Ações Afirmativas e Inclusão Um Balanço 2012

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AÇÕES AFIRMATIVAS E INCLUSÃO: UM BALANÇO Cadernos do GEA, n. 2, jul.-dez. 2012 Grupo Estratégico de Análise da Educação Superior no Brasil ISSN 2317-3246

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Transcript of Ações Afirmativas e Inclusão Um Balanço 2012

  • AES AFIRMATIVAS E INCLUSO: UM BALANO

    Cadernos do GEA, n. 2, jul.-dez. 2012

    Grupo Estratgico de Anlise da Educao Superior no Brasil

    ISSN 2317-3246

  • Faculdade Latino-Americana de Cincias Sociais/BrasilPablo Gentili DiretorMarcelle Tenrio Assistente de Direo

    Grupo Estratgico de Anlise da Educao Superior/Fundao FordAndr Lzaro CoordenadorMargareth Doher e Kathia Dudyk Assistentes de CoordenaoLeidiane Oliveira Estagiria

    Laboratrio de Polticas Pblicas/UERJEmir Sader Coordenador Carmen da Matta Coordenadora de Publicaes e Projetos InstitucionaisCludia Calmon Coordenadora de ProjetosSilvio Cezar de Souza Lima Coordenador de Projetos

    CATALOGAO NA FONTEUERJ/REDE SIRIUS/NPROTEC

    Andr LzaroEditor

    Carmen da MattaEditora Executiva

    Marcelo GiardinoProjeto Grfico e Diagramao

    C122 Cadernos do GEA . n.1 (jan./jun. 2012). Rio de Janeiro: FLACSO, GEA; UERJ, LPP, 2012- v.

    Semestral

    ISSN 2317-3246 1. Ensino superior Brasil Peridicos. 2. Incluso social Brasil Peridicos. 3. Democratizao da educao Brasil Peridicos. I. Grupo Estratgico de Anlise da Educao Superior no Brasil. II. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Laboratrio de Polticas Pblicas.

    CDU 378(81)(05)

  • SUmRIO Editorial | 4 Andr Lzaro

    Incluso na Educao Superior | 5 Andr Lzaro, Cludia Calmon, Silvio Cezar de Souza Lima e Leidiane Oliveira

    Aes afirmativas no ensino superior pblico e polticas de apoio estudantil | 9 Marcelo Paixo, Irene Rossetto, Elisa Monores e Danielle SantAnna Dez anos de ao afirmativa: mapas, balanos, aprendizados | 11 Rosana Heringer

    O Instituto Cultural Steve Biko: vinte anos promovendo aes afirmativas | 13 Silvio Humberto Passos Cunha

  • 4EDITORIALAndr Lzaro

    N este caderno esto reunidos artigos que identificam impactos das aes afirmativas em indicadores da educao superior nos Censos de 2010 e de 2011. Es-to presentes tambm orientaes para o balano dessas aes e a avaliao que o Instituto Cultural Steve Biko da Bahia faz de sua atuao nesse campo.

    O momento exige ao e reflexo: dez anos de re-servas de vagas em instituies como a Universidade do Es-tado do Rio de Janeiro (UERJ) e a Universidade do Estado da Bahia (UNEB) permitem uma avaliao nessas polticas. A Lei 12.711/12 e sua regulamentao impem ao urgente para a garantia de direitos, como fez o MEC ao determinar a

    imediata adoo das reservas de vagas, nos termos da lei, nas Instituies Federais de Educao Superior.

    A luta pela democratizao da educao superior no Brasil, que teve no movimento negro um de seus princi-pais e mais combativos protagonistas, alcanou vitrias de grande impacto. Entre a ao e a reflexo, a convico de que devemos prosseguir lutando para que essas conquis-tas estejam asseguradas e contribuam para a democrati-zao da sociedade brasileira.

    Boa leitura.

  • 5INCLUSO NA EDUCAO SUPERIOR Andr Lzaro,* Cludia Calmon,** Silvio Cezar de Souza Lima*** e Leidiane Oliveira****

    Aumento do nmero de matrculas

    O Censo de 2011 registra pouco mais de 6,7 milhes de matrculas, com a preponderncia do bacharelado (66,9%) sobre a licenciatura (20,2%) e o ensino tecno-lgico (12,9%). A taxa de escolarizao lquida chega a 14,6% e a bruta a 27,8%.

    O total de matrculas na educao superior de gra-duao no Brasil cresceu 5,7% no perodo de um ano (2010-2011). O ministro da Educao atribuiu este cres-cimento a programas tais como Programa Universidade Para Todos (ProUni) e Programa de Financiamento Estu-dantil (Fies). J o Programa de Apoio a Planos de Rees-truturao e Expanso das Universidades Federais (Reuni) contribuiu para a ampliao das vagas nas Instituies Federais. Na rede federal, foi superada a marca de um milho de matrculas de graduao, registrando um cres-cimento de 10% das vagas no intervalo de um ano, en-quanto a rede privada cresceu 4,8% no mesmo perodo. Em 2011 as instituies estaduais registraram 619 mil matrculas e as municipais, 121 mil.

    Reduo das desigualdadesDe 1997 a 2011, a parcela dos jovens de 18 a 24

    anos que frequentavam ou haviam concludo o ensino superior de graduao aumentou expressivamente. No Brasil, a taxa passa de 7,1% em 1997 para 17,6% em 2011. Embora inferior aos nmeros projetos pelo I Pla-no Nacional de Educao (2001 a 2010), h crescimento significativo que se torna mais importante quando se con-sidera a questo da equidade.

    A participao dos jovens de 18 a 24 anos que in-tegram o grupo dos 20% com menor rendimento da po-

    * Professor da Faculdade de Comunicao da UERJ, Pesquisador da FLACSO/Brasil e Coordenador do Projeto GEA/Fundao Ford.

    ** Mestre em Histria Social pela UFF, Professora de Histria da SME/RJ e Coordenadora de Projetos no LPP/UERJ.

    *** Doutor em Histria das Cincias da Sade pela COC/Fiocruz e Coordenador de Projetos no LPP/UERJ.

    **** Graduanda de Filosofia e Estagiria no LPP/UERJ.

    1. Censo da Educao Superior de 2011: aumento de matrculas e reduo de desigualdades

    Os dados do Censo de 2011, apresentados em outubro de 2012 pelo ministro da Educao Aloizio Mercadante, revelam o crescimento das matrculas e o aumento da participao das vagas das instituies fe-derais no conjunto das universidades pblicas. Apesar de expressivo crescimento os ingressos nas instituies federais dobraram entre 2003 e 2011 , 74% de todas as matrculas de graduao esto no setor privado, en-quanto o setor pblico responde por 26%.

    Os dados tambm informam um processo de re-duo das desigualdades e a progressiva incorporao de grupos historicamente excludos desse nvel de ensino. Uma breve anlise dos nmeros evidencia a necessidade de o pas ampliar as polticas pblicas que assegurem o efetivo ingresso e a permanncia de negros, ndios e pessoas das camadas de menor renda da populao brasileira nas uni-versidades. A Lei de Cotas (12.711/12) e sua regulamenta-o pelo Decreto n 7824 e pela Portaria Normativa n 18, publicados em 15/10/2012, apontam caminhos para maior equidade e diversidade na educao superior.

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    pulao teve um relevante aumento na porcentagem de matrculas no ensino superior. Em 1997, apenas 0,5% de jovens desta faixa de renda frequentavam cursos de graduao. Em 2004, essa proporo ainda era de 0,6%. J em 2011, este nmero subiu para 4,2%. A velocidade de crescimento grande, mas a desigualdade persiste: a proporo dos jovens de 18 a 24 anos do grupo dos 20% com maior renda na populao passa de 22,9% para 47,1% no perodo entre o final do sculo passado e a data do ltimo censo.

    As polticas de incluso dos estudantes de menor ren-da esto no caminho certo, mas o desafio aumentar a velocidade do crescimento dessa participao e garantir polticas de permanncia que levem esses jovens con-cluso dos cursos que escolheram, dentro dos prazos aca-dmicos. A comparao entre os nmeros no perodo em que foram adotadas distintas formas de ao afirmativa

    demonstra a relevncia da nova Lei de Cotas (12.711/12) para combater as desigualdades estruturais que organi-zam a sociedade brasileira e promover a democratizao do ensino superior em nosso pas.

    RaaUma boa notcia o aumento de estudantes negros

    nas universidades. O nmero de negros (soma de pretos e pardos, pela metodologia do IBGE) na educao superior mais do quadruplicou no perodo de 1997 a 2011. Se con-siderarmos a populao com idade entre 18 e 24 anos, a proporo de jovens negros passa de 4% em 1997 para 19,8% em 2011. Certamente os debates sobre as polticas de aes afirmativas e sobre a necessidade de polticas p-blicas voltadas para a incluso social dos negros bem como a adeso a essas polticas por parte de muitas universidades federais e estaduais contriburam para o crescimento regis-trado. Entretanto, cerca de 80% dos jovens negros ainda no tm acesso ao ensino superior. Os dados demonstram a necessidade da Lei de Cotas e de polticas que promovam um percurso escolar consistente at a chegada educao

    superior. A Lei de Cotas, que garante melhores condies de acesso populao pobre, aos negros e indgenas, deve apontar para se investir mais e melhor no ensino mdio, ainda hoje um gargalo importante para que a populaes negras e mais pobres possam chegar a disputar as vagas garantidas pela Lei 12.711/12.

    RegiesConsiderando a populao de jovens entre 18 e

    24 anos, o Censo de 2011 revela que ainda persistem profundas desigualdades regionais. Nas regies Norte e Nordeste apenas 11,9% dos jovens nessa faixa etria alcanaram o nvel superior. Mesmo assim, os nmeros apresentam um bom crescimento, pois em 1997 essas propores eram de apenas 3,5% para os jovens da re-gio Norte e 3,4% para a regio Nordeste.

    Nas demais regies do pas, considerando a faixa et-ria de 18 a 24 anos, houve uma inverso de posies. Em 1997, a regio Sudeste detinha a maior proporo de jovens universitrios: 9,3% seguida de perto pela regio Sul, com 9,1%. J em 2004, a regio Sul passa a lideran-a, registrando 17,3% dos jovens no ensino superior, en-quanto a regio Sudeste alcana 15,4%, seguida de perto pela regio Centro-Oeste com 14%. Em 2011, certamente impulsionada pelos nmeros do Distrito Federal, a regio Centro-Oeste apresenta o melhor resultado: 23,9% dos jovens de 18 a 24 anos frequentam ou concluram o nvel superior. Nesse ano de 2011, a regio Sul alcana 22,1% e o Sudeste tem 20,1% de seus jovens no nvel superior.

    Esses dados estatsticos ainda indicam outro aspecto do sistema educacional brasileiro que merece anlise: a melho-ria do fluxo escolar ao longo da educao bsica. O Brasil tem sido apontado como o pas campeo mundial da distoro idade/srie, um atraso resultante da cultura de reprovao que ainda domina muitos sistemas de ensino. A cultura da reprovao faz com que a maioria dos jovens conclua o ensi-no mdio com idades superiores aos 17 anos previstos. Essa distoro se agrava quando se leva em conta as variveis de

    Cerca de 80% dos jovens negros ainda no tm acesso ao ensino superior

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  • 7renda e cor. Em 2009, menos de 40% dos jovens de 15 a 17 anos que integram o grupo dos 20% de menor renda da populao estavam no ensino mdio. A democratizao do ensino superior no pas impe a reviso da estrutura e do per-curso de nossos jovens ricos e pobres, negros e brancos, nortistas ou sulistas pelo ensino mdio, ainda considerado apenas como uma transio para um destino que a maioria dos jovens no alcana.

    IndgenasA pesquisa do IBGE indica a concentrao de

    ingressos nas universidades e graduados no Centro--Oeste (23,9%), Sul (22,1%) e Sudeste (20,1%) do pas, ficando as regies Norte e Nordeste com apenas 11,9% de matrculas cada uma. importante destacar que no Norte do pas, onde se concentra a maioria da populao indgena (53,3%), das doze universidades pblicas na regio, apenas trs adotam cotas especfi-cas para o ingresso de ndios.

    Desigualdade de gnero A ampliao das matrculas e o aumento das taxas de participao dos jovens que ingressaram ou j concluram o ensino superior foi acompanhada da ampliao da desigualdade de gnero. No Censo de 2011, na faixa etria entre 18 e 24 anos, foi regis-trado um percentual de 20,5% de mulheres contra 14,6% de homens. Essa desigualdade vem se agra-vando ao longo do perodo analisado: em 1997, havia 7,9% das mulheres dessa faixa etria na educao superior e 6,2% dos homens. A diferena, que era de apenas 1,7 pontos percentuais, passa a quase 6 pontos percentuais.

    H de se examinar com ateno os motivos dessa desigualdade, que tem sido registrada tambm em outros pases. No caso dos jovens do sexo masculino, as causas dessa distoro talvez estejam associadas ao crescimento da mortalidade de jovens por causas externas. O Mapa da Violncia no Brasil,1 elaborado pelo pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz, que analisou as mortes violentas en-tre jovens na faixa etria de 15 a 24 anos, no perodo

    1 Cf. FLACSO/Brasil, 2012. Disponvel em: .

    de 1998 a 2008, constatou que o nmero de homicdios de jovens cresceu vertiginosamente. A maioria dos jovens assassinados do sexo masculino (92%) e, dentro desse universo, os negros so os mais atingidos, numa propor-o de 103%, ou seja, para cada jovem branco assassi-nado, morre mais do que o dobro de negros.

    A educao um dos mais importantes compo-nentes das polticas sociais, mas no capaz de isolada-mente suprir a sociedade dos valores e das condies de cidadania que devem ser tambm objeto de outras pol-ticas pblicas, inclusive de segurana, que combatam os preconceitos e reconheam as caractersticas das cultu-ras juvenis em vez de criminaliz-las.

    2. Progressos e desafios na regulamentao da Lei 12.711/12

    O governo da Presidenta Dilma Rousseff deu passos decisivos para a implementao da Lei de Cotas com a edio da Portaria Normativa n 18, amparada pelo Decreto Presidencial n 7.824, ambos de 11/10/2012, sugestivamente publicados no Dirio Oficial da Unio de 15/10/2012, Dia do Professor.

    O Ministrio da Educao tomou decises funda-mentais e garantiu sua expresso legal no documento nor-mativo enfrentando as correntes contrrias s aes afirma-tivas, que tm o apoio militante e altissonante de numerosos veculos da imprensa brasileira. Alm de determinar a ime-diata aplicao dos dispositivos de reserva na proporo m-nima de 25% das vagas, por curso e turno, a regulamentao estimula a utilizao dos resultados do Exame Nacional do Ensino Mdio (ENEM) como critrio de acesso educao superior nas instituies federais, dando mais um passo para suprimir o vestibular como processo seletivo.

    A regulamentao tambm reconhece um argu-mento do movimento negro em sua luta de dcadas pelas aes afirmativas: o racismo brasileiro no se confunde com os preconceitos contra os pobres e a pobreza. Ao distinguir a aplicao das propores de pretos, pardos e indgenas tanto nas vagas reservadas pelo nvel de ren-da (um inteiro e cinco dcimos salrio-mnimo per capita) quanto nas demais vagas para escola pblica, a Portaria

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    Normativa n expressa uma interpretao atual das lutas antirracistas no Brasil e no reduz o racismo pobreza.

    Nesse particular, importante reconhecer que foi o movimento negro o protagonista da luta pela equidade na educao superior e que suas conquistas alcanam e pro-movem pobres e excludos a um novo patamar da cidadania.

    A regulamentao tambm enfrenta a dvida educa-cional brasileira. Estudantes que tenham obtido o certificado do ensino fundamental (no caso de candidatos ao ensino mdio tcnico-profissional) ou do ensino mdio (no caso de candida-tos educao superior) em Exame Nacional para Certificao de Competncias de Jovens e Adultos (ENCCEJA), ou ainda o certificado de nvel mdio a partir do ENEM, tm direito a con-correr s vagas reservadas desde que no tenham cursado escolas particulares. Com essa deciso, o MEC d mais um sinal de que compreende a Lei 12.711/12 como importante instrumento de promoo da equidade num cenrio educacio-nal ainda marcado por histricas e profundas desigualdades.

    A Portaria n 18 define os procedimentos para a seleo dos candidatos aos cursos de nvel mdio das instituies federais de educao profissional e tecnolgi-ca, garantindo as propores de vagas de escola pblica, reservadas de acordo com critrios de renda e de cor es-tabelecidos na lei.

    As escolas tcnicas federais, por sua reconhecida qualidade, j so um caminho seguro para o sucesso profis-sional e educacional. A Lei 12.711/12, ao definir a reserva no ensino superior para escolas pblicas, sem restries, esta-belece, a princpio, uma competio desigual: estudantes das escolas tcnicas federais de nvel mdio, dos colgios milita-res e dos colgios de aplicao das universidades pblicas tm, em geral, melhores condies para disputar as vagas reservadas do que os demais estudantes de escolas pblicas dos sistemas estaduais de ensino.

    A mdio prazo, a reserva de vagas nas instituies federais de ensino tcnico de nvel mdio reduzir a desigual-dade decorrente da origem de alunos de escolas tcnicas fede-rais. Resta agora acompanhar o que faro os colgios militares e de aplicao para promover maior equidade e valorizao da diversidade em suas salas de aula. Vale reafirmar: a diversida-de educativa e conviver com diferentes parte integrante de uma educao inclusiva para o sculo XXI.

    3. A questo indgena: desafio a ser enfrentado

    A regulamentao da Lei 12.711/12 define a re-serva na proporo de vagas no mnimo igual da soma de pretos, pardos e indgenas na populao da Unidade da Federao do local de oferta de vagas da instituio. Con-siderando que a populao brasileira tem a composio de 7,6% pretos, 43,1% de pardos e 0,43% de indgenas, a re-serva, quando considera a soma dessas propores por Uni-dade da Federao impe uma competio desfavorvel s populaes indgenas. Assim, a lei pode significar a reduo das possibilidades de acesso dos indgenas ao ensino mdio tcnico-profissional e educao superior.

    A regulamentao, reconhecendo essa restrio, indicou alternativas. Tanto o Decreto n 7.824/12 quanto a Portaria Normativa n 18/12 reafirmam o conceito expresso na deciso do STF de legitimidade e constitucionalidade das aes afirmativas, assim como a relevncia da autonomia para tomar decises relativas aos processos seletivos.

    Diz o Decreto n 7.824/12 (Art. 5, 3):

    (...) as instituies federais de educao podero,

    por meio de polticas especficas de aes afirma-

    tivas, instituir reservas de vagas suplementares ou

    deoutra modalidade.

    E a Portaria n 18/12 (Art. 10 , 2):

    Diante das peculiaridades da populao do local de

    oferta das vagas, e desde que assegurado o nmero

    mnimo de vagas reservadas soma dos pretos, par-

    dos e indgenas da Unidade da Federao do local de

    oferta de vagas, apurado na forma deste artigo, as

    instituies federais de ensino, no exerccio de sua

    autonomia, podero, em seus editais, assegurar re-

    serva de vagas separadas para os indgenas.

    Para os que reclamam de uma lei imposta go-ela abaixo, a autonomia reconhecida e estimulada pelo Decreto n 7.824/12 e pela Portaria n 18/2012 constitui uma oportunidade para que demonstrem o que tm aci-ma da goela. Ou ento se confirma que a reclamao apenas mais um dos muitos modos da velha elite reagir para manter seus privilgios em nome de uma qualidade que ignora e desdenha a diversidade e a equidade como valores essenciais da sociedade democrtica.

  • 9AES AFIRmATIvAS NO ENSINO SUPERIOR PBLICO E POLTICAS DE APOIO ESTUDANTIL*Marcelo Paixo,** Irene Rossetto,*** Elisa Monores**** e Danielle SantAnna*****

    1. Reserva de vaga nas Instituies de Educao Superior (IES) pblicas de acordo com o Censo Nacional da Educao Superior de 2010

    Havia, no ano de 2010, 274 Instituies de Educa-o Superior (IES) pblicas no Brasil, segundo o Censo Na-cional da Educao Superior, divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP). Dessas institui-es, 81 (29,6%) possuam algum tipo de reserva de vaga, ou cotas de acesso, para alunos ingressantes.1

    Dentre os 408.562 alunos ingressantes de todas as IES pblicas, somente 44.398 (10,9%) haviam entrado no ensino superior por meio de algum tipo de reserva de vaga no ano de 2010. Desses, 13.842 ingressaram em vagas destinadas a aes afirmativas de ordem tnicas, isto , voltadas para pretos, pardos, ndios e remanescentes de quilombos. J 32.851 estudantes adentraram em uma IES, em 2010, por cotas de acesso a estudantes provenientes

    de escolas pblicas. Esse nmero correspondeu a cerca de 74% de todos os discentes cotistas.2

    As universidades so as IES pblicas com a maior proporo de reserva de vagas em relao ao nmero total de instituies (49 das 100 universidades do pas), com especial destaque para as universidades estaduais (24 das 37 adotavam algum sistema de reserva de vagas).

    Analisando os cursos de graduao, constata-mos que dos 7.305 cursos oferecidos por todas as IES pblicas do pas em 2010, 2.389 (32,7%) adotavam o sistema de cotas em seu processo seletivo. Os cinco cursos com maior proporo de reserva de vagas em relao ao total de cursos eram Humanidades e Le-tras (42,6%), Odontologia (42,1%), Veterinria (41,1%), Servio Social (40,0%) e Medicina (39,7%).

    Na anlise da proporo do nmero de ingressan-tes atravs do sistema de cotas em relao ao total de alunos novos, notou-se que, em 2010, tambm o curso de Humanidades e Letras aparecia como o primeiro da lista: 13,6% haviam ingressado por meio de reserva de vagas. Outros cursos para os quais essa proporo mostrou-se mais elevada foram Servios Pessoais (13,3%), Odontolo-gia (13,1%), Servio Social (12,8%) e Veterinria (12,6%).

    Outro ponto interessante a destacar que, mesmo nos cursos que registraram a maior entrada de novos alunos por cotas tnicas em nmeros absolutos, o peso deles em rela-o ao total de novos alunos para 2010 ainda era pequeno: representavam apenas 3,2% do total de ingressantes para Formao de Professor e Cincia da Educao; 4,4% de todos os novos estudantes de Sade (exceto Medicina e Odontologia); e 3,4% daqueles que entraram em Engenha-

    * Elaborado a partir das edies de julho e agosto de 2012 do boletim ele-trnico Tempo em Curso, editado mensalmente pelo Laboratrio de Anlises Econmicas, Histricas, Sociais e Estatsticas das Relaes Raciais (LAE-SER).Disponvel em: . Retoma dados analisa-dos em: Revista Frum, n. 114. Disponvel em: .

    ** Professor do Instituto de Economia da UFRJ e Coordenador do LAESER.

    *** Doutoranda em Sociologia da USP e Colaboradora do LAESER.

    **** Mestranda em Economia pela UFF e Colaboradora do LAESER.

    1 Vale salientar que no so contabilizadas as IES pblicas que adotam o sistema de bonificao em seus exames seletivos para cursos de graduao.

    2 possvel o ingresso do aluno por meio de mais de um tipo de reserva de vaga. Por isso, a soma de cada tipologia de cotas superior ao total de vagas reservadas.

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    ria e profisses correlatas. Em carreiras reconhecidamente prestigiadas, como Medicina e Direito, por exemplo, a pre-sena relativa de ingressantes por meio de cotas tnicas foi de apenas 4,1% do total de novos alunos para ambos os cursos.

    2. Assistncia estudantil e aes afirmativas nas Instituies de Educao Superior (IES) pblicas Do total de cotistas que ingressaram em alguma IES pblicas em 2010, somente 18,3% (8.134) recebiam algum tipo de assistncia estudantil. Dentre os no cotistas, o percentual relativo dos ingressantes que recebiam apoio social era ainda menor: 9,4% (34.221).

    As modalidades de apoio social mais frequentes

    so, nesta ordem: alimentao, bolsa permanncia e moradia. Os alunos cotistas que recebiam estes au-xlios eram, respectivamente, 10,2%, 6,1% e 3,4%. Entre os no cotistas os percentuais eram de, respec-tivamente, 6,9%, 1,0% e 1,0%.

    Em 2010, o Brasil possua um total de 1.461.691 alunos matriculados nas IES. Destes, apenas 7,2% (105.855) haviam entrado no ensino superior por meio de algum tipo de reserva de vaga, e somente 12,0% do total de alunos (175.692) eram beneficirios de apoio social, fossem estes cotistas ou no.

    Ao se analisar a assistncia estudantil para o total de alunos das IES do Brasil, notou-se que as pro-pores de alunos que recebiam os diversos tipos de apoio social tendiam a aumentar em relao aos valo-res dos alunos ingressantes.

    Do total de estudantes que ingressaram por meio de reserva de vagas, 22,5% (23.824) acessavam algum tipo de benefcio social. Para os no cotistas, este valor relativo caa pela metade, alcanando 11,2% dos estudantes, ainda que em valores absolutos os mesmos representassem mais de seis vezes o nmero total de cotistas beneficiados (151.868).

    Contudo, a ordem de frequncia com que cada modalidade de assistncia estudantil aparecia pratica-mente no se alterou. Ou seja, o apoio social para ali-mentao, por exemplo, continua sendo o mais frequen-temente prestado aos estudantes cotistas, ocorrendo em 10,2% dos casos (10.808), enquanto o apoio por meio de material didtico continua sendo inexpressivo: somente 0,1% (98) dos cotistas o recebem.

    At 2010, a implementao de polticas de ao afirmativa encontrava um duplo desafio: expandir o n-mero de ingressos por reserva de vaga e a adoo de polticas de apoio estudantil.

    Os dados do Censo da Educao Superior de 2010 evidenciam que as polticas de reserva de vaga no foram acompanhadas por um incremento de aes de assistncia estudantil. Sem o reforo de mecanismos voltados ao incentivo da permanncia de alunos cotistas, corre-se o risco de ver inviabilizada a aplicao da Lei de Cotas e os esforos em prol de uma maior equidade do sistema de ensino brasileiro.

    Em 2010, o Brasil possua um total de 1.461.691 alunos matriculados nas IES. Destes, apenas 7,2% (105.855) haviam entrado no ensino superior por meio de algum tipo de reserva de vaga, e somente 12,0% do total de alunos (175.692) eram beneficirios de apoio social, fossem estes cotistas ou no

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    DEz ANOS DE AO AFIRmATIvA: mAPAS, BALANOS, APRENDIzADOS Rosana Heringer*

    Estudos mais recentes do conta de tendncias importantes na distribuio e tambm no que diz respeito ao pblico-alvo dessas polticas: levantamento feito pelo NEAB/UFSCAR aponta que uma grande proporo das instituies pblicas de ensino superior adota o sistema de reserva de vagas para indgenas, com uma proporo inclusive superior quelas que adotam reserva de vagas para estudantes negros.

    Outros estudos como o de Morche e Neves, de 2010, apontam para a variedade dos tipos de polticas adota-das e pblicos a que se destinam, numa frequente combina-o de prticas e diferentes pblicos. Feres tambm aponta neste sentido: algumas instituies chegam a combinar cinco critrios diferentes na definio do pblico-alvo das polticas, incluindo: negro, indgena, quilombola, estudante de escola pblica, portador de deficincia, entre outros critrios.

    Igualmente significativa a baixa proporo das instituies que previram, ao menos nos anos iniciais, po-lticas de permanncia na universidade para os estudantes ingressantes por ao afirmativa. Ecio Portes e Letcia Sousa apontam, em seu estudo de 2011, que, das 38 universidades federais ento com algum tipo de ao afirmativa, apenas dez mencionavam a adoo de polticas de permanncia em seus documentos oficiais e, destas, apenas quatro previam mecanismos efetivos de implantao dessas aes.

    Se, como afirmou Feres, em 2008, o nmero de universidades com programas de ao afirmativa no Brasil tem crescido tanto que qualquer levantamento des-sas polticas est fadado rapidamente obsolescncia, importante no perdermos de vista a dimenso histrica deste crescimento e apontar para os novos cenrios que se apresentam no futuro prximo.

    Atualmente, muitas das instituies que comearam a implantar programas de ao afirmativa na primeira metade da dcada de 2000 j tm apresentado os resultados de ava-liaes institucionais que apontam os efeitos dessas polticas * Professora da Faculdade de Educao da UFRJ.

    D esde 2002, vrios levantamentos tm sido produzidos por movimentos sociais e instituies acadmicas des-tinados a dar conta deste fenmeno at pouco tempo desco-nhecido: a implementao de polticas de ao afirmativa no acesso a instituies de ensino superior no Brasil.

    Se em 2002 se contava nos dedos o nmero de instituies pblicas que adotaram essas polticas at 2004, apenas estaduais, ganhando ento a adeso da UnB , hoje, dez anos depois, o quadro bastante distinto. Os levantamentos mais recentes, alguns atua-lizados online, como o do GEMAA/IESP/UERJ, do con-ta de dezenas de instituies que adotam algum tipo de ao afirmativa.

    Nos primeiros levantamentos, em 2002, apont-vamos tmidos passos de uma poltica que rapidamente iria ganhar flego. Naquele momento era digno de regis-tro o Programa Diversidade da Universidade, por meio do qual o MEC apoiava a implementao de cursos pr-vesti-bulares para afro-brasileiros e carentes. No mesmo levan-tamento, elencvamos as trs universidades pblicas que adotavam cotas, por fora de lei estadual ou por iniciativa institucional: UERJ, UENF e UNEB.

    Como demonstra estudo do NIREMA/PUC-Rio, publicado em 2010, o perodo de 2005 a 2008 concentra o incio da adoo de polticas de ao afirmativa em 57 instituies pblicas de ensino superior. Ao longo destes quatro anos, nmero significativo de instituies estadu-ais passam a adotar essas polticas, principalmente atra-vs de cotas, mas no deixa de ser surpreendente a pro-poro de instituies federais que passam a ter algum tipo de ao afirmativa. J observamos a as instituies recm-criadas, muitas no mbito do REUNI, que j tm em seu DNA o princpio da incluso incorporado.

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    na distribuio de oportunidades educacionais no ensino supe-rior e nos trazem importantes indicadores sobre o papel estra-tgico desses programas ao possibilitar a formao de novos profissionais que chegam ao mercado de trabalho como a pri-meira gerao beneficiada pela ao afirmativa. Saber como o mercado de trabalho vai receb-los uma tarefa importante para compreender o alcance dessas polticas.

    No cenrio recm-estabelecido por um respaldo constitucional unnime das polticas de ao afirmativa e pela promulgao da Lei 12.711/12, que prev a adoo de reservas de vagas nas instituies federais, ainda mais importante olhar para as experincias em curso, para os ba-lanos e avaliaes realizadas. Descobrimos o quanto cami-nhamos e, ao mesmo tempo, quais so os aprendizados in-dispensveis e os limites a serem ainda superados para uma efetiva democratizao do ensino superior no Brasil.

    Referncias BibliogrficasFERES Jr., Joo. Ao afirmativa: poltica pblica e opinio. Revista Sinais Sociais, n8, set.-dez. 2008, p. 38-77.

    GEMAA (Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ao Afirmativa). Disponvel em: http://gemaa.iesp.uerj.br. Acesso em 13/11/2012.

    HERINGER, Rosana. Ao afirmativa, estratgias ps-Durban. Relatrio Observatrio da Cidadania. Rio de Janeiro, IBASE, 2002.

    _____. & FERREIRA, Renato. Anlise das principais polticas de incluso de estudantes negros no ensino superior no Brasil no perodo 2001-2008. In: PAULA, Marilene de & HERINGER, Rosana. Caminhos convergentes: Estado e sociedade na superao das desigualdades raciais no Brasil. Rio de Janeiro: Fundao Heinrich Boll/ActionAid, 2009.

    JODAS, Juliana e KAWAGAMI, Erika. Polticas de acesso ao ensino superior: os desdobramentos na configurao dos programas de ao afirmativa no Brasil. XI Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Cincias Sociais. Salvador, UFBA, 2011.

    MACHADO, Elielma e SILVA, Fernando Pinheiro. Aes afirmativas nas universidades pblicas: o que dizem os editais e manuais. In: PAIVA, Angela R. (Org.). Entre dados e fatos: ao afirmativa nas universidades pblicas brasileiras. Rio de Janeiro: Ed. da PUC-Rio; Palas, 2010, p. 19-50.

    MORCHE, Bruno & NEVES, Clarissa E. B., 2010. A questo racial no acesso ao ensino superior: polticas afirmativas e equidade. Seminrio Fazendo Gnero, Florianpolis, 2010.

    NEVES, Clarissa E. B. Ensino superior no Brasil: expanso, diversificao e incluso. Congresso da LASA. So Francisco (EUA), 23 a 26 de maio de 2012.

    SOUSA, Letcia Pereira e PORTES, cio Antnio. As propostas de polticas/aes afirmativas das universidades pblicas e as polticas/aes de permanncia nos ordenamentos legais. Revista Brasileira de Estudos Pedaggicos, n. 232, set.-dez. 2011, p.516-541.

    Descobrimos o quanto caminhamos e, ao mesmo tempo, quais so os aprendizados indispensveis e os limites a serem ainda superados para uma efetiva democratizao do ensino superior no Brasil

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    O INSTITUTO CULTURAL STEvE BIkO: vINTE ANOS PROmOvENDO AES AFIRmATIvAS Silvio Humberto Passos Cunha*

    lideranas e influenciao em polticas pblicas (aes afirmativas no ensino superior); incluso de discusses sobre aes afirmativas nas polticas de popularizao da cincia; contribuies para a histria das cincias e a aplicao da Lei 10.639/03 nas reas de matemtica e cincias da natureza.

    O Instituto Steve Biko uma referncia na histria da luta por aes afirmativas na Universidade. Os desafios impulsionam todos ns: Como garantir a sua sustentabili-dade em uma conjuntura econmica desfavorvel para as organizaes do terceiro setor, em particular para as orga-

    E m 31 de julho de 1992, nos jardins da Faculdade de Cincias Econmicas da Universidade Federal da Bahia, surgia o Instituto Cultural Steve Biko, carinhosa-mente alcunhado de Biko e seus frutos de Bikudos/as, como se autointitulam os estudantes que participam dos nossos programas. O Instituto foi pioneiro no pas na im-plantao de curso pr-vestibular com foco nos estudan-tes afrodescendentes, inovando ao construir uma tecno-logia social denominada Cidadania e Conscincia Negra (CCN) para enfrentar o racismo e seus efeitos no processo de aprendizagem dos estudantes negros da rede pblica de ensino. Isso lhe conferiu o Prmio Nacional de Direitos Humanos em 1998/1999 e o Prmio Jovem Cientista, na categoria graduado, com o Programa Oguntec de Estimu-lo Cincia e Tecnologia, em 2008.

    O efeito Biko ao longo desses vinte anos se es-tende para alm do quantitativo,1 qualitativamente rom-pemos com os grilhes da escravido mental no tocante ao acesso dos estudantes negros ao ensino superior. A Universidade tornou-se um sonho possvel, passou a fazer parte concretamente do projeto de vida das famlias afro-descendentes pobres de Salvador. O lema oportunidades dadas, vidas transformadas! serviu mais do que um slo-gan, mas norteou o projeto poltico-pedaggico do Biko nessa trajetria de desafios.

    Alm disso, contribumos para a reduo da vulnerabilidade social da juventude negra por meio da construo de uma proposta pedaggica antirracista e geradora de emprego e renda; formao de jovens

    * Doutor em Economia pela UNICAMP, Professor da UEFS, Diretor-Fundador do Instituto Steve Biko e Vereador da Cidade de Salvador pelo PSB.

    1 Mais de mil estudantes j ingressaram no ensino superior; cerca de cinco mil frequentaram o programa CCN, segundo levantamento do Instituto Steve Biko.

    As recentes conquistas proporcionadas pela constitucionalidade das cotas raciais e a reservas de vagas com recorte etnicorracial nas universidades e institutos federais criam o ambiente favorvel para o fortalecimento da luta antirracista. Entretanto, no podemos subestimar a capacidade de reconfigurao do mito da democracia racial brasileira e dos seus defensores, e acima de tudo a complexidade e o carter metamrfico do racismo. vale lembrar que o racismo no tira frias

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    nizaes negras com foco no enfrentamento do racismo e suas manifestaes?

    As recentes conquistas proporcionadas pela constitucionalidade das cotas raciais e a reservas de va-gas com recorte etnicorracial nas universidades e insti-tutos federais criam o ambiente favorvel para o forta-lecimento da luta antirracista. Entretanto, no podemos subestimar a capacidade de reconfigurao do mito da democracia racial brasileira e dos seus defensores, e acima de tudo a complexidade e o carter metamrfico do racismo. Vale lembrar que o racismo no tira frias.

    A preparao para o acesso ao ensino superior das classes populares com foco nos afrodescendentes e indge-nas precisa ser uma prioridade dos governos federal e esta-duais. preciso fazer uma ampla campanha de estmulo juventude oriunda desses setores a ingressarem nas univer-sidades, ou seja, estimular a cultura do ensino superior desde o fundamental, como ocorre com os seus pares que estudam nas escolas particulares. Para tanto h que se estimular as parcerias entre as universidades pblicas e institutos federais e as escolas pblicas a fim de encurtar essa distncia que enorme. preciso que o estudante da rede pblica conhea o mundo universitrio. preciso criar vnculos, derrubar muros!

    O governo federal, por meio MEC e da Secretaria Especial de Promoo da Igualdade Racial (SEPPIR), pre-cisa destinar recursos para essas aes ou incentivar as empresas estatais em seus programas de responsabilida-de social a apoiarem as diversas iniciativas da sociedade civil, em curso no pas, por meio de editais especficos. Essa no uma estratgia nova, no incio dos anos 2000 tivemos o Programa Diversidade na Universidade do MEC/SECAD com bons resultados em termos de apoio s ini-ciativas da sociedade civil com vistas ao acesso ao ensino superior. Encerrou-se o programa e o vazio se estabeleceu em termos de apoio do governo federal.

    A experincia desses vinte anos do Instituto Steve Biko sinaliza que, se queremos efetividade das polticas pblicas de aes afirmativas, ou seja, igual-dade racial pra valer, de um lado, os governos tero de investir no acesso e permanncia dos estudantes, foco dessas polticas, concomitante ao estmulo a outras aes. Do outro, ns, do movimento negro brasileiro, devemos seguir com determinao e bem de perto o conselho dado por Joseph Ki-zerbo, clebre historiador africano do Burkina Faso: se nos deitarmos, estaremos mortos. A luta continua!

    Uma campanha do Grupo Estratgico de Anlise da Educao Superior no Brasil [GEA] da FLACSO Brasil.

    www.flacso.org.br