação da Secre-taria, responsável pela gestão das terras de propriedade da União.

Ao mesmo tempo, a exigência de

espaços institucionais para desenvolvimento das atividades dos órgãos •da Administração Pública Federal;

a salvaguarda de interesses de segurança nacional e militares; •

a proteção dos diferentes grupos étnicos – cuja cultura, expressão, pro- •dução e modo de vida constituem patrimônio cultural nacional;

a conservação ambiental; •

a exploração sustentável de recursos naturais estratégicos; •

os empreendimentos de infra-estrutura de energia e transporte; •

a proliferação de ocupações e empreendimentos turísticos em praias, •ilhas, rios e lagoas.

São exemplos da diversidade de interesses sobre as terras da União, muitas vezes em disputa, que devem ser consideradas na análise sobre qual a melhor destinação a ser dada a determinado imóvel.

A possibilidade de arrecadação de receitas patrimoniais pelo uso dos imóveis da União está situada no âmbito do cumprimento da função so-cial do patrimônio público, garantindo-se a utilização justa e razoável des-ses imóveis. A utilização privada de um imóvel público, de acordo com sua vocação para o desenvolvimento sustentável da cidade, exige a cobrança financeira pela utilização desse patrimônio, exceto em áreas cuja finalida-de seja o reconhecimento e a garantia de direitos sociais e difusos, nas quais a utilização será gratuita.

A função social da propriedade rural é definida na Constituição (pro-dutividade, respeito ao meio ambiente e aos direitos do trabalhador). A da propriedade urbana, ainda segundo a Constituição, deve ser estabelecida na lei do Plano Diretor Municipal. A definição do cumprimento da função social sempre terá como componente a dimensão local. Em muitos casos e, especialmente, em se tratando do patrimônio da União, sempre serão ponderados, também, aspectos relevantes do ponto de vista nacional na destinação desses bens.

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São estratégias de gestão do patrimônio o reforço à colaboração fe-derativa e a consolidação da gestão compartilhada – com outros órgãos federais, outras esferas de governo e sociedade civil, especialmente as par-celas da população historicamente privadas do acesso à terra. Esses fatores são decisivos para concretizar usos adequados ao interesse público e em benefício da coletividade.

Avanços no marco legal dos bens da União e o passo a passo da regularização fundiária

A regularização fundiária de interesse social dos imóveis da União tem sido conduzida por meio da articulação de cinco eixos, integrando aspectos

administrativos1.

cadastrais2.

urbanístico-ambientais3.

jurídico-cartoriais e4.

de gestão democrática. 5.

Ao final, devem resultar na garantia plena do direito à moradia digna como componente de cidades sustentáveis.

Seguindo esses cinco eixos, o passo a passo da regularização fundiária dos imóveis da União deve ser procedido de acordo com os princípios da administração pública (legalidade, impessoalidade, moralidade, publici-dade e eficiência), contemplando a participação dos beneficiários finais na elaboração, gestão e no monitoramento dos programas e projetos de intervenção na área.

No aspecto da gestão democrática dos bens da União, a realização de audi-ências e consultas públicas, a formalização de grupos de trabalho ou comitê gestores e a elaboração participativa de planos de trabalho são ferramentas importantes a disposição das Gerências Regionais, que permeiam todos os outros eixos da ação.

A regularização de inte-resse social em imóveis da União é entendida como aquela destinada à população de menor renda – com rendi-mentos mensais de até cinco salários mínimos – nos termos da Lei nº 11.481, de 2007.

A Secretaria do Patrimônio da União é estruturada por um ór-gão central em Brasília e Gerências Regionais do Patrimônio da União localizadas em cada um dos 26 estados brasileiros e

Distrito Federal. Para conhecer mais sobre a SPU, visite http://www.spu.planejamento.gov.br (endereço acessado em 09/04/2008).@

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Aula 10

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Da mesma forma, a cooperação federativa e a gestão compartilhada dos programas de regularização são os meios pelos quais o órgão central e as 27 Gerências Regionais do Patrimônio da União da SPU, em conjunto com mu-nicípios, estados e Distrito Federal, buscam, de forma descentralizada e em articulação com programas federais afins, promover a gestão do patrimônio da União, orientada pelo cumprimento da função social da propriedade.

Cabe aqui lembrar que entidades privadas sem fins lucrativos que desempenham relevante função pública (universidades, associações pro-fissionais, movimentos populares, ONGs, etc.) ou órgãos auxiliares da Justiça (como o Ministério Público e a Defensoria Pública, por exemplo) também são importantes parceiros dessa política.

No eixo dos procedimentos administrativos, situam-se tanto as deci-sões e trâmites quanto o registro documental, específicos da Administra-ção. Inicia-se com a manifestação de interesse através do protocolo de pe-dido de regularização em nome dos interessados, que podem ser pessoas físicas (ex. moradores, famílias) ou pessoas jurídicas (ex.: associações, co-operativas, prefeitura, Governo do Estado, etc.), perante a SPU ou com a identificação da demanda pela própria SPU. Esta fase inicial compreende:

o diagnóstico do assentamento; •

a instrução e análise processual; •

a escolha dos instrumentos de regularização; •

a emissão de pareceres pelas Gerências Regionais do Patrimônio da •União (GRPUs) e

a autorização da transferência de direitos sobre os imóveis a órgãos •públicos e aos beneficiários finais, de forma individual ou coletiva.

No que diz respeito aos instrumentos de transferência de direitos so-bre os imóveis da União, a Lei nº 11.481/2007 reconheceu a aplicabilida-de da Concessão de Uso Especial para Fins de Moradia (art. 22-A, Lei nº 9.636/1998) e da Concessão de Direito Real de Uso (CDRU), prevista no art. 7º do Decreto-lei nº 271/1967), como importantes instrumentos de regularização fundiária. Ampliou-se, também, o rol de situações em que há faculdade de aplicação da CDRU, incluindo associações e cooperativas de interesse público, bem como as comunidades tradicionais.

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A cessão de imóveis da União poderá se dar, desta forma, sob o regime da concessão de direito real de uso (CDRU), aplicável inclusive aos terre-nos de marinha e acrescidos, dispensando-se o procedimento licitatório para associações e cooperativas consideradas de interesse público ou so-cial, ou ainda de aproveitamento econômico de interesse nacional (altera-ção feita no art. 18, II, § 1º, da Lei nº 9.636/98). A CDRU é concedida de forma resolúvel.

Além disto, em relação aos imóveis ocupados para fins de moradia ou não utilizados entregues pela SPU a órgãos da Administração Pública Federal, havendo interesse público na utilização destes bens para fins de implantação de programa ou ações de regularização fundiária ou para ti-tulação em áreas ocupadas por comunidades tradicionais, a SPU fica auto-rizada a reaver o imóvel por meio de ato de cancelamento da entrega (art. 7º, § 5º e §6º, Decreto nº 9.760/46).

Em todos esses casos, excetuam-se, na Lei, os bens imóveis da União que estejam sob a administração do Ministério da Defesa e dos Coman-dos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, ainda que ocupados para utilização diversa da finalidade dos órgãos. A Secretaria do Patrimônio da União tem promovido discussões, caso a caso, com o Ministério da Defesa, a fim de garantir que todos os imóveis públicos federais tenham a destinação mais adequada ao cumprimento de sua função social. Ressal-

te-se, aqui, a existência de um acordo de cooperação técnica entre Exército, SPU e Ministério das Cidades, assinado em 2005 e prorrogado em 2007, com vistas a promo-ver a regularização fundiária das áreas sob jurisdição do primeiro que estejam ocupa-das por população de baixa renda.

Merece destaque, também, a alteração da Lei de Licitações, possibili-tando a dispensa de licitação nos casos de alienação gratuita ou onerosa, aforamento, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis residenciais ou comerciais de âmbito local (até 250 m2), destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacio-nais ou de regularização fundiária de interesse social desenvolvidos por órgãos ou entidades da administração pública (art. 17, I, alíneas b, f e h da Lei nº 8.666/1993).

Isto significa que, se não cumprida a finali-dade expressa no con-trato a que se destina, a concessão da área da União será automatica-mente extinta.

Propomos a seguinte atividade:

Fazer leitura do Manual de Regularização Fundiá-ria em Terras da União na Biblioteca Virtual.

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Aula 10

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A dispensa de licitação deve ser ratificada pela Secretaria do Patrimô-nio da União e será possível a partir das alterações da Lei nº 11.481/2007, para a transferência de imóveis da União utilizados para fins de moradia ou comerciais locais inseridos no âmbito dos programas públicos acima descritos. Como já mencionado, será cabível também a dispensa de licita-ção no caso de CDRU para associações e cooperativas, quando caracteri-zado o interesse público ou social.

O eixo da regularização cadastral envolve os procedimentos para corrigir discrepâncias entre a realidade de ocupação da área e os sistemas de informações sobre o patrimônio da União. Começa com o levantamen-to da situação do imóvel nos sistemas de cadastro da SPU, a existência de terceiros inscritos como responsáveis pelo imóvel e a existência de débitos pendentes referentes a receitas patrimoniais.

A SPU dá publicidade ao início do programa de regularização fundi-ária a partir da publicação de portaria declarando o interesse do serviço público para o imóvel ocupado. O imóvel é, então, “gravado” como de in-teresse para Regularização Fundiária, inibindo, se for o caso, as cobranças de receitas patrimoniais e eventuais transferências.

São cancelados os cadastros impróprios existentes na área. Ficam os antigos responsáveis ligados aos débitos passados, quando existentes, para que se permita o cadastro do assentamento como um todo que, de acor-do com as alterações trazidas pela Lei nº 11.481/2007 ao art. 6ª da Lei nº 9.636/1998, não dependerá da comprovação do efetivo aproveitamento.

A regularização cadastral estará completa quando os beneficiários fi-nais estiverem registrados como responsáveis pelos imóveis regularizados nos sistemas da SPU.

As alterações trazidas pela Lei nº 11.481/2007 ao Decreto-lei nº 1.876/1981 ampliaram para famílias com renda de até cinco salários mí-nimos a isenção do pagamento de foros, taxas de ocupação e laudêmios, devendo a situação de carência, agora, ser comprovada somente a cada quatro anos e não mais anualmente. Anteriormente, tinham isenção as famílias com renda de até três salários mínimos.

O eixo da regularização jurídica e cartorial compreende as transfe-rências de direitos sobre imóveis da União feitas no âmbito administrati-vo e o seu registro em cartório de registro de imóveis (CRI). Envolve o levantamento da situação dominial do imóvel ocupado, devendo ser feita

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a comprovação administrativa ou judicial do domínio da União (condi-ção para a utilização de qualquer um dos instrumentos de regularização fundiária). O domínio inconteste deve, então, ser registrado ou averbado no CRI, a depender da existência ou não de matrícula do imóvel. Neste tópico, é de se notar o avanço trazido pela alteração do art. 8º-A do De-creto nº 9.760/1946 pela Lei nº 11.481/2007, que possibilitou a celerida-de do processo de inscrição da área de assentamento no CRI, por meio do auto de demarcação administrativa. Até 1973, a União registrava seus

bens apenas administrativamente, o que resultou em grandes diferenças entre as informações disponíveis nos Cartórios e na SPU sobre imóveis da União. A partir de então, passou a ser obrigatório o re-gistro perante os Cartórios de Registros de Imóveis, além da lavratura interna em livro próprio, o que já tem força de escritura pública.

Os contratos de transferência devem ser averbados na matrícula, bem como o registro do projeto de parcelamento deve ser aprovado na pre-feitura, para que, após concluído o processo de regularização, os títulos individuais ou coletivos possam ser registrados.

Outra importante conquista garantida pela nova legislação do patri-mônio da União foi a gratuidade do 1º registro de direito real e averbação de construção residencial de até 70 m² em áreas objeto de regularização fundiária para famílias com renda mensal de até cinco salários mínimos, através da alteração da Lei nº 6.015/1973, com a inclusão do art. 290-A.

Finalmente, o eixo da regularização urbanístico-ambiental trata da necessária articulação entre a regularização jurídica e cartorial com a qua-lificação dos aspectos físicos do assentamento, o que inclui provisão de infra-estrutura, serviços, obras de urbanização e adequação ambiental, conjugados aos aspectos sociais dos projetos, compreendendo a mobili-zação comunitária.

Em sua maior parte, os procedimentos para regularização urbanística e ambiental são de responsabilidade dos parceiros da SPU no processo de regularização. Não obstante, a Secretaria deve acompanhar o andamento, visto que alguns aspectos são imprescindíveis para a finalização da regu-larização nos outros eixos – a individualização dos cadastros e dos títulos,

i A Lei nº 11.481/2007 trouxe significativo avanço ao incluir o artigo 18-A no Decreto nº 9760/64, pos-sibilitando a demarcação administrativa de imóveis da União para fins de regularização fundiária de interesse social. Esse é feito através de auto de de-marcação assinado pela Secretária do Patrimônio da União, cuja instrução será detalhada no curso.

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Aula 10

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por exemplo, será feita após a aprovação do projeto urbanístico. Da mes-ma forma, o endereçamento oficial é importante para que se estabeleça a comunicação com os responsáveis pelos imóveis.

Considerações finais

Todos esses passos evidenciam a compreensão de que a regularização fundiária de imóveis da União não é entendida como a simples viabiliza-ção administrativa da transferência de direitos sobre o imóvel, mas, sim, como procedimento que operacionaliza uma política pública, ao integrar os diferentes aspectos da regularização fundiária. Isso evidencia, mais uma vez, a necessidade de gestão compartilhada do patrimônio da União, a fim de garantir plena efetividade nestas ações. Um dos instrumentos utilizados para garantir o entrelaçamento das Regularizações Fundiária, Urbanística e Ambiental são os Termos de Cooperação Técnica firmados entre a SPU e os Municípios, com a participação de todos os parceiros envolvidos.

A regularização fundiária de terras da União é mais que asimples viabilização administrativa da transferência de direitos. É um proce-dimento que operacionaliza uma política pública integrada e, para ser efetivo, requer gestão compartilhada.

Como se vê, a regularização fundiária em áreas da União pressupõe uma série de procedimentos, muitos dos quais dependem da atuação de diversos órgãos. Uma das características intrínseca ao processo é que to-dos os atores envolvidos nestas ações trabalhem articuladamente e pau-latinamente, dando continuidade aos procedimentos já iniciados e empe-nhando esforços máximos para a superação das mais diversas etapas em direção à regularização fundiária plena.

A Secretaria do Patrimônio da União tem buscado cumprir seu papel de garantir a regularização das ocupações nos imóveis sob sua adminis-tração, reconhecendo que este patrimônio público tem papel de destaque na efetivação do direito fundamental à moradia assegurado a todos os cidadãos brasileiros pela Constituição Federal de 1988, direito este enten-dido como fator decisivo para a inclusão sócio-territorial, prevenção aos conflitos fundiários, bem como a transformação das cidades brasileiras em cidades inclusivas e sustentáveis.

Na aula 11, você verá quais são os elementos essenciais dos pro-cessos de regularização fundiária de áreas privadas, com ênfase no instrumento da usucapião.

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BibliografiaALFONSIN, Betânia de Moraes. Direito à Moradia: instrumentos e expe-riências de regularização fundiária nas cidades brasileiras. Rio de Janeiro: FASE/IPPUR, Observatório de Políticas Urbanas, 1997.

GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988 – interpretação e crítica. SP, RT, 1990.

_________________. Direito Urbano. São Paulo. Revista dos Tribu-nais, 1982.

_________________. “Função Social da Propriedade (Direito Econômi-co)”. In: FRANCA, R. Limongi (coord.). Enciclopédia Saraiva de Direi-to. São Paulo: Saraiva, 1977.

RESCHKE, Alexandra; AUGUSTINI, Camila; GUERESI, Simone. “Um novo parâmetro para a gestão dos bens da União: Função Socioambiental da Propriedade”. In: Revista Magister de Direito Ambiental e Urbanís-tico, v. 1, Porto Alegre, pgs. 35 à 43, ago/set.2005.

SAULE JÚNIOR, Nelson. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assenta-mentos Irregulares. Porto Alegre. Sergio Antonio Fabris editor. 2004.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 16. ed. São Paulo: Malheiros, 1999.

Publicações institucionais

INSTRUÇÃO NORMATIVA nº 02, de 28 de janeiro de 2008. “Dispõe sobre Procedimento para a Concessão de Uso especial para fins de Moradia – CUEM e Autorização de Uso em Imóveis da União.”

KIT REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM TERRAS DA UNIÃO, contendo o “Manual de Regularização Fundiária em Terras da União” e o “Jogo Regulari-zação Fundiária em Terras da União”. Brasília: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria do Patrimônio da União; São Paulo: Ins-tituto Polis; 2006.

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Aula 10

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PROJETO ORLA: FUNDAMENTOS PARA GESTÃO INTEGRADA - Ministé-rio do Meio Ambiente. Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria do Patrimônio da União. Brasília. MMA, 2006.

PROJETO ORLA: GUIA DE IMPLEMENTAÇÃO - Ministério do Meio Am-biente. Secretaria de Qualidade Ambiental; Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria do Patrimônio da União. Brasília, 2005.

PROJETO ORLA: IMPLEMENTAÇÃO EM TERRITóRIOS COM URBANIZA-ÇÃO CONSOLIDADA - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria do Patrimônio da União. NAKANO, Kazuo (coord.), São Paulo. Instituto Polis, 2006.

PROJETO ORLA: SUBSíDIOS PARA UM PROJETO DE GESTÃO - Ministério do Meio Ambiente; Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão. Secretaria do Patrimônio da União. Brasília, 2004.

Legislação Base

Constituição Federal de 1988.

Decreto nº 9.760 de 1946.

Lei Federal nº 9.636 de 1998.

Lei Federal nº 10.257 de 2001.

Lei Federal nº 11.481 de 2007.

Medida Provisória nº 2.220 de 2001.

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Nesta aula, você conhecerá os elementos essenciais dos processos de regularização fundiária de áreas privadas. A ênfase será no estu-do das diversas modalidades de usucapião, forma de aquisição da propriedade que considera o tempo em que o ocupante do imóvel esteve em sua posse. Você também verá que o Poder Público deve ser protagonista nas ações de regularização fundiária, para cum-prir seu papel constitucional de executor da política urbana.

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Aula 11

Regularização fundiária de interesse social em áreas privadas

Paulo Somlanyi Romeiro

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Um dos maiores sonhos de boa parte dos brasileiros é conquistar em definitivo um pedaço de chão para viver sem sobressaltos. É

disso que fala esta canção gravada em 1971 no disco Toquinho e Vinicius, pela RGE. Você pode escutá-la no AVEA.

A TERRA PROMETIDA - Vinicius de Moraes/Toquinho

Poder dormir Poder morar Poder sair Poder chegar Poder viver Bem devagar E depois de partir poder voltar E dizer: este aqui é o meu lugar E poder assistir ao entardecer E saber que vai ver o sol raiar E ter amor e dar amor E receber amor até não poder mais E sem querer nenhum poder Poder viver feliz pra se morrer em paz

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Aula 11

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Introdução

Essa aula tem como objetivo tratar elementos essenciais dos processos de regularização fundiária de áreas privadas. Desde já, é importante escla-recer que não nos deteremos na regularização de loteamentos irregulares, mas de ocupações espontâneas situadas em áreas privadas, uma vez que trataremos com maior ênfase o instrumento da usucapião, principal ins-trumento de regularização fundiária dessa tipologia de área privada.

Conforme nos ensina Betânia Alfonsin (1999, p. 163):

Regularização fundiária é o processo de intervenção pública sob os as-pectos jurídico, físico e social, que objetiva legalizar a permanência de populações moradoras de áreas urbanas ocupadas em desconformidade com a lei para fins de habitação, implicando acessoriamente melhorias no ambiente urbano do assentamento, no resgate da cidadania e da qua-lidade de vida da população beneficiária.

Devemos estar atentos ao caráter curativo da regularização fundiária conforme nos ensina o Jurista Edésio Fernandes (2002, p. 21 e 22), para quem “Os programas de regularização têm uma natureza essencialmente curati-va e não podem ser dissociados de um conjunto mais amplo de políticas públicas, diretrizes de planejamento e estratégias de gestão urbana destinadas a reverter o atual padrão excludente de crescimento urbano. Por um lado, é preciso ampliar o acesso ao mercado formal a uma parcela mais ampla da sociedade, sobretudo, os grupos de renda média-baixa, ao lado da oferta de subsídios públicos para as faixas da menor renda. Por outro lado, é preciso rever os modelos urbanísticos que têm sido utilizados, de forma a adaptá-los às realidades socioeconômicas e à limitada capacidade de ação institucional das agências públicas. Nesse contexto, as políticas de regularização fundiária não podem ser formuladas de maneira iso-lada e necessitam ser combinadas com outras políticas públicas preventivas para quebrar o ciclo de exclusão que tem gerado a informalidade.”

Considerando que se pretende analisar os processos de regularização fundiária de áreas privadas, nos deteremos apenas pormenorizadamente no instrumento da usucapião e não trataremos dos instrumentos de trans-ferência entre particulares para regularização de áreas privadas quando há anuência do proprietário, tais quais a concessão de direito real de uso, a alienação, a doação, a dação ou o direito de superfície. No entanto, é preciso mencionar a possibilidade de utilização dos mesmos, em que pese se tratarem de casos raros, que geralmente ocorrem apenas com a inter-venção do Poder Público.

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O papel do Poder Público na regularização de área privada

O Poder Público, especialmente o municipal, responsável pela execução da política urbana (art. 182 da Consti-tuição Federal), tem um papel central em processos de regularização fundiá-ria, independente de a área ser pública ou privada.

A centralidade do papel do município nos processos de regularização fundiária, considerando seu papel constitucional de executor da política urbana, não significa que os demais entes federativos, União, estados e Distrito Federal, não tenham qualquer responsabilidade em relação à po-lítica de regularização fundiária, especialmente quando se trata da regula-rização das terras de seu domínio. O artigo 23, IX, da Constituição Federal estabelece como sendo competência concorrente entre União, estados, Distrito Federal e municípios:

IX - promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico;

Não resta dúvida que, considerando que um dos componentes do di-reito à moradia é a segurança jurídica da posse (Comentário Geral nº 4 do Comitê Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais - DHESC - das Nações Unidas. Mais informações em http://www.dhescbrasil.org.br - endereço acessado em 09/04/2008), a regularização fundiária é uma das ações que devem ser desenvolvidas por União, estados, Distrito Federal e municípios a fim de promover a melhoria das condições habitacionais, competência concorrente entre todos os entes que compõem a federação brasileira.

A centralidade do papel do município na realização da política de re-gularização fundiária decorre da condição da regularização fundiária de diretriz geral da política urbana, assim definida pelo artigo 2°, XIV do Estatuto da Cidade:

XIV - regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por popu-lação de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situa-ção socioeconômica da população e as normas ambientais.

Confira na Biblioteca Virtual do Curso.

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Aula 11

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A regularização fundiária e a urbanização de áreas ocupadas por po-pulação de baixa renda elevadas a diretriz geral da política urbana estabe-lecem critérios para a condução da política urbana nos municípios e res-ponsabilidades aos poderes públicos no sentido de estabelecer políticas e realizar as ações necessárias para regularizar e urbanizar áreas ocupadas por população de baixa renda.

Com a consolidação do novo marco legal do direito urbanístico no Brasil, o capítulo da Política Urbana na Constituição Federal e edição do Estatuto da Cidade, Lei Federal nº 10.257/01, que consagrada o direito às cidades sustentáveis (art. 2°, I), estabelece a regularização fundiária como diretriz geral da política urbana (art. 2°, XIV), e com o reconhecimento do direito à moradia como direito fundamental previsto entre os direitos sociais do artigo 6° da Constituição Federal, os assentamentos informais não mais devem estar sujeitos a ação repressiva do Estado ou omissão deste. Devem, sim, ser objetos de prestação positiva do Estado no que diz respeito a sua regularização e urbanização com a decorrente implantação de serviços públicos e equipamentos sociais.

“A legislação deve servir não para impor um ideal idílico de urbanis-mo, mas para construir um urbanismo a partir dos dados da vida real.”

Carlos Ari Sundfeld

Os assentamentos informais, considerando as novas regras que regem o ordenamento jurídico brasileiro, devem estar sujeitos a prestação positi-va do Estado no sentido de cumprir com os objetivos da nação brasileira de erradicar a pobreza e a marginalização (art. 3°, III, da Constituição Federal), garantir o cumprimento da função social da propriedade (art. 5, XXIII, da Constituição Federal), o que, portanto, define a responsabilidade do Estado de promover a regularização fundiária de assentamentos infor-mais ocupados por população de baixa renda.

Para compreender tal evolução, é interessante mencionar os ensina-mentos do Professor Carlos Ari Sundfeld, que menciona ao tratar das no-vas regras de direito urbanístico impostas pelo Estatuto da Cidade que: “A exigência de um ordenamento jurídico que conduza à regularização fundiária e urbanística das ocupações populares existentes introduz um condicionante novo transformador em nosso direito urbanístico. Até então a incompatibilidade entre as ocupações populares e a ordem urbanística ideal tinha como conseqüência a ile-galidade daquelas (sendo a supressão desse estado um dever dos responsáveis pela irregularidade – isto é os próprios ocupantes). Com o Estatuto da Cidade a equação

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se inverte: a legislação deve servir não para impor um ideal idílico de urbanismo, mas para construir um urbanismo a partir dos dados da vida real. Desse modo, o descompasso entre a situação efetiva das ocupações populares e a regulação urba-nística terá como conseqüência a ilegalidade desta última, e não o contrário.”

O Poder Público deve ser protagonista nas ações de regularização fundiária no sentido de cumprir seu papel constitucional de executor da política urbana, conforme as diretrizes gerais previstas no artigo 2° do Es-tatuto da Cidade. Nesse sentido, deve ter leis municipais que possibilitem a atuação da municipalidade em regularização fundiária, estabelecer um planejamento com relação às áreas que devem ser regularizadas, ter uma estrutura administrativa para lidar com os processos de regularização fun-diária e criar condições para adesão ao Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (Lei Federal n° 11.124/05), o que abre a possibilidade de acesso aos recursos do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social, que tem como uma de suas finalidades a regularização fundiária.

Usucapião e suas modalidades

A usucapião é o principal instrumento de regularização fundiária de ocupações espontâneas situadas em áreas privadas. No entanto, pode também ser utilizada para regularizar loteamento irregular que não esteja implantado em uma única gleba ou que tenha sua linha sucessória inter-rompida, daquele que consta no registro de imóveis e daquele constante dos instrumentos de compra e venda. A usucapião tem origem no direito privado e trata-se de “modo original de aquisição da propriedade individual pela posse prolongada e qualificada”.

Nesse sentido, a usucapião é a forma de aquisição da propriedade considerando o tempo em que o ocupante do imóvel esteve em sua posse, desde que essa posse tenha sido exercida segundo requisitos fixados em lei, dependendo da modalidade de usucapião que se pretende utilizar. Trata-se, portanto, da aquisição do domínio do imóvel pela posse sobre ele exercida.

São modalidades de usucapião:

usucapião especial de imóvel urbano (regulamentado pelos artigos 9º •a 14 do Estatuto da Cidade), previsto primeiramente na Constituição Federal de 1988 (art. 183);

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Aula 11

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usucapião especial rural (art. 191 da Constituição Federal); •

usucapião extraordinário (art. 1.238 •do Código Civil) e

usucapião ordinário (art. 1.242 do •Código Civil).

Faremos, no próximo item, uma análise pormenorizada da usucapião especial de imóvel urbano, inclusive de sua forma coletiva. Nos deteremos no momento apenas em descrever as demais modalidades de usucapião previstas no ordenamento jurídico brasileiro.

A usucapião especial rural tem assento no capítulo que trata da po-lítica agrícola e fundiária e da reforma agrária na Constituição Federal. Assim, trata-se de instituto que, como a usucapião especial de imóvel ur-bano, tem como fundamento a necessidade da propriedade cumprir sua função social. Nesse sentido, são requisitos da usucapião especial rural prevista no artigo 191 da Constituição Federal: possuir como seu, em zona rural, área não superior a 50 hectares, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição à posse, desde que torne a terra produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua moradia e não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

As alterações constantes do Novo Código Civil quanto às moda-lidades de usucapião vêm no sentido de reconhecer a necessidade de a propriedade atender a sua função social.

Importante compreender que as modalidades de usucapião previstas no Código Civil sofreram alterações com a revisão que este diploma legal teve a partir de 2002. Conforme nos ensina o professor Nelson Saule Jú-nior (2004, p. 381):

O denominado usucapião extraordinário teve seu prazo reduzido de vin-te para quinze anos (art. 1.238), em se tratando de posse simples, e para dez anos ‘se o possuidor houver estabelecido no imóvel sua moradia ha-bitual, ou nele realizar obras ou serviços de caráter produtivo’ (parágra-fo único). O usucapião ordinário também teve seu prazo alterado: para dez anos (art. 1.242), em se tratando de posse simples, e para cinco anos ‘se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base em trans-crição constante do registro próprio, cancelada posteriormente, desde que possuidores nele tiverem sua moradia, ou realizado investimento de interesse social e econômico (parágrafo único)’.

Sugerimos a leitura dos artigos das leis citadas. Elas estão disponíveis na Biblioteca Virtual do Curso.

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É possível notar que as alterações constantes do Novo Código Civil com relação às modalidades de usucapião vêm no sentido de reconhecer a necessidade da propriedade atender a sua função social, uma vez que reduzem os prazos em que a posse é qualificada no sentido de cumprir com a função social do imóvel, seja para a produção, seja para a moradia.

Usucapião especial de imóvel urbano e a função social da propriedade

A usucapião, como já dito, tem sua origem no direito privado. No entanto, para compreensão do instituto da usucapião especial de imóvel urbano é preciso entender que tal modalidade tem sua origem em nosso ordenamento jurídico no capítulo da política urbana da Constituição Fe-deral e foi posteriormente regulamentado pelo Estatuto da Cidade, Lei Federal que estabelece regras gerais para a formulação e execução da po-lítica urbana no Brasil. Nesse sentido, “o instituto deve ser interpretado a partir de princípios constitucionais da propriedade e sua função social e do direito à moradia” (SCHÄFER, 2004, p. 112).

No mesmo sentido, ao tratar da usucapião especial de imóvel urbano em sua forma coletiva, afirma o juiz de direito Francisco Loureiro(2004, p. 84) que

Não há, porém, como estudar a figura do usucapião coletivo criado pelo Estatuto da Cidade pela lente individualista e liberal do velho direito civil, porque seu propósito não é apenas de criar um novo modo de aquisição da propriedade imóvel, mas, sobretudo, o de ordenar a propriedade urbana, funcionalizando-a pela observância de princípios urbanísticos voltados ao bem-estar da pessoa e da comunidade.

A política urbana tem como objetivo estabelecido pelo texto consti-tucional ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes (art. 182). Considerando que a usucapião de que tratamos tem sua origem no próprio capítulo da política urbana da Constituição Federal, não resta dúvida de que tal modalidade tem como objetivo garantir o cumprimento da função social da proprie-dade de maneira a possibilitar o desenvolvimento das funções sociais da cidade, pelo que seus requisitos formas de aplicação e interpretação de-vem ter seu enfoque no direito urbanístico e na consecução das diretrizes gerais da política urbana previstas no artigo 2° do Estatuto da Cidade, especialmente a regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda (inciso XIV).

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Requisitos da usucapião especial de imóvel urbano

Os requisitos estabelecidos pelo artigo 9° para usucapião especial de imóvel urbano são exatamente os mesmos previstos no artigo 183 da Constituição Federal, a saber: estar, como se fosse seu, na posse de área urbana não superior a 250 metros quadrados por, no mínimo, cinco anos, ininterruptamente e sem oposição; utilizar o imóvel para sua moradia ou de sua família e não ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

A inovação do Estatuto da Cidade em relação a usucapião prevista no artigo 183 da Constituição Federal é a possibilidade de utilizá-la em sua forma coletiva, sobre a qual trataremos adiante, e a possibilidade prevista no parágrafo 3° do artigo 9° do Estatuto da Cidade que “permite a sucessão na posse do herdeiro legítimo, mas exige que o herdeiro legítimo resida no imóvel por ocasião da sucessão” (ROCHA, 2005, p. 100).

O parágrafo 2° do artigo 9° estabelece – uma vez considerando a usu-capião especial de imóvel urbano como instituto que pretende garantir o cumprimento da função social da propriedade e o direito à moradia do ocupante do imóvel – que este direito não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez. Ou seja, apenas será possível uma pessoa ser beneficiária da usucapião especial de imóvel urbano uma única vez e sobre um único imóvel.

Importante mencionar que para fins de aplicação da usucapião especial de imóvel urbano não se deve considerar apenas os imóveis situados em área urbana de acordo com o disposto em legislação municipal, mas sim aqueles que, situados em área rural ou de preservação ambiental, tenham caracterís-ticas de imóvel urbano, ou seja, sua tipologia deve ser de imóvel urbano.

Não há qualquer impedimento na aplicação da usucapião especial de imóvel urbano em área de risco ou área de preservação ambiental, uma vez que o que se discute nas ações de usucapião é o preenchimento ou não dos requisitos dispostos no artigo 9° e não a característica urbanística am-biental da área. No entanto, se imóvel privado ocupado por população de baixa renda estiver situado em área de risco em que não há possibilidade de ter o risco mitigado, esse deve ser objeto de política pública que garanta o exercício do direito à moradia dessa população em outro local.

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No mesmo sentido, nos ensina o professor Nelson Saule Júnior (2004, p. 385) ao tratar desses casos:

Caso não seja adequado o local para fins de moradia, por se tratar de área de risco ou por ser necessário para preservação ambiental, o Poder Públi-co terá que assegurar uma outra moradia para a população beneficiada pelo usucapião urbano, como forma de compensar a lesão ao direito à moradia e, neste caso, também ao direito de propriedade. Esta medida deve ser resultado de um levantamento destas ocupações pelo Poder Pú-blico, como meio de planejar a forma mais adequada de intervir nestas áreas, como a de remover a população de áreas de risco e assegurar uma alternativa de moradia para essa população. Por isso, é fundamental a constituição de um programa de regularização fundiária e a adoção con-jugada com outros instrumentos como as Zonas Especiais de Interesse Social, nas cidades onde for elevado o número de áreas urbanas privadas, consideradas de risco ou de preservação ambiental, suscetíveis de usuca-pião urbano.

Cumpre esclarecer ainda a possibilidade de utilização da ação de usu-capião especial de imóvel urbano plúrima. Não se trata de outra moda-lidade de usucapião; neste caso, a modalidade é a mesma da ação de usu-capião especial de imóvel urbano individual, no entanto, utiliza-se, para facilitar o processo, a ação judicial plúrima.

Esta ação geralmente é utilizada quando um grupo de indivíduos ocu-pa uma mesma área, sendo possível identificar o lote de cada um. A utiliza-ção das ações plúrimas, no caso de ocupantes de uma mesma área privada, facilita a regularização fundiária, uma vez que são incluídos vários reque-rimentos em uma única ação. Assim, é necessário o acompanhamento de uma única ação no judiciário para solução de vários casos individuais.

A usucapião deve ser interpretada, além da ótica da reorganiza-ção urbanística, principalmente sob a ótica da função social da pro-priedade e do direito à moradia.

A forma coletiva da ação de usucapião especial de imóvel urbano

O artigo 10 do Estatuto da Cidade inova a Constituição Federal com relação à usucapião de imóvel urbano ao prever a possibilidade de usuca-pir áreas urbanas coletivamente, instituindo, portanto, em nosso ordena-mento jurídico a usucapião coletiva.

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Desde já cumpre ressaltar que a usucapião coletiva não representa uma nova modalidade de usucapião, mas uma “espécie de usucapião cons-titucional urbano, com o escopo de viabilizar situações fáticas de difícil solução” (LOUREIRO, 2004, p. 94).

Da mesma forma que acontece com a usucapião especial de imóvel urbano individual previsto no Estatuto da Cidade, a interpretação acerca da modalidade coletiva da usucapião deve levar em conta a função social da propriedade e o direito à moradia, sendo que “Toda interpretação dos art. 10 a 14 do Estatuto da Cidade, portanto, deve ser voltada a examinar o usucapião como mecanismo de regularização fundiária e, sobretudo, de reorganização urba-nística” (idem, p. 84).

Nosso entendimento é de que, além da ótica da reorganização urba-nística, o instituto da usucapião deve ser interpretado, principalmente, sob a ótica do direito à moradia (artigo 6° Constituição Federal).

São requisitos da usucapião coletivas que se diferenciam do individual: o imóvel ser maior de 250 metros quadrados, estar ocupado por popula-ção de baixa renda, onde não seja possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor.

Sobre o requisito que limita a legitimidade ativa, à população de baixa renda, para a propositura da ação de usucapião coletiva, “Embora não expli-cite o legislador – e nem seria conveniente que o fizesse – o conteúdo da expressão, entende-se abranger a camada da população sem condições econômicas de adqui-rir, por negócio oneroso, simples imóvel de moradia” (idem, p.95). Nota-se que tal entendimento apenas reforça a afirmação de que a usucapião especial de imóvel urbano, seja na sua forma coletiva, seja na individual, tem como objetivo o cumprimento da função social da propriedade e a garantia do direito à moradia.

Sobre o requisito da impossibilidade de identificar os terrenos ocupa-dos por cada possuidor, segundo os ensinamentos de Silvio Luis Ferreira da Rocha (2005, p. 100):

Esta impossibilidade é relativa e não absoluta, pois, como regra, sempre é possível identificar tais áreas e o respectivo possuidor. Deve prevalecer o entendimento de que a usucapião urbana coletiva é possível naquelas áreas onde o adensamento habitacional impede a delimitação satisfatória do ponto de vista visual e urbanístico.

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Tal entendimento nos parece correto, pois reconhece o objetivo do próprio instrumento da usucapião coletiva de possibilitar àqueles que vi-vem nas situações de maior adensamento a obtenção de suas moradias regularizadas e, portanto, a segurança jurídica da posse.

No mesmo sentido, nos ensina Francisco Loureiro (2004, p. 96), ao tratar do mesmo tema:

A idéia do legislador foi de alcançar aquelas situações em que pode haver posse materialmente certa, mas seu objeto é fluído, as divisas movediças e, principalmente, o perfil urbanístico indesejável. Encaixam-se nessa si-tuação acima aludida as chamadas favelas, ou outros núcleos habitacio-nais semelhantes não dotados de planejamento ou de serviços públicos essenciais, em que os moradores têm posse material certa de seus barra-cos, ou de pequenas casas de alvenaria, mas, dado o caos urbanístico das vielas e a própria precariedade das construções, está a ocupação indivi-dual sujeita a constantes alterações qualitativas e quantitativas.

Em seguida, prosseguindo em sua argumentação, afirma que “Em ou-tras palavras, viu o legislador a posse sobre núcleos urbanisticamente desorgani-zados como uma pluralidade de poderes de fato sobre um mesmo bem (tomado o núcleo em sua totalidade)” (idem, p. 97).

Outra inovação da usucapião coletiva é a trazida pelo parágrafo 1° do ar-tigo 10 do Estatuto da Cidade, que possibilita ao possuidor, para fins de con-tagem do prazo de cinco anos de posse, desde que seja ininterrupta, somar a posse de seu antecessor. Tal inovação aponta claramente para a possibilidade de comprovação da posse de forma coletiva, ou seja, uma vez que é possível somar a posse do antecessor para fins de contagem do prazo de tempo da posse da usucapião coletiva, não interessa de fato se aquele possuidor uti-liza o imóvel há mais de cinco anos para moradia, e sim se aquele imóvel está sendo utilizado para moradia há mais de cinco anos ininterruptamente. Considerando o mercado informal de terras existente em assentamentos in-formais, tal possibilidade, além de facilitar o exercício do direito à moradia facilitando a comprovação do tempo de posse, faz justiça ao possibilitar ao adquirente de boa fé de imóvel de terceiro não proprietário pleitear seus di-reitos por meio da usucapião coletiva.

O artigo 12 do Estatuto da Cidade estabelece como sendo parte legítima para propositura da ação de usucapião especial de imóvel urbano o possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio originário ou superveniente, os possui-dores, em estado de composse, ou, como substituto processual, a associação de moradores da comunidade, regularmente constituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamente autorizada pelos representados.

Litisconsórcio é a situ-ação em que uma das partes é constituída de duas ou mais pessoas, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando entre elas houver co-munhão de direitos ou de obrigações relativa-mente à lide; os direitos ou as obrigações deri-varem do mesmo fun-damento de fato ou de direito; entre as causas houver conexão pelo objeto ou pela causa de pedir; ocorrer afinida-de de questões por um ponto comum de fato ou de direito. Veja na Biblioteca Virtual os ar-tigos 46 a 49 do Código de Processo Civil.Fonte: Dicionário Jurí-dico Direito.net http://www.direitonet.com.br/dicionario_juri-dico/ (Endereço aces-sado em 09/04/2008)

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A autorização dos representados, de que depende a associação de mo-radores da comunidade para poder propor ação de usucapião especial de imóvel urbano, pode ser concedida mediante realização de assembléia ge-ral da entidade. Esta autorização deve constar na ata da assembléia ou ser feita individualmente por cada um dos moradores.

A sentença da usucapião especial de imóvel urbano atribuirá igual fra-ção ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe. As frações poderão ser diferenciadas caso haja acordo escrito entre os condôminos (parágrafo 3° do artigo 10 do Estatuto da Cidade). Importante esclarecer que as frações ideais não pode-rão corresponder a áreas superiores a 250 metros quadrados.

A sentença criará condomínio especial indivisível, não sendo passí-vel de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio. Segundo Silvio Luis Ferreira da ROCHA (2005, p. 104):

Este condomínio foi criado com o propósito de viabilizar a reurbanização dessas áreas de modo a melhorar as condições habitacionais da popula-ção favelada. O condomínio deve perdurar enquanto não for executado o projeto de urbanização, pois o projeto de urbanização poderia ter sua execução dificultada se fosse permitida apenas a usucapião individual.

Estratégia para implementação de medidas jurídicas visando a regularização fundiária de assentamentos informais em áreas privadas

A regularização fundiária de áreas privadas ocupadas por população de baixa renda, que passa na maioria dos casos pela propositura de ação de usucapião, qualquer que seja sua modalidade, depende da realização de etapas fundamentais para chegar ao objetivo final de registro da sentença no Cartório de Registro de Imóveis.

O aspecto social é central no processo de regularização fundiária, uma vez que uma das diretrizes gerais da política urbana, a gestão democrática da cidade, (artigo 2°, II do Estatuto da Cidade), estabelece que a população deve participar em todos as etapas, da formulação a execução, de programas e projetos da administração. Tal centralidade decorre não somente da obri-gatoriedade da participação, mas, e principalmente, do fato da participação da população beneficiada ser fundamental para o sucesso e sustentabilidade da ação de regularização fundiária.

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Nesse sentido, o processo deve-se iniciar com a definição das formas de gestão democrática do processo de regularização fundiária, estabelecendo-se canal direto de comunicação com a comunidade e a definição coletiva da forma como se darão a representação e a tomada de decisões dos beneficiá-rios. Recomenda-se a instalação de um Conselho Gestor com representan-tes do Poder Público e da população beneficiada para tomada de decisão no decorrer do processo.

No processo de regularização fundiária, é fundamental que a popula-ção beneficiada seja informada e tenha conhecimento prévio de cada ação que será realizada. Nesse sentido, ainda no início do processo, a população beneficiada deverá passar por formação em temas como a política urbana, seus direitos em relação à área e, obviamente, sobre cada etapa do proces-so de regularização que se inicia.

Concomitantemente, poderão ser elaborados o cadastramento so-cial da área, com a caracterização socioeconômica dos seus moradores, a caracterização fundiária do assentamento, sua caracterização física por meio da elaboração de memorial descritivo e levantamento planialtimé-trico cadastral (LEPAC), que levarão ao projeto de regularização fundiária da área. É fundamental que, no processo de elaboração do cadastro social da área, seja feita a colheita dos documentos necessários à propositura da ação de usucapião.

Tendo sido realizada a caracterização social, física e fundiária da área, deverá ser definida, com a participação da comunidade beneficiada, a mo-

dalidade de ação de usucapião que será utilizada. A partir daí, com os documen-tos recolhidos, deverão ser instruídos os processos ou o processo de usucapião na modalidade adequada à situação. A De-fensoria Pública do Estado pode ser um importante parceiro do município para propositura e acompanhamento das ações de usucapião. Um convênio entre a muni-cipalidade e a Defensoria Pública poderá ser firmado para realização de processos de regularização fundiária.

Sugerimos que você realize a seguinte atividade:

Identifique uma situação de usucapião especial de •imóvel urbano, concluído ou em tramitação no Ju-diciário;

Faça anotações sobre as principais características do •caso e participem do debate com os demais colegas no tópico específico do Fórum.

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Durante todo o processo de tramitação da ação de usucapião, a co-munidade beneficiada deverá ser informada do seu andamento. Ao final, após transitada em julgado, ou seja, tendo sido esgotadas todas as possibi-lidades de recursos, a sentença deverá ser levada a registro no Cartório de Registro de Imóveis competente.

As Zonas Especiais de Interesse Social e as obras de urbanização

Apesar da demarcação da área como Zonas Especiais de Interesse So-cial (ZEIS) não ser fator determinante para o êxito na ação de usucapião, uma vez que preenchendo os requisitos para reconhecimento do direito à usucapião, pouco importa se a área está gravada como ZEIS. Esta demar-cação, todavia, é importante para que se tenha clareza não só do direito da comunidade à propriedade por meio da usucapião, mas do manifesto interesse público em regularizar a área.

A Zona Especial de Interesse Social “é uma zona urbana específica, que pode conter áreas públicas ou particulares ocupadas por população de baixa renda, onde há interesse público de promover a urbanização ou a regularização urbanística e jurídica, sendo utilizadas para habitação de in-teresse social, para salvaguardar o direito à moradia” (Sales Junior, p.363). Ou seja, a demarcação de área como ZEIS na legislação municipal signi-fica que os moradores têm direito a regularização fundiária da área e há interesse público na regularização e urbanização do assentamento.

Considerando que a regularização fundiária e a urbanização de áre-as ocupadas por população de baixa renda é uma das diretrizes gerais da política urbana, a demarcação de área como ZEIS significa que tal área, conforme a legislação municipal, deve ser regularizada e urbanizada. Nos casos de inércia do município em realizar ações necessárias para regula-rizar e urbanizar a área, tais direitos poderão ser pleiteados por meio de ação civil pública de obrigação de fazer para obrigar a municipalidade a proceder obras de urbanização e ações necessárias à propositura das ações de usucapião.

Segundo Cássio Scarpinella Bueno (2002, p. 405), “O papel a ser desem-penhado pela ação civil pública voltada à proteção da ordem urbanística é o de dar efetivo cumprimento às diversas normas de conteúdo material previstas no Estatuto da Cidade e, evidentemente, em outros diplomas legislativos federais, es-

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taduais, distritais ou municipais que digam respeito à ordem urbanística”. Nesse caso, as normas de conteúdo material as quais se deveria dar cumprimen-to são a regularização fundiária prevista no Estatuto da Cidade como di-retriz geral da política urbana e a legislação municipal que instituir a ZEIS e determinar sua regularização e urbanização – pode ser o Plano Diretor ou lei municipal específica. Trata-se de um importante instrumento para obrigar o município a realizar as obras de urbanização em áreas ocupadas por população de baixa renda.

Considerações finais

A partir da análise relativa à regularização fundiária de áreas privadas ocupadas espontaneamente por população de baixa renda, é possível rea-firmar a total responsabilidade do Poder Público, especialmente o muni-cipal, por ser o responsável pela execução da política urbana, de criar as condições necessárias para regularizar e urbanizar essas áreas.

Outro ponto fundamental para compreensão desse processo é o olhar que deve ser lançado sobre o instituto da usucapião, em especial sobre a usucapião especial de imóvel urbano. Esse olhar deve estar pautado pela necessidade de a propriedade cumprir com sua função social e a garantia do direito à moradia, prevista como direito social pelo artigo 6° da Consti-tuição Federal, além das diretrizes gerais no artigo 2° do Estatuto da Cida-de, em especial a regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda (inciso XIV).

Por fim, quanto ao processo de regularização fundiária em si, além da compreensão da centralidade do trabalho social nesse processo, é funda-mental que sua condução esteja pautada pela diretriz da gestão democrá-tica da cidade e da participação popular, sendo garantida a participação da população beneficiada em todas as etapas do processo, principalmente no que diz respeito ao processo de tomada de decisões estratégicas.

Estamos chegando ao final do Curso. Na próxima e última aula, você estudará a regularização fundiária de interesse social de lotea-mentos irregulares e clandestinos inseridos em áreas privadas e de conjuntos habitacionais irregulares produzidos pelo Poder Público.

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Aula 11

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Bibliografia

ALFONSIN, Betânia de Moraes. Regularização Fundiária: Um Impera-tivo Ético da Cidade Sustentável – O Caso de Porto Alegre, O Direito à Cidade Trilhas Legais para o direito às cidades sustentáveis. Max Limonad, São Paulo, 1999.

BUENO, Cássio Scarpinella. Ação Civil Pública e Estatuto da Cidade (arts. 55 a 57), Estatuto da Cidade (Comentários à Lei federal 10.257/2001). Co-ord. Adilson Dallari e Sérgio Ferraz, Malheiros, 2ª edição, São Paulo, 2002.

FERNANDES, Edésio. A Natureza Curativa dos Programas de Regula-rização, Regularização da Terra e Moradia. O Que é e Como Implemen-tar. Instituto Pólis (Coordenação Executiva), Publicação Caixa Econômica Federal, Instituto Pólis, FASE. Acesso, Cidadania e Direitos humanos, CO-HRE – Centro pela Direito à Moradia conta Despejos, São Paulo, 2002.

LOUREIRO, Francisco. Usucapião Coletivo e Habitação Popular, Direi-to à Moradia e Segurança Jurídica da Posse no Estatuto da Cidade, diretri-zes, instrumentos e processos de gestão. Coord. Betânia Alfonsin e Edésio Fernandes, Belo Horizonte, Fórum, 2004.

ROCHA, Silvio Luis Ferreira da. Função Social da Propriedade Pública. Malheiros Editores, São Paulo, 2005.

SAULE JÚNIOR, Nelson. A proteção jurídica da moradia nos assenta-mentos irregulares. Sérgio Antônio Fabris Editor, Porto Alegre, 2004.

SCHÄFER, Gilberto. Usucapião Especial Urbana: da Constituição ao Estatuto da Cidade, Direito à Moradia e Segurança Jurídica da Posse no Estatuto da Cidade, diretrizes, instrumentos e processos de gestão. Coord. Betânia Alfonsin e Edésio Fernandes, Belo Horizonte, Fórum, 2004

SUNDFELD, Carlos Ari. O Estatuto da Cidade e suas Diretrizes Gerais, Estatuto da Cidade (Comentários à Lei federal nº 10.257/2001). Coord. Adilson Dallari e Sérgio Ferraz, Malheiros, 2ª edição, São Paulo, 2002.

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Nesta aula, estudaremos a regularização fundiária de interesse so-cial de loteamentos irregulares e clandestinos inseridos em áreas privadas e de conjuntos habitacionais irregulares produzidos pelo poder público. Você verá a importância da utilização dos instru-mentos legais existentes no ordenamento jurídico brasileiro para transformar as situações ilegais e de exclusão social, integrando seus moradores à cidade.

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Aula 12

Regularização fundiária de interesse social de loteamentos e conjuntos habitacionais

Cristiane Siggea BenedettoGabriel Ismael Folgado Blanco

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A dupla de patriarcas do samba Cartola (Angenor de Oliveira) e Carlos Cachaça (Carlos Moreira de Souza) foi fundamental para a

formação das escolas e fixação dos padrões rítmicos do samba. A his-tória de “Alvorada” começou numa madrugada, quando Cartola e Cachaça,

descendo o morro do Pendura a Saia, no Rio de Janeiro, sentiram-se impressionados com os primeiros raios de sol que iluminavam o cenário, contrastando a beleza da cena com o sofrimento dos moradores do lugar. Fizeram, então, a primeira parte do samba. A segunda parte surgiu na casa de Hermínio Bello de Carvalho, que fez a letra, enquanto Cartola compunha a melodia na hora.

ALVORADA - Cartola, Carlos Cachaça e Hermínio Bello de Carvalho (1968)

Alvorada lá no morro, que beleza Ninguém chora, não há tristeza Ninguém sente dissabor O sol colorindo É tão lindo, é tão lindo E a natureza sorrindo, tingindo, tingindo Você também me lembra a alvorada Quando chega iluminando Meus caminhos tão sem vida E o que me resta é bem pouco Quase nada de que ir assim Vagando numa estrada perdida Alvorada ...

fonte: http://cifrantiga.blogspot.com/ (acessado em 10/04/2008)

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Aula 12

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Introdução

O sistema jurídico brasileiro conta atualmente com mecanismos de in-dução de políticas de controle de uso e ocupação do solo, que estão sendo implementadas pelos municípios, com mais ênfase, desde a promulgação do Estatuto da Cidade. Tais mecanismos têm se mostrado fundamentais para o desenvolvimento de uma política urbana adequada, independente das características locais onde ela for inserida.

O poder público municipal tem competência constitucional para prota-gonizar o planejamento do seu território urbano e realizar ações que pos-sam reordenar e regularizar as situações de irregularidade territorial. Den-tre essas ações, a regularização fundiária, como uma das diretrizes gerais da política urbana nacional, assim definida no artigo 2º do estatuto da Cidade (inciso XIV), é imprescindível para legalização de situações irreversíveis.

De fato, é recomendável que, além da institucionalização de políticas e programas de regularização fundiária na esfera municipal, haja delimi-tação de áreas passíveis de regularização fundiária no Plano Diretor ou em lei própria. Também é indicado que essas áreas sejam gravadas como Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), considerando a situação sócio-econômica da população local e a legislação ambiental incidente, com es-tabelecimento de normas especiais de parcelamento, uso e ocupação do solo para esses casos.

Essa aula terá como foco a regularização fundiária de interesse social de loteamentos irregulares e clandestinos inseridos em áreas privadas e de conjuntos habitacionais irregulares produzidos pelo poder público.

Nesse sentido, é recomendável que o município possua previsão le-gal de regularização fundiária de loteamentos irregulares e clandestinos e de conjuntos habitacionais irregulares quando presente o interesse social. Também se recomenda a indicação dessas áreas como ZEIS, principal-mente para que normas próprias facilitadoras da regularização desses em-preendimentos possam ser estabelecidas.

Importante destacarmos que as formas clássicas de parcelamento do solo urbano encontram-se definidas na Lei nº 6766/79, que prevê o lote-amento ou desmembramento como modalidades de divisão de terras. O parcelamento do solo urbano é a mais importante etapa do processo de urbanização. Por meio deste, o desenho urbano se define, com localização

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dos lotes, do sistema de circulação, das áreas públicas comuns para im-plantação de equipamentos comunitários e urbanos, e das áreas verdes.

Apenas a título de curiosidade, é importante citar a existência dos con-domínios e dos loteamentos fechados que não se encontram, todavia, in-seridos na lei federal de parcelamento do solo (6766/79).

Em nosso ordenamento jurídico, existem duas espécies de condomí-nio: o tradicional, previsto no Código Civil (art. 1314 e seguintes), e o especial, regido pela Lei n° 4.591/64. As diferenças básicas entre os dois são as seguintes: no condomínio tradicional, toda a coisa fica sujeita ao regime comum, não havendo como ser cogitada a propriedade individual nem a sua divisão; a sua extensão incide sobre a integralidade da coisa. No condomínio especial, também chamado de condomínio horizontal, existe a divisão das partes autônomas, além das partes comuns relativas a todos os condôminos/proprietários (SOARES, 1999). Legalmente, o empreen-dimento ocupa toda a área descrita do lote, que não se altera, havendo apenas uma subdivisão interna que não afetará o restante da cidade.

Por sua vez, a figura do loteamento fechado, que não encontra previsão legal na Lei Federal de parcelamento do solo, vem sendo implantada no Brasil inteiro sem que haja uma normativa adequada para esse tipo de em-preendimento. O loteamento fechado possui características bem diferen-tes do loteamento convencional, pois as áreas de domínio público passam a ter utilização privativa de seus moradores. Muitos municípios aprovam loteamentos convencionais que posteriormente são fechados, passan-do a ter aparência de condomínios, quando de fato não o são. Os grandes problemas desses empreendimentos são: a ausência de legislação que os regulem; a condição das áreas públicas (viário, áreas de uso comum e áre-as de uso institucional) que ficam internas e são utilizadas somente pelos moradores, representando uma perda para o restante da cidade; a polêmi-

ca da cobrança de IPTU sobre as áreas públicas que passam a ter uso privado; além dos enclaves urbanísticos e sociais que tal tipo de loteamento representa, muitas vezes causando prejuízos à cir-culação do trânsito e ao planejamento da cidade.

A esse respeito, consulte na Biblioteca Virtual o Boletim Anoreg-SP nº 389 de 16/05/2006, e o -

Acórdão do Conselho Superior da Magistratura, TJSP, Apelação nº 482-6/0

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A regularização fundiária de loteamentos de interesse social

Dados obtidos no último censo realizado pelo IBGE no ano de 2001 apontam para uma triste realidade nacional: mais da metade dos municípios brasileiros possui em seu perímetro urbano ocupações consolidadas caracterizadas por loteamentos irregulares e clandestinos. Nor-malmente esses loteamentos são carentes de infra-estrutura básica e a sua população predominante é de baixa e média renda.

Enfrentar a produção da irregularidade é um grande desafio, pois as suas causas estão relacionadas a pobreza, distribuição de renda, valoriza-ção e especulação imobiliária e altos valores dos terrenos regulares exis-tentes nas cidades, entre outros fatores. Assim, é necessário, além de regu-larizar, induzir o mercado imobiliário formal a produzir lotes compatíveis com a renda das populações menos favorecidas.

A legislação que regula o parcelamento do solo urbano e estabelece regras gerais para sua implantação na esfera federal, como já mencionado, é a Lei nº 6766/79. Para o jurista Hely Lopes Meirelles (1981), “loteamento urbano é a divisão voluntária do solo em unidades (lotes) com abertura de vias e logradouros públicos, na forma da legislação pertinente; este se distingue do desmembramento, que é a simples divisão da área urbana ou passível de urbani-zação, com aproveitamento das vias públicas existentes”.

Um loteamento é legal se a sua planta e o seu projeto forem aprovados pelos órgãos municipais competentes e se ele for implantado de acordo com o projeto aprovado, sempre respeitando o cronograma de obras, a fim de evitar situações de irregularidade. É também necessário que este lotea-mento aprovado seja registrado no Cartório de Registro Imobiliário local.

Antagonicamente, a ilegalidade dos loteamentos se dá quando cons-tatadas irregularidades na fase da sua implantação ou quando for implan-tado clandestinamente, à revelia do poder público. Para cada uma dessas duas tipologias, serão abordadas as definições, as possibilidades de regu-larização e como o poder público deve proceder quando tomar conheci-mento de situações aqui tipificadas.

@

O site do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) é uma fonte rica em informações sobre a realidade dos mu-nicípios brasileiros. Sugerimos em especial o canal Cidades. Acesse http://www.ibge.gov.br (Endereço acessado em 10/04/2008).

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Procedimentos de regularização fundiária de loteamentos irregulares

Para definição do procedimento que pode ser adotado para a regulari-zação de um loteamento irregular, é importante a identificação do tipo de irregularidade e sua natureza, que pode ser jurídica e/ou urbanística.

Um loteamento será considerado irregular se for aprovado pela pre-feitura e for implantado em desacordo com o projeto aprovado, ou não respeitar o cronograma de obras, ou ainda não for registrado no Cartório de Registro de Imóveis local.

Assim, a irregularidade jurídica ocorre se um loteamento aprovado pela prefeitura não for registrado no Cartório de Registro de Imóveis local, no prazo de 180 dias a contar da data da sua aprovação, sendo responsável por este ato o empreendedor que solicitou a aprovação do loteamento. A pena imposta ao descumprimento deste prazo é a caducidade do alvará de aprovação do projeto, prevista no artigo 18 da Lei nº 6766/79.

Ocorrendo o transcurso desse prazo, o Registro de Imóveis deverá re-cusar o registro do loteamento, exigir a renovação do antigo ou a apresen-tação de um novo alvará de aprovação do projeto. A ausência do registro imobiliário do empreendimento é fator de impedimento para que se inicie a venda dos lotes, que não poderão ter suas matrículas individualizadas. Nessa hipótese, não há que se falar em direito adquirido. Caduco o alvará, estará o projeto sujeito a nova análise. Se nesse ínterim ocorreu mudança na legislação, deverá ser o empreendimento analisado à luz do novo or-denamento.

A irregularidade urbanística normalmente ocorre na fase de implanta-ção de um loteamento aprovado pelo Poder Público, nas seguintes hipóteses:

quando houver descumprimento do cronograma de obras; •

quando as obras executadas estiverem em desacordo com o projeto •aprovado e as especificações técnicas; ou

quando a implantação do sistema viário e dos lotes não respeitar a •planta aprovada.

Nesses casos, o empreendedor responsável estará sujeito a ser penali-zado com multas, caducidade do alvará de aprovação, embargos da obra e até mesmo com a decretação de irregularidade do parcelamento pelo poder público local.

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Aula 12

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É óbvio que cada caso deverá ser analisado à luz da legislação inciden-te. Deve sempre ser considerada a gravidade dos fatos, podendo a munici-palidade fazer acordo com o empreendedor e estabelecer prazo para que ele possa sanar as irregularidades constatadas.

Todavia, dependendo da gravidade da situação, a municipalidade po-derá, desde a sua identificação, decretar a irregularidade do loteamento, por despacho da autoridade municipal responsável pela aprovação e fiscali-zação do parcelamento do solo, dependendo da divisão de competências de cada prefeitura (diretor do departamento, secretário da pasta ou até mesmo pelo prefeito).

É imprescindível que a decretação da irregularidade conste imediata-mente nos autos do processo que aprovou o loteamento e que os servido-res da prefeitura que prestam informações e orientações ao público sejam imediatamente cientificados desta decretação.

É indicado que seja publicada, na imprensa local, a notícia da decreta-ção da irregularidade do loteamento, a fim de alertar o público em geral e os interessados, visando evitar a comercialização de lotes. O Ministério Público também deve ser comunicado oficialmente para que adote as me-didas necessárias de instauração de inquérito e apuração das irregularida-des cometidas pelo loteador na esfera cível e criminal.

O empreendedor e/ou seus representantes legais devem ser notifica-dos pela prefeitura sobre a decretação da irregularidade do loteamento: por carta com aviso de recebimento ou pessoalmente, por servidor públi-co habilitado ou por notificação via Cartório de Notas. Esta notificação deverá determinar que o empreendedor não realize novas vendas, não receba mais as prestações devidas pelos adquirentes e forneça a listagem de todos os adquirentes de lotes, com seus respectivos endereços e conta-tos telefônicos.

A prefeitura deve comunicar todos os adquirentes de lotes sobre a situ-ação de irregularidade do loteamento do solo, para que suspendam os pa-gamentos das prestações e passem a depositá-las em uma conta bancária indicada. Esta indicação pode ser feita pela própria prefeitura, nos casos em que houver previsão legal para tanto, ou pelo Cartório de Registro de Imóveis, quando o loteamento tiver sido registrado.

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O Cartório de Registro de Imóveis no qual o parcelamento foi regis-trado também deverá ser comunicado oficialmente, para que dê publici-

dade formal deste fato na matrícula do loteamento, averbando a decretação da sua irregularidade. Se for o caso, o car-tório também deverá proceder ao re-colhimento das prestações mensais devidas pelos adquirentes dos lotes e depositá-las em uma conta bancária vinculada ao loteamento.

O juiz corregedor dos Cartórios de Registro de Imóveis da Comarca também deverá ser cientificado pela prefeitura da situação de irregularida-de do loteamento, pois deverá orientar o Cartório de Registro de Imóveis sobre as medidas que este adotará quanto ao recebimento das prestações e para possível averbação na matrícula do loteamento da decretação da sua irregularidade.

Tomadas todas essas providencias pelo Poder Público local, ainda há a possibilidade de o loteador regularizar o loteamento junto à municipa-lidade, seja realizando as obras necessárias, seja aprovando novo projeto. Tudo dependerá da situação real de cada caso.

O importante é que a prefeitura sempre acompanhe esta regulariza-ção, com atenção especial na fase de execução das obras, para verificação da implantação da infra-estrutura básica e da qualidade dos serviços de drenagem subterrânea, redes de água e esgoto, arruamento, terraplena-gem realizada, alinhamento de vias e dos lotes, e preservação das nascen-tes, córregos e mata ciliar quando necessário for.

A regularização pela prefeitura

Constatado que o loteador não tomou as providências para sanar a irregularidade decretada, a prefeitura deverá tomar para si a responsabili-dade pela regularização do loteamento.

O primeiro passo para tanto é traçar um diagnóstico da situação atual da irregularidade (verificar se a situação permanece a mesma da decretação da irregularidade e decurso do prazo dado ao loteador para regularizar).

Veja na Biblioteca Virtual o Artigo 38 da Lei Fe-

deral nº 6766/79.

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Se houver necessidade da realização de obras de infra-estrutura, o Po-der Público deverá realizá-las. É importante destacar que estamos aqui tratando de regularização de interesse social. Assim, mesmo que os ad-quirentes dos lotes não realizem pagamento de parcelas anteriormente devidas ao loteador, a prefeitura poderá estabelecer critérios para regula-rizar loteamentos irregulares sem que os moradores desses loteamentos, geralmente lesados pelos loteadores, arquem com as despesas decorrentes das obras de infra-estrutura.

A prefeitura pode se ressarcir dos gas-tos despendidos na hipótese de haver depó-sito de valores pelos adquirentes dos lotes em conta corrente indicada pelo cartório ou pelo próprio Poder Público local. Tam-bém há a possibilidade da municipalidade ingressar com ação judicial contra o lotea-dor cobrando esses valores. Tudo depende-rá do caso concreto analisado.

Quando o loteamento não for implantado de acordo com o projeto original aprovado, registrado no Cartório de registro de Imóveis, no qual for constatado que a situação real não prejudica os adquirentes dos lotes nem há prejuízo de cunho urbanístico ou ambiental para o município, a prefeitura poderá requerer a substituição do projeto registrado no Car-tório de Registro de Imóveis. Havendo dúvidas, o Oficial do Registro de Imóveis deverá suscitá-las ao juiz corregedor.

Quando o loteamento foi aprovado e registrado, mas as obras de im-plantação não foram executadas no prazo estabelecido no cronograma de aprovação, isso também acarretará a caducidade do alvará de aprovação. O resultado desse ato é a determinação de paralisação imediata das obras.

Nesses casos, o Poder Público poderá analisar novamente o projeto e, não ocorrendo mudanças na legislação, poderá emitir novo alvará de aprovação, prorrogando o prazo para conclusão das obras, porém na con-dição de loteamento irregular. Isso implicará a suspensão do pagamento das prestações por parte dos adquirentes, se elas estiverem acontecendo. Esta é a sanção prevista em lei, aplicável ao loteador faltoso.

iNo Estado de São Paulo, por provimento da Corre-gedoria Geral de Justiça, os Cartórios de Registro de Imóveis foram liberados dessa atribuição de serem receptores das prestações. Pela decisão do Poder Judiciário, foi autorizada a celebração de convênio entre a prefeitura e o banco estatal local.

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Ocorrendo qualquer alteração legislativa que modifique as condições da aprovação vencida, o empreendedor deverá ser compelido a promover a adaptação do projeto do loteamento. Isto se a nova legislação permitir, caso contrário, não será deferida a nova licença, pois o direito adquirido somente existirá na vigência da aprovação, ou seja, no prazo estabeleci-do para implantação do loteamento. Neste caso, poderá ser reconhecida pelo Poder Público uma parte do loteamento efetivamente implantado. A parte que não estiver consolidada implicará um modificativo do projeto perante o Cartório de Registro de Imóveis. Também poderão ser feitas as rescisões dos contratos de compra e venda referentes aos lotes da área em que o loteamento não foi implantado e a conseqüente restituição dos valores pagos pelos adquirentes.

Procedimentos de regularização fundiária de loteamentos clandestinos

Um loteamento é considerado clandestino quando implantado à re-velia do poder público e à margem da legislação urbanística, ambiental, civil, penal e registrária, com abertura de ruas e demarcação de lotes sem aprovação de projeto pelo Poder Público e sem qualquer controle para posterior comercialização. Comumente, esses empreendimentos são to-talmente carentes de infra-estrutura básica, de equipamentos comunitá-rios, ficando à margem de um processo de planejamento urbanístico.

Este tipo de loteamento é tipificado pela Lei nº 6766/79 (art. 50 e seguintes) como crime contra a Administração Pú-blica. Todavia, outras duas leis editadas posteriormente (Lei nº 9099/95 e Lei nº 9714/98) reduziram o poder das penali-dades impostas ao loteador clandestino na primeira lei. Atualmente, poucos lo-teadores clandestinos condenados cum-prem penas restritivas de liberdade. A maioria dos juízes opta por aplicar penas alternativas, restritivas de direitos, o que acaba diminuindo a criminalização des-se tipo de loteamento.

i A Lei n° 9.099/95 instituiu os juizados especiais cíveis e criminais. Também previu a suspensão do processo nos crimes cominados com pena mínima de até um ano de prisão (art. 89), quando o acusado não tiver sido condenado por outro crime. Esta suspensão pode durar de dois a quatro anos, durante os quais o acusa-do deverá ter bom comportamento e se apresentar ao juiz sempre que solicitado for. Depois deste prazo, a punibilidade do acusado é extinta.

A Lei n° 9.714/98 determinou a substituição das pe-nas privativas de liberdade pelas penas “alternativas”, que são restritivas de direitos quando a pena imposta pelo crime não ultrapassar o limite de quatro anos.

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Em decorrência dessas mudanças no direito penal, adotou-se como prática, nos crimes de loteamento clandestino, a substituição da pena pri-vativa de liberdade por uma pena alternativa. Ocorre que, ante o desapa-relhamento do Poder Público para a fiscalização do cumprimento dessas penas, generalizou-se entre os juízes a condenação do infrator a distribuir cestas básicas à população carente. Como resultado, o que se tem veri-ficado é que a capacidade dissuasória da criminalização do loteamento clandestino foi bastante reduzida.

Os loteamentos clandestinos podem ser promovidos tanto pelos pro-prietários do terreno quanto por terceiros, os chamados “grileiros”. Quando promovidos pelos próprios proprietários, estes buscam escapar dos procedimentos e ônus contidos na legislação incidente sobre o lotea-mento do solo e, normalmente, sequer realizam as obras de infra-estru-tura necessárias. Se forem implantados por “grileiros” de terras, se carac-terizam por serem promovidos por criminosos que vendem terrenos que não lhes pertencem.

A maioria dos casos de loteamento clandestino ocorre à revelia das au-toridades locais, pois este tipo de prática quase nunca é de imediata identifi-cação pelo Poder Público, muitas vezes falho em seu sistema de gestão. Um ponto de destaque é a fragilidade do nosso sistema de registros de imóveis. Muitas vezes, mais de uma pessoa possui o título de propriedade de uma determinada área. Outro é a descrição vaga dos imóveis em títulos muito antigos, ensejando a impossibilidade da precisa delimitação da área loteada, o que acaba facilitando a implantação de parcelamentos clandestinos.

Os adquirentes de lotes provenientes de loteamentos clandestinos não alcançarão a condição de titulares de domínio enquanto não regularizado o loteamento, mesmo quando o loteador é o proprietário da gleba original, pois a regularidade jurídica do empreendimento, com a aprovação do lotea-mento e o seu registro, é sempre condição (e não a única) para registro dos lotes individualizados no Cartório de Registro de Imóveis. A abertura das respectivas matrículas dos lotes no Cartório de registro de Imóveis compe-tente é condição legal para alienação destes (art. 37, Lei nº 6766/79).

Levada ao conhecimento do Poder Público a existência de loteamento do solo clandestino, o primeiro passo a seguir é traçar um diagnóstico da situação atual da ilegalidade e providenciar a imediata instauração de procedimento administrativo para averiguar o que realmente aconteceu. Para tanto, é necessário fazer a vistoria da área para realização de um le-

Grileiro é um termo que designa quem fal-sifica documentos para, de forma ilegal, tornar-se dono por direito de terras que não lhe pertencem. O termo provém da técnica que consiste em colocar es-crituras falsas dentro de uma caixa com grilos, de modo a deixar os do-cumentos amarelados e roídos, dando-lhes uma aparência antiga.

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vantamento preliminar da situação real do loteamento, com entrevista da comunidade local e do entorno e, se possível, dos adquirentes dos lotes.

Concomitantemente, o órgão técnico responsável do Poder Público deverá elaborar um laudo técnico com identificação da área loteada clan-destinamente. Neste laudo, deverá constar a legislação incidente sobre a área, qual o grau de intervenção urbana (abertura de vias, demarcação de lotes, terraplenagem, edificações, desmatamento, ocupações em encostas e topo de morro, etc.), se há obras em andamento no local e identificar os responsáveis pela implantação do loteamento e, se for o caso, pela comer-cialização dos lotes.

Levada ao conhecimento do Poder Público a existência de lotea-mento clandestino, o primeiro passo é traçar um diagnóstico e ins-taurar de imediato um procedimento administrativo para averiguar o que realmente aconteceu.

A prefeitura deverá imediatamente adotar medidas para dar publicida-de dos fatos constatados aos adquirentes dos lotes e à população local, utili-zando, para tanto, os meios mais acessíveis e eficazes (carro de som, fiscais no local, jornal de circulação local, avisos fixados nos estabelecimentos comerciais próximos ao empreendimento, contato com lideranças locais, notificações, entre outros). Também deverá impedir a continuidade das obras, a comercialização dos lotes e a construção de novas moradias.

O Ministério Público local deverá ser informado sobre a existência de loteamento clandestino para que adote as medidas necessárias de instau-ração de inquérito e apuração do crime e demais irregularidades cometi-das pelo loteador na esfera cível e criminal.

O responsável pelo empreendimento deverá ser notificado pela prefei-tura a apresentar, em curto prazo (24h ou 48h), prova de que o loteamento não é clandestino, ou seja, a documentação comprovando que loteamen-to foi aprovado. Esgotado este prazo, sem apresentação das provas, deverá ser lavrado Boletim de Ocorrência que também instruirá o processo admi-nistrativo e o inquérito instaurado pelo Ministério Público.

Também, o empreendedor e seus representantes deverão ser notifica-dos para:

se absterem de prosseguir com as obras; •

suspenderem a realização de novas vendas; •

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Aula 12

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suspenderem o recebimento das prestações pelos lotes vendidos; •

rescindirem os contratos com os adquirentes; •

devolverem os valores recebidos aos adquirentes e, ainda •

apresentarem a relação dos adquirentes com nome, qualificação, en- •dereço e contatos.

Todas essas informações e ações deverão estar documentadas no pro-cesso administrativo instaurado. O Ministério Público deverá ser comuni-cado do andamento deste procedimento e ser alimentado com informa-ções e documentos que forem colecionados ao longo deste procedimento.

Tomadas essas atitudes, a prefeitura deverá providenciar uma avalia-ção técnica na área para verificar se há como ser feita a regularização fun-diária do loteamento, estabelecendo parâmetros mínimos de aceitação de uma situação consolidada e irreversível ou, se for o caso, poderá optar por remover total ou parcialmente o loteamento.

A regularização pela prefeitura

Caso a prefeitura opte por realizar a regularização fundiária de um loteamento clandestino de interesse social, deverá, em um primeiro mo-mento, tentar levar o loteador a assumir a responsabilidade pela regulari-zação. Todavia, quando o loteador não tiver a disposição para promover a regularização, estiver foragido ou quando tomar atitudes que demons-trem a sua intenção de não regularização da área, a prefeitura poderá pro-mover a regularização por sua própria conta, devendo se orientar pelo interesse público.

O primeiro passo a ser dado é a realização de uma pesquisa fundiária no Cartório de Registro de Imóveis, a fim de saber qual a situação do imó-vel loteado clandestinamente.

Ao mesmo tempo, deverá ser feita a caracterização do assentamento e providenciado um levantamento físico da área, sendo definidas as estraté-gias de participação da comunidade local. Caso exista projeto de demarca-ção dos lotes, subdivisão das quadras, do sistema viário, das redes, mesmo que na forma de um croqui, confrontar este com a ocupação efetiva da área e o seu real traçado.

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Quando a prefeitura optar por promover a regularização fundiária em face da caracterização de irreversibilidade do loteamento, a popula-ção local deverá participar ativamente do processo, sendo necessária uma estratégia que facilite a organização comunitária. Imprescindível que a população local seja envolvida neste processo, seja por meio de simples orientação, seja por meio de assistência técnica aos moradores (cortes de terreno, aterros, esgotamento sanitário, fornecimento de planta padrão).

Não sendo compatível o título de propriedade da área com a situação real do loteamento, deverá ser realizada sua retificação, junto ao Cartório de Registro de Imóveis.

Passada esta fase, deverá ser elaborado projeto de regularização fundi-ária contemplando um projeto urbanístico completo com:

denominação do loteamento; •

sistema viário e subdivisão das quadras em lotes com dimensões, cur- •vas de nível;

identificação das vias e lotes; •

identificação e dimensão das áreas verdes e dos equipamentos comu- •nitários;

dimensões lineares e angulares do projeto; •

áreas não edificantes, se existirem; •

perfis longitudinais; •

projeto dos sistemas de escoamento de águas pluviais, da rede de es- •goto, de distribuição da água potável, de pavimentação, de rede de ilu-minação pública e de arborização, além do memorial descritivo com justificativa do projeto e especificações técnicas.

Este projeto deverá ser feito visando adequar ao máximo a situação implantada aos parâmetros urbanísticos e à legislação ambiental inciden-tes, aplicando-se, quando necessário, medidas compensatórias. Todo esse processo deve ser construído junto com a comunidade e os vários órgãos técnicos envolvidos. Há de se ter um consenso quanto ao projeto, que ga-ranta melhor qualidade de vida à comunidade, dentro das condições obje-tivas encontradas, após o que será submetido esse projeto à análise formal dos órgãos responsáveis pelos licenciamentos urbanístico e ambiental.

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Uma vez regular, o projeto deverá ser registrado no cartório de regis-tro de imóveis competente.

Regularização fundiária de conjunto habitacional de interesse social

Conceituação de conjunto habitacional

Na definição adotada pelas Normas de Serviço da Corregedoria Geral de Justiça do Estado de São Paulo, extraída da leitura do item 156.1, temos que:

Entende-se como conjunto habitacional o empreendimento em que o parcelamento do imóvel urbano, com ou sem abertura de ruas, é feito para alienação de unidades habitacionais já edificadas pelo próprio em-preendedor.

Do restante da leitura dos tópicos relativos ao conjunto habitacional (caput do item 156 e 156.2) pode-se ainda interpretar de forma clara que tanto podem ser promovidos pela inicia-tiva privada quanto pelo Poder Público, sendo relativizadas as exigências quan-to ao cumprimento do art. 18 da Lei nº 6766/79 quando se tratar de empreendi-mento produzido pelo Poder Público em nome do interesse social.

O Conjunto Habitaciona (CH) pode, assim, partir de uma base de par-

celamento do solo caracterizada como loteamento ou desmembramento, porém a edificação concomitante das unidades habitacionais é que irá ca-racterizar essa figura própria.

Extrai-se da conceituação acima que um condomínio não é conjunto habitacional. Isso não significa que um conjunto habitacional não possa ser composto de vários condomínios. Pensemos naqueles casos em que ocorra um desmembramento ou loteamento, criando-se lotes indepen-dentes e em cada lote individualizado se promova a construção de unida-des habitacionais sobrepostas ou mesmo edifícios com mais de dois pa-

@

As normas estão disponíveis no site http://www.mp.sp.gov.br/ (Endereço Acessado em 10/04/2008).

iOs agentes públicos previstos na Lei nº 4.380, art. 8º para compor o Sistema Financeiro de Habitação são caracterizados pela finalidade não lucrativa e pelo compromisso de facilitar e promover a construção e aquisição da casa própria ou moradia.

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vimentos. Neste caso, teremos a presença de um conjunto habitacional. O importante é que todo esse empreendimento faça parte do mesmo pro-jeto, do mesmo processo.

Ao se promover o parcelamento do solo e o seu registro e, depois, com os lotes autônomos, ou seja, já individualizados, se construir condomínios em cada um deles, não mais teremos um conjunto habitacional, mas sim-plesmente um conjunto de condomínios independentes entre si.

O certo é que se encontram as mais diversas conceituações sobre con-junto habitacional nas legislações municipais, cada qual adotando uma concepção própria, ora limitando o número de lotes, ora exigindo a con-formação horizontal, ora proibindo a existência de áreas públicas, ora condicionando a porcentagem da área pública à densidade populacional do empreendimento.

Como se depreende da definição adotada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, através da sua Corregedoria Geral, trata-se de empreendimen-to na forma de parcelamento do solo ao qual a construção de unidades habitacionais está vinculada, no qual haverá que se respeitar as porcenta-gens de áreas públicas.

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Aula 12

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Características em comum dos conjuntos habitacionais de interesse social

Financiamento Recursos provenientes de Fundo Municipal de Habitação ou outros Progra-mas (municipal, estadual, federal). Parcerias.

TipologiaVariáveis topográficas podem exigir ou propiciar a possibilidade de se traba-lhar com tipologias construtivas diferentes: casas isoladas, casas geminadas, casas superpostas, prédios, tudo dentro de um mesmo projeto, constituindo um único conjunto habitacional.

Convenção condominialÉ necessário que se estabeleça um Instrumento Particular de Instituição, Es-pecificação e Convenção de Condomínio sempre que houver a existência de mais de uma unidade autônoma dentro do mesmo terreno (casas superpos-tas ou prédios).

Infra-estrutura

A lei municipal deve disciplinar as obras mínimas, em consonância com as normas federais, ex.: obras de drenagem superficial, guias e sarjetas; galerias de águas pluviais, instalação de rede de água e solução para o esgotamen-to sanitário. Pavimentação opcional ou conforme a exigência imposta pelas condições topográficas e geológicas.

Agentes promotores

Poder Público exclusivamente.Poder Público em conjunto com os beneficiários.Poder Público em parceria com a iniciativa privada.Iniciativa privada, desde que as unidades produzidas se destinem a atender uma demanda de interesse social, ou seja, sejam destinadas à população de baixa renda.

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A aprovação nos órgãos técnicos

Desenvolvido o projeto e havendo o título de propriedade que confira legitimidade a quem se apresente como interessado, já é possível ingressar com o pedido de aprovação nos órgãos técnicos responsáveis.

É evidente que o ideal é sempre uma análise prévia através de um pedido de diretrizes, momento no qual se indicarão as características fí-sicas e ambientais do terreno (nascentes, córregos, matas significativas, vegetação existente). Com base nas diretrizes fixadas pelo órgão técnico, é possível desenvolver o projeto.

Por se tratar de empreendimento de interesse social, é fundamental que o município possua legislação própria com parâmetros especiais. Caso contrário, alternativa não haverá senão a edição de uma lei específica que autorize a implantação do empreendimento em cima de parâmetros especiais ou, como na cidade de São Paulo, onde o Legislativo autorizou o Executivo a editar decretos específicos. O início da obra sem a devida aprovação dos órgãos técnicos já estará a caracterizar o parcelamento do solo e a construção irregular.

No caso de um conjunto habitacional, existe a necessidade de uma du-pla análise, tanto em relação ao parcelamento do solo, quanto em relação às edificações que serão erigidas.

O ideal é sempre fazer uma análise prévia através de um pedido de diretrizes, quando se indicarão as características físicas e ambien-tais do terreno. Com base nas diretrizes fixadas pelo órgão técnico, é possível desenvolver o projeto.

Na cidade de São Paulo, para essas situações, em que o Poder Público é o próprio interessado, existe o procedimento denominado Plano Inte-grado, no qual se especifica uma tramitação mais ágil entre os distintos órgãos analisadores.

Nos casos de aprovação de empreendimento, muitas vezes se exige a análise por parte de órgãos estaduais, especialmente os vinculados a pro-teção do meio ambiente.

No Estado de São Paulo, também, essa passagem pelo crivo estadual tem um aspecto positivo. Esse procedimento foi criado para agilizar os procedimentos, através de um único “balcão de atendimento”, pelo qual serão analisados os projetos de água e esgoto, de segurança contra incên-

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dio (nos casos de edifícios), os aspectos ambientais e o possível confronto com zoneamentos estabelecidos pelo Estado, como, por exemplo, manan-ciais ou áreas de proteção ambiental, além do aspecto da poluição.

Principalmente no que diz respeito à questão ambiental e aos efeitos relativos à poluição, é importante que se ouça a manifestação de outro ente federativo, que não somente o município, uma vez que cabe ao Es-tado parcela significativa de responsabilidade quanto ao licenciamento e seus reflexos ambientais.

O que não se pode admitir é que esses limites sejam extrapolados, ferindo a competência municipal de gerir seu ordenamento territorial. As-sim, não cabe ao Estado interferir no modelo de parcelamento do solo, quando esse possuir a configuração de interesse social.

Quando se trata de meio ambiente e poluição, deve-se ouvir a manifestação de outro ente federativo, pois cabe ao Estado grande parcela de responsabilidade quanto ao licenciamento e seus reflexos ambientais.

Parece-nos, assim, que a subordinação a uma dupla análise, no que diz respeito aos limites da questão ambiental, está plenamente amparada por nosso ordenamento jurídico maior. Entretanto, vem se buscando avançar no sentido de o município alcançar a qualificação necessária de tal modo que ele mesmo tenha a competência para analisar o aspecto ambiental sem ter que se remeter a uma análise estadual.

Da relação condominial dentro de um conjunto habitacional

Existem situações em que, para a implantação do empreendimento habitacional, devido a características físicas e para um melhor aproveita-mento do terreno, exige-se também a construção de unidades habitacio-nais sobrepostas ou verticalizadas.

Essa situação especial em relação a essas construções exige uma for-matação jurídica diferenciada, de modo a se garantir a segurança jurídica dos moradores específicos dessas construções (casas sobrepostas).

Assim, em casos de duas ou mais construções em um único lote, existe a necessidade da constituição de um condomínio para cada lote, nos ter-mos da Lei nº 4.591/64, com a Instituição e Especificação do Regime de Condomínio e respectiva Convenção Condominial.

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Registro do auto de imissão na posse

Considerando que a grande maioria dos empreendimentos conjuntos habitacionais é de autoria do Poder Público, é comum nos depararmos com um problema logo de início, que impede a tramitação regular de um processo de aprovação: a ausência de legitimidade da administração. Muitas vezes, a aquisição da propriedade ocorre através de um processo de desapropriação e, portanto, a titularidade de domínio somente se ad-quiria com o pagamento do valor indenizatório, com a expedição da carta de adjudicação ou mandado judicial.

A demora nos processos de desapropriação invariavelmente era um dos entraves à possibilidade de regularização fundiária de empreendimen-tos habitacionais promovidos pelo Poder Público.

Merece destaque, neste ponto, a edição da Lei nº 9785/99, que alterou a legislação pertinente ao parcelamento do solo, de desapropriação e de regis-

tro público, provocando grande modifi-cação conceitual, de forma a destravar um procedimento que se fazia necessá-rio para permitir a aprovação do projeto perante os órgãos públicos de aprovação e o acesso ao registro de imóveis.

Com essa alteração legislativa, passou-se a admitir o registro do auto de imissão da posse, ato esse que permite a regularização do empreendimento habitacional por parte do Poder Público, o registro do Conjunto Habitacio-nal e, inclusive, a transferência para terceiros por meio da cessão de posse, independentemente do pagamento da indenização ter sido concluído.

Mutirão

Muitas vezes, pode-se ter a compreensão de que a figura do conjunto habitacional exige intervenção única do Poder Público, com a aquisição da terra, a obtenção dos recursos, o desenvolvimento do projeto, a implanta-ção do parcelamento do solo e a construção das unidades habitacionais. É possível, porém, que a construção do empreendimento se dê por meio da mão-de-obra dos próprios beneficiários, ao que se convencionou chamar de mutirão. O modo construtivo em nada alterará a figura jurídica do

Consulte a íntegra da Lei nº 9785/99 na Bibliote-

ca Virtual.

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conjunto habitacional. Esse modo construtivo pode se dar através da au-toconstrução ou através de uma forma de organização coletiva pela qual todos constroem todas as moradias.

Nesses casos, é importante que o projeto de parcelamento do solo e a tipologia das construções sejam coletivamente discutidos e desenvolvidos por uma assessoria técnica escolhida e contratada pela associação, de for-ma que todos se sintam elementos ativos desse processo.

Da exigência de CND do INSS

É importante destacar: os empreendimentos habitacionais que con-tem com a construção da moradia deverão ter a obra inscrita perante o Instituto Nacional de Seguridade Social, com a abertura da competente matrícula de obra, mesmo naqueles casos caracterizados como mutirão. O não cumprimento dessa providência poderá render dificuldades fu-turas, especialmente por ocasião do registro do empreendimento, bem como sujeitar o titular de domínio da área maior a responder em processo de execução.

Encontramos na Instrução Normativa nº 3, de 14/07/2005, no art. 413, XXVI, a definição de conjunto habitacional para fins de tributação previdenciária, limitando o tamanho da unidade a 70 m², e também no art. 462, III, a possibilidade de isenção em relação à mão-de-obra não remunera-da, caso típico das construções em mutirão ou da autoconstrução. Já a abertura de matrícula é previs-ta no art. 25.

Quanto à responsabilidade do oficial do Registro de Imóveis, a legisla-ção previdenciária atribui a esse a função de fiscalização do recolhimento das contribuições devidas. O registro de contrato sem a apresentação da CND pela pessoa jurídica alienante acarreta a responsabilidade solidária do oficial, conforme art. 48 e 92, da Lei nº 8.212/91. A averbação de cons-trução sem a CND sujeita o oficial às mesmas conseqüências (ORLANDI NETO, in DIP, 1998, p. 87).

Assim, na implementação de novos empreendimentos, há que se ater a esse aspecto previdenciário. Nos casos, entretanto, de regularização de conjunto habitacional que não possuam a prévia inscrição, poderá se uti-lizar do art. 290-A, § 1º, da Lei nº 6015/73, cuja redação foi introduzida

@

Link:

http://www81.dataprev.gov.br/sislex/paginas/38/mps-srp/2005/in3/tituloii.htm

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pela Lei nº 11.481/2007, pelo qual, nos casos de regularização fundiária de interesse social, independe de compro-vação do pagamento de quaisquer tri-butos, inclusive previdenciário.

Da exigência do controle via processo administrativo

Pode-se observar em várias cidades que o histórico do desencadea-mento concreto, que originou certo ordenamento do território munici-pal, não encontra registro que permita perseguir as causas e efeitos de determinadas decisões político-administrativas.

A importância da existência de registros dos fatos e atos administrati-vos é fundamental para se garantir os preceitos constitucionais de transpa-rência, de moralidade, de interesse público, de publicidade. Nesse sentido, é obrigatório que todos os atos administrativos estejam devidamente re-gistrados em processo administrativo e que se tenha um controle mínimo, a fim de permitir sua localização e a identificação do objeto tratado em cada processo.

Assim, também nos casos de interesse social é fundamental a existên-cia de registros que tratem da definição do programa, da opção quanto ao projeto, das regras para a escolha da demanda beneficiária, da desapro-priação da terra, do controle de liberação de recursos, medição e presta-ção de contas, da contratação de serviços especializados, do processo de aprovação/regularização, etc.

Considerações finais

É comum nos depararmos com loteamentos e conjuntos habitacio-nais implantados há muito tempo que se encontram ainda em situação de irregularidade. Isto ocorre porque, muitas vezes, espaços reservados para áreas verdes ou áreas institucionais se encontram ocupados por moradias. Também é comum que as obras de infra-estrutura tenham de alguma for-ma se deteriorado, necessitando ser refeitas.

Em face de tais situações, normalmente os órgãos técnicos exigem

Confira na Biblioteca Virtual a Lei nº

11.481/2007.

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primeiro a solução dos problemas para depois emitir o competente Auto de Regularização, que também se poderá denominar de Alvará de Regula-rização ou Alvará de Aprovação. Este não se trata do alvará constante no procedimento de aprovação regular.

Para que não perdure a situação de irregularidade, a solução que se vis-lumbra é o da possibilidade de emissão de um Auto de Regularização com ressalvas, devendo o processo administrativo estar instruído com todos os apontamentos necessários – desde a realização de obras até a necessidade de remoções a serem executadas – e um cronograma físico-financeiro, assinados pelo prefeito e secretários responsáveis.

Importante que sejam utilizados os instrumentos legais existentes no nosso ordenamento jurídico, visando à transfor-mação das situações ilegais e de exclusão social, com estratégias definidas, com o objetivo principal de regularizar os lotea-mentos os conjuntos habitacionais ilegais, integrando os seus moradores à cidade.

iIdentifique se existem loteamentos irregulares, clan-destinos ou conjuntos habitacionais irregulares em sua cidade. Como o poder público tem lidado com a situação? Escreva um breve relato e troque experi-ências com seus colegas no Fórum do AVEA.

Contribua com o tópico do Fórum em que esta •questão será debatida.

A troca de idéias entre os participantes do Curso é muito importante. Participe! Se precisar de mais instruções sobre os procedimentos desta atividade, entre em contato com seu tutor.

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Bibliografia

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DALLARI, Adilson Abreu: Ferraz Sérgio, coordenadores. Estatuto da Ci-dade – Comentários à Lei Federal 10.257/01. Malheiros Editores Ltda, 2002

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FINK, Daniel Roberto, coordenador. Temas de Direito Urbanístico, Vol. 4. Centro de Apoio Operacional de Urbanismo e Meio Ambiente. Ministé-rio Público do stado de São Paulo. Imprensa Oficial do Estado, 2005.

FREITAS, José Carlos, coordenador. Temas de Direito Urbanístico, Vol. 1. Centro de Apoio Operacional das Promotorias de Justiça de Habitação e Urbanismo. Ministério Público do Estado de São Paulo. Imprensa Oficial do Estado, 1999.

MATTOS, Liana Portilho, organizadora. Estatuto da Cidade Comenta-do. Mandamentos, 2002.

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ROLNIK, Raquel. “Para Além da Lei: Legislação Urbanística e Cidadania (São Paulo 1886-1936)”. In: Direito Urbanístico. Coordenação de Edésio Fernandes, Belo Horizonte, Editora del Rey, 1998

_______ A Cidade e a Lei. São Paulo, Studio Nobel e Fapesp, 1997

ROLNIK, Raquel [et al.]. Regularização Fundiária Plena – Referências Conceituais. Ministério das Cidades, 2007.

SAULE JUNIOR, Nelson. A Proteção Jurídica da Moradia nos Assenta-mentos Irregulares. Sérgio Antonio Fabris Editor, 2004.

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_______ . Novas Perspectivas do Direito Urbanístico Brasileiro. Orde-namento Constitucional da Política Urbana. Aplicação e Eficácia do Plano Diretor. Sérgio Antonio Fabris Editor, 1997.

SILVA, José Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. Malheiros Edito-res Ltda, 2000.

SOARES, Danielle Machado. Condomínio de Fato; Incidência do Prin-cípio da Autonomia Privada nas Relações Jurídicas Reais. Rio de Janeiro: Renovar, 1999

Publicações institucionais

Estatuto da Cidade: Guia para Implementação pelos Municípios e Cidadãos, Brasília: Câmara dos Deputados, Coordenação de Publicações, 2001.

Manual de Regularização Fundiária Plena, Ministério das Cidades, Secretaria nacional de Programas Urbanos

Regularização de Loteamentos no Município de São Paulo. São Paulo, Prefeitura do Município de São Paulo / Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano, 2003.

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Conclusão

Parabéns! Você chegou ao final do Curso. Nestas doze semanas, trata-mos de um tema fundamental para os brasileiros que vivem nas cidades. Nossa expectativa é que este processo de ensino-aprendizagem contribua para o avanço da regularização fundiária plena, baseada nos princípios fundamentais de justiça social e de democracia.

Temos muita satisfação em convidar você para participar do chat de encerramento. O objetivo é fazer uma avaliação coletiva de nosso percur-so, revisar os pontos de destaque e esclarecer dúvidas. Informe-se sobre datas e horários disponíveis com seu tutor. Um abraço!

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Autores

Autores

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Profª. Alexandra Reschke

Arquiteta e urbanista, secretária do Patrimônio da União.

Profª. Camila Agustini

Advogada, especialista em Direitos Humanos, coordenadora geral de Legislação Patrimonial da Secretaria do Patrimônio da União

Profª. Claudia Virginia de Souza

Arquiteta, Mestre em planejamento urbano e regional pelo IPPUR/UFRJ, diretora da Coordenaria de Implementação do Plano Diretor da prefeitu-ra de Santo André, consultora em planejamento urbano e habitacional.

Profª. Cristiane Siggea Benedetto

Advogada, consultora jurídica na área de Regularização Fundiária. Co-ordenadora do módulo II – Regularização Fundiária Plena – Curso à distância de Acesso à Terra Urbanizada promovido pelo Ministério das Cidades em parceria com a Universidade Federal de Santa Catarina.

Profª. Denise Gouvêa

Arquiteta, urbanista, assessora técnica da Secretaria Nacional de Pro-gramas Urbanos/Ministério das Cidades e Mestre em planejamento urbano pela Universidade de Brasília (UnB).

Prof. Edésio Fernandes

Jurista e urbanista; professor da Universidade de Londres; coordenador do International Research Group on Law and Urban Space (IRGLUS).

Profª. Ellade Imparato

Advogada, Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universi-dade de São Paulo, consultora jurídica especializada em Direito Ur-banístico, integrante da equipe de Direito à Cidade do Instituto Polis, diretora administrativa do Instituto Urbanístico de Direito Adminis-trativo (IBDU) e associada ao Interrnational Research Group for Law and Urban Space (IRGLUS).

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AutoresProf. Gabriel Ismael Folgado Blanco

Advogado, consultor jurídico nas áreas de regularização fundiária, ur-banismo e meio ambiente.

Prof. José Abílio Belo Pereira

Arquiteto e urbanista, é especialista em Planejamento Urbano Parti-cipativo. Secretário Municipal de Planejamento da prefeitura de Be tim/MG (1997-2000) e secretário municipal de Regulação Urbana da prefeitura de Belo Horizonte (2001-2002), é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo do Unicentro Izabel Hendrix e assessor da presidência do CREA/MG.

Profª. Junia Santa Rosa

Economista e Mestre em Gestão das Cidades PUC/MG. É especialista em Ciências Sociais pela UNICAMP/SP e Gestão Urbana pela Univer-sitat de Barcelona. É Diretora do Departamento de Desenvolvimento Institucional e Cooperação e secretária-substituta da Secretaria Nacio-nal de Habitação do Ministério das Cidades.

Profª. Margareth Matiko Uemura

Arquiteta urbanista, Mestre em Planejamento Urbano, especialista em Desenho e Gestão do Território Municipal, ex-coordenadora do Pro-grama de reabilitação de Áreas Urbanas Centrais do Ministério das Cidades e professora da Universidade Bandeirantes – SP.

Profª. Otilie Macedo Pinheiro

Arquiteta e urbanista, é especialista em Planejamento e Gestão Urba-na Participativa; coordenou o Orçamento Participativo de Betim/MG (1993-1998); foi diretora de Apoio à Gestão Municipal e Territorial do Ministério das Cidades (2003-2007), onde coordenou a campanha nacio-nal “Plano Diretor Participativo: Cidade de Todos”, e assessora técnica da Comissão de Desenvolvimento Urbano da Câmara dos Deputados.

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Profª. Patrícia de Menezes Cardoso

Advogada, mestranda em Direito Urbanístico, assessora técnica da Se-cretaria do Patrimônio da União

Prof. Patryck Araújo Carvalho

Arquiteto e urbanista, diretor de Regularização Fundiária da Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano da Prefeitura do Município de Osasco – SP.

Profª. Paula Santoro

Arquiteta e urbanista, graduada, Mestre e Doutoranda pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Técnica do Núcleo de Urbanismo do Instituto Pólis (2002-hoje) e do Instituto Socioambiental (2007-hoje).

Prof. Paulo Somlanyi Romeiro

Advogado da equipe de Direito à Cidade do Instituto Pólis e mestran-do em direito urbanístico ambiental pela PUC-SP.

Prof. Pedro Jorgensen

Arquiteto e urbanista (UFRJ) e Mestre em Engenharia de Transportes (COPPE-UFRJ), pesquisador, autor e co-autor de artigos e estudos sobre os temas Operações Urbanas e Recuperação da Valorização da Terra.

Profª. Raquel Rolnik

Arquiteta e urbanista especializada em planejamento e gestão da terra urbana. É professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) e do Mestrado em Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, SP. Relatora de “Direito à Moradia” da ONU.

Prof. Renato Cymbalista

Arquiteto e urbanista, Mestre e Doutor pela FAU-USP e professor da Escola da Cidade. Autor e organizador de artigos e livros sobre refor-ma urbana e política urbana, entre eles “Planos Diretores Municipais: novos conceitos de planejametno territorial” (Ed. Anna Blume, 2007, com Laura Bueno).

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AutoresProfª. Rosana Denaldi

Doutora em arquitetura e planejamento urbano pela FAUUSP, espe-cialista em Política Habitacional pelo Institute for Housing Planning and Building (IHS) em Roterdã, professora de Planejamento Urbano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Católica de Santos, consultora nas áreas de planejamento urbano e habitacional.

Profª. Rosane Tierno

Advogada, secretária executiva do Instituto Brasileiro de Direito Ur-banístico – (IBDU), membro do Centro de Direitos Gaspar Garcia, coordenadora jurídica do Programa de Regularização Fundiária da Prefeitura do Município de Osasco – SP.

Profª. Sandra Ribeiro

Arquiteta, urbanista, gerente de projeto da Secretaria Nacional de Pro-gramas Urbanos/Ministério das Cidades e Mestre em planejamento urbano pela Universidade de Brasília (UnB).

Profª. Simone Gueresi

Arquiteta e urbanista, mestre em Planejamento Urbano, coordenado-ra Geal de Projetos Especiais da Secretaria do Patrimônio da União

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