Achille Chavée - 10 poemas & aforismos absurdos rabiscados em caixas de cerveja (trad. Henrik...

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Achille Chavée – Henrik Aeshna 0 Achille Chavée : Surrealismo, Beat Generation, psicodelia, experimentalismo, Brion Gysin & a Dreamachine, Stan Brakhage, xamanismo, cultura pop & SchizoPoP ( seguido de 10 poemas & aforismos absurdos rabiscados em caixas de cerveja de Achille Chavée traduzidos do francês ) por Henrik Aeshna Achille Chavée, portrait mélangé por Pol Bury, 1967 « Il n'avait même pas de curriculum vitæ, le pauvre. » - Achille Chavée Paris Paralèlle, 2012

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Achille Chavée (1906 – 1969) : Surrealismo, Beat Generation, psicodelia, experimentalismo, Brion Gysin & a Dreamachine, Stan Brakhage, xamanismo, cultura pop & SchizoPoP ( seguido de 10 poemas & aforismos absurdos rabiscados em caixas de cerveja de Achille Chavée traduzidos do francês ) por Henrik Aeshna

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Achille Chavée – Henrik Aeshna

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Achille Chavée :

Surrealismo, Beat Generation, psicodelia, experimentalismo, Brion Gysin & a Dreamachine, Stan Brakhage, xamanismo, cultura pop & SchizoPoP

( seguido de 10 poemas & aforismos absurdos rabiscados em caixas de cerveja de Achille Chavée traduzidos do francês )

por Henrik Aeshna

Achille Chavée, portrait mélangé por Pol Bury, 1967

« Il n'avait même pas de curriculum vitæ, le pauvre. » - Achille Chavée

Paris Paralèlle, 2012

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Achille Chavée : Surrealismo, Beat Generation, psicodelia, experimentalismo, Brion Gysin & a Dreamachine, Stan Brakhage, xamanismo, cultura pop & SchizoPoP

( seguido de 10 poemas & aforismos absurdos rabiscados em caixas de cerveja de Achille Chavée traduzidos do francês ) - por Henrik Aeshna

à memoria de Mike Kelley & Dorothea Tanning

« ma folie est pure et n’appartient qu’à la folie » - Achille Chavée Tempos atrás, enquanto vasculhava os canteiros de livros antigos & empoeirados no porão de um velho sebo em Lyon em busca de velhos álbuns de flores, acabei me esbarrando numa cópia perdida, e relativamente fora de circulação, de uma antologia surrealista editada por Jean-Louis Bédouin, poeta, estudioso de Breton, Péret (de quem ele foi amigo) & Victor Segalen. Trata-se de La Poésie Surréaliste, de 1964, um levantamento da poesia produzida sob a bandeira da musa do amor louco surrealista até meados do início dos anos 60, e que inclui a primeira geração até aqueles que só vieram ao mundo anos após o lançamento do Primeiro Manifesto de 1924, bebês-taturana saídos do cachimbo de Magritte & de tantas outras imagens-caleidoscópio & ‘borboletras’ que bagunçaram definitivamente, & transformaram, todos os frigoríficos cartesianos do Ocidente. Entre os mais de 50 poetas que fazem parte da antologia poética de Bédouin (escrita em língua francesa & com um desenho de Yves Tanguy ilustrando a capa), um dos que mais me chamaram a atenção foi Achille Chavée, e que apresentarei aqui de maneira bem informal, seguido de algumas traduções que fiz, enquanto acabo de ficar sabendo das mortes da centenária Dorothea Tanning, viúva & alma-gêmea visionária de Max Ernst, e uma das figuras femininas mais representativas da história do Surrealismo, e do artista multimídia rebelde contemporâneo Mike Kelley, supostamente por suicídio, que também tinha uma pitada de surrealismo no sangue (hoje os artistas são mais “mestiços” do que jamais foram), sinal de que a ‘borbolesma’ profética com esqueleto de coral & pupilas de eldourado da alchémie surréaliste, com sua revolta & heresia imanentes, continua a se desdobrar (& também se diluir) sob as mais variadas, e também provocantemente imprevisíveis, formas & mutaçoes, efeitos diretos &/ou colaterais da « nova mitologia » que o papa Breton queria implantar no terreno da história com o intuito de redefinir & mudar a sensibilidade moderna. Marx & Rimbaud numa mesa de costura lautréamontiana & eis o milagre - Uboom ! E pensar que tudo começou quando algum colegial alucinado matou a poesia & foi ao cinema, ver E o vento levou …. « On peut se découvrir comme on trouve un objet perdu. » Ler a poesia de Achille Chavée (1906 – 1969) é como deslizar pela toca do coelho, ou melhor, pela boca do lobo rumo às paisagens de seus sonhos povoados de elipses vertiginosas & antinomias, paisagens esplêndidas onde belas adormecidas em véu & nuas convidam ao estupro ou sereias gordas estampam os outdoors maquiadas do mais absurdo humor negro, mas onde a sinceridade brilha afiada & dúbia como a vida, eis a verdade do poeta. E às vezes ela pode ser bem crua, fria, paradoxal. Mais nua & crua que a própria nudez do verbo jejuando a pão & àgua na nuit blanche do Vazio. Sem palavras.

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Nascido em Charleroi, na província de Hainaut, região da Valônia, Bélgica (quem não se lembra do poema-relato de viagem Au Cabaret Vert de Rimbaud ?!), Achille Chavée descobriu o Surrealismo em 1932, e dois anos mais tarde fundava o coletivo Rupture, movido pelo fervor de uma revolta absoluta propagada pelo espírito surrealista. O Ruptura, que alguns anos mais tarde, em1938, se dissolviria (ruptura do Ruptura) para virar o Grupo de Hainaut, formado com o antigo condiscípulo de Achille, Fernand Dumont, era o segundo proclamado surrealista em terras belgas ; o primeiro era o grupo central de Bruxelas, ligado em torno de Paul Nougé, Magritte, Louis Scutenaire, E.L.T. Mesens, entre outros artistas renegados associados ao comunismo, e que já existia desde a época do primeiro manifesto de Breton. (Obs. : na verdade, esses dois grupos surrealistas que formavam a primeira vanguarda belga do período entre-guerras chegaram mesmo a se assumir como autônomos da célula parisiense, definindo suas próprias linhas & atividades, embora se correspondessem constantemente & organizassem exposições internacionais com os ‘bandidos’ da Praça Dauphine & Café Cyrano, os parisienses. Mas os conflitos também foram inúmeros & substanciosos, até mesmo entre os dois grupos & indivíduos que dominavam a cena belga, e todos eles se desfizeram & se renovaram incessantemente ao longo dos anos que viriam, voltando sempre mais radicais : o COBRA, Haute Nuit, Schéma, etc. E artigos mais recentes têm resgatado do baú um grupo de artistas underground apocalípticos que atuavam em Flandres, de origem flamenga & língua holandesa, que se assumiam já surrealistas desde os anos 20, os « surrealistas esquecidos ». A história é longa…) « eu sou um velho pele-vermelha que jamais andará numa fila indiana » Nas palavras do próprio Chavée, que acima de tudo era ativista & possuía uma sólida consciência proletária, o Ruptura “ preconizava uma revisão geral dos valores, uma completa revolução, uma ‘liberação total do indivíduo’, que no espírito de seus membros não implicava nenhuma noção de gratuidade, mas, ao contrário, lançava uma fórmula de engajamento espiritual da mais alta qualidade”. Armado de tal fervor insurrecional, o poeta seguia desafiando todos os sentidos com seus jorros alucinatórios automáticos & confessionais, visando expandir todas as zonas do inconsciente ignoradas pela razão, e, embora seguisse ao pé da letra o princípio-chave surrealista de “liberação total do indivíduo”, fazia questão de manter uma certa distância da ortodoxia do grupo de Paris. Chegou mesmo a dizer : “eu sou um velho pele-vermelha que não andará jamais numa fila indiana”. (Obs.: Não me cabe aqui, nem é de meu interesse, explorar detalhes de toda a polêmica em torno do parcours político do Surrealismo, bem como sua participação no Comunismo, todas as intrigas & dissidências, etc. etc...) Seu biógrafo André Miguel ainda vai mais longe : “Eu não conheço, à exceção de Artaud, nenhuma obra surrealista que seja tão despojada de literatura, e tão intensamente iluminada pela sinceridade ao momento vivido. Poemas que não apenas possuem um valor de testemunho, mas que manifestam uma extraordinária beleza convulsiva. Achille Chavée utiliza um canivete afiado para abrir a crisálida da noite do inconsciente e extrair as imagens mais duras, implacáveis, fervilhantes, carregadas de um humor de queimado vivo…” Chavée também é lembrado em seu país natal por ter sido o poeta que até o ano de sua morte, em 1969, passava horas nos cafés, entregue às mais loucas & lúcidas conversações, sempre encorajando novos artistas, escritores, pintores, escultores & fotógrafos, além de também escrever seus famosos tiros aforísticos em caixas & embalagens de cerveja. « Toda vez que eu atravesso um muro eu faço mal às minhas asas. » Seja como for, Chavée via na poesia um meio de auto-conhecimento & recriação através da assunção de identidades transitórias & atemporais, como parte de uma obssessão por um elo

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perdido carregado de sensacões puras ocultas na infância mais remota, ou simplesmente numa outra estratosfera alucinatória que não porta necessariamente o sentido/rótulo de ‘regressão’, - e que só a escrita/loucura pura, tal como ele a concebia, poderia revelar, como um mecanismo mágico de igniçao automática & espontânea – uma experimentação sem retoques. E assim chegamos ao “abismo” do Eu. À medida em que avança em direção a si mesmo, o poeta vai confrontando & matando tudo o que se interpõem em seu caminho para a conquista dessa “prova cabal” da liberdade absoluta, a começar pela idéia de Deus, alojada como uma pedra nos rins da consciência (veja o penúltimo poema traduzido na seleção ao final deste artigo). Seu Eu se transforma em um “animal ferido na selva do tempo”, avançando como um tigre na direção do Criador para despedaçá-lo vivo &/ou virá-lo pelo avesso, transmutar sua lógica. A linguagem, assim, quando revirada & livre, metamorfoseia-se em paradoxos de pesa-nervos & espelhos estilhaçados, anedotas, enigmas, vertigens. E até mesmo a figura feminina tão presente no imaginário & nas obras surrealistas também não poderia faltar nessa “busca” frenética pelo outro lado da percepção ordinária. Seria ela um fantasma recorrente ou o desdobramento mágico da própria multiplicidade do eu-poeta andrógino arremessado no campo do Ilimitado, vagando entre as florestas de signos & escombros imemoriais do desconhecido? Que tal perguntarmos a Desnos antes que ele acorde?! (Obs.: Poderíamos até pensar em viagem iniciática - O Louco, o Vidente, O Médico/Curandeiro: todos essas três funções são unificadas no Xamã, sendo ele o portador das três ‘qualidades’, - às quais eu incluiría uma quarta, o Doente, e ainda uma quinta, o Travesti, só para começar. No entanto, para nós que sofremos com o pesadelo de tantos sistemas & represas, essas funções foram completamente divididas, deturpadas e, ainda pior, jogadas umas contra as outras, ou seja, o Louco, que também é médium vidente & pode assumir qualquer forma ou sexo/gênero durante a ‘viagem’, pois ele está além de todas as antinomias, virou hamburguer de hospício nas fogueiras do catolicismo & em tantas outras, acabando incarcerado, assassinado & negado, banido daquilo que é imposto como “normal”. Se para os xamãs o Louco alucinado & que é capaz de ver além do ordinário, escolhido também por ser o doente/sensível da tribo, ocupa o lugar mais alto na consideração de sua ordem & simbolismo espirituais, e sem o qual aqueles que fazem parte dessa “ordem” não poderiam “existir” nem fazer a “conexão” & a cura ; para nós, ao contrário, o Louco é marginalizado, desinfetado da ordem estabelecida & tudo o que eu já disse anteriormente. Mas também pudera; nós trocamos visões xamânicas por Televisões, yopos & vinhas mágicas por barbitúricos, tablóides, reality shows & a merda toda que faz parte do pacote 3 em 1 prêt-à-porter maquiado como uma planta carnívora top model mahakala fenomenal devoradora de cérebro. – Anestesia, please!) A poesia, então, nesse contexto de viagem iniciática para além de seus próprios simulacros & represas, vai carregar os “sintomas” daquele encantamento do qual Artaud falava em seu teatro metafísico. Longe de passar por mera masturbaçao gratuita & pseudo-desmembramento da sintaxe & semântica para se criar um ‘efeito’, enfim, longe de ser o fruto de uma “aventura banal”, a linguagem, na pena mágica de Chavée, como na de Breton inicialmente, deverá existir para “reestabelecer a unidade completa da personalidade humana, devolvendo às forças do irracional seu lugar”, oferecendo, assim, um “alargamento precioso dos campos da consciência”, das zonas não exploradas da psiquê. Ele nos evoca a Palavra como sendo da ordem da matéria primordial da alquimia, costurando-se de “copulações perigosas” para chegar aos caravançarais do desconhecido, ao pulsar da visão. É exatamente o que sentimos em passagens como esta do poema Álibi : “captemos o desconhecido na imagem conhecida

- deixem-me explicar o mecanismo da pureza -

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fechemos os olhos para capturar em pleno vôo as cem moscas que incendeiam suas asas e queimam nossas pupilas de cristal (* ou as cem moscas que queimam nossas pálpebras de cristal…) meu sol querido meu criminoso amado fortaleza de bondade” Não deixo de ver uma perfeita conexão, quase paranormal, entre essa passagem de Chavée & a experiência revelatória de Brion Gysin que culminou na invenção da Dreamachine, durante uma viagem de ônibus pelo sul da França num dia de sol, quando esse, ao fechar os olhos, começou a ter alucinações visuais como cores piscando intensamente na escuridão interior dos olhos. Era o que o neurofisiologista William Grey Walter descrevia em seu livro The Living Brain, de1953, ou seja, flicker (pisca) é um fenômeno que ocorre quando uma pessoa é exposta a interrupçoes de luz entre 8 e 13 flashes por segundo, e sincronizado com os ritmos alfa do cérebro, esse piscar pode levar um indivíduo a “ver” cores, formas, ou até mesmo paisagens tridimensionais inteiras com os olhos fechados. – como as “cem moscas com as asas em chamas” que queimam no poema do poeta valão, imagem que descreve sua fórmula “infantil” para aceder ao voyant rimbaudiano. Maravilhado com aquela experiência, Gysin fez com que o matemático Ian Sommerville, que era o amante de William Burroughs (os três estavam morando entre Londres & Paris na época, os tempos do famigerado Beat Hotel da rua Gît-le-Cœur, experimentando com cut-ups & permutation poems), construísse uma série de Dreamachines à partir de maquetes, e Gysin, acreditando que sua invenção poderia substituir não só a pintura, mas também a Televisão (sim, essa caixa de fazer retardados), passou vários anos tentando negociar com a Phillips & outras marcas a produção em massa de seu aparato ; mas sem sucesso (apenas 9 foram fabricadas por um entusiasta suíço…). Ele sonhava com a Dreamachine em cada casa de família suburbana, ocupando o lugar antes consagrado à televisão. Outra observação interessante é que, segundo Gysin, a música tocada pelos flautistas de Joujouka/jajouka, uma tribo sufi das montanhas do norte do Marrocos com a qual ele conviveu por anos & que depois iria atrair outros locos como Brian Jones, Bill Laswell & Ornette Coleman, seria o equivalente aural da experiência da Dreamachine. Vemos aí um elo fortíssimo, inegável, entre o Surrealismo, a geração Beat & as pricipais bases da psicodelia, cujo pai moderno é Van Gogh!!! - (sem falar ainda de Huxley, Leary, do LSD, dos Acid Tests promovidos pelos Merry Pranksters Ken Kesey & Neal Cassady, de Burroughs, Ginsberg e, mesmo mais atrás, de Blake, Baudelaire, Nerval & Rimbaud, - isso tudo vai longe...), todos infiltrados no sangue, nas margens ou na crista da cultura pop, confluíndo para uma revolução da consciência através de uma expansão sensorial, seja por meio de métodos precisos & estímulos, seja por meio de drogas, e invadindo diretamente o campo da ciência & da tecnologia para tentarem devolver ao ser-humano sua capacidade de sonhar, “viajar”, como fica bem claro na tentativa de Gysin de substituir a televisão-lobotomia por uma “máquina de sonhar”. Viajar, - como os xamãs sempre fizeram, tendo visões em torno de suas fogueiras sob o efeito de drogas, como uma espécie de Hallucinema primitivo natural & espontâneo (bem antes das primeiras raves com seus canhões de luzes & êxtase sintético!!!), ou a música êxtática do dutar tocada pelos uigures do Turquistão, etc. - E o papel do Surrealismo & das outras vanguardas & contraculturas no desabrochar de todo esse bouleversement que veio desaguar nos dias de hoje é Fundamental, e milhares de outras correspondências podem ser obviamente encontradas em não importa qual material do Surrealismo, ou seja, algumas frases & passagens têm até existência própria, e podem facilmente desgrudar-se de seus contextos & obras originais para saírem flutuando por aí, como ectoplasmas contagiosos desincarnados & autônomos dando

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origem à novas formas, obras, movimentos, percepções. Rizomas. As energias estão no ar. O Mago do primeiro arcano maior do tarot é aquele que capta todo esse burburinho incessante de moléculas para, de maneira aplicada & sutil, reuní-las & fazê-las eclodir, vibrar, acontecer. O Mago que também é o Louco que também é a Torre que também é a Morte que também é a Estrela… - a entrada da pirâmide contendo o segredo antigo é recoberta de espelhos, facetas múltiplas, todas interconectando-se, mas também, de maneira elementar, revelando-se claramente distintas. O universo é uma pirâmide. Um grão d’areia. Um templo de correspondências & vogais luminosas. Um círculo com um pilar no centro. Um animal mágico. Um lagarto. Larva. Uma miragem. Flores se acendem num sonho. O sonho de uma borboleta cujo pulsar pode ocasionar uma tempestade muito além de suas próprias fronteiras. Ela balbucia algo enquanto dorme & então acorda de sopetão gritando a palavra Éclat . [Obs. : talvez eu já tivesse visto claramente essa conexão entre Chavée & Gysin, pois, ainda criança, já tinha tido diversas experiências sensoriais & até místicas, ou como sintomas das febres que me assolaram durante uma boa parte de minha infância, ou como resultado direto de olhar para o sol, como toda criança deve fazer, suponho, e em seguida, viajar nas imagens que pulsam no interior. Infelizmente, tal aventura deve ter me custado boa parte da retina ! E também, bem antes de conhecer o Chavée ou de penetrar na ‘almáquina’ do Gysin durante uma exposição, além de todas as experiências com Ayahuasca & outras substâncias, tinha tido algumas visões de borboletas suicidas sendo consumidas numa fogueira ao som de Venus in Furs do Velvet Underground, desintegrando-se & resurgindo num ritmo insano, o que pode ter servido de ponte consciente ou inconsciente (assim como não se pode “explicar” a química da atração sexual, por ex.) para as minhas futuras experiências poéticas com os ‘curtacolagens’ de Stan Brakhage (assista Mothlight - mariposa-luz - de 1963, & sua continuaçao The Garden of Earthly Delights de 1981, inspirada em Hieronymous Bosch, ambos produzidos sem o uso da câmera!, com Brakhage literalmente jogando asas de mariposa, pétalas de flores, moscas mortas, caules, folhas mortas diretamente sobre o filtro-filme da câmera & então projetando-as – alquimia louca !) Chavée evoca em seu poema Matière Première, - prima materia : « maîtres magiques des objets, serpents de la dialectique, créateurs brûlants qui nous livrez le monde, croissez multipliez plus cruels et plus forts »). ** Para mais detalhes, dê uma olhada nas demos de meu video-instalação-performance MEDUSA TV (SchizoPoP Manifesto) presentes em meu site, com todas as justaposições incestuosas que faço com Brakhage, o trompetista free jazz Peter Brötzmann, os cantos guturais & xamânicos da siberiana Sainkho Namtchylak, noise & muita outra coisa do meu universo pessoal, todas parte de meu trabalho de experimentação shamanoise & carnavandalismo com a linguagem, e que já correu Paris, Lyon, Marselha & Londres.] Rasgo agora a cortina para o Niágara de imagens lancinantes do feiticeiro dos objetos & das conexões perigosas, do “traficante do invisível” (segundo Alain Dantinne, um de seus ensaístas), enfim, do inclassificável Achille Chavée. - anagrama de Alice & Jacques Vaché?! Henrik “shamanoise”Aeshna Paris Parallèle, 01.Fev.2012 year of the dragon * Para informações mais detalhadas, consultar : Achille Chavée / Surrealismo belga / Surrealismo Revolucionário / Brion Gysin (Dreamachine & os filmes cut-ups com Burroughs realizados por Anthony Balch) / Stan Brakhage / cinema experimental, surrealista, etc.

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Achille Chavée

10 poemas & aforismos absurdos rabiscados em caixas de cerveja

traduzidos do francês por Henrik Aeshna

www.henrikaeshna.com

( MEDUSA TV, SCHIZOPoP MANIFESTO, Tsunami bOOKS )

A Claudio Willer, poetigre, profeta sísmico das selvas de Sampa A todos os jovens loucos & desajustados à beira de um colapso

A todos os cometas contagiosos nômades iluminados & tântricos À minha irmã & amante shinjū cúmplice dos incestos mais belos & inimagináveis

Aos caravançarais do Desconhecido

Montmartre, Paris Parallèle 01.Fev.2012

Ano do Dragão

* material livre - divulguem, compartilhem, resenhem, usem à vontade, destruam famílias & ordens, acordem entidades, inventem seitas, seja o que for, - mas façam o favor de me

citar/ressuscitar, ou me convidem para um festim….

« eu sou um velho pele-vermelha que jamais andará numa fila indiana »

- Achille Chavée

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« Não se deve jamais manchar sua má reputação. »

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A NOIVA DE MÃOS PERFEITAS Tudo desmoronou com as migrações oriundas dos climas sem totem Eu me redescubro mais livre mais largado do que se nada de ilusório não tivesse acontecido desde os primeiros cemitérios de areia branca desde os bouquets violetas da noites calcinadas desde os tempos dourados de uma primeira greve de fome Ó que a garota com a saia fosforescente que a menina de lábios novos que a mais pura das aventureiras que a mulher que a neve enxaguou se deite na vida do mais tímido do mais pobre do mais atrapalhado do mais deserdado dos homens e o assassine, se der vontade

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LA FIANCÉE AUX MAINS PARFAITES Tout est brisé avec les migrations venues des climats sans totem Je me redécouvre plus libre plus abandonné que si rien d'illusoire n'était advenu depuis les premiers cimetières de sable blanc depuis les bouquets mauves des nuits calcinées depuis l'âge d'or d'une première grève de la faim O que la fille aux jupons de lumière que la gamine aux lèvres neuves que la très pure aventurière que la femme lavée des neiges se couche dans la vie du plus timide de plus pauvre du plus maladroit du plus déshérité et l'assassine si cela lui chante.

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« A cadeira está sempre sentada. »

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IDENTIDADE ( fragmentos ) a André Breton eu sou o grande senhor de uma lenda nua um gêmeo aleitado pela rainha do amor o bandido do adeus sem espírito de retorno a clepsidra gasta de tanto medir o tempo o cálice de cristal e de hierarquia pela minha aflição sobre o mármore devastado a coluna de Hércules em traje de mendigo a sentença de um anão no templo da noite o escarro de um apóstolo no reino de Judá o testamento de um rei que deu suas terras eu sou um grande senhor do sangue do efêmero IDENTITÉ ( extraits ) à André Breton je suis le grand seigneur d'une légende nue un gémeau allaité par la reine d'amour le truand de l'adieu sans esprit de retour la clepsydre épùisée de mesurer le temps la coupe de cristal et de hiérarchie par mon souci sur le marbre brisée la colonned'Hercule en habit de clochard la sentence d'un nain dans le temple du soir le crachat d'un apôtre en terre de Judée le testament d'un roi qui a donné ses terres je suis un grand seigneur du sang de l'éphémère

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« Ao sairmos de uma penitenciária, nos refugiamos com mais prazer em um bordel do que em uma igreja. »

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ÁLIBI Terror apanágio das terras esplêndidas Nua os olhos vendados deitada sobre a calçada das cidades a sorte dorme de pernas abertas Em seu ventre um cartaz « Estupre-me antes da aurora ou eu serei destruída proibido ver meus olhos sob pena de morte » As esquinas balançam salpicadas de estórias de amor era uma vez um garotinho era uma vez um diabo em pele de homem era uma vez uma partitura com trezentos músicos que gritavam ao vento canções incoerentes Mas que gargalhada histérica Deixe-me voltar pra casa eu tremo de febre e angústia rostos voando como golpes de bengala como beijos nos dois seios do mundo me lançaram de quatro aos pés da vida dessa velha aventura humana que se perde de vista atrás da aurora Captemos o desconhecido na imagem conhecida

- deixem-me explicar o mecanismo da pureza - fechemos os olhos para capturar em pleno vôo as cem moscas que incendeiam suas asas e queimam nossas pupilas de cristal meu sol querido meu criminoso amado fortaleza de bondade ( nota : em outra versão do mesmo poema, um verso da última estrofe fica como …as cem moscas que queimam nossas pálpebras de cristal” )

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ALIBI La terreur apanage des terres splendides Nue les yeux bandés Couchée sur le pavé des villes la chance dort les jambes ouvertes Sur son ventre une pancarte " Avant l'aube violez-moi ou je serais écrasée défense de voir mes yeux sous peine de mort " Au coin des rues pendent des histoires d'amour Il était un petit garçon Il était un grand diable d'homme Il était une partition avec 300 musiciens qui hurlaient dans le vent des paroles incohérentes. Mais quel éclat de rire. Laissez-moi rentrer chez moi je grelotte de fièvre et d'angoisse Des visages comme des coups de canif Comme des baisers sur les 2 seins du monde m'ont rendu au pied de la vie de la vieille aventure humaine à perdre de vue derrière l'aurore. Jouons l'inconnu sur l'image connue - je vous explique le mécanisme de la pureté - fermons les yeux pour attraper au vol les 100 mouches qui brûlent leurs ailes Qui brûlent nos pupilles de cristal mon cher soleil mon cher criminel endurci de bonté

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« O humor negro é a cortesia do desespero. »

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MATÉRIA PRIMA Palavras palavras imortais de cílio barbante de pólen de sal e de flor purpur-úmidas podres pálidas e carnívoras palavras de cera vermelha e lágrimas de beijos e tochas de Judas pontudas obstinadas nervosas barrigudas e pesadas palavras do fim palavras da rima feitas de copulações perigosas de ligações promíscuas e fáceis de doenças incuráveis palavras lapsos infectadas de peste monumentais e orgulhosas enfeitadas de erros ortogräfficos palavras criminosas e puras estranguladas no cadafalso da censura palavras meus bons camaradas de orgia das noites de neve e de plumas palavras torturadas com um lança-chamas palavras do tamanho de uma gazela com epiderme de veludo avermelhado nos batentes dos fimes de cancan francês com a silhueta furtiva de um cafetão palavras com chapéu-coco encavernadas nos pianos e trompetes do jazz palavras tamboretes que são uma injúria permanente e gratuita palavras de perdição e trens descarrilhados de Babel de carnaval e de hieróglifo palavras que fazem amor agora estiletes com a duração exata amuletos e algarismos de ouro mestres mágicos dos objetos serpentes da dialética palavras criadoras que queimam que nos revelam o mundo rebentem coaxem multipliquem-se mais cruéis e mais fortes

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MATIÈRE PREMIÈRE

Mots mots immortels de cil de ficelle de poudre de sel et de fleur humides mauves vermoulus pâles et carnivores mots de cire rouge et de larmes de baisers et de flambeaux de Judas pointus têtus nerveux obtus ventrus et lourds mots de la fin mots de la rime aux accouplements dangereux aux liaisons faciles aux maladies incurables mots lapsus malades de la peste monumentaux et orgueilleux aux bijoux de fautes d'orthographe mots criminels et purs décapités sur l'échafaud de la censure mots mes bons camarades d'orgie des nuits de neige et de plume. mots torturés au lance-flammes mots à la taille de gazelle à l'épiderme de velours rouge aux jambages de french cancan à la silhouette fuyante de marlou mots qui portez chapeau melon cachés dans les pianos et les trompettes de jazz mots tabourets qui êtes une injure permanente et gratuite mots de perdition et de déraillement de Babel de carnaval et d'hiéroglyphe mots qui faites à présent l'amour stylets de la durée exacte amulettes et chiffres d'or maîtres magiques des objets serpents de la dialectique mots créateurs brûlants qui nous livrez le monde croissez multipliez plus cruels et plus forts

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« A liberdade é uma mancha de tinta vermelha no seio esquerdo do amor »

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poema solto Meu interlocutor tinha sessenta braços de profecia e trinta pares de facas Eu o imprudente estava sozinho com minha pequena linha da vida desenhada modestamente em minha mao extrait Mon interlocuteur avait soixante bras de prophétie et trente paires de couteaux Moi l'imprudent j'étais seul avec ma petite ligne de vie qui tenait modestement dans ma main

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« Todo crente se masturba em sua propria sacristia. »

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ÁS DE COPAS Por capricho da hora anêmica eu tinha a tempestade entre minhas mãos eu brinquei com as cabeleiras e as algas dos mares vermelhos Foi no tempo em que eu era menos só em meio às criaturas com pálpebras de lua meu tempo de grande compaixão pelas dores do mundo pelos encontros em meio às cortinas miraculosas Os segredos da mais remota revolta que o mundo já viu brilhavam em todos os olhos que eu havia beijado na fumaça de todos os cigarros espatifados sobre o destino das mulheres na trajetória de cada pedra atirada nos campos de trigo maduro Eu perdi meu próprio traço em meio aos enxames de olhos de ilhas perdi as chaves sísmicas do último lugar no mundo onde eu poderia morrer em paz cara a cara com o homem que eu era senhor do império das fronteiras de pérolas

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ATOUT-CŒUR Pour caprice de l’heure exsangue l’orage tenait entre mes mains j’ai joué avec les chevelures et les algues des mers rouges C’était mon temps d’être moins seul parmi les créatures aux paupières de lune mon temps de grande pitié pour l’univers tenu en joue pour les rencontres aux rideaux de miracles Les secrets de la révolte la plus vieille du monde brillaient dans tous les yeux que j’avais baisés dans la fumée de toutes les cigarettes écrasées sur le destin des femmes dans la trajectoire de toute pierre lancée dans les champs de blé mûr J’ai perdu ma propre trace parmi les myriades d’ailes d’îles égaré les clefs sysmiques du dernier endroit du monde où j’aurais pu mourir en paix posé devant l’homme que j’étais maître de l’empire aux frontières de perles

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« Deus jamais vem ao socorro daqueles que sabem nadar. »

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A VIDA A vida às vezes como um cartaz rasgado na paliçada de um terreno baldio a vida às vezes como um jornal em chamas na estratégia das sombras a vida que possui uma razão de ser dois motivos para conhecer três motivos para não se acreditar em deus a vida como um grande palácio de panetone sob a cúpula do silêncio a vida que não muda seu fuzil colado ao ombro seu fuzil de cristal que não muda de ombro seu ombro de leite coalhado que não muda que continua a vida como um pássaro num jardim como um jardim na memória como a memória num seio a vida como a vida eu te saúdo Madame Vida Mãe nossa senhora na terra, no ar e nas águas do sonho

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LA VIE La vie parfois comme une affiche lacérée sur la palissade d’un terrain vague la vie parfois comme un journal enflammé dans la stratégie des ombres la vie qui a une raison d’être deux raisons de connaître trois raisons de ne pas croire en dieu la vie comme un grand palais de pain sous la coupole du silence la vie qui ne change pas son fusil d’épaule son fusil de cristal qui ne change pas d’épaule son épaule de lait caillé qui ne change pas qui continue la vie comme un oiseau dans un jardin comme un jardin dans la mémoire comme la mémoire dans un sein la vie comme la vie je vous salue Madame la Vie Madame notre Mère sur la terre et dans l’air et dans les eaux du rêve

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« Nós fazemos economias terríveis para o proveito do nada. »

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NOITE EM CLARO O reino vegetal O reino animal O reino do terror Jogo perdido chance perdida perda a perder de vista Nenhum simulacro a apunhalar nenhuma verdade a desnudar nenhum fantasma a varrer do caminho Não estou cercado de nenhuma morte da qual me arrependa Eu sou sem idade sem mentira como a cozinha de cobre dourado abrigo dos estágios avançados da solidão Eu sou só com minha faca o pão e a água

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NUIT BLANCHE Le règne végétal le règne animal le règne de la terreur Perte de jeu perte de chance perte à perte de vue Aucun simulacre à poignarder aucune vérité à dévêtir aucun fantôme à dépister Je ne suis environné d'aucun mort regretté Je suis sans âge sans mensonge comme la cuisine aux cuivres d'or abri des étapes avancées de la solitude Je suis seul avec le couteau le pain et l'eau.

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« Êxodo é sair da barriga da mãe. »

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… Agora eu sou um grande animal ferido na selva do tempo e eu avanço como um tigre na direção de Deus negando sua existência Ninguém acreditará em meu projeto ninguém imagina que eu avanço na direção de um abismo que está além da crença que eu avanço em direçao a mim mesmo Nesse abismo uma partida de pôquer continua e uma mulher dá à luz um monstro espelhado e eu avanço em direção a mim mesmo à descoberta de uma prova cabal … Maintenant je suis un grand animal blessé dans la jungle du temps et je m'avance comme un tigre vers Dieu en déniant son existence Nul ne croit à ma démarche nul ne sait que je m'avance vers un gouffre qui dépasse la croyance que je m'avance vers moi-même Là-bas une partie de poker continue Là-bas une femme enfante d'un monstre miroitant et moi je m'avance vers moi-même à la découverte d'une preuve éblouissante

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« O fatalista é aquele que lava a alma em sua própria urina. »

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RAZÃO Eu tinha vindo para plantar minha presença como um estilete no peito da infelicidade eu tinha vindo para perfumar o tecido de renda das fadas para captar o olhar de angústia de um amigo para escovar os dentes da metafísica para pentear o silêncio que escorre nos ombros da noite para isolar o grão de areia e nele me confundir e vos restituir às grandes origens para refletir demoradamente sobre a alma do futuro sobre o mecanismo do desejo sobre a imanência do segredo que ronda a matéria RAISON J'étais venu pour planter ma présence comme un stylet dans la poitrine du malheur j'étais venu pour parfumer la dentelle des fées pour capter le regard angoissé d'un ami pour laver les dents de la métaphysique pour peigner le silence sur les épaules de la nuit pour isoler le grain de sable et me confondre en lui et vous restituer aux grandes origines pour penser longuement à l'âme du futur à la structure du désir à l'immanence du secret qui rode la matière

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« às vezes virar a página não é o bastante; às vezes é preciso arrancá-la. »

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APÊNDICE

Achille Chavée

Achille Chavée & o Grupo de Hainaut ao lado da cabeça de Rimbaud

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Brion Gysin & William Burroughs viajando na Dreamachine

Um dos carnets de notas & colagens de Burroughs & Gysin que fotografei na expo Dream Machine dedicada a Gysin. Curiosamente, trata-se de um cut-up sobre uma reprodução da tela de Bosch, O Jardim das Delícias Terrestres, que cito neste artigo junto com Stan Brakhage –

Lyon, 2010

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Mothlight, Stan Brakhage

The Garden of Earthly Delights, Stan Brakhage

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Sete ilustrações feitas por um amigo de Achille Chavée, Armand Simon ( 1906 – 1981 ), acompanhando a edição póstuma 7 poèmes de Haute Négligence, de 1975. Simon também

executou, entre 1939 & 1944, mais de 40 desenhos para a edição de Os Cantos de Maldoror. Também colaborou com Magritte & Raoul Ubac.

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« Estupre-me antes da aurora

ou eu serei destruída proibido ver meus olhos sob pena de morte »