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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Silvia Fernandes Chaves Ações regressivas: o cabimento e a crítica de uma interpretação civil do Direito Previdenciário DOUTORADO EM DIREITO São Paulo 2016

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Silvia Fernandes Chaves

Ações regressivas: o cabimento e a crítica de uma interpretação civil do Direito

Previdenciário

DOUTORADO EM DIREITO

São Paulo

2016

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Silvia Fernandes Chaves

Ações regressivas: o cabimento e a crítica de uma interpretação civil do Direito

Previdenciário

DOUTORADO EM DIREITO

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como requisito parcial para obtenção do título de DOUTORA em Direito, sob a orientação do Professor Doutor Miguel Horvath Júnior.

São Paulo

2016

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Silvia Fernandes Chaves

Ações regressivas: o cabimento e a crítica de uma interpretação civil do Direito

Previdenciário

São Paulo, ______ de ______________________________ de __________.

__________________________________________________

Professor Doutor Miguel Horvath Júnior (Orientador)

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

__________________________________________________

__________________________________________________

__________________________________________________

__________________________________________________

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Autorizo, exclusivamente para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou

parcial desta tese por processos fotocopiadores ou eletrônicos, desde que citada a

fonte.

São Paulo, ____ de _____________ de ______.

_______________________________________

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À Milena, com todo o amor,

Mamãe.

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AGRADECIMENTOS

Em especial, ao meu orientador, Professor Doutor Miguel Horvath Júnior, que,

com a humildade que lhe é peculiar, despendeu grande parte do seu conhecimento

na orientação desta tese.

Ao Professor Doutor Wagner Balera, que, em suas aulas, nos trouxe

brilhantes posicionamentos pessoais que embasaram este estudo.

À Professora Doutora Maria Helena Diniz, que, com muito carinho, cuidou, em

suas aulas, de nos ensinar os caminhos da interpretação da norma jurídica,

ensinamentos esses indispensáveis para a confecção desta tese.

Aos colegas do Doutorado, que, nos debates acalorados em sala de aula,

contribuíram em muito para o desenvolvimento desta pesquisa.

À minha família, pela compreensão e paciência em permitir minhas

constantes ausências para a elaboração deste trabalho.

Ao CNPQ - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico pela

bolsa concedida.

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“O bom juiz põe o mesmo escrúpulo no

julgamento de todas as causas, por mais

humildes que sejam. É que sabe não

haver grandes e pequenas causas, pois a

injustiça não é como aqueles venenos

que, tomados em grandes doses, matam,

mas tomados em doses pequenas,

curam. A injustiça envenena mesmo em

doses homeopáticas.”

(PIERO CALAMANDREI)

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RESUMO

Esta tese trata das ações regressivas previstas no artigo 120 da Lei nº 8.213/91, bem como das novas ações regressivas, assim entendidas como todas as outras ações que não possuem previsão legal no citado dispositivo, com um olhar civilista para uma norma de Direito Social, apontando as falhas na interpretação do referido dispositivo legal, principalmente com um viés exagerado no âmbito da responsabilidade civil, fato que não pode se perpetuar em uma norma de Direito Social. Palavras-chave: Ação regressiva. Responsabilidade civil. Direito Social. Função social da empresa.

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ABSTRACT This thesis deals with the regressive actions provided for in Article 120 of Law N. 8.213/91, as well as new regressive actions, understood as all other actions that haven‟t legal provision in the said dispositive, with a civilian look for the rule of Social Law, pointing out the flaws in the interpretation of the legal dispositive, especially with an exaggerated bias in the context of civil responsibility, that can‟t be perpetuated in a rule of Social Law. Keywords: Regressive action. Civil responsibility. Social Law. Social function of the company.

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RIASSUNTO Questa tesi si occupa con le azioni regressive di cui all‟art. 120 della Legge nº 8.213/91, nonché nuove azioni regressive, intesa come tutte le altre azioni che non hanno nessuna previsione legale in detto dispositivo, con uno sguardo civili in una regola dei Diritti Sociali, sottolineando i difetti nella interpretazione della norma di legge, in particolare con una polarizzazione esagerata nel contesto della responsabilità civili, che non può essere perpetuato in uno standard di Diritti Sociali. Parole chiave: Azioni regressive. Responsabilità civili. Diritti Sociali. Funzione sociale della società.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Pressupostos mínimos para o ajuizamento das ações regressivas ..... 25

Figura 2 Critérios para a solução de antinomias no direito interno..................... 33

Figura 3 Cobertura de riscos .............................................................................. 57

Figura 4 Formas de tutela na responsabilidade civil .......................................... 69

Figura 5 Situações em que o Estado é o causador do dano .............................. 84

Figura 6 Classes de riscos sociais ...................................................................115

Figura 7 Indagações sobre os direitos fundamentais .......................................128

Figura 8 Características do pragmatismo .........................................................130

Figura 9 Características do pragmatismo reforçadas no pragmatismo

jurídico ................................................................................................131

Figura 10 Princípio da função social da empresa aplicado às ações

regressivas .........................................................................................144

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

AgR-AI Agravo Regimental em Agravo de Instrumento

AgR-RE Agravo Regimental em Recurso Extraordinário

ARA Ação Regressiva Acidentária

CAT Comunicação de Acidente de Trabalho

CID Classificação Internacional de Doenças

CNAE Classificação Nacional de Atividade Econômica

CNPJ Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas

CNPS Conselho Nacional de Previdência Social

CTPS Carteira de Trabalho e Previdência Social

DOU Diário Oficial da União

EPIs Equipamentos de Proteção Individual

FAP Fator Acidentário de Prevenção

GFIP Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações à Previdência Social

GIIL-RAT Grau de Incidência da Incapacidade Laborativa decorrente dos Riscos

Ambientais do Trabalho

INSS Instituto Nacional do Seguro Social

LINDB Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro

LTCAT Laudo Técnico de Condições Ambientais do Trabalho

MAT Meio Ambiente do Trabalho

MPS Ministério da Previdência Social

MS Mandado de Segurança

MTE Ministério do Trabalho e Emprego

MTPS Ministério do Trabalho e Previdência Social

NTEP Nexo Técnico Epidemiológico

ONU Organização das Nações Unidas

PAIR Perda Auditiva Induzida por Ruído

PCMAT Programa de Condições e Meio Ambiente de Trabalho na Indústria da

Construção

PCMSO Programa de Controle Médico de Saúde Ocupacional

PGF Procuradoria-Geral Federal

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PGR Programa de Gerenciamento de Riscos

PIB Produto Interno Bruto

PIP Procedimento de Instrução Prévia

PPP Perfil Profissiográfico Previdenciário

PPRA Programa de Prevenção de Riscos Ambientais

RAT Risco Ambiental do Trabalho

SAT Seguro de Acidentes do Trabalho

SP São Paulo

SST Saúde e Segurança do Trabalho

SUB Sistema Único de Benefícios

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 15

1 NOVOS RISCOS .................................................................................................... 17

1.1 A ação regressiva acidentária: natureza jurídica e conceito ............................. 19

1.2 Ações regressivas decorrentes de acidentes de trânsito e violência doméstica28

1.3 Função das ações regressivas acidentárias ..................................................... 41

1.4 Função das ações regressivas decorrentes de ato ilícito .................................. 42

1.5 Procedimento de Instrução Prévia (PIP) no âmbito das ações regressivas ...... 43

1.6 Prescrição das ações regressivas ..................................................................... 44

1.7 O acidente do trabalho e a responsabilidade do empregador ........................... 47

2 A CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA E DE TERCEIROS ......................................... 52

2.1 Seguro de Acidentes do Trabalho (SAT) e suas implicações para o empregador

e o empregado .................................................................................................. 55

2.2 Fator Acidentário de Prevenção (FAP) .............................................................. 62

3 ARGUMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO ÂMBITO DAS AÇÕES

REGRESSIVAS .................................................................................................... 65

3.1 Função da responsabilidade civil nas ações regressivas .................................. 67

3.2 Responsabilidade subjetiva decorrente de conduta culposa ............................. 71

3.3 Dever de cuidado, previsão e previsibilidade .................................................... 79

3.4 A culpa in vigilando diante da omissão do Poder Público ................................. 82

3.5 Culpa concorrente e coparticipação .................................................................. 91

3.6 O risco e o dever de segurança no acidente do trabalho .................................. 93

3.7 A responsabilidade no desempenho da atividade de risco ............................... 97

3.8 A responsabilidade objetiva do empregador ..................................................... 99

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4 O FUNDAMENTO DAS AÇÕES REGRESSIVAS E A COMPARAÇÃO ENTRE

SEGURO PRIVADO E SEGURO SOCIAL ......................................................... 102

4.1 A Previdência Social vista enquanto seguro ................................................... 106

4.2 A solidariedade na Previdência Social ............................................................ 109

4.3 O risco social ................................................................................................... 113

5 A VERTENTE CIVILÍSTICA DO INSTITUTO DAS AÇÕES REGRESSIVAS ....... 119

5.1 A responsabilidade civil em confronto com a solidariedade social .................. 120

5.2 A interpretação das ações regressivas deve ser civil ou social? ..................... 122

5.3 Seria uma interpretação de Direito Privado no Direito Público? ...................... 127

6 A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA COMO ARGUMENTO DE

ENFRAQUECIMENTO DAS AÇÕES REGRESSIVAS ....................................... 135

6.1 A função decorrente do poder de fato da empresa ......................................... 139

6.2 Conteúdo e implicações da função social da empresa ................................... 141

6.3 A efetividade do princípio da função social da empresa ................................. 143

CONCLUSÃO .......................................................................................................... 148

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 152

ANEXO A – PORTARIA CONJUNTA PGF/INSS Nº 06, DE 18 DE JANEIRO DE

2013 .................................................................................................................... 160

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INTRODUÇÃO

A tese aqui apresentada tem por objeto a busca de todas as nuanças das

ações regressivas propostas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), as

acidentárias e as decorrentes de acidente de trânsito e violência doméstica, cujo

significado será apresentado no primeiro capítulo.

Partindo dessa classificação, “acidentárias, violência doméstica e acidente do

trabalho”, apresentaremos, no segundo capítulo, os principais aspectos de cada uma

delas, e mostraremos de que forma o Risco Ambiental do Trabalho (RAT) e o Fator

Acidentário de Prevenção (FAP) se posicionam nesse direito de regresso.

Após essa detida análise da ação de regresso, bem como da legislação

correlata à matéria, passaremos a uma análise de responsabilidade civil, no terceiro

capítulo, realizando a estrita interpretação da norma jurídica que disciplina as ações

regressivas.

Na sequência de tal interpretação, demonstraremos, nos capítulos seguintes,

nossa profunda inquietação com a ação de regresso, instituto jurídico decorrente da

responsabilidade civil mesclada com um direito social. Ou seja, estamos diante da

dicotomia Direito Público e Direito Privado, ora defendendo um direito social,

buscando garantir o custeio, a saúde e o bem-estar do trabalhador, e ora

defendendo direito patrimonial, por ser uma norma com viés eminentemente civil.

Traremos um problema que envolve o cabimento das ações regressivas

decorrentes de acidentes de trânsito e violência doméstica diante da especificidade

da norma que disciplina as ações regressivas, trazendo um contraponto com a

responsabilidade civil, que, se for aplicada indiscriminadamente no Direito

Previdenciário, em breve estaremos discutindo a culpa exclusiva da vítima e as

excludentes de responsabilidade no âmbito do Direito Social aos segurados, bem

como a necessidade de uma flexibilização das condenações, seja por meio de

ativismo judicial, seja por meio de uma interpretação da norma jurídica de acordo

com os princípios constitucionais e demais princípios que regem todo o

ordenamento jurídico, já que a questão aqui tratada é multidisciplinar.

Embora a dicotomia Direito Público e Direito Privado esteja em fase de

superação, considerando que existem várias teses jurídicas avançando pelo seu fim,

ainda entendemos que não se trata só dessa dicotomia entre público e privado, mas

sim de salvaguardar os direitos sociais em benefício da sociedade, mantendo os

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direitos patrimoniais para um segundo plano. Aliás, os direitos sociais estão

previstos em nossa Constituição Federal, e a responsabilidade civil está prevista em

uma legislação ordinária. Há, nesse caso, uma hierarquia de normas jurídicas que

se impõe.

A partir dessa questão, em que se analisam o Direito Social com seus

princípios e a responsabilidade civil, conseguimos vislumbrar um caminho de

flexibilização das condenações em ações regressivas, não para proteger as

empresas, que, aliás, não precisam de proteção do ponto de vista do Direito Social,

mas para salvaguardar toda a massa de trabalhadores que fazem parte dessa

empresa, afinal, demitir centenas de empregados em razão de uma ação regressiva,

coletiva ou não, é atingir o seio dos direitos sociais.

Objetivando especificamente delimitar as questões em que se deve utilizar a

intepretação do Direito Social e a interpretação do Direito Civil, ainda que a

conotação da norma jurídica que disciplina a ação regressiva seja de

responsabilidade civil, nosso trabalho nesta tese é no sentido de demonstrar as

limitações dessa interpretação, que esbarra em vários princípios jurídicos, entre

eles, a solidariedade social e a função social da empresa.

Caso não tomemos uma posição rígida na interpretação da norma jurídica,

em breve teremos a devassidão do Direito Previdenciário e, por conseguinte, dos

direitos sociais. Cabe dizer que o Direito Previdenciário não possui um cunho

eminentemente patrimonial, e sim um cunho social, que se trata da base de todo o

Direito Previdenciário, uma vez que o seu fundamento basilar é a solidariedade

social. Valer-se de ações regressivas, com uma conotação eminentemente

patrimonial, é traçar um temerário caminho para os direitos sociais, pois, dessa

maneira, a Previdência Social caminha para ser um segurador privado.

Nossa pesquisa irá responder acerca da viabilidade do ajuizamento das

ações regressivas acidentárias e decorrentes de acidente de trânsito ou violência

doméstica, apontando de que forma a empresa deve ser responsabilizada, bem

como as demais pessoas causadoras de acidentes do trabalho. Ademais,

responderá de que maneira o Poder Público também deve ser responsabilizado, e

estabelecerá o temerário caminho em que se trilha nos direitos sociais, caso se

utilizem das ações regressivas para aplicar o Direito Civil no âmbito da Previdência

Social.

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1 NOVOS RISCOS

A sociedade pós-moderna criou novos riscos, a partir de um capitalismo

desenfreado, capitalismo esse que leva para segundo plano a dignidade da pessoa

humana, de modo que o trabalhador é exposto aos mais diversos riscos em prol do

lucro do empregador. Os riscos passaram a fazer parte do nosso cotidiano.

Ulrich Beck sustenta a existência de uma sociedade de risco, ao estabelecer

que a mercantilização dos riscos não rompe com a lógica capitalista:

Com os riscos – poderíamos dizer com Luhmann –, a economia torna-se “autorreferencial”, independente do ambiente da satisfação das necessidades humanas. Isto significa, porém: com a canibalização econômica dos riscos que são desencadeados através dela, a sociedade industrial produz as situações de ameaça e o potencial político da sociedade de risco.

1

A partir desses riscos, derivados do capitalismo, os acontecimentos ocorridos

na esfera empresarial, ou seja, na esfera privada, passaram a ter implicações

políticas, e foram, então, matéria de discussão na esfera pública, de modo que o

Estado passou a intervir na esfera empresarial, por meio da criação de políticas

públicas que tinham como propósito diminuir a exposição dos cidadãos aos riscos.

Nesse sentido,

Aquilo que até há pouco era tido por apolítico torna-se político – o combate às “causas” no próprio processo de industrialização. Subitamente, a esfera pública e a política passam a reger na intimidade do gerenciamento empresarial – no planejamento de produtos, na equipagem técnica etc. Torna-se exemplarmente claro, nesse caso, do que realmente se trata a disputa definitória em torno dos riscos: não apenas dos problemas de saúde resultantes para a natureza e o ser humano, mas dos efeitos colaterais sociais, econômicos e políticos desses efeitos colaterais: perdas de mercado, depreciação do capital, controles burocráticos das decisões empresariais, abertura de novos mercados, custos astronômicos, procedimentos judiciais, perda de prestígio.

2

A definição de risco trazida por Beck nos parece a que melhor contempla a

visibilidade do risco. Para o autor,

1 Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Ed. 34, 2011, p. 28.

2 Ibidem.

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Riscos são, nesse sentido, imagens negativas objetivamente empregadas de utopias nas quais o elemento humano, ou aquilo que dele restou, é conservado e revivido no processo de modernização. Apesar de toda a desfiguração, não se pode afinal evitar que esse horizonte normativo, no qual o que há de arriscado no risco começa a se fazer visível, sendo tematizado e experimentado.

3

Os riscos existem e se tornam reais com o auxílio da racionalidade das

Ciências e, sobretudo, de uma integração entre elas, passam por asserções de

probabilidade. Baseados em possibilidades matemáticas e interesses sociais,

passam a fazer parte de estatísticas de catástrofes revestidas de certeza técnica, a

qual torna o risco previsível e matematicamente calculado.

Beck chama a atenção para a relação dos riscos com a sociedade de classes,

lecionando que

A história da distribuição de riscos mostra que estes se atêm, assim como as riquezas, ao esquema de classe – mas de modo inverso: as riquezas acumulam-se em cima, os riscos em baixo. Assim, os riscos parecem reforçar, e não revogar, a sociedade de classes. À insuficiência em termos de abastecimento soma-se a insuficiência em termos de segurança e uma profusão de riscos que precisam ser evitados. Em face disto, os ricos (em termos de renda, poder, educação) podem comprar segurança e liberdade em relação ao risco. Essa “lei” da distribuição de riscos determinada pela classe social e, em decorrência, do aprofundamento dos contrastes de classe através da concentração de riscos entre os pobres e débeis por muito tempo impôs-se, e ainda hoje se impõe, em relação a algumas dimensões centrais do risco: o risco de tornar-se desempregado é atualmente consideravelmente maior para quem não tem qualificações do que para os que são altamente qualificados.

4

No risco que abordamos nesta tese, especificamente acidente do trabalho, a

questão da concentração em determinada classe social se mostra muito relevante,

especialmente porque são justamente pobres e débeis em sua maioria, e dependem

de benefício previdenciário para a sobrevivência por ocasião do infortúnio.

A suscetibilidade aos riscos enfrentada pelos empregados, em sua maioria

pobres e débeis, em contraposição ao poderio econômico das empresas, bem

distingue a sociedade de classes e a sociedade de mercado, que, juntas, compõem

a sociedade de risco, como bem coloca Beck,

Na sobreposição e concorrência entre as situações problemáticas da sociedade de classes, da sociedade industrial e da sociedade de mercado,

3 Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Ed. 34, 2011, p. 34.

4 Ibidem, p. 41.

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19

de um lado, e aquelas da sociedade de risco, de outro, a lógica da produção de riqueza, dadas as relações de poder e os critérios de relevância vigentes, acaba por prevalecer – e justamente por conta disto prevalece no fim das contas a sociedade de risco.

5

Por ser uma questão de classes sociais, o risco social aqui estudado se torna

um problema de política pública, uma vez que a grande massa de trabalhadores,

assim considerada como pobres e débeis, está exposta a riscos de acidente do

trabalho, e, certamente, nenhum dado estatístico poderia ser considerado verdade

absoluta, já que o trabalho informal aliado à ignorância daquele pobre débil afasta

muitos dos acidentes do trabalho dos dados estatísticos. Assim, estamos diante do

[...] fracasso da racionalidade científico-tecnológica diante de riscos e ameaças civilizacionais crescentes. Esse fracasso não é mero passado, e sim um presente urgente e um futuro ameaçador. Tampouco é o fracasso de disciplinas ou cientistas isolados, mas se encontra fundado sistematicamente na abordagem institucional-metodológica das ciências em relação aos riscos.

6

Com efeito, valemo-nos, mais uma vez, das palavras de Beck, o qual diz que

“a sociedade de risco não é, portanto, uma sociedade revolucionária, mas mais do

que isto: uma sociedade catastrofal. Nela, o estado de exceção ameaça converter-

se em normalidade”.7

1.1 A ação regressiva acidentária: natureza jurídica e conceito

Aquele que se vale dos préstimos alheios para o proveito em suas atividades

deve suportar as consequências oriundas desses referidos préstimos; aliás, aquele

que se valeu dos serviços é que colherá os frutos da atividade econômica.

Nesse sentido, dispõe o artigo 2º da Consolidação das Leis do Trabalho:

“Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os

riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de

serviço”.

5 Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Ed. 34, 2011, p. 54.

6 Ibidem, p. 71.

7 Ibidem, p. 96.

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20

Sob essa ótica, a partir da necessidade de o Estado tutelar a dignidade

humana dos indivíduos que se expunham aos riscos criados pelos empregadores,

bem como buscando restabelecer os cofres públicos, surgiram as ações regressivas.

E, assim, encontramos um elo entre as ações regressivas, que atuam na

tutela da dignidade humana, e os direitos humanos, considerando

[as] três dimensões dos direitos humanos: a liberdade inata; a igualdade inata; e o valor consubstancial do homem e de todos os homens, que implica a fraternidade inata. Esta tríade conforma os elementos estruturantes de um só núcleo – o feixe essencial, indissociável e interdependente que constitui a humanidade imanente ao homem e a todos os homens, e que atribui objetivamente à pessoa humana valor por si, ou seja, dignidade. É possível que o futuro revele outras dimensões, já que o universo é ilimitado, sendo também ilimitada a expressão do homem e de todos os homens no meio difuso de todas as coisas. Por isso, violar a dignidade humana é colocar o homem em situação desumana, ou seja, naquilo que avilta a sua condição humana existência biocultural.

8

Para que seja mais bem compreendida toda a nossa pesquisa,

transcrevemos, abaixo, o artigo 120 da Lei nº 8.213/91, que dispõe sobre as ações

regressivas:

Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.

Notamos que o ajuizamento da ação regressiva não se trata de uma

faculdade da Previdência Social. O verbo “proporá” se apresenta como um poder-

dever, ou seja, uma obrigação imposta pelo legislador, ao Instituto Nacional do

Seguro Social (INSS), de buscar o ressarcimento das despesas suportadas em

razão da conduta culposa ou dolosa do empregador ou terceiros. “Com efeito, a

primeira conclusão que se deve extrair do art. 120 da Lei n. 8.213/91 é no sentido de

que esse preceito não criou qualquer direito em prol do INSS, mas sim um dever de

agir.”9

A possibilidade de ajuizamento da ação regressiva de natureza civil já tinha

previsão legal no Código Civil de 1916, já que os artigos 159 e 1.524 do referido

diploma traziam essa possibilidade. Vejamos:

8 SAYEG, Ricardo; BALERA, Wagner. O capitalismo humanista. Petrópolis: KBR, 2011, p. 117.

9 MACIEL, Fernando. Ações regressivas acidentárias. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2013, p. 18.

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Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código, arts. 1.521 a 1.532 e 1.542 a 1.553. Art. 1.524. O que ressarcir o dano causado por outros, se este não for descendente seu, pode reaver, daquele por quem pagou, o que houver pago.

No entanto, a possibilidade de ajuizamento de ação regressiva acidentária

(ARA) só foi possível com o advento do artigo 120 da Lei n° 8.213/91, conforme

passaremos a explanar.

Para o autor do Código Civil de 1916, o jurista Clóvis Beviláqua,

O direito regressivo, de quem teve de ressarcir o damno causado por outrem, é de justiça manifesta, é uma consequência natural da responsabilidade indirecta. Mas, se o autor do damno fôr descendente de quem teve de o ressarcir, não haverá regresso, declara o art. 1.524. É uma particularidade do nosso Código, que se justifica perfeitamente, por considerações de ordem moral, e pela organização econômica da família. Na verdade, nenhuma das pessoas, que têm de ressarcir o damno causado por outra, se acha na situação especial de aproximação affectiva, de dever de vigilância, de solidariedade moral e, até certo ponto econômica, do ascendente para com o descendente. São razões essas mais que suficientes para dar apoio sólido a exceção restrictiva do Código Civil Brasileiro.

10

Com esteio nos ensinamentos de Beviláqua, que foi o grande idealizador do

Código Civil de 1916, diploma que introduziu o instituto da ação de regresso no

ordenamento jurídico brasileiro, concluímos que a ação de regresso, ou regressiva,

é um instrumento por meio do qual se busca reestabelecer o patrimônio do autor que

pagou pelos danos causados pelo réu.

No mesmo sentido, leciona Cirlene Luiza Zimmermann:

A ação de regresso é o instrumento jurídico disponibilizado a aquele que suporta os ônus decorrentes de um dano causado ao direito de outrem, sem que tenha sido o seu causador, para reaver os prejuízos com os quais injustamente arcou, de quem efetivamente ocasionou o agravo.

11

10

Código Civil dos Estados Unidos do Brasil: comentado por Clóvis Beviláqua. Edição histórica. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1940. v. 4, p. 672.

11 A ação regressiva acidentária como instrumento de tutela do meio ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 2012, p. 195.

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22

Apesar do posicionamento no sentido da existência de outra fonte normativa

que justifica a pretensão ressarcitória exercida pelo INSS. Trata-se do artigo 7º,

inciso XXVIII, da Constituição Federal. Vejamos:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social. [...] XXVIII – seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.

Por conseguinte, a indenização prevista no inciso XXVIII do artigo 7º da Carta

Magna não se trata de direito de regresso, e sim da reparação a que o trabalhador

faz jus em desfavor do empregador diretamente na esfera da Justiça do Trabalho,

não possuindo nenhuma relação com o direito social do empregado em receber

benefício, auxílio ou pensão do INSS em razão de morte, invalidez ou doença. Para

dar respaldo ao nosso posicionamento, o artigo 121 da Lei nº 8.213/91 assim dispõe:

“O pagamento, pela Previdência Social, das prestações por acidentes do trabalho

não inclui a responsabilidade civil da empresa ou de outrem”.

Com efeito, a responsabilidade civil da empresa por acidentes do trabalho

causados aos empregados em decorrência de culpa ou dolo do empregador não se

confunde com o pagamento de benefício, auxílio ou pensão realizado pela

Previdência Social, posicionamento esse que se coaduna com as disposições do

artigo 7º, inciso XXVIII, da Constituição Federal.

Embora exista posicionamento contrário, no sentido de que o INSS sempre

teve direito ao ajuizamento de ação regressiva, observando as disposições do

Código Civil, nos posicionamos no sentido de que o direito de regresso do INSS não

se encontrava amparado em nenhuma norma antes do início da vigência do artigo

120 da Lei nº 8.213/91, uma vez que não se trata de um direito meramente

ressarcitório, mas de política pública que criou o dever da Previdência Social de

reaver os valores despendidos em razão da conduta culposa ou dolosa do

empregador ou terceiros. O que não se coaduna com a ação de regresso prevista no

artigo 1.524 do Código Civil de Beviláqua, uma vez que a ação de regresso lá

prevista não possuía cunho social de política pública. Políticas públicas, nos dizeres

de Giselle de Amaro e França,

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são um conjunto de processos, incluindo, ao menos: a definição da agenda; a elaboração de alternativas que serão objeto de escolha; uma escolha confiável, respeitável e irrefutável entre as alternativas postas, como no caso de um voto legislativo ou de uma decisão presidencial; e a execução da decisão.

12

Ora, se a ação regressiva do artigo 120 da Lei n° 8.213/91 e a ação

regressiva do Código Civil fossem a mesma coisa, a primeira não funcionaria como

política pública e a segunda teria o viés meramente ressarcitório. São institutos

jurídicos distintos, e assim devem ser tratados. Aliás, a ação regressiva do Código

Civil não funciona como política pública.

Ainda que o artigo 120 da Lei nº 8.213/91 não traga expressamente nenhuma

disposição acerca da necessidade da existência de gastos da Previdência Social,

para que possa ser ajuizada uma ação regressiva, evidentemente, em decorrência

das disposições contidas no conceito do instituto jurídico do direito de regresso, a

existência de efetivo prejuízo aos cofres da Previdência Social é condição da ação

regressiva. Por fim, ainda que o legislador tenha silenciado a respeito da

necessidade do efetivo prejuízo suportado pela Previdência Social, a ação

regressiva tem como objeto o ressarcimento de um prejuízo.

O prejuízo acima referido não é só financeiro, já que o objetivo das ações

regressivas não é apenas tutelar o direito ao ressarcimento do prejuízo financeiro da

Previdência Social, e tal fato é comprovado sempre que oferecermos uma

interpretação constitucional ampliada ao artigo 120 da Lei nº 8.213/91, no sentido de

que o objetivo também é tutelar e reduzir os riscos existentes no meio ambiente do

trabalho, nos moldes do artigo 7º, inciso XXII, da Carta Magna.

12

FRANÇA, Giselle de Amaro e. O Poder Judiciário e as políticas públicas previdenciárias. 2010. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010, p. 18-19.

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24

As ações regressivas guardam uma característica de repressão, além de

prevenir eventuais descumprimentos a normas de saúde e segurança do trabalho.

Nos dicionários comuns, repressão tem como significado castigo ou punição que

busca reprimir, proibir, controlar ou penalizar.13 Tratando-se de um dos mecanismos

do Estado de garantir o cumprimento das normas de saúde e segurança do trabalho,

que assegura o cumprimento das normas e diminui os riscos no meio ambiente do

trabalho, visto que existem diversas outras maneiras de o ente estatal garantir o

cumprimento dessas normas.

O caráter repressor das ações regressivas, por meio da condenação ao

restabelecimento dos cofres públicos, com a indenização pecuniária imposta ao

ofensor às normas de saúde e segurança do trabalho, possui, sem dúvida, natureza

pedagógica para empresas descumpridoras das normas de saúde e segurança do

trabalho.

Nesse diapasão, nas palavras de Zimmermann,

A ARA [Ação Regressiva Acidentária], portanto, não se trata de um fim em si mesma, mas não há como negar que é um meio repressivo com forte potencial didático, motivo pelo qual deve ser explorada enquanto política pública de proteção ao MAT [Meio Ambiente do Trabalho] seguro e salubre e de garantia ao direito de trabalhar e de viver em ambientes equilibrados, essenciais à sadia e digna qualidade de vida.

14

Caberá o ajuizamento das ações regressivas sempre que houver a concessão

de benefícios, auxílios ou pensões decorrentes de acidentes causados por

empregadores que descumpriram as normas de saúde e segurança do trabalho. Os

riscos relacionados à atividade econômica, considerados comuns, não estando

ligados a acidentes do trabalho, ou ainda que ligados ao acidente do trabalho, mas

sem que exista a conduta negligente do empregador, continuam com a cobertura da

Previdência Social, sem a possibilidade de ajuizamento da ação regressiva. A ação

regressiva faz sentido nos casos de acidente do trabalho, por culpa do empregador,

“não só a Previdência Social, mas toda a sociedade está sendo onerada pela

criação e pela manutenção de riscos nos ambientes laborais”.15

13

Repressão (vocábulo). Dicio – Dicionário Online de Português. Disponível em: <https://www.dicio.com.br/repressao/>. Acesso em: 10 dez. 2016. 14

A ação regressiva acidentária como instrumento de tutela do meio ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 2012, p. 238.

15 Ibidem, p. 159.

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25

Mister ressaltar que, para a possibilidade de ajuizamento das ações

regressivas, há a necessidade do preenchimento de pressupostos mínimos, quais

sejam:

1) a ocorrência do acidente do trabalho sofrido pelo segurado;

2) o nexo causal;

3) a concessão de benefício previdenciário, assim entendido como auxílio,

aposentadoria ou pensão paga pela Previdência Social; e

4) a constatação de negligência quanto ao cumprimento ou fiscalização das

normas de saúde e segurança do trabalho que expõem o segurado a riscos de

acidentes do trabalho.

Figura 1 – Pressupostos mínimos para o ajuizamento das ações regressivas.

Fonte: Elaborada pela autora.

Quanto ao primeiro pressuposto, é necessário que o infortúnio seja

considerado um acidente do trabalho perante a Previdência Social. Para que isso

ocorra, deve fazer parte do rol de doenças constantes da lista B do anexo II do

Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999), ou

que seja considerado um acidente típico de trabalho que corresponde àqueles

decorrentes da característica da atividade profissional desempenhada pelo

acidentado.

Completando o nosso raciocínio, e atingindo não só o primeiro pressuposto,

mas o segundo também, que trata do nexo de causalidade, o artigo 337 do

Regulamento da Previdência Social assim prevê:

Acidente Nexo causal

Benefício previdenciário

concedido

Negligência do empregador quanto à

exposição ao risco

Ações Regressivas

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Art. 337. O acidente do trabalho será caracterizado tecnicamente pela perícia médica do INSS, mediante a identificação do nexo entre o trabalho e o agravo. (Redação dada pelo Decreto nº 6.042, de 2007) I – o acidente e a lesão; II – a doença e o trabalho; e III – a causa mortis e o acidente. § 1º O setor de benefícios do Instituto Nacional do Seguro Social reconhecerá o direito do segurado à habilitação do benefício acidentário. § 2º Será considerado agravamento do acidente aquele sofrido pelo acidentado quanto estiver sob a responsabilidade da reabilitação profissional. § 3º Considera-se estabelecido o nexo entre o trabalho e o agravo quando se verificar nexo técnico epidemiológico entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade, elencada na Classificação Internacional de Doenças – CID em conformidade com o disposto na Lista C do Anexo II deste Regulamento. (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009) § 4º Para os fins deste artigo, considera-se agravo a lesão, doença, transtorno de saúde, distúrbio, disfunção ou síndrome de evolução aguda, subaguda ou crônica, de natureza clínica ou subclínica, inclusive morte, independentemente do tempo de latência. (Incluído pelo Decreto nº 6.042, de 2007) § 5º Reconhecidos pela perícia médica do INSS a incapacidade para o trabalho e o nexo entre o trabalho e o agravo, na forma do § 3º, serão devidas as prestações acidentárias a que o beneficiário tenha direito. (Incluído pelo Decreto nº 6.042, de 2007) § 6º A perícia médica do INSS deixará de aplicar o disposto no § 3º quando demonstrada a inexistência de nexo entre o trabalho e o agravo, sem prejuízo do disposto nos §§ 7º e 12. (Redação dada pelo Decreto nº 6.939, de 2009) § 7º A empresa poderá requerer ao INSS a não aplicação do nexo técnico epidemiológico ao caso concreto mediante a demonstração de inexistência de correspondente nexo entre o trabalho e o agravo. (Redação dada pelo Decreto nº 6.939, de 2009) § 8º O requerimento de que trata o § 7

o poderá ser apresentado no prazo de

quinze dias da data para a entrega, na forma do inciso IV do art. 225, da GFIP [Guia de Recolhimento do FGTS e de Informações à Previdência Social] que registre a movimentação do trabalhador, sob pena de não conhecimento da alegação em instância administrativa. (Incluído pelo Decreto nº 6.042, de 2007) § 9º Caracterizada a impossibilidade de atendimento ao disposto no § 8º, motivada pelo não conhecimento tempestivo do diagnóstico do agravo, o requerimento de que trata o § 7º poderá ser apresentado no prazo de quinze dias da data em que a empresa tomar ciência da decisão da perícia médica do INSS referida no § 5º. (Incluído pelo Decreto nº 6.042, de 2007) § 10. Juntamente com o requerimento de que tratam os §§ 8º e 9º, a empresa formulará as alegações que entender necessárias e apresentará as provas que possuir demonstrando a inexistência de nexo entre o trabalho e o agravo. (Redação dada pelo Decreto nº 6.939, de 2009) § 11. A documentação probatória poderá trazer, entre outros meios de prova, evidências técnicas circunstanciadas e tempestivas à exposição do segurado, podendo ser produzidas no âmbito de programas de gestão de risco, a cargo da empresa, que possuam responsável técnico legalmente habilitado. (Incluído pelo Decreto nº 6.042, de 2007) § 12. O INSS informará ao segurado sobre a contestação da empresa para que este, querendo, possa impugná-la, obedecendo, quanto à produção de provas, ao disposto no § 10, sempre que a instrução do pedido evidenciar a possibilidade de reconhecimento de inexistência do nexo entre o trabalho e o agravo. (Redação dada pelo Decreto nº 6.939, de 2009)

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27

§ 13. Da decisão do requerimento de que trata o § 7º cabe recurso, com efeito suspensivo, por parte da empresa ou, conforme o caso, do segurado ao Conselho de Recursos da Previdência Social, nos termos dos arts. 305 a 310. (Incluído pelo Decreto nº 6.042, de 2007)

O primeiro pressuposto está delineado no Regulamento da Previdência

Social, havendo, nos termos do § 7º do artigo 337 da Lei nº 8.213/91, oportunidade

de impugnação, por parte do empregador, com instrução processual administrativa,

impugnação essa que poderá fazer parte da defesa em eventual ação regressiva.

A Instrução Normativa INSS/PRES nº 31/2008, em seu Anexo I, é outra fonte

de consulta para a certeza do preenchimento do primeiro e do segundo

pressupostos, trazendo o nexo técnico profissional ou do trabalho, o nexo técnico

por doença equiparada a acidente do trabalho ou nexo técnico individual, e o nexo

técnico epidemiológico previdenciário, assim dispondo:

Art. 3º O nexo técnico previdenciário poderá ser de natureza causal ou não, havendo três espécies: I – nexo técnico profissional ou do trabalho, fundamentado nas associações entre patologias e exposições constantes das listas A e B do Anexo II do Decreto nº 3.048, de 1999; II – nexo técnico por doença equiparada a acidente de trabalho ou nexo técnico individual, decorrente de acidentes de trabalho típicos ou de trajeto, bem como de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele relacionado diretamente, nos termos do § 2º do art. 20 da Lei nº 8.213/91; III – nexo técnico epidemiológico previdenciário, aplicável quando houver significância estatística da associação entre o código da Classificação Internacional de Doenças – CID, e o da Classificação Nacional de Atividade Econômica – CNAE, na parte inserida pelo Decreto nº 6.042/07, na Lista B do Anexo II do Decreto nº 3.048, de 1999; [...]

O terceiro pressuposto da ação regressiva acidentária (ARA) é a existência de

implemento de um benefício, assim entendido como aposentadoria ou auxílio ao

segurado vítima do infortúnio, ou pensão a seus dependentes.

O quarto pressuposto consiste na constatação de negligência quanto ao

cumprimento ou fiscalização das normas de saúde e segurança do trabalho que

expõem o segurado a riscos de acidentes do trabalho, consubstancia-se na conduta

culposa ou dolosa do empregador quanto ao cumprimento ou fiscalização das

normas de saúde e segurança do trabalho. Como destaca Fernando Maciel, é

oportuno salientar que “a culpabilidade por um acidente do trabalho não decorre de

condutas isoladas imputadas aos empregadores, mas sim de múltiplos fatores

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causais que, conjugados, desencadeiam os eventos infortunísticos”.16 É impossível

mensurar todos os fatores que poderiam desencadear os eventos infortunísticos,

mas, para citar alguns exemplos, temos a culpa concorrente, quando o empregado

concorre para a ocorrência do evento, a culpa exclusiva do empregado, a culpa de

terceiro e os casos de corresponsabilidade.

Ainda que presentes três pressupostos para o ajuizamento da ARA, a

ausência de um único pressuposto inviabiliza o ajuizamento da ação regressiva

acidentária.

1.2 Ações regressivas decorrentes de acidentes de trânsito e violência

doméstica

Como vimos, as ações regressivas acidentárias (ARA) são aquelas

decorrentes de acidentes do trabalho, possuindo previsão legal no artigo 120 da Lei

nº 8.213/91, ou seja, em havendo prestação pecuniária paga pela Previdência Social

decorrente de infortúnio laboral por culpa ou dolo do empregador, existe a

possibilidade do ajuizamento de ações regressivas.

A novidade é o ajuizamento de ações regressivas por fatos que não estão

relacionados a acidentes do trabalho, cuja previsão encontra-se na Portaria

Conjunta nº 06, de 18 de janeiro de 2013, da Procuradoria-Geral Federal (PGF) e do

INSS, que assim dispõe, em seu artigo 2º: “Considera-se ação regressiva

previdenciária para os efeitos desta portaria conjunta a ação que tenha por objeto o

ressarcimento ao INSS de despesas previdenciárias determinadas pela ocorrência

de atos ilícitos”.17

Ato ilícito, para Cavalhieri Filho, no sentido estrito, é “o conjunto de

pressupostos da responsabilidade – ou, se preferirmos, da obrigação de indenizar”.18

Em sentido amplo, ato ilícito “indica apenas a ilicitude do ato, a conduta humana

antijurídica, contrária ao Direito, sem qualquer referência ao elemento subjetivo ou

psicológico”.19 Nesta tese, considerando o artigo 2º da referida Portaria, preferimos

utilizar o sentido estrito do conceito de ato ilícito por ser pressuposto da

responsabilidade civil.

16

Ações regressivas acidentárias. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2013, p. 29. 17

A referida Portaria encontra-se transcrita, na íntegra, no Anexo A desta tese. 18

Programa de responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 23. 19

Ibidem, p. 23.

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29

A Portaria em tela busca respaldo jurídico no Código Civil, especificamente no

artigo 186, que disciplina a responsabilidade civil decorrente da culpa, bem como no

artigo 930, que determina a ação regressiva decorrente de indenização por

responsabilidade civil.

Entre os casos não relacionados com acidentes do trabalho, e que possuem

fundamentação jurídica exclusivamente voltada para a responsabilidade civil, estão

as situações de crimes de trânsito, na forma do Código de Trânsito Brasileiro, e de

ilícitos penais dolosos que resultarem em lesão corporal, morte ou perturbação

funcional. Ademais, de acordo com o exame concreto dos fatos e dos

correspondentes argumentos jurídicos, outras hipóteses de responsabilização,

incluindo crimes na modalidade culposa, poderão dar ensejo ao ajuizamento de

ação regressiva.

No caso de ação regressiva em decorrência de violência doméstica (ilícito

penal doloso), o INSS busca o ressarcimento das despesas pagas com benefícios

previdenciários às vítimas. Exemplificando, o cônjuge ou companheiro que vier a

cometer violência em desfavor de sua esposa ou companheira, e essa violência

causar lesão que resulte na concessão de benefício previdenciário a ela ou a seus

dependentes, terá de ressarcir os cofres da Previdência Social pelos gastos com os

valores recebidos a título de benefício previdenciário.

Com fundamento único na responsabilidade civil, as ações ajuizadas em

desfavor de motoristas responsáveis por acidentes automobilísticos que levaram as

vítimas ou seus dependentes a receberem benefícios previdenciários têm por

objetivo o ressarcimento dos valores pagos a título de benefício previdenciário à

vítima do acidente ou seus dependentes.

Tanto a ação regressiva decorrente de acidente de trânsito como de violência

doméstica não possuem respaldo legal no artigo 120 da Lei nº 8.213/91, já que a

ação regressiva prevista no artigo 120 se destina a restabelecer os cofres nos casos

de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho,

contudo, referidas ações estão sendo ajuizadas sob o fundamento dos artigos 186 e

930 do Código Civil.

Há uma indiscutível distorção na interpretação da norma jurídica ao se aplicar

a responsabilidade civil no âmbito das ações regressivas previdenciárias, buscando

respaldo legal somente na legislação civil, já que o artigo 120 da Lei nº 8.213/91 é

claro ao estabelecer a necessidade de negligência na adoção das normas padrão de

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segurança e higiene do trabalho. Trata-se de normas distintas e que não deveriam

se confundir, uma vez que o Código Civil está para disciplinar as questões de

natureza civil, e a Lei nº 8.213/91 está para disciplinar o Direito Previdenciário, que

em nada se assemelha aos direitos civis.

Para elucidar a questão, faz-se necessário demonstrar a existência de conflito

normativo. O ordenamento jurídico apresenta-se em forma de sistema jurídico que

se encontra em perpétuo movimento, modificando-se e adaptando-se às novas

exigências e realidades da vida.

Os novos conflitos, as novas necessidades sociais, impõem a elaboração de

novas leis. Juízes e tribunais trazem novos precedentes, pois estamos diante do

dinamismo da vida.

No caso em exame, temos os artigos 186 e 930 do Código Civil, bem como o

artigo 120 da Lei nº 8.213/91, que dispõem:

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou

imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente

moral, comete ato ilícito.

Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de

terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a

importância que tiver ressarcido ao lesado.

Parágrafo único. A mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem

causou o dano (art. 188, inciso I).

Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e

higiene do trabalho indicados para a proteção individual e coletiva, a

Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.

A lei não traz expressões inúteis. Assim, questionamos: por qual motivo

existiria o artigo 120 da Lei nº 8.213/91 se o Código Civil, inclusive o Código de

Beviláqua, já disciplinava a ação regressiva?

Vejamos as disposições do Código Civil de 1916 em matéria de ação

regressiva:

Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano. A verificação da culpa e a avaliação da responsabilidade regulam-se pelo disposto neste Código, arts. 1.521 a 1.532 e 1.542 a 1.553.

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Art. 1.524. O que ressarcir o dano causado por outros, se este não for descendente seu, pode reaver, daquele por quem pagou, o que houver pago.

A Lei n° 8.213 entrou em vigor aos 25 de julho de 1991, ocasião em que o

artigo 120 da referida lei também passou a viger. Contudo, na época, estava em

vigor o Código Civil de 1916, que já disciplinava a matéria de ação regressiva.

Por conseguinte, estamos diante de uma antinomia jurídica, que, nas lições

de Maria Helena Diniz, trata-se de duas normas conflitantes, sem que se possa

saber qual delas deverá ser aplicada ao caso singular.20

A referida autora traça o perfil da antinomia jurídica. Vejamos:

a) Ambas as normas sejam jurídicas;

b) Ambas sejam vigentes e pertencentes ao mesmo ordenamento jurídico;

c) Ambas devem emanar de autoridades competentes num mesmo âmbito

normativo, prescrevendo ordens ao mesmo sujeito;

d) Ambas devem ter operadores opostos (uma permite, outra obriga) e os

seus conteúdos (atos e omissões) devem ser a negação interna um do

outro, isto é, uma prescreve o ato e a outra, a omissão.

e) O sujeito, a quem se dirigem as normas conflitantes, deve ficar numa

posição insustentável.

Para realizar a análise da antinomia jurídica, temos, no caso das ações

regressivas, o Código Civil de 1916, vigente à época em que entrou em vigor a Lei

nº 8.213/91. Referidas normas são jurídicas, estavam vigentes e pertenciam ao

mesmo ordenamento jurídico, foram emanadas de autoridades competentes,

possuem operadores opostos, já que o Código Civil traz uma faculdade de

ajuizamento de ação regressiva e a Lei nº 8.213/91 traz um dever de ajuizamento de

ação regressiva. Além disso, a Lei nº 8.213/91 traz as situações em que é dever o

ajuizamento de ação regressiva e o Código Civil é omisso quanto às hipóteses de

cabimento.

Para classificar uma antinomia temos os seguintes critérios:

a) Critério de solução;

b) Conteúdo;

20

Conflito de normas. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 19.

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32

c) Âmbito;

d) Extensão da contradição.

O critério da solução traz a antinomia aparente e a antinomia real, na

antinomia aparente os critérios para a solução integram o ordenamento jurídico. Na

antinomia real não há na ordem jurídica nenhum critério normativo para a sua

solução, sendo nesse caso imprescindível a edição de uma nova norma para a

solução.

Na análise da antinomia no âmbito das ações regressivas, especialmente no

artigo 120 da Lei nº 8.213/91 e no Código Civil de 1916, quanto ao critério de

solução, a antinomia é aparente, já que os critérios de solução integram o

ordenamento jurídico.

Quanto ao conteúdo, a antinomia pode ser própria ou imprópria. A antinomia

própria ocorre quando uma conduta aparece ao mesmo tempo prescrita e não

prescrita, ou proibida e não proibida. Já a antinomia imprópria se apresenta de três

maneiras: antinomia de princípios, antinomia valorativa ou imanente de valoração e

antinomia teleológica. A antinomia imprópria não impede que o sujeito aja conforme

as normas, mesmo que não concorde com elas. Na antinomia de princípios, há

desarmonia na ordem jurídica pelo fato de elas fazerem parte de diferentes ideias

fundamentais, entre as quais pode se estabelecer um conflito. Na antinomia

valorativa ou de valoração, o legislador não é fiel a uma valoração por ele próprio

realizada, por exemplo, quando prescreve pena mais leve para um delito mais grave.

Na antinomia teleológica há incompatibilidade entre os fins propostos por certa

norma e os meios previstos por outra para a consecução daqueles fins.

Na análise da antinomia no âmbito das ações regressivas, especialmente no

artigo 120 da Lei nº 8.213/91 e no Código Civil de 1916, quanto ao conteúdo, a

antinomia é imprópria teleológica, uma vez que a finalidade do artigo 120 da Lei nº

8.213/91 é a prática de política pública, além do ressarcimento, e no caso do Código

Civil, no que tange às ações regressivas a finalidade é tão somente o ressarcimento.

Quanto ao âmbito, as antinomias podem ser de direito interno e de direito

internacional. No caso em estudo, estamos diante de uma antinomia de direito

interno, já que ambas as normas são nacionais.

Quanto à extensão da contradição, a antinomia pode ser total-total, total-

parcial, parcial-parcial. Na antinomia total-total, uma das normas não pode ser

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aplicada sem conflitar com a outra. Na antinomia total-parcial, uma das normas não

pode ser aplicada, em nenhuma circunstância, sem conflitar com a outra, enquanto

esta tem um campo de aplicação que conflita com a anterior apenas em parte. Na

antinomia parcial-parcial, as duas normas têm um campo de aplicação que em parte

um entra em conflito com o da outra e em parte não entra.

Na análise da antinomia no âmbito das ações regressivas, especialmente no

artigo 120 da Lei nº 8.213/91 e no Código Civil de 1916, quanto à extensão da

contradição, a antinomia é parcial-parcial, já que as duas normas têm um campo de

aplicação que em parte não entra em conflito, ou seja, a finalidade do ressarcimento.

Fruto das anotações em aulas ministradas por Maria Helena Diniz, notamos

que há antinomia de norma jurídica entre o artigo 1.524 do Código Civil de 1916 e o

artigo 120 da Lei nº 8.213/91, que se classifica como aparente, imprópria teleológica,

de direito interno e parcial-parcial.

Diante da inequívoca antinomia, a aplicação dos critérios para a solução de

antinomias no direito interno se impõe. Entre os critérios, temos:

Figura 2 – Critérios para a solução de antinomias no direito interno.

Fonte: Elaborada pela autora.

O critério hierárquico (lex superior derogat legi inferiori), quer dizer que em

havendo conflito entre normas de diferentes níveis, a de nível mais alto, qualquer

que seja a ordem cronológica, terá preferência em relação à de nível mais baixo.

Hierárquico

Cronológico

Especialidade

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34

O critério cronológico (lex posterior derogat legi priori), nos dizeres de Maria

Helena Diniz, “significa que de duas normas do mesmo nível ou escalão, a última

prevalece sobre a anterior”.21

De acordo com o critério da especialidade (lex specialis derogat legi generali),

uma norma é especial se possuir em sua definição legal todos os elementos típicos

da norma geral e mais alguns de natureza objetiva ou subjetiva, denominados

especializantes. Maria Helena Diniz leciona que

a norma especial acresce um elemento próprio à descrição legal do tipo previsto na norma geral, tendo prevalência sobre esta, afastando-se assim o bis in idem, pois o comportamento só se enquadrará na norma especial, embora também esteja previsto na geral (RJTJSP 29:303). O tipo geral está contido no tipo especial. A norma geral só não se aplica ante a maior relevância jurídica dos elementos contidos na norma especial, que a tornam mais suscetível de atendibilidade do que a norma genérica.

22

Na análise da antinomia no âmbito das ações regressivas, especialmente no

artigo 120 da Lei nº 8.213/91 e no artigo 1.524 do Código Civil de 1916 (mais uma

vez, não é demais ressaltar que estamos tratando do Código Civil de 1916, que se

tratava da norma vigente quando entrou em vigor a Lei nº 8.213/91), encontramos a

solução da antinomia no critério cronológico, bem como no critério da especialidade.

No critério cronológico, a lei posterior é a Lei nº 8.213/91; e no critério da

especialidade, a lei especial é a Lei n° 8.213/91, e o Código Civil é a lei geral. Por

fim, concluímos que a legislação aplicável às ações regressivas é o artigo 120 da Lei

nº 8.213/91, razão pela qual não é possível, por meio de Portaria, estender essa

aplicabilidade às novas ações regressivas, que, nos dizeres de Miguel Horvath

Júnior, “deve ser entendida a nova ação regressiva contra motoristas que dirigem

alcoolizados e com excesso de velocidade que vitimam inocentes invalidando-os ou

mesmo produzindo sua morte”.23

Esclarecendo as novas ações regressivas, Miguel Horvath Júnior destaca que

a nova ação regressiva sob o ponto de vista social visa, diante do vácuo político legislativo, inibir a utilização de veículos automotores por condutores irresponsáveis que os usam como verdadeiras máquinas geradoras de morte ou de inválidos e impedir que seu custo, na medida que o gerador do dano

21

Conflito de normas. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 35. 22

Ibidem, p. 40. 23

As novas ações regressivas e seus fundamentos – uma análise panorâmica sob o ponto de vista social e jurídico. Revista Bonijuris, ano XXV, v. 25, n. 591, p. 22, fev. 2013.

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35

tenha capacidade econômica, seja suportado de maneira geral por toda a sociedade.

24

Estamos, portanto, diante do que se busca com o artigo 120 da Lei nº

8.213/91, que é o viés ressarcitório, mas também o viés de política pública, que não

se encontra no Código Civil. Assim, percebemos que os operadores do Direito, com

as novas ações regressivas, perseguem a finalidade de política pública, que não

está presente no Código Civil.

Não obstante, o referido autor destaca a existência de um vácuo legislativo a

respeito das novas ações regressivas. Assim, não podemos aplicar a norma geral,

que é o Código Civil, quando temos a lei especial, que é a Lei nº 8.213/91, que já

disciplina as ações regressivas acidentárias (ARAs), e se fosse a intenção do

legislador incluir as novas ações regressivas, expressamente ele o teria feito. Aliás,

como já salientado uma vez, a lei não traz expressões inúteis, e quando o artigo 120

da Lei nº 8.213/91 traz o dever de ajuizamento das ações regressivas e o Código

Civil traz a faculdade do ajuizamento de ações regressivas, já podemos notar a

existência do conflito normativo, e não basta uma Portaria para regular o vácuo

legislativo.

Não se trata de deixar de punir o responsável pelo ato ilícito (a violência ou a

embriaguez ao volante), mas sim de aplicar a norma jurídica assim como ela se

apresenta.

Sim, existem novos riscos, que merecem uma nova análise por parte do

legislador para que haja a proteção previdenciária, assim entendidos a violência

doméstica e o acidente de trânsito. No entanto, aplicar a responsabilidade civil

indistintamente trata-se de conduta antijurídica, afinal, as questões de

responsabilidade civil, de conteúdo patrimonial, se contrapõem ao Direito Social, que

tem por fundamento a solidariedade.

Caso nosso entendimento fosse similar aos que admitem o ajuizamento de

ações regressivas novas, sob o fundamento da responsabilidade civil, traríamos

para o âmbito do Direito Previdenciário todas as disposições da responsabilidade

civil, inclusive as excludentes de responsabilidade, e então, certamente, em um

futuro próximo, estaríamos diante de segurados que tiveram que ressarcir os cofres

da Previdência Social por serem os causadores dos mais diversos desastres, até

24

As novas ações regressivas e seus fundamentos – uma análise panorâmica sob o ponto de vista social e jurídico. Revista Bonijuris, ano XXV, v. 25, n. 591, p. 23, fev. 2013.

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36

mesmo naqueles casos em que o próprio segurado dirigiu alcoolizado e se vitimou

em acidente, tendo recebido benefício previdenciário. Afinal, se fosse possível a

aplicação da responsabilidade civil no âmbito do Direito Previdenciário, também

seriam aplicadas as excludentes de responsabilidade.

As ações regressivas decorrentes de acidente de trânsito e violência

doméstica estão regulamentadas na Portaria Conjunta PGF/INSS nº 06/2013. Por

óbvio, a referida Portaria não é lei nem serve para regulamentar lei. Faz-se

necessário tecer alguns comentários sobre esse tipo de ato administrativo.

Conforme José Cretella Júnior,

A portaria é um ato administrativo especial, ou seja, “declaração concreta de vontade, de opinião, de juízo, de ciência, de um órgão administrativo do Estado ou de outro sujeito de direito público administrativo no desdobramento da atividade de administração”.

25

Constatamos que a Portaria só serve para regular atos da atividade da

Administração, e, segundo a classificação de Cretella Júnior, a Portaria Conjunta

PGF/INSS nº 06/2013 é uma portaria geral, pois tem como conteúdo normas gerais,

abstratas e impessoais.

Para Cretella Júnior,

Sempre que órgão administrativo baixa ou expede portaria sobre matéria já disciplinada em texto genérico anterior (lei, decreto, regulamento), cumpre indagar a respeito da adequação perfeita da portaria ao texto básico anterior, porque, sendo a portaria uma particularização ou desenvolvimento de um dispositivo ou de uma série de dispositivos, em vigor, será ilegal e, portanto, inaplicável, a disposição da portaria que conflite com o comando a que reporta. Onde a portaria fere de modo frontal a lei, o regulamento, o decreto, o intérprete concluirá, de imediato, por sua ilegalidade. Onde a portaria inova, criando, inaugurando regime jurídico disciplinador de um instituto, é ilegal e, pois, suscetível de censura jurisdicional.

26

Diante das lições de Cretella Júnior, concluímos pela ilegalidade da Portaria

Conjunta PGF/INSS nº 06/2013, pois está estendendo os efeitos do artigo 120 da Lei

nº 8.213/91 a outros eventos diversos de acidentes do trabalho, e assim não

pretendia o legislador, pois, se assim pretendesse, expressamente constaria da lei a

25

Valor jurídico da portaria. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, n. 117, p. 448, jul./set. 1974.

26 Ibidem, p. 455.

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37

possibilidade de ajuizamento de ações regressivas em crimes de trânsito ou ilícitos

penais dolosos que resultam em lesão corporal, morte ou perturbação funcional.

Não obstante estejam revestidas de conteúdo ordinatório, por serem atos

ordinatórios, as portarias não atingem nem obrigam os particulares, tratando-se de

uma fórmula empregada pelas autoridades para se dirigir aos seus subalternos. Os

atos ordinatórios visam à disciplina do funcionamento da Administração e da

conduta funcional de seus agentes, e, assim, evidentemente, não se prestam a

disciplinar a aplicação do Código Civil no âmbito do Direito Previdenciário, já que a

Lei nº 8.213/91 não faz isso.

Empregar uma interpretação extensiva ao artigo 120 da Lei nº 8.213/91

também não é o caso, pois, se o legislador quisesse determinar a aplicação da

responsabilidade civil no âmbito do Direito Previdenciário, assim o teria feito.

Ora, se aplicarmos a responsabilidade civil às ações regressivas decorrentes

de acidente de trânsito e violência doméstica, estaremos diante de um universo de

possibilidades de ações desse tipo, já que a sua verdadeira função estará sendo

desvirtuada, assim como estará sendo desvirtuado também o princípio da

solidariedade previdenciária.

Nesse aspecto, considerando o princípio da solidariedade social, que impõe o

recolhimento de contribuições previdenciárias para a garantia de benefícios, saúde e

assistência social aos mais necessitados, não faria sentido a aplicação indistinta da

responsabilidade civil quando todos os trabalhadores já contribuem para o sistema

de Seguridade Social, visando à cobertura das mais diversas contingências.

Seguindo esse entendimento, José Vidal Soria et al. lecionam:

Nos atuais Sistemas de Seguridade Social, parte-se de uma noção unitária da ação protetora, independentemente da natureza do risco causador, comum ou profissional. Concepção unitária que supõe a máxima expressão do princípio da “consideração conjunta das contingências ou situações protegidas”, princípio inspirador, junto ao da uniformidade das prestações, diante de um mesmo evento que vem a definir, ao menos tecnicamente, o modelo de Seguridade Social e, em todo caso, a diferenciar-se do sistema de previsão anterior. Não obstante, nem um nem outro princípio está isento de refutações concretas em nosso Sistema vigente.

27

27

Manual de seguridad social. 4. ed. Madri: Tecnos, 2008, p. 193, tradução nossa. Texto original, em espanhol: “En los Sistemas de Seguridad Social actuales se parte de una noción unitaria de la acción protectora, independiente de la naturaleza del riesgo causante, común o profesional. Concepción unitaria que supone la máxima expresión del principio de la „conjunta consideración de las contingencias o situaciones protegidas‟, principio inspirador, junto al de la uniformidad de las prestaciones ante un mismo evento que viene a definir, al menos técnicamente, el modelo de

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38

Para resolver essa questão, valemo-nos dos princípios que, segundo

Wladimir Novaes Martinez, embora não possuam o comando imperativo da norma

jurídica, “quando são ignorados, a conclusão os evidencia e reclama; alguma coisa

no espírito do intérprete – sua consciência jurídica – se revolta e o intranquiliza até

que a desconformidade seja arredada”.28

Especialmente, destacamos a solidariedade social, que, nas palavras de

Martinez,

[...] não é uma instituição típica da Previdência Social, ainda que aí tenha encontrado habitat natural para o seu desenvolvimento e efetivação. A solidariedade, referida no princípio, quer dizer união de pessoas em grupos, globalmente consideradas, contribuindo para a sustentação econômica de pessoas em sociedade, individualmente apreciadas e que, por sua vez, em dado momento, também contribuirão ou não, para a manutenção de outras pessoas. E assim sucessivamente. No momento da contribuição, é a sociedade quem contribui. No instante da percepção da prestação, é o indivíduo que usufrui. Embora no ato da contribuição seja possível individualizar o contribuinte, não é possível vincular cada um dos percipientes, pois há um fundo anônimo de recursos e um número determinável de beneficiários.

29

Referido autor destaca, ainda, que

Se a solidariedade de custeio reflete em favor do beneficiário, é bom lembrar a solidariedade sem retorno, das empresas, imposta pela lei, talvez uma manifestação de sua responsabilidade perante o risco social. De qualquer forma, não se pode olvidar, principalmente em face de seu vulto, a solidariedade contida na contribuição das empresas, que é a solidariedade da responsabilidade, assumida por todas e cuja causa determinante pertence a algumas.30

O seguro social está embasado em uma ideia simples de que uma

coletividade definida contribui com um percentual de seus rendimentos, com a

finalidade de constituir um fundo permanente capaz de suportar todas as

contingências sociais.

Seguridad Social y, en todo caso, a diferenciarse del sistema de previsión anterior. No obstante, ni uno ni otro principio están exentos de desmentidos concretos en nuestro Sistema vigente”.

28 Princípios de direito previdenciário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 30.

29 Ibidem, p. 57.

30 Ibidem, p. 59.

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39

A ideia de solidariedade social está presente quando uma pequena parcela da

coletividade definida recebe benefícios previdenciários pagos pela contribuição de

grande parte dessa coletividade definida.

Martinez sustenta que

É inequívoca a solidariedade entre pessoas, jacente na ideia do seguro social, característica que, aliás, pode ser observada em quase todas as técnicas de proteção social, em especial na assistência social, onde pessoas que nunca contribuíram são assistidas por pessoas que sempre contribuíram, sem serem assistidas. O segurado que contribui durante o prazo de espera carreia recursos em favor daqueles que são beneficiados sem o período de carência. Isto é solidariedade social.

31

Outro ponto que merece destaque, ante a impossibilidade de ajuizamento das

ações regressivas não previstas no artigo 120 da Lei nº 8.213/91, está presente no

princípio da obrigatoriedade, que se traduz em condição para que a solidariedade se

efetive. Aliás, se as contribuições não fossem obrigatórias e sim facultativas, o

individualismo se sobreporia às necessidades sociais e certamente não haveria um

fundo capaz de custear todas as contingências sociais.

Por se tratar de uma poupança coletiva e obrigatória, a Previdência Social

funciona como um ente gestor, que continuamente recebe e distribui recursos.

Nessa distribuição de recursos, a Previdência Social não tem por fim suprir todas as

necessidades do trabalhador, mas sim oferecer o essencial.

Nessa linha de raciocínio, Martinez afirma que

[...] este dado deve ser aduzido com a informação de que o seguro social só deve substituir por inteiro a capacidade de ganho do trabalhador quando o risco realizado for daqueles que a elidem totalmente. Daí a distinção no cálculo das diversas prestações. Os critérios de fixação dos valores dos auxílios-doença e das aposentadorias por invalidez comuns devem ser sempre distintos dos de outras prestações. Os critérios de concessão das prestações acidentárias devem ser sempre mais favoráveis ao trabalhador que os das prestações comuns.

32

Induzir o raciocínio exclusivamente para a responsabilidade civil, no caso das

ações regressivas decorrentes de ato ilícito, destoa dos princípios do Direito Social,

assim como a solidariedade, a obrigatoriedade, a essencialidade, entre outros. Aqui,

cabe-nos ressaltar que, na maioria das vezes, o causador do prejuízo também é

31

Princípios de direito previdenciário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 64. 32

Ibidem, p. 78.

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40

segurado e, por conseguinte, contribuinte da Previdência Social, de tal sorte que

também está arcando com o prejuízo.

Nos casos de acidente de trânsito, muitas vezes o causador também se

vitimou e, por isso, se afasta do trabalho, recebendo benefício previdenciário.

Nessas situações, se tivermos um olhar exclusivamente sob a ótica da

responsabilidade civil, a tal segurado nada seria devido, pois ele foi o único

responsável pelo acidente, mas o Direito Social é solidário e não admite esse tipo de

interpretação.

Martinez destaca que

[...] amealhar recursos e distribuí-los aos indivíduos, através de técnicas típicas da Previdência Social, não se confunde com atividades políticas, econômicas ou sociais do Estado. Diferentemente dos benefícios sociais assegurados pelo Estado, as prestações securitárias constituem-se em direitos, podendo ser exigidos.

33

Se a responsabilidade civil fosse aplicada indistintamente, para que existiria a

solidariedade social? Afinal, para todo infortúnio, sempre haverá um responsável,

ainda que esse responsável seja o próprio segurado. De que cobertura do risco

social estaríamos diante, se indistintamente aplicarmos a responsabilidade civil?

Esse questionamento é importante para distinguir a existência de uma cobertura de

um risco social, obrigatória para todos os trabalhadores, baseada no princípio da

solidariedade social, segundo o qual, independentemente do infortúnio, todos devem

contribuir para o sistema.

Exemplificando, durante toda a vida de Alice, o pai renegou a filha, que foi

criada somente pela mãe, sendo vítima de quadro de depressão constante em razão

da ausência e rejeição paterna. Houve diversas tentativas de suicídio, todas elas

após Alice ver o pai e ser rejeitada, até que a Previdência Social lhe concedeu

auxílio-doença, afastando-a do emprego por três anos. Quando o INSS soube da

causa da depressão, teria o direito de ajuizar ação regressiva em desfavor do pai de

Alice?

A análise é dúplice para responder à pergunta. Vejamos: com base nos

fundamentos da responsabilidade civil, o INSS teria de ajuizar ação regressiva; com

base no princípio da solidariedade social, não caberia ação regressiva, pois, com

33

Princípios de direito previdenciário. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 103.

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41

fundamento no artigo 193 da Constituição Federal, a ordem social tem como esteio o

primado do trabalho e, como objetivo, o bem-estar e a justiça sociais.

Parece-nos muito simples a distinção desse liame dos fundamentos que

norteiam a responsabilidade civil e os princípios pilares do Direito Social. No

decorrer desta tese, realizaremos uma análise aprofundada sobre a questão acima

colocada e, especificamente no capítulo 5, faremos um estudo direto sobre esse

confronto da responsabilidade civil com a solidariedade social. Contudo, desde já,

nos posicionamos no sentido de que a solidariedade social, princípio basilar do

Direito Social, impede o ajuizamento indiscriminado das ações regressivas, pois

esse ajuizamento indiscriminado, tendo por fundamento tão somente a

responsabilidade civil, colocaria em xeque toda a dinâmica do Direito Social. Por fim,

opinamos pela impossibilidade de ajuizamento das novas ações regressivas por

ausência de fundamentação legal.

1.3 Função das ações regressivas acidentárias

Na tentativa de diminuir a ocorrência de acidentes do trabalho com um meio

ambiente sadio e salubre, as ações regressivas representam um meio de política

pública. Parece-nos importante revelar a verdadeira finalidade dessa política pública.

Assim, esta subseção tratará da função das ações regressivas.

Política pública, nos dizeres de Mônia Clarissa Hennig Leal,

[...] pode ser associada ao resultado material da política, aos instrumentos de atuação do Estado para a realização dos direitos fundamentais. Desse modo, é compreensível que a sua abordagem reclame o exame da própria estrutura estatal para o atendimento das infinitas demandas sociais.

34

Além de realizar os direitos fundamentais, a função de política pública das

ações regressivas acidentárias consiste em garantir que

[...] o seguro acidentário, público e obrigatório, não pode servir de alvará para que empresas negligentes com a saúde e a própria vida do trabalhador

34

Estado, jurisdição e políticas públicas: as possibilidades de controle jurisdicional de políticas públicas e a ampliação do espaço público para a inclusão de novos atores sociais. In: CECATTO, Maria Aurea Baroni et al. Cidadania, direitos sociais e políticas públicas. São Paulo: Conceito, 2011, p. 409-410.

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42

fiquem acobertadas de sua irresponsabilidade, sob pena de constituir-se verdadeiro e perigoso estímulo a esta prática socialmente indesejável.

35

O caráter repressor é o que traz maior notoriedade às ações regressivas, uma

vez que o receio de ser réu em uma ação desse tipo, e eventualmente sofrer uma

condenação, parece causar apreensão nas empresas, de modo que elas passam a

adotar todas as medidas de proteção à saúde e à segurança do trabalhador. Isso

certamente evita a ocorrência de acidentes futuros, pois representa uma verdadeira

punição para a empresa. Seria, sim, uma pena pecuniária (por meio de

indenização), mas não deixa de ser uma penalidade imposta a todos os

empregadores que agiram de forma negligente na adoção de medidas de segurança

e higiene no meio ambiente do trabalho.

E sobre a função ressarcitória, que busca reaver os valores despendidos com

os benefícios previdenciários pagos por culpa ou dolo do empregador, Daniel Pulino

leciona que

[o] direito de regresso em foco deve ser exercido com o intuito de ressarcimento dos recursos públicos administrados pelo INSS e, ao mesmo tempo, como medida desestimuladora ao descumprimento, pelas empresas, das normas de segurança e higiene do trabalho.

36

A função ressarcitória busca reequilibrar o prejuízo sofrido por toda a

sociedade que arcou com os custos do benefício previdenciário causado pela

negligência do empregador na adoção das medidas de saúde e segurança do

trabalho.

1.4 Função das ações regressivas decorrentes de ato ilícito

Com base na análise da função das ações regressivas, parece-nos que as

ações regressivas decorrentes de ato ilícito (violência doméstica e acidentes de

trânsito) não são afinadas com a Previdência Social, uma vez que não possuem

relação com acidentes do trabalho, não funcionam como política pública para a

diminuição dos riscos no meio ambiente do trabalho, bem como não cumprem a sua

35

PULINO, Daniel. Acidente do trabalho: ação regressiva contra as empresas negligentes quanto à segurança e à higiene do trabalho. Revista de Previdência Social, São Paulo, ano XX, n. 182, p. 9, jan. 1996.

36 Idem, ibidem, p. 17.

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43

função repressora ou ressarcitória. As ações regressivas decorrentes de ato ilícito

não possuem previsão legal, e, por esse motivo, não possuem também uma função

propriamente dita.

Só para exemplificar o nosso entendimento, no caso de violência doméstica, a

ação regressiva tem sido um instrumento utilizado para ressarcir os cofres da

Previdência Social com os gastos do benefício previdenciário implantado em razão

da violência. Nesses casos, é ajuizada uma ação regressiva em desfavor do

ofensor. Contudo, não se trata de meio de política pública, não apresenta uma

função repressora e o caráter é meramente ressarcitório. Esse viés ressarcitório não

tem relação com o Direito Social. A relação é com o instituto da responsabilidade

civil. Não se cogita, no âmbito do Direito Social, a aplicação de uma norma com

cunho eminentemente patrimonial. Considerando que a responsabilidade civil não se

aplica às ações regressivas decorrentes de ato ilícito, não há função alguma a ser

desenvolvida nesta tese.

1.5 Procedimento de Instrução Prévia (PIP) no âmbito das ações regressivas

O Procedimento de Instrução Prévia (PIP) está disciplinado na Portaria

Conjunta PGF/INSS nº 06/2013, em seu artigo 6º e seguintes. Trata-se de

procedimento administrativo inquisitório, não admitindo o contraditório, no qual a

Administração Pública verificará se é o caso de ajuizamento da ação regressiva.

As ações regressivas são ajuizadas após o PIP, que se trata de um

levantamento minucioso sobre o acidente do trabalho, considerando os fatores que

lhe deram causa.

O PIP é instaurado pelos órgãos de execução da PGF e pode ser instaurado

de ofício, em razão de conhecimento direto do caso, mediante provocação interna,

por meio de expedientes encaminhados pela Coordenação-Geral de Cobrança e

Recuperação de Créditos (CGCOB) ou mediante provocação externa, decorrente do

recebimento de representações e documentos provenientes de particulares ou

órgãos públicos.

A instauração é realizada pelo órgão de execução da PGF do local dos fatos

que instaura e conclui o PIP, a partir de um laudo técnico elaborado por um Auditor

Fiscal do Trabalho, com todas as informações e causas do acidente. Maciel afirma

que

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44

[...] referido laudo, por constituir típico ato administrativo, apresenta eficácia de prova pré-constituída, pois goza do atributo da presunção relativa de veracidade e legitimidade, inerente aos atos administrativos praticados por agentes públicos no exercício de suas funções.

37

O laudo técnico do Procedimento de Instrução Prévia pode ser objeto de

impugnação em juízo, já que ausente o contraditório.

Vale notar que o PIP se inicia de ofício, em razão do conhecimento direto do

caso; mediante provocação interna, por meio de expedientes encaminhados; ou por

provocação externa, decorrente do recebimento de representações e documentos

provenientes de particulares ou órgãos públicos.

Encerrada a fase instrutória, o PIP poderá: (i) ser arquivado; (ii) ser

sobrestado; (iii) ser redistribuído a outra Procuradoria; (iv) ser submetido à Câmara

de Conciliação e Arbitragem; ou (v) embasar o ajuizamento de ação regressiva.

Entre as provas que embasam o PIP, as mais comuns são: Comunicação de

Acidente de Trabalho (CAT) e demais documentos que levaram à concessão do

benefício; relatório do inquérito policial, se for o caso; documentos de eventual ação

trabalhista; e documentos de eventual inquérito civil. Contudo, existe uma infinidade

de provas que podem ser utilizadas, de modo que destacamos, aqui, apenas as

mais comuns.

Com todos os documentos juntados ao PIP, não sendo o caso de

arquivamento, sobrestamento, redistribuição ou submissão à Câmara de Conciliação

e Arbitragem, esse procedimento embasará o ajuizamento de ação regressiva.

1.6 Prescrição das ações regressivas

A dúvida que persiste diz respeito à imprescritibilidade, que decorreria do fato

de se tratar de uma ação com natureza ressarcitória, com existência de danos ao

erário, o que, em tese, já teria sido objeto de matéria decidida e ratificada pelo

Supremo Tribunal Federal, no Mandado de Segurança (MS) nº 26.210, e que

continua sendo ratificada, por exemplo, no Agravo Regimental em Recurso

Extraordinário (AgR-RE) nº 578.428 e no Agravo Regimental em Agravo de

Instrumento (AgR-AI) nº 712.435.

37

Ações regressivas acidentárias. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2013, p. 128.

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45

Acerca da imprescritibilidade, no artigo 37, § 5º, a Constituição Federal assim

dispõe:

Art. 37. […] […] § 5º A lei estabelecerá os prazos de prescrição para ilícitos praticados por qualquer agente, servidor ou não, que causem prejuízos ao erário, ressalvadas as respectivas ações de ressarcimento.

Por conseguinte, entendemos ser taxativo o referido dispositivo constitucional,

no sentido de que a imprescritibilidade nele prevista refere-se ao direito da

Administração Pública de obter o ressarcimento de danos ao seu patrimônio

decorrentes de atos de agentes públicos, servidores ou não. Tal hipótese é taxativa

e não pode ser ampliada com o escopo de abarcar a ação regressiva ajuizada pelo

INSS.

Não se aplica a regra de imprescritibilidade prevista no artigo 37, § 5º, da Lei

Maior, quando o caso não se refere a pedido de ressarcimento em face de agentes

públicos, em razão de ilícitos por eles praticados. A imprescritibilidade é exceção e

não pode ser interpretada de forma ampliativa, para abarcar hipóteses não previstas

expressamente pela norma.

Há entendimento doutrinário no sentido de que a relação jurídica entre

empregador e INSS, no âmbito das ações regressivas, configura relação jurídica de

trato sucessivo, e que não haveria o que se falar em prescrição de fundo de direito.

Contudo, nossa posição diverge, uma vez que as relações de trato sucessivo

não trazem nenhuma discordância quanto ao fundo de direito, de modo que a

discordância só está presente nas prestações sucessivas. O que não é o caso das

ações regressivas, visto que elas passarão por ampla instrução processual, para, só

a partir daí, haver a condenação ou a absolvição, o que demanda eventuais

recursos de ambas as partes. Então, in casu, há plena discussão acerca do fundo de

direito, razão pela qual não deve ser considerada relação de trato sucessivo.

Há, ainda, o posicionamento de prescrição quinquenal, nos termos dos artigos

1º e 3º do Decreto nº 20.910, de 6 de janeiro de 1932, com a imprescritibilidade do

fundo de direito:

Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou

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46

municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem. Art. 3º Quando o pagamento se dividir por dias, meses ou anos, a prescrição atingirá progressivamente as prestações à medida que completarem os prazos estabelecidos pelo presente decreto.

Vê-se que, na hipótese de prestações periódicas, tais como vencimentos,

devidas pela Administração, não correrá, propriamente, a prescrição da ação, mas,

tão somente, a prescrição das parcelas anteriores aos cinco anos de seu

ajuizamento. Nesse caso, fala-se em prescrição de trato sucessivo, uma vez que,

continuamente, o marco inicial do prazo prescricional para o ajuizamento da ação se

renova.

Diverso é o tratamento dado à chamada prescrição do fundo de direito, em

relação à qual não há renovação do marco inicial para o ajuizamento da ação.

Dessa forma, uma vez determinado o momento em que a Administração incorre em

dívida com o administrado, a partir daí inicia-se o cômputo do prazo prescricional.

No julgamento do Recurso Extraordinário nº 110.419/SP, o eminente Ministro

Moreira Alves inferiu que as obrigações de trato sucessivo são aquelas decorrentes

de uma situação jurídica fundamental já reconhecida. Não está em pauta a condição

funcional do servidor. Nas obrigações de trato sucessivo, o direito ao quantum se

renova de tempo em tempo; daí por que o prazo prescricional recomeça.

Todavia, no caso das ações regressivas, não estamos falando de relação de

trato sucessivo, e o fundo de direito é mera expectativa.

Assim sendo, posicionamo-nos no sentido de que o Sistema Previdenciário é

securitário e contributivo, daí por que os valores que o INSS persegue não são

produto de tributo, mas de contribuições vertidas à seguridade social, pelo que, em

sentido estrito, não se trata de erário, aplicando-se, quanto à prescrição, o artigo

206, § 3º, inciso V, do Código Civil, e não o Decreto nº 20.910/32.

Há autores que se posicionam no sentido de que há a imprescritibilidade do

fundo de direito, com a prescrição trienal das prestações de trato sucessivo, mas,

com todo o respeito aos adeptos dessa posição, esse não é o nosso entendimento.

Como exaustivamente tratado nos capítulos anteriores, a ação regressiva

decorre da negligência do empregador, e, ante a inegável vertente civilista, a

previsão legal contida no artigo 206, § 3º, inciso V, do Código Civil, tal prazo

prescricional se aplica, uma vez que, diante da natureza ressarcitória da ação

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47

regressiva, não poderia o INSS valer-se de sua posição de ente público e ver

aumentado o seu prazo prescricional nas ações em que figura como autor, que

possuem finalidade ressarcitória. Afinal, resultaria em tratamento absolutamente

desigual entender que a prescrição é quinquenal para os casos de responsabilidade

civil em que o autor seja o INSS, e que a prescrição é trienal para os casos de

responsabilidade civil em que o autor seja o particular em desfavor do INSS.

Aliás, parece-nos incontestável, pelos inúmeros julgados já existentes, que,

nas ações de indenização por dano moral que o segurado promove em face do

INSS em razão do equivocado indeferimento administrativo de benefício

previdenciário, a prescrição é de três anos, nos termos do artigo 206, § 3º, inciso V,

do Código Civil. Por essas razões, concluímos que o prazo prescricional das ações

regressivas é de três anos.

1.7 O acidente do trabalho e a responsabilidade do empregador

Os acidentes do trabalho recebem definição legal nos artigos 19, 20 e 21 da

Lei nº 8.213/91. Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a

serviço de empresa ou de empregador doméstico, ou pelo exercício do trabalho dos

segurados referidos no inciso VII do artigo 11 do mesmo diploma legal, provocando

lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução,

permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.

O artigo 20 da Lei nº 8.213/91 determina que a doença profissional, assim

entendida como a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a

determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério

do Trabalho e da Previdência Social, é considerada acidente do trabalho. A lei em

tela dispõe, ainda, que a doença do trabalho, assim entendida como a adquirida ou

desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e

que com ele se relacione diretamente, constante do rol mencionado no inciso I,

também é considerada acidente do trabalho.

A própria legislação acima referida dispõe sobre a exceção, ou seja, as

doenças que não são consideradas acidente do trabalho. Entre elas, temos: a

doença degenerativa, a inerente a grupo etário, a que não produza incapacidade

laborativa e a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que

ela se desenvolva.

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48

Nos casos em que a doença endêmica seja resultante de exposição ou

contato direto determinado pela natureza do trabalho, ela será considerada acidente

do trabalho. Na mesma situação, estão os casos em que, ainda que a doença não

seja profissional ou do trabalho, tenha sido resultado das condições especiais de

trabalho e com ele se relacione diretamente.

O artigo 21 da lei em comento traz os acidentes do trabalho por equiparação,

entre eles: o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única,

haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da

sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a

sua recuperação; o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho,

em consequência de ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por

terceiro ou companheiro de trabalho; a ofensa física intencional, inclusive de

terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho, ato de imprudência, de

negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho; o ato de

pessoa privada do uso da razão, desabamento, inundação, incêndio e outros casos

fortuitos ou decorrentes de força maior; a doença proveniente de contaminação

acidental do empregado no exercício de sua atividade; e o acidente sofrido pelo

segurado ainda que fora do local e horário de trabalho, nas seguintes hipóteses: na

execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa; na

prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou

proporcionar proveito; em viagem a serviço, inclusive para estudo, quando

financiada pela empresa dentro de seus planos para melhor capacitação da mão de

obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de

propriedade do segurado; ou no percurso da residência para o local de trabalho ou

deste para aquela, qualquer que seja o meio de locomoção, incluindo veículo de

propriedade do segurado.

A Lei nº 8.213/91 dispõe sobre os acidentes sucedidos nos períodos

destinados à refeição, descanso ou satisfação de outras necessidades fisiológicas

ocorridas no local de trabalho, ou durante o trabalho, os quais são entendidos como

ocorridos no exercício do trabalho.

No tocante à agravação ou complicação de acidente do trabalho, entende-se

como a lesão que, resultante de acidente de outra origem, se associe ou se

superponha às consequências do anterior.

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49

A própria Lei nº 8.213/91 define expressamente o que é acidente do trabalho,

não nos cabendo realizar nenhuma interpretação diversa.

Vale notar que a doença profissional ocorre em razão do tipo peculiar de

determinada atividade, estando descrita na legislação. Já a doença do trabalho se

dá em razão das condições especiais em que o trabalho se desenvolve e também

consta de uma relação trazida pela norma legal.

Há, ainda, as lesões que se produzem lentamente, sob a forma de doenças

profissionais ou ergopatias. Segundo Humberto Theodoro Júnior,

Essas moléstias, geradas pelo trabalho, se agrupam em dois tipos distintos: a) as doenças profissionais típicas, ditas tecnopatias, que são consequências naturais de certas profissões desenvolvidas em condições insalubres, e que são adredemente relacionadas pelo próprio legislador; e b) as doenças profissionais atípicas, ditas mesopatias, que não são peculiares a determinados tipos de trabalho, mas que o operário vem a contrair por fato eventualmente ocorrido no desempenho de sua atividade laboral. São doenças comuns, que, no entanto, numa determinada hipótese, foram, excepcionalmente, geradas pelas condições momentâneas de trabalho.

38

É importante ressaltar que, a partir do reconhecimento de que os acidentes do

trabalho tinham como causa, na maioria das vezes, uma negligência do empregador

em adotar as medidas de saúde e segurança do trabalho, expondo os empregados a

riscos, as

[...] empresas que, em bons termos com a economia de mercado, foram por muito tempo afagadas por suas boas ações no pagamento de impostos e seu amor ao próximo na geração de empregos, veem-se subitamente no banco dos réus, ou mais precisamente: atadas ao pelourinho e confrontadas com inquéritos semelhantes aos que teriam sido usados antigamente para maltratar envenenadores capturados em flagrante delito.

39

Assim, faz-se necessário o estudo mais aprofundado da questão relativa à

responsabilidade civil do empregador, uma vez que é a responsabilidade civil que

fundamenta a pretensão de ressarcimento dos valores nas ações regressivas

previdenciárias.

Para José de Aguiar Dias, a responsabilidade é, “necessariamente, uma

reação provocada pela infração a um dever preexistente. A obrigação preexistente é

38

Acidente do trabalho e responsabilidade civil comum. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 6. 39

BECK, Ulrich, Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Ed. 34, 2011, p. 94.

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50

a verdadeira fonte da responsabilidade, e deriva, por sua vez, de qualquer fator

social capaz de criar normas de conduta”.40

No caso dos acidentes do trabalho, o dever preexistente do empregador é

cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho nos termos

do artigo 157 da Consolidação das Leis do Trabalho, a fim de evitar a ocorrência de

acidentes do trabalho, pois “o estado de responsabilidade não é senão o estado

sobrevindo em consequência da inexecução da obrigação, dando lugar à aplicação

de sanções”.41 E qual seria o estado de responsabilidade dos empregadores nos

acidentes do trabalho?

Sob o nosso ponto de vista, o estado de responsabilidade se consubstancia

em fiscalizar e adotar todos os mecanismos de prevenção aos acidentes do

trabalho. Contudo, o artigo 19 da Lei nº 8.213/91 assim prevê, em seu § 4º:

Art. 19. [...] [...] § 4º O Ministério do Trabalho e da Previdência Social fiscalizará e os sindicatos e entidades representativas de classe acompanharão o fiel cumprimento do disposto nos parágrafos anteriores, conforme dispuser o Regulamento.

Nas lições de Roberto M. López Cabana,

A maneira mais eficaz de enfrentar essa contingência é através da prevenção, tomando o empregador todos os cuidados possíveis para tutelar a segurança dos trabalhadores, seja educando, informando ou incorporando tecnologia para evitar eventos perigosos.

42

Por seu turno, Mauro Cesar Martins de Souza afirma que

A prevenção de riscos do trabalho deve ser considerada como uma atividade que tem por objetivo a promoção de melhores condições de trabalho, para elevar o nível de proteção à saúde e segurança dos trabalhadores. Tal objetivo pode ser obtido através de um conjunto de atuações a serem realizadas por empresários, fabricantes, importadores, fornecedores de maquinário e equipamentos, pelos trabalhadores e, pelo Estado, seja nas esferas federal, estadual ou municipal. O cumprimento das

40

Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1944, p. 103-104. 41

Ibidem, p. 104. 42

Responsabilidad civil por accidentes. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1995, p. 26, tradução nossa. Texto original, em espanhol: “La manera más eficaz de enfrentar dicha contingencia es a través de la prevención, tomando el empleador todos los recaudos posibles para tutelar la seguridad de los trabajadores, ya sea educando, informando, o incorporando tecnología que tienda a evitar eventos riesgosos”.

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obrigações e cada um destes, assim como o exercício dos direitos dos mesmos, é necessário para viabilizar a pretensão mencionada.

43

Para Dias,

Todos os casos de responsabilidade civil obedecem a quatro séries de exigências comuns: a) o dano, que deve ser atual e certo, podendo, entretanto, ser material ou moral; b) e a relação de causalidade, a causal connexion, laço ou relação direta de causa e efeito entre o fato gerador da responsabilidade e o dano são seus pressupostos indispensáveis; c) a força maior e a exclusiva culpa da vítima tem, sobre a ação de responsabilidade civil, precisamente porque suprimem esse laço de causa e efeito, o mesmo efeito preclusivo; d) as autorizações judiciais e administrativas não constituem motivo de exoneração de responsabilidade.

44

No caso das ações regressivas, nos posicionamos no sentido de haver uma

corresponsabilidade do empregador e das Delegacias Regionais do Trabalho nos

termos do artigo 156 da Consolidação das Leis do Trabalho, que dispõe:

Art. 156. Compete especialmente às Delegacias Regionais do Trabalho, nos limites de sua jurisdição: I – promover a fiscalização do cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho; II – adotar as medidas que se tornem exigíveis, em virtude das disposições deste Capítulo, determinando as obras e reparos que, em qualquer local de trabalho se façam necessárias; III – impor as penalidades cabíveis por descumprimento das normas constante deste Capítulo, nos termos do art. 201.

Sempre que houver omissão na fiscalização, devidamente comprovada, seja

por meio de um ofício não atendido, seja por meio de denúncia não averiguada,

haverá a corresponsabilidade. Contudo, reservamos o item 3.4. desta tese para

tratar sobre esse assunto com mais profundidade.

43

Responsabilidade civil decorrente do acidente do trabalho: doutrina e jurisprudência. Campinas: Aga Juris, 2000, p. 61.

44 Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1944, p. 117.

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52

2 A CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA E DE TERCEIROS

Muitas vezes, os empregados se submetem aos mais diversos riscos no

ambiente de trabalho em razão do medo do desemprego. Ulrich Beck assevera que

O outro lado da provisoriedade da qual se reveste o desemprego é a metamorfose da causalidade externa em culpa própria, de problemas sistêmicos em fracasso pessoal. A precariedade que ao longo de contínuas tentativas se converte em desemprego duradouro é a via crucis da autoconfiança. Na contínua exclusão do possível, o desemprego, algo externo, portanto, penetra passo a passo na pessoa, convertendo-se num atributo seu. A nova pobreza é, sobretudo, mas não apenas, um problema material. É também essa autodestruição que, aceita em silêncio, consumada no discurso ritual das vãs tentativas de evitá-la, prolifera nos subterrâneos de um destino coletivo.

45

Esse medo do desemprego se traduz, evidentemente, como diz Beck, em

fracasso pessoal, fracasso esse que faz com que a pessoa se submeta a qualquer

situação para evitar essa sensação.

Almejando evitar esse fracasso, os empregados passam a se submeter a

inúmeros riscos no meio ambiente de trabalho, realizando atividades que não se

coadunam com a dignidade da pessoa humana, e se expondo a riscos que podem,

até mesmo, causar-lhes a morte. Conforme leciona Cirlene Luiza Zimmermann,

O trabalho está associado diretamente com a possibilidade de sobrevivência. Assim, quando uma pessoa busca se inserir no mercado de trabalho, está tentando satisfazer sua necessidade de continuar a viver, de poder, com o resultado econômico da sua atividade, ter acesso aos bens de consumo e manter a si e a sua família, motivo pelo qual não há como ignorar o impacto direto e perigoso do trabalho no processo vital do ser humano, que, muitas vezes, premido pela necessidade de sobrevivência, aceita submeter-se às piores e mais degradantes condições de trabalho, de modo algum aceitáveis como ensejadoras de uma vida digna.

46

Ao se submeterem aos mais diversos riscos, os empregados muitas vezes

dão causa aos acidentes do trabalho, tornando-se responsáveis pelo infortúnio.

Os motivos da ocorrência desses acidentes por culpa exclusiva do

empregado são diversos e devem ser minuciosamente apurados. A culpa exclusiva

da vítima é uma excludente de ilicitude, razão pela qual, sempre que for comprovada

45

Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Ed. 34, 2011, p. 139. 46

A ação regressiva acidentária como instrumento de tutela do meio ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 2012, p. 45.

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53

a culpa exclusiva do empregado, o empregador não terá o dever de indenizar na

ação regressiva, uma vez que não agiu com negligência na adoção de medidas de

saúde e segurança no meio ambiente do trabalho.

Existem, ainda, os danos causados por terceiros, colegas de trabalho,

funcionários de outras empresas prestadoras de serviço, prestadores de serviço,

clientes etc. Todas essas pessoas, consideradas como terceiros no vínculo entre

empregado e empregador, também podem submeter o trabalhador a riscos, e a

culpa, nesse caso, não será atribuída à empresa, já que o risco foi causado por

alguém externo a ela.

Considerando, outrossim, que o artigo 120 da Lei nº 8.213/91 dispõe que, nos

casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho,

a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.

De acordo com o artigo 157 da Consolidação das Leis do Trabalho, cabe às

empresas cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho,

instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar

no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais, adotar as

medidas que lhe sejam determinadas pelo órgão competente e facilitar o exercício

da fiscalização pelas autoridades competentes. Por conseguinte, terceiros não são

responsáveis pelo cumprimento de tais normas, e, assim, não agirão de forma

negligente no seu cumprimento, restando evidente a impossibilidade de ajuizamento

de ação regressiva em seu desfavor, e tão somente do empregador. Em recente

julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, foi condenada em ação

regressiva, nos autos da Apelação Cível nº 5008832-43.2014.4.04.7001/PR, a

tomadora dona da obra, sob o argumento de que o artigo 120 da Lei n° 8.213/91

dispõe sobre o dever de propor ação regressiva contra os responsáveis.

Embora o artigo 120 da Lei nº 8.213/91 disponha que a Previdência Social

proporá ação regressiva contra os responsáveis, evidentemente, por força do artigo

157 da Consolidação das Leis do Trabalho, os responsáveis só podem ser os

empregadores:

Art. 157. Cabe às empresas: I – cumprir e fazer cumprir as normas de segurança e medicina do trabalho; II – instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes do trabalho ou doenças ocupacionais;

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54

III – adotar as medidas que lhes sejam determinadas pelo órgão regional competente; IV – facilitar o exercício da fiscalização pela autoridade competente.

Por conseguinte, como a Consolidação das Leis do Trabalho não é

omissa quanto à fixação do responsável pelo cumprimento das normas de

segurança e medicina do trabalho, o responsável será sempre a empresa

empregadora, ainda que o artigo 120 da Lei nº 8.213/91 não o descreva. Por outro

lado, entendemos pela inaplicabilidade da Súmula 331 do TST, que dispõe:

Súmula nº 331 do TST – CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei nº 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral.

Súmula não é lei, e, por isso, deve ser aplicada tão somente nos casos em

que seja cabível, no âmbito dos Tribunais do Trabalho, que não são competentes

para o julgamento das ações regressivas, razão pela qual, ainda que referida

Súmula traga a responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, não se aplica

às ações regressivas.

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55

Responsabilizar terceiro não é cumprir o dever de ajuizar ação regressiva

imposto pelo artigo 120 da Lei nº 8.213/91 por força do artigo 157 da Consolidação

das Leis do Trabalho e por força da existência da Súmula 331 do TST, que deve ser

aplicada somente no âmbito dos Tribunais do Trabalho.

2.1 Seguro de Acidentes do Trabalho (SAT) e suas implicações para o

empregador e o empregado

De acordo com os ensinamentos históricos de Manuel Sebastião Soares

Póvoas,

Ninguém era obrigado a trabalhar, mas o trabalho comportava riscos, cuja materialização poderia ter as mais graves consequências, e não se poderia dizer que o empregador era o culpado pelos acidentes que ocorriam na sua fábrica ou nos serviços que, em seu proveito o operário executa. Os códigos civis da época estabeleciam, como regra, a responsabilidade baseada na culpa, não havendo, portanto, fundamento legal para se exigir dos

empregadores a reparação dos danos sofridos pelos empregados.47

Embora a Revolução Industrial tenha trazido máquinas e inúmeros outros

processos perigosos, os acidentes do trabalho foram aumentando, na medida em

que não havia experiência na operação de equipamentos industriais, com absoluta

ausência de segurança no trabalho, gerando uma multidão de pessoas doentes,

deficientes e desempregadas, o que, sem dúvida, sobrecarregava em muito o

Estado, por meio dos benefícios previdenciários. Até que a jurisprudência criou a

teoria objetiva do risco, fato que serviu como a “luz no fim do túnel” para todos

aqueles empregados marginalizados pela deficiência ou pela doença.

Para Póvoas, a criação da teoria objetiva do risco trata-se de

[...] uma das maiores manifestações da criatividade humana. É certo que a teoria do seguro orientou todo o movimento previdenciário; no que respeita à questão dos acidentes de trabalho, mesmo antes de existir lei expressa, já os patrões, intimidados pela jurisprudência que se ia processando, recorriam às seguradoras onde faziam contratos de seguros para cobrir a responsabilidade que os tribunais lhes atribuíssem.

48

47

Previdência privada: filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 50.

48 Ibidem, p. 50-51.

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56

Partindo da Constituição Federal de 1937, a primeira prestação, criada pelo

artigo 137, alínea “m”, foram os seguros em decorrência de acidente do trabalho,

sendo eles os seguros de vida, de invalidez e de velhice.

Não nos restam dúvidas de que os acidentes do trabalho foram a causa

principal dessa nova teoria objetiva do risco, que apurava essa nova forma de

responsabilidade civil.

Em consequência disto, e porque não interessava a definição de responsabilidades se não houvesse a certeza de que qualquer que fosse a situação econômica do empregador, o acidentado ou sua família seriam ressarcidos dos danos, foi estabelecido o seguro obrigatório de acidentes de trabalho.

49

Esse seguro obrigatório, nos dias atuais, é realizado por meio de contribuição

denominada Grau de Incidência de Incapacidade Laborativa Decorrente de Riscos

Ambientais de Trabalho (GIIL-RAT), e o seu custeio é realizado exclusivamente pelo

empregador, garantindo ao segurado/empregado buscar o seu pagamento

diretamente do segurador, no caso, o INSS, por se tratar de um seguro público.

Trata-se de uma contribuição previdenciária paga pelo empregador destinada

à Seguridade Social, ou seja, para cobrir custos da Previdência Social com os

trabalhadores vítimas de acidente de trabalho ou doenças ocupacionais.

Sua cobertura resume-se ao pagamento de benefício previdenciário em caso

de acidentes do trabalho, tentando restabelecer o seu equilíbrio financeiro.

O valor pago pelo empregador não corresponde, obviamente, ao salário do

empregado, já que a contribuição de todos os empregadores ao RAT garante a

formação de um fundo único que paga os benefícios acidentários geridos pelo INSS.

Esse seguro obrigatório cobre os riscos ordinários no âmbito dos acidentes do

trabalho. Vejamos a definição de Edson Damasio Mello et al.50 no quadro abaixo:

49

PÓVOAS, Manuel Sebastião Soares. Previdência privada: filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 50.

50 Alternativas para análise de risco e retorno dos ativos frente às necessidades de reservas atuariais

e cobertura de passivos. Revista Brasileira de Previdência, 3. ed., 2014. Disponível em: <http://www.prev.unifesp.br/index.php/edic/21-tres/38-risco>. Acesso em: 28 jan. 2016.

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57

Figura 3 – Cobertura de riscos.

Fonte: Elaborada pela autora.

Só para exemplificar, as ações regressivas são ajuizadas sempre que a

Previdência Social cobrir os riscos extraordinários, portanto, as ações regressivas

são ajuizadas tão somente nos casos dos riscos não cobertos pela contribuição

GIIL-RAT.

Realizando um paralelo do seguro obrigatório com o seguro privado, as

condições dos seguros privados estão previstas no artigo 765 do Código Civil, que

trata da necessidade de o segurado informar ao segurador o objeto e as

circunstâncias da declaração do seguro, garantindo ao segurador a oportunidade de

aceitar ou não aquele seguro. Já no seguro obrigatório público, o segurador não tem

essa oportunidade de aceite, pois “a seguradora acolhe todos os riscos previstos em

lei pelo preço (contribuição previdenciária) fixado em lei, não cabendo uma prévia

análise do caso concreto para posterior decisão acerca da aceitação ou não da

cobertura”.51

51

ZIMMERMANN, Cirlene Luiza. A ação regressiva acidentária como instrumento de tutela do meio ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 2012, p. 126.

• riscos ordinários – seguráveis

Riscos Ordinários

• riscos extraordinários (não seguráveis). Os riscos extraordinários são associados às intempéries da natureza e às guerras. Em princípio, não podem ser segurados e, se o forem, precisam de condições especiais.

Riscos Extraordinários

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58

Em razão de o GIIL-RAT ser gerido pela Previdência Social, nos termos do

artigo 201 da Constituição Federal, e não corresponder ao valor efetivamente pago

ao trabalhador a título de benefício acidentário, tratando-se de seguro obrigatório, é

que o empregador não se exime da obrigação de criar um meio ambiente de

trabalho sadio e seguro para os seus empregados, uma vez que o § 10 do artigo 201

da Constituição Federal dispõe:

§ 10. Lei disciplinará a cobertura do risco de acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de previdência social e pelo setor privado.

O empregador que promover os riscos extraordinários no meio ambiente de

trabalho, por negligência na adoção de medidas de saúde e segurança do trabalho,

deve ressarcir a Previdência Social por meio de ação regressiva.

Nesse sentido, Zimmermann sustenta:

O fato é que o mantenedor do ambiente do trabalho deve arcar com as consequências de suas decisões quanto às condições do meio laboral que disponibiliza aos trabalhadores para o exercício de suas atividades, não podendo a mera contribuição ao SAT eximi-lo de qualquer indenização adicional, especialmente por ter restado claro que a compensação obtida pelo trabalhador em razão do seguro é apenas de natureza salarial, muitas vezes nem cobrindo integralmente.

52

Nesse caso, a autora acima citada está se referindo à ação de indenização

por danos morais e materiais em desfavor do empregador perante a Justiça do

Trabalho, bem como ao recebimento de benefício acidentário previdenciário pago

pelo INSS, com o que, de plano, concordamos, já que o benefício servirá para o

pagamento da sequela acidentária, e a indenização perante a Justiça do Trabalho

servirá para compensar todos os danos materiais e morais ao trabalhador

acidentado.

O SAT, atualmente denominado GIIL-RAT, apesar da denominação, não se

identifica com o seguro privado, pois o seu objetivo não é de indenização, mas sim

de garantir uma mínima condição de subsistência ao empregado acidentado.

Na opinião de Zimmermann, cabe

52

A ação regressiva acidentária como instrumento de tutela do meio ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 2012, p. 143.

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59

[...] ao mantenedor do ambiente de trabalho, em geral, a empresa, mas nem sempre o empregador, a reparação integral dos danos causados pelo descumprimento das normas de proteção da vida, da saúde e das integridades física e psíquica dos trabalhadores, além do custeio do seguro oficial, importa-lhe pensar na contratação de um seguro privado de responsabilidade civil para suportar tais reparações, de natureza civil, que podem alcançar quantias consideráveis, tanto frente ao trabalhador, como frente à sociedade, que buscará a indenização dos benefícios pagos pela Previdência Social em razão dos infortúnios causados pela negligência dos mantenedores do ambiente laboral por meio do ajuizamento das ações regressivas acidentárias.

53

A solução trazida pela citada autora, ou seja, a contratação de um seguro

privado, parece-nos uma saída para as micro e pequenas empresas, uma vez que a

carga de custos para o empregador pagar o seguro oficial (GIIL-RAT), a indenização

de acidentes do trabalho e, ainda, o regresso da ação ajuizada pelo INSS, além da

carga tributária de ter um empregado, é bastante elevada, e poucas empresas

teriam condições de arcar com tão elevado custo.

Embora existam alíquotas diferenciadas de SAT que levam em consideração

os cadastros da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) no

número de acidentes do trabalho, com a classificação dos riscos em níveis leve,

médio ou grave, ainda assim devemos abordar o assunto com cuidado, pois se trata,

mais uma vez, apenas de estatísticas que interferem na vida do empregador.

Referidas estatísticas procuram oferecer tratamento equânime aos

empregadores, atuando na prevenção de acidentes do trabalho, com o estímulo da

criação de um meio ambiente do trabalho sadio e seguro, e com atuação de justiça

tributária, impondo maiores custos a todos aqueles que respondem pelo maior

número de acidentes.

O problema está relacionado às questões estatísticas, pois algumas

empresas, ainda que exerçam atividades que expõem o trabalhador a alto nível de

risco, são empresas modelo no quesito prevenção de acidentes e redução de

exposição a riscos ocupacionais, estando sujeitas a alíquotas mais altas de SAT em

comparação com a maioria das organizações. Ora, será que esse tratamento

equânime está atuando de forma repressiva nessas empresas-modelo?

O GIIL-RAT visa a cobrir os infortúnios decorrentes de acidentes do trabalho

cujos riscos não podem ser eliminados ou reduzidos em seu grau máximo, apesar

53

A ação regressiva acidentária como instrumento de tutela do meio ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 2012, p. 144.

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60

de o empregador adotar todas as medidas para a proteção da saúde e da segurança

do trabalhador, criando um meio ambiente de trabalho salubre. Então, fica

evidenciado que aquele empregador que não adotou as medidas de saúde e

segurança do trabalho na prevenção dos riscos do meio ambiente laboral não possui

cobertura do GIIL-RAT e está sujeito à ação regressiva.

No mesmo sentido, Fernando Maciel elucida:

Com efeito, considerando que os únicos destinatários do SAT, ou seja, os seus “segurados”, são os próprios trabalhadores, resta evidente que os empregadores não estão abrangidos por essa cobertura secundária de natureza pública e social, de modo que o simples fato de cumprirem um dever tributário, no caso o recolhimento da alíquota SAT, não lhes dá o direito de se eximir das responsabilidades advindas de suas condutas dolosas e/ou culposas.

54

Com razão, Zimmermann sustenta que,

Se a contratação obrigatória do SAT pelo empregador, prevista no inciso XXVIII do art. 7º da CF/1988, lhe isentasse do cumprimento do dever de garantir aos trabalhadores o direito de exercerem suas atividades laborais em ambientes seguros e salubres, a redação do inciso XXII do mesmo dispositivo teria sido outra: “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança, exceto quando cumprido o disposto do inciso XVIII”. Ora, isso representaria total afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana, além de uma grande incoerência, pois sendo o SAT obrigatório, todos os empregadores estariam desobrigados do dever de atender ao direito de redução dos riscos no MAT. Os direitos sociais elencados no art. 7º da Carta Magna não se excluem nem são de cumprimento ocupacional ou alternativo, mas se complementam, sendo que o efetivo exercício do direito de regresso nos casos em que o dever de segurança é desrespeitado pelo mantenedor do MAT serve para estimular o cumprimento das normas protetivas da saúde e das integridades física e psíquica dos trabalhadores nos ambientes laborais, apesar de não se justificar apenas por isso.

55

Inicialmente, com o advento da Lei nº 7.789, de 3 de julho de 1989, artigo 3º,

inciso II, o SAT era representado por uma alíquota única de 2% que incidia sobre o

total das remunerações pagas ou creditadas no mês aos segurados empregados e

avulsos. Contudo, com o atual Plano de Custeio da Previdência Social, oriundo da

Lei nº 8.212, de 24 de julho de 1991, artigo 22, inciso II, o SAT traz uma distinção de

alíquotas. Vejamos:

54

Ações regressivas acidentárias. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2013, p. 86. 55

A ação regressiva acidentária como instrumento de tutela do meio ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 2012, p. 151-152.

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61

Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de: [...] II – para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos: (Redação dada pela Lei nº 9.732, de 1998). a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve; b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio; c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave.

Maciel ressalta a existência do Grau de Incidência da Incapacidade

Laborativa decorrente dos Riscos Ambientais do Trabalho (GIIL-RAT), uma vez que,

Ao considerar o GIIL-RAT de cada atividade econômica, o SAT representa um sistema de tarifação coletiva, que em sua concepção originária muitas vezes poderia acarretar em situações anti-isonômicas. Isso porque, pode ocorrer de duas empresas que desenvolvam a mesma atividade econômica adotarem posturas distintas em matéria de saúde e segurança do trabalho, de modo que aquela que investe na prevenção de acidentes apresentará poucos registros de infortúnios laborais, ao passo que a outra que negligencia o cumprimento de regras básicas de proteção dos trabalhadores poderá apresentar um expressivo histórico de acidentes.

56

Com a edição da Medida Provisória nº 83, de 2002, convertida na Lei nº

10.666, de 8 de maio de 2003, passamos a ter o seguinte cenário:

Art. 10. A alíquota de contribuição de um, dois ou três por cento, destinada ao financiamento do benefício de aposentadoria especial ou daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, poderá ser reduzida, em até cinquenta por cento, ou aumentada, em até cem por cento, conforme dispuser o regulamento, em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, apurado em conformidade com os resultados obtidos a partir dos índices de frequência, gravidade e custo, calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social.

Com efeito, foi instituída a possibilidade de majoração ou redução da alíquota

do SAT, atualmente denominado GIIL-RAT, de acordo com o número de acidentes

do trabalho ocorridos na empresa empregadora. Em havendo um grande número de

acidentes, a alíquota será majorada; em havendo um pequeno número de acidentes,

56

Ações regressivas acidentárias. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2013, p. 91.

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62

ou nenhum, a alíquota será reduzida. Assim, encontramos um estímulo à adoção de

medidas de proteção à saúde e à segurança do trabalhador no meio ambiente de

trabalho, de modo que o GIIL-RAT também funciona como meio de política pública

para a redução dos acidentes do trabalho, e não só como justiça tributária.

2.2 Fator Acidentário de Prevenção (FAP)

Por meio da extração de três bases de dados anuais: base de vínculos e base

de estabelecimentos (Datamart CNIS); base de benefícios (Sistema Único de

Benefícios – SUB); e base de dados de Comunicação de Acidentes do Trabalho –

CAT (CATWeb), foi calculado o Fator Acidentário de Prevenção (FAP), que consiste

em um índice multiplicador, que varia de 0,5 a 2,0, e se aplica às alíquotas de 1%,

2% e 3% da tarifação coletiva por CNAE, incidindo sobre a folha de salários das

empresas para o custeio de aposentadorias especiais e benefícios decorrentes de

acidentes do trabalho.

O FAP está previsto no Decreto nº 6.042, de 12 de fevereiro de 2007, cujo

artigo 202-A assim dispõe:

Art. 202-A. As alíquotas constantes nos incisos I a III do art. 202 serão reduzidas em até cinquenta por cento ou aumentadas em até cem por cento, em razão do desempenho da empresa em relação à sua respectiva atividade, aferido pelo Fator Acidentário de Prevenção – FAP. § 1º O FAP consiste num multiplicador variável num intervalo contínuo de cinquenta centésimos (0,50) a dois inteiros (2,00), desprezando-se as demais casas decimais, a ser aplicado à respectiva alíquota. § 2º Para fins da redução ou majoração a que se refere o § 1º, proceder-se-á à discriminação do desempenho da empresa, dentro da respectiva atividade, por distanciamento de coordenadas tridimensionais padronizadas (índices de frequência, gravidade e custo), atribuindo-se o fator máximo dois inteiros (2,00) àquelas empresas cuja soma das coordenadas for igual ou superior a seis inteiros positivos (+6) e o fator mínimo cinquenta centésimos (0,50) àquelas cuja soma resultar inferior ou igual a seis inteiros negativos (-6). § 3º O FAP variará em escala contínua por intermédio de procedimento de interpolação linear simples e será aplicado às empresas cuja soma das coordenadas tridimensionais padronizadas esteja compreendida no intervalo disposto no § 2º, considerando-se como referência o ponto de coordenadas nulas (0; 0; 0), que corresponde ao FAP igual a um inteiro (1,00). § 4º Os índices de frequência, gravidade e custo serão calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social, levando-se em conta: [...]

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63

Com variação anual, o FAP terá como base de cálculo sempre os dois últimos

anos de todo o histórico de acidentalidade e de registros da Previdência Social, por

empresa.

Com o método do FAP, conforme as empresas registram maior número de

acidentes ou doenças ocupacionais, pagarão mais. Logo, se registrarem um menor

número de acidentes ou doenças ocupacionais, pagarão menos, podendo até pagar

a metade da alíquota do SAT para os casos de inexistência de acidentes do trabalho

ou doenças ocupacionais.

A metodologia de cálculo do FAP foi aprovada pelo Conselho Nacional de

Previdência Social (CNPS), mediante a Resolução MPS/CNPS nº 1.308, de 27 de

maio de 2009, publicada no Diário Oficial da União (DOU) nº 106, Seção 1, do dia 5

de junho de 2009, e complementada pela Resolução MPS/CNPS nº 1.309, de 24 de

junho de 2009, publicada no DOU nº 127, Seção 1, de 7 de julho de 2009.

Cumpre ressaltar que existe uma tese pela qual o objetivo do FAP seria

individualizar a cobrança do SAT para aumentar a alíquota das empresas que não

estão investindo em métodos preventivos de acidente do trabalho e, ao mesmo

tempo, diminuir a alíquota das empresas que possuem métodos eficientes de

prevenção, uma vez que o SAT tem por fim cobrir os eventos de doença, invalidez,

morte e resultados de acidentes do trabalho, conforme se depreende da análise

conjunta dos artigos 7º, inciso XXVIII, e 201, ambos da Constituição Federal.

Por conseguinte, ocorrendo acidente do trabalho, a empresa terá seu FAP

alterado e majorado de acordo com a sua classificação no ranking das empresas da

mesma CNAE, o que acarretará maiores investimentos em equipamentos e

treinamentos de segurança no ambiente de trabalho, pois uma boa classificação no

ranking pode corresponder a uma diminuição de até metade da alíquota original.

Certamente, o FAP constitui meio de política pública para a diminuição dos

acidentes do trabalho.

Assim, se o índice do FAP é calculado com base no custo dos afastamentos

da Previdência Social, por óbvio a propositura de eventual ação regressiva estaria

exigindo o reembolso de suas despesas em duplicidade, o que ensejará

onerosidade excessiva ao empregador, visto que o INSS busca, pela ação

regressiva, o reembolso de gastos com benefícios concedidos que já estariam sendo

custeados, diga-se, com superávit e, de forma individualizada, com o SAT

multiplicado pelo FAP. É importante ressaltar que o cálculo do FAP enquadra não

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64

somente os riscos ordinários cobertos, mas também os riscos extraordinários

cobertos. Por esse motivo, há onerosidade excessiva ao empregador.

Nesse contexto, há inevitável bis in idem, ou duas vezes sobre a mesma

coisa, na exigência do INSS em buscar o ressarcimento de valores que já estão

sendo ressarcidos pelos empregadores por meio do FAP. Inclusive, há recente

acórdão favorável a essa tese do egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região

nos autos da Apelação Cível nº 0003340-34.2012.4.03.6103. No entanto, essa seria

apenas mais uma tese, e não faz parte do argumento de nosso estudo.

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65

3 ARGUMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO ÂMBITO DAS AÇÕES

REGRESSIVAS

Como fator determinante desta tese, o qual também representa um divisor de

águas, é neste momento em que encontramos a fusão do Direito Público com o

Direito Privado, ou seja, a aliança do Direito Civil com o Direito Previdenciário.

Nas lições de Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka,

A responsabilidade civil – conforme se encontra em nossos códigos hoje, e na qualidade de conceito jurídico consistente – tem uma história muito curta, mas intensa, atravessada, nestes dois últimos séculos, por uma polêmica crescente que determinou para o instituto uma história que vai da concepção protocolar de uma noção de dever civil à definição mais clara da liberdade ou das obrigações do cidadão e da sociedade no Estado contemporâneo e nas sociedades industrializadas.

57

Partindo da premissa de liberdade ou das obrigações do cidadão e da

sociedade no Estado contemporâneo e nas sociedades industrializadas, temos a

figura da obrigação de segurança e prevenção dos acidentes do trabalho na

sociedade industrializada, sob pena de ajuizamento de ação regressiva.

A função de ressarcimento das ações regressivas, já mencionada, é parte do

ordenamento jurídico pátrio, especialmente em nosso Código Civil, no capítulo da

Responsabilidade Civil, o que não deixa dúvidas sobre a natureza indenizatória do

instituto da ação regressiva.

Enquanto o Direito Privado estava aniquilado à esfera patrimonial e o Direito

Público visava a atender aos interesses da coletividade, e ambos não se fundiam, o

ordenamento jurídico não era visto como um sistema único. Parecia-nos que Direito

Público e Direito Privado estavam em planetas distintos. Contudo,

A unidade do fenômeno social e do ordenamento jurídico exige o estudo de cada instituto nos seus aspectos ditos privatísticos e publicistas. Resolve-se a rígida distinção entre direito privado e direito público na natureza privada ou pública, ora do sujeito titular dos interesses, ora dos próprios interesses. Todavia, se em uma sociedade com uma nítida distinção entre liberdade do privado e autoridade do Estado é possível distinguir a esfera do interesse dos particulares daquela do interesse público, em uma sociedade como a atual, torna-se árdua, se não impossível, individuar um interesse privado

57

Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 29.

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66

que seja completamente autônomo, independente, isolado do interesse chamado público.

58

Desde a concepção da constitucionalização do Direito Civil, já era possível

constatar essa inter-relação do Direito Privado com o Direito Público, pois inúmeros

princípios e regras,

[...] ditados para os particulares, têm relevo geral e refletem os próprios efeitos para além da esfera individual, incidindo sobre a saúde, sobre o meio ambiente, sobre as condições de trabalho, sobre a segurança do comércio e do consumo, sobre a habitação.

59

No entanto, essa inter-relação será mais bem delineada no capítulo 5 desta

tese.

No caso da ação regressiva, estamos diante de efeitos que repercutem para

além da esfera individual do empregador e incidem sobre o meio ambiente do

trabalho, a saúde e a segurança dos empregados, e sobre o ressarcimento do

sistema previdenciário. Com isso, temos a figura da responsabilidade civil (privado)

atuando como mecanismo de política pública (coletivo).

A natureza jurídica da ação regressiva é trazida por Miguel Horvath Júnior:

A ação regressiva tem natureza indenizatória, visando reparar o dano causado pelo empregador ou por terceiro. A ação é de direito comum. Lembrando-nos que a Justiça Comum abrange tanto a Justiça Federal quanto as Justiças Ordinárias dos Estados. O direito de regresso do INSS é direito próprio, independentemente de o trabalhador ter ajuizado ação de indenização contra o empregador causador do acidente do trabalho. Não sendo possível compensar a verba recebida na ação acidentária com a devida na ação civil, pois as verbas têm naturezas distintas. As indenizações são autônomas e cumuláveis.

60

Na responsabilidade civil, devem estar presentes o agente causador do dano,

o dano e a vítima do dano, em uma relação de causalidade, a natureza indenizatória

das ações regressivas advém da condição de vítima do INSS, que suporta um dano,

custeando benefício previdenciário a segurado ou dependentes em razão de ilícito

praticado pelo empregador. Nesse sentido, leciona Fernando Maciel:

58

PERLINGIERI, Pietro. O direito civil na legalidade constitucional. Trad. Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 143-144.

59 Idem, ibidem, p. 145.

60 Direito previdenciário. 9. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 609.

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67

No caso das ARAs, o fundamento da pretensão ressarcitória decorre da condição de vítima do INSS, o qual, por suportar um dano causado por ato ilícito praticado por outrem, busca o Poder Judiciário a fim de obter a devida reparação, o que faz com fundamento numa relação de responsabilidade civil qualificada por fundamentos ligados ao Direito do Trabalho e Ambiental.

61

Quanto ao caráter ressarcitório das ações regressivas, os valores a serem

reparados objetivam somente a restauração do prejuízo, conforme dispõe o artigo

944 do Código Civil:

Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, equitativamente, a indenização.

Por essa razão, a indenização estará limitada à exata extensão do dano, sob

pena de contrariar a disposição legal acima referida, razão pela qual também fica

inviável a apuração do dano por meio de cálculos atuariais.

3.1 Função da responsabilidade civil nas ações regressivas

As ações regressivas constituem meio de política pública que visa a garantir a

saúde e a integridade física do trabalhador, como forma de punição e prevenção a

acidentes do trabalho. Mas existe, ainda, a função ressarcitória, que merece maiores

esclarecimentos.

A ação regressiva também tem natureza de reparação de prejuízos, que

consiste em restabelecer os prejuízos financeiros por toda a sociedade, uma vez

que os valores que compõem esse fundo trata-se de contribuições previdenciárias

realizadas por toda a sociedade, e qualquer prejuízo que sofra esse fundo trata-se

de prejuízo para toda a sociedade.

Quando a empresa arca com o GIIL-RAT, tem a cobertura dos riscos

ordinários. Os riscos extraordinários, por sua vez, não recebem cobertura e, por

essa razão, é cabível o ajuizamento de ação regressiva acidentária por ocasião de

um risco extraordinário causado pela negligência do empregador.

Para Maciel,

61

Ações regressivas acidentárias. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2013, p. 64.

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68

[...] por pressupor a ocorrência de uma conduta culposa, um dano e o nexo causal de ambos, a conjugação desses elementos permite concluir que a ARA possui embasamento num dever de responsabilidade civil. Com efeito, esse instituto jurídico deve oferecer o suporte dogmático para a identificação dos objetivos perseguidos pelo INSS nessas demandas ressarcitórias.

62

Sob esse viés ressarcitório, enxergamos uma finalidade de sanção, que se

apresenta

[...] como qualquer reação do ordenamento jurídico a uma violação da lei ou de uma disposição negocial, tutelando o interesse público a coexistência social, com objetividade e imparcialidade. Este conceito remete a duas conclusões: (a) a potestade de sancionar reservada ao Estado não exclui a possibilidade de imposição de sanções privadas; (b) em sentido contrário ao que se aqui defende, alguns autores negam que as medidas reparatórias sejam qualificadas como sanções, reconhecendo a adequação do vocábulo somente para as medidas punitivas que apresentam caráter aflitivo.

63

A sanção trazida pelas ações regressivas consiste em determinar o

restabelecimento dos cofres públicos em razão dos valores gastos com a concessão

de benefícios previdenciários originados pela negligência dos empregadores em

oferecer segurança e saúde no meio ambiente do trabalho. Importante esclarecer

que a sanção não é sobre a atividade de risco, mas sobre os efeitos danosos da

referida atividade.

Pensar nas ações regressivas no contexto meramente reparatório é

desconsiderar toda a

[...] já contextualizada alteração paradigmática do direito civil, como sistema que não pode mais ser caracterizado com mero regulador de relações interindividuais, posto a proteção exclusiva de posições jurídicas subjetivas singulares. Ao contrário, a sanção civil punitiva é uma demonstração de que, pela potestade dos privados, o direito civil pode ser chamado a realizar tarefas de proteção a interesses difusos e coletivos, transcendendo as esferas individuais.

64

Por essa razão, insistimos na função dúplice das ações regressivas, que

funcionam como meio de política pública e também como instrumento de reparação

de prejuízos. Nesse sentido, Nelson Rosenvald esclarece:

62

Ações regressivas acidentárias. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2013, p. 36. 63

ROSENVALD, Nelson. As funções da responsabilidade civil: a reparação e a pena civil. São Paulo: Atlas, 2013, p. 23.

64 Idem, ibidem, p. 29.

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69

Esta equivocada definição de ressarcimento como a única sanção de ilícito guarda profundas raízes no processo histórico que originou a moderna responsabilidade civil. Ou seja, o ressarcimento pelo equivalente seria a única forma geral de tutela civil. Porém, o quadro de tutelas civis é bem mais complexo, sendo certo que o par dano-indenização serve apenas para diferenciar a tutela ressarcitória das outras formas de tutela postas pelo ordenamento para a proteção dos interesses dos particulares.

65

Com base nas lições de Rosenvald, que divide a sanção na responsabilidade

civil em três formas de tutela,66 construímos a Figura 4:

Figura 4 – Formas de tutela na responsabilidade civil.

Fonte: Elaborada pela autora.

No caso das ações regressivas, estamos diante de uma tutela ressarcitória,

visto que a recompensa é restabelecer os cofres da Previdência Social, ou seja,

compensar a Previdência Social pelo prejuízo econômico sofrido. Contudo, é

oportuno destacar que a tutela ressarcitória irá reparar os danos aos cofres da

Previdência Social, mas não irá reparar os danos da sociedade de ter um

trabalhador a menos, ou um trabalhador doente. Ou ainda, sob outro aspecto, não

irá reparar os danos empresariais de ter uma filial fechada em razão do grande

65

As funções da responsabilidade civil: a reparação e a pena civil. São Paulo: Atlas, 2013, p. 33. 66

Ibidem, p. 67.

Restituitória

• Volta-se a reconstituir as condições em que se encontrava o titular do

interesse antes da violação, como

exigência de uma repristinação ao status

quo ante. Por objetivar a restauração de uma situação atingida por uma lesão, apresenta

uma vocação de satisfação in natura.

Ressarcitória

• Objetiva compensar o lesado pelo prejuízo

econômico sofrido. Esta tutela poderá possuir caráter subsidiário em relação à restituitória, onde a última não seja viável, ou mesmo se

colocar em relação de complementaridade,

quando a restauração da situação originária

não elimine por completo o desequilíbrio econômico sofrido pela

vítima.

Satisfativa

• A tutela civil pode não se voltar à repristinação de uma dada estrutura de interesse, seja pela

via restituitória ou ressarcitória, mas, sobremaneira, à

satisfação in natura de uma posição subjetiva

que restou inatuada, ou defeituosamente atuada

(v.g., uma prestação negociável). Neste caso,

a tutela é satisfativa, uma resposta solidarista

ao modelo liberal-individualista da

incoercibilidade das obrigações de fazer.

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70

buraco econômico que a empresa sofreu. Nesse sentido, Rosenvald assim se

posiciona:

[...] pode-se dizer que a tutela ressarcitória intervém para reparar consequências e efeitos de comportamentos ilícitos, mas não se afirma como instrumento de recomposição da ordem jurídica violada. O pagamento de uma quantia à vítima poderá reconstituir um valor material, mas não se preordena à tutela o fundamento ético do ordenamento jurídico.

67

A partir da leitura do artigo 120 da Lei nº 8.213/91, temos a impressão de que

o único objetivo da ação regressiva é a restauração dos cofres da Previdência Social

na recomposição dos valores gastos com benefícios acidentários, contudo, como

dito alhures, as ações regressivas não possuem viés unicamente ressarcitório.

É importante observar, como já apontado linhas atrás, que as ações

regressivas decorrentes de acidente de trânsito ou violência doméstica,

especialmente aqueles casos de violência doméstica que causam lesão corporal na

modalidade dolosa, embora não estejam em consonância com a legislação – e sob o

nosso ponto de vista são situações que impedem o ajuizamento de ações

regressivas por absoluta ausência de previsão legal, pois esse tipo de ação está

disciplinado por Portaria e, evidentemente, Portaria não é Lei –, possuem caráter

nitidamente social, uma vez que os agressores, em geral pessoas de baixa renda,

com pouca ou nenhuma escolaridade, não estão em condições de suportar o ônus

do ressarcimento.

Assim, com a existência desses novos tipos de ações regressivas,

percebemos nitidamente que tais pleitos exercem, sobretudo, uma função muito

mais social do que ressarcitória. Trata-se de política pública na prevenção de

acidentes de trânsito, violência doméstica, alcoolismo etc.

Mas, aqui, nesta subseção, trataremos especialmente da função ressarcitória,

que se apresenta na forma de prejuízo causado pela existência de uma conduta

dolosa ou culposa, do dano e do nexo causal.

Horvath Júnior afirma que

A responsabilidade civil que fundamenta a ação regressiva surge em virtude do não cumprimento (omissivo ou comissivo) das normas de prevenção, caracterizando o ato ilícito (aquele praticado em desacordo com a norma jurídica destinada a proteger interesses alheios; é o que viola o direito

67

As funções da responsabilidade civil: a reparação e a pena civil. São Paulo: Atlas, 2013, p. 68.

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71

subjetivo individual causando prejuízo a outrem, criando o dever de reparar tal lesão).

68

Em decorrência da aplicação do instituto da responsabilidade civil às ações

regressivas, estão presentes também as funções de ressarcimento, punitiva e

preventiva. A função de ressarcimento possui caráter nitidamente patrimonial; a

função punitiva possui caráter nitidamente pedagógico; e a função preventiva tem

por objeto garantir a proteção da saúde e a segurança do trabalhador, oferecendo

um meio ambiente de trabalho sadio e sem riscos.

3.2 Responsabilidade subjetiva decorrente de conduta culposa

Partindo da premissa de que o artigo 120 da Lei nº 8.213/91 expressamente

menciona a negligência do empregador, estamos diante da responsabilidade civil em

decorrência de culpa.

José de Aguiar Dias sustenta que

A culpa, genericamente entendida, é, pois, fundo animador do ato ilícito, da injúria, ofensa ou má conduta imputável. Nessa figura, encontram-se dois elementos: o objetivo expressado na iliceidade, e o subjetivo, do mau procedimento imputável. A conduta reprovável, por sua parte, compreende duas projeções: o dolo, no qual se identifica a vontade direta de prejudicar, configura a culpa no sentido amplo; e a simples negligência (negligentia, imprudentia, ignavia) em relação ao direito alheio, que vem a ser a culpa no sentido restrito e rigorosamente técnico.

69

Quando pensamos em ação regressiva, estamos diante de uma conduta

reprovável do empregador, que, embora não tenha a vontade direta de prejudicar,

pratica a simples negligência, quando deixa de cumprir as normas de saúde e

segurança do trabalho.

Com razão, Miguel Horvath Júnior leciona que “a responsabilidade no caso é

subjetiva, ou seja, para sua caracterização é necessária a comprovação da culpa ou

dolo do empregador. A responsabilidade civil subjetiva tem como seu fato gerador o

ilícito”.70

68

Direito previdenciário. 9. ed. São Paulo: Quartier Latin, 2012, p. 609. 69

Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1944, p. 119. 70

Ação regressiva em ação acidentária. Revista de Direito Social, n. 7, p. 35, 2002.

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72

Sempre que a culpa pode ter consequências, ela passa a ser chamada de ato

ilícito, que pode ou não ter como resultado o dano. No caso das ações de regresso,

já foi verificada a existência da culpa do empregador, negligente em adotar as

medidas de saúde e segurança do trabalho, e o dano constitui o acidente do

trabalho.

Para melhor elucidar essa questão da culpa no âmbito das ações regressivas,

René Savatier define:

A culpa (fraute) é a inexecução de um dever que o agente podia conhecer e observar. Se efetivamente o conhecia e deliberadamente o violou, ocorre o delito civil ou, em matéria de contrato, o dolo contratual. Se a violação do dever, podendo ser conhecida e evitada, é involuntária, constitui a culpa simples, chamada, fora da matéria contratual, de quase delito.

71

Giselda Hironaka bem anota o modo como a jurisprudência italiana recebeu e

aplicou esse dispositivo:

Ao que parece, os aplicadores da nova lei, sempre exageradamente apegados à concepção tradicional pas de responsabilité san faute, deduziram, pela interpretação quiçá tacanha das discussões preparatórias do novo Código, que o dever de diligência incumbido ao agente e expresso por meio de uma presunção juris tantum estendia-se também à culpa levíssima. Deste modo, não podia, o imputado, exonerar-se da responsabilidade que fosse estabelecida a respeito de um determinado grau de diligência, uma vez que esta determinação não levava em conta a mera prudência ou diligência do homem médio mas sim, tomava como paradigma o perfil de um indivíduo rigorosamente meticuloso, extremamente competente e de uma virtude exemplar, que é capaz de prever quais os danos resultantes de sua atividade perigosa, pelo fato de muito bem conhecê-la e pelo fato de ter aplicado, por isso mesmo todas as precauções possíveis.

72

Assim decidindo, os Tribunais estariam criando uma condição equivalente à

responsabilização objetiva, que não foi a intenção do Código.73

Cumpre ressaltar o momento de revisão da culpa como fundamento da

responsabilidade civil, exatamente para melhor delimitar os papéis por ela e pelo

71

Apud HORVATH JÚNIOR, Miguel. Ação regressiva em ação acidentária. Revista de Direito Social, n. 7, p. 121, 2002.

72 MOURA, Cristina Angélica de Oliveira Rodrigues. Responsabilidade civil nas atividades perigosas: o paradigma do Código Civil italiano e o novo Código Civil brasileiro. In: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes; FALAVIGNA, Maria Clara Osuna Diaz (coords.). Ensaios sobre responsabilidade civil na pós-modernidade. Porto Alegre: Magister, 2007, p. 62.

73 Idem, ibidem.

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73

risco desempenhados, por meio de duas etapas, referentes ao percurso que vai do

fato danoso até a reparação:

A primeira das etapas mencionadas refere-se ao “fato gerador” da responsabilidade, isto é, aquele que, sendo a causa do dano, estabelece o direito à reparação da vítima. A segunda consiste em designar a pessoa que deverá responder pelo dano causado, quando então serão indicados os fundamentos dessa “designação do responsável”.

74

Em relação às etapas, Giselda Horinaka esclarece que “quanto à primeira das

etapas, é certo, indubitavelmente, que a culpa pode ser a força motriz do surgimento

da responsabilidade”, e, no tocante à segunda etapa,

A culpa se desdobrará nesse seu papel de geratriz do dever de indenizar para se plantar como fundamento da própria designação do responsável, isto é, do titular do dever de indenizar ou reparar. Sob esse duplo papel, instala-se para o elemento culpa esse perfil ambíguo ou bipartido de ser, há um tempo, fonte e fundamento na ambiência da responsabilidade civil. Normalmente há coincidência entre o agente do dano, que se houve com conduta culposa, e a pessoa do indenizador ou responsável.

75

Quanto à prova da culpa, Teresa Ancona Lopez destaca que,

Na responsabilidade fundada na culpa (“lato sensu”) cabe à vítima do dano provar o fato, a culpa, o nexo causal e o dano. Mesmo nas presunções de culpa, nas quais há inversão do ônus da prova, o causador do dano deve provar sua não culpa, e conseguindo, se livrará da indenização. Claro que também poderá usar uma das excludentes clássicas, a saber, a culpa exclusiva ou concorrente da vítima, o caso fortuito ou de força maior (que para a teoria da culpa são idênticas, o que não são para a teoria do risco), fato de terceiros, estado de necessidade, legítima defesa. Enfim, há uma certa fartura de excludentes.

76

No caso das ações regressivas, a prova da negligência do empregador no

cumprimento das normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas para

a proteção individual e coletiva é da Previdência Social, que deverá demonstrar a

negligência do empregador.

74

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 151.

75 Idem, ibidem, p. 152.

76 Nexo causal e produtos potencialmente nocivos: a experiência brasileira do tabaco. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 37.

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74

Marta Gueller77 traz alguns documentos indispensáveis para a realização da

prova da culpa do empregador. Vejamos:

a) Cópia do(s) processo(s) administrativo(s) de benefício(s) à disposição do INSS nas Agências da Previdência Social; b) Informações fornecidas pelo Ministério Público Estadual e Delegacias de Polícia sobre eventuais ações penais ou inquéritos policiais decorrentes de acidentes de trabalho; c) Informações fornecidas pelo Ministério Público do Trabalho sobre procedimentos investigatórios, Termos de Ajustamento de Conduta e possível Ação Civil Pública aforada contra a empresa empregadora, em razão do acidente a que se refere ou outros acidentes fatais de natureza similar, com o objetivo de carrear elementos de convicção e/ou extrair eventual prova emprestada; d) Informações aos cartórios e secretarias da Justiça Estadual e Justiça do Trabalho, sobre eventuais ações de indenização movidas pelos segurados ou seus dependentes.

No que tange ao nexo causal, a Previdência Social deverá provar a culpa,

“pois provada a culpa do empregador, automaticamente estará provada a relação de

causalidade. Não provada a culpa (ou atuando alguma excludente) não haverá nexo

possível. Quase que são a mesma coisa”.78

Teresa Ancona Lopez leciona que

Tecnicamente, portanto, nexo causal e culpa não se confundem. O primeiro é um elemento objetivo, que diz respeito aos fatos e a todos os fatos externos do dano. A culpa é interna, relativa ao sujeito e à sua conduta. À culpa é ligada a noção de imputabilidade.

79

No caso das ações regressivas, o empregador deve, sobretudo, conhecer e

violar as normas de saúde e segurança do trabalho para que se concretize o dolo

contratual. Em outras situações, temos a culpa involuntária do empregador, que,

infelizmente, não conseguiu prever o risco que culminou em acidente do trabalho;

estamos diante da culpa simples.

Como elemento objetivo da culpa, temos o dever violado, e como elemento

subjetivo, temos a imputabilidade do agente.

77

Danos ao trabalhador decorrentes do ambiente de trabalho: preservação da saúde do trabalhador, financiamento dos benefícios previdenciários, riscos no ambiente de trabalho. São Paulo: Edipro, 2012, p. 232.

78 Ibidem.

79 Nexo causal e produtos potencialmente nocivos: a experiência brasileira do tabaco. São Paulo: Quartier Latin, 2008 (grifo da autora).

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75

A culpa em sentido estrito pode ser entendida como “a omissão do cuidado

exigido na vida dos negócios, pela aplicação do qual seria possível evitar o resultado

ilícito, não pretendido, entretanto, pelo agente, ou a omissão de aplicação da

quantidade suficiente de energia psíquica”.80 Essa omissão do cuidado no meio

ambiente do trabalho corresponde à negligência do empregador em adotar as

medidas protetivas de saúde e segurança do trabalhador.

Se pensarmos em sentido amplo, a culpa consiste em toda a falta a um dever

jurídico. Valendo-nos das lições de Francesco Carrara, “a culpa é a omissão

voluntária de diligência no cálculo das consequências possíveis e previsíveis”.81 No

entanto, questionamos: e se as consequências forem possíveis, mas imprevisíveis?

Certamente, ausente a previsibilidade, ausente a culpa.

Exemplificando para o objeto da nossa pesquisa, se o empregador não puder

prever a ocorrência daquele determinado acidente do trabalho, estaremos diante de

caso fortuito ou força maior, que são excludentes de ilicitude, fato que levará à

inevitável improcedência da ação regressiva.

Torna-se relevante frisar o aspecto tautológico sempre que definimos a culpa

como ato ilícito. Essa definição não traz significação alguma e, segundo Dias, é

[...] um tanto mais perigosa, porque pode fazer crer que aquele que age conforme a uma obrigação legal ou regulamentar não pode jamais incidir em responsabilidade, o que é erro evidente. Quando o legislador ou a autoridade competente traçam uma regulamentação, pretendem, o mais das vezes, tão somente impor algumas medidas de prudência, sem, no entanto, dispensar outras que se tornem necessárias.

82

Nas ações regressivas, temos a exata dimensão do que a norma traz a título

de prevenção de riscos no meio ambiente do trabalho, contudo, evidentemente, o

empregador não está dispensado de adotar outras medidas que não estejam

convencionadas em norma jurídica expressa, a fim de prevenir os riscos

ocupacionais.

Importante trazer aqui a definição de Marcel Planiol, que considera a culpa

como “infração a uma obrigação preexistente”.83 Todavia, parece-nos que referido

conceito também preenche a lacuna da responsabilidade na ação regressiva, uma

80

DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1944, p. 122. 81

Idem, ibidem, p. 123. 82

Idem, ibidem, p. 125-126. 83

Idem, ibidem, p. 128.

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76

vez que o empregador só será condenado a ressarcir os cofres da Previdência

Social quando infringir uma obrigação preexistente, ou seja, o dever de ser diligente

na prevenção dos riscos do meio ambiente do trabalho, conforme previsto no artigo

157 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Ora, se o empregador tem o dever de adotar todas as medidas de prevenção

de riscos no meio ambiente do trabalho, adquire equipamentos de proteção

individual (EPIs), entregando-os aos empregados para a devida utilização, e um dos

empregados se recusa a utilizá-los, estaria o empregador isento de responsabilidade

em caso de acidente do trabalho? É claro que não, pois apesar da expressa

previsão legal do artigo 157 da Consolidação das Leis do Trabalho,

[...] a culpa é falta de diligência na observância da norma de conduta, isto é, o desprezo, por parte do agente, do esforço necessário para observá-la, com resultado, não objetivado, mas previsível, desde que o agente detivesse na consideração das consequências eventuais de sua atitude.

84

Evidentemente, o empregador deveria tomar todas as medidas necessárias

para conter a imprudência do empregado, inclusive com a adoção de medidas

extremas em desfavor deste, como a dispensa por justa causa.

Cabe ressaltar que a culpa é consubstanciada pela falta de diligência, falta de

prevenção, falta de cuidado. Embora o dispositivo legal do artigo 120 da Lei nº

8.213/91 aqui em estudo se refira tão somente à negligência, entendemos que, pela

natureza do instituto, também estão compreendidas a imprudência e a imperícia do

empregador, pois não estamos necessariamente falando de negligência, estamos

falando de culpa.

Dias aponta que “negligência se relaciona, principalmente, com desídia;

imprudência é conceito ligado, antes que a qualquer outro, ao de temeridade;

imperícia é, originariamente, a falta de habilidade”. 85 Com efeito, no âmbito da

responsabilidade civil, talvez encontremos a figura da negligência revestida de

imprevisão, a da imprudência forrada de negligência, ou mesmo a da imperícia

traçada como negligência.

Vale observar que a culpa encontrada nas ações regressivas é sempre

contratual, já que decorre da existência do contrato de trabalho entre empregador e

84

DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1944, p. 135. 85

Idem, ibidem, p. 136.

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77

empregado ou de terceirização. Entendemos que a terceirização de serviços

também possui natureza contratual, uma vez que tem como base um contrato

estabelecido entre a tomadora e a empregadora. A culpa contratual, assim, se

estabelece em terreno mais bem definido e limitado, e consiste, segundo Savatier,

cuja lição nos parece correta, “na inexecução previsível e evitável, por uma parte ou

seus sucessores, de obrigação nascida de contrato prejudicial à outra parte ou seus

sucessores”.86

A responsabilidade civil objetiva, ou seja, independente de culpa, não se

aplica às ações regressivas, inclusive quando a atividade desenvolvida for

considerada de risco, uma vez que o artigo 120 da Lei nº 8.213/91 não traz nenhuma

consideração acerca dela. Assim, resta-nos concluir que a responsabilidade objetiva

não se presta a respaldar juridicamente as ações regressivas.

Ora, mas se as ações regressivas se fundam na responsabilidade civil, por

qual motivo não aplicarmos as modalidades objetiva e subjetiva? Sob o nosso ponto

de vista, as atividades de risco, conforme já salientado alhures, são de

responsabilidade do GIIL-RAT, e não devem ser objeto de ação regressiva, pois se

trata dos riscos ordinários, já cobertos pela Previdência Social. Por isso, o legislador

não incluiu no artigo 120 da Lei nº 8.213/91 a possibilidade de ajuizamento de ações

regressivas para os casos de responsabilidade objetiva.

Alguns autores entendem que, com o Código Civil de 2002, a necessidade da

comprovação da negligência do empregador teria sido superada, pois o diploma traz

disposição expressa sobre a responsabilidade objetiva sempre que a atividade

desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de

outrem. Contudo, o artigo 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro

(LINDB) – Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 – assim dispõe:

Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. [...] § 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

Com o referido dispositivo, o critério da especialidade da norma resolve essa

questão, uma vez que, de acordo com esse critério, se, dentre as normas

86

DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1944, p. 148.

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78

incompatíveis, uma for geral e a outra especial, prevalece a segunda. Então,

considerando que a norma especial, Lei nº 8.213/91, não menciona expressamente

a possibilidade de ajuizamento de ação regressiva independentemente de

negligência do empregador, a norma geral, Código Civil de 2002, não se presta a

resolver essa questão, ante a existência de norma especial.

Em caso de dolo, estaria o empregador obrigado a ressarcir os cofres da

Previdência Social? Evidente que sim, uma vez que, embora o artigo 120 da Lei nº

8.213/91 traga expressamente a negligência como fundamento do dever de

ressarcimento, o que nos leva à interpretação da conduta culposa, não restam

dúvidas de que a conduta dolosa do empregador também será objeto de

ressarcimento, pois pouco importa se houve negligência com ou sem intenção.

É oportuno esclarecer que os deveres do empregador quanto à prevenção de

riscos ocupacionais e ambientais não estão presentes somente em leis, constando

também de acordos e convenções coletivas, pois, segundo o artigo 120 da Lei nº

8.213/91, o empregador não deve ser negligente quanto às normas padrão de

segurança e higiene do trabalho, e nessas normas estão também compreendidos os

acordos e as convenções coletivas, por possuírem caráter normativo nos termos do

artigo 611 da Consolidação das Leis do Trabalho.

Nesse sentido, Maciel enfatiza a validade dos acordos e das convenções

coletivas, lecionando:

Conclui-se que a culpabilidade dos empregadores apresenta um caráter ilícito, portanto resulta da inobservância de um dever de conduta previsto expressamente em lei, ou então em pactos plurilaterais dotados de caráter normativo, a exemplo dos acordos e das convenções coletivas de trabalho.

87

Assim, não é preciso que o empregador descumpra uma lei para ser

considerado negligente. Basta que ele descumpra uma convenção coletiva ou um

acordo coletivo quanto a normas de saúde e segurança do trabalho para ser alvo de

ação regressiva, ante o caráter normativo dos referidos instrumentos.

87

Ações regressivas acidentárias. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2013, p. 34.

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79

3.3 Dever de cuidado, previsão e previsibilidade

Teresa Ancona Lopez sustenta que,

Ao julgar-se com apoio na culpa, os elementos pessoais vão ter um peso enorme e, apesar da responsabilidade extracontratual usar de critérios da “culpa in abstracto”, ou seja, do homem médio, as características individuais de imputabilidade têm sempre que ser consideradas. Finalmente, para a formação do nexo causal no sistema subjetivo de responsabilidade, leva-se em consideração a previsibilidade e a evitabilidade possíveis do evento danoso, caso contrário, não se forma o vínculo de causalidade, porquanto se o fato não for imprevisível ou inevitável, conforme o discernimento do homem médio, não se fala de culpa, mas sim de causa externa exonerativa.

88

Ao tratarmos das questões relativas ao dever de cuidado, previsão e

previsibilidade no âmbito das ações regressivas, nossa preocupação foi de

demonstrar de que maneira o empregador deveria tomar algumas medidas com a

finalidade de diminuir ou eliminar os riscos no meio ambiente do trabalho para a

formação do vínculo de causalidade.

Em sentido inverso, considerando que muitos acidentes possuem como causa

o ato culposo do próprio empregado, este também tem o dever de cuidado, previsão

e previsibilidade. Aliás, o empregado que concorre para a existência do risco

obviamente deixou de empregar o dever de cuidado, previsão e previsibilidade.

Partindo da premissa de que não existe atividade humana isenta de riscos,

deve-se observar se o empregador empregou o dever de cuidado, previsão e

previsibilidade, e só então se apura a causalidade, que gera o dever do empregador

de reparar o dano e é justamente essa criação do risco em decorrência de fonte de

lucro, ou exigência de comodidade e conforto.89

Nesse sentido, cabe citar as palavras de Afranio Lyra:

A criação de um risco necessário não basta para que se tenha o seu criador como culpado de coisa alguma. Quem instala uma indústria, quem se entrega a uma atividade lucrativa lícita, não age culposamente se cuida de cercar o seu empreendimento de todas as garantias humanamente possíveis para evitar a produção de danos.

90

88

Nexo causal e produtos potencialmente nocivos: a experiência brasileira do tabaco. São Paulo: Quartier Latin, 2008, p. 38.

89 Responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Livraria Jurid Vellenich, 1979, p. 82-83.

90 Ibidem, p. 83-84.

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80

Assim, esse dever de cuidado, previsão e previsibilidade está presente nos

dizeres de Afranio Lyra, configurando uma excludente de responsabilidade do

empregador. A excludente de responsabilidade, quando o empregador adota o dever

de cuidado, previsão e previsibilidade, dá-se em razão da ausência do vínculo de

causalidade. E tal medida aplica-se também ao empregado que, na tentativa de não

produzir danos, age com o seu dever de cuidado, previsão e previsibilidade.

No dever de cuidado, o empregado, ou o empregador, atua em desacordo

com o que é esperado pela lei e pela sociedade, agindo com imprudência,

negligência e imperícia. Na previsão, o empregado, ou o empregador, está ciente do

perigo, ou seja, ele tem conhecimento do perigo; e na previsibilidade, está presente

a possibilidade de o empregado, ou o empregador, conhecer o perigo, há uma

situação incerta.

O dever do empregador de fiscalizar o uso dos equipamentos de proteção

individual trata-se do dever de cuidado, previsto no artigo 7º, inciso XXII, da

Constituição Federal de 1988, que impõe como obrigação do empregador reduzir

os riscos inerentes ao trabalho, e, entre as providências nesse sentido, está o

fornecimento de EPIs e a garantia de utilização por parte do empregado, mediante

fiscalização da empregadora.

Para exemplificar, se o empregado, mesmo sabendo que, para subir em um

prédio de dez andares, deve estar com um cinto de segurança preso em seu corpo,

resolve subir sem o equipamento, estará infringindo o seu dever de cuidado. Se

subir no prédio com o cinto atado e, ao chegar ao topo, o desata, ele age infringindo

o seu dever de previsão, pois estava ciente da obrigatoriedade do equipamento e

dos riscos que sofreria em caso de desate. E, se o empregado subir no prédio

utilizando o cinto, e, ao chegar ao topo, um colega de trabalho que estava de costas,

segurando um material pesado, não o vê e esbarra nele, arremessando-o da altura

de dez andares, neste caso está ausente o dever de previsibilidade, pois o

empregado, apesar de conhecer o perigo de cair – por isso utilizava cinto –, não

imaginava que efetivamente cairia.

Nos dizeres de Sergio Cavalieri Filho, “previsto é o resultado que foi

representado, mentalmente antevisto”. Para o referido autor,

Não sendo previsto, o resultado terá que, pelo menos ser previsível, sendo este o limite mínimo da culpa – a previsibilidade, entendendo-se como tal a possibilidade de previsão. Embora não previsto, não antevisto, não

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81

representado mentalmente, o resultado poderia ter sido previsto e, consequentemente, evitado.

91

Invertendo as situações, no caso do empregador, se ele toma todas as

medidas de saúde e segurança no meio ambiente do trabalho, bem como todas as

medidas que evitam a exposição do empregado ao risco, e ainda assim o dano

ocorre, não responderá por culpa, pois não agiu com negligência, imprudência ou

imperícia. Possivelmente, esse dano advém de um risco criado, que consiste no

risco proveito que está fundado no princípio ubi emolumentum ibi onus, o qual se

traduz na responsabilidade, daquele que tira proveito ou vantagem do fato causador

do dano, de repará-lo. No risco criado ou proveito, se a atividade econômica

desenvolvida gera riqueza ao seu empreendedor e a possibilidade de dano a quem

executa o serviço, nada mais justo que, no caso de dano, ainda que ausente a culpa

ou o dolo, haja responsabilidade pelos danos ocasionados da exploração de uma

atividade. Portanto, quem cria riscos potenciais de dano para os outros deve

suportar os ônus correspondentes, e o risco criado, em razão de sua previsibilidade,

impõe a responsabilidade objetiva.

Considerando que as ações regressivas só existem em razão da negligência

do empregador, é inoportuno o ajuizamento de ação regressiva por absoluta

ausência de previsão legal nos casos de responsabilidade objetiva.

Uma vez que a nossa Constituição Federal determina a redução dos riscos

inerentes ao meio ambiente do trabalho, é sabido que não há comando de

eliminação desses riscos, e, assim, temos a certeza de que até mesmo o legislador

constituinte conhecia a impossibilidade de supressão dos riscos do meio ambiente

de trabalho de algumas categorias profissionais, motivo pelo qual não fez constar

expressamente do texto constitucional a obrigação do empregador de eliminá-los.

A questão relativa à teoria da culpa negativa também deve ser abordada, uma

vez que configura a abstenção ou inércia a um dever preestabelecido. Desse modo,

o empregador deve ter o espírito de adotar todos os aperfeiçoamentos sugeridos

pela ciência para restringir a ocorrência de danos.92

91

Programa de responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 51. 92

DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1944, p. 66-67.

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82

3.4 A culpa in vigilando diante da omissão do Poder Público

O acidente do trabalho pode ocorrer por culpa do empregador, por culpa do

empregado, por culpa de terceiros e também pela omissão do Poder Público no seu

dever de fiscalização. E tal dever decorre de lei, uma vez que o já citado artigo 19 da

Lei nº 8.213/91, em seu § 4º, dispõe sobre a responsabilidade de o Ministério do

Trabalho e da Previdência Social fiscalizar o cumprimento das normas de saúde e

segurança do trabalho.

Vejamos novamente o texto legal:

Art. 19. [...] [...] § 4º O Ministério do Trabalho e da Previdência Social fiscalizará e os sindicatos e entidades representativas de classe acompanharão o fiel cumprimento do disposto nos parágrafos anteriores, conforme dispuser o Regulamento.

Desse modo, ainda que o empregador deixe de adotar todas as medidas de

proteção e prevenção aos riscos do meio ambiente do trabalho, o Ministério do

Trabalho e da Previdência Social pode evitar a ocorrência do acidente, se realizar o

seu dever de fiscalizar o meio ambiente laboral. Ou seja, estamos, então, diante de

um caso de estado de corresponsabilidade, que é do empregador e do MTPS, nos

casos de acidentes do trabalho.

Evidentemente, os representantes do Ministério do Trabalho e da Previdência

Social não podem estar em todos os lugares e em todos os momentos para realizar

as fiscalizações, todavia, caso a empregadora tenha uma única reclamação

trabalhista julgada, estaremos diante de uma omissão do Estado. Ante o

descumprimento de normas trabalhistas, os juízes do Trabalho, ao final de suas

sentenças, determinam a expedição de ofício à Delegacia do Trabalho, e muitas

vezes ao próprio INSS, os quais se omitem na fiscalização, mesmo após o ofício

enviado.

Outro caso é o das reclamações trabalhistas patrocinadas por sindicatos, pois

o sindicato é ente de Direito Público, de tal sorte que a sua omissão na informação

sobre o descumprimento das normas de higiene e segurança do trabalho é caso de

omissão estatal.

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83

Os leitores desta tese devem estar imaginando: ora, mas que maneira incrível

de afastar a responsabilidade do empregador! Na verdade, não se trata de afastar a

responsabilidade do empregador, mas sim de dividir essa responsabilidade. Para

justificar nosso entendimento, ressaltamos que o § 4º do artigo 19 da Lei nº

8.213/91, acima mencionado, dá uma diretriz de comando, e não uma faculdade do

Ministério do Trabalho e da Previdência Social proceder à fiscalização. Assim, não

se trata de mera faculdade do MTPS, e sim de um dever. Em caso de ausência de

fiscalização antecedente ao acidente do trabalho, haverá a configuração da culpa do

MTPS pela omissão de seu dever de fiscalizar o meio ambiente de trabalho com o

objetivo de evitar aquele acidente.

Quanto ao dever do Estado de indenizar por omissão, a partir da leitura

sistêmica da Constituição Federal de 1988, do artigo 37, § 6º, e de outras

disposições que lhe são conectadas (artigos 5º, incisos V e X, 173, § 1º, e 175), a

responsabilidade civil extracontratual do Estado é a obrigação de reparação de dano

(material ou moral) causado a outrem em razão da própria atividade estatal ou de

ação ou omissão, lícita ou ilícita, de agente, nessa qualidade, das pessoas jurídicas

de Direito Público e serviços públicos, assegurando o direito de regresso contra o

agente nos casos de dolo ou culpa.

Wallace Paiva Martins Junior destaca que

[...] seu foco não está na ilicitude do comportamento, mas no dano. De outra parte, ela não reduz à Administração Pública ou, em maior escala, ao Poder Executivo; ela abrange os danos oriundos das atividades dos Poderes Legislativo e Judiciário e de órgãos estatais independentes como o Ministério Público e o Tribunal de Contas.

93

Há três situações em que o Estado é o causador do dano, como mostra a

Figura 5:

93

Ensaio sobre a responsabilidade civil extracontratual do Estado. In: NERY, Rosa Maria de Andrade; DONINI, Rogério Ferraz (coords.). Responsabilidade civil: estudos em homenagem ao professor Rio Geraldo Camargo Viana. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 561.

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84

Figura 5 – Situações em que o Estado é o causador do dano.

Fonte: Elaborada pela autora.

Martins Junior salienta que a conduta comissiva estatal repousa na

responsabilidade objetiva por ação lícita ou ilícita. Já na conduta omissiva estatal, o

dano ocorreu em razão de omissão do Estado (faute du service), pois, ainda que o

Estado não seja o autor do agravo, ele descumpriu dever legal que lhe impunha

obstar o evento lesivo. Segundo o autor, trata-se de responsabilidade subjetiva por

comportamento ilícito, porque o Estado estava juridicamente obrigado a agir

segundo padrões de eficiência, diligência, possibilidade, normalidade e

previsibilidade, ainda que decorrente de caso fortuito ou força maior. Seu

comportamento é antijurídico ou porque não agiu, ou porque agiu deficiente ou

insuficientemente, e só pode ser medido diante de uma situação concreta e

específica. Requer-se nexo de causalidade entre omissão, violação do dever jurídico

de agir, resultado lesivo e sua previsibilidade. Por seu turno, a criação estatal de

conduta propícia ao dano liga-se ao dever de cuidado na guarda das pessoas ou

coisas perigosas. O Estado, ou seu agente, não é autor do dano, mas, por

comissão, produz situação emergente ao evento causado por outrem ou por fato

natural.94

Referido autor, com razão, ressalta que se mostra mais adequada a

afirmação da responsabilidade civil subjetiva do Estado no caso de omissões

lesivas, sob pena de transformação do Poder Público em segurador geral. A

omissão lesiva requer o comportamento antijurídico da Administração Pública, pela

94

Ensaio sobre a responsabilidade civil extracontratual do Estado. In: NERY, Rosa Maria de Andrade; DONINI, Rogério Ferraz (coords.). Responsabilidade civil: estudos em homenagem ao professor Rio Geraldo Camargo Viana. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 568.

Conduta comissiva estatal

Conduta omissiva estatal ensejadora do dano

Criação estatal de conduta propícia ao dano

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85

violação de seu dever jurídico de agir ou pela faute du service, diante de situação

previsível e concreta. A impossibilidade de estimar como objetiva a responsabilidade

civil estatal por omissões não significa irresponsabilidade, mas sim que aquela

somente será firmada com lastro na teoria subjetiva.95

No mesmo sentido, Liliane Kiomi Ito Ishikawa leciona que é correto o

entendimento de que, havendo alegação de omissão do Estado, a questão deve ser

analisada sob a ótica da responsabilidade subjetiva, devendo o lesado comprovar:

a) a efetiva existência do dano;

b) o dever estatal de impedir o evento danoso;

c) a possibilidade de evitar o dano: certamente que só há que se falar em

obrigação de impedir o dano se for possível impedi-lo mediante atuação dirigente,

restando eximida a responsabilidade se demonstrado que, ainda que não houvesse

a omissão, não seria possível impedir o resultado danoso;

d) existência da falta do serviço, ou seja, que havia o dever de agir e não agiu

em razão de culpa ou dolo. Verifica-se a intenção de omitir-se, quando era

obrigatória a atuação do Estado segundo certo padrão de eficiência capaz de obstar

o evento lesivo, sendo que esse padrão deve ser apurado em função do meio social,

concatenado com as possibilidades reais médias dentro do ambiente em que se

produziu o fato danoso; e

e) o nexo de causalidade entre a omissão estatal deve ter sido exclusiva e

necessariamente ensejador do dano enfrentado.96

No caso das ações regressivas, vamos citar um exemplo que facilitará em

muito o entendimento da questão. Um operador de telemarketing é aposentado por

invalidez em decorrência de doença profissional causada por postura inadequada no

posto de trabalho, por conta de cadeiras inapropriadas para a função, e, mesmo

depois de receber mais de cinco reclamações trabalhistas, inclusive com o

patrocínio do sindicato e expedição de ofício à Delegacia Regional do Trabalho por

força de determinação judicial, não foi realizada a fiscalização. Então, mais dez

empregados sofreram a mesma doença profissional e se aposentaram. Como ficaria

a responsabilidade do Estado por omissão nesse caso? Entendemos ser um caso

95

Ensaio sobre a responsabilidade civil extracontratual do Estado. In: NERY, Rosa Maria de Andrade; DONINI, Rogério Ferraz (coords.). Responsabilidade civil: estudos em homenagem ao professor Rio Geraldo Camargo Viana. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 569.

96 Responsabilidade do Estado por omissão no fornecimento de medicamentos. In: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes; FALAVIGNA, Maria Clara Osuna Diaz (coords.). Ensaios sobre responsabilidade civil na pós-modernidade. Porto Alegre: Magister, 2007, p. 249-250.

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de corresponsabilidade, pois, na análise proposta por Liliane Ishikawa, teremos: o

dano, que consiste na doença profissional; o dever estatal de impedir o evento

danoso, consistente no dever de fiscalização imposto pela lei; e a possibilidade de

evitar o dano, pois, uma vez que a fiscalização ocorresse no primeiro caso de

doença profissional, não teríamos outros dez casos idênticos; e a existência da falta

do serviço, consistente na ausência de fiscalização.

Por outro lado, ainda que a omissão estatal seja inequívoca, o dever do

empregador de reparar o dano também se faz presente, visto que

[...] atos de terceiros não excluem a responsabilidade se concorreram, ligados por nexo de causalidade, o ato humano e a falha (ou omissão) administrativa (violação ao dever legal de agir, previsibilidade, especificidade). Nestes casos, a responsabilidade civil é subjetiva pela teoria publicista da culpa anônima do serviço, exigindo a comprovação do nexo de causalidade entre a omissão (culpa administrativa) e o resultado danoso a partir de uma situação concreta e específica e da violação de um dever jurídico.

97

Não se pretende, nesta pesquisa, fazer do Estado um segurador universal,

mas sim apresentar um Estado que ocupa uma posição de provedor, vigilante e

punitivo, e também um cidadão, com direitos e deveres. Giselda Hironaka destaca

que

O cidadão não se identifica com este Estado, que é apenas um instrumento burocrático a vigiá-lo e a lhe impor deveres; e o Estado não se identifica com esse cidadão, que exige participação direta no poder e na determinação dos conteúdos das instituições jurídicas. O instituto da responsabilidade civil é especialmente um instituto de garantia da preservação da propriedade e não um instrumento de garantia do fortalecimento da cidadania. Esse é um vazio talvez até hoje não preenchido por qualquer concepção de responsabilidade civil, levando-se em consideração, por exemplo, todas as concepções que têm sido propostas, desde o início do século XX.

98

A partir dessa posição de que o Estado também deve ocupar o status de

cidadão, com direitos e deveres, fica justificada a corresponsabilidade do Estado na

omissão em relação à fiscalização.

97

MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Ensaio sobre a responsabilidade civil extracontratual do Estado. In: NERY, Rosa Maria de Andrade; DONINI, Rogério Ferraz (coords.). Responsabilidade civil: estudos em homenagem ao professor Rio Geraldo Camargo Viana. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009, p. 575.

98 Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 95.

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87

Confirmando o dever de fiscalização do Estado, os antigos Ministério do

Trabalho e Emprego (MTE) e Ministério da Previdência Social (MPS), atualmente

Ministério do Trabalho e Previdência Social, firmaram o Acordo de Cooperação

Técnica nº 8, com a intervenção do INSS, em 29 de setembro de 2008, que foi

publicado no Diário Oficial da União, em 30 de setembro do mesmo ano, com

vigência de cinco anos, pelo qual o MTE se comprometia a realizar a fiscalização

dos empregadores, enviando à análise da Procuradoria do INSS, para que esta

avaliasse a possibilidade do exercício do direito de regresso.

Com a edição do Decreto nº 7.331, de 19 de outubro de 2010, esse Acordo de

Cooperação Técnica passou a integrar o Regulamento da Previdência Social, no

parágrafo único do artigo 341, que assim determina:

Art. 341. Nos casos de negligência quanto às normas de segurança e saúde do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva, a previdência social proporá ação regressiva contra os responsáveis. Parágrafo único. O Ministério do Trabalho e Emprego, com base em informações fornecidas trimestralmente, a partir de 1º de março de 2011, pelo Ministério da Previdência Social relativas aos dados de acidentes e doenças do trabalho constantes das comunicações de acidente de trabalho registradas no período, encaminhará à Previdência Social os respectivos relatórios de análise de acidentes do trabalho com indícios de negligência quanto às normas de segurança e saúde do trabalho que possam contribuir para a proposição de ações judiciais regressivas. (Incluído pelo Decreto nº 7.331, de 2010)

Parece-nos que esse acordo visa à fiscalização de situações ocorridas após a

verificação de más condições do meio ambiente do trabalho e do consequente

acidente do trabalho. Mas, como visto linhas atrás, o dever de fiscalização antecede

ao acidente, nos termos do artigo 19 da Lei nº 8.213/91.

Nesse diapasão, revela-se importante trazer as lições de José de Aguiar Dias

a respeito de omissão e abstenção:

Omissão e abstenção usam-se abusivamente como sinônimos não obstante sua bem perceptível diferença. Omissão é negligência, o esquecimento das regras de proceder, no desenvolvimento da atividade. Abstenção é a inatividade. Genericamente encarada, a omissão pressupõe a iniciativa. A abstenção a exclui.

99

99

Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1944, p. 135.

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88

Diante dessa definição, a não fiscalização do Ministério do Trabalho e da

Previdência Social configura omissão ou abstenção?

Com efeito, nas lições de Dias, abstenção é a inatividade, e, assim, a

ausência de fiscalização é inatividade. Contudo, a abstenção só é possível na

faculdade, pois quem se abstém de praticar algum ato tem a faculdade de praticar

ou não aquele ato. Fato que não ocorre na omissão, que invoca um dever

preestabelecido. No caso do dever de fiscalização do MTPS, há um dever

preestabelecido de fiscalizar, o qual decorre de lei, e a omissão está presente

quando o ente público deixa de fiscalizar, ou seja, esquece as regras de proceder de

sua atividade.

Ainda nas palavras de Dias, “o mesmo se dá em relação à omissão e inércia.

Ambos os conceitos exprimem o procedimento negativo, mas a omissão tem

significado mais amplo e mais complexo. Em essência, é culpa. Mas há traços

distintivos delas”.100 Ora, o Ministério do Trabalho e da Previdência Social, quando

deixa de fiscalizar, age com omissão ou inércia? Não pairam dúvidas de que existe

inércia, mas, ante a existência de um dever preestabelecido, há, sobretudo, a

omissão.

O mencionado autor também distingue a culpa contratual da culpa

extracontratual. A culpa contratual decorre de um contrato, e a culpa extracontratual

não possui um contrato que vincule a responsabilidade. No caso do Estado, que se

omite no seu dever de fiscalização, temos a culpa extracontratual, no entanto, Dias

destaca que, na culpa contratual, estão presentes atos e omissões, enquanto, na

culpa extracontratual, existe sempre a presença de um ato positivo. O autor não

aceita as doutrinas que exigem ato positivo na culpa contratual, porque a “noção

elementar da culpa nos informa que a omissão pode induzir responsabilidade,

independentemente de qualquer contrato, quando o dever legal ordene a execução

do ato omitido”.101

Importante ponderar acerca da existência de graus de culpa na

responsabilidade extracontratual, uma vez que o Ministério do Trabalho e da

Previdência Social, ao deixar de fiscalizar o meio ambiente laboral, poderia se

defender, no sentido de que a sua culpa foi muito inferior à do empregador, pois este

tinha um dever contratual com o empregado de adotar todas as medidas de saúde e

100

Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1944, p. 136. 101

Ibidem, p. 146.

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89

segurança do trabalho, e o MTPS tinha apenas uma obrigação secundária. Contudo,

Dias também resolve essa questão, quando sustenta a inexistência de graus de

culpa na responsabilidade extracontratual, visto que “não se trata de indagar em que

medida o devedor faltou à obrigação, mas em que medida se acha vinculado e que

soma de diligência se comprometerá a prestar”, ou seja, há uma diferença no critério

de medir a culpa.102

Ora, parece-nos claro que a omissão do Poder Público na fiscalização do

meio ambiente laboral enseja responsabilidade, fundada na culpa, e, portanto, o

MTPS também deve fazer parte do polo passivo das ações regressivas. A teoria da

culpa administrativa bem resolve essa questão, já que considera a falta objetiva do

serviço em si mesmo como fato gerador da obrigação de indenizar o dano

causado a terceiro. Nessa teoria, não há indagação quanto à culpa do agente

administrativo, exigindo do lesionado que comprove a falta do serviço para obter a

indenização, devendo ser ressaltado que essa falta do serviço apresenta-se nas

modalidades de inexistência, mau funcionamento ou retardamento. Ocorrendo

qualquer dessas modalidades, surge a obrigação de indenizar.

Agora, sendo assim, questionamos: se o INSS ajuizar ação regressiva em

desfavor do empregador, de que maneira o Poder Público virá a integrar o polo

passivo da ação?

Nos termos do artigo 113, inciso I, do Código de Processo Civil, há a figura do

litisconsórcio, que permite a existência de duas ou mais pessoas no polo passivo,

sempre que entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente

à lide. Vejamos:

Art. 113. Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando: I – entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide; [...]

No entanto, como sabemos, o Ministério do Trabalho e da Previdência Social

não virá integrar a lide espontaneamente, razão pela qual cabe ao defensor do

empregador proceder à denunciação da lide, nos termos do artigo 125, inciso II, do

Código de Processo Civil, que dispõe:

102

Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1944, p. 146-147.

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90

Art. 125. É admissível a denunciação da lide, promovida por qualquer das partes: II – àquele que estiver obrigado, por lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo de quem for vencido no processo.

Segundo Cirlene Luiza Zimmermann,

Sendo a fiscalização no Brasil ainda ineficaz, a possibilidade de as empresas sofrerem uma punição administrativa (multa, embargo, interdição) e serem consequentemente obrigadas a cumprir o que deveria ser inerente ao próprio exercício da atividade, isto é, as normas de SST, costuma ser pequena, motivo pelo qual continuam assimilando a prevenção dos acidentes do trabalho como despesas e não como investimentos.

103

Essa situação vai mudar somente quando o Poder Público reconhecer a sua

parcela de responsabilidade nos acidentes laborais, e, então, passar a tomar todas

as medidas para que a fiscalização seja efetivamente eficaz.

A corresponsabilidade consiste em responsabilidade compartilhada entre

duas ou mais pessoas ou agentes, que não se confunde com responsabilidade

subsidiária ou responsabilidade solidária. Na figura da corresponsabilidade, no

âmbito das ações regressivas, empregador e Estado devem compartilhar o dever de

reparar os cofres públicos na medida de sua culpa.

Aliás, quem se beneficia com essa omissão do Poder Público no seu dever de

fiscalização? Só o Poder Público, que diminui os gastos com pessoal. Isso porque o

empregador será condenado posteriormente por sua negligência em ação regressiva

e será condenado ainda em ação de indenização proposta pelo empregado no

âmbito trabalhista. E o empregado também não se beneficia, porque é o maior

prejudicado, ficou com sequelas definitivas, ou inválido, ou ainda faleceu em razão

da omissão do Poder Público.

E em relação a todos os outros acidentes que uma simples fiscalização

poderia ter evitado? A questão de responsabilizar o Poder Público por sua omissão

na fiscalização implica uma verdadeira política pública na prevenção de acidentes do

trabalho. Ação regressiva, por si só, não é política pública.

A fiscalização por parte do Poder Público induz não só o empregador a adotar

todas as medidas de segurança no meio ambiente do trabalho, mas, sobretudo,

induz o empregado a colaborar com todas as medidas de segurança daquele meio

103

A ação regressiva acidentária como instrumento de tutela do meio ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 2012, p. 201.

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91

ambiente. Todos nós sabemos, por exemplo, que, nos estabelecimentos de

açougue, há uma serra para o corte dos ossos, e que o profissional açougueiro deve

usar luva de aço ao utilizar esse equipamento, com a finalidade de evitar a

ocorrência de acidentes do trabalho. No entanto, na correria dos atendimentos, os

profissionais deixam de utilizar a luva de aço, expondo-se a riscos desnecessários.

Mas, se o profissional soubesse que, a qualquer momento, e com frequência,

entraria um fiscal naquele ambiente, certamente passaria a adotar o uso da luva de

aço na utilização da serra como meio de evitar multas ao estabelecimento.

Se não existir a efetiva fiscalização, o próprio empregado deixa de adotar as

medidas de segurança, até porque nem sempre o empregador está presente para

proceder a essa fiscalização.

Mais uma vez, Zimmermann chama a atenção para a necessidade de

fiscalização, sustentando que

Não obstante as responsabilidades do mantenedor do MAT e do Estado, no que se refere ao cumprimento das normas, serem distintas e independentes, ou seja, o fato de este não cumprir com seu papel de fiscal do cumprimento das normas não impede o ajuizamento da ARA contra aquele no caso de descumprimento das mesmas normas; a utilização do direito de regresso deve ser conjugada com uma fiscalização eficiente e proativa por parte do Estado das normas que regem o controle dos riscos ambientais do trabalho, a ser obtida com superação da crise fiscal, inclusive com a ampliação do seu alcance aos trabalhadores informais.

104

Nesse viés, só completamos o posicionamento da autora no sentido de que,

embora as obrigações sejam distintas, há obrigações de ambos, Estado e

empregador, que implicam prejuízos, de modo que tanto um quanto o outro devem

ser responsabilizados.

3.5 Culpa concorrente e coparticipação

José de Aguiar Dias menciona a tese de Raymond Teisseire, de que “o dano

é, ordinariamente, não a expressão de um fato isolado, mas um fenômeno derivado

da colisão de atividades de uma e outra parte”.105

104

A ação regressiva acidentária como instrumento de tutela do meio ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 2012, p. 157.

105 Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1944, p. 72.

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92

A partir do reconhecimento da existência da colisão de atividades de uma e

de outra parte, podemos estar diante de culpa concorrente, coparticipação ou

solidariedade.

Nas ações regressivas, deparamo-nos com casos de culpa concorrente,

quando empregador e empregado concorreram para a ocorrência do acidente do

trabalho. Nos casos de culpa concorrente, a jurisprudência se posiciona no sentido

de repartir a indenização, de modo que a vítima não deve arcar com a sua parcela

de responsabilidade, tão somente a empregadora.

Sergio Cavalieri Filho destaca que “na culpa concorrente, as duas condutas –

do agente e da vítima – concorrem para o resultado em grau de importância e

intensidade, de sorte que o agente não produziria o resultado sozinho, contando,

para tanto, com o efetivo auxílio da vítima”.106

Segundo o artigo 944 do Código Civil, é possível mitigar o valor da

indenização de acordo com o grau de culpa do ofensor, o que, inclusive, valerá para

o caso de a responsabilidade não ser fundamentada na culpa, “ou seja, para as

situações em que a responsabilidade é objetiva, assim quando ocorre a culpa

concorrente, em que o art. 945, CC autoriza a mesma aplicação”.107

Vale notar que, em muitos casos, os empregadores são condenados a

ressarcir os cofres da Previdência Social, mesmo quando o empregado também

concorreu para a ocorrência do acidente. A dificuldade na obtenção de provas, a

vitimização do empregado que induz os demais empregados a não testemunhar,

entre outros motivos ocultam a existência da culpa concorrente.

Fernando Maciel ressalta a posição do Judiciário na ocorrência de culpa

concorrente, utilizando a expressão culpa recíproca como sinônima:

Há também a possibilidade de a conduta do trabalhador não ser a causa única do acidente, mas sim concorrer em determinadas infrações às normas de saúde e segurança do trabalho imputáveis aos empregadores. Nesses casos o Judiciário tem reconhecido o instituto da culpa recíproca, julgando parcialmente procedentes as ARAs com a condenação das empresas a ressarcirem 50% da despesa previdenciária.

108

Já na coparticipação,

106

Programa de responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 59. 107

FALAVIGNA, Maria Clara Osuna Diaz. A composição do dano em um modelo solidarista. In: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes; FALAVIGNA, Maria Clara Osuna Diaz (coords.). Ensaios sobre responsabilidade civil na pós-modernidade. Porto Alegre: Magister, 2007, p. 291.

108 Ações regressivas acidentárias. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2013, p. 35.

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93

[...] a conduta de duas ou mais pessoas concorrem efetivamente para o evento. A coparticipação pode ocorrer em relação à mesma causa – “A” e “B” agridem “C” física ou verbalmente – ou quando o fato praticado por um agente é causa adequada do fato praticado por outro – depois de atropelada por “A”, a vítima é deixada em plena via pública e é novamente atropelada por “B”, agora mortalmente, que dirigia imprudentemente.

109

Existe possibilidade de haver ação regressiva em caso de coparticipação,

afinal, em inúmeros acidentes do trabalho, está presente a figura de um segundo

empregado, ou mesmo de vários empregados na ocorrência do evento.

Evidentemente, nos casos de coparticipação, os demais envolvidos, além da

vítima, também responderão na ação regressiva juntamente com o empregador, por

serem solidários na ocorrência do infortúnio. Para exemplificar, muitas vezes o

empregado se submete ao risco, em razão de ordem de outro empregado, seu

superior hierárquico, o qual não recebeu ordens do patrão e agiu de forma

imprudente, determinando que aquele realizasse serviço para o qual não possui

habilidade técnica, o que culmina no acidente do trabalho. Nesses casos, haverá a

figura da coparticipação, em que o superior hierárquico do empregado, juntamente

com o empregador, responderá pelos prejuízos causados, inclusive perante a

Previdência Social.

Conforme já mencionado quando da análise do pressuposto da culpabilidade,

o acidente pode ocorrer não apenas por condutas imputáveis diretamente ao

empregador da vítima, mas também por atos praticados por terceiros alheios à

relação de emprego, bem como pela conjugação de fatores causais atribuíveis a

pessoas (físicas ou jurídicas) diversas, o que costuma ocorrer com muita frequência

nos casos de terceirização de serviços.110

3.6 O risco e o dever de segurança no acidente do trabalho

Sempre que pensamos no risco como um perigo, e que o perigo, por si só,

não configura dano, concluímos que a simples existência do risco não implica dever

de indenizar.

109

CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 81.

110 MACIEL, Fernando. Ações regressivas acidentárias. 2. ed. rev. e atual. São Paulo: LTr, 2013, p. 103.

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94

No entanto, nesta subseção, vamos tratar do risco aliado ao dever de

segurança no ambiente do trabalho.

Mauro Cesar Martins de Souza ressalta que “evitar os riscos, por óbvio,

pressupõe proceder à eliminação de todos que sejam evitáveis. Aliás, não se pode

conceber situação de risco como algo que não tenha condições de ser eliminada ou

pelo menos diminuído, como melhora do local do labor”.111

Para uma política eficiente no combate e na prevenção de riscos no meio

ambiente laboral, todos devem colaborar, empregador, empregado e governo.

“Melhor prevenir do que ter de reparar, mesmo porque, até como atributo

constitucional de cidadania, trabalho em meio ambiente de qualidade e sem riscos

aos funcionários, com preservação e manutenção da saúde destes, são obrigações

dos empregadores, de ordem cogente e peremptória.”112

Com a diminuição dos riscos laborais, e em um ambiente de trabalho com

qualidade, adequado e seguro, os acidentes do trabalho diminuirão, fato que

ensejará o aumento da produção, a redução dos gastos com indenizações e,

sobretudo, o incentivo do trabalhador em sua função, fazendo, por consequência, o

empregador obter mais ganhos. Quando pensamos no investimento com a

diminuição dos riscos no meio ambiente laboral, adequando o ambiente com

prevenção e qualidade, o investimento do empregador é muito pequeno quando

comparado aos benefícios. Só a título de exemplificação, na tributação do Imposto

de Renda através do lucro real, as despesas com equipamentos de proteção

individual poderão ser deduzidas.

Objetivando a diminuição dos riscos ambientais no trabalho, as empresas

devem elaborar uma avaliação de riscos ambientais que identificará os elementos

perigosos, os trabalhadores expostos e a gravidade dos riscos laborais. Nessa

avaliação, elaborada por pessoas capacitadas, será documentado todo o local de

trabalho. Sempre que o resultado da avaliação demonstrar situações de risco,

[...] é conveniente que o empregador planifique a atividade preventiva que procederá com objetivo de eliminar, controlar ou reduzir aqueles riscos,

111

Responsabilidade civil decorrente do acidente de trabalho: doutrina e jurisprudência. Campinas: Aga Juris, 2000, p. 61.

112 SOUZA, Mauro Cesar Martins de. Responsabilidade civil decorrente do acidente de trabalho:

doutrina e jurisprudência. Campinas: Aga Juris, 2000, p. 68.

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95

seguindo uma ordem de prioridades em função da gravidade e número de trabalhadores expostos aos mesmos.

113

Sob outro aspecto, com a avaliação e a implementação de atividades

preventivas de riscos laborais, teremos a possibilidade de: estabelecer

procedimentos para controle das repercussões sobre saúde e segurança dos

trabalhadores em todos os ambientes da empresa; instruir a todos os trabalhadores

com responsabilidade hierárquica a respeito da prevenção de riscos do trabalho em

todas as atividades que realizarem ou delegarem; determinar quais medidas de

segurança e controle preventivo devem ser tomadas; planificar situações de

emergência; e estabelecer mecanismos de informação para os trabalhadores.

Em sentido inverso, a atuação dos empregados na prevenção de riscos do

trabalho também é de grande importância, uma vez que direitos impõem a existência

de deveres, e, nesses casos, apesar do direito do empregado de receber EPIs e

laborar em um ambiente salubre, são seus deveres: participar de todas as questões

que afetem a segurança e a saúde no seu trabalho; efetuar propostas ao

empregador para diminuir ou anular os riscos do trabalho, cuidando de sua própria

segurança e saúde e da de terceiros, utilizando adequadamente ferramentas,

máquinas, substâncias perigosas e equipamentos de proteção individual fornecidos

pelo empregador; utilizar corretamente os dispositivos de segurança dos meios e

lugares de trabalho; informar imediatamente a seu superior hierárquico e aos

encarregados de prevenção na empresa sobre qualquer situação que a seu juízo

signifique risco para a segurança e saúde dos trabalhadores; contribuir para o

cumprimento das obrigações estabelecidas pela autoridade competente; e cooperar

com o patrão para que este possa garantir condições de trabalho que não

contenham riscos para a segurança e saúde dos trabalhadores.

O risco e o dever de segurança caminham juntos: onde existe risco, existe o

dever de segurança, visto que, quanto mais segurança houver, menor será o

potencial de risco.

Giselda Hironaka leciona que o “risco caracterizado consiste na

potencialidade, contida na atividade, de se realizar um dano de grave intensidade,

113

SOUZA, Mauro Cesar Martins de. Responsabilidade civil decorrente do acidente de trabalho: doutrina e jurisprudência. Campinas: Aga Juris, 2000, p. 62.

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96

potencialidade essa que é impossível de ser eliminada, não obstante toda diligência

que tenha sido razoavelmente levada a cabo”.114

O risco caracterizado determina-se em função do excesso de um primeiro

liminar de periculosidade e da presença de critérios objetivos que são a

probabilidade e a intensidade elevadas, de alcance eventual. Com efeito, diz a

referida autora que “a omissão das medidas que teriam sido suficientes para afastar

o perigo deve ser focalizado sob o ângulo da culpa. A impossibilidade de evitar a

ocorrência nefasta uma periculosidade superior àquela que podia ser suprimida pela

diligência razoável”.115

Embora a atividade de risco imponha uma responsabilização objetiva, é

importante esclarecer que a omissão das medidas que teriam sido suficientes para

afastar o perigo deve ser vista sob o ângulo da culpa.

No caso das ações regressivas, a atividade de risco não é o fundamento da

ação, mas sim a responsabilização pela negligência na adoção das medidas

suficientes para afastar o perigo, justificando a responsabilização engendrada na

culpa.

Para Cavalieri Filho, “a responsabilidade objetiva exsurge quando a atividade

perigosa causa dano a outrem, o que evidencia ter sido ela exercida com violação

do dever de segurança, que se contrapõe ao risco”.116

Com efeito, a posição do autor acima citado denota a evidência de que

somente a violação do dever de segurança não constitui dano, sendo necessária,

também, a existência do dano.

No caso das ações regressivas, na situação de o empregador sofrer ação

regressiva em decorrência da violação do dever de segurança, tal pleito não

procede, uma vez que a simples violação do dever de segurança não configura

dano. Além disso, estamos tratando de um instituto oriundo da responsabilidade civil

objetiva, que não se aplica às ações regressivas.

Sob outro aspecto, a cobertura do risco é o eixo central do Direito

Previdenciário, é a cobertura do risco que a Seguridade Social tutela.

Para Federico Del Giudice, a seguridade social trata-se

114

Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 339. 115

Ibidem. 116

Programa de responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 185.

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97

[...] em essência, do complexo de programas e intervenções públicas que, em aplicação dos princípios constitucionais, tende a garantir a todos os cidadãos, trabalhadores ou não, os meios para uma existência livre e digna, e proteger a saúde de todos para o bem-estar individual e coletivo.

117

A partir do conceito de seguridade social trazido por Del Giudice, de que

maneira esse risco aparece? Esse risco se revela nas mais diversas contingências

sociais, que, embora incertas, são, de algum modo, previsíveis para a ciência

atuarial que calcula e, por meio da norma previdenciária, impõe o recolhimento de

contribuições previdenciárias para a cobertura desses riscos.

Ora, se já se trata de riscos calculados e previsíveis, cujo ressarcimento já

está sendo realizado por meio das contribuições que são obrigatórias e direcionadas

para uma poupança, com base no princípio da solidariedade social, por qual razão

os empresários devem ressarcir os prejuízos com a concessão de benefícios

previdenciários que já foram previamente previstos e calculados?

A tônica dessa questão nos leva a um caminho da inconstitucionalidade do

artigo 120 da Lei nº 8.213/91, o que não é o objetivo da nossa tese, uma vez que

versamos tão somente sobre o cabimento das ações regressivas clássicas e novas

e sobre a crítica à interpretação civil do Direito Previdenciário. Por esse motivo,

deixamos de aprofundar a questão da constitucionalidade ou inconstitucionalidade

do artigo 120 da Lei nº 8.213/91. Por ora, reservamo-nos a entender pela

constitucionalidade da norma, visto que não declarada inconstitucional.

3.7 A responsabilidade no desempenho da atividade de risco

O artigo 927 do Código Civil assim dispõe:

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

117

Legislazione e previdenza sociale: manuale teorico pratico. 21. ed. Napoli: Simone, 2008, p. 7, tradução nossa. Trecho original, em italiano: “[...] in sostanza, di quel complesso di programmi e di interventi pubblici che, in attuazione dei principi costituzionali, tendono a garantire a tutti a cittadini, lavoratori e non, i mezzi per uma esistenza libera e dignitosa e a tutelare la salute di tutti per Il benessere individuale e coletivo”.

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98

A responsabilidade objetiva prevista em seu parágrafo único se dá quando a

atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza,

risco para os direitos de outrem. Nesse diapasão, entendemos que a codificação

civil resolveu responsabilizar objetivamente o empregador que expõe seu

empregado à atividade de risco.

Partindo da interpretação da atividade desempenhada pelo empregado é que

saberemos se tal atividade é ou não de risco. Constatando-se a presença de riscos

no meio ambiente de trabalho, em razão da atividade habitualmente exercida,

estaremos diante da responsabilidade objetiva. No entanto, ainda que existam riscos

no meio ambiente laboral, se eles não forem oriundos da atividade exercida pelo

empregado, a responsabilidade do empregador será subjetiva, ou seja, fundada na

teoria da culpa.

Vale dizer que a simples existência da atividade de risco no meio ambiente

laboral não enseja o ajuizamento de ação regressiva, até mesmo porque a ação

regressiva tem por fundamento a negligência, o que não se coaduna com a

responsabilização objetiva determinada pelo Código. Contudo, caso o empregador

deixe de adotar todas as medidas de segurança no meio ambiente laboral,

configurando-se sua negligência na ocorrência do acidente do trabalho, é possível o

ajuizamento de ação regressiva.

Ainda que estejamos diante de um caso de atividade de risco, em que a

codificação impõe a responsabilização objetiva, mas o acidente tenha ocorrido por

negligência do empregador na adoção de medidas de saúde e segurança no meio

ambiente laboral, é possível o ajuizamento de ação regressiva.

É importante ressaltar que a discussão na ação regressiva deve ter como

fundamento tão somente a negligência quanto à adoção das medidas de proteção e

segurança do trabalho pelo empregador na ocorrência do acidente do trabalho, e

não pode tratar de atividade empresarial que implique riscos para o empregado, uma

vez que a responsabilização objetiva impõe outros critérios de responsabilização,

como o dano e o nexo de causalidade, que não se coadunam com as disposições do

artigo 120 da Lei nº 8.213/91.

Nesse sentido, Valeska Donato de Araújo assim se posiciona:

Parece-nos que foi nesse sentido que caminhou o Código Civil vigente, em seu art. 927, parágrafo único, no que merece aplauso, já que quando circunstâncias da vida moderna colocam em risco alguns homens mais do

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99

que outros, justifica-se o amparo da lei da proteção da vítima, com a aplicação da teoria do risco. Observe-se, porém, que sua utilização não deve afastar por completo a culpa, que continuará com seu importante papel de prevenção de danos e de sanção do responsável por desvio de conduta.

118

Permitir o ajuizamento de ação regressiva em caso de responsabilidade

objetiva trata-se de desvirtuar o instituto do direito de regresso previsto no artigo 120

da Lei nº 8.213/91, que cuida da negligência quanto à adoção de mecanismos de

proteção à saúde e à segurança do empregado.

Cirlene Luiza Zimmermann sustenta que,

Se uma empresa que desenvolve normalmente atividade que implica, por sua natureza, risco para os direitos de outrem, tiver licença de funcionamento, mas não estiver cumprindo todas as normas legais relacionadas ao modo de desenvolvimento de sua atividade e nem houver implementado todas as medidas disponíveis para reduzir ou elidir os riscos inerentes ou criados pela forma como desenvolvida atividade, será responsabilizada, independentemente de culpa, pela reparação dos danos eventualmente causados por sua atividade, sendo-lhe inócua a licença de funcionamento como meio de afastamento de tal responsabilização. Entretanto, se a mesma empresa, além de ter funcionamento de sua atividade amparado por uma licença, estiver cumprindo a legislação e implementando todos os meios técnicos disponíveis para reduzir ou elidir os riscos, poderá ser isenta de responsabilização.

119

No entanto, discordamos do referido posicionamento, já que a ARA deve ser

ajuizada em caso de negligência quanto ao cumprimento das normas de segurança

e medicina do trabalho, e a negligência trata-se de conceito jurídico fundado na

culpa, que não se confunde com responsabilidade objetiva.

3.8 A responsabilidade objetiva do empregador

A responsabilidade do empregador é objetiva sempre que a atividade

normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para

os direitos de outrem. É o que dispõe o artigo 927 do Código Civil:

118

O lugar da culpa e os fundamentos da responsabilidade civil no direito contemporâneo. In: HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes; FALAVIGNA, Maria Clara Osuna Diaz (coords.). Ensaios sobre responsabilidade civil na pós-modernidade. Porto Alegre: Magister, 2007, p. 436.

119 A ação regressiva acidentária como instrumento de tutela do meio ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 2012, p. 96-97.

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100

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Como já salientado nesta pesquisa, a responsabilidade civil que enseja o

ajuizamento de ação regressiva é subjetiva, pois está fundada na culpa, e, assim,

não há cabimento para o ajuizamento de ações regressivas nos casos de

responsabilidade objetiva. Aliás, como ressaltado no item 3.2 desta tese, os

fundamentos da culpa são negligência, imprudência e imperícia, e o artigo 120 da

Lei n° 8.213/91 traz expressamente o termo negligência, motivo pelo qual

entendemos ser a responsabilidade subjetiva que se aplica às ações regressivas.

Silvio de Salvo Venosa bem delineia a responsabilidade objetiva, dizendo

que,

Na responsabilidade objetiva, como regra geral, leva-se em conta o dano, em detrimento do dolo ou da culpa. Desse modo, para o dever de indenizar, bastam o dano e o nexo causal, prescindindo-se da prova da culpa. Em que pese a permanência da responsabilidade subjetiva como regra geral entre nós, por força do art. 159 do Código de 1916 e do art. 186 do novo Código, é crescente, como examinamos, o número de fenômenos que são regulados sob a responsabilidade objetiva.

120

É importante ressaltar, mais uma vez, neste estudo, que o GIIL-RAT visa a

cobrir os infortúnios decorrentes de acidentes do trabalho cujos riscos não podem

ser eliminados ou reduzidos em seu grau máximo, apesar de o empregador adotar

todas as medidas para a proteção da saúde e da segurança do trabalhador, criando

um meio ambiente laboral salubre. Esses riscos que não podem ser eliminados ou

reduzidos em decorrência da atividade é que serão objeto de responsabilidade

objetiva.

No entanto, ainda que se verifique que a atividade normalmente desenvolvida

pelo empregador implique riscos para os direitos do empregado, constatado o dano

em decorrência do risco que não poderia ser eliminado ou reduzido pelo

empregador, a responsabilidade será objetiva. A responsabilidade só será subjetiva

quando o empregador deixar de adotar as medidas de saúde e segurança do

120

Direito civil: responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 18.

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101

trabalho na prevenção dos riscos do meio ambiente laboral, razão pela qual ensejará

a ação regressiva.

Nesse diapasão, vale transcrever os ensinamentos de Zimmermann:

No Brasil, a Constituição define a responsabilidade civil pelos danos ambientais (meio ambiente cultural, artificial, do trabalho e natural) como objetiva, independente de culpa ou dolo do poluidor, tendo sido assumida pela regra do art. 14 da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938/1981). Estabelecida pela nossa Lei Maior a responsabilidade civil objetiva para os danos ambientais, nenhuma justificativa razoável existe para afastá-la nos casos em que os seres humanos afetados por esses danos, inclusive quando concretizados pelo MAT, cuja proteção está expressamente inserida na do meio ambiente pelo art. 200, VIII. Além disso, a presença do ser humano nesse ambiente decorre da necessidade de trabalhar para sobreviver, motivo pelo qual a sua exposição a riscos poderia caracterizar-se como uma espécie de emboscada, o que não é admissível num sistema jurídico orientado pelo princípio da dignidade da pessoa humana.

121

Contudo, resta-nos discordar em um sentido: a presença do ser humano em

meio ambiente de trabalho perigoso e nocivo à sua saúde não deriva da

necessidade de trabalhar, mas sim da aptidão profissional do empregado. Aliás,

todos nós sabemos, por exemplo, que, para o combate do mosquito Aedes aegypti,

os profissionais que se expõem ocupacionalmente em zonas endêmicas, em

trabalhos de saúde pública, assim como em laboratórios de pesquisa, estão sujeitos

à dengue e às demais doenças por ele causadas, e, nesses casos, ainda que o

empregador adote todas as medidas de saúde e segurança no meio ambiente do

trabalho, o empregado ainda estará sujeito a contrair tais enfermidades.

Esse exemplo nos deixa claro que os acidentes do trabalho ocorridos sem a

interferência negligente do empregador, embora sejam objeto de responsabilidade

objetiva, terão cobertura do GIIL-RAT e não serão objeto de ação regressiva.

Porque o GIIL-RAT, conforme disposto no item 2.1 desta tese, visa cobrir os

infortúnios decorrentes de acidentes do trabalho cujos riscos não podem ser

eliminados ou reduzidos em seu grau máximo, apesar de o empregador adotar

todas as medidas para a saúde e segurança do trabalhador.

121

A ação regressiva acidentária como instrumento de tutela do meio ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 2012, p. 91.

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102

4 O FUNDAMENTO DAS AÇÕES REGRESSIVAS E A COMPARAÇÃO ENTRE

SEGURO PRIVADO E SEGURO SOCIAL

O seguro privado foi disciplinado, pela primeira vez em nossa legislação, no

artigo 1.432 do Código Civil de 1916, que assim dispunha:

Art. 1.432. Considera-se contrato de seguro aquele pelo qual uma das partes se obriga para com outra, mediante a paga de um prêmio, a indenizar-lhe o prejuízo resultante de riscos futuros, previstos no contrato.

Clóvis Beviláqua, nos comentários ao referido Código, dizia que

A definição legal do contracto de seguro é satisfactoria. O fim desse contracto é proporcionar ao segurado indemnização pelos prejuízos provenientes do sinistro sofrido. Para esse efeito associam-se o segurado e o segurador. O primeiro contribue com os seus prêmios, e o segundo indemnizar-lhe-á os prejuízos resultantes dos riscos previstos no contracto.

122

Ainda nas palavras do jurista, “risco é o perigo, que pode correr o objeto

segurado, em consequência de um acontecimento futuro, estranho a vontade das

partes”. 123 Assim, resta evidente que o risco assegurado deve constar

expressamente da apólice.

É importante notar que o contrato de seguro privado configura-se como um

contrato comercial, e, portanto, se diferencia do seguro social nesse aspecto.

A incerteza da ocorrência do sinistro se concretizar ou não é “eliminada no

cálculo de probabilidades e não recai sobre a seguradora, ao lidar com vasto

universo de contratantes. Ela é capaz de enxergar a problemática de um viés tal que

a concretização do risco passa-lhe a ser certa”.124

Por ser um contrato comercial, a seguradora inclui no prêmio os seus custos

com administração e lucro, e tal motivo também diferencia o seguro privado do

seguro social.

No seguro privado, a atuação do segurado implica a contratação, uma vez

que o seguro privado impõe a existência de boa-fé, de tal sorte que as informações

122

Código Civil dos Estados Unidos do Brasil: comentado por Clóvis Beviláqua. Edição histórica. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1940. v. 4, p. 561.

123 Ibidem, p. 564.

124 KERBAUY, Luís Rodrigues. Ação regressiva: um paralelo com o seguro do direito privado. São Paulo: LTr, 2015, p. 27.

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103

prestadas na apólice devem ser verdadeiras e, sem dúvida, acarretarão o

pagamento da indenização.

Já no seguro social, inexiste a figura da apólice, e, assim, o segurador só terá

acesso às informações do segurado pouco antes do pagamento da indenização.

A questão atinente à boa-fé do segurado corrobora a Súmula 105 do

Supremo Tribunal Federal, que determina: “Salvo se tiver havido premeditação, o

suicídio do segurado no período contratual de carência não exime o segurador do

pagamento do seguro”.

No mesmo sentido, dispõe o parágrafo único do artigo 59 da Lei nº 8.213/91:

Art. 59. O auxílio-doença será devido ao segurado que, havendo cumprido, quando for o caso, o período de carência exigido nesta Lei, ficar incapacitado para o seu trabalho ou para a sua atividade habitual por mais de 15 (quinze) dias consecutivos. Parágrafo único. Não será devido auxílio-doença ao segurado que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social já portador da doença ou da lesão invocada como causa para o benefício, salvo quando a incapacidade sobrevier por motivo de progressão ou agravamento dessa doença ou lesão.

Desse modo, concluímos estar revestido da figura da boa-fé também o seguro

social.

Voltando ao seguro privado, de forma similar, o artigo 768 do Código Civil em

vigor preceitua: “O segurado perderá o direito à garantia se agravar

intencionalmente o risco objeto do contrato”.

Nessa seara, Luís Rodrigues Kerbauy leciona que

Para que a caracterização da culpa se enquadre na previsão do art. 768 do CC é necessário que se dê em grau elevado a ponto de externar a consciência do agente no aumento do risco. A análise da majoração do risco deve ser feita com base na equidade, ademais, conforme constava no art. 1.456 do Código de 1916, pois é de sua essência e boa-fé. “Não se deve exigir do segurado que esteja, angustiosamente, atento a todo perigo para evitá-lo”, pois ele contrata o seguro para enfrentar o perigo com maior tranquilidade.

125

No entanto, no caso do seguro social, a existência ou não do dolo (intenção)

no agravamento ou na progressão da doença para fins de obtenção de auxílio-

doença não implica perda do direito à indenização como no seguro privado.

125

Ação regressiva: um paralelo com o seguro do direito privado. São Paulo: LTr, 2015, p. 30.

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104

Para alicerçar a questão da boa-fé, o Código Civil traz o artigo 762, que

dispõe sobre a nulidade do contrato de seguro privado para a garantia de risco

proveniente de ato doloso do segurado, do beneficiário ou de outrem.

Nesse aspecto, o seguro social difere do seguro privado, uma vez que não há

nulidade de contrato, por não haver contrato escrito, e o ato doloso do segurado ou

do beneficiário só teria previsão legal nos casos de dependente que mata o

segurado para fins de recebimento de pensão por morte conforme dispõe o § 1° do

artigo 74 da Lei nº 8.213/91. No caso do seguro social, o homicídio praticado pelo

dependente, em desfavor do segurado, implica a impossibilidade de recebimento de

pensão por morte.

Cabe observar que a culpa leve não é considerada nos seguros privados

atuais, pois, ainda que o homem diligente, por um pequeno descuido, venha a

cometer ato ilícito, cuja culpa tenha sido leve, o seguro privado cobrirá o infortúnio.

Como exemplo, em um acidente automobilístico, se, ao dirigir seu veículo, o

motorista desatento vem a colidir levemente na traseira do veículo à sua frente, este

pode solicitar a cobertura do seguro contra terceiros, e terá o seu pedido atendido,

pois se trata de culpa leve, sendo objeto de pagamento da indenização securitária.

Já no âmbito do seguro social, em sendo a culpa do empregador leve ou

gravíssima, este estará sujeito a reparar os danos causados à Previdência Social

por meio da ação regressiva. Aliás, até o presente momento, não se viu ação

regressiva julgada improcedente em razão de culpa leve. A negligência mais simples

cometida pelo empregador será objeto de ação regressiva.

Cabe salientar que o seguro privado geralmente traz a figura da

responsabilidade contratual, existente entre segurado e segurador, e da

responsabilidade extracontratual, existente entre causador do dano e vítima. No

âmbito do seguro social, temos uma relação extracontratual, vinculada a um seguro

obrigatório, mas que também reflete direitos e deveres ao causador do dano e à

vítima. A vítima exerce seu direito por meio da concessão de benefício

previdenciário, e o causador do dano (a empresa empregadora) deve exercer seu

dever por meio de ação regressiva.

No que tange ao valor da indenização, cumpre esclarecer que, no seguro

privado, o dever de indenizar decorre da vontade das partes, que estabeleceram um

determinado valor, o qual será contabilizado no montante do prêmio; no seguro

social, a indenização decorre de lei, sendo o valor calculado de acordo com os

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105

salários de contribuição do segurado, e pago mensalmente, em forma de benefício

previdenciário.

Quanto ao direito de sub-rogação no seguro privado, ele está previsto no

artigo 786 do Código Civil, que dispõe:

Art. 786. Paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano. § 1º Salvo dolo, a sub-rogação não tem lugar se o dano foi causado pelo cônjuge do segurado, seus descendentes ou ascendentes, consanguíneos ou afins. § 2º É ineficaz qualquer ato do segurado que diminua ou extinga, em prejuízo do segurador, os direitos a que se refere este artigo.

Embora esse instituto da sub-rogação no âmbito do seguro privado pareça

similar à ação regressiva, prevista no artigo 120 da Lei nº 8.213/91, é importante

esclarecer que não há similaridade entre os institutos, visto que o direito de regresso

no seguro privado, consubstanciado no artigo acima citado, difere em muito da ação

regressiva proposta pela Previdência Social em desfavor do empregador, pois, no

caso da ação regressiva, não há sub-rogação de direitos, já que o empregado

também poderá buscar a sua indenização no âmbito da Justiça do Trabalho. No

seguro social, o empregado sofre o acidente do trabalho e busca o seu benefício

junto à Previdência Social porque contribuiu e é segurado (por isso a lei lhe garante

esse benefício), e ainda pode ajuizar ação de indenização em desfavor do

empregador pelos danos que sofreu, nos termos do artigo 7º, inciso XXVIII, da

Constituição Federal.

A inexistência da sub-rogação de direitos no seguro social configura a

diferença entre a natureza dos institutos da ação regressiva do seguro social e a

ação regressiva do seguro privado.

Há recorrente confusão de institutos por parte dos operadores do Direito,

razão pela qual não poderia passar despercebida, nesta pesquisa, a principal

diferença entre a ação regressiva no seguro social e a ação regressiva no seguro

privado: a sub-rogação de direitos, embora existam outras diferenças, como já

apontado, as quais, no entanto, não se tratam da principal.

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106

4.1 A Previdência Social vista enquanto seguro

Nas linhas acima, tentamos traçar as principais diferenças e semelhanças

entre o seguro privado e o seguro social. Considerando que estamos tratando de

seguro social, tentaremos, nesta subseção, traçar todas as suas nuanças, para

melhor compreensão do tema desta tese, as ações regressivas.

Com propriedade, Wagner Balera traz o conceito de seguro social como se

fosse um “„condomínio social‟ que foi sendo aprontado com as contribuições sociais

dos trabalhadores, dos empregados, de participantes e instituidores de fundos de

pensão”.126

Tal definição de “condomínio social” parece-nos muito acertada, uma vez que

o seguro social muito pouco se assemelha ao seguro privado, e a similaridade na

nomenclatura nos induz ao equívoco de acreditar que ambos são seguros com

modalidades distintas, mas, se assim fosse, estaríamos falando de uma única

definição para a palavra seguro.

A técnica do seguro social, como “condomínio social”, usa como paradigma a

figura do mutualismo e do seguro privado. Nas palavras de Balera,

O mutualismo é princípio solidário que aceita e exorta a realização de série de esforços coordenados para superar as crises de infortúnio e contingências da vida humana, mais ou menos previsíveis. Destarte, o seguro privado é um método de economia coletiva que tem na previsão matemática atuarial a sua base fundamental.

127

Com efeito, a única participação do seguro privado como paradigma do

seguro social se consubstancia na previsão matemática atuarial.

Para compreender essa matemática atuarial acima citada, valemo-nos do

conceito de Ciências Atuariais, que compreende a ciência das técnicas específicas

de análise de riscos e expectativas, principalmente na administração de seguros e

fundos de pensão. Essa ciência aplica conhecimentos específicos das matemáticas

estatística e financeira.

Não obstante o seguro social tenha como paradigma a previsão matemática

atuarial do seguro privado, a captação de seus recursos é realizada nos termos da

126

Sistema de seguridade social. 6. ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 56. 127

Ibidem, p. 60.

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107

Lei nº 8.212/91, que trata do custeio da Previdência Social. Contudo, a referida lei

não traz nenhum estudo matemático ou atuarial na captação de recursos, visto que

não apresenta relação entre as despesas e as receitas. Nesse sentido, Balera

sustenta que “referido Diploma Legal, com a falta de qualquer tipo de levantamento

(estatístico, demográfico e atuarial), cria recursos sem nenhum apoio técnico”.128

Assim, parece-nos que a norma acima mencionada não satisfaz a exigência

constitucional do equilíbrio financeiro e atuarial, uma vez que não trata das

projeções futuras que poderiam ensejar a criação e a majoração das contribuições

sociais.

Com razão, Balera destaca a possibilidade de desvio dos recursos pelo Poder

Executivo: “a ausência de planejamento atuarial permite que, a seu talante, o Poder

Executivo desvie os recursos que sobram para outras finalidades do Estado que não

se confundem com a saúde, com a previdência social e com a assistência social”.129

A Lei nº 8.212/91, em seu artigo 96, dispõe:

Art. 96. O Poder Executivo enviará ao Congresso Nacional, anualmente, acompanhando a Proposta Orçamentária da Seguridade Social, projeções atuariais relativas à Seguridade Social, abrangendo um horizonte temporal de, no mínimo, 20 (vinte) anos, considerando hipóteses alternativas quanto às variáveis demográficas, econômicas e institucionais relevantes.

Ora, se as projeções atuariais abrangem um horizonte temporal de, no

mínimo, vinte anos, por qual motivo elas são enviadas ao Congresso Nacional

anualmente?

Quando parte dos recursos da Previdência Social deixa de ser destinada para

a finalidade que a lei dispõe, é necessário todo o recálculo do Plano de Custeio, que

considera os dados estatísticos, demográficos, econômicos e atuariais.

O custeio do valor básico dos benefícios se dá pelos recursos diretos que

consideram a relação entre o risco da atividade econômica e a proteção social. No

entender de Balera, “atuando com critérios explícitos de modelo do seguro, essa

primeira contribuição social pode, sempre que tomar por base bem lançados,

componentes informativos [...], ser a exata medida de equidade no custeio”.130

128

Sistema de seguridade social. 6. ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 62. 129

Ibidem, p. 63. 130

Ibidem, p. 67.

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108

Com o objetivo de prestigiar os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa,

encontramos plena harmonia e solidariedade entre as categoriais sociais na forma

de participação do custeio. Segundo Balera, “o tratamento discriminatório afrontaria

a equidade na forma de participação no custeio”.131

Por solidariedade social, entendíamos que a redistribuição dos recursos se

processava por classes de segurados, em que os saudáveis contribuíam para os

doentes, os trabalhadores ativos contribuíam para os aposentados, os solteiros

contribuíam para famílias com filhos etc. No entanto, nos dizeres de Manuel

Sebastião Soares Póvoas, tal conceito de solidariedade social passou a ser

confundido com o de mutualismo, ocasião em que preferiram nomear de

[...] pacto de gerações, isto é, um pacto ideal apoiado no sistema legal, em que cada pessoa segurada paga para a satisfação das necessidades que sentem as pessoas atingidas pela materialização dos riscos sociais, na certeza de que, quando entrar em estado de necessidade, devido aos mesmos riscos, ela estará debaixo da geração de segurados que nesse momento suporta o sistema.

132

Adequando o seguro social acima explicitado à nossa pesquisa, valemo-nos

das lições de Cirlene Luiza Zimmermann:

O seguro social, portanto, cobre os riscos inerentes ao trabalho que não conseguem ser eliminados ou reduzidos para padrões toleráveis, mas desde que comprovada a atuação no que se refere ao controle desses riscos e o cumprimento diligente das normas de SST [Saúde e Segurança do Trabalho]; são os riscos que a sociedade deve suportar para contar com serviços, muitas vezes, essenciais, mas extremamente perigosos para quem precisa trabalhar neles.

133

Nesse diapasão, trataremos da natureza privada do seguro contra acidentes

do trabalho que foi trazido pelo Decreto Legislativo nº 3.724/1919, cujo artigo 2º

assim dispunha:

Art. 2º O acidente, nas condições do artigo anterior, quando ocorrido pelo facto do trabalho ou durante este, obriga o patrão a pagar uma indenização ao operário ou à sua família, exceptuados apenas os casos de força maior ou dolo da própria vítima ou de estranhos.

131

Sistema de seguridade social. 6. ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 68. 132

Previdência privada: filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 88.

133 A ação regressiva acidentária como instrumento de tutela do meio ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 2012, p. 154.

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109

O dever de indenizar, nesses casos, por ocasião da vigência do referido

Decreto, era, na maioria das vezes, suportado por companhia de seguros privada,

contratada pelo empregador para arcar com essa indenização.

O Sistema de Seguro Privado para Acidentes do Trabalho vigorou até o ano

de 1967, já que, com o advento da Lei nº 5.316, de 14 de setembro do mesmo ano,

o seguro para acidentes do trabalho passou a ser o seguro social, transferindo os

encargos para a Previdência Social. Desde então, embora tenham sido editadas

novas leis, o seguro contra acidentes do trabalho passou a ser mantido pela

Previdência Social.

Cumpre ressaltar que, de acordo com o artigo 7º, inciso XXVIII, da

Constituição Federal, a responsabilidade civil da Previdência Social enquanto

segurador público será sempre objetiva, uma vez que não cabe ao segurador

público a análise acerca da existência ou inexistência de riscos no âmbito laboral

daquele segurado.

Depois de concedido o benefício ao segurado é que o segurador poderá obter

os critérios objetivos e subjetivos que evidenciam o nexo causal, e então buscar

eventual ressarcimento por meio de ação regressiva em desfavor do empregador.

4.2 A solidariedade na Previdência Social

A solidariedade social e a mutualidade, como dito anteriormente, um pacto de

gerações, constituem, para Noa Piatã Bassfeld Gnata:

[...] o motivo de perpetuação da integração entre os sujeitos de uma sociedade. Se a integração é produto de interferências históricas de condicionamento das relações materiais, por exemplo, que fizeram populações indígenas, africanas e europeias serem trazidas para o mesmo território e coagidas ao convívio social, a solidariedade social possível é o motivo fundamental para que elas se tolerem, integrem e continuem ocupando o mesmo território: o motivo não moveu os primeiros, que lutaram e foram dizimados ou se calaram e morreram na angústia, mas, de geração em geração, por necessidade de promoção da vida em comum ou, mais tarde, por dever de obediência ao direito, é para que a unidade da sociedade sobre-exista que os sujeitos, em maior ou menor grau, são necessariamente solidários à sociedade.

134

134

Solidariedade social previdenciária: interpretação constitucional e eficácia concreta. São Paulo: LTr, 2014, p. 38.

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110

Buscando a realização democrática da sociedade, e como princípio basilar do

Direito Social, a solidariedade social se aponta para os indivíduos e o todo na

mesma direção.

Não se trata de direitos sociais apenas, mas de direitos humanos. A

solidariedade social está vinculada à dignidade do homem, pois não se revela como

um mero dever social.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Assembleia

Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1948, determina, em seus

artigos 22 e 25:

Artigo 22. Toda pessoa, como membro da sociedade, tem direito à segurança social; e pode legitimamente exigir a satisfação dos direitos econômicos, sociais e culturais indispensáveis, graças ao esforço nacional e à cooperação internacional, de harmonia com a organização e os recursos de cada país.

Artigo 25. 1. Toda pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.

2. A maternidade e a infância têm direito a ajuda e a assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio, gozam da mesma proteção social.

Nessa concepção, a seguridade social surge como um direito universal do

homem, ainda que aparecendo na classe dos direitos econômicos, sociais e

culturais indispensáveis à dignidade do homem e ao desenvolvimento livre de sua

personalidade. Vale notar que Póvoas já assinalava um grande problema: “o

problema essencial no tema dos direitos humanos não é enunciá-los, mas protegê-

los ou, melhor ainda, torná-los efetivos, de forma que cada homem possa exigir o

seu cumprimento e vê-lo conseguido”.135

O referido autor define seguridade social como

[...] um processo socioeconômico ao nível de cada nação utilizando a solidariedade entre entidades e pessoas que representam as suas forças produtivas e beneficiando-se de uma estrutura operacional definida, orientada e controlada pelo Estado, objetiva proporcionar a cada pessoa os

135

Previdência privada: filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 58.

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111

meios indispensáveis para, nas eventualidades negativas da sua vida, em termos de perda de sua capacidade de ganho por razões aleatórias como o desemprego, a doença, o acidente, ou por razões inerentes à própria condição humana como o casamento, a maternidade, a infância, a velhice e a morte, poder suportar as consequências, nomeadamente ter assegurado o sustento da família.

136

Mas de que maneira exigir o cumprimento desses direitos? Não existem

meios materiais para exigir o cumprimento desses direitos, até mesmo porque o seu

cumprimento depende de situação econômica, assim como em todos os direitos

econômicos e sociais.

Para Gnata,

Os laços de solidariedade na sociedade contemporânea vão além da divisão social do trabalho – o que é nítido sob a perspectiva da ética crítico-material e do Direito Social –, “haja vista a complexidade e impossibilidade de previsão de muitos dos novos riscos” que [...] devem ser divididos entre todos solidariamente.

137

Destacamos, neste ponto, que o próprio Direito Social, nas palavras de

Gnata, reconhece a impossibilidade de previsão de muitos dos novos riscos, que

devem ser partilhados entre todos solidariamente, contudo, por estarmos diante de

uma pesquisa sobre ações regressivas, não podemos deixar de comentar que os

operadores do Direito que admitem a possibilidade de ajuizamento das ações

regressivas novas (decorrentes de acidente de trânsito ou violência doméstica)

entendem pela impossibilidade de divisão do prejuízo entre todos solidariamente,

pois busca obter do companheiro, do esposo, do motorista o ressarcimento do

prejuízo nas novas ações regressivas.

Sob o ponto de vista da ação regressiva acidentária, a impossibilidade de

previsão de novos riscos por parte do empregador não o isenta de responsabilidade,

o que não é correto, justamente porque qualquer impossibilidade de previsão de sua

parte implicará negligência, sob a ótica da responsabilidade civil. Infelizmente, as

excludentes de ilicitude não abrangem a impossibilidade de previsão. No entanto, o

caso fortuito parece-nos muito apto a excluir a ilicitude dos casos de impossibilidade

de previsão dos novos riscos por parte do empregador.

136

Previdência privada: filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 61.

137 Solidariedade social previdenciária: interpretação constitucional e eficácia concreta. São Paulo: LTr, 2014, p. 78-79.

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112

Por estar baseado no princípio da solidariedade social, o cumprimento de

políticas públicas previdenciárias (artigo 3º, inciso I, da Constituição Federal) deve

ter como fundamento a impossibilidade de separar as bases contributivas de

arrecadação da prévia indicação legislativa da dotação orçamentária exigida.

Nesse sentido, acolhemos a crítica de Giselle de Amaro e França 138 no

sentido de que

se a tomada da decisão política ocorre em esfera diversa à do Direito, aos seus operadores compete preservar a ordem jurídica. Desta forma, a inclusão de postulados neoliberais, mesmo que fruto de opção política legítima, deve ser feita com observância das regras jurídicas.

Com razão, Alenilton da Silva Cardoso, leciona que

A solidariedade social deve ser concebida com grandes cuidados para não ser tomada em proporções excessivas, para ser utilizada como instrumento de fundamentação de quaisquer atos políticos ou jurídicos em prol do bem comum que possam acarretar na supressão de liberdades individuais que seriam, nesta hipótese, sufocadas pelo estado de extrema superveniência do indivíduo aos interesses da coletividade, levando a uma ordenação social autoritária. Tais motivos por si só justificam a necessidade de se tomar a solidariedade social como valor imediatamente originário da pessoa humana e em relação de implicação recíproca com o complexo axiológico que imediatamente o circunda, os quais pregam a necessária preservação da liberdade espiritual do ser humano para agir e transformar a realidade que o circunda, respeitando as conquistas históricas incorporadas ao patrimônio cultural das civilizações.

139

Cumpre destacar que o caráter exclusivamente arrecadatório que é dado por

nossos Tribunais ao princípio da solidariedade social é objeto de crítica por Gnata,

que leciona:

A identificação desse ponto de tensão entre a finalidade social e os reflexos econômicos das políticas públicas voltadas à previdência social traduz a essência da tensão política entre o ideário do estado social de direito e o pensamento utilitarista neoliberal, como já mencionado no tópico anterior, e revela o desvio de sentido na prática da solidariedade social no período pós-constitucional.

140

138

O Poder Judiciário e as políticas públicas previdenciárias. 2010. Dissertação (Mestrado em Direito) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010, p. 156. 139

O sentido ético do direito funcional solidário. 2015. 245 f. Tese (Doutorado em Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2015, p. 79. 140

Solidariedade social previdenciária: interpretação constitucional e eficácia concreta. São Paulo: LTr, 2014, p. 116.

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113

Com efeito, a solidariedade social constitui objetivo fundamental de nossa

Constituição Federal, em busca da almejada segurança social, e é assim que

referido princípio deve ser interpretado.

É relevante mencionar que a Previdência Social se diferencia dos ramos da

saúde e da assistência social, mesmo estando submetida aos mesmos princípios.

Considerando que o sistema que norteia a Previdência Social é contributivo, com

seu modo específico de custeio, o sistema de repartição é verificado nessa

modalidade de custeio e não anula o princípio da solidariedade, uma vez que aquele

que contribui não contribui apenas para si, mas em prol de todos os segurados.

O tripé da seguridade social compõe o conjunto integrado de ações de

iniciativas dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos

relativos à saúde, à previdência e à assistência social, previstos no artigo 194 da

Constituição Federal. Assim, resta-nos concluir que a garantia à proteção acidentária

é de natureza constitucional.

Visando a ressaltar esse princípio da solidariedade social, especialmente no

âmbito dos acidentes do trabalho, o dano deixa de ser apenas em desfavor da

vítima, e passa a ser em desfavor de toda a sociedade. Nesse diapasão,

Zimmermann entende que se trata de “uma técnica da socialização dos danos por

meio da distribuição dos riscos, que visa a garantir uma proteção mínima”.141

4.3 O risco social

Como salientado linhas atrás, risco significa perigo, e, por conseguinte, risco

social se traduz nos perigos sociais a que o homem está submetido, os quais se

apresentam de modo negativo em seu bem-estar e na sua família, criando

problemas sociais.

Lauro Cesar Mazetto Ferreira define o risco social como sendo o “estado de

necessidade social, ocasionado pela ocorrência de determinados eventos que

afetam direta ou indiretamente o nível de vida das pessoas, com a supressão total

ou parcial da sua renda”.142

141

A ação regressiva acidentária como instrumento de tutela do meio ambiente de trabalho. São Paulo: LTr, 2012, p. 114.

142 Seguridade social e direitos humanos. São Paulo: LTr, 2007, p. 91.

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114

Considerando que o Sistema da Seguridade Social tem por objetivo intervir

para garantir uma renda suficiente para uma vida digna sempre que os segurados

forem afetados por algum tipo de contingência, parece-nos que essa intervenção

trata-se de uma obrigação oriunda desse Sistema.

Com razão, Mazetto destaca que “a seguridade social é peça fundamental

para a preservação dos direitos humanos, na medida em que é um sistema

organizado para a preservação da dignidade da pessoa humana”. 143 Por

conseguinte, entendemos ser dever do Estado a implementação do direito social

para o fim de garantir uma vida digna aos cidadãos.

Importante salientar as lições de Mazetto, no sentido de que

[...] do ordenamento de seguridade social surgem duas relações jurídicas distintas. A primeira é de serviço público, criado pelo Estado, que gera aos cidadãos determinados direitos públicos subjetivos, acionáveis pela recepção de determinadas prestações, ao se verificar contingências previstas, em virtude de normas legais e de regulamentos administrativos. A segunda relação jurídica é de direito tributário, que consiste na obrigação dos cidadãos de entregar determinada quantia em dinheiro ao Estado, para que ele realize a seguridade social, ou seja, diz respeito ao custeio do sistema. Dessa forma, existem duas relações jurídicas básicas, a do Estado em prestar os benefícios aos indivíduos, e destes em contribuir ao Estado para o financiamento do sistema.

144

O Estado atua como gestor do Sistema da Seguridade Social, e garante o

cumprimento da solidariedade por meio do artigo 193 da Constituição Federal, que

prescreve que a ordem social tem como base o primado do trabalho, o qual se

apresenta também como princípio fundamental de nosso sistema jurídico, ao lado

dos da igualdade e da dignidade da pessoa humana, nos termos dispostos no artigo

1º, inciso IV, da Carta Magna.

Manuel Sebastião Soares Póvoas definiu risco social da seguinte maneira:

Os riscos que espreitam o homem profissional, integrado na sociedade, e cuja materialização é causa de desigualdade social do elemento atingido, em relação aos restantes membros do grupo social a que pertence. Os principais riscos sociais são: o desemprego, os acidentes, a morte, a sobrevivência, mas são, também, [...] todos os eventos que atinjam negativamente os indivíduos ativos, como mudança involuntária do local de trabalho, a mudança involuntária de emprego e, de uma forma geral, todos

143

Seguridade social e direitos humanos. São Paulo: LTr, 2007, p. 128. 144

Ibidem, p. 138.

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115

os eventos externos, de caráter sociopolítico que tenham como consequência a degradação do seu nível de vida.

145

Nesse sentido, o risco social coberto pela Previdência Social consiste em

todos os eventos que atinjam negativamente indivíduos ativos.

Póvoas distingue os riscos sociais em duas classes. Vejamos:

Figura 6 – Classes de riscos sociais.

Fonte: Adaptado de Póvoas.146

No âmbito das ações regressivas, estamos diante de riscos exógenos, uma

vez que eles se materializam por causas alheias ao indivíduo, ou seja, por uma

conduta negligente do empregador no meio ambiente do trabalho. Já os riscos

endógenos estão consubstanciados nas doenças degenerativas e que não possuem

nenhuma relação com a atividade profissional do empregado.

A materialização dos riscos sociais compreende rebaixamento do padrão de

vida e determina a existência de necessidades previdenciárias. No entanto,

considerando a segurança social, só estão cobertos os riscos sociais especificados

em lei.

Da habitação ao funeral, os riscos sociais estão presentes na vida física e

econômica dos indivíduos, com casos de necessidade. Nas palavras de Póvoas,

145

Previdência privada: filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 224-225.

146 Ibidem, p. 64.

• Materializam-se por causas

alheias ao indivíduo. RISCOS

EXÓGENOS

• Materializam-se por causas inerentes à natureza

biossocial do indivíduo.

RISCOS ENDÓGENOS

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116

Numa sociedade ideal, qualquer estado de necessidade deveria encontrar os meios necessários de atendimento, mas infelizmente tal sociedade não existe, e os estados de necessidade são atendidos dentro das possibilidades dos sistemas de segurança social que cada país conseguiu instituir.

147

Entre os riscos sociais cobertos, temos a incapacidade laborativa, que se

apresenta por um estado de necessidade complexo, visto que há a consequente

interrupção dos ganhos habituais, além da necessidade de tratamento médico,

hospitalar e medicamentoso.

A invalidez também se apresenta como um risco social coberto, contudo, o

estado de necessidade presente nos casos de invalidez, em geral, é tão complexo

quanto a doença. A invalidez pode ser decorrente de acidente ou doença,

apresentando-se como parcial ou total, e como temporária ou permanente. A

invalidez consiste em uma incapacidade para o trabalho ao qual o segurado estava

habilitado.

Póvoas destaca que,

No Brasil, a cobertura da invalidez faz parte do leque de garantias do sistema da segurança social, quer na sua parte geral, quer na parte específica dos acidentes de trabalho. Numa e noutra parte, se verificam dois estágios: o do auxílio-doença e o da aposentadoria.

148

Cumpre observar que a incapacidade decorrente de acidente do trabalho

também faz parte do risco social, mas dá ao trabalhador um tratamento especial,

mais favorável, pois considera o empregador como o responsável objetivamente

pelos acidentes dos seus empregados.

A partir da existência da responsabilidade objetiva do empregador, estamos

diante de duas novas vertentes:

a) a obrigatoriedade do Seguro de Acidentes do Trabalho (SAT); e

b) a inclusão dos acidentes do trabalho no sistema de segurança social.

A cobertura do seguro social, também denominada indenização da

infortunística, trata-se da responsabilidade previdenciária que decorre da tutela

social ao risco do trabalho, na modalidade objetiva, de forma tarifada.

147

Previdência privada: filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 66.

148 Ibidem, p. 75.

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117

O segurado faz jus por verter contribuições para a Previdência Social com essa destinação. Aliás, na socialização do risco de acidente do trabalho, embora maior a contribuição empresarial, os próprios trabalhadores participam de seu custeio, seja por intermédio de descontos salariais, seja através da contribuição pública da União que é realizada genericamente por toda coletividade. O seguro social cobre riscos genéricos e específicos contra eventos futuros previsíveis ou imprevisíveis dos seus segurados diretos ou indiretos, tendo por finalidade precípua proteger obreiros e seus familiares do infortúnio que ocorra no âmbito laboral.

149

A Constituição Federal, em seu artigo 7º, inciso XXVIII, garante aos

trabalhadores seguro contra acidentes do trabalho, a cargo do empregador, sem

excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa.

No entanto, a questão que se põe seria sobre a cumulatividade do benefício

previdenciário decorrente de acidente do trabalho com a indenização acidentária.

Não obstante haver contrariedade junto ao Supremo Tribunal Federal no Recurso

Extraordinário nº 75.557 (RT 462/266), a posição que se firmou, inclusive com a

existência de Súmula, é sobre a cumulatividade.

Mauro Cesar Martins de Souza salienta que

Resta evidente, pois, que tem o empregado vitimado em serviço duas proteções distintas: por primeiro, a ação acidentária para recebimento da indenização tarifária decorrente exclusivamente do acidente do trabalho; e, por segundo, a indenização de direito comum, se, além do acidente do trabalho, o evento danoso apresentar, ainda, a característica de ato culposo. Tecnicamente, os fundamentos do benefício previdenciário e da reparação do ato ilícito são bastante distintos. A previdência paga em razão do risco social coberto por ela. O empregador indeniza o dano decorrente de culpa sua.

150

Com a teoria do risco social, as necessidades sociais passam a ser de

responsabilidade da sociedade, todavia, o empregador, mesmo que contribua para o

custeio do risco social – acidente do trabalho –, ainda tem o dever de arcar com as

consequências de suas ações ou omissões no meio ambiente laboral.

Concluímos esta subseção ressaltando que a teoria do risco social não exime

o empregador de ressarcir os cofres da Previdência Social, por meio de ação

regressiva, pelos prejuízos que causou em decorrência de sua negligência na

ocorrência do dano. A simples ocorrência do risco, ainda que causado pelo

149

Responsabilidade civil decorrente do acidente de trabalho: doutrina e jurisprudência. Campinas: Aga Juris, 2000, p. 71.

150 Ibidem, p. 83.

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118

empregador, não gera o seu dever de ressarcir os cofres da Previdência Social; o

que fundamenta tal obrigação é o dano causado pela negligência.

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119

5 A VERTENTE CIVILÍSTICA DO INSTITUTO DAS AÇÕES REGRESSIVAS

Já tratamos da relação do Direito Social com o Direito Civil, especialmente no

âmbito das ações regressivas, concluindo que estas possuem natureza de direito

social.

O artigo 120 da Lei nº 8.213/91 dispõe:

Art. 120. Nos casos de negligência quanto às normas padrão de segurança e higiene do trabalho indicadas para a proteção individual e coletiva, a Previdência Social proporá ação regressiva contra os responsáveis.

Pela localização geográfica do referido dispositivo legal, que trata dos Planos

de Benefícios da Previdência Social e dá outras providências, estamos diante, sem

dúvida, de um direito social, que possui fundamento basilar no instituto da

responsabilidade civil.

As questões relacionadas ao custeio e ao aumento demasiado do número de

acidentes do trabalho, bem como à necessidade de políticas públicas a fim de

diminuir o número desses acidentes, embasam a natureza social do instituto, até

mesmo porque, repondo aos cofres da Previdência Social os montantes gastos com

os benefícios decorrentes de acidentes do trabalho, referidos valores ficariam

disponíveis para outras coberturas sociais.

No âmbito da responsabilidade civil, que funciona como principal fundamento

do artigo 120 da Lei nº 8.213/91, estamos diante de dois institutos de Direito Civil.

Primeiro, há a responsabilidade civil, fundada na culpa do empregador, quando ele

deixa de adotar todas as medidas de saúde e de segurança no meio ambiente

laboral, sendo, portanto, o responsável pelo prejuízo causado aos cofres da

Previdência Social. Em segundo lugar, estamos diante do instituto da ação de

regresso, uma ação eminentemente civil.

No entanto, a nossa maior preocupação é que muitos operadores do Direito

estão inclinados a interpretar o artigo 120 da Lei nº 8.213/91 exclusivamente no

sentido da responsabilidade civil, buscando a reparação do prejuízo causado.

Tal fato nos preocupa em razão de realmente haver uma conotação social no

referido artigo, e parece-nos que tal dispositivo vem sendo interpretado de maneira

ampla, de modo a autorizar o julgador a aplicar o instituto da responsabilidade civil a

qualquer ato do empregador, ou de terceiro.

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120

Se formos dar interpretação civilística, sob a ótica da responsabilidade civil, a

todos os fatos que ensejam benefícios previdenciários, logo estaremos nos

deparando, por exemplo, com ações regressivas do INSS em desfavor do segurado

fundadas na descoberta de que o benefício previdenciário foi implantado em razão

de acidente em que o próprio segurado deu causa (culpa exclusiva da vítima),

tornando-se uma excludente de responsabilidade.

Cabe observar que essa desmedida interpretação civilística aos institutos de

Direito Social pode trazer graves consequências a toda a sociedade, que

desacreditará ainda mais nesse Direito Social regulado pelo Regime Geral de

Previdência Social.

Dessa forma, entendemos que as ações regressivas possuem, sim, uma

vertente civilística, mas é só isso, apenas uma vertente, que deve ser considerada,

pois estamos diante de uma regra de Direito Social, até mesmo pela localização

geográfica do instituto, que está previsto na Lei nº 8.213/91, uma norma de Direito

Social.

5.1 A responsabilidade civil em confronto com a solidariedade social

A solidariedade social tem natureza de objetivo constitucional e está

estampada no artigo 3º, inciso I, da Constituição Federal, ao garantir uma sociedade

solidária. Referido objetivo vem publicado novamente no inciso III do mesmo

dispositivo, quando fixa também o desígnio da erradicação da pobreza e da

marginalização, bem como das desigualdades sociais e regionais. Acertadamente,

Wagner Balera sintetiza o objetivo constitucional com uma proposição: “é necessário

que cada qual seja solidário com os demais, de tal arte que todas as pessoas

tenham mínimas condições de vida”.151

A questão da solidariedade social ganha status de direito humano sempre que

a interpretamos como fraternidade. Afinal, uma sociedade solidária é uma sociedade

fraterna. Nesse sentido, trazemos as lições de Ricardo Sayeg e Wagner Balera para

resumir os passos que o magistrado deve seguir para a aplicação dessa

fraternidade:

151

Sistema de seguridade social. 6. ed. São Paulo: LTr, 2012, p. 157.

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121

1) considerar todas as partes envolvidas, tendo em mente que são pessoas humanas, revestidas de dignidade; 2) buscar perceber a aflição em que se encontram, diante do caso concreto; 3) ouvir, com atenção, a versão e as razões de cada uma delas; 4) colocar-se na situação em que elas se encontram; 5) interagir com elas; e 6) aplicar a decisão mais fraterna, que será a que satisfaça a dignidade de todas as pessoas envolvidas, sendo misericordioso onde houver miséria.

152

Considerando esses seis mandamentos da postura do magistrado, em se

tratando de fraternidade, bem como levando em conta a existência de uma vertente

civilística no dispositivo legal do artigo 120 da Lei nº 8.213/91, estamos diante de

uma colisão de direitos, pois, enquanto o Direito Social adota a solidariedade e,

assim, uma postura fraterna, o Direito Privado, especialmente na responsabilidade

civil, adota uma postura patrimonialista e busca tão somente o ressarcimento do

prejuízo, enxergando o autor do dano como um vilão. Aliás, aflição nenhuma do

autor do dano seria capaz de reduzir a sua responsabilidade, ou mesmo o valor da

indenização.

Essa visão patrimonialista da responsabilidade civil impede a plena

efetividade do Direito Social, afinal, na visão patrimonialista da responsabilidade civil

não existe decisão fraterna.

Talvez esse seja o cerne do problema aqui estudado, pois atribuir uma

interpretação exclusivamente civilística à ação regressiva corresponde a abandonar

a solidariedade social, o que não seria possível, visto que a ação regressiva é

instrumento para dar efetividade à solidariedade diante dos infortúnios.

Recompondo os cofres públicos, por meio dos valores arrecadados com as

ações regressivas, estaremos diante da efetiva solidariedade social, garantindo a

cobertura das necessidades dos indivíduos que contribuíram para o sistema em

busca de uma contrapartida.

Ora, não existe solidariedade social na interpretação civilística? Quando

pensamos que o Direito Civil está para regulamentar as questões patrimoniais e que,

quando falamos em patrimônio, somos severos em garantir a integridade do

patrimônio de cada um, e assim o fazemos com a responsabilidade civil, que visa a

recompor o prejuízo causado, as questões atinentes à solidariedade acabam ficando

152

O capitalismo humanista. Petrópolis: KBR, 2011, p. 127.

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em um segundo plano e se apresentam muito distantes do ressarcimento efetivo do

dano.

Em contrapartida, sob o enfoque exclusivamente previdenciário, Maria da

Glória Chagas Arruda ensina:

A visão mais moderna da seguridade social (concepção distributiva) coloca que o fundamento do direito à seguridade não se baseia no exercício de atividade profissional e na contribuição de cada indivíduo para o sistema, mas encontra-se nas necessidades dos indivíduos, tendo em conta a existência de uma solidariedade natural entre os membros da coletividade nacional.

153

Manuel Sebastião Soares Póvoas, por sua vez, prefere chamar solidariedade

social de mutualismo. Vejamos:

Nossa vocação mutualista, que encontra seus fundamentos morais no sentimento da solidariedade, olha os montepios com devoção e deseja que eles possam reencontrar o espírito que animou as mutualidades na pureza dos seus objetivos, mas não nos permite que cerremos os olhos à realidade, que desde o momento em que foram criadas as sociedades de capital, abandonou a ideia de previdência lida estritamente à operação mutualista, para formar o consenso de que o interesse previdenciário privado do homem, num conceito de massificação institucional, estará tanto mais difundido, quanto maiores e mais poderosas forem, em termos financeiros, as entidades em que estiver inscrito.

154

Desse modo, notamos muitos percalços para dar uma interpretação de

solidariedade social às ações regressivas. Contudo, fazê-lo não é difícil, e, na

subseção a seguir, demonstraremos essa possibilidade.

5.2 A interpretação das ações regressivas deve ser civil ou social?

Partiremos do argumento de que o artigo 120 da Lei nº 8.213/91 engloba um

direito social com nuança na responsabilidade civil. Por se tratar de hermenêuticas

nitidamente distintas, é forçoso reconhecer que há, sem dúvida, grande dificuldade

de encontrar uma interpretação que se amolde ao texto legal.

Carlos Maximiliano aponta que

153

A previdência privada aberta como relação de consumo. São Paulo: LTr, 2004, p. 20. 154

Previdência privada: filosofia, fundamentos técnicos, conceituação jurídica. São Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 35.

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123

A Ciência do Direito não é só elemento relativamente criador, apto a suprir lacunas dos textos; mas também um fator de coordenação e de exegese; auxilia a eliminar contradições aparentes e atingir, através da letra rígida, ao ideal jurídico dos contemporâneos.

155

Com base nos ensinamentos de Miguel Reale acerca da teoria tridimensional

do Direito, assim entendida como fato, valor e norma, como um fator de

coordenação, e buscando, sobretudo, eliminar contradições aparentes, a Ciência do

Direito irá nos auxiliar nessa questão da interpretação das ações regressivas.

Uma forma de realizar uma interpretação mais adequada aos anseios dos

direitos sociais parece-nos a maneira trazida por Pietro Perlingieri, quando cuida da

despatrimonialização do Direito Civil, que se trata

[...] de tendência normativo-cultural: evidencia-se que no ordenamento fez-se uma opção, que lentamente vai se concretizando, entre personalismo (superação do individualismo) e patrimonialismo (superação da patrimonialidade fim a si mesma, do produtivismo, antes, e do consumismo, depois, como valores).

156

Embora Perlingieri seja um doutrinador italiano, suas obras ganham o mundo,

em razão de estarem baseadas nas transformações sociais, que não são só

italianas, mas também globais.

Essa aparente superação do individualismo, consistente no personalismo,

bem como a superação da patrimonialidade, mostra-se, em nosso entender, como o

que melhor se amolda para responder à indagação desta subseção. Essa superação

do individualismo, aliada à superação da patrimonialidade, ou seja, à

despatrimonialização do Direito Civil, é o melhor caminho a seguir para a

interpretação das ações regressivas.

A preocupação com o próximo serve de cenário para a interpretação do

referido dispositivo legal. E essa exegese nos leva a um conteúdo social de

interpretação, inclusive no âmbito civil.

A partir do momento em que entendemos o Direito Civil não apenas como

garantidor de patrimônio, mas sim como um mecanismo de direção da sociedade em

busca de um fim comum, ficamos mais próximos da solidariedade social, e

passamos a buscar um fim social na interpretação de todo o ordenamento jurídico.

155

Hermenêutica e aplicação do direito. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 195. 156

O direito civil na legalidade constitucional. Trad. Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 121.

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124

Se as ações regressivas possuem vertente civilística, não obstante

constituam um direito social, ao realizarmos a interpretação dessa vertente civilística,

despatrimonializando o Direito Civil, superando o individualismo, certamente teremos

uma interpretação social.

Assim, não nos resta dúvida alguma de que as ações regressivas acidentárias

podem ser interpretadas de maneira social, ainda que contenham instituto e

responsabilidade civil, pois a interpretação do Direito Civil deve ser social.

Mas de que maneira poderíamos despatrimonializar o instituto das ações

regressivas, uma vez que o seu conteúdo é estritamente patrimonial, considerando

que busca ressarcir as despesas da Previdência Social com o pagamento de

benefício cuja causa é a negligência do empregador?

Certamente, a despatrimonialização virá com o reconhecimento de que

existem riscos imprevisíveis e de que, ainda que o empregador seja diligente, talvez

não conheça a possibilidade de ocorrência de novos riscos. Virá também com o

reconhecimento de que ressarcir os cofres da Previdência Social com dinheiro, com

certeza, não atenuará a ocorrência de acidentes do trabalho, não produzindo o efeito

pedagógico esperado, mas a pena não pecuniária, convertida em obrigação de

fazer, ou seja, adotar as medidas de saúde e segurança laboral para evitar que

outros empregados sejam vítimas de tais eventos, trata-se de mais uma maneira de

despatrimonializar o Direito Civil.

Diante disso, questionamos: a Previdência Social, não sendo ressarcida em

dinheiro, suportará o déficit? Seguramente, pois a adoção de medidas de saúde e

segurança do trabalho, na prevenção de riscos ocupacionais, trará maior proteção

aos trabalhadores e assegurará, sobretudo, a dignidade desses indivíduos, com a

garantia de um meio ambiente laboral saudável e salubre, e, certamente, com

empregados satisfeitos em seus postos de trabalho, haverá a diminuição do

desemprego e o consequente aumento na arrecadação.

Maximiliano destaca que “não há ciência isolada e integral; nenhuma pode ser

manejada com mestria pelo que ignora todas as outras. Quando falham os

elementos fisiológicos e os jurídicos, e força recorrer aos filosóficos e aos históricos,

às ciências morais e políticas”.157

157

Hermenêutica e aplicação do direito. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1979, p. 196.

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125

Ante as palavras de Maximiliano, concluímos pela interdisciplinaridade das

Ciências na interpretação da norma jurídica. A interpretação social de um Direito

Social parece-nos demasiadamente comum, mas a interpretação social de um

Direito Civil atende aos anseios de uma sociedade hipermoderna, que conhece a

necessidade de um Direito mais fraterno.

É necessário comentar, ainda, a questão atinente à socialização do Direito, na

qual, sob a ótica da responsabilidade civil, trazida por Afranio Lyra,

[...] se examina a conduta do agente e só importa saber se o interesse social exige a reparação, [trata-se de] doutrina inaceitável porque o direito é feito para os indivíduos e não para a sociedade. Não há necessidade sem indivíduos e o indivíduo é o centro do direito, de modo que no problema da responsabilidade só deve ser encarada a conduta dos indivíduos.

158

A posição do referido autor revela-se, a nosso ver, como um contraponto de

tudo o que pesquisamos até o presente momento, visto que há, sim, de se perder a

posição individualista em reparar o prejuízo da vítima e voltar os olhos para toda a

sociedade, evitando que não ocorram novamente prejuízos com as demais pessoas

da comunidade.

Encontramos na função social da norma jurídica aqui em estudo, as ações

regressivas, a resposta para o questionamento desta subseção. A função social

[...] deve entender-se como os “efeitos” sociais de um instituto jurídico sobre a sociedade como um todo. Se relacionarmos todos os efeitos específicos de uma instituição jurídica sobre a sociedade como um todo, as funções individuais parciais fundem-se numa única função social. A finalidade explícita das normas, isto é, efeito para o qual são criadas, pode sofrer várias espécies de distorção: uma é a manipulação ou mentira, pura e simples, o que não é objeto de indagação de RENNER. A outra é a sua alteração por fatores extrajurídicos, mais especificamente econômicos.

159

Com efeito, as ações regressivas trazem efeitos sociais quando aplicadas, no

entanto, aparentemente, a finalidade explícita dessa norma corresponde à

recuperação dos valores despendidos pela Previdência Social com o pagamento de

benefício previdenciário concedido em decorrência de negligência do empregador,

conforme dispõe o artigo 120 da Lei nº 8.213/91. Contudo, quando empregamos

essa interpretação exclusivamente econômica, há verdadeira distorção da norma, já 158

Responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Livraria Jurid Vellenich, 1979, p. 87. 159

LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito e transformação social: ensaio interdisciplinar das mudanças no direito. Belo Horizonte: Nova Alvorada, 1997, p. 137.

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126

que a sua finalidade principal é a de política pública, ou seja, de evitar que futuros

acidentes do trabalho ocorram por negligência do empregador, de modo que, após

ser condenado, este passe a adotar todas as medidas de saúde e segurança no

meio ambiente do trabalho.

Nesse diapasão, Maria Helena Diniz esclarece que,

Ante a concepção atual de positivação, o direito positivo não é produzido pelo órgão legiferante; este apenas escolhe uma possibilidade de regulamentação do comportamento em detrimento de outras. Com isto o problema central da ciência jurídica passou a ser a decidibilidade, e não a verdade. Dos enunciados científico-jurídicos, que compõem as teorias jurídicas, por terem natureza criptonormativa, decorrem consequências programáticas de decisões, pois devem prever que, com sua ajuda, os problemas sociais sejam solucionáveis sem perturbações.

160

Essa seria a preocupação central desta tese, ou seja, de que a interpretação

do artigo 120 da Lei nº 8.213/91 seja realizada com a maior técnica jurídica possível,

solucionando os problemas sociais, e não como está sendo interpretada pelo Poder

Judiciário, como instituto exclusivamente de responsabilidade civil que não tem

nenhuma vinculação com os direitos sociais.

José de Aguiar Dias, décadas atrás, já se encontrava atormentado com essa

problemática, a qual denominava método extremista:

Sustenta alguém que a pessoa humana é digna de respeito e seus adversários chamam que isso é individualismo ferrenho, que a sociedade é que importa etc. ... Em compensação quando se invocam os direitos da coletividade, não tarda o outro grupo em bradar, alarmado, que essa opinião representa desprezo da responsabilidade humana, com sua alma e seu inextinguível valor moral.

161

O mesmo ocorre nos dias atuais: quando valorizamos demais o

individualismo, nos vemos diante de um descaso da coletividade, e quando

valorizamos a coletividade, há o descaso do individualismo. No entanto, as ações

regressivas acidentárias impõem ambas as interpretações, com variáveis de

importância, pois se trata de norma de Direito Social com fundamentação de

responsabilidade civil, e assim deve ser interpretada, pois se fosse norma de Direito

Civil, não estaria no artigo 120 da Lei nº 8.213/91.

160

Compêndio de introdução à ciência do direito. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 195. 161

Da responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Forense, 1944, p. 79.

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127

5.3 Seria uma interpretação de Direito Privado no Direito Público?

O tema desta subseção está em forma de questionamento, porque a grande

dúvida na interpretação das ações regressivas não reside em aplicar a

responsabilidade civil nos casos de negligência do empregador na adoção de

medidas de saúde e segurança no meio ambiente laboral. A questão é que uma

norma de Direito Social (Direito Público) traz como fundamento a responsabilidade

civil (Direito Privado) e, na aplicação, os Tribunais estão fundamentando suas

decisões exclusivamente no âmbito do Direito Privado, olvidando-se de que se trata

de uma norma de Direito Público.

Todavia, quando pensamos na funcionalização do Direito Privado, que se

sobrepõe à perspectiva estrutural do Direito Privado, entendemos que os institutos

jurídicos são sempre analisados como instrumentos para a consecução de

finalidades úteis e justas.

Ao supor-se que um determinado instituto jurídico esteja funcionalizado, atribui-se a ele determinada finalidade a ser cumprida, restando estabelecido pela ordem jurídica que há uma relação de dependência entre o reconhecimento jurídico do instituto e o cumprimento da função.

162

Pablo Renteria destaca que,

Com isso, surgem no ordenamento diversos mecanismos que efetuam o controle dos atos jurídicos perante as finalidades do sistema. Essa finalidade social é inerente a qualquer situação jurídica subjetiva, mesmo àquela que não exiba nenhuma relevância social, ou seja, que não tenha aparentemente nenhum impacto sobre interesses coletivos ou difusos. Assim, mesmo na relação contratual que contraponha tão simplesmente interesses individuais patrimoniais, há uma finalidade social inerente que informa a tutela deferida pelo ordenamento.

163

Quando pensamos na finalidade social da responsabilidade civil nas ações

regressivas, a interpretação do Direito Privado em uma norma de Direito Público soa

natural.

162

RENTERIA, Pablo. Considerações acerca do atual debate sobre o princípio da função social do contrato. In: MORAES, Maria Celina Bodin de (coord.). Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 294.

163 Idem, ibidem, p. 294-295.

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128

Ainda nesse contexto, com a funcionalização do Direito, Claus-Wilhelm

Canaris ressalta que “os sujeitos de direito privado se encontram, eles próprios,

vinculados aos diretos fundamentais”.164

Para fundamentar a assertiva, Canaris explica que a compreensão é muito

simples e se faz por meio de três indagações:

Figura 7 – Indagações sobre os direitos fundamentais.

Fonte: Elaborado pela autora, com base em Canaris.165

Diante da ausência de respostas capazes de justificar a inaplicabilidade dos

direitos fundamentais aos sujeitos de Direito Privado, nosso posicionamento

corresponde ao entendimento de Canaris, de que “os direitos fundamentais devem

ser aplicados a leis de direito privado como direito imediatamente vigente”.166

Aliás, parece-nos que o preâmbulo de nossa Constituição é claro ao

estabelecer seu objetivo, que consiste em instituir um Estado Democrático,

destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a

segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores

supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na

164

Direitos fundamentais e direito privado. 3. reimp. Trad. Ingo Wolfgang Sarlet e Paulo Mota Pinto. Coimbra: Almedina, 2003, p. 52.

165 Ibidem, p. 52.

166 Ibidem, p. 129.

• Quem é destinatário dos direitos fundamentais – apenas o Estado e os seus órgãos, ou também os sujeitos de Direito Privado?

Primeira

• O objeto de controle, segundo os direitos fundamentais, é o comportamento de quem – o comportamento de um órgão do Estado, ou de um sujeito de Direito Privado?

Segunda

• Em que função são aplicados os direitos fundamentais – como proibições de intervenção, ou como imperativos de tutela?

Terceira

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129

harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução

pacífica das controvérsias.

No seu artigo 1º, a Constituição Federal estabelece como fundamentos a

dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre-iniciativa, e,

como objetivos fundamentais, construir uma sociedade livre, justa e solidária,

garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e

reduzir as desigualdades sociais e regionais.

Posicionamo-nos no sentido de que os direitos fundamentais possuem

aplicação imediata ao Direito Privado. Isso porque, como explica Canaris,

A função dos direitos fundamentais de imperativo de tutela carece, em princípio, para a realização, da transposição pelo direito infraconstitucional. Este não fica, porém, de tal circunstância, em princípio subtraído à disposição do legislador ordinário, pois é apenas na sua globalidade que tem de oferecer uma eficaz proteção dos direitos fundamentais, e os diversos regimes específicos não são, enquanto tais, determinados constitucionalmente. Ao legislador ordinário fica aqui aberta, em princípio, uma ampla margem de manobra entre as proibições da insuficiência e do excesso.

167

Outra forma de resolver a questão da interpretação de Direito Privado no

Direito Público seria por meio do pragmatismo jurídico, uma resposta capaz de

atender aos anseios dos operadores do Direito ao interpretarem o artigo 120 da Lei

nº 8.213/91.

Embora se assemelhe muito a um estilo de pensamento, não se tratando de

uma corrente, o pragmatismo

[...] está mais próximo de um comentário contínuo à cultura. O pragmatista não tem qualquer apego ao estilo que representa, sendo opinião comum de que a postura típica de um pragmatista não exige dele qualquer tipo de conhecimento prévio ou domínio teórico do instrumental crítico do pragmatismo filosófico.

168

O pragmatismo se apresenta com as seguintes características:

167

Direitos fundamentais e direito privado. 3. reimp. Trad. Ingo Wolfgang Sarlet e Paulo Mota Pinto. Coimbra: Almedina, 2003, p. 138.

168 KAUFMANN, Rodrigo de Oliveira. Direitos humanos, direito constitucional e neopragmatismo. São Paulo: Almedina, 2011, p. 85.

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130

Figura 8 – Características do pragmatismo.

Fonte: Elaborada pela autora.

O antifundacionismo nos leva à noção de que a filosofia não deve ser

interpretada como um exercício de formulação de uma representação do mundo.

O consequencialismo, por sua vez, é o olhar do pragmatista para o futuro. “O

pragmatista foca sua preocupação, portanto, para a frente, para o futuro, e dá valor

apenas relativo ao passado.”169

Já o contextualismo diz respeito às conclusões retiradas de análises

filosóficas. “Pauta-se na noção de „experiência‟, reservatório de dados e informações

que, concebidos individual ou coletivamente, estruturam as pré-compreensões e

preconceitos de cada pessoa.”170

Mas, afinal, a que corresponde o pragmatismo jurídico? O pragmatismo

jurídico corresponde a “resolver problemas jurídicos usando todos os instrumentos

que estão à mão, incluindo precedente, tradição, texto legal e política social, e

renunciando ao grande projeto de criar uma fundamentação teórica para o direito

constitucional”.171

Lembramos que, no caso das ações regressivas, não é preciso abandonar a

fundamentação teórica do Direito Constitucional, uma vez que nossa Constituição

estabelece como princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana e o valor

social do trabalho.

169

KAUFMANN, Rodrigo de Oliveira, Direitos humanos, direito constitucional e neopragmatismo. São Paulo: Almedina, 2011, p. 92.

170 Idem, ibidem, p. 101.

171 Idem, ibidem, p. 126.

PR

AG

MA

TIS

MO

Antifundacionismo

Consequencialismo

Contextualismo

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131

Rodrigo de Oliveira Kaufmann melhor esclarece o sentido do pragmatismo

jurídico, dizendo que não se trata

[...] propriamente [de] um conceito a ser identificado e esclarecido, mas [de] uma postura interpretativa do processo de decisão, da historicidade e pessoalidade dessa mesma hermenêutica, da limitação da racionalidade e teorização jurídica e dos próprios objetivos de utilidade e eficiência do Direito em relação aos casos concretos. Assim sendo, tudo que for crítica ao discurso de elogio e ciência do Direito ou das possibilidades racionais, teóricas e abstratas do pensamento jurídico traz em si um sentido fortemente pragmatista, mesmo que, para isso, não haja leitura do pensamento pragmatista ou conhecimento de seus mais ilustres autores.

172

Com o olhar pragmatista, sob a ótica do consequencialismo, na interpretação

das ações regressivas, o Direito e a lei devem olhar para o futuro, e, assim, nos

resta a seguinte indagação: se as ações regressivas, com nítido caráter repressor,

como já estudado em capítulo anterior, forem interpretadas somente na ótica do

Direito Civil, com objetivo meramente ressarcitório, atenderão ao escopo de política

pública para a redução dos riscos no meio ambiente do trabalho?

Parece-nos que esse método de interpretação pragmático resolve a questão

apresentada nesta subseção, mas continuaremos justificando o nosso

posicionamento, trazendo um pouco mais sobre o pragmatismo para a nossa tese.

Esse pragmatismo jurídico reforça as três características do pragmatismo,

como ilustrado na Figura 9:

Figura 9 – Características do pragmatismo reforçadas no pragmatismo jurídico.

Fonte: Elaborada pela autora.

172

KAUFMANN, Rodrigo de Oliveira, Direitos humanos, direito constitucional e neopragmatismo. São Paulo: Almedina, 2011, p. 127.

Consequencialismo

• O Direito e a norma sempre se voltam

para o futuro.

Contextualismo

• O ato de julgar, interpretar e legislar está condicionado

pelas circunstâncias

sociais, políticas, históricas e

econômicas.

Antifundacionismo

• O Direito não precisa descortinar

conceitos como verdade, realidade, natureza e justiça

para resolver problemas concretos.

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132

A necessidade de uma interpretação pragmática do artigo 120 da Lei nº

8.213/91 impõe essa reflexão. Ora, se mantivermos tudo como está, cada vez mais

a interpretação civilística das ações regressivas levará ao estiolamento dos direitos

sociais. A interpretação das ações regressivas, nos dias atuais, apresenta-se com

viés exclusivamente ressarcitório, com a conotação puramente econômica de

recompor os prejuízos da Previdência Social. E certamente esse não é o objetivo

principal da norma jurídica. Se assim fosse, a localização geográfica da norma não

seria a Lei nº 8.213/91, e sim o Código Civil.

A interpretação da ação regressiva exige mudança, uma vez que o ato de

julgar, interpretar e legislar está condicionado pelas circunstâncias sociais, políticas,

históricas e econômicas, e, em se tratando de ações regressivas, as circunstâncias

sociais e políticas implicam uma interpretação voltada ao Direito Público, ainda que

as circunstâncias econômicas estejam presentes.

Cabe notar que, a respeito do critério da utilidade, eficiência e funcionalidade

do pragmatismo, Kaufmann leciona que

[...] não traria qualquer benefício funcional, a simples alteração de uma jurisprudência pelo mero prazer em alterá-la; traria insegurança e desestabilizaria as expectativas com o ordenamento e com o Direito, além de ir contra uma determinada aceitação pública daquela decisão, um determinado consenso que já teria se formado de que aquela decisão trouxe tranquilidade.

173

Por meio do antifundacionismo, conseguimos afastar o academicismo ou o

eruditismo, ressaltando que a atividade do Direito serve para resolver problemas da

maneira mais democraticamente aceitável possível, ainda que isso traga incoerência

aos sistemas abstratos imaginados pelos teóricos. Seria o Direito livre de teoria e

vinculado ao drama do caso concreto. E não haveria, de forma alguma, insegurança

jurídica, visto que o método de interpretação do pragmatista vale-se de precedentes,

tradição, texto legal e política social.

Essa vinculação ao drama do caso concreto possibilitará ao julgador

sentenciar o processo de ação regressiva da maneira que melhor atenda aos

interesses da sociedade, como medida de evitar futuros acidentes do trabalho,

173

Direitos humanos, direito constitucional e neopragmatismo. São Paulo: Almedina, 2011, p. 134.

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133

criando um meio ambiente laboral seguro e salubre. As técnicas que o julgador irá

utilizar podem ser pena civil, obrigação de fazer, indenização pecuniária ou

corresponsabilidade do Poder Público, ou até mesmo as questões relacionadas à

função social da empresa. A resolução de todos os casos de ação regressiva com

indenização pecuniária parece-nos uma análise absolutamente patrimonial, que não

se coaduna com o próprio Código Civil, que é principiológico e atende à função

social do Direito.

Kaufmann enfrenta a questão da relação do Direito Público com o Direito

Privado, dizendo ser íntima, uma vez que

[...] conceitos fundamentais do direito constitucional, por exemplo, nasceram de institutos tradicionais do direito privado. Assim, “direitos fundamentais” é uma derivação, na teoria moderna do direito público, do conceito de “direito público subjetivo” – conceito criado por Jellinek em 1905, quando da publicação de seu sistema de direito público subjetivo – que, por sua vez, advém da velha noção de “direito subjetivo”.

174

Para resolver esse liame entre o Direito Público e o Direito Privado, nos

primeiros anos de vigência da Constituição Federal de 1988, o discurso valorativo e

principiológico do Direito Constitucional representou a evolução desse Direito, de

forma fechada e privatística, e, a partir de uma nova perspectiva constitucional,

houve a superação definitiva do olhar privatístico e positivista que imperava no

Direito Público.

Por esse motivo, entendemos que a interpretação das ações regressivas deve

ter o olhar do Direito Público, pois simplesmente interpretá-las de acordo com o

Direito Privado significa emprestar esse olhar exclusivamente privatístico e

positivista.

Kaufmann acrescenta que, “sob a perspectiva neopragmatista, esse talvez

seja o grande objetivo do Direito nos anos vindouros: construir consensos em

ambientes de interesse jurídico-político-ideológicos legítimos contrapostos”.175 Não

há uma única resposta correta para o pragmático, visto que o operador do Direito

resolve problemas político-jurídicos por meio de diálogo, da construção do consenso

e da pluralidade de informações e dados. E assim devem se pautar as ações

regressivas.

174

Direitos humanos, direito constitucional e neopragmatismo. São Paulo: Almedina, 2011, p. 149. 175

Ibidem, p. 384-385.

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134

Abandonando o velho discurso da racionalidade jurídica,

A jurisdição constitucional, hoje, tem ao seu dispor importantes instrumentos que possibilitam conhecer todos os ângulos de uma questão (especialmente os ângulos não jurídicos) para poder exercer a sua criatividade e imaginação com plenitude. Basta que esses instrumentos sejam utilizados pragmaticamente.

176

Sob a ótica do Direito Privado, também encontramos o liame com o Direito

Público, quando pensamos na constitucionalização do Direito Civil, de modo que o

arcabouço do Direito Civil está revestido de eticidade, socialidade e operabilidade.

Rosa Maria de Andrade Nery sustenta que “não se pode negar, por outro lado, que

essa mudança de critério valorativo, a par de ter sido fruto da evolução científica do

próprio direito privado, é também chancelada por nossa Constituição Federal”.177

Com base nas justificativas acima apresentadas (funcionalização do Direito,

eficácia horizontal dos direitos fundamentais, método pragmático e

constitucionalização do Direito Civil) e, sobretudo, na visão pragmatista da norma

jurídica contida no artigo 120 da Lei nº 8.213/91, entendemos que a interpretação do

dispositivo legal em tela deve ser social, a fim de compreender as expectativas

sociais, políticas e econômicas da norma.

Destacamos, em nossa conclusão, que o ressarcimento dos valores pagos

pela Previdência Social ao segurado em razão da negligência do empregador na

adoção de medidas de saúde e segurança no meio ambiente laboral, muitas vezes

de acordo com o caso concreto, colide diretamente com os direitos fundamentais,

assim como com o valor social do trabalho e da livre-iniciativa. Gerar desemprego a

centenas de trabalhadores para repor os cofres da Previdência Social não nos

parece de acordo com os ditames de nossa Constituição.

176

KAUFMANN, Rodrigo de Oliveira. Direitos humanos, direito constitucional e neopragmatismo. São Paulo: Almedina, 2011, p. 387.

177 Introdução ao pensamento jurídico e à teoria geral do direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 58-60.

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135

6 A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA COMO ARGUMENTO DE

ENFRAQUECIMENTO DAS AÇÕES REGRESSIVAS

Os incisos XXII e XXIII do artigo 5º da Constituição Federal garantem o direito

à propriedade e à sua função social, e são repetidos como princípios da ordem

econômica no artigo 170, incisos II e III, também da Carta Magna. Assim, devemos

entender que o legislador constituinte, ao inserir como direitos fundamentais a

propriedade privada e a sua função social, ofereceu-lhes caráter de princípio geral,

propagando-os por todo o ordenamento jurídico.

Nesse sentido, ensina José Afonso da Silva:

A instituição da função social da propriedade como princípio da ordem econômica fez desse princípio um instrumento para a realização da finalidade dessa instância do direito, qual seja, assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social.

178

A partir dessa leitura, concluímos, nas palavras de Pietro Perlingieri, “que a

produção, a empresa e seu incremento não representam os fins, mas os meios para

realizar interesses não alienáveis patrimonialmente”.179

Esses interesses não alienáveis patrimonialmente estão representados pela

aplicação da justiça social.

Diante desse arcabouço da função social, entendemos que a função social da

empresa engloba um conjunto de fenômenos indispensáveis para a coletividade,

assim como os reflexos das decisões empresariais para a sociedade e os direitos e

interesses que se situam em torno da empresa, os quais diferem em muito da

expectativa de lucro.

Sob a ótica das ações regressivas, torna-se importante traçar esse liame com

a função social da empresa, como mecanismo de realização de justiça social, uma

vez que é por meio dessa função social da empresa que empregados obtêm o

mínimo de dignidade, exercendo o seu labor para a realização de seu sustento.

E agora questionamos: todas as empresas são dotadas de função social?

Evidentemente que sim. Ainda que tenham somente um único empregado.

178

Curso de direito constitucional positivo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 790. 179

O direito civil na legalidade constitucional. Trad. Maria Cristina de Cicco. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 939.

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136

Destacamos, aqui, a existência de microempresas e empresas de pequeno

porte optantes do Simples Nacional, nos termos do artigo 1º da Lei Complementar nº

123/2006. A simplicidade na tributação não dispensa nenhuma empresa de pequeno

porte ou microempresa do cumprimento dos direitos trabalhistas, uma vez que o

artigo 50 da referida lei propõe a estimulação, por parte do Poder Público e dos

serviços sociais, a formar consórcios para serviços especializados em segurança e

medicina do trabalho, assim como o artigo 55 do mesmo diploma determina a

fiscalização das empresas de pequeno porte e microempresas nos aspectos

trabalhista, metrológico, sanitário, ambiental e de segurança, e regula, ainda, que,

no caso de atividades que impliquem riscos, existe a necessidade do afastamento

desse procedimento. Vejamos:

Art. 50. As microempresas e as empresas de pequeno porte serão estimuladas pelo poder público e pelos Serviços Sociais Autônomos a formar consórcios para acesso a serviços especializados em segurança e medicina do trabalho. Art. 55. A fiscalização, no que se refere aos aspectos trabalhista, metrológico, sanitário, ambiental, de segurança e de uso e ocupação do solo das microempresas e empresas de pequeno porte deverá ter natureza prioritariamente orientadora, quando a atividade ou situação, por sua natureza, comportar grau de risco compatível com esse procedimento. (Redação dada pela Lei Complementar nº 147, de 2014) § 1º Será observado o critério de dupla visita para lavratura de autos de infração, salvo quando for constatada infração por falta de registro de empregado ou anotação da Carteira de Trabalho e Previdência Social – CTPS, ou, ainda, na ocorrência de reincidência, fraude, resistência ou embaraço à fiscalização. § 2º (Vetado.) § 3º Os órgãos e entidades competentes definirão, em 12 (doze) meses, as atividades e situações cujo grau de risco seja considerado alto, as quais não se sujeitarão ao disposto neste artigo.

O artigo 3º da lei em questão dispõe sobre o conceito de empresa de

pequeno porte e de microempresa, e, dada a sua condição de vulnerabilidade em

relação às empresas em geral, ofereceu-lhes tratamento especial.

Álvaro Zocchio destaca que

se o dono da empresa for seu único dirigente, ele assume as obrigações que correspondem a todos os níveis numa empresa de porte maior. Por que não? Mesmo que delegue a um empregado parte dessas obrigações, ele continua

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137

sendo o único e verdadeiro responsável pelo cumprimento das obrigações prevencionistas na sua empresa.

180

No entanto, partimos do pressuposto de que o Direito não pode fechar os

olhos para a realidade, inclusive no âmbito das ações regressivas, vale notar que

nenhuma ressalva há em relação às empresas de pequeno porte e às

microempresas. Ora, com um simples exemplo, demonstraremos a impossibilidade

de condenação dessas empregadoras em ressarcir os cofres da Previdência Social.

Um segurado com 25 anos de idade passa a receber benefício previdenciário

decorrente de acidente do trabalho por invalidez no valor de R$ 1.000,00.

Certamente, a Previdência Social tentaria obter o ressarcimento do empregador

desse segurado, por meio de ação regressiva no valor aproximado de R$

625.000,00, valor esse que não se coaduna com a capacidade financeira das

empresas de pequeno porte, bem como com as microempresas, uma vez que, na

maioria das vezes, ultrapassa até mesmo o faturamento bruto anual dessas

corporações. Embora saibamos que a reparação está relacionada ao valor do dano

e não à capacidade econômica da empresa, é preciso um olhar mais atento para o

caso concreto na condenação dessas hipóteses de ação regressiva, um olhar de

solidariedade social enquanto direito humano, buscando uma solução fraterna para

o caso, conforme já citado na subseção 5.1, devendo, nas palavras de Ricardo

Sayeg e Wagner Balera:

1) considerar todas as partes envolvidas, tendo em mente que são pessoas humanas, revestidas de dignidade; 2) buscar perceber a aflição em que se encontram, diante do caso concreto; 3) ouvir, com atenção, a versão e as razões de cada uma delas; 4) colocar-se na situação em que elas se encontram; 5) interagir com elas; e 6) aplicar a decisão mais fraterna, que será a que satisfaça a dignidade de

todas as pessoas envolvidas, sendo misericordioso onde houver miséria.181

De que maneira resolveríamos a questão? Condenar essa empresa a

ressarcir a Previdência Social implicaria, sem dúvida, o encerramento das suas

atividades e a consequente demissão dos demais empregados, com a evidente

frustração dos direitos trabalhistas. Há de se cumprir o verdadeiro objetivo das

ações regressivas, oferecendo uma conotação pedagógica, ressaltando a sua

180

Como entender e cumprir as obrigações pertinentes a segurança e saúde no trabalho: um guia e um alerta para os agentes e chefia das empresas. 2. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 47. 181

O capitalismo humanista. Petrópolis: KBR, 2011, p. 127.

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138

política pública e, sobretudo, zelando pela tutela da saúde e da vida dos

trabalhadores, por meio do estímulo à observância das normas de saúde e

segurança laborais pelos mantenedores das condições ambientais de trabalho,

condenando essas empresas de pequeno porte, bem como microempresas, em

obrigação de fazer, ou seja, na adoção de medidas de proteção à saúde e

segurança do trabalhador no meio ambiente laboral, além de um ressarcimento

diferenciado, na medida de sua capacidade financeira, que deveria ser avaliada no

caso concreto, ante o vácuo legislativo.

Não se trata de deixar que a vertente econômica se sobreponha à vertente

social, mas de garantir condições de operabilidade à empresa, de modo que ela

possa continuar gerando empregos e satisfazendo os ditames de nossa

Constituição, garantindo a dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho e

da livre-iniciativa. Também não se trata de ignorar o prejuízo sofrido pela

Previdência Social diante da negligência do empregador na adoção de medidas de

saúde e segurança no meio ambiente do trabalho, mas de oferecer outra forma de

ressarcimento que mantenha a empresa em condições de operabilidade.

Aliás, a conotação econômica da ação regressiva deve ser deixada em

segundo plano, uma vez que o viés puramente ressarcitório é fruto de um

individualismo privatístico que já não faz parte da interpretação do Direito Privado.

Ricardo Sayeg e Wagner Balera afirmam que “a economia não deve ser

aceita como um instrumento de força que subjuga tudo e todos, transformando a

natureza do homem em super ou infra-humana”.182

Por essa razão, o viés de política pública, que objetiva reduzir o número de

acidentes do trabalho nas empresas, através da adoção de medidas de saúde e

segurança do trabalho, parece-nos muito mais apropriado para as empresas de

pequeno porte, bem como para as microempresas, pois a condenação que leva ao

fechamento de uma organização, por menor que seja, causa inúmeras demissões,

gerando o desemprego a um grande número de trabalhadores, e fere diretamente a

sua função social, já que “a exclusão econômica viola a dignidade da pessoa

humana e equivale à pena de banimento, embora o excluído não tenha cometido

qualquer crime”.183

182

O capitalismo humanista. Petrópolis: KBR, 2011, p. 135. 183

Ibidem, p. 178.

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139

Além disso, há a necessidade da criação de uma condenação diferenciada

para essas empresas, de acordo com sua capacidade financeira e, sobretudo, com

possibilidade de parcelamento.

Não se trata de uma análise econômica da autora desta tese. O Direito

realizou essa análise, quando colocou em vigor a Lei Complementar nº 123/2006,

trazendo um tratamento diferenciado às microempresas e empresas de pequeno

porte, e assim entendemos que deve ocorrer com a condenação em ações

regressivas.

6.1 A função decorrente do poder de fato da empresa

É verdade que existem empresas que possuem tanto poder econômico

quanto um estado inteiro da Federação. Não é raro encontrar municípios onde

grande parte da população ativa trabalha para uma mesma empresa. Exemplo a ser

citado é o Município de Ipatinga, em Minas Gerais, e a Companhia Siderúrgica

Usiminas184.

Diante disso, pode-se dizer que há empresas que conseguem fazer o Poder

Público curvar-se a elas em benefício de sua função social.

Algumas pessoas, sobretudo do ramo empresarial, entendem que a função

social da empresa é gerar lucro, mas não é só isso. Evidentemente, gerar lucros é

estimular o crescimento econômico daquela empresa e, por conseguinte, contratar

mais empregados, garantindo a eles todos os direitos trabalhistas, bem como

recolher mais impostos, beneficiando, assim, o Poder Público.

Existem municípios que oferecem isenção tributária a certas empresas que

neles se instalarem, somente para gerar empregos e aumentar a circulação de

riquezas. Outros municípios oferecem o terreno, o imóvel onde será sediada a

empresa e o acesso de transporte público para o local, só para ver uma grande

companhia gerando empregos em seu território. Garantir a geração de empregos faz

parte da função social do município e da empresa, por isso a união de esforços do

184

BRONZATTO, Thiago. Pânico em Ipatinga, com as dificuldades da Usiminas. Revista Exame, 17 jun. 2013. Disponível em: <http://exame.abril.com.br/revista-exame/panico-em-ipatinga/>. Acesso em: 28 jan. 2016.

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140

empresário e do ente público. Um exemplo disso é o Município de Itirapuã,185 que

criou uma Lei de Incentivo Fiscal, trazendo inúmeras empresas e gerando

empregos. Existem muitos outros municípios em nosso país que geram empregos

dessa maneira.

A geração de empregos enquanto desdobramento da função social da

empresa demonstra que esta possui um poder de fato, que não faz parte da

legislação, de tal sorte que um simples ato pode causar um estrépito para toda a

massa de trabalhadores.

Nesse aspecto, concluímos que, quando for o caso, deve haver a condenação

em ação regressiva. Contudo, no momento da fixação da indenização, o juiz poderá

considerar todos os aspectos que envolvem a função social da empresa e evitar

uma catástrofe, aplicando uma pena de obrigação de fazer, bem como uma

condenação diferenciada, com possibilidade de parcelamento, de acordo com a

capacidade econômica da empresa e, sobretudo, impedir a propagação dos

resultados dessa condenação, que atingiriam a função social da empresa.

Para evitar essa propagação de resultados maléficos à empregadora,

sugerimos, como já salientado linhas atrás, a conversão da condenação em

obrigação de fazer, de modo que a empresa possa adotar medidas de segurança

para evitar que o prejuízo venha a ocorrer com todos os outros empregados, bem

como uma condenação diferenciada, de acordo com a capacidade econômica da

empresa, com possibilidade de parcelamento, afinal, o que se pretende com as

ações regressivas não é somente reaver o prejuízo pecuniário, mas também garantir

um meio ambiente de trabalho saudável e salubre. Evidentemente, ante a ausência

de previsão legal, essa condenação diferenciada ficaria a cargo do julgador, que,

segundo Pedro Romano Martinez,186 “antes de pensar na razão da decisão, pensa

na solução, valendo-se dos princípios para fundamentar sua decisão”.

185 Lei de incentivo fiscal atrai empresas à Itirapuã. Diário da Franca, 29 jun. 2013. Disponível em:

<http://www.itirapua.sp.gov.br/attachments/article/66/prefeitura%20incentiva%20novas%20empresas.

pdf>. Acesso em: 28 jan. 2016. 186

Ativismo judiciário como limite à liberdade contratual (Conferência). Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – FDUSP, São Paulo, 7 out. 2016.

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141

6.2 Conteúdo e implicações da função social da empresa

Em razão do alto grau de abstração dos princípios constitucionais, eles são

aplicados em ilimitadas situações, de modo que só diante do caso concreto é que

teremos noção do seu exato alcance.

Buscando no próprio texto constitucional a função social, notamos que o

artigo 170 da Carta Magna declara que o fim da ordem econômica é assegurar a

todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social.

É importante esclarecer que a dignidade que se pretende assegurar não se

refere ao sujeito individual do empregador, mas à comunidade de trabalhadores,

colaboradores, que compõem a propriedade privada dos bens de produção.

A justiça social coloca em relação de reciprocidade o coletivo e o individual.

“Em uma sociedade desigual, a justiça social tem a função de superar essas

desigualdades, de buscar o equilíbrio.”187

A condução da empresa deve se realizar no sentido de propiciar a dignidade

coletiva, ou individual, uma vez que a empresa atua como agente da ordem

econômica. Nesse sentido, essa condução deve promover a distribuição de renda

como maneira de reduzir a desigualdade social.

Com razão, Carla Osmo sustenta que

A propriedade dos bens de produção, que, postos em dinamismo, constituem a empresa, apenas faz sentido se presente a viabilidade da produção de lucros. Se é este o objetivo da empresa, se é ele que lhe motiva a criação e a torna um investimento interessante, a imposição de uma função social que inviabilize a geração de riquezas tira a substância do direito.

188

Assim, destacamos que a função social da empresa não se trata do objetivo

geral desta, uma vez que o seu objetivo geral é o lucro. Na verdade, a função social

se apresenta como mero desdobramento do objetivo geral da empresa, e não pode

prevalecer quando inexiste o lucro.

Vale observar que as previsões contidas no artigo 170, incisos IV, V, VI e VIII,

da Constituição Federal tratam especificamente da livre concorrência, do

187

OSMO, Carla. Pela máxima efetividade da função social da empresa. In: NERY, Rosa Maria de Andrade (coord.). Função do direito privado no atual momento histórico. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006 p. 281.

188 Pela máxima efetividade da função social da empresa, p. 282-283.

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142

consumidor, do meio ambiente e do empregado, de modo que cada um desses

princípios conferem ao empregador regras para o cumprimento de sua função social,

estipulando deveres à empresa para garantir a plena efetividade da justiça social.

Entendemos que a função social da empresa também se apresenta como a

garantia de um meio ambiente laboral sadio e harmônico, contudo, não é apenas

condenando os empregadores a ressarcir os cofres públicos em razão da sua

negligência que teremos um ambiente laboral sadio e harmônico.

A indenização pecuniária da ação regressiva não garante um ambiente

laboral sadio e harmônico. Muito pelo contrário: na maioria das vezes, essa

condenação induz ao fechamento de filiais, gera centenas de desempregados,

motiva encerramento das atividades da empresa, ou causa mais negligência por

parte do empregador por ausência de condições financeiras para investir em saúde

e segurança no meio ambiente do trabalho.

Com efeito, apenas os quatro incisos acima citados, bem como dois artigos

do Código Civil, a saber, artigos 1.228, § 1º, e 1.239, tratam da função social da

propriedade, de modo que não há nenhuma menção a esse conteúdo para o Direito

Empresarial.

Cumpre considerar que a regra contida no artigo 421 do Código Civil vincula a

liberdade de contratar ao cumprimento de sua função social, no âmbito do contrato.

Aliás, todas as empresas se iniciam por meio de um ato constitutivo, que possui

natureza contratual. Portanto, a atividade da empresa deve observar a função social

do contrato.

No entanto, parece-nos demasiado descuido interpretar a função social do

contrato da mesma maneira que a função social da empresa, pois esta, quando não

observada, enseja as mais diversas catástrofes, ou seja, possui abrangência

ilimitada.

Sob a ótica das ações regressivas acidentárias, considerando que as

prestações são futuras e que o encerramento das atividades de uma empresa pode

resultar em prejuízo a toda a sociedade, destacamos a prática que vem sendo

adotada pelo INSS: a constituição de capital, fundamentada no artigo 533 do Código

de Processo Civil, com o objetivo de garantir a cobrança de eventual

inadimplemento futuro, por meio da indicação de imóveis, títulos de dívida pública,

aplicações financeiras em banco oficial, fiança bancária ou garantia real, gravame

esse que, consistindo na inalienabilidade e impenhorabilidade enquanto durar a

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143

obrigação do devedor, deverá ser mantido até o cancelamento da prestação social

implementada pelo INSS. Entretanto, a constituição de capital é devida quando a

indenização por ato ilícito incluir a prestação de alimentos, o que não é o caso das

ações regressivas.

Sob o prisma da função social, percebemos que imóveis, aplicações

financeiras e fiança bancária fazem parte do fluxo de caixa de uma empresa, de

modo que bloquear esses bens como constituição de capital implica bloquear o

crescimento ou o próprio funcionamento da empresa, uma vez que todas as

empresas dependem de crédito, e, encontrando-se o crédito todo comprometido

com a constituição de capital, ainda que indiretamente, ferida estará a sua função

social.

6.3 A efetividade do princípio da função social da empresa

A partir da noção de que o Direito é justo, equânime, solidário, filiamo-nos à

posição de que o ordenamento jurídico possui uma própria justificação social, que

não se exaure em seu conteúdo estritamente patrimonial, mas que ainda contribui

para melhorar a qualidade de vida.

Então, encontramos uma vertente da função social, que é um dos

desdobramentos do objetivo da empresa.

Com efeito, atribuir efetividade ao princípio da função social da empresa é,

sobretudo, garantir uma racionalidade econômica, humanizando o

empreendedorismo.189

Os princípios impõem a realização de um fim juridicamente relevante, embora

não estipulem as condutas necessárias à sua realização, e também exprimem

valores. Para a correta interpretação de um princípio, o exame do caso concreto se

impõe para que se conclua acerca dos efeitos de determinada conduta e a

realização do objetivo que ela exprime.

A partir do exame do caso concreto, o julgador, ao aplicar o princípio da

função social da empresa às ações regressivas, deve colocar em uma balança as

189

Jeremy Rifkin, em Sociedade com um custo marginal zero, que trata da economia colaborativa, destaca a existência das benefit coporations, empresas, com ou sem fins lucrativos, que, não obstante operem como capitalistas, colocam à frente de seus objetivos as suas obrigações sociais e ambientais. Tais empresas também são definidas como empreendedorismo social (cf. RIFKIN, Jeremy. Sociedade com um custo marginal zero. São Paulo: M. Books, 2015).

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144

questões atinentes à função social, à responsabilidade civil, à política pública de

prevenção de acidentes do trabalho e ao ressarcimento dos cofres da Previdência.

Figura 10 – Princípio da função social da empresa aplicado às ações regressivas.

Fonte: Elaborada pela autora.

Trata-se de uma engrenagem lógica, que a Constituição Federal traz para a

base de todo o nosso ordenamento jurídico, e a sua análise mostra-se relativamente

simples, uma vez que, com a aplicação do artigo 5º da Lei de Introdução às Normas

do Direito Brasileiro, o qual dispõe que, na aplicação da lei, o juiz deve atender aos

fins sociais a que ela se dirige, parece-nos que as questões patrimoniais, assim

como a responsabilidade civil e o ressarcimento dos cofres do INSS, passam a

figurar em segundo plano diante da função social da empresa e da política pública

de prevenção de acidentes do trabalho.

Retirando o conteúdo estritamente patrimonial, e oferecendo interpretação

destinada ao fim social, viabilizamos a efetividade do princípio da função social da

empresa.

Diante do caso concreto, para dar efetividade ao referido princípio, o juiz se

utiliza de elementos que estão fora do sistema jurídico, mas que integram e

Política pública de prevenção de

acidentes do trabalho e ressarcimento dos

cofres do INSS

Responsabilidade civil

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145

fundamentam a sua decisão, em um exercício valorativo, delimitando quais efeitos a

norma produzirá na situação real.

Na análise da relação do princípio da função social da empresa com os

demais princípios constitucionais, encontraremos os princípios que mutuamente se

reforçam, os princípios que apontam para lados opostos e os princípios que estão

parcialmente interferindo uns nos outros. Na medida em que, na análise do caso

concreto, o juiz encontrar essa inter-relação, ficará seguro na aplicação da função

social da empresa. Como exemplos, poderíamos trazer o valor social do trabalho e a

livre-iniciativa, bem como a dignidade da pessoa humana, juntamente com a função

social da empresa, nesses casos em que a empresa não está em condições

financeiras de arcar com uma condenação em ação regressiva.

Outra maneira de efetividade do princípio da função social da empresa se dá

com o magistrado analisando as decisões judiciais anteriores para casos

semelhantes, observando os fatos e valores que levaram àquela decisão. Cabe

notar que não se trata de vinculação do juiz a uma jurisprudência, mas de

instrumento para que ele atinja a resposta adequada para aquele caso concreto.

Não se trata de conivência com as doenças ou a morte de trabalhadores em

acidentes do trabalho, mas de demonstrar que reparar um prejuízo pequeno, que

poderia ter sido evitado, se houvesse fiscalização intensa, pode se transformar em

dano desmesurado.

Só para ilustrar, ainda que se possa ter uma ideia de impunidade quando se

converte a indenização pecuniária em obrigação de fazer, ou em indenização

diferenciada, de acordo com a capacidade econômica da empresa, e possibilidade

de parcelamento, não há, de fato, impunidade. Pelo contrário, há a garantia do

emprego dos demais empregados e a certeza de que os empregados que não

sofreram acidente e continuam trabalhando terão um ambiente de trabalho seguro e

sadio.

Considerando que o nosso Estado avoca para si deveres como saúde,

segurança, educação etc., ele se apresenta como social, paternalista e

intervencionista. Nesse contexto, o Estado Social não pressupõe a igualdade entre

os homens, buscando-a por meio da intervenção na ordem econômica e social para

ajudar os menos favorecidos.

Canaris, com maestria, considera que os direitos fundamentais e a proibição

do excesso valem imediatamente para as normas de Direito Privado, e então

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146

arremata que uma indenização em determinadas circunstâncias pode ser

inconstitucional se arrastar o lesante para a ruína econômica. Vejamos:

Em primeiro lugar, consideremos mais uma vez a tese de que os direitos fundamentais e a proibição do excesso valem imediatamente para as normas de direito privado. Daqui retirei, em tempos, a consequência de que uma obrigação de indemnização pode, em determinadas circunstâncias, ser inconstitucional, se arrastar o lesante para a ruína econômica.

190

Giselda Hironaka, por seu turno, propõe o caráter bipolar da responsabilidade

civil:

A responsabilidade civil deve ser depurada da absoluta patrimonialidade que a doutrina por longo tempo lhe conferiu, como instrumento de tutela da propriedade. Há um componente tipológico da responsabilidade, no senso de que ela responde a uma necessidade de tutela diferenciada. Vale dizer, a responsabilidade não apenas como garantia de recomposição patrimonial do lesado pela técnica compensatória na lógica da troca, mas também como exigência garantista em face de comportamentos reprováveis do lesante. Para que se assuma esta visa mais aberta do tema, requer-se uma revalorização do papel da culpa, agora em novas bases, não mais excludente, porém includente. Ao invés do monopólio da técnica da tutela pelo equivalente pecuniário, o sistema deve pôr em evidência remédios dissuasivos, aptos a prevenir hipótese de futuros danos, ou remédios que sancionam ilícitos de forma penalizante, exitosos na obra de prevenção. Daí se cogitar de um caráter bipolar do sistema de responsabilidade civil, por atender a finalidades diversas.

191

Essa sugestão de Giselda Hironaka, trazendo uma exigência garantista em

face de comportamentos reprováveis do lesante, implica prevenir futuros danos, e é

esse um dos objetivos da ação regressiva enquanto política pública. Não se trata de

não condenar, ou de condenar sem enxergar a catástrofe que essa condenação

criará. Trata-se de condenar, por meio de obrigação de fazer, para que empresa

passe a tomar as medidas de saúde e segurança no meio ambiente do trabalho,

bem como por meio de uma indenização diferenciada, de acordo com a capacidade

financeira da empresa, com possibilidade de parcelamento atendendo à sua função

social.

190

Direitos fundamentais e direito privado. 3. reimp. Trad. Ingo Wolfgang Sarlet e Paulo Mota Pinto. Coimbra: Almedina, 2003, p. 75-76.

191 Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 88.

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147

É importante acrescentar que, embora o principal responsável por essa

efetividade da função social da empresa seja o juiz, há um responsável paralelo, que

também pode contribuir em muito para a plena efetividade desse princípio, qual seja

o INSS, por intermédio de procuradores federais, responsáveis pelo ajuizamento de

ações regressivas, os quais podem e devem avaliar o impacto que eventual

condenação traria para determinada empresa diante do caso concreto e de que

maneira eventual condenação poderia respingar na sua função social.

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CONCLUSÃO

Este estudo buscou, no instituto jurídico da ação regressiva, todas as

respostas que entrelaçam o Direito Privado com o Direito Público nesse campo, bem

como destacou as nuanças da responsabilidade civil que constituem vertente desse

instituto, e a conotação de Direito Social de que se revestem as ações regressivas.

Com fundamento eminentemente civil, apesar de estar disposta em uma

norma de Direito Social, tal instituto jurídico revela incoerências na interpretação que

vem sendo ofertada pelos operadores do Direito, as quais mereciam detida análise.

Há verdadeiro esfacelamento dos direitos sociais na interpretação que vem

sendo dada às ações regressivas, especialmente por haver exegese estritamente

pecuniária, ou seja, de conteúdo meramente patrimonial, e, nesta pesquisa,

demonstramos que nem mesmo o Direito Privado tem essa conotação estritamente

patrimonial, que dirá uma norma atrelada ao Direito Social, como as ações

regressivas.

Chamamos a atenção para o fato de estar-se interpretando o artigo 120 da

Lei nº 8.213/91 de maneira extensiva, e aplicando a responsabilidade civil

indiscriminadamente no âmbito do Direito Social, de modo que, qualquer dia, iremos

nos deparar com um caso de ação regressiva por culpa exclusiva do segurado,

afinal, as ações regressivas ajuizadas por qualquer tipo de crime doloso, acidentes

de trânsito, casos de violência contra a mulher, consideradas novas, não possuem

embasamento na Lei nº 8.213/91 e tão somente no Código Civil, que não se aplica

às ações regressivas, por absoluta antinomia normativa.

A função das ações regressivas engloba a ressarcitória e a de política pública

objetivando a prevenção de acidentes do trabalho, ambas com natureza pedagógica.

Contudo, percebemos que só a função ressarcitória tem sido objeto de análise na

interpretação, e, sem conhecer a natureza de política pública, certamente os

julgadores e operadores do Direito não encontrarão o viés de Direito Social das

ações regressivas.

Por esse motivo, operadores do Direito estão ajuizando ações regressivas

novas que não possuem a função de política pública e tão somente a função

ressarcitória, pois advêm do Código Civil, já que a Lei nº 8.213/91 é omissa quanto à

possibilidade de ajuizamento das novas ações regressivas. O que certamente é

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equivocado, uma vez que o Código Civil não se aplica às ações regressivas novas,

por absoluta antinomia normativa.

No caso das ARAs estão presentes as funções de ressarcimento e política

pública, uma vez que a realização dos direitos fundamentais se dá por meio de

políticas públicas, o Estado se utiliza desse instrumento para atender às mais

diversas demandas sociais, inclusive buscando coibir os acidentes do trabalho.

Por essas razões, entendemos pelo não cabimento das ações novas, que não

possuem essa função de política pública, bem como ante a antinomia revelada.

Trouxemos, no presente estudo, conceitos de acidente do trabalho e as

formas de responsabilidade do empregador, com a finalidade de aclarar o sentido da

norma jurídica em apreço, destacando a participação do GIIL-RAT e do FAP (Fator

Acidentário de Prevenção) como mecanismos estatísticos de controle de acidentes

do trabalho, os quais, na maioria das vezes, se mostram falhos, razão pela qual é

impossível confiar apenas nesses institutos, por estarem embasados em estatísticas

sem dados confiáveis.

Na tentativa de esgotar todos os argumentos de responsabilidade civil no

âmbito das ações regressivas, tratamos da função da responsabilidade civil nas

ações regressivas, demonstrando a função ressarcitória e de política pública, e

então iniciamos um estudo a partir da modalidade da responsabilidade, que é

culposa no âmbito das ações regressivas, delineando de que maneira a culpa do

empregador acontece, diante de seu dever de cuidado, previsão e previsibilidade.

Pois, considerando que a Lei dispõe sobre a necessidade de negligência do

empregador na adoção de medidas de saúde e segurança do trabalho,

evidentemente estamos diante da responsabilidade subjetiva.

A culpa in vigilando, diante da omissão do Poder Público na fiscalização das

empresas, trata-se de importante mecanismo de corresponsabilidade, que deve ser

avaliado e utilizado no caso concreto para a redução das condenações em ação

regressiva, pois, na maioria das vezes, o Poder Público é omisso em seu dever legal

de fiscalizar, ainda que instado a fiscalizar, e, por esse motivo, deve dividir a

responsabilidade pelo infortúnio, respondendo por sua negligência na fiscalização.

Diferenciamos o seguro privado do seguro social, embora esse não fosse o

escopo da pesquisa, mas pareceu-nos necessário, ante as ilimitadas confusões que

são feitas na interpretação do instituto das ações regressivas. Assim, chamamos a

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atenção para a existência de um seguro social no fundo do sistema que introduziu a

norma das ações regressivas.

Empregamos certa dose de audácia na interpretação da norma contida no

artigo 120 da Lei nº 8.213/91, ao estabelecer as nuanças civis da sua intepretação e

as nuanças de Direito Social, concluindo que a exegese deve ser social, até mesmo

porque o Direito Privado merece uma interpretação social. Afinal, por qual razão

ater-se ao aspecto pecuniário da norma, se essa vertente não está presente nem

mesmo no Direito Privado, pois este se encontra adstrito à função social do direito.

Outro aspecto por nós trazido nesta pesquisa diz respeito ao princípio da

função social da empresa como instrumento de enfraquecimento das ações

regressivas, em especial às microempresas e empresas de pequeno porte, que, sem

dúvida, são empresas com capital social reduzido, um menor número de

empregados e merecem um olhar diferenciado nas condenações em ações

regressivas, já que são vulneráveis em relação às demais empresas, não com o

intuito de ignorar os malefícios que a empresa causou a determinado empregado,

bem como aos cofres da Previdência Social, mas, sobretudo, a fim de garantir o

emprego aos demais empregados da empresa. Entendemos ser conveniente uma

análise dos princípios por parte do julgador, com a condenação em obrigação de

fazer, bem como uma indenização diferenciada, ou seja, de acordo com a

capacidade econômica da empresa e com possibilidade de parcelamento até que o

Poder Legislativo se manifeste trazendo uma solução mais justa.

Por conseguinte, concluímos que a Previdência Social, ao ajuizar uma ação

regressiva, não deve se comportar como uma empresa privada, que busca tão

somente ressarcir seus cofres. A Previdência Social deve buscar a ética como forma

de não relegar a dignidade das pessoas a simples valor de troca, expondo os

demais empregados vulneráveis à marginalidade e à miséria. É possível realizar

essa análise antes mesmo do ajuizamento da ação regressiva.

Não se admite por parte da Previdência Social a mercantilização das relações

sociais. Ela deve assumir o papel de organizar as relações sociais com gestos de

solidariedade.

Diante dessa opinião aqui expressada, concluímos que a ação regressiva

acidentária não possui apenas natureza pecuniária. Tal natureza pecuniária é

secundária, diante dos valores sociais que realmente são perseguidos, não só pelas

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ações regressivas, mas também por todos os dispositivos de nossa Constituição

Federal.

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ANEXO A – Portaria Conjunta PGF/INSS nº 06, de 18 de janeiro de 2013

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