Acidente do 727 Sacadura Cabral na Madeira em 1977

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José L. S. Freitas 2007 1/5

Sacadura Cabral...foi há 30 anos... (2007)

O Sacadura Cabral era assim há 30 anos...

Foto tirada em Copenhaga por Kjell Nilsson.

Às 21h35 do dia 19 Novembro de 1977, o B-727 de registo CS-TBR que fazia o voo

TP425 tentava aterrar no Aeroporto de Santa Catarina, na Ilha da Madeira. A

tripulação, cansada do 5º voo desse dia, fazia uma terceira tentativa de aterragem

na pista 24, num dia de temporal, com muita chuva e consequente fraca visibilidade.

O comandante sabia que caso não conseguissem aterrar, teriam de divergir para o

Porto Santo onde não haveria de modo algum alojamento para os 156 passageiros e

8 tripulantes que vinham de Bruxelas via Lisboa. Consequentemente seria necessário

divergir para a Gran Canária a mais de 200 milhas náuticas de distância.

A aeronave era um Boeing B.727-282ADV, versão 200 com capacidade para 189

passageiros e fabricada para a TAP (dai o código 82), e fora entregue 2 anos antes à

TAP. Era um tri-reactor (com motores Pratt&Whitney JT8D), número 1096 da linha

de produção, operado por 2 pilotos, 1 engenheiro de sistemas e 5 tripulantes de

cabine. O 727 foi lançado em 1964 como o primeiro modelo de médio-curso a jacto

da construtora americana de Seattle, e voou durante muitos anos em todo o mundo,

até ser faseadamente substituído no inicio dos anos 80 pelo B.757. Ainda hoje é

muito usado por companhias de carga como a Federal Express.

O CS-TBR ostentava o nome do pioneiro da aviação portuguesa que participou na

travessia do Atlântico Sul, Sacadura Cabral, curiosamente falecido num acidente

aéreo no Canal da Mancha.

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As cores da TAP eram ainda o branco e vermelho; a mudança para verde e vermelho

seria para três anos mais tarde. Na altura ainda se lia "Transportes Aéreos

Portugueses" ao longo da fuselagem.

Na terceira aproximação após duas tentativas falhadas, no meio da chuva, alinha-se

com o eixo da pista no sentido Machico-Santa Cruz (antiga pista 24). Finalmente,

toca com o trem principal no chão a uns escassos 1000 metros do final da pista.

Devido à imensa água da chuva esta torna-se escorregadia como uma autêntica

pista de gelo, e verifica-se o fenómeno de hidroplanagem. Tipicamente os aviões têm

como principal fonte de redução de velocidade ao aterrar, os travões nas rodas dos

trens. Estes são coadjuvados com um sistema semelhante ao ABS dos automóveis,

para evitar o desgaste imediato ao primeiro contacto com o solo. Os pneus dos

grandes aviões comerciais são uma câmara-de-ar cheia de azoto seco, com pequena

percentagem de oxigénio. Da sua pressão depende o conseguir ou não travar numa

pista contaminada com água.

Neste caso, os travões de disco accionaram-se após o toque na pista, mas foram

ineficazes no meio em que estavam e o avião continuou a deslizar rumo ao abismo.

Esperava-se que o piloto comandante voltasse a colocar máxima potência nos

motores e o elevasse rumo aos céus. Tragicamente recorreu ao segundo método de

travagem do avião, o reverse nos motores que consiste, no caso destes motores

P&W, numa “panela” na extremidade da saída de gases, que se abre tapando a

saída e desviando o fluxo de impulsão para a frente, deste modo agindo no sentido contrário ao da deslocação do avião.

Este acto de armar os reversers ditou o destino final do avião, pois aniquilou a última

e única hipótese de salvamento que haveria ao usar da potência máxima e voltar ao

ar. Um dos outros tripulantes é ouvido no Cockpit Voice Recorder (a “caixa negra”) a dizer “mete para o talude” já nos derradeiros momentos.

A aeronave sai pela cabeceira da pista, que tinha um desnível de dezenas de metros

em relação à estrada. Cai uns metros mais abaixo em cima de uma pequena ponte

de pedra, desfaz-se em duas partes: a traseira que fica cortada atrás das asas em

cima da ponte e o resto que cai na praia de calhau (chamado o “calhau do Petita”) e irrompe num mar de chamas.

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Foto:autor desconhecido

Eu tinha seis meses e estava com a minha mãe e uma empregada em casa, a 700m

do acontecimento. Ouviu-se um estrondo e, inicialmente pensou-se num trovão.

Saindo à rua verificava-se uma grande nuvem de fumo negro tendo por base um

clarão de chamas, resultante do fogo no meio do temporal. Subindo ao terraço a minha mãe conseguiu ver o intenso fogaréu que consumia os destroços do avião.

Na altura não havia nada que se parecesse com a via rápida, e foi um caos tanto de

carros de bombeiros como de ambulâncias, muitos vindos do Funchal e arredores, e

carros de curiosos. A estrada teve de ser interrompida pela Polícia a partir da

entrada para Santa Cruz, para só deixar passar os meios de socorro.

No Aeroporto o caos instalou-se. Funcionários da TAP e do Aeroporto nem sabiam o

que fazer para informar os familiares e conhecidos dos passageiros na aerogare à

espera da chegada do avião. Apenas o mau tempo impediu que estivessem estas

pessoas na varanda a assistir ao desastre.

Uma colega do meu pai que trabalhava na TAP na altura quando saía da aerogare

apareceu-lhe um táxi donde saltou um belga todo coberto de sangue, em estado de

choque a rogar para informarem a sua família que estava bem.

Lembrava-se apenas do choque inicial do avião e tinha recuperado os sentidos no meio do calhau com a água do mar a bater-lhe no corpo.

Foto:autor desconhecido

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José L. S. Freitas 2007 4/5

foto Diário de Notícias

De manhã cedo a cauda do avião foi pintada de branco para evitar a má imagem da

companhia nos média. Não se julgue que isto é uma prática totalmente em desuso.

Ainda há poucos anos um A320 da Air France bateu com o nariz no chão após falha

no trem dianteiro e o logótipo na cauda e nome na fuselagem, foram imediatamente

tapados.

As urnas funerárias existentes na Ilha da Madeira não chegavam para as "encomendas",

tendo-se usado a capela de Santo Amaro e a da Santa Casa da Misericórdia de Santa

Cruz, para alojar os corpos dos falecidos.

No rescaldo:

Pessoas à bordo: 8 tripulantes e 156 passageiros = 164

Vítimas fatais: 6 tripulantes e 125 passageiros = 131.

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José L. S. Freitas 2007 5/5

Foto:autor desconhecido

A TAP deixou de operar com o modelo B.727 da série 200 para a Madeira, passando

apenas a operar o B.727-100, 5 metros mais curto, e com capacidade para menos 60 passageiros.

Anos e anos consecutivos os pilotos passaram a fazer brake-release (equivalente a

soltar o travão de mão num automóvel) na descolagem só após os motores estarem

ao máximo. Na aterragem spoilers activados e redução de potência logo em cima da

pista para aproveitar o comprimento ao máximo, originando um sopapo seguro no touchdown.

A ponte, que na altura era apenas pedonal, ficou destruída e a zona foi engolida pela

primeira ampliação, finalizada em 1985. Durante muito tempo ainda se encontravam

destroços do avião na praia. Alumínio derretido entre as pedras muito tempo ficou,

formando "obras de arte". Eis aquilo que está em minha posse, recolhido quando íamos à praia ali:

Este bocado servia de túnel para os meus carros nos tempos de criança. Sempre quis saber donde fazia parte, o meu pai julgava que podia ser de uma asa.

Apenas no ano passado um mecânico da TAP conseguiu descobrir o que era. Faz

parte de um eixo de um flap, e é feito de magnésio (incrivelmente leve, mas

inflamável).

Este trágico acidente deu o mote para o primeiro aumento da pista de Santa

Catarina, de 1600 para 1800 metros. Um projecto de engenharia de grande nível da

autoria do renomeado engenheiro português Edgar Cardoso (o que saltou em cima

da pala de Alvalade para comprovar a solidez da mesma posta em causa pelos

media).

Este foi o único acidente mortal da TAP em voo de transporte de passageiros.

José L. S. Freitas ( [email protected] )