Ações Programáticas em Saúde - uma das tecnologias de cuidado

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    RAFAELA CORDEIRO FREIRE

    As Aes Programticas no Projeto Sade Todo Dia: uma das

    tecnologias para a organizao do cuidado

    Campinas, 2005.

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    RAFAELA CORDEIRO FREIRE

    As Aes Programticas no Projeto Sade Todo Dia: uma das

    tecnologias para a organizao do cuidado

    Dissertao apresentada ao curso de Ps Graduao

    em Sade Coletiva, na rea de Planejamento, sob

    orientao do Prof. Dr. Emerson Elias Merhy, da

    Faculdade de Cincias Mdicas da Universidade

    Estadual de Campinas, como requisito parcial

    obteno de ttulo de mestre em Sade Coletiva.

    Campinas, UNICAMP, 2005.

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    FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELABIBLIOTECA DA FACULDADE DE CINCIAS MDICAS

    UNICAMP

    SLP

    Freire, Rafaela CordeiroF883a As aes programticas no projeto sade todo dia: uma das

    tecnologias para a organizao do cuidado / Rafaela Cordeiro Freire.Campinas, SP : [120 p.], 2005.

    Orientador: Emerson Elias MerhyDissertao (Mestrado) Universidade Estadual de Campinas.

    Faculdade de Cincias Mdicas.

    1. Poltica de sade. 2. Sade - planejamento. 3. Administrao eplanejamento em sade. 4. Sade pblica. 5. Programas de sade. 6.Sistema nico de Sade. 7. Promoo de sade. I. Emerson EliasMerhy. II. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade deCincias Mdicas. III. Ttulo.

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    Folha de Aprovao

    Profa. Dra. Deborah Carvalho Malta - Titular

    Prof. Dr. Fernando Chacra - Titular

    Profa. Dra. ngela Aparecida Capozzolo - Suplente

    Profa. Dra. Slvia Maria Santiago - Suplente

    Prof. Dr. Emerson Elias Merhy - Orientador

    Campinas, 28 de fevereiro de 2005.

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    A todos que acreditam que possvel realizar

    transformaes na sade e assim esto ajudando

    a construir a cidadania para a populao brasileira

    atravs do SUS.

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    Agradecimentos

    A Marina, minha filhinha, por sua linda existncia e por me dar a oportunidade e paz de

    esprito para terminar esta dissertao.

    A Leandro, meu companheiro, meu amor... por tudo o que temos vivido.

    A Mrcio e Suely, meus pais, pelo apoio incondicional em todos os momentos.

    A Kathleen, minha amiga, companheira intelectual e de muitas militncias.

    A Rogrio, Mnica e Cludia, pelo convite para trabalhar em Aracaju, que deu novo rumo

    minha vida.

    A todos os companheiros de Aracaju e a tantos outros espalhados pelo pas, pela

    companheirana, minha grande escola.

    A Leoci, tantas vezes responsvel pela manuteno de minha vinculao formal Ps,

    muitssimo obrigada.

    A Emerson e Mina, pela seriedade, solidariedade e carinho, um grande exemplo de vida.

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    No creio que sejamos parentes muito prximos,

    mas se voc capaz de tremer de indignao

    cada vez que se comete uma injustia no mundo,

    ento somos companheiros, o que mais

    importante.

    Ernesto Che Guevara

    O homem , antes de mais nada, aquilo que se

    projeta num futuro, e que tem conscincia de estar

    se projetando no futuro.

    Jean-Paul Sartre

    Tarde a vida me ensina esta lio discreta:

    A ode cristalina a que se faz sem poeta.

    Carlos Drummond de Andrade

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    Sumrio

    CAPTULO I INTRODUO ....................................................................................................... 16

    A TRAJETRIA DO PROJETO SADE TODO DIA EM ARACAJU .......................................................... 18

    AS MOTIVAES PARA ESTE ESTUDO............................................................................................... 20

    OS PROPSITOS ............................................................................................................................... 21

    HIPTESES....................................................................................................................................... 22

    BASE TERICA E CONCEITUAL ......................................................................................................... 22

    Modelos Tecno-assistenciais em Sade ................................................................................23Programao em Sade e as Aes Programticas .............................................................25

    OBJETIVOS ...................................................................................................................................... 31

    METODOLOGIA................................................................................................................................ 32

    CAPTULO II UMA VISO DE ARACAJU................................................................................ 34

    GEOGRAFIA E SCIO-DEMOGRAFIA.................................................................................................. 35

    SITUAO DA REDE DE SERVIOS DE SADE ................................................................................... 36

    SITUAO DE SADE ....................................................................................................................... 37

    Mortalidade...........................................................................................................................38

    Morbidade .............................................................................................................................42CAPTULO III UM RELATO SOBRE A CONSTRUO DO PROJETO SADE TODO

    DIA..................................................................................................................................................... 55

    A DIMENSO POLTICA DO PROJETO SADE TODO DIA .................................................................. 57

    A DIMENSO TCNICA DO PROJETO SADE TODO DIA E SEUS COMPONENTES............................... 69

    O objeto das prticas de sade no Modelo Sade Todo Dia, ou o que produzir sade para

    este modelo............................................................................................................................70A Natureza do Trabalho em Sade no Modelo Sade Todo Dia, ou quais suas prticas ....73

    Como o Modelo prope organizar seus servios..................................................................78Qual a viso de outros modelos a partir do Sade Todo Dia...............................................82

    CAPTULO IV A AO PROGRAMTICA COMO UMA TECNOLOGIA NO PROJETO

    SADE TODO DIA ......................................................................................................................... 84

    EM QUE CONTEXTO AS AES PROGRAMTICAS SE DESENVOLVERAM NO MODELO SADE TODO

    DIA.................................................................................................................................................. 85

    AS AES PROGRAMTICAS COMO TECNOLOGIA............................................................................ 88

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    COMO ESTO ESTRUTURADOS OS PROGRAMAS ............................................................................... 91

    AS LINHAS DO CUIDADO PROGRAMTICAS..................................................................................... 92

    A GESTO DOS PROGRAMAS ........................................................................................................... 93

    Estrutura dos Programas...................................................................................................... 95O RECONHECIMENTO DO OBJETO DOS PROGRAMAS ....................................................................... 99

    CAPTULO V DESAFIOS E CONCLUSES............................................................................ 103

    A GESTO DAS LINHAS DE CUIDADO DE GRUPOS VULNERVEIS ................................................. 105

    RESSIGNIFICANDO A AO PROGRAMTICA................................................................................. 106

    COMPREENDENDO O RISCO COMO UMA DAS NECESSIDADES DO INDIVDUO E DOS GRUPOS............ 107

    CONSTRUINDO INTERVENES SOBRE OS RISCOS .......................................................................... 109COMPOSIO DA LINHA DE CUIDADO ........................................................................................... 110

    MONITORAMENTO E AVALIAO DO CUIDADO............................................................................. 111

    GESTO E GERNCIA DE SERVIOS E REDES .................................................................................. 111

    INTERSETORIALIDADE E COMUNICAO EM SADE...................................................................... 112

    CONCLUINDO ................................................................................................................................ 113

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS......................................................................................... 115

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    Lista de Ilustraes

    TABELA 1. COEFICIENTES DE MORTALIDADE GERAL E SEGUNDO O SEXO (POR MIL HABITANTES) E

    MORTALIDADE PROPORCIONAL SEGUNDO IDADE ( 50 ANOS). ARACAJU (SE), 2000-

    2003.......................................................................................................................................38

    TABELA 2. DISTRIBUIO EM NMERO E PERCENTUAL DE BITO SEGUNDO CAUSAS. ARACAJU (SE),

    2000-2003..............................................................................................................................39

    TABELA 3. COEFICIENTES DE MORTALIDADE INFANTIL E SEUS COMPONENTES (POR MIL NV), DE

    NATIMORTALIDADE (POR MIL NASCIMENTOS) E MORTALIDADE PERINATAL (POR MIL

    NASCIMENTOS). ARACAJU (SE), 2000-2003. ......................................................................... 42TABELA 4. COEFICIENTES DE INCIDNCIA POR CEM MIL HABITANTES DE AGRAVOS DE NOTIFICAO

    CONFIRMADOS. ARACAJU (SE), 2000-2003. .......................................................................... 43

    TABELA 5. COEFICIENTES DE INCIDNCIA POR CEM MIL HABITANTES DE AGRAVOS DE NOTIFICAO

    CRNICOS. ARACAJU (SE), 2000-2003. ................................................................................. 43

    TABELA 6. DISTRIBUIO % DE CASOS DE ABANDONO DE TRATAMENTO DE TUBERCULOSE SEGUNDO

    RESIDNCIA. ARACAJU (SE), 1999-2003. ..............................................................................44

    TABELA 7. CASOS NOTIFICADOS DE HANSENASE SEGUNDO RESIDNCIA. ARACAJU (SE), 1999-2003.

    ...............................................................................................................................................44

    TABELA 8. CASOS DE AIDS SEGUNDO O SEXO. ARACAJU (SE), 2000-2003. .................................45

    TABELA 9. CASOS DE AIDS SEGUNDO LOCAL DE RESIDNCIA. ARACAJU (SE), 2000-2003. .........45

    TABELA 10. CASOS NOTIFICADOS DE HEPATITE SEGUNDO CRITRIO DE CONFIRMAO. ARACAJU (SE),

    2000-2003..............................................................................................................................45

    TABELA 11. CASOS CONFIRMADOS DE HEPATITE SEGUNDO CLASSIFICAO ETIOLGICA. ARACAJU

    (SE), 2003..............................................................................................................................46

    TABELA 12. SNTESE DA COBERTURA VACINAL POR IMUNOBIOLGICO. ARACAJU (SE), 2003. .....46

    TABELA 13. CASOS NOTIFICADOS DE DOENAS IMUNOPREVINVEIS E MENINGITE. ARACAJU (SE),

    1999-2003..............................................................................................................................47

    TABELA 14.CASOS CONFIRMADOS DE DOENAS IMUNOPREVINVEIS E MENINGITE. ARACAJU (SE),

    1999-2003..............................................................................................................................48

    TABELA 15. DISTRIBUIO N E % DO MOTIVO PRINCIPAL DAS INTERNAES HOSPITALARES SEGUNDO

    CAPTULO DO CID-10. ARACAJU (SE), 2000-2003. ...............................................................50

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    TABELA 16. DISTRIBUIO DE INTERNAES HOSPITALARES SEGUNDO DOENAS DO APARELHO

    CIRCULATRIO. ARACAJU (SE), 2000-2003...........................................................................51

    TABELA 17. DISTRIBUIO DE INTERNAES HOSPITALARES SEGUNDO NEOPLASIAS MALIGNAS.

    ARACAJU (SE), 2000-2003. ................................................................................................... 52

    TABELA 18. DISTRIBUIO DE INTERNAES HOSPITALARES SEGUNDO DOENAS ENDCRINAS,

    NUTRICIONAIS E METABLICAS. ARACAJU (SE), 2000-2003..................................................53

    TABELA 19. DISTRIBUIO DAS SOLICITAES AO SERVIO DE OUVIDORIA DA SMS, POR ASSUNTO

    DEMANDADO. ARACAJU (SE), 2003.......................................................................................63

    GRFICO 1. DISTRIBUIO DOS ESTABELECIMENTOS DE SADE CADASTRADOS JUNTO AO SUS EM

    ARACAJU, SEGUNDO SUA NATUREZA JURDICA, DEZEMBRO DE 2002.....................................67FIGURA 1. O EIXO DA PRODUO DO CUIDADO - SLIDE DA CAPACITAO DOS PROFISSIONAIS DA

    REDE BSICA MDULO I, ABRIL DE 2002. .......................................................................... 70

    FIGURA 2. MARCO TERICO DO MODELO PROJETO SADE TODO DIA, SETEMBRO DE 2003.......71

    FIGURA 3. NATUREZA DO PROCESSO DE TRABALHO EM SADE.....................................................75

    QUADRO 1.UNIDADES PRODUTIVAS DE UMA UBSNO MODELO SADE TODO DIA.......................79

    QUADRO 2. CARACTERIZAO DO OBJETO DONCLEO DE DESENVOLVIMENTO DE PROGRAMAS101

    FIGURA 4. VERTENTES DO TRABALHO DONCLEO DE DESENVOLVIMENTO DE PROGRAMAS ......102

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    Lista de Abreviaturas

    ACS Agentes Comunitrios de SadeAIS Aes Integradas de Sade

    ASTEC Assessoria Tcnica de Planejamento

    CEMAR Centro de Especialidades Mdicas de Aracaju

    CENDES Centro de Estudos do Desenvolvimento

    CENEPI Centro Nacional de Epidemiologia

    CEPS Centro de Educao Permanente da Sade

    CIB Comisso Intergestores Bipartite

    CINAEM Comisso Interinstitucional Nacional de Avaliao do Ensino MdicoCTA Centro de Testagem e Aconselhamento

    ESF Equipe de Sade da Famlia

    FIOCRUZ Fundao Osvaldo Cruz

    INCA Instituto Nacional do Cncer

    LAPA Laboratrio de Planejamento e Administrao de Servios de Sade

    MS Ministrio da Sade

    NUCAAR Ncleo de Controle, Avaliao, Auditoria e Regulao

    NUDEP Ncleo de Desenvolvimento de Programas

    NUSD Ncleo de Superviso e Desenvolvimento Tcnico

    OPAS Organizao Panamericana de Sade

    PACS Programa de Agentes Comunitrios de Sade

    PSF Programa de Sade da Famlia

    SAE Servio Ambulatorial Especializado

    SAS Secretaria de Ateno Sade

    SES Secretaria Estadual de Sade

    SILOS Sistemas Locais de Sade

    SIMIS Sistema Municipal de Informaes de Sade

    SMS Secretaria Municipal de Sade

    SPS Secretaria de Polticas de Sade

    SUDS Sistema Unificado e Descentralizado de Sade

    SUS Sistema nico de Sade

    SVS Secretaria de Vigilncia Sade

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    UBS Unidade Bsica de Sade

    UNICAMP Universidade Estadual de Campinas

    UP Unidade de Produo

    USP Universidade de So Paulo

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    Resumo

    Reverter princpios constitucionais em sistemas de sade capazes de se

    responsabilizar efetivamente pelos cidados no tarefa fcil. O SUS, em seus primeiros

    quatorze anos, teve sua regulamentao elaborada em um ambiente neoliberal inspito a

    polticas sociais universalizantes. A esfera federal induziu a implantao de um modelo

    com base tecnolgica da vigilncia sade e matriz organizativa de Sistemas Locais de

    Sade. A ateno bsica e programas para determinados grupos de vulnerabilidade foram

    focos da poltica neste perodo. No houve formulao de poltica para especialidades,

    ateno hospitalar e urgncia e emergncia, a no ser aquelas vinculadas lgica demercado. O governo Lula, a partir de 2003, inaugura nova fase de implementao do SUS.

    Em 2001, o municpio de Aracaju iniciou uma interveno no modelo assistencial,

    denominada Projeto Sade Todo Dia, pretendendo adotar as diretrizes constitucionais em

    sua radicalidade. O marco terico orientador de suas prticas so as necessidades de

    sade tomadas como objeto das intervenes profissionais, e do conjunto do sistema,

    para produzir autonomia. Prope a incorporao de saberes tecnolgicos de diversas

    matrizes da Sade Coletiva na construo de um sistema capaz de acolher necessidadesde sade, compreendendo, significando e se responsabilizando por intervenes que,

    atravs da construo de vnculos, produzam graus crescentes de autonomia para

    usurios e trabalhadores. As aes programticas so incorporadas nesta modelagem

    como uma das tecnologiaspara organizar a produo do cuidado de grupos vulnerveis

    atravs das diversas redes assistenciais. Prope-se a convivncia dos recortes

    profissionais e da subjetividade dos indivduos na abordagem das necessidades de sade.

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    Abstract

    Turning constitutional rights into Health Systems able to be responsible for citizensis not an easy task. In Brazil, the Unified Health System, during its fourteen first years, had

    its regulamentation wrote within a neoliberal environment hostil for universalizing social

    policies. The federal sphere induced the development of a health model with its technology

    based on Health Surveillance Model and the organizing model from Local Health Systems.

    During that period health policies were focused on the basic level assistance and programs

    for determined vulnerable groups. There were no policies for specialties, hospitalar and

    urgency and emergency assistance, unless they were related to market demands. The new

    federal government of President Lula, since 2003, openned a new phase of SUS

    implementation.

    From 2001, Aracaju municipality started an intervention in its assistance model,

    named Projeto Sade Todo Dia (Health Everyday Project), trying to develop the

    constitutional directions. The theoretical orientation of its pratices are the health necessities

    as an object of the professional interventions, as they are to the whole system, in order to

    produce autonomy. Proposes the incorporation of tecnological knowledge from various

    sources of Colective and Public Health in order to construct a system able to housing

    health necessities, comprehending and signifying them, and even taking responsability to

    make interventions, through tight relationship that can produce increasing grades of

    autonomy for its users and professionals. The Programming Actions are incorporated in

    this experience as one of the technologies that organizes the care production of vulnerable

    groups throughout its assistance networks. We propose the concomitant use of

    professional and technical approaches on health necessities with individual subjectivity

    about them.

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    Captulo I

    Introduo

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    A consolidao da sade como direito na Constituio Federal de 1988 e a

    regulamentao do SUS, em um contexto poltico completamente desfavorvel a polticas

    pblicas de carter universalizante, foram produto de um intenso processo de mobilizao

    social de usurios, trabalhadores e pensadores, representado pelo Movimento da Reforma

    Sanitria. Este movimento conforma no Brasil uma articulao original entre um campo de

    conhecimentos e um mbito de prticas sociais e polticas denominado por Sade Coletiva

    (SILVA JNIOR, 1998). A discusso sobre formas de organizao da produo de aes

    de sade tem sido desde ento um campo de polmicas entre os intelectuais da Sade

    Coletiva que tomam certos modelos assistenciais como objeto de debates e disputas.

    Algumas das formas de organizao da assistncia, elaboradas por segmentos doMovimento Sanitrio, e experimentadas ao longo da implementao do SUS nos

    municpios, foram institucionalizadas pelo Ministrio da Sade (MS) ao longo da dcada

    de 90, ainda que condicionadas orientao poltica neoliberal de racionalizao e

    reduo do papel do estado.

    A principal formulao representada pela poltica de sade do Ministrio nos anos

    noventa, o Programa de Sade da Famlia, tem base tecnolgica inspirada na Medicina

    Comunitria e na Vigilncia em Sade, e toma como modelo organizativo de Sistema aproposta de Sistemas Locais de Sade (SILOS). Apesar de propor uma inverso do

    modelo mdico-hegemnico na organizao da assistncia sade, a poltica do MS

    restringiu-se a uma interveno na rede bsica com extenso da cobertura de servios

    populao e nem sempre com melhoria do acesso ou da resolutividade da rede bsica

    (TEIXEIRA, 2004a). Outra distoro observada nas experincias de implantao de

    SILOS, prevista por CAMPOS (1997b), a forma burocrtica como se opera o conceito de

    territorializao e hierarquizao sem maiores alteraes nas prticas assistenciais ou de

    gesto. De certa forma, at 2002, a prpria estrutura organizacional do Ministrio refletia

    esta separao tendo a Secretaria de Polticas de Sade (SPS) seu foco na ateno

    bsica e aes programticas e a Secretaria de Assistncia Sade (SAS) ficando com

    todo o financiamento e a gesto da poltica das demais redes assistenciais. Esta

    organizao era reflexo e reproduo do modelo inampiano de separao da assistncia

    mdica dos programas de sade pblica.

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    Apesar de um contexto federal no muito favorvel ao desenvolvimento de sistemas

    de sade competentes para realizar a integralidade da assistncia, no mbito local foram

    realizadas vrias experincias atravs de administraes democrticas e populares.

    Nestas a sade avanou com maior radicalidade na organizao das aes e dos servios

    em redes assistenciais comprometidas com a resolutividade, integralidade, equidade e

    qualidade do SUS. Muitas destas experincias apostaram no incentivo organizao da

    rede bsica atravs do Programa de Sade da Famlia, o que mobilizou e motivou grandes

    contingentes de trabalhadores, entretanto a falta de propostas para intervir em outros

    nveis do sistema torna preceitos constitucionais, como a integralidade, bastante difceis

    de se atingir como previsto por CAMPOS (1997b) e observado por TEIXEIRA (2004a).A partir da posse de Lula no governo federal o Ministrio da Sade passou por

    reestruturao com a reformulao da SAS em uma Secretaria de Ateno Sade que

    rene todas as redes assistenciais do SUS, a incorporao do CENEPI estrutura

    executiva do MS atravs da Secretaria de Vigilncia Sade, entre outras mudanas, o

    que estabeleceu novas bases para orientao de polticas de sade mais integradoras e

    eficazes para a produo da integralidade.

    O governo Lula instaura um novo horizonte para a organizao de sistemas desade radicalmente comprometidos com os princpios constitucionais do SUS de

    universalidade, equidade, integralidade e controle social e, neste contexto, reemerge a

    discusso sobre os modelos tecno-assistenciais (CAMPOS, 2003; TEIXEIRA, 2004a), no

    apenas como forma de estender a cobertura de servios da rede bsica a toda populao,

    mas de articular efetivas respostas para os problemas de sade da populao em todas

    as modalidades assistenciais e nveis de complexidade do sistema.

    O estudo que ora apresento toma como material de anlise a experincia da sade,a partir de 2001, no Municpio de Aracaju, Estado de Sergipe, que declara ter como

    referncia um certo modelo tecno-assistencial, denominado Sade Todo Dia.

    A trajetria do Projeto Sade Todo Dia em Aracaju

    A escolha de um governo democrtico e popular nas eleies de 2000 em Aracaju,

    logo no primeiro turno, tornou concreta a possibilidade de realizar, no plano municipal,

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    uma poltica de sade coerente com uma sociedade mais solidria, eqitativa e includente.

    A partir de 2001, o governo municipal de Aracaju, liderado pelo Prefeito Marcelo Dda

    Chagas, do Partido dos Trabalhadores, lanou-se tarefa de implementar um Sistema de

    Sade capaz de reverter para a sociedade os princpios constitucionais da sade como

    um direito de cidadania em toda sua radicalidade.

    Apesar de o municpio de Aracaju possuir um histrico de lutas em torno da

    Reforma Sanitria, com movimentos populares e de categorias profissionais organizados,

    o lder do executivo optou por convocar uma profissional da rea de sade pblica que foi

    liderana universitria sua contempornea, mas que, apesar de ser Aracajuana, radicou-

    se no Sudeste. Atravs desta profissional o Prefeito fez outra indicao, o mdicosanitarista, doutorando em Sade Coletiva pela UNICAMP, Rogrio Carvalho Santos,

    outra vez um profissional de sade pblica, sergipano, formado na Universidade Federal

    de Sergipe, liderana estudantil local e nacional que, aps sua graduao, foi para o

    Sudeste. Como profissional da sade sempre esteve associado e na liderana de

    movimentos sociais em torno do tema da sade, da formao mdica e do trabalho em

    sade.

    A formulao da poltica de sade de Aracaju, liderada pelo secretrio, partiu dealguns pressupostos tericos que orientaram o conjunto de intervenes realizadas. O

    norte proposto para a poltica foi o desenvolvimento da capacidade de promover acesso

    universal, com equidade, integralidade, direo nica dos equipamentos e servios de

    sade do municpio e um efetivo controle social.

    A experincia empreendida foi submetida e bem avaliada a alguns testes como,

    por exemplo:

    Consulta popular, expressa em pesquisa de opinio realizada nos meses de agosto

    de 2003 e 2004 pelo Instituto Brasmarket, que premiou o Secretrio Municipal de

    Sade com o primeiro lugar dentre as capitais brasileiras com o II e o III Top Ten de

    Excelncia Administrativa;

    Avaliao de comisses tcnicas multiinstitucionais (OPAS, FIOCRUZ) como a que

    avaliou e concedeu o Premio David Capistrano de Humanizao, na categoria

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    experincia exitosa, para o Acolhimento enquanto tecnologia de garantia de

    acesso e organizao do processo produtivo nas unidades bsicas de sade;

    A classificao do municpio de Aracaju como tendo bom desempenho e

    investimento institucional e como experincia inovadora dentre as capitais cujo PSF

    foi avaliado pela FIOCRUZ na Avaliao da implementao do Programa de Sade

    da Famlia em dez grandes centros urbanos (FIOCRUZ, 2002);

    O bom desempenho e escolha do municpio como piloto na implantao de

    Sistemas de Informao pioneiros como o Carto Nacional de Sade, agora em sua

    fase de integrao com o Complexo Regulatrio.

    As motivaes para este estudo

    A escolha da experincia de Aracaju se deve primeiramente minha implicao

    com ela e no est restrita ao fato de eu ser uma trabalhadora concursada da Secretaria

    Municipal de Sade atualmente ocupando um cargo na gesto. A trajetria que me levou a

    Aracaju remonta militncia no movimento de rea dos estudantes de medicina,

    acompanha minha constituio como profissional da rea da sade e do campo da Sade

    Coletiva e as diversas militncias neste percurso, notadamente no que se refere discusso e proposies de novos processos de formao dos mdicos na graduao e

    na residncia mdica. Nesta ltima, o debate e a experimentao de um novo processo de

    formao de mdicos sanitaristas na Residncia de Medicina Preventiva e Social da

    UNICAMP, durante os anos de 1999 e 2000, representou a oportunidade de realizar

    snteses das propostas elaboradas em movimentos anteriores (FREIRE et al., 2000).

    Os movimentos citados foram responsveis pela formao de um ator coletivo que

    tem um contingente expressivo reunido em Aracaju em torno da construo da experinciada gesto da Secretaria Municipal de Sade. Este coletivo conformou um modo de

    apropriao de seus objetos de interveno, que tem como mtodo a exposio e

    interao com seus objetos a partir de suas manifestaes e atravs de aproximaes

    sucessivas, onde as referncias tericas e experincias existentes so insumos para a

    sua compreenso e significao, permitindo releituras e formulaes mais adequadas para

    a interveno sobre aqueles objetos, com a liberdade na utilizao das mais diversas

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    fontes tericas e experincias. Esta forma de abordagem tem como inspiraes uma

    pedagogia problematizadora e construtivista de Paulo Freire, uma prxis filosfica que tem

    como marco Gramsci, alm de vrias outras matrizes para abordagem institucional e de

    grupos.

    A partir de agosto de 2003, tendo assumido a coordenao do Ncleo de

    Desenvolvimento de Programas, tive a possibilidade de realizar um encontro entre meus

    objetos de investimento profissional, de produo de conhecimento e de militncia. Ou

    seja, dirigi meus esforos para a sistematizao da produo de conhecimentos que o

    coletivo da SMS de Aracaju vinha empreendendo no campo da formulao do modelo

    assistencial, em particular sobre as aes programticas, o que, finalmente, viabilizouminha dissertao.

    Os Propsitos

    Ao longo da gesto da SMS de Aracaju foi sendo elaborado um conjunto de

    proposies, que foram articuladas em intervenes para a organizao das redes de

    servios e j existe um considervel grau de sistematizao dos conceitos utilizados. O

    corpo terico da experincia pode ser acessado em documentos da gesto comorelatrios, projetos apresentados ao Ministrio da Sade, apresentaes realizadas em

    fruns diversos, alm de materiais didticos e tcnicos como, por exemplo, a metodologia

    das capacitaes, roteiros, apostilas, programas e protocolos assistenciais.

    Apesar dos vrios indcios de que a experincia da gesto da SMS apresenta

    coerncia terica-conceitual e metodolgica, ou seja, existe consistncia entre seu projeto

    e os meios que vem utilizando para atingir os fins declarados, somente agora ao final da

    primeira gesto, est sendo submetida formalizao acadmica, at ento, no havia

    artigos publicados em revistas cientficas ou teses que se propunham a analis-la. Esta

    dissertao de mestrado pretende submeter parte da formulao da experincia de

    Aracaju a um debate dentro do campo da Sade Coletiva, particularmente no que diz

    respeito sua enunciao como um Modelo Tecno-assistencial que prope utilizar a

    Programao em Sade como um dos saberes tecnolgicos que, neste modelo, operam o

    cuidado em sade.

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    Hipteses

    A partir da incorporao de experincias e aportes tecnolgicos de vrias fontes da

    Sade Coletiva vem se construindo em Aracaju um modelo tecno-assistencial original que

    aposta na consolidao dos preceitos constitucionais de universalidade, integralidade e

    equidade. O eixo organizador deste modelo so as necessidades de sade tomadas como

    objeto de interveno dos profissionais de sade e dos servios. A interao entre usurio

    portador de necessidades e profissionais nos diversos servios do sistema conforma

    Linhas de Produo do Cuidado, que tm como objetivo produzir graus crescentes de

    autonomia para os sujeitos envolvidos neste processo;

    O modelo que vem sendo desenvolvido prope a incorporao de mudanas de

    paradigmas das prticas em sade e inovaes em sua organizao assistencial como

    sistema.

    Uma das tecnologias da Sade Coletiva que o Projeto Sade Todo Dia incorpora

    so as aes programticas, operacionalizadas no conjunto do Sistema e atravs de suas

    redes, como linhas de cuidado programticas. Uma abordagem que prope disponibilizar

    tecnologia para a interveno sobre problemas que tm importante expresso

    epidemiolgica, articulando os recursos disponveis e necessrios ao cuidado dos

    indivduos que pertencem a grupos de risco, ou de determinado agravo, evitando-se a

    criao de servios especializados isolados ou programas verticais.

    Base terica e conceitual

    Este trabalho est situado no campo da Sade Coletiva como campo cientfico, de

    produo de conhecimentos, e como mbito de prticas que tm como objeto a sade dos

    coletivos (PAIM e ALMEIDA FILHO, 2000). Como mbito de prticas preciso explicitarque, nesta investigao, estas prticas so consideradas processos sociais onde vrios

    atores da sade e da sociedade disputam projetos polticos que possibilitam ou no a

    concretizao de uma poltica de sade em consonncia com um projeto de sociedade

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    mais democrtica, justa e igualitria. Sentido que corrobora com ESCOREL1 (1998) e

    AROUCA2 (1998) de que o campo da Sade Coletiva tambm se articulou como campo

    poltico tendo no Movimento Sanitrio seu principal representante, atravs do qual,

    formulou-se uma proposta de democratizao da sociedade cuja estratgia era a Reforma

    Sanitria.

    Modelos Tecno-assistenciais em Sade

    A anlise das prticas de sade tomadas como saberes tecnolgicos, segundo

    NEMES (1993), tem sua origem nos estudos de Ricardo Bruno Mendes Gonalves nos

    quais desenvolveu o conceito de modelo de organizao tecnolgica do trabalho,entendido como esquema operatrio nuclear do trabalho. Este mesmo autor conceitua a

    organizao tecnolgica como:

    forma varivel e contraditoriamente adequada de organizar internamente certas

    prticas referidas sade e doena, ao mesmo tempo em que forma varivel e

    contraditoriamente adequada de suportar a articulao dessas prticas na

    totalidade social (MENDES-GONALVES3, 1993, p.23).

    Considerando que o presente estudo prope analisar a organizao das prticas de

    sade no interior do processo de disputas pela conformao de um Sistema Municipal de

    Sade, achamos adequado recorrer ao conceito enunciado por MERHY para definir

    modelos tecno-assistenciais:

    projetos de polticas que so formulados em conjunturas sociais determinadas, que

    conjugam estratgias de organizao da prtica como implantao dessas

    1ESCOREL, S. apud SILVA JNIOR, A.G. Modelos Tecno-assistenciais em Sade: o debate no campo

    da Sade Coletiva. So Paulo. Hucitec, 1998.

    2AROUCA, S. apudSILVA JNIOR, A.G. Modelos Tecno-assistenciais em Sade: o debate no campo da

    Sade Coletiva. So Paulo: Hucitec, 1998.

    3MENDES-GONALVES, R.B. apud NEMES, M.I.B. Ao Programtica em Sade: recuperao histrica

    de uma poltica de programao. In: SCHRAIBER, L.B. (Org). Programao em Sade Hoje. 2a. ed. So

    Paulo. Hucitec, 1993.

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    polticas. [...] os modelos tecno-assistenciais so apenas os projetos que possuem

    as seguintes dimenses:

    [...] projetos tecno-assistenciais, [so] antes de tudo, projetos polticos e nosaberes tecnolgicos, mesmo que estes sirvam de base para a formao daqueles;

    [...] um modelo deve ser capaz de descrever explicitamente qual seu problema

    de sade, quais so suas prticas, para que servem e como devem ser

    organizadas, enquanto servios, alm de explicitar quem so seus trabalhadores e

    os seus usurios;

    Sob a configurao institucional, um modelo a organizao de uma dada forma

    do poder poltico, e como tal tem de expressar uma dada conformao do Estado;

    Como poltica, um modelo tem de construir uma viso dos outros modelos.

    (MERHY, 1992, p.26)

    Acreditamos que este conceito apresenta os elementos necessrios para expor o

    esforo da gesto em fugir do equvoco anunciado por Gasto Wagner:

    a separao, artificialmente idealizada, entre as reformas da estrutura

    administrativa e do desenho organizacional por um lado, e as do modo concreto de

    produzir ateno mdico-sanitria por outro, tem conduzido inmeros esforos

    mudancistas a impasses, a alcanarem pequeno impacto sobre os problemas de

    sade e mesmo sobre a eficcia dos servios.[...] reformas da estrutura

    administrativa, ainda que tecnicamente justificadas, mas que no logram alterar o

    modo de produo e a lgica diretora do modelo, costumam redundar em

    empreitadas esvaziadas de contedo. (CAMPOS, 1997b, p. 145)

    Na anlise que este autor faz, em sua tese de doutorado, sobre reformas do SUS

    que pressupem modelos de tipo ideal, ele se refere formulao pelas agncias

    internacionais, no mbito da estratgia de Sade Para Todos no Ano 2000, da

    implantao da Ateno Primria atravs da organizao de SILOS. Proposta que foicapitaneada pelo Movimento Sanitrio e largamente experimentada nos anos 90

    propondo, segundo PAIM (1999), Diferenciao no plano de anlise, do Distrito Sanitrio

    enquanto modelo organizacional-gerencial de recursos/servios de sade, num dado

    territrio, e do Distrito Sanitrio modelo assistencial para a ateno/prestao de sade a

    uma dada populao. Por modelo organizacional-gerencial entende-se a organizao e

    gerncia da rede de servios e a articulao e hierarquizao dos estabelecimentos de

    sade, segundo referenciais tericos do campo das cincias polticas, administrativas e

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    econmicas; e, por modelo assistencial, a combinao de tecnologias a serem acionadas

    em funo de problemas de sade, cujos referenciais tericos estariam na epidemiologia,

    cincias sociais e clnica (PAIM, 1999). Esta separao nos parece artificial e no se

    aplica nossa experincia onde a organizao da rede de servios, sua articulao e

    hierarquizao esto fortemente direcionadas combinao das tecnologias utilizadas

    para intervir sobre os problemas de sade.

    A advertncia sobre a ineficcia da implantao de modelos ideais tambm inspira

    anlises sociolgicas sobre a racionalidade ocidental e sua transposio para as prticas

    de sade e organizao dos servios de sade (PINHEIRO e LUZ, 2003) traduzida na

    sade em normalizao dos saberes, meios e formas utilizados pelas instituies emdetrimento de um olhar mais abrangente sobre os fins, os resultados e as prticas

    sanitrias. Na anlise de PINHEIRO e LUZ (2003) a ao se torna elemento conceitual

    fundamental para compreender e apreender estruturas, significados e sentidos,

    resgatando uma sociologia compreensiva que tem em Weber, e em sua teoria da ao

    social, a formalizao enquanto mtodo cientfico, mas que remete ao pensamento

    oriental do princpio da imanncia a verdade real emerge da ao, pois esta fala e define

    por si (JULLIEN

    4

    , 2003). Inspirada no princpio da imanncia referido anteriormente, quese aproxima da abordagem dos objetos a partir de suas manifestaes, farei o resgate da

    experincia atravs das aes empreendidas para efetivar o projeto pretendendo assim

    facilitar que o sentido real das formulaes possa emergir.

    Programao em Sade e as Aes Programticas

    A proposta original de planejamento para o setor sade, atravs da metodologia de

    Programao em Sade, remonta a dcada de 60, atravs do mtodo CENDES/OPS que

    propunha, para os pases da Amrica Latina, o planejamento como uma ferramenta para

    macro alocao de recursos em sade a partir de um diagnstico de situao de sade

    baseado em modelos matemticos de experimentao numrica. Segundo autocrtica de

    4JULLIEN, F. apudPINHEIRO, R.; LUZ, M.T. Prticas Eficazes x Modelos Ideais: Aes e Pensamento na

    Construo da Integralidade. In: Construo da Integralidade: cotidiano, saberes e prticas em sade.

    PINHEIRO, R.; MATTOS, R.A. (Org). Rio de janeiro. UERJ, IMS: ABRASCO, 2003. p. 7-34.

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    Mrio Testa (1992a, 1992b), um de seus autores, o mtodo representou um grande

    equvoco, pois se inspirou na experincia dos pases socialistas onde os planos

    substituem o mercado como procedimento de distribuio de recursos e onde o poder

    concentrado. Segundo este autor, nestas conjunturas o problema sobre o qual operam os

    planos o uso eficiente dos recursos, enquanto, nos pases para os quais estava se

    propondo o mtodo, a estrutura de poder bastante compartilhada como reflexo dos

    conflitos sociais, alm do que nestes pases h problemas de organizao da sociedade

    em todos os nveis resultando em uma conjuntura complexa e dinmica que no comporta

    facilmente normatizaes. Outra crtica que o autor faz ao mtodo est no procedimento

    que nele a epidemiologia utiliza para incorporar problemas complexos e do campo dascincias sociais, ou seja, pretender isto construindo um modelo das cincias naturais que

    tenta objetivar (traduzindo em valores numricos) a expresso dos problemas de sade de

    uma regio.

    Na formulao de planos os critrios propostos pelo CENDES-OPS para selecionar

    prioridades utilizava os conceitos de magnitude, transcendncia, vulnerabilidade e custo,

    expressos como variveis numricas calculadas conforme uma expresso matemtica que

    multiplica as primeiras e as divide pelo custo, sendo sua utilizao questionvel e,segundo TESTA (1992a), no caso da transcendncia nunca foi utilizada de fato.

    Entretanto, estas variveis foram incorporadas formulao de polticas de sade

    resultando no que nos apresenta MERHY:

    o CENDES/OPS consagra, discursivamente,...[na Amrica Latina]... a construo

    de programas de sade que visam centralmente problemas no grupo materno-

    infantil [...] associados aos que visam os quadros epidmicos e endmicos,

    relevantes para uma determinada regio nacional e impactvel com as tecnologias

    disponveis. (MERHY, 1995, p. 132-3)

    A Programao em Sade como eixo organizativo da assistncia em servios da

    rede pblica de sade proposta em So Paulo na dcada de 70 e, segundo NEMES

    (2000) mobilizou intensamente os Centros de Sade da rede estadual de So Paulo entre

    1975 e 1978, mas sofreu desde o incio com a falta de recursos permanecendo at 1982-

    83. Entretanto atingiu apenas os servios prprios que atendiam apenas 4% (quatro por

    cento) da populao e, para CAMPOS (1994), sempre foi uma prtica marginal e limitada

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    no tempo e no espao uma vez que restrita aos Centros de Sade e, nestes, restrita

    vigilncia de agravos e ateno de certos grupos.

    Apesar desta controvrsia sobre o significado da Programao em So Paulo ela

    inspirou a organizao da prtica da ateno primria no Centro de Sade Escola do

    Butant, do Departamento de Medicina Preventiva da USP. NEMES (2000) resgata o

    contexto da emergncia da Programao, como proposta de organizao da assistncia,

    no bojo da crise previdenciria da dcada de 70. Em So Paulo, assim como no Brasil, as

    instituies de Sade Pblica e a Assistncia Mdica Previdenciria mantiveram-se

    separadas at que o agravamento da crise obrigou o governo a investir em polticas

    sociais para manter sua estabilidade, entre elas a extenso de cobertura dos servios desade. Para NEMES (2000) a Secretaria Estadual de Sade de So Paulo articulou uma

    resposta a esta crise atravs da poltica de programao, buscando realizar a ampliao e

    diversificao da assistncia mdica na rede de Centros de Sade. Nesta proposta a

    assistncia mdica seria um dos meios para realizar o trabalho que era

    epidemiologicamente definido. Esta concepo introduz oposio entre a clnica e a

    epidemiologia, onde a primeira s seria capaz de produzir sade quando submetida

    racionalidade organizacional da ltima o que, segundo CAMPOS (1994), no encontrarespaldo em evidncias histricas empricas.

    As principais caractersticas tecnolgicas da Programao eram, segundo NEMES:

    Operao a partir de atividades eventuais (para a demanda espontnea que

    procurasse o servio por qualquer motivo) e atividades de rotina (para a demanda

    triada para os programas);

    Programas definidos por grupos populacionais (crianas, adultos...) e

    subprogramas para situaes especficas de assistncia (menores de um ano,

    gestantes...) e doenas de especial importncia sanitria (tuberculose,

    hipertenso...);

    Finalidades e objetivos gerais assentados em categorias coletivas;

    Hierarquizao interna de atividades (consulta mdica, atendimento de

    enfermagem, grupos de atendimento, visita domiciliar...);

    Utilizao de equipe multiprofissional;

    Padronizao de fluxogramas de atividades e de condutas teraputicas principais;

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    Sistema de informao que permitia avaliao na prpria unidade;

    Gerncia de unidades por mdicos sanitaristas

    Regionalizao e hierarquizao das unidades; (NEMES, 2000, p. 55)

    O incio da dcada de 80 assistiu o fim da programao na rede estadual de So

    Paulo, perodo em que as medidas tomadas pelo governo federal para enfrentar a crise

    previdenciria foram efetivadas atravs da utilizao da rede pblica para extenso de

    assistncia mdica aos contingentes excludos da previdncia e como forma de substituir

    parte da assistncia mdica previdenciria, tornando os Centros de Sade a porta de

    entrada para o sistema. So da dcada de 80:

    O Plano de Reorganizao da Assistncia Sade no mbito da

    Previdncia Social de 1982;

    As Aes Integradas de Sade (AIS) de 1983;

    O Sistema Unificado e Descentralizado de Sade (SUDS) de 1987;

    A partir destes planos as secretarias estaduais de sade tiveram maior aporte de

    recursos e poder para responder necessidade de ampliao da assistncia mdica, que

    teve como forma organizativa o Pronto Atendimento, que, em So Paulo, acabou porsubstituir completamente a programao j um tanto descaracterizada tecnologicamente

    ou, segundo CAMPOS (1994), que nunca passou de uma prtica marginal.

    Paralelamente, no incio dos anos 80, ganha fora o Movimento Sanitrio, propondo

    uma reforma do sistema de sade com base no princpio de Sade como direito de

    cidadania e dever do estado. Nesta conjuntura nasceu no Centro de Sade Escola do

    Butant, do Departamento de Medicina Preventiva da USP a Ao Programtica em

    Sade como proposta de integrao sanitria inspirada pela Programao dos anos 70 epela Reforma Sanitria.

    Segundo NEMES (1993, 2000) Prticas ou aes programticas constituem uma

    forma de organizar o trabalho coletivo no servio de assistncia sade fundamentada no

    ideal da integrao sanitria, inspirando-se em tecnologias de base epidemiolgica. A

    autora declara que os programas so uma tecnologia baseada em saberes de cunho

    prtico-operativo, portanto saberes tecnolgicos, e se orientam conforme o modo sanitrio

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    de apreenso de patologias especficas, ou de riscos de adoecer de grupos populacionais

    especficos, e possuem uma racionalidade que articula aes mdicas e aes de sade

    coletiva. Motivo pelo qual a ao programtica diz respeito s dimenses tcnicas do

    trabalho em sade.

    O trabalho em sade sempre se caracterizou pelo carter autnomo de suas

    prticas e, como os diversos tipos de trabalho na sociedade, o trabalho em sade tambm

    muda, tem carter dinmico em relao s suas finalidades saberes e modos de operar.

    Na modernidade, o modo geral de organizao das prticas em sade com sua

    diversidade, polarizao e contradies, pode ser abordado em dois plos genricos,

    segundo NEMES (2000):

    A partir do espao pblico onde se faz um recorte da doena no coletivo,

    representado pelo saber sanitrio

    A partir do adoecimento individual onde se faz um recorte do seu objeto como

    alteraes na antomo-fisiologia do corpo e representado pelo saber clnico.

    Estes dois plos correspondem a dois grandes conjuntos de necessidades

    socialmente produzidas na modernidade, quais sejam, controlar a doena em escala

    social ampla e efetiva e recuperar a fora de trabalho. O primeiro eixo prevaleceu nos

    sculos XVI a XVIII, no nascimento do capitalismo. Articuladamente, a clnica foi se

    desenvolvendo e se tornou progressivamente dominante no conjunto das prticas

    institucionais em sade. At que a partir da segunda metade do sculo XX a expanso da

    vertente clnica passou a ser questionada quer por seu custo, quer pela sua baixa eficcia.

    Desta discusso advm uma outra aposta do conceito de programas, a de que a

    articulao de instrumentos de trabalho dirigidos a indivduos, entre eles a clnica do

    atendimento individual, a instrumentos diretamente dirigidos a coletivos seria capaz de

    potencializar a efetividade epidemiolgica de todos os instrumentos. Nesta lgica as aes

    programticas se propuseram a combinar o atendimento demanda espontnea com

    atendimento a outra demanda que programtica. Ambas modalidades de ateno que

    apresentam contradies. Se, por um lado, a demanda espontnea tende a reproduzir um

    modelo mdico centrado, por outro, a programao tomando suas necessidades a partir

    do saber epidemiolgico pode se tornar completamente burocratizada e sem

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    reconhecimento de um valor de uso para usurios e muitas vezes para os prprios

    profissionais. A proposta das Aes Programticas aposta que estas contradies, de

    ambas modalidades de organizao da ateno, podem ser superadas atravs da criao

    de dispositivos tecnolgicos capazes de tornar o modelo das aes programticas em

    prtica emancipadora.

    Para NEMES a saturao de articulaes sociais a que o objeto do trabalho em

    sade est submetido reafirma a Ao Programtica como dispositivo para politizar as

    dimenses mais tcnicas do trabalho. Por fim, caracteriza as Aes Programticas como

    modelo de organizao do trabalho em sade cuja proposio tem corte tecno-normativo,

    apoiada na busca de um horizonte tico claro e intersubjetivamente aberto, voltada para aconstruo de prticas de sade orientadas pelos valores da emancipao humana cujos

    dispositivos tecnolgicos devem ter grande flexibilidade tcnica e poltica.

    Neste estudo, entretanto, nos filiamos concepo que recusa a oposio entre

    clnica e epidemiologia, ou a distino radical entre os campos de conhecimentos e de

    prticas fundados por estas disciplinas. Concordamos com CAMPOS quando prope que:

    a Sade Pblica tem suas diretrizes e prticas assentadas em um conjunto de

    determinantes; um deles e nem sempre o hierarquicamente mais forte oconhecimento epidemiolgico, outro o clnico, outros so de ordem das polticas

    sociais. [...]

    No h oposio e antagonismo, em princpio, entre a Epidemiologia e Clnica.

    Esta ltima um caso particular da primeira. (CAMPOS, 1994, p. 67-8)

    Acreditamos tambm que no existem dispositivos tecnolgicos com maior

    flexibilidade tcnica do que a escuta e a pactuao, seja no atendimento individual, no

    controle social ou nos espaos de gesto, para realizar a construo de valores de

    emancipao humana, escuta que uma das principais ferramentas da clnica dos

    diversos trabalhadores da sade (MERHY, 1997) e a pactuao que um dos principais

    dispositivos instauradores de processos nas organizaes.

    Por fim cabe apontar que nas formulaes de NEMES (1993, 2000) os termos

    Programao em Sade e Aes Programticas so utilizados indistintamente. A

    programao considerada como tendo duas dimenses, uma em que tcnica de

    planejamento e outra em que modelo assistencial, ou modelo operativo das prticas de

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    sade e, neste caso, aes programticas. Em nossa experincia optamos por reservar o

    termo Programao como instrumento de organizao do conjunto de ofertas do Sistema

    de Sade independente de sua orientao a grupos de vulnerabilidade, uma vez que esta

    programao nem sempre utiliza parmetros orientados pelo perfil epidemiolgico da

    populao, a bem da verdade, muitos dos parmetros para organizar a oferta foram

    baseados em sries histricas ou na capacidade instalada sem levar em conta

    caractersticas do processo de trabalho e as necessidades (MATTOS, 2003).

    Uma reviso da produo tcnico-cientfica apresentada no VII Congresso

    Brasileiro de Sade Coletiva no traz nenhuma reflexo sobre o ncleo tecnolgico das

    aes programticas. Todos os resumos que se referem s aes programticas o fazemcomo reconhecimento de uma prtica do ncleo da enfermagem e de sua insero na

    rede bsica, no h nenhuma discusso sobre a prtica em si e sobre sua apropriao

    pela equipe. J as anlises sobre a programao em sade se referem aos mecanismos

    de alocao de recursos do sistema (CONGRESSO BRASILEIRO DE SADE COLETIVA,

    2003).

    No Modelo Sade Todo Dia a Ao Programtica no ser tomada como modelo

    operativo das prticas e dos servios, mas como um dos saberes tecnolgicos queoperam a organizao do cuidado. Sendo que a articulao destes saberes, aliada a

    capacidade de gesto e controle social que devem revestir as prticas de valores de

    emancipao humana ou, segundo a teoria utilizada pela proposta do Sade Todo Dia,

    produzir graus crescentes de autonomia para os sujeitos envolvidos com as intervenes

    em sade.

    Objetivos

    Apresentar a conformao da modelagem tecno-assistencial do Projeto Sade

    Todo Dia em sua trajetria como poltica;

    Descrever o desenvolvimento das Aes Programticas como um dos saberes

    tecnolgicos que compe a matriz operativa e organizacional do Projeto Sade Todo Dia.

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    Metodologia

    Conforme exposto anteriormente, este estudo realizou-se atravs do relato de uma

    experincia concreta que est em curso na Secretaria Municipal de Sade de Aracaju,

    feito a partir de documentos diversos produzidos no mbito da gesto e da memria

    institucional sobre fatos recentes dos quais fiz parte. Estas caractersticas da proposta de

    estudo se aproximam a uma abordagem qualitativa de pesquisa atravs de estudo de

    caso. Segundo LUDKE e ANDR (1986) um caso se destaca por se constituir numa

    unidade dentro de um sistema mais amplo, nesta perspectiva a conformao do Modelo

    Tecno-Assistencial Sade Todo Dia se caracteriza como uma experincia de organizao

    de sistemas de sade municipais dentro do contexto de implementao do Sistema nico

    no Brasil. Segundo YIN (1989) a necessidade de se realizar um estudo de caso aparece a

    partir do desejo de se compreender um fenmeno social complexo. O estudo de caso

    permite, nestas situaes, reter as caractersticas holsticas e significativas dos eventos da

    vida real. YIN (1989) prope uma definio tcnica para o estudo de caso: uma pesquisa

    emprica que investiga um fenmeno contemporneo em seu contexto real; onde os

    limites entre o fenmeno e o contexto no so claramente evidentes; e nos quais so

    utilizadas mltiplas fontes de evidncias. Alm destas caractersticas LUDKE e ANDR(1986) citam outras dos estudos de caso

    Visam a descobertas, ainda que partindo de pressupostos iniciais, o investigador

    deve estar atento e aberto a novos elementos que podem emergir uma vez que o

    conhecimento no algo acabado;

    Enfatizam a interpretao em contexto considerando que para uma apreenso

    completa do objeto preciso levar em conta o contexto em que est inserido;

    Buscam retratar a realidade de forma completa e profunda, revelando a

    multiplicidade de dimenses presentes em determinada situao, focalizando-a

    como um todo. Este tipo de abordagem enfatiza a complexidade das situaes

    evidenciando a interrelao dos seus componentes;

    Revelam experincias singulares e permitem generalizaes naturalsticas, ou seja

    a possibilidade de associar os dados encontrados com outras experincias;

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    Procuram representar diferentes pontos de vista;

    Utilizam linguagem e forma mais acessveis do que outros tipos de pesquisa.

    Na construo deste estudo de caso utilizei documentos produzidos pela gesto a

    partir de 2001, alm de relatrios, roteiros, manuais e quaisquer outros registros

    disponveis em material escrito ou impresso que representam a memria institucional

    sobre o processo de construo da modelagem assistencial em curso.

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    Captulo II

    Uma viso de Aracaju

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    Geografia e scio-demografia

    Com 150 anos, a cidade de Aracaju ainda conserva a beleza de extensosmanguezais das bacias dos rios Sergipe e Vasa Barris. Seus campos de vrzeas e

    manguezais so responsveis pelo tom moreno do mar de sua costa e pela fama de seu

    caranguejo. Com clima ameno de temperatura mdia anual de 26 oC, de vero seco e

    inverno chuvoso, tem seu relevo de plancies fluvio-marinhas e marinhas ventilados de

    forma quase permanente por correntes de ventos vindas do oceano. Seu solo rico em

    minerais como areia, argila, petrleo, sais de potssio, magnsio, salgema, calcrio,

    granito (ARACAJU, 2005). Este cenrio romntico vem sofrendo modificaes por sua

    insero em um contexto scio-econmico regional ainda muito excludente onde o

    interesse das elites polticas sempre prevaleceu sobre o bem estar da maioria da

    populao o que determina um crescimento desordenado e muitas vezes predatrio.

    Entretanto, no cenrio municipal, muitas iniciativas do governo popular se propem a

    enfrentar esta situao, como a realizao de conferncia da cidade para construo de

    plano diretor e o oramento participativo, por exemplo.

    Aracaju, capital do Estado de Sergipe, possui uma rea de 181,80 km, apresenta

    segundo o IBGE uma populao estimada para 2004 de 485.531 habitantes, 100% dela

    vivendo na zona urbana, com densidade demogrfica de 2.671 habitantes por km. A

    razo de crescimento da populao de 1,89. A distribuio etria de 27,7% menores

    de 15 anos e 4,8% maiores de 65 anos e a diviso entre sexos de 53,4% de mulheres e

    46,7% de homens. A taxa bruta de natalidade vem apresentando tendncia de queda, de

    22,5 em 2000 para 19,3 nascidos vivos por mil habitantes em 2003. (ARACAJU, 2004)

    A populao apresentou em esperana de vida (EV) ao nascer de 68,7 anos. A

    diferena entre a EV de aproximadamente 10 anos quando considerado o municpio com

    o melhor ndice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) do pas (So Caetano do

    Sul, no Estado de So Paulo) (PNUD, 20005). Entretanto este indicador que deve estar

    5PNUD apudARACAJU, Secretaria Municipal de Sade. Projeto Vigisus II: Plano de Vigilncia em Sade.

    Aracaju, SE, 2004.

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    apresentando tendncia de aumento, uma vez que o municpio vem experimentado uma

    importante queda na mortalidade infantil (reduo de 27,1%) a partir de 2003, fato que

    deve aumentar a esperana de vida para os prximos anos. (ARACAJU, 2004)

    A renda per capitaera de R$352,7, cerca de 42,3% da renda da localidade do pas

    com maior IDH-M (PNUD, 20005). Observa-se que a situao de Aracaju similar mdia

    nacional, em que cerca de 33,0% recebem at um salrio mnimo ou no tm renda.

    (ARACAJU, 2004)

    De acordo com o PNUD (20005) a taxa de alfabetizao de adultos era de 89,4%, e

    de acordo com os dados do censo demogrfico, este percentual maior nas idades mais

    avanadas e menor entre os mais jovens, isto maiores de 15 anos. Os dados do SIAB

    revelam que em 2004 havia 86,2% crianas de 7 a 14 anos na escola, de um total de

    106.182 cadastradas (ARACAJU, 2004).

    Quanto ao destino do lixo, 95,9% do lixo dos 116.268 domiclios era submetido

    coleta pblica. No tocante ao abastecimento de gua, observa-se que 95,7% dos

    domiclios dispem do servio pblico de abastecimento de gua (DATASUS6). Apesar da

    alta cobertura, verifica-se deficincia no que tange regularidade do abastecimento em

    diversos bairros do municpio (ARACAJU, 2004).

    Quanto s instalaes sanitrias, observa-se que apenas 56,4% dos domiclios

    apresentam rede geral de esgoto ou pluvial e 37,7% apresentam o sistema de fossa

    (rudimentar ou sptica) como mecanismo de destino dos dejetos (ARACAJU, 2004). Esta

    situao transforma grande parte dos canais fluviais em verdadeiros esgotos a cu aberto.

    Situao da rede de servios de sade

    Aracaju plo regional e estadual no que se refere a servios de sade em todos

    os nveis de assistncia. A rede pblica de sade sob gesto municipal est formada por

    58 unidades prprias que compem as redes de ateno bsica, ambulatorial

    especializada, de ateno psicossocial e de urgncia e emergncia. A rede hospitalar

    6 DATASUS apud ARACAJU, Secretaria Municipal de Sade. Projeto Vigisus II: Plano de Vigilncia em

    Sade. Aracaju, SE, 2004.

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    toda formada por servios conveniados e contratados. Cerca de 80% dos servios

    especializados e 100% da alta complexidade do estado de Sergipe esto em Aracaju.

    Na rede bsica so 44 Unidades de Sade, distribudas em quatro regies, que

    utilizam a estratgia de sade da famlia subsumida ao modelo que discutiremos mais

    adiante. As equipes so multiprofissionais com a incorporao de Assistentes Sociais e de

    equipes de sade bucal, at de dezembro de 2004 eram 114 ESFs, com previso de

    alcanar 136 em 2005 e 100% de cobertura. Alm das UBSs, o Centro de Controle de

    Zoonoses tambm est ligado gesto da rede bsica.

    Na rede ambulatorial especializada so 3 centros de especialidades mdicas e um

    laboratrio municipal de sade pblica em estruturao. Os servios esto organizados na

    lgica de adensamento tecnolgico, sendo que, o servio de referncia em DST/AIDS, o

    Centro de Testagem e Aconselhamento e o Centro de Referncia em Sade do

    Trabalhador e o Centro de Especialidades Odontolgicas esto incorporados aos Centros

    de Especialidades desta rede. Os CEMAR esto assim divididos um infantil, um de

    especialidades ambulatoriais para cuidado temporrio e outro voltado para o cuidado

    prolongado e permanente.

    A rede de ateno psicossocial tem 5 Centros de Ateno Psicossocial, sendo um

    conveniado, um CAPS infantil, um CAPS para Alcoolistas e outras drogas e dois CAPS III.

    A rede de urgncia e emergncia formada pelo Servio de Atendimento Municipal

    de Urgncia SAMU, um servio Pr-hospitalar fixo, e trs urgncias hospitalares, sendo

    uma infantil, uma clnica e mental e outra clnica, cirrgica e ortopdica.

    A Vigilncia Sanitria funciona como uma coordenao especfica. A Coordenao

    de Vigilncia Epidemiolgica foi reestruturada e integrada ao Ncleo de Desenvolvimento

    de Programas, em uma lgica que ser apresentada na discusso sobre a concepo das

    aes programticas no modelo.

    Situao de sade

    Aracaju convive com uma situao de sade marcada pelo fenmeno da transio

    epidemiolgica com queda na morbimortalidade por doenas infecciosas transmissveis e

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    elevao tambm progressiva da morbimortalidade pelas Doenas e Agravos No

    Transmissveis (DANT) (ARACAJU, 2004).

    Mortalidade

    O Coeficiente de Mortalidade Geral de Aracaju vm apresentando estabilidade nos

    ltimos quatro anos, sendo no maior sexo masculino que no feminino. Quanto

    mortalidade proporcional segundo causas, observa-se uma diminuio dos bitos em

    menores de um ano (8,0% em 2003) e um aumento na idade de 50 anos e mais (66,9%

    em 2003). Estes valores so melhores do que os apontados pelo IDB - 2003 (com dados

    de 2001), para a Regio Nordeste do pas, entretanto foram piores que a mdia nacional(6,4% e 67,8% para menores de um ano e maiores de 50 anos, respectivamente)

    (ARACAJU, 2004).

    TABELA 1. COEFICIENTES DE MORTALIDADE GERAL E SEGUNDO O SEXO (POR MIL HABITANTES) E

    MORTALIDADE PROPORCIONAL SEGUNDO IDADE ( 50 ANOS). ARACAJU (SE), 2000-

    2003.

    Coeficiente 2000 2001 2002 2003

    Coeficiente de mortalidade geral 5,8 5,8 5,7 5,5

    Coeficiente de mortalidade feminina 4,8 5,0 4,7 4,6Coeficiente de mortalidade masculina 6,8 6,6 6,9 6,4Mortalidade Proporcional em < 1 ano 11,9 10,9 9,9 8,0Mortalidade Proporcional em > 50 anos 59,9 63,1 65,1 66,9

    Fonte: SIM (ARACAJU, 2004)

    Entre as principais causas de bito (em 2003), destacaram-se as doenas do

    aparelho circulatrio (24,2%), as neoplasias (14,3%) e as causas externas (13,9%).

    Entretanto, quando a anlise por sexo verifica-se que entre os homens destacaram-se

    no primeiro posto as causas externas (21,4%) seguidas das doenas do aparelho

    circulatrio (21,1%) e das neoplasias (11,2%). Entre as mulheres a primeira causa refere-

    se s doenas do aparelho circulatrio (28,0%), seguidas das neoplasias (18,1%) e das

    doenas do aparelho respiratrio (10,3%). Cabe ressaltar que o percentual de causas mal

    definidas esteve abaixo de 10,0% ao longo de toda a srie do estudo (ARACAJU, 2004).

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    TABELA 2. DISTRIBUIO EM NMERO E PERCENTUAL DE BITO SEGUNDO CAUSAS. ARACAJU (SE),

    2000-2003.

    Ano

    2000 2001 2002 2003

    Causa

    N % N % N % N %

    D. do aparelho circulatrio 663 25,0 668 24,7 673 24,8 633 24,2

    Neoplasias (tumores) 351 13,2 376 13,9 335 12,3 374 14,3

    Causas externas de morbidade e mortalidade 370 13,9 370 13,7 357 13,1 363 13,9

    D. do aparelho respiratrio 205 7,7 232 8,6 264 9,7 240 9,2

    D. endcrinas nutricionais e metablicas 238 9,0 195 7,2 213 7,8 221 8,4

    Mal definidas 167 6,3 183 6,8 198 7,3 212 8,1

    D. do aparelho digestivo 138 5,2 153 5,7 166 6,1 142 5,4

    Afeces originadas no perodo perinatal 218 8,2 209 7,7 199 7,3 142 5,4

    Algumas D. infecciosas e parasitrias 116 4,4 127 4,7 112 4,1 105 4,0

    Transtornos mentais e comportamentais 20 0,8 20 0,7 33 1,2 43 1,6

    D. do sistema nervoso 28 1,1 31 1,1 37 1,4 40 1,5

    D. do aparelho geniturinrio 43 1,6 54 2,0 65 2,4 39 1,5

    Malformaes congnitas 51 1,9 37 1,4 24 0,9 28 1,1

    D. do sangue 16 0,6 22 0,8 18 0,7 15 0,6

    Gravidez, parto e puerprio 14 0,5 5 0,2 6 0,2 7 0,3

    D. da pele e do tecido subcutneo 14 0,5 8 0,3 9 0,3 6 0,2

    D. sistema osteomuscular e tecido conjuntivo 5 0,2 9 0,3 7 0,3 5 0,2D. do ouvido e da apfise mastide - - 1 - - - 1 -

    Total 2657 100,0 2700 100,0 2716 100,0 2616 100,0

    Fonte: SIM. (ARACAJU, 2004)

    Conforme referido, as doenas do aparelho circulatrio se constituem desde 2000

    na principal causa de morte. Em 2003, destacaram-se as doenas crebro-vasculares -

    DCV (39,6%), seguidas do infarto agudo do miocrdio (16,3%) e das doenas

    hipertensivas (14,8%). Estes trs grupos de doenas representaram 70,7% das mortes por

    estas causas e 19,3% do total de bitos em maiores de 15 anos. O coeficiente de

    mortalidade por doenas do aparelho circulatrio foi 131,9 por cem mil habitantes, valor

    inferior ao nacional que foi de 152,7 por cem mil habitantes, em 2001 de acordo com

    dados do IDB 2003 (BRASIL, 2003). Chama a ateno do elevado percentual de bitos

    por DCV em ambos os sexos, cujo coeficiente foi de 44,2 por cem mil habitantes. Por

    outro lado, o IAM apresentou coeficiente de 18,1 por cem mil habitantes. Maiores

    coeficientes de mortalidade por DCV quando comparados ao IAM so observados nas

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    Regies Norte, Nordeste e Centro Oeste do pas, por outro lado, nas Regies Sul e

    Sudeste os coeficientes so mais altos e o por IAM so discretamente maiores (BRASIL,

    2003).

    A segunda causa de bito foram as neoplasias e destacou-se o CA de pulmo

    (13,1%), mama (11,0%) e prstata (7,2%). A freqncia de CA de pulmo sugere medidas

    de preveno, especialmente no combate ao tabagismo, principal fator de risco desta

    doena. No Brasil estima-se que a taxa bruta de mortalidade por neoplasia de pulmo seja

    de 18,4 por cem mil habitantes do sexo masculino e 7,9 por cem mil habitantes do sexo

    feminino (INCA, 20037). Em Aracaju (2003) esta taxa foi de 15,1 por cem mil homens e de

    por 5,9 cem mil mulheres (ARACAJU, 2004).

    Os trs primeiros postos entre os homens foram o CA de pulmo (21,1%), prstata

    (16,8%) e estmago (6,2%). Ocuparam os trs primeiros postos entre as mulheres o CA

    de mama (19,2%), de colo de tero (9,9%) e de pulmo (7,0 %). Cabe ressaltar que a

    relao CA mama e colo de tero de 2:1 (SIM, 20038), inferior estimativa nacional que

    de 2,3 CA de mama para cada CA de colo. Outra questo que merece destaque o

    nmero elevado de CA de tero de poro no especificada, que reflete um

    preenchimento inadequado da DO e podem estar mascarando o nmero real de casos deneoplasia de colo de tero., cujo coeficiente foi de 44,2 por cem mil habitantes (ARACAJU,

    2004).

    A terceira causa de bito em 2003 foram as causas externas, destacando-se os

    homicdios (47,4%, sendo 77,3% destes por arma de fogo) seguidos dos acidentes de

    transporte (22,9%). Estas duas causas foram tambm as principais entre os homens,

    representando 53,7% e 22,0% dos bitos por causas violentas, ou seja, 75,7% dos bitos.

    Embora o percentual de bitos por causas externas venha se mantendo nos ltimosquatro anos, 86,8% destas foram responsveis por mortes em indivduos do sexo

    7INCA apudARACAJU, Secretaria Municipal de Sade. Projeto Vigisus II: Plano de Vigilncia em Sade.

    Aracaju, SE, 2004.

    8SIM apud ARACAJU, Secretaria Municipal de Sade. Projeto Vigisus II: Plano de Vigilncia em Sade.

    Aracaju, SE, 2004.

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    masculino, menores de 50 anos no perodo de 2000 a 2003. Aes como a implantao

    do SAMU de Aracaju, em 2002, polticas pblicas que favoream o desarmamento da

    populao e de educao no trnsito podem estar contribuindo para uma discreta reduo

    do coeficiente de mortalidade por estas causas de 80,2 por cem mil habitantes em 2000

    para 75,7 por cem mil habitantes em 2003. Entretanto, o valor elevado considerando as

    mdias da regio Nordeste (55,4 por cem mil habitantes) e do Brasil (71,0 por cem mil

    habitantes), porm menor que o da regio Sudeste (82,9 por cem mil habitantes) conforme

    dados do IDB 2003 (BRASIL, 2003).

    Ao longo dos ltimos anos, tem-se obtido um impacto direto no que tange aos

    indicadores de mortalidade infantil, revelando uma tendncia concreta de melhoria dasade infantil. Em 2003, o coeficiente de mortalidade infantil foi de 22,5 por mil nascidos

    vivos (nv) sendo que o componente neonatal precoce foi da ordem de 12,5 por mil nv e o

    tardio de 4,0 por mil nv. O coeficiente de mortalidade ps-neonatal tambm apresentou

    tendncia de queda sendo de 6,0 por mil nv, em 2003. Alm da queda da mortalidade

    infantil tambm houve uma queda importante da natimortalidade, o que pode ser

    observado na Tabela 3. (ARACAJU, 2004)

    A queda da mortalidade infantil possivelmente esta relacionada a dois fatores: aexpanso da cobertura do PSF e a implementao de aes hospitalares de assistncia

    ao parto, tais como o aumento do nmero de leitos obsttricos e de UTI neonatal. O

    coeficiente de mortalidade infantil estimado para a Regio Nordeste em 2001 foi de 43,3

    por mil nv, sendo que o componente ps-neonatal foi de 16,7 por mil nv. Em Aracaju a

    mortalidade ps-neonatal foi, em 2003, 6,0 por mil nv, padro similar aos das Regies Sul

    e Sudeste em 2001.

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    TABELA 3. COEFICIENTES DE MORTALIDADE INFANTIL E SEUS COMPONENTES (POR MIL NV), DE

    NATIMORTALIDADE (POR MIL NASCIMENTOS) E MORTALIDADE PERINATAL (POR MIL

    NASCIMENTOS). ARACAJU (SE), 2000-2003.

    AnoCoeficiente

    2000 2001 2002 2003

    CMI neonatal precoce 19,4 19,8 18,8 12,5

    CMI neonatal tardio 3,8 3,4 3,5 4,0

    CMI neonatal 23,2 23,2 22,2 16,5

    CMI ps-neonatal 6,8 6,6 6,4 6,0

    CMI 30,0 29,8 28,6 22,5

    Coeficiente de natimortalidade 19,1 19,4 18,4 12,3

    Coeficiente de mortalidade perinatal 39,1 38,1 38,2 28,1

    Fonte: SIM, SINASC (ARACAJU, 2004)

    Entre as principais causas de bitos infantis destacaram-se, em 2003, as afeces

    do perodo perinatal (67,9%), as malformaes congnitas (11,0%) e as doenas

    infecciosas e parasitrias (7,7%).

    Quando considerada a mortalidade na idade de um a quatro anos, em 2003

    destacaram-se doenas do aparelho respiratrio (28,6 %), as causas externas (25,0 %) e

    as mal definidas (14,3%). Quanto s doenas infecciosas e parasitrias, estas ocuparam o

    6 posto entre as causas (ARACAJU, 2004).

    Morbidade

    Para caracterizar o perfil de morbidade de Aracaju selecionei alguns agravos que

    possuem maior importncia epidemiolgica. Entre os agravos transmissveis apresentarei

    aqueles cuja transmisso vetorial, os crnicos, os imunoprevinveis, as hepatites e as

    meningites com base em dados do SINAN. Entre os agravos no transmissveis, tendocomo fonte o SIH, sero apresentadas e discutidas as principais causas de internao.

    Agravos de transmisso vetorial

    No tocante aos agravos por transmisso vetorial, destaca-se uma importante

    reduo nos casos confirmados de dengue, com 1.235 casos confirmados em 2003 e

    coeficiente de incidncia de 257,4 por cem mil habitantes, com reduo de 64,7% em

    relao a 2002. Aliado ao conjunto de medidas para controle do vetor adotadas no

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    municpio, provavelmente atingimos um esgotamento de suscetveis no territrio, sendo

    que introduo de um novo sorotipo do vrus (DEN4) poder desencadear nova epidemia.

    A tendncia do outro agravo selecionado, a esquistossomose, foi de estabilidade da

    incidncia, inclusive com discreto incremento em 2003 (8,0%). Estabilidade esta que pode

    ser considerada como medida avaliativa do Programa de Combate Esquistossomose,

    uma vez que h busca ativa de casos. Sabe-se que Aracaju possui condies sanitrias e

    ambientais favorveis manuteno da doena (ARACAJU, 2004).

    TABELA 4. COEFICIENTES DE INCIDNCIA POR CEM MIL HABITANTES DE AGRAVOS DE NOTIFICAO

    CONFIRMADOS. ARACAJU (SE), 2000-2003.

    ANOAgravo

    2000 2001 2002 2003

    Esquistossomose 233,6 210,1 188,6 203,4

    Dengue 416,2 316,0 397,3 257,4

    Fonte: SINAN (SMS, 2004 A).

    Agravos transmissveis crnicos

    Dos agravos transmissveis crnicos, destaca-se a tuberculose, a hansenase e a

    AIDS, todos apresentando aumento de incidncia no perodo (Tabela 5).

    TABELA 5. COEFICIENTES DE INCIDNCIA POR CEM MIL HABITANTES DE AGRAVOS DE NOTIFICAO

    CRNICOS. ARACAJU (SE), 2000-2003.

    ANOAgravo

    2000 2001 2002 2003

    Tuberculose 55,7 51,2 43,2 47,5

    Hansenase 38,8 30,5 35,7 52,7

    AIDS 7,6 6,4 8,9 12,5

    Fonte: SINAN (SMS, 2004 A).

    Quanto Tuberculose, observou-se um grande nmero de casos residentes em

    outros municpios, sendo que do total, em 1999 apenas 55,8% residiam em Aracaju. Esta

    situao vem se alterando, entretanto, ainda em 2003, 15,2% dos casos notificados

    tratavam-se de no residentes, sendo 3,6% deles procedentes dos Estados de Alagoas e

    Bahia.

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    A taxa de abandono do tratamento da Tuberculose tambm foi afetada pelo nmero

    de no residentes que realizam tratamento em Aracaju, no ano de 2003, a taxa de

    abandono entre os residentes no municpio era de 8,3% (atingindo pela primeira vez valor

    abaixo da meta de 10,0%) entretanto entre os residentes de municpios do interior do

    Estado de Sergipe esta taxa foi de 16,7% (Tabela 6).

    Tabela 6. Distribuio % de casos de abandono de tratamento de tuberculose

    segundo residncia. Aracaju (SE), 1999-2003.

    ANOResidncia

    1999 2000 2001 2002 2003

    Aracaju 19,4 13,2 14,6 11,7 8,3Outros municpios de Sergipe 16,0 4,8 - - 16,7

    Outras Unidades da Federao 8,7 - - - -

    Total 17,0 10,6 14,3 11,4 9,3

    Fonte: SINAN (SMS, 2004 A)..

    Quanto aos casos de hansenase, tambm ocorreram casos de residentes do

    interior que realizam o tratamento na capital (Tabela 7). A taxa de incidncia de

    hansenase em 2003 foi de 5,0 por 10.000 habitantes, e pode ser considerada como nvel

    hiper-endmico. Encontrava-se em registro ativo 273 casos, sendo 133 da formapaucibacilar e 140 multibacilares.

    TABELA 7. CASOS NOTIFICADOS DE HANSENASE SEGUNDO RESIDNCIA. ARACAJU (SE), 1999-2003.

    Ano

    1999 2000 2001 2002 2003

    Residncia

    N % N % N % N % N %

    Aracaju 165 62.3 179 70.8 143 88.8 169 73.2 253 71.9

    Outras Unidades da Federao 6 2.3 1 0.4 - - 2 0.9 2 0.6

    Outros municpios de Sergipe 94 35.5 73 28.9 18 11.2 60 26.0 97 27.6

    Total 265 100.0 253 100.0 161 100.0 231 100.0 352 100.0

    Fonte: SIINAN (SMS, 2004 A)..

    A AIDS apresentou tendncia de aumento da incidncia, especialmente em 2003,

    principalmente entre as mulheres (Tabela 8). Outro dado importante o aumento de casos

    entre residentes no interior do Estado (Tabela 9). Provavelmente estes dados apontaram a

    melhora no diagnstico da doena.

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    TABELA 8. CASOS DE AIDS SEGUNDO O SEXO. ARACAJU (SE), 2000-2003.

    SexoAno

    Homens Mulheres

    Total Relao mulher/homem

    2000 26 7 33 0,3

    2001 21 9 30 0,4

    2002 29 8 37 0,3

    2003 37 23 60 0,6

    Fonte: SIINAN (SMS, 2004 A).

    TABELA 9. CASOS DE AIDS SEGUNDO LOCAL DE RESIDNCIA. ARACAJU (SE), 2000-2003.

    AnoResidncia

    2000 2001 2002 2003

    Aracaju 33 30 37 60

    Outros municpios de Sergipe 37 14 33 65

    Outras Unidades da Federao 9 6 5 8

    Total 79 50 75 133

    Fonte: SIINAN (SMS, 2004 A)..

    Situao das hepatites

    A incidncia de hepatite vem aumentando, sendo que o nmero de casosnotificados foi 172,2% maior em 2003 em relao a 2002. Alm disto houve melhora no

    diagnstico, uma vez que houve crescimento no perodo de diagnstico confirmado por

    exames laboratoriais (Tabela 10 e 11).

    TABELA 10. CASOS NOTIFICADOS DE HEPATITE SEGUNDO CRITRIO DE CONFIRMAO. ARACAJU (SE),

    2000-2003.

    Ano Critrio de Confirmao

    Clnico

    laboratorial

    Clnico

    epidemiolgico

    Laboratorial Descartado Ignorado Inconclusivo Total

    2000 15 10 - 1 - - 26

    2001 3 1 1 1 49 2 57

    2002 15 1 11 2 5 20 54

    2003 60 - 34 21 1 31 147

    Fonte: SIINAN (SMS, 2004 A)..

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    TABELA 11. CASOS CONFIRMADOS DE HEPATITE SEGUNDO CLASSIFICAO ETIOLGICA. ARACAJU

    (SE), 2003.

    Ano Vrus B Vrus C Vrus B + C Outras Hepatites Virais Vrus A Ign/Branco Total

    2000 - 3 - - 2 2- 25

    2001 1 1 1 - 1 1 5

    2002 8 5 2 1 9 2 27

    2003 12 44 1 - 36 1 94

    Fonte: SIINAN (SMS, 2004 A)..

    Doenas imunoprevinveis e meningites

    As doenas imunoprevinveis vm apresentando tendncia de queda, o que se d

    pelos altos ndices de cobertura vacinal obtidos pelo municpio e pela incluso de novos

    imungenos no Programa Nacional de Imunizao. Em Aracaju conta com 45 salas de

    vacinao distribudas em quatro regies e supera as metas tanto nas campanhas quanto

    na vacinao de rotina (Tabela 12), provavelmente por invaso da rede por moradores das

    cidades contguas.

    TABELA 12. SNTESE DA COBERTURA VACINAL POR IMUNOBIOLGICO. ARACAJU (SE), 2003.

    IMUNOBIOLGICO IDADE IMUNIZADOSA COBERTURA (%)

    Contra Poliomielite a < 1 ano 9301 108,5

    BCG a < 1 ano 8959 104,5

    Contra Hepatite B a < 1 ano 8574 100,0

    Tetravalente a < 1 ano 9203 107,4

    Trplice Viral a 1 a 4 anos 12621 149,6

    Gripe c 60 e mais 36244 107,7

    Plio (Campanha Junho) < 1 9365 109,3

    Plio (Campanha Junho) 1 a 4 35630 103,8

    Plio (Campanha Agosto) < 1 9236 108,8

    Plio (Campanha Agosto) 1 a 4 35937 104,7a: com 3 dose./ b: com 2 dose / c: com 1 dose /Meta para menores de um ano: 8571.Meta para idade de um a quatro anos: 8438.Meta para idade de 60 anos e mais: 33642.Fonte: SI-API.

    Entretanto, se foram atingidas cobertura adequadas ao longo dos anos,

    necessrio intensificar estratgias para a manuteno dos imungenos e da rede de frio. A

    infra-estrutura para manuteno do PNI conta com uma pequena central de para

    acondicionamento e abastecimento peridico das unidades de sade (fluxo

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    mensal/semanal) com insumos e materiais. Recebe e distribui mensalmente o quantitativo

    equivalente a 60.000 doses de imunobiolgicos, para tal dispe de cinco geladeiras

    comerciais, trs frzeres e duas geladeiras industriais que os mantm acondicionados em

    temperatura ideal. Porm, o problema mais crtico reside na inexistncia de gerador que

    garanta a conservao dos imungenos no caso de falta de energia eltrica.

    Dos agravos imunoprevinveis foram notificados e confirmados em 1999, 95,3%, e

    em 2003, 38,5%, o que mostra que a notificao est cada vez mais sensvel, inclusive

    com notificaes de PFA em 2002.

    Tambm se observa que o sarampo est eliminado desde 2000, porm, no perodo,

    houve quatro casos de coqueluche (dois em menores de um ano) dois casos de difteria

    (em maiores de 20 anos), cinco casos de ttano acidental (todos indivduos maiores do

    que 35 anos, e do sexo masculino) e um caso de ttano neonatal (em 2000). Quanto aos

    casos de rubola, 29,6% tratava-se de crianas menores de cinco anos. Cabe ressaltar

    que dos casos de doenas imunoprevinveis notificados 49,0% referiam-se a crianas

    menores de 10 anos e os demais pertencentes a outras faixas etrias (Tabela 13 e 14).

    TABELA 13. CASOS NOTIFICADOS DE DOENAS IMUNOPREVINVEIS E MENINGITE. ARACAJU (SE),

    1999-2003.

    ANOANO DA NOTIFICAO

    1999 2000 2001 2002 2003

    Coqueluche 3 - 1 2 -

    Difteria 1 1 2 1 -

    Doenas Exantemticas 118 110 81 96 47

    Poliomielite / Paralisia Flcida Aguda - - - 2 -

    Raiva Humana - 1 - - -

    Sndrome da Rubola Congnita - - 1 5 -

    Ttano Acidental 1 - 3 - 1Ttano Neonatal - 1 - - -

    Meningite 67 60 54 62 43

    Total 190 173 142 168 91

    Fonte: SIINAN (SMS, 2004 A)..

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    TABELA 14.CASOS CONFIRMADOS DE DOENAS IMUNOPREVINVEIS E MENINGITE. ARACAJU (SE),

    1999-2003.

    ANOCONFIRMADOS

    1999 2000 2001 2002 2003

    Coqueluche 3 - 1 - -

    Difteria - 1 1 - -

    Doenas Exantemticas 55 36 26 4 3Sarampo 16 - - - -Rubola 39 36 26 4 3Poliomielite - - - - -Raiva Humana - 1 - - -

    Sndrome da Rubola Congnita - - - - -Ttano Acidental 1 - 3 - 1Ttano Neonatal - 1 - - -Meningite 67 60 40 34 28

    TOTAL 181 135 97 42 35

    Fonte: SIINAN (SMS, 2004 A)..

    Especificamente, quanto aos casos de meningite, observa-se reduo global do

    nmero de casos confirmados, sendo que desde 2002 no h casos por meningite por

    haemfilos, reflexo da introduo de novos imunizantes no PNI.

    Doenas e agravos no transmissveis

    No tocante aos agravos no transmissveis, destacam-se aqueles que mais

    causaram impacto na morbimortalidade, ou os de alta prevalncia populacional e seus

    fatores de risco. Neste sentido, cabe ressaltar, os casos de hipertenso e diabetes cuja

    prevalncia da ordem de respectivamente 7,7% e 2,5% em maiores de 20 anos, e ainda

    que o valor esteja situado aqum do esperado (segundo estimativas do Ministrio da

    Sade a prevalncia de h em maiores de 20 anos de 22,0% e de DM de 8,0% dos

    maiores de 40 anos), representam 20898 e 6848 pacientes cadastrados em 2004 (SIAB,

    2004).

    Destacaram-se tambm as neoplasias, em especial as de pulmo, mama e colo de

    tero, e prstata pelas suas caractersticas de evitabilidade ou diagnstico precoce. Alm

    disto, as causas externas, que devem ter uma abordagem multisetorial, uma vez que so

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    responsveis pelo aumento do APVP do municpio, e, portanto, pela reduo da EV, pois

    a populao mais jovem sua maior vtima.

    Entre as principais causas de internao hospitalar na rede SUS (Tabela 15),

    excetuando as internaes por gravidez, parto e puerprio, destacaram-se, em 2003, as

    doenas as doenas do aparelho digestivo (14,3%), do aparelho respiratrio (12,6%), e

    circulatrio (11,0%).

    Convm ressaltar que entre as causas que figuram entre as trs primeiras causas

    de morte, destaca-se apenas a internao pelas doenas do aparelho circulatrio, 3

    causa de internao. As outras duas causas, as neoplasias e as causas externas

    representaram ambas 9,5% das internaes hospitalares. Quanto s doenas endcrinas

    nutricionais e metablicas estas ocuparam o 9 posto, o que correspondeu a 3,9% das

    internaes.

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    TABELA 15. DISTRIBUIO N E % DO MOTIVO PRINCIPAL DAS INTERNAES HOSPITALARES SEGUNDO

    CAPTULO DO CID-10. ARACAJU (SE), 2000-2003.

    ANO

    2000 2001 2002 2003

    Captulo

    N % N % N % N %

    D. do aparelho digestivo 2620 13,4 2982 14,3 2869 14,0