Aconselhamento Cristão_Gary R. Collins

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ACONSELHAMENTO CRISTÃO - - « . « EDIÇÃO SÉCULO 21L VIDA NOVA ____ J r, Gary R.

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ACONSELHAMENTOCRISTO .

EDIO S CULO 21L

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VIDA NOVA

rGary R. ,

ACONSELHAMENTO CRISTOEDIO SCULO 21

Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP) (Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Collins, Gary R. Aconselhamento cristo : edio sculo 21 / Gary R. Collins ; traduo Luclia Marques Pereira da Silva. So Paulo : Vida Nova, 2004. Ttulo original : Christian counseling : a comprehensive guide. Bibliografia. ISBN 978-85-275-0319-8 1. Aconselhamento pastoral I. Ttulo.

04-4926______________________________________ CDD - 253.52 n d ice s p ara catlo g o sistem tico: 1. Aconselhamento pastoral : Cristianismo 253.52

ACONSELHAMENTO CRISTOEDIO SCULO 21 Gary R. Collins

Traduo Luclia Marques Pereira da Silva

V ID A

N O V A

C o p yrigh t 1988 de G ary R. Collins Ttulo do original: C h ristia n C o u n selin g : A C o m p reh en siv e G uide, r e v is e d ed itio n Traduzido da edio publicada por W P ub lishing Group, u m a diviso de Thomas Nelson, Inc., de N ashville, TN, EUA.I a. edio: 2004 Reim presses: 2006, 2008 I a edio revisada: 2011 (acordo ortogrfico) Publicado no B rasil com a devida autorizao e com todos os direitos reservados p ara a ln g u a portuguesa p araS o c ie d a d e R e l i g i o s a E d i e s V id a N o v a ,

C aixa Postal 21266, So Paulo-SP 04602-970 www.vidanova.com.br P roibida a reproduo por quaisquer m eios (m ecnicos, eletrnicos, xerogrficos, fotogrficos, gravao, estocagem em banco de dados, etc.), a no ser em citaes breves, com indicao de fonte.

P rin te d in B razil / Impresso no B rasilISBN 978-85-275-0319-8C Ro o r d e n a o e d it o r ia l o b in so n

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C apa M ag n o P a g a n e lli Im p r e s s o Im p re n sa d a F

Em memria de meu pai Harold A. Bus Collins1 9 1 0 -8 7

SumrioPrefcio edio sculo 2 1 ..................................................................................... 9 Como usar este livro ................................................................................................ 11

PARTE 1 - QUESTES INTRODUTRIASCaptulo Captulo Captulo Captulo Captulo 1 2 3 4 5 A igreja e o aconselhamento........................................................ O conselheiro e o aconselhamento........................................... Aspectos centrais do aconselhamento....................................... A comunidade e o aconselhamento.......................................... As crises no aconselhamento...................................................... 15 27 43 58 74

PARTE 2 - QUESTES PESSOAISCaptulo Captulo Captulo Captulo Captulo 6 7 8 9 10 Ansiedade.......................................................................................... 89 Solido.................................................................................................106 Depresso............................................................................................121 Ira..........................................................................................................139 C ulpa................................................................................................... 157

PARTE 3 - QUESTES LIGADAS AO DESENVOLVIMENTOCaptulo Captulo Captulo Captulo Captulo 11 12 13 14 15 Criao de filhos e orientao de pais .......................................175 Adolescncia..................................................................................... 194 O incio da idade adulta................................................................ 213 A m eia-idade..................................................................................... 231 A velh ice............................................................................................247

PARTE 4 - QUESTES INTERPESSOAISRelaes interpessoais...................................................... Sexo fora do casamento................................................. Sexo no casamento.......................................................... Homossexualismo........................................................... Violncia e abuso............................................................ 269 289 309 326 346

PARTE 5 - QUESTES DE IDENTIDADEInferioridade e autoestima............................................ Enfermidades fsicas....................................................... A dor da perda................................................................. Os solteiros........................................................................ A escolha do cnjuge..................................................... 371 387 406 427 443

PARTE 6 - QUESTES DE FA M LIAAconselhamento pr-nupcial........................................ Problemas conjugais ...................................................... Problemas relacionados com a gravidez................... Problemas de fam lia...................................................... Divrcio e novo casamento.......................................... 459 475 494 512 529

PARTE 7 - OUTRAS QUESTESTranstornos mentais e comportamentais................. Alcoolismo......................................................................... Vcios e com pulses....................................................... Aconselhamento financeiro.......................................... Aconselhamento vocacional......................................... ,551 ,573 .596 .619 .635

PARTE 8 - QUESTES FINAISQuestes espirituais......................................................... Outros problem as........................................................... Quando o conselheiro precisa de aconselhamento .657 .678 .696

ACONSELHAMENTO CRISTO - EDIO SCULO 21

Prefcio edio sculo 21Q? . . . ^ rta vez um escritor experiente me disse que escrever um livro era mais fcil do que revis-lo. Por mais de um ano, passei centenas de horas, sentado em frente a um processador de texto, revisando a prim eira edio deste livro, reescrevendo frases, atualizando informaes, acrescentando captulos, eliminando redundncias, conferindo referncias bblicas e reavaliando o que escrevi anteriormente. Tive que enfrentar de novo a disciplina, as longas horas de solido e o risco de expressar ideias no papel, onde todos podem ler, criticar e (quem sabe?) at aplaudir. Descobri que meu amigo tinha razo: mais fcil, e muito mais divertido, escrever um livro do que fazer uma reviso. No entanto, tenho que reconhecer que o processo de reviso foi estimulante. Tive a oportunidade de esclarecer algumas coisas que ficaram meio obscuras na primeira edio, tratar de algumas questes levantadas pelos revisores do primeiro livro e acrescentar sugestes feitas por alunos. Meus colegas da Word enviaram um questionrio a milhares de leitores da primeira edio, e os que responderam fizeram vrias sugestes interessantes, muitas das quais foram includas nesta verso revisada. Cartas de vrias partes do mundo chamaram a minha ateno para questes transculturais, e alguns aconselhandos tambm escreveram dando sua opinio sobre os tpicos abordados. Assim como fiz na primeira edio, procurei resumir nestas pginas muito do que se conhece sobre a metodologia do aconselhamento e sobre os principais problemas que as pessoas enfrentam hoje em dia. O objetivo deste livro ser um instrumento til para pastores e outros conselheiros cristos, servir como guia de estudo para auxiliares leigos e ser usado como livrotexto em seminrios e faculdades. Em tudo o que escrevi, procurei me manter fiel aos ensinamentos da Bblia e ser sensvel aos resultados das muitas pesquisas que esto sendo realizadas no campo do aconselhamento e da psicopatologia clnica. Esta nova edio: uma reviso completa do livro anterior, que foi totalmente reescrito. Inclui histrias de casos que ilustram os problemas discutidos. Tem novos captulos sobre aconselhamento comunitrio, incio da idade adulta, violncia (inclusive violncia domstica), gravidez, doena mental, vcios e aconselhamento do prprio conselheiro. Discute tpicos que esto surgindo com fora, como transtornos alimentares, maus tratos contra idosos, amargura da alma e aconselhamento de pessoas com AIDS.

Procura transm itir as informaes de m aneira clara, de fcil leitu ra e relativamente livre de termos do jargo tcnico, psicolgico ou teolgico. Um projeto desta envergadura no se faz sem a ajuda de muitas pessoas extraordinrias. Algumas delas me ajudaram na primeira edio e depois foram trabalhar em outros lugares, mas eu ainda tenho uma dvida de gratido pela ajuda inicial de pessoas como Lawrence Tornquist, James Beesley, Charles Romig, Marlene Terbush, Kathy Croop, Marylin Secor, Lenore Scherrer, Sharon Regan, Nancy Fister e Laura Beth Norton. Na verso revisada, contei com o auxlio de Steve Brown, Paul Lightner, Scott Thelander, Srgio Mijangos, Ted Grove, Jim Thomas, Bill Secor, Tom Jensen, Kiel Cooper, Ron Hawkins, Sylvia Bacon e Pam Lunde, assim como de vrias pessoas da editora Word Books, entre as quais Ernie Owen, Joey Paul, Laura Kendail, Ed Curtis, Carey Moore, Nancy Rivers e Ed Stanley. Na Inglaterra, Nel Halsey e seus colaboradores trabalharam na adaptao do livro para uma edio voltada para a comunidade britnica, e eu agradeo a todos aqueles que se empenharam para que a primeira edio estivesse disponvel em coreano e portugus. Como resultado dessas edies estrangeiras, tive novas ideias, que incorporei reviso. Mais uma vez, a diretoria da Trinity Evangelical Divinity School, meus colegas do departamento de psicologia e meus alunos demonstraram grande flexibilidade e me incentivaram tremendamente durante a reviso do que ficou conhe cido (espero que afetuosamente) como o livro amarelo. Sem o apoio de minha famlia, entretanto, talvez eu jamais tivesse completado esta reviso. Minha me, cuja vista j cansada nunca permitir que leia estas pginas, minhas filhas, Lynn e Jan, e minha mulher Julie, que est sempre ao meu lado, foram uma fonte de estmulo constante e aguentaram meus longos perodos trancado no escritrio. Sou grato a Deus e a elas, por seu amor e compreenso. Contudo, preciso ter a humildade de reconhecer que fazemos tudo - escrevemos, revisamos livros e aconselhamos apenas em razo das habilidades, desejos e oportunidades que Deus nos concede. Mais uma vez, portanto, este livro segue em frente com minha gratido a Deus, com a orao para que honre a Jesus Cristo, e com a esperana de que o Esprito Santo possa us-lo para ajudar muitos dedicados conselheiros cristos a auxiliar melhor seus aconselhandos e outros que estejam precisando de ajuda. Gary Collins

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ACONSELHAMENTO CRISTO - EDIO SCULO 21

Como usar este livro( livro Aconselhamento Cristo foi escrito para auxiliar lderes cristos em seu trabalho de aconselhamento. Os cinco primeiros captulos traam um panorama da atividade de aconselhamento, e seria bom que fossem lidos em sequncia. Os captulos restantes (exceto, talvez, o ltimo) tratam de problemas especficos. Como cada captulo independente dos demais, os captulos podem ser lidos em qualquer ordem. Cada um deles comea com o exemplo de um caso e uma introduo, seguidos de uma anlise do que a Bblia diz sobre o assunto e um exame das causas, efeitos e consideraes sobre o aconselhamento, bem como sugestes a respeito de como prevenir o problema. O objetivo de tudo isso fornecer infor maes relevantes e atualizadas que possam ser teis no aconselhamento. A experincia tem mostrado que o livro usado como manual para conselheiros, inclusive por pastores, como livro-texto para alunos e professores, como material de treinamento para conselheiros leigos e como fonte de informao para os que desejam compreender melhor o comportamento humano, ter uma perspectiva mais clara da base bblica do aconselhamento e aperfeioar as habilidades necessrias a um terapeuta. Se voc for usar este livro como parte de um programa de estudo pessoal ou para um grupo de alunos, recomendvel que comece lendo os cinco primeiros captulos em sequncia. No caso de estudos em grupo, o professor pode fazer uma breve exposio ou comentrio sobre o assunto a ser estudado. Seria interessante que os membros do grupo apresentassem uma dramatizao baseada na histria que abre cada captulo. Escolha um dos membros do grupo para atuar como conselheiro e selecione outros para fazerem o papel da pessoa, ou das pessoas, cujos problemas so descritos. Depois de dez ou quinze minutos, encerre a dramatizao e discuta o que foi feito. O que foi bom no exemplo de aconselhamento? Como o aconselhando e o conselheiro se sentiram na representao? O que pode ser melhorado? O que a turma aprendeu sobre o aconselhamento e sobre aquele tipo de problema durante o exerccio? Quer voc faa a dramatizao, quer no, a discusso das questes abaixo pode ajudar. Voc pode escrever as respostas, para avaliar sua compreenso do captulo, ou pode discutir as questes com o grupo. Estas perguntas foram elaboradas para serem usadas com os captulos 6-38, embora talvez seja necessrio fazer uma alterao ou outra para adapt-las a algum dos captulos. 1. Quais so suas dvidas a respeito deste captulo? 2. Voc poderia resumir os ensinamentos bblicos sobre o problema discutido neste captulo?

3. Faa um resumo das causas e efeitos desse problema. 4. O que voc aprendeu sobre o aconselhamento de pessoas que tm esse problema? 5. Algum poderia dar exemplos de pessoas que tiveram esse problema? (Cuidado para no revelar os nomes das pessoas envolvidas nem detalhes que possam permitir sua identificao). 6. Faa um esboo de um programa para evitar o surgimento desse problema. 7. Faa um resumo do que voc aprendeu neste captulo, incluindo a leitura e a dramatizao. 8. Quais as perguntas que voc acha que ainda no foram respondidas? Nem sempre possvel para um autor ou editor manter uma correspondncia minuciosa com os leitores, mas gostaramos de saber se este livro foi til no seu trabalho de aconselhamento. Se uma terceira edio for produzida, voc teria alguma sugesto para torn-la melhor? O autor e o editor gostariam de saber sua opinio. Por favor, escreva para Dr. Gary Collins, c/o W Publishing Group, Editorial Division, 501 Nelson Place, Nashville, TN 37214, EUA, ou Department of Psychology, Trinity Evangelical Divinity School, 2065 Half Day Road, Deerfield, 111. 60015. Toda correspondncia dever logicamente ser redigida em ingls.

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ACONSELHAMENTO CRISTO - EDIO SCULO 21

IA R T K

QUfSTfS

INTRO DUT RIAS

CAPTULO!_______________________________________________________ ______________

A igreja e o B aconselham ento) f iinca pensei que houvesse tanta gente sofrendo neste mundo! Fazia s alguns anos que o jovem pastor tinha terminado o seminrio. Sua pequena congregao estava crescendo, e ele queria dar-lhe a liderana de que ela necessitava desesperadamente. Mas seus dias e, s vezes, at as noites, eram um fluxo contnuo de pessoas que o procuravam com os mais variados tipos de problemas, em busca de orientao e conselho. No seminrio no nos avisaram que havia tanta gente necessitada, continuou ele. Nunca nos disseram que um pastor podia encontrar casos de violncia domstica, incesto, medo, confuso, ameaas de suicdio, homossexualismo, alcoolismo, uso de drogas, depresso, ansiedade, culpa, crises familiares, distrbios alimentares, estresse crnico e um monte de outros problemas. Tivemos uma matria chamada aconse lhamento, mas nunca imaginamos a profundidade e a variedade dos problemas que iramos encontrar depois da formatura. H muitos anos, Wayne Oates escreveu o seguinte: Independentemente de qual tenha sido sua formao, o pastor no tem o privilgio de escolher se vai ou no aconselhar os membros de seu rebanho, pois inevitvel que eles levem seus problemas at ele, em busca de orientao e de uma palavra de sabedoria. No h como contornar isso, se ele permanecer no ministrio pastoral. A opo que ele tem que fazer no entre aconselhar ou no, mas sim entre aconselhar de maneira organizada e competente, ou faz-lo de forma catica e incompetente. 1No fcil aconselhar de maneira organizada e competente, principalmente diante do fato de que os problemas so muito variados, as necessidades, imensas, e as tcnicas de aconselhamento, muitas vezes, confusas e contraditrias.

H, literalmente, milhares de mtodos de aconselhamento em uso hoje em dia. Livros e artigos sobre terapia e assistncia saem das rotativas com uma regularidade perturbadora. Parece at que o nmero de teorias e abordagens de aconselhamento igual ao de conselheiros. Com toda essa carga de informaes e atividades, at mesmo os profissionais que se dedicam em tempo integral podem acabar se sentindo sobrecarregados. Seria timo se todas essas publicaes, teorias e treinamentos tcnicos ajudassem os conselheiros a desempenhar melhor sua funo, mas a verdade que alguns dos livros e seminrios que tratam do assunto so de validade questionvel. Autores bem-intencionados, mas ingnuos, tm proposto novos mtodos simplistas, que afirmam ser genuinamente cristos, mas no se mostram eficazes. Livros recentes aumentaram ainda mais a confuso, ao criticarem as profisses voltadas para o aconselhamento.2 Alm disso, certos sermes com forte apelo emocional, alguns deles transmitidos pela televiso, levaram muitos crentes a acreditar erroneamente que todo tipo de aconselhamento desnecessrio. E verdade que, s vezes, o aconselhamento no ajuda. At mesmo conselheiros expe rientes e bem preparados, que se mantm sempre atualizados e aplicam as tcnicas mais con fiveis, verificam que os aconselhandos nem sempre fazem progressos. De fato, alguns at pioram. No de surpreender, portanto, que algumas pessoas desistam e acabem concluindo que o aconselhamento perda de tempo.3 Entretanto, se todo mundo desistisse, para onde iriam as pessoas com seus problemas? Jesus, que o exemplo de cristo perfeito, passou muitas horas falando a pessoas necessitadas, tanto em grupo quanto em contatos face a face. O apstolo Paulo, que era extremamente sensvel s necessidades das pessoas marcadas pela vida, escreveu que ns, que somos fortes, devemos suportar as debilidades dos mais fracos e ajud-los a levar suas cargas.4 Provavelmente, Paulo estava falando de pessoas que tinham dvidas, sentiam temores e viviam em pecado, mas sua preocupao compassiva englobava quase todos os problemas que os conselheiros de hoje podem encontrar. Para os escritores dos livros da Bblia, a assistncia ao prximo no era uma questo de opo, mas uma responsabilidade de todo crente, inclusive do lder da igreja. H ocasies em que o aconselhamento pode parecer perda de tempo, mas uma ordenana bblica e pode vir a ser parte importante, necessria e eficaz em qualquer ministrio. No devemos presumir que todo pastor ou lder cristo tem dom nessa rea ou foi vocacionado para exercer esse ministrio.6 Por causa de temperamento, interesses, habilidades, preparo ou chamado, alguns cristos evitam o aconselhamento, preferindo devotar tempo e talentos a outras atividades. Essa uma deciso legtima, principalmente se tomada aps consulta a outros cristos. Precisamos, porm, ter o cuidado de no abrir mo com muita rapidez de uma experincia enriquecedora, potencialmente poderosa e biblicamente fundamentada de ministrar aos outros. No fcil aconselhar, mas h evidncias cada vez maiores de que pessoas das mais variadas origens e formaes podem aprender tcnicas de aconselhamento eficientes. Creia que Deus pode us-lo, caro leitor, para aconselhar outras pessoas.

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QUESTES INTRODUTRIAS

CUIDADO E ACONSELHAMENTOO objetivo do aconselhamento dar estmulo e orientao s pessoas que esto enfren tando perdas, decises difceis ou desapontamentos. O processo de aconselhamento pode estimular o desenvolvimento sadio da personalidade; ajudar as pessoas a enfrentar melhor as dificuldades da vida, os conflitos interiores e os bloqueios emocionais; auxiliar os indivduos, famlias e casais a resolver conflitos gerados por tenses interpessoais, melhorando a qualidade de seus relacionamentos; e, finalmente, ajudar as pessoas que apresentam padres de com portamento autodestrutivos ou depressivos a mudar de vida. O conselheiro cristo procura levar as pessoas a ter um relacionamento pessoal com Jesus Cristo, ajudando-as, assim, a encontrar perdo e a se livrar dos efeitos incapacitantes do pecado e da culpa. O objetivo final do cristo ajudar os outros a se tornar discpulos de Cristo e a discipular outras pessoas. O cuidado pastoral. Alguns autores consideram importante fazer distino entre cuidado pastoral, aconselhamento pastoral e psicoterapia pastoral. Desses trs termos, o mais abrangente cuidado pastoral. Ele se refere aos ministrios eclesisticos de cura, apoio, orientao e reconciliao das pessoas com Deus e com o prximo.8 Esse trabalho, tambm chamado de cuidado com as almas9, inclui os ministrios de pregao, ensino, disciplina, administrao de sacramentos, educao e assistncia em casos de necessidade. Desde os tempos de Cristo, a igreja tem a seu cargo o cuidado pastoral. O aconselhamento pastoral. Esta uma rea mais especializada do cuidado pastoral, que se dedica a ajudar indivduos, famlias ou grupos a lidarem com as presses e crises da vida. O aconselhamento pastoral emprega vrios mtodos de cura para ajudar as pessoas a enfrentarem seus problemas de uma forma coerente com os ensinamentos bblicos. O objetivo final que os aconselhandos cheguem cura, aprendam a lidar com situaes semelhantes e experimentem crescimento espiritual. Segundo a definio tradicional, aconselhamento pastoral trabalho para um pastor ordenado. Contudo, em vista do que as Escrituras dizem a respeito de todos os crentes levarem as cargas uns dos outros,1 o aconselhamento pastoral pode e deveria ser um ministrio 0 exercido por cristos sensveis e zelosos, tenham eles sido, ou no, ordenados ao pastorado. Nas pginas seguintes, os termos aconselhamento pastoral e aconselhamento cristo sero considerados sinnimos. Apsicoterapia pastoral. Esse mtodo de assistncia um tratamento profundo e de longo prazo que tem como objetivo produzir mudanas fundamentais na personalidade, nos valores espirituais e nos padres mentais do aconselhando. O propsito deste tipo de auxlio remover os bloqueios emocionais que inibem o crescimento pessoal e profissional do indivduo, os quais, geralmente, tm origem em situaes ocorridas no passado. Esse trabalho deve ser realizado por um especialista preparado e, portanto, raramente ser mencionado neste livro.

EM QUE RESIDE A SINGULARIDADE DO ACONSELHAMENTO CRISTO?H muitos anos, conduzi um seminrio para um grupo de capeles que rejeitavam a ideia de que o aconselhamento cristo fosse diferente dos demais. No h nada eminentemente cristo no aconselhamento, afirmou um dos participantes. No existe

A IGREJA E O ACONSELHAMENTO

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procedimento cirrgico cristo, nem mecnica de automveis crist, nem culinria crist, e muito menos aconselhamento cristo. Os conselheiros cristos utilizam muitas tcnicas desenvolvidas e aplicadas por incrdulos, mas o aconselhamento cristo tem, pelo menos, quatro elementos que o distinguem dos outros.1 2 Hipteses singulares. Nenhum conselheiro absolutamente isento ou neutro em termos de suas suposies. Cada um de ns traz seus pontos de vista pessoais para a situao que objeto do aconselhamento, e isso influencia nossos juzos e comentrios, estejamos ns conscientes disso ou no. O psicanalista Erich Fromm, por exemplo, declarou certa vez que todos ns vivemos num universo indiferente ao nosso destino. Esse ponto de vista no deixa espao para a crena num Deus soberano e compassivo. Nele, no h lugar para orao, meditao na Palavra de Deus, experincia do perdo divino, ou expectativa de vida aps a morte. As hipteses de Fromm certamente influenciaram seus mtodos de aconselhamento. Apesar das variantes teolgicas, a maioria dos conselheiros que se denominam cristos tem (ou deveria ter) crenas acerca dos atributos de Deus, da natureza humana, da autoridade da Bblia, da realidade do pecado, do perdo de Deus e da esperana do futuro. Leiam-se, por exemplo, os quatro primeiros versculos de Hebreus. Se cremos que Deus falou humanidade, criou o universo por meio de seu Filho, providenciou um meio de obtermos o perdo dos pecados e agora sustenta todas as coisas pelo poder de sua palavra, nossa vida e nossa maneira de aconselhar tm de ser diferentes! Objetivos singulares. Assim como os profissionais leigos, os cristos procuram ajudar os aconselhandos a alterarem seus comportamentos, atitudes, valores e/ou percepes. Tentamos ensinar habilidades (inclusive habilidades sociais), encorajar o reconhecimento e a expresso das emooes, dar apoio em momentos de necessidade, incutir senso de responsabilidade, orientar a tomada de deciso, ajudar a mobilizar recursos internos e externos em perodos de crise, ensinar tcnicas de resoluo de problemas e aumentar a competncia e o senso de autorrealizao-' do aconselhando. Entretanto, o conselheiro cristo vai mais longe. Ele procura estimular o crescimento espiritual do aconselhando e encorajar a confisso dos pecados para recebimento do perdo divino. Alm disso, ajuda a moldar padres, atitudes, valores e estilo de vida cristos, apresenta a mensagem do evangelho, encoraja o aconselhando a entregar sua vida a Jesus Cristo e estimulao a desenvolver valores e padres de conduta baseados nos ensinos da Bblia, em vez de viver de acordo com as regras relativistas do humanismo. Alguns criticam essa atitude, dizendo que isso misturar religio com aconselhamento. Entretanto, ignorar questes teolgicas adotar as bases da religio do naturalismo humanista, sufocar nossa prpria f e dividir nossa vida em dois segmentos: um santo e outro profano. Nenhum conselheiro que se preze, seja ele cristo ou no, tenta impor suas crenas aos aconselhandos. Temos a obrigao de tratar as pessoas com respeito, dando-lhes total liberdade de tomar suas prprias decises. Porm, um conselheiro honesto e autntico no sufoca suas crenas, nem finge ser algo que no . M todos singulares. Todas as tcnicas de aconselhamento tm, pelo menos, quatro caractersticas. Elas procuram: levar a pessoa a crer que possvel obter ajuda; corrigir concepes equivocadas a respeito do mundo; desenvolver competncias para a vida social; 18

QUESTES INTRODUTRIAS

e levar os aconselhandos a reconhecer seu prprio valor como indivduos. Para atingir esses objetivos, os conselheiros aplicam tcnicas bsicas como ouvir, demonstrar interesse, tentar compreender e, pelo menos eventualmente, dar orientao. Muitos dos mtodos utilizados por conselheiros cristos so idnticos aos aplicados pelos no cristos. Os cristos, porm, no utilizam tcnicas que seriam consideradas imorais ou incompatveis com os ensinos da Bblia. Por exemplo, estimular uma pessoa a se envolver em experincias sexuais pr-conjugais ou extraconjugais, usar linguagem obscena, ou incentiv-la a adotar valores antibblicos so atitudes imprprias no contexto cristo, apesar de usadas por terapeutas seculares. H outras tcnicas que so eminentemente crists e se aplicam com frequncia nos gabinetes. Orar durante a sesso de aconselhamento,1 ler a Bblia, confrontar gentilmente a 4 pessoa com os princpios bblicos, ou encoraj-la a se envolver nas atividades da igreja local so alguns dos exemplos mais comuns. Caractersticas singulares do conselheiro. Em todas as situaes de aconselhamento, o orientador precisa fazer pelo menos quatro perguntas: Qual o problema? Ser que devo intervir e tentar ajudar? O que eu poderia fazer para ajudar? Ser que existe algum mais qualificado para atuar neste caso?1 importante que os conselheiros cristos tenham conhecimento da natureza dos problemas (como eles surgem e como podem ser resolvidos), saibam o que a Bblia ensina sobre eles e estejam familiarizados com as tcnicas de aconselhamento. No entanto, existem evidncias de que as caractersticas pessoais do conselheiro tm um peso ainda maior no aconselhamento. Depois de escrever um livro minucioso sobre teorias de aconselhamento, o psiclogo C. H. Patterson concluiu que um conselheiro eficiente deve ser um ser humano de verdade que oferece a oportunidade de um relacionamento humano de verdade aos aconselhandos. E um tipo de relacionamento caracterizado no tanto pelas tcnicas que o terapeuta usa, mas pelo que ele como pessoa; no tanto pelo que ele faz, mas pelo modo como o faz. H muitos anos, as pesquisas revelaram que as tcnicas de aconselhamento so mais eficazes quando o indivduo que presta assistncia afetuoso, sensvel, compreensivo, demonstra interesse sincero e tem disposio para confrontar as pessoas, mantendo uma atitude de amor. Os livros didticos sobre aconselhamento sempre enfatizaram a importncia de determinadas qualidades num conselheiro, tais como ser digno de confiana, ter boa sade psicolgica, honestidade, pacincia, competncia e conhecer bem a si mesmo. 7 Segundo pesquisas recentes, os conselheiros so mais eficientes quando, alm dessas caractersticas, conhecem bem os problemas humanos e demonstram bom manejo das tcnicas de aconselhamento.1 Boas 8 intenes, afirma Jay Adams, no compensam a falta de conhecimento e de habilidade.1 9 Certamente, Jesus Cristo o melhor modelo que temos de um maravilhoso conselheiro, cuja personalidade, conhecimento e habilidades capacitavam-no a dar assistncia efetiva aos necessitados. Ao tentarmos analisar o modo como Jesus aconselhava, precisamos ter em mente que cada um de ns pode ter a tendncia, consciente ou no, de ver o ministrio de Jesus de uma forma que reforce nossas prprias opinies sobre como se deve ajudar as pessoas. O conselheiro que tem uma postura diretiva e de confrontao reconhece que Jesus agiu assim, em determinados momentos; o tipo no diretivo, para quem o principal a satisfao do cliente, encontra apoio para seu modo de agir em outros exemplos do ministrio de Jesus. Com certeza, mais correto afirmar que Jesus usava tcnicas de aconselhamento diferentes, '9

A IGREJA E O ACONSELHAMENTO

dependendo da situao, das caractersticas do aconselhando e da natureza do problema. As vezes, ele simplesmente ouvia com ateno, sem dar uma orientao muito direta. Mas, em outras ocasies, ele ensinava com palavras claras e firmes. Ele animava e amparava, mas tambm questionava e contestava. Ele acolhia os pecadores e necessitados, mas tambm requeria deles arrependimento, obedincia e ao. Contudo, o elemento hindamental no modo como Jesus ajudava as pessoas era a sua personalidade. Quando ensinava, cuidava ou aconselhava, as qualidades, atitudes e valores que fazem dele o nosso modelo de conselheiro eficiente tornavam-se evidentes. Jesus era absolutamente sincero, profundamente compassivo, altamente sensvel e espiritualmente maduro. Ele se mantinha fiel ao compromisso de servir seu Pai celestial e a humanidade (nesta ordem) e tambm se preparava para desempenhar bem a sua tarefa atravs de constantes perodos de orao e meditao. Jesus conhecia profundamente as Escrituras e procurava levar os necessitados a se voltarem para ele em busca de ajuda, para que pudessem encontrar paz, esperana e segurana eternas.20 Jesus aconselhava muitas pessoas atravs de seus sermes, mas tambm argumentava com os incrdulos, confrontava indivduos, curava os doentes, conversava com os necessitados, encorajava os desanimados e dava o exemplo de uma vida santa. Ao interagir com as pessoas, Jesus usava exemplos tirados de situaes reais e incentivava seus ouvintes a pensarem e agirem em conformidade com os princpios divinos. Percebe-se perfeitamente que Jesus acreditava que algumas vezes necessrio ouvir, confortar e ponderar a questo com a pessoa primeiro, e s depois ela estar em condies de ser confrontada, receber um conselho ou aprender atravs de uma pregao pblica. Segundo a Bblia, os cristos devem ensinar tudo que Cristo ordenou e ensinou.2 Isso 1 inclui, certamente, doutrinas a respeito de Deus, autoridade, salvao, crescimento espiritual, orao, a igreja, o futuro, anjos, demnios e a natureza humana. Mas Jesus tambm ensinou sobre casamento, relacionamento entre pais e filhos, obedincia, relaes inter-raciais e liberdade, tanto para homens, quanto para mulheres. Tambm ensinou sobre questes ntimas, tais como sexo, ansiedade, medo, solido, dvida, orgulho, pecado e desnimo. Nos dias de hoje, essas questes continuam sendo trazidas aos gabinetes dos conselheiros. Quando as pessoas se aproximavam de Jesus, ele geralmente as recebia do jeito que estavam e ouvia suas dvidas, antes de sugerir qualquer mudana no seu modo de pensar ou de agir. Em algumas ocasies, ele lhes dizia o que fazer, mas, em outras, ele as ajudava a resolverem seus problemas por meio de perguntas formuladas com muita competncia e inspirao divina. O problema da incredulidade de Tom foi resolvido quando Jesus lhe mostrou uma prova material. Pedro, aparentemente, aprendeu melhor quando Jesus o ajudou a refletir sobre seus erros do passado. J Maria de Betnia aprendeu ouvindo, enquanto Judas teve de passar pelo sofrimento. Ensinar tudo o que Cristo ensinou no significa apenas instruir na doutrina, mas tambm ajudar as pessoas a terem um relacionamento melhor com Deus, com o semelhante e consigo mesmas, e essas so questes que preocupam praticamente a todos. Alguns indi vduos aprendem em palestras, sermes e livros; outros, estudando a Bblia individual mente, ou discutindo em grupo. H ainda aqueles que aprendem atravs do aconselhamento formal ou informal. E talvez a maioria de ns tenha aprendido atravs de uma combinao de todos esses mtodos. 20

QUESTES INTRODUTRIAS

O cerne de toda forma de assistncia genuinamente crist, seja ela pblica ou particular, a influncia do Esprito Santo. Na verdade, o que torna o aconselhamento cristo realmente nico justamente a influncia e a presena do Esprito. ele quem capacita o conselheiro, dando-lhe as caractersticas que o tornam mais eficiente no desempenho de sua tarefa: amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fidelidade, mansido, domnio prprio.1 Ele o Consolador ou Auxiliador que nos ensina todas as coisas, traz memria as palavras de Cristo, convence do pecado e nos guia a toda a verdade.23 Atravs da oraao, meditao nas Escrituras, confisso regular dos pecados e renovao diria de seu compromisso com Cristo, o conselheiro mestre torna-se um instrumento atravs do qual o Esprito Santo pode confortar, ajudar, ensinar, convencer ou guiar outro ser humano. Todo crente pastor ou leigo, conselheiro profissional ou no deveria ter o objetivo de ser usado pelo Esprito Santo para tocar vidas, transform-las e levar outras pessoas e alcanar a maturidade espiritual e psicolgica.2 4

IGREJA, LUGAR DE CURAComo vimos, Jesus manteve conversas individuais com vrias pessoas para discutir suas necessidades pessoais e, frequentemente, reunia-se com pequenos grupos, sendo que o mais importante foi o pequeno grupo de discpulos que ele preparou para assumir a obra depois de sua ascenso. Foi numa dessas conversas com os discpulos que Jesus mencionou a palavra igreja pela primeira vez.2> : Nos anos que se seguiram ascenso de Jesus Cristo, foi justamente a igreja que deu continuidade ao seu ministrio de ensino, evangelizao, ministrao e aconselhamento. Essas atividades no eram vistas como responsabilidade especial de alguns superlderes, mas sim como tarefa para crentes comuns, que deveriam compartilhar e cuidar uns dos outros e tambm dos incrdulos que no faziam parte do corpo. Ao lermos o livro de Atos26 e as epstolas, fica claro que a igreja no era apenas uma comunidade dedicada evangelizao, ao ensino e ao discipulado - era tambm uma comunidade teraputica. Comunidades teraputicas so grupos de pessoas que se caracterizam por um profundo compromisso entre seus membros e por um interesse comum na cura de [...] males psicolgicos, comportamentais ou espirituais.* Nos ltimos anos, os profissionais ligados sade mental se deram conta do valor dos grupos teraputicos, nos quais um membro ajuda o outro, apoiando, questionando, orientando e encorajando, de uma forma que s ocorre nesse tipo de contexto. E claro que esses grupos podem ser nocivos, especialmente quando se tornam encontros caticos em que o objetivo principal criticar e constranger os participantes, em vez de edificar e estimular cada membro a ter uma atitude mais aberta e positiva. Entretanto, quando conduzidas por um lder sensvel, as sesses de grupo podem ser experincias tera puticas muito eficazes para todos os envolvidos. Esses grupos teraputicos no precisam estar limitados a aconselhandos que se encontram com seu mentor. Famlias, grupos de estudo, amigos leais, colegas de profisso, associaes de empregados e outros pequenos grupos de pessoas muitas vezes proporcionam o auxlio necessrio, seja em tempos de crise, seja diante dos desafios dirios que a vida apresenta. Contudo, de todas as instituies da sociedade, a igreja a que tem maior potencial como comunidade teraputica.28 A igreja local pode diminuir ou eliminar a sensao de isolamentoA IGREJA E O ACONSELHAMENTO

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dos indivduos ao atender necessidade que todos ns temos de fazer parte de um todo29. Aim disso, pode dar apoio aos abatidos, curar os doentes e proporcionar orientao s pessoas que precisam tomar decises difceis ou que esto a caminho da maturidade. E lamentvel que muitas igrejas, hoje em dia, no passem de grupos de pessoas indiferentes e inflexveis, que nunca admitem que tm necessidades ou problemas, que assistem a cultos maantes por puro hbito, e que deixam a maior parte do trabalho nas mos de um pastor sobrecarregado. Esse retrato pode ser um tanto exagerado, mas, para muitas pessoas, a igreja local no significa praticamente nada, no ajuda muito e est longe de ser a comunidade dinmica e produtiva que Cristo desejava que fosse. Por que a igreja comeou? Certamente, a resposta est nas ltimas palavras que Jesus disse aos seus seguidores antes de voltar para o cu: Ide, portanto, fazei discpulos de todas as naes, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Esprito Santo; ensinando-os a guardar todas as cousas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias at a consumao do sculo. 1 1 A igreja foi criada para cumprir a grande comisso de fazer discpulos (pela evangelizao) e ensinar. Os primeiros crentes se reuniam numa comunho, ou koinonia, que envolvia o relacionamento comunitrio entre os membros, a participao ativa de todos na expanso do evangelho e na edificao dos crentes, e o compartilhamento de ideias, experincias, adorao, necessidades e bens materiais.31 A igreja verdadeira tem sido sempre dirigida por Jesus Cristo, que nos mostrou como evangelizar e ensinar, e nos orientou atravs de seu exemplo de vida e de sua instruo quanto aos aspectos tericos e prticos do cristianismo, afirmando que todo o seu ensino podia ser resumido em duas leis: amar a Deus e amar ao prximo. Todos esses aspectos devem existir no mbito de um grupo de crentes, onde cada membro recebeu os dons e habilidades necessrios para a edificao da igreja. Os crentes desse grupo, guiados por um pastor e outros lderes escolhidos, projetam sua ateno e suas atividades em trs direes: para o alto, atravs da adorao a Deus; para fora, atravs da evangelizao; e para dentro, atravs do ensino, da comunho e da assistncia mtua.32 Se algum desses elementos no estiver presente, o grupo ficar desequilibrado e os crentes no estaro cumprindo integralmente suas funes. Os captulos que se seguem foram escritos com o objetivo de auxiliar os conselheiros, pastores, lderes de igrejas, estudantes e outros cristos a cumprirem uma importante tarefa dentro da obra da igreja: levar as cargas uns dos outros.3 Entre os assuntos que discutiremos encontram-se alguns dos problemas que mais afligem crentes e incrdulos. So problemas que interferem com a adorao, a evangelizao, o ensino, a comunho, o crescimento, a qualidade dos relacionamentos, a maturidade individual e a satisfao pessoal. Para cada um desses assuntos, abordaremos as causas do problema, como ele afeta as pessoas envolvidas, como pode ser minimizado ou eliminado (particularmente atravs do aconselhamento) e como podemos evitar que venha a ocorrer novamente. Cada captulo resumir o ensino bblico sobre o problema abordado e utilizar resultados de pesquisas recentes na rea da psicologia, alm das reflexes do autor.

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A PSICOLOGIA PODE AJUDAR?Muitos lderes de igrejas tm buscado subsdios na psicologia e em outras reas relacionadas sade mental para exercer a atividade de aconselhamento de modo mais eficaz. A psicologia um campo de estudos bastante complexo, que abrange tanto o comportamento animal, quanto o dos seres humanos. O estudante que faz um curso introdutrio de psicologia geral defronta-se, na maioria das vezes, com uma enorme quantidade de dados estatsticos, termos tcnicos e fatos cientficos sobre uma mirade de questes aparentemente irrelevantes. Os cursos sobre aconselhamento pastoral dos seminrios tendem a ser mais relevantes e voltados para as pessoas, mas mesmo nesses cursos o aluno (e, s vezes, o professor) pode acabar se perdendo num labirinto de teorias e tcnicas que no ajudam muito quando se est frente a frente com um ser humano confuso e ferido. Isso tem levado alguns autores a rejeitar a psicologia, inclusive a rea de aconse lhamento, concluindo que um cristo no precisa de mais nada alm da Bblia para poder ajudar outras pessoas. Certo autor afirmou recentemente que o verdadeiro cristianismo no faz boa mistura com a psicologia34. Outro escreveu que Deus e a sua Palavra fornecem uma base de plena suficincia para a sade mental e emocional. E, ainda, a Bblia o repositrio do blsamo da cura para todos os distrbios emocionais e mentais, que no sejam de origem orgnica." Jay Adams argumenta que os psiquiatras (e, presumivelmente, os psicanalistas) usurparam o trabalho dos pregadores e esto envolvidos na perigosa tarefa de tentar mudar o comportamento e os valores das pessoas de uma forma que Deus no aprova. Escrevendo a pastores, Adams sustenta que estudando a Palavra de Deus minuciosamente e procurando observar de que modo os princpios bblicos descrevem as pessoas sob aconselhamento [...] voc ir obter todas as informaes e a experincia necessrias para ser um conselheiro cristo competente e confiante, sem precisar estudar psicologia.36 bvio que, para esses autores, a psicologia e disciplinas relacionadas no podem ajudar um conselheiro cristo a desempenhar melhor sua funo. Ao longo deste livro, voc encontrar muitas referncias Bblia. A Palavra de Deus um blsamo de cura para os distrbios mentais e emocionais. Ela continua falando s pessoas nos dias de hoje, e sua relevncia para o trabalho do conselheiro e para as vidas daqueles a quem ele auxilia profunda e duradoura. Mas a Bblia no afirma em lugar algum que um manual de aconselhamento. Ela trata de questes como solido, desnimo, problemas conjugais, tristeza, relacionamento entre pais e filhos, ira, medo e vrias outras situaes que surgem no aconselhamento, porm jamais se props a ser a nica revelao de Deus sobre como ajudar as pessoas. Na medicina, no ensino e em outras reas de assistncia cujo foco so as pessoas, Deus nos tem permitido aprender muito a respeito de sua criao atravs da cincia e do estudo acadmico. Por que, ento, deveramos segregar a psicologia, considerando-a a nica rea que no tem nada a acrescentar ao trabalho do conselheiro? Como campo do conhecimento humano, a psicologia cientfica tem pouco mais de cem anos de existncia. Ao longo do sculo passado, Deus permitiu que os psiclogos desenvolvessem instrumentos de pesquisa criteriosos para estudar o comportamento humano e permitiu, tambm, que fossem editados peridicos especializados para divulgao dos resultados dessas pesquisas. Aps terem atendido talvez centenas de milhares de pessoas

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que foram procurar ajuda em seus consultrios, os conselheiros profissionais acumularam conhecimentos sobre as profundezas da natureza humana e sobre o que faz as pessoas mudarem. Nosso conhecimento ainda bastante incompleto e tem muitas falhas, mas as pesquisas cuidadosas em psicologia e a anlise criteriosa dos dados geraram um vasto acervo de informaes que tem se mostrado til, tanto aos aconselhandos quanto s pessoas que desejam ajudlos de forma eficaz. At mesmo os que dispensam a psicologia usam frequentemente em seus trabalhos termos que pertencem ao jargo da rea e aplicam tcnicas derivadas da psicologia em sua prtica de aconselhamento. Nos captulos seguintes, citaremos vrios trabalhos de cientistas sociais, mas sempre com a premissa de que toda verdade emana de Deus, inclusive a verdade sobre as pessoas que ele criou. Ele revelou sua verdade atravs da Bblia, a Palavra de Deus escrita para a humanidade, mas tambm permitiu que ns a descobrssemos atravs da experincia e da aplicao dos mtodos da investigao cientfica. A verdade descoberta precisa estar sempre de acordo com a norma da verdade revelada na Bblia, e com ela deve ser sempre conferida. No entanto, estaremos limitando nossa capacidade de aconselhamento se adotarmos o ponto de vista de que as descobertas da psicologia no podem contribuir em nada para a compreenso e soluo dos problemas. Nossa integridade fica comprometida quando rejeitamos a psicologia abertamente, mas escamoteamos seus conceitos em nosso processo de aconselhamento s vezes ingenuamente e sem nem nos darmos conta de que estamos fazendo isso. Aceitemos o fato de que a psicologia pode prestar uma grande ajuda ao conselheiro cristo.37A questo agora : como vamos atravessar o emaranhado de tcnicas, teorias e termos tcnicos para encontrar as noes que so realmente teis? Para isso, precisamos encontrar um guia uma pessoa, ou pessoas, que seja seguidora fiel de Jesus Cristo, que conhea bem a literatura sobre psicologia e aconselhamento, que tenha experincia em aconselhamento e em mtodos de pesquisa (para poder determinar a validade cientfica das concluses dos psiclogos) e que, alm disso, seja conselheira eficiente. de importncia crucial que esses orientadores creiam com firmeza na inspirao e autoridade da Bblia, tanto como padro segundo o qual devemos testar todo o conhecimento derivado da psicologia, quanto como Palavra de Deus, com a qual todo conselho vlido deve concordar. As pginas seguintes foram preparadas por orientadores que tm condies de auxiliar conselheiros cristos na tarefa agradvel, mas exaustiva, de ajudar os outros. Nosso objetivo no foi escrever um livro de receitas, com frmulas infalveis para produzir peritos em aconselhamento. O ser humano complicado demais e, s vezes, a mudana no acontece, mesmo com a interveno de um conselheiro extremamente habilidoso. Todo conselheiro tem seus fracassos, que podem ocorrer por causa de suas prprias deficincias, por uma percepo equivocada, ou por falha humana. Muitas vezes o motivo do fracasso que o aconselhando no consegue mudar ou no quer mudar. Mas as probabilidades de que haja uma melhora so maiores quando o conselheiro compreende os problemas e tem certo conhecimento sobre como intervir. Os captulos que se seguem foram escritos com o objetivo de contribuir para essa compreenso e fornecer o conhecimento necessrio. Antes de iniciarmos nossa anlise, porm, precisamos examinar mais detidamente a ns mesmos, os conselheiros. O que nos motiva a ajudar as pessoas, que perigos esto envolvidos no aconselhamento e por que tantos conselheiros se sentem esgotados, no esforo de ajudar os que sofrem? Essas so algumas das questes que discutiremos no prximo captulo. 24

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NOTAS1. 2. Wayne E. Oates, ed., An Introduction to Pastoral C ounseling (Nashville: Broadman, 1959), vi. Nessa citao s se mencionam pastores, mas estou ciente de que h muitas mulheres no ministrio pastoral. Veja, por exemplo, Dave Hunt e T. A. McMahon, A Seduo do Cristianismo (Porto Alegre, RS: Obra Missionria Chamada da Meia Noite, 1999); e Martin Bobgan & Deirdre Bobgan, Psychoheresy: The c Psychological Seduction ofC hristia?iity (Santa Barbara, Calif.: EastGate Publishers, 1987). Tentei rebater algumas das crticas desses autores; veja Gary Collins, Can You Trust Psychology? (Downers Grove, 111.: InterVarsity, 1988). ]. G. Swank, Jr., Counseling is a waste of time, Christianity Today (Julho, 1977): 27. Para um ponto de vista alternativo, veja David B. Jackson, Counseling as Ministry, Christian Counselor (Inverno 1986): 1-3. Rm 15.1; G1 6.2. Para exemplificar a necessidade desta ajuda, observe o nmero de vezes que a expresso uns aos outros (ou equivalente) aparece nas epstolas do Novo Testamento. O NT diz que devemos edificar, admoestar, ser devotados, ter paz, servir, levar as cargas, ser gentis, ensinar, encorajar, confessar nossas faltas, orar e amar uns aos outros (Rm 14.19; 15.7, 14; 12.10, 18; G1 5.13; 6.2; Ef 4.32; Cl 3.16; lTs 5.11; Tg 5.16; ljo 4.7). Embora essas aes no sejam de responsabilidade exclusiva do conselheiro, elas certamente fazem parte do processo de aconselhamento. Timothy Foster, Called to Counsel (Nashville: Oliver-Nelson, 1986). Veja J. A. Durlak, Comparative Effectiveness of Paraprofessional and Professional Helpers, Psychological B ulletin 86 (1979): 80-92; e Gerard Egan, The Skilled Helper: A System atic Approach to E ffective H epling, 3rd ed. (Monterey, Calif.: Brooks/Cole, 1986). Estas funes so conhecidas como as quatro funes pastorais. Para um panorama histrico, veja W illiam A. Clebsh e Charles R. Jaekle, Pastoral Care in H istorical Perspective (Englewood Cliffs, NJ.: Prentice-Hall, 1964). Discusses mais detalhadas podem ser encontradas em: W illiam E. Hulme, Pastoral Care & C ounseling (Minneapolis: Augsburg, 1981); Thomas C. Oden, Pastoral T heology (New York: Harper & Row, 1983); e W'Uiam B. Oglesby, Jr., B iblical Themes f o r Pastoral Care (Nashville: Abingdon, 1980). Veja a nota 5, acima. Uma excelente introduo psicoterapia pastoral encontra-se no captulo 15 de Howard Clinebell, Basic Types o f Pastoral Care a n d C ounseling (Nashville: Abington, 1984); veja tambm David G. Benner, Psychoterapy a n d the Spiritual Quest (Grand Rapids, Mich.: Baker, 1988); e Richard Dayringer, The Heart o f Pastoral Counseling (Grand Rapids, Mich.: Zondervan, 1988). Em 1987, iniciou-se a publicao de um novo Jou rn a l o f Pastoral Psychoterapy, pela Haworth Press, 28 East 22n Street, New York, N.Y. d 10010-6194. Talvez seia bom acrescentar que alguns autores criticam a ideia da psicoterapia pastoral; veja, por exemplo, Richard A. Bollinger, Differences between Pastoral Counseling and Psychoterapy, Bulletin o f the M en n inger C linic 49 (1985): 371-86. Esta discusso uma adaptao docap. 17 de H elping People Grow: P ractical Approaches to Christian Counseling, Garv Collins, ed., (Ventura, Calif.: Regal, 1980). Ibid., 325. John R. Finney e H. Newton Malony, Contemplative Prayer and Its Use in Psychoterapy: ATheoretical Model, Jou rn a l o f Psychology a n d Theology 13 (Fall 1985): 172-81. William R. Miller e Kathleen A. Jackson, P ractical Psychology f o r Pastors (Englewood Cliffs, NJ.: Prentice-Hall, 1985). C. H. Patterson, Theories o f C ounseling a n d Psychoterapy (New York: Harper & Row, 1973), 535-36. Estas so algumas das caractersticas listadas em Michael E. Cavanaugh, The C ounseling Experience: A Theoretical a n d P ractical Approach (Monterey, Calif.: Brooks/Cole, 1982). Para uma reviso da literatura cientfica sobre as caractersticas do conselheiro, veja Sol L. Garfield e Mien E. Bergin, eds., Handbook o f Psychoterapy a n d B ehavior Change: An E m pirical Analysis, 3'd ed. (New York: Wiley, 1986).

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Jay E. Adams, H ow to Help People Change (Grand Rapids, Mich.: Zondervan, 1986), vii. Jo 14. Me 28.20. G1 5.22. Jo 14.16, 26; 16.7-15. Uma discusso mais detalhada sobre o Esprito Santo e sua relao com o aconselhamento pode ser encontrada em Marvin G. Gilbert e Raymond T. Brock, eds., The Holy Spirit a n d Counseling: Theology a n d Theory (Peabody, Mass.: Hendrickson Publishers, 1985). M t 16.18. Veja, principalmente, At 2.42-47; 4.32-35. Richard Almond, The H ealing C om m unity: D ynam ics o f the T herapeutic M ilieu (New York: Jason Aronson, 1974), xxi. Leigh C. Bishop, Healing in the Koinonia", Jou rn a l o f Psychology a n d Theology 13 (Spring 1985): 12 20. Para uma discusso a respeito dosentimento deser aceito e fazer parte de umgrupo, em associao com o aconselhamento,veja W illiam T. Kirwin, B iblical Concepts f o r Christian C ounseling (Grand Rapids, Mich.: Baker, 1984). M t 28.19-20. Para uma discusso em profundidade sobre a comunho crist, veja Jerry Bridges, True Fellowship (Colorado Springs: NavPress, 1985). Agradeo esse conceito trplice a Theodore Olsen, que leciona teologia prrica na Trinity Evangelical Divinity School. G1 6.2, 10. William Kirk Kilpatrick, Psychological Seduction: The Failure o f M od em Psychology (Nashville: Nelson, 1983), 23. Martin e Deirdre Bobgan, The P sychological Way/The Spiritual Way (Minneapolis: Bethany House, 1979), 11. Jay Adams, The B ig Umbrella (Philadelphia: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1972), 23 24. Procurei rebater algumas das crticas que so feitas psicologia em Collins, Can You Trust Psychology?-, veja tambm Mark R. McMinn e James D. Foster, The Mind Doctors: Questions to Ask on the Road to Mental Health, Christianity Today, 8 April 1988, 16-20.

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C AP l 1 L O

0 conselheiro e o H aconselhamento M(Existe alguma coisa inexplicavelmente atraente no trabalho de conselheiro. Aparentemente, muitas pessoas veem o aconselhamento como uma atividade fascinante que envolve dar conselhos, reatar relacionamentos rompidos e ajudar as pessoas a resolver problemas. Aconselhar pode ser uma tarefa gratificante, mas no demora muito para a maioria de ns descobrir que tambm pode ser um trabalho duro e emocionalmente desgastante. O aconselhamento exige muita concentrao e, s vezes, nos faz sofrer, quando vemos tantas pessoas infelizes. Se essas pessoas no apresentam melhora, o que bem mais comum do que se imagina, fcil acabar pondo a culpa em ns mesmos, nos esforamos ainda mais e ficamos pensando onde foi que erramos. medida que mais e mais pessoas chegam pedindo ajuda, a tendncia continuar aumentando a nossa carga de trabalho aproximando-nos do limite da nossa resistncia. s vezes, os problemas que os aconselhandos trazem nos lembram nossas prprias inseguranas ou conflitos e isso pode pr em risco a prpria estabilidade emocional e a autoestima do conselheiro. No de admirar que a atividade de aconselhamento seja considerada ao mesmo tempo gratificante e arriscada. Neste captulo, discutiremos alguns desses riscos e veremos maneiras de tornar o trabalho do conselheiro mais recompensador e eficaz.

A MOTIVAO DO CONSELHEIROPor que voc quer ser conselheiro? Alguns conselheiros cristos, principalmente pastores, foram im pelidos para esta atividade por pessoas que os procuraram , espontaneamente, em busca de uma soluo para seus problemas. Outros, fizeram cursos na rea e se colocaram disposio das pessoas que precisavam de ajuda, baseados na

suposio vlida de que o aconselhamento pode ser uma das formas mais eficazes de ministrar aos necessitados. Como vimos, a Bblia determina que os crentes cuidem uns dos outros e isto, certamente, inclui o aconselhamento. E sempre difcil avaliar nossas prprias motivaes. Talvez isso seja ainda mais verdadeiro quando se trata de examinar nossas razes para sermos conselheiros. O desejo sincero de ajudar as pessoas um motivo vlido. Ser que as outras pessoas do alguma mostra de que o seu aconselhamento tem uma influncia positiva sobre elas? Voc acha que se sentiria realizado exercendo essa atividade? Respostas afirmativas a estas perguntas poderiam ser indcios de que voc pode ser um conselheiro eficiente. Porm, existem outros fatores que s vezes passam desapercebidos e que podem interferir com a nossa eficincia. Se a principal razo que nos motiva para o aconselhamento atender s nossas prprias necessidades, pouco provvel que sejamos de alguma ajuda para os nossos aconselhandos.1 1. A necessidade de m anter relacionam entos. Todos ns precisamos de intimidade e contato estreito com pelo menos duas ou trs pessoas. Alguns aconselhandos consideram o conselheiro como seu melhor amigo, pelo menos temporariamente.- Mas, suponhamos que o conselheiro no tenha nenhum outro amigo chegado, alm dos aconselhados. Quando isso acontece, a necessidade que o conselheiro tem de se relacionar com outro ser humano pode atrapalhar o seu trabalho. O conselheiro pode no querer que seus aconselhandos realmente melhorem e encerrem as sesses, j que isso interromperia relacionamentos de amizade. Se voc perceber que est procurando oportunidades para prolongar o aconselhamento, telefonar para o aconselhando, ou se envolver socialmente com ele, isto pode ser um sinal de que esse relacionamento est atendendo sua necessidade de companheirismo tanto quanto ajudando a outra pessoa, ou at mais. Quando as coisas chegam a este ponto, o envolvimento conselheiro-aconselhando deixou de ser uma relao profissional. Isso no necessariamente algo ruim, mas os amigos nem sempre so os melhores conselheiros. 2. A necessidade de exercer controle. O conselheiro autoritrio gosta de endireitar os outros, dar conselhos (mesmo sem ser solicitado) e fazer o papel da pessoa que resolve todos os problemas. Alguns aconselhandos dependentes podem querer isso, mas, no fim das contas, a maioria das pessoas resiste ao tipo controlador porque ele realmente no ajuda. 3. A necessidade de socorrer. Este tipo de conselheiro geralmente tem um desejo sincero de ajudar, mas tira a responsabilidade de cima do aconselhando, porque adota uma atitude que diz voc no tem condio de resolver isso; deixe comigo. Isso pode satisfazer o aconselhando por um tempo, mas no vai resolver o seu problema, salvo raras excees. Quando a tcnica de salvamento falha (o que ocorre com frequncia), o conselheiro se sente culpado, inadequado e profundamente frustrado. 4. A necessidade d e inform ao. Ao descreverem seus problemas, os aconselhandos do detalhes interessantes que poderiam no ser ditos em outras circunstncias. Quando um conselheiro curioso, ele s vezes esquece o aconselhando, tenta arrancar mais informaes e, frequentemente, no consegue guardar confidncias. Conselheiros curiosos raramente ajudam e as pessoas acabam deixando de procurar por eles. 5. A necessidade d e cura pessoal. A maioria de ns tem necessidades e inseguranas ocultas que podem interferir na nossa tarefa de auxiliar as pessoas. Esta uma das razes pelas quais as faculdades de psicologia exigem que os alunos passem por aconselhamento 28

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antes de comearem a atuar profissionalmente. pouco provvel que as sesses de aconselhamento sejam eficazes se o conselheiro sente necessidade de manipular os outros, expiar sua culpa, agradar alguma figura de autoridade, expressar hostilidade, resolver conflitos sexuais, ou provar que intelectualmente capaz, espiritualmente maduro e psicologicamente estvel. provvel que todo futuro conselheiro passe por perodos em que experimenta essas tendncias, mas necessrio lidar com isso fora de seu trabalho com os aconselhandos. Quando as pessoas buscam aconselhamento, assumem o risco de revelarem detalhes de sua vida pessoal e se submeterem ao tratamento determinado pelo profissional que as atende. O conselheiro viola esta confiana e prejudica a eficincia do processo se o relacionamento assistencial usado, primordialmente, para satisfazer suas prprias necessidades.

A EFICCIA DO CONSELHEIROEm seu livro bem conhecido A Arte de Amar, Erich Fromm escreveu o processo de aprender uma arte pode ser convenientemente dividido em duas partes: primeira, o domnio da teoria; a outra, o domnio da prtica. Mesmo quando dominamos todo o conhecimento terico, sugere Fromm, ainda no estamos prontos para praticar o ofcio. S me tornarei um mestre nesta arte depois de muita prtica, quando, finalmente, os resultados de meu conhecimento terico e os de minha prtica se fundirem num s conjunto. Se aplicarmos esta afirmao ao aconselhamento, concluiremos que precisa haver o que Fromm denominou preocupao principal - um desejo profundo de aprender a arte do aconselhamento e de desempenh-la bem.3 Principalmente no incio, os conselheiros muitas vezes descobrem que existe um hiato entre sua formao acadmica e a experincia real de ajudar uma pessoa a resolver um problema real. At mesmo conselheiros experientes s vezes se veem lutando com dvidas e sentimentos de inadequao sobre a eficcia de seu aconselhamento.4 Muitos concordariam com Fromm quando ele diz que, se algum quer dominar qualquer arte (inclusive a do aconselhamento), toda a sua vida deve estar dedicada, ou pelo menos rela cionada, com esta arte.' um fato bem conhecido que algumas pessoas so melhores conselheiros do que outras. Isto suscita uma questo bsica e importante. Todo cristo pode ser um conselheiro eficaz ou isto um dom, reservado para alguns membros do corpo de Cristo? De acordo com a Bblia, todos os crentes devem ter compaixo por seus semelhantes, mas isso no implica em que todos os crentes tm, ou podem vir a ter, um dom nesta rea. Neste aspecto, o aconselhamento como o ensino. Todo pai tem a responsabilidade de ensinar o filho, mas s alguns so especialmente dotados para serem professores.6 Romanos 12.8 lista a exortao (paraklesis) como um dom espiritual que dado a alguns crentes. A palavra significa andar ao lado para ajudar, e abrange atividades tais como admoestar, apoiar e encorajar os outros. Algumas pessoas que tm e esto desenvolvendo este dom veem resultados positivos em seu aconselhamento, com as pessoas sendo ajudadas e a igreja edificada. Se o aconselhamento parece ser o seu dom, glorifique a Deus e aprende a exerc-lo melhor. Se o seu modo de aconselhar se mostra ineficiente, talvez Deus tenha lhe dado um dom em outra rea. Isso no exime ningum do dever de ajudar os outros, masO CONSELHEIRO E O ACONSELHAMENTO

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pode encorajar algumas pessoas a aplicarem seus esforos em outra atividade, deixando a arte do aconselhamento para aqueles que Deus capacitou especialmente para isso. Parafraseando ICorntios 12.14-18: O corpo no um s membro, mas muitos. Se o mestre disser: Porque no sou conselheiro, no sou do corpo; nem por isso deixa de ser do corpo. Se todo o corpo fosse constitudo de conselheiros, quem iria exercer o ministrio do ensino? Se todos fossem mestres, quem faria o trabalho dos diconos? Mas Deus disps os membros, colocando cada um deles no corpo, como lhe aprouve. [...] O mestre no pode dizer ao evangelista: no preciso de ti; nem ainda o pregador ao conselheiro: no preciso de ti. E claro que precisamos uns dos outros e o aconselhamento parte mas s uma parte - das funes de uma igreja. O aconselhamento uma forma de ajudar as pessoas, mas no a nica; h tambm a evangelizao, a assistncia social e outros aspectos do ministrio.

0 PAPEL DO CONSELHEIROO aconselhamento, especialmente o pastoral, s vezes se torna ineficaz porque o conselheiro no distingue com clareza o seu papel e as suas responsabilidades. Usando como base as sugestes do pastor e psiclogo Maurice Wagner, podemos identificar algumas reas onde pode ocorrer confuso de papis. 1. Visitar versus aconselhar. Visitar uma atividade que ocorre numa relao de amizade e que envolve uma conversa onde h troca mtua de informaes. J no aconselhamento, a conversa tem um determinado objetivo e gira em torno de um problema especfico, visando primordialmente as necessidades de uma pessoa, o aconselhando. Todo aconselhamento envolve a realizao de visitas peridicas, mas quando estas se prolongam e passam a ser um fim em si mesmas, a eficincia do processo prejudicada. 2. P recip ita o versus cautela. Pessoas ocupadas e objetivas geralmente querem acelerar o processo de aconselhamento para chegar logo a um resultado satisfatrio. E verdade que um conselheiro no deve ficar perdendo tempo, mas tambm verdade que o processo de cura no pode ser apressado. Grande parte do sucesso de um conselheiro reside em prestar ateno em silncio e refletir naquilo que o aconselhando est dizendo.8 Quando o ritmo lento e relaxado, o conselheiro fica menos sujeito a emitir julgamentos precipitados e o aconselhando, normalmente, sente que h mais apoio e interesse da parte do conselheiro. Pesquisas recentes demonstraram a eficcia de terapias a curto prazo.9 Este tipo de aconselhamento pode ser mais curto porque focaliza apenas reas problemticas especficas, em vez de abordar mltiplos aspectos. Quando um conselheiro tenta avanar muito numa nica sesso, o aconselhando se sente esmagado e, muitas vezes, fica conhiso. Partindo da premissa bastante plausvel de que o aconselhando s consegue absorver uma ou duas noes principais por sesso, o aconselhamento deve ser ritmado e sem atropelos, mesmo que isso implique em diminuir a durao de cada sesso e aumentar a frequncia. 3. D esrespeito versus com preenso. Alguns conselheiros rotulam as pessoas com muita rapidez (por exemplo, cristo carnal, solteiro despreocupado, ou um tipo fleumtico) e depois despacham os indivduos com avaliaes precipitadas, uma rpida confrontao ou um conselho inflexvel. Ningum gosta de ser tratado com tanto desrespeito e so poucas as pessoas que apresentam alguma melhora quando o conselheiro no sabe ser compreensivo. 30QUESTES INTRODUTRIAS

4. P reconceito versus im parcialidade. H momentos em que o aconselhando precisa ser confrontado por causa de um pecado ou comportamento inadequado, mas isso no o mesmo que condenar ou pregar para a pessoa durante a sesso de aconselhamento. Quando os aconselhandos se sentem atacados, podem adotar trs tipos de atitude: ou se defendem (geralmente com agressividade), ou se mostram resignados e dizem: De que adianta isso tudo?, ou continuam com o conselheiro temporariamente, de m vontade. Nenhuma dessas atitudes contribui para o crescimento do aconselhando, e todas so uma forma de reao a uma tcnica de aconselhamento que geralmente reflete a ansiedade, a incerteza e o desejo de poder do prprio conselheiro. Jesus descrito como algum que tomou sobre si as nossas enfermidades. Ele nunca fez vista grossa para o pecado, mas entendia os pecadores e sempre demonstrava bondade e respeito por aqueles que desejavam aprender, arrepender-se e mudar seu estilo de vida, como a mulher no poo de Jac. 5. D ar ordens em vez d e explicar. Este um erro comum e, como j vimos, pode ser um reflexo do desejo inconsciente do conselheiro de dominar e exercer controle. Quando os aconselhandos recebem instrues sobre o que devem fazer, eles acabam confundindo a opinio do conselheiro cristo com a vontade de Deus, sentem-se culpados e incompetentes se no seguirem o conselho recebido e raramente aprendem como amadurecer espiritual e emocionalmente at o ponto de poderem tomar suas prprias decises sem ajuda. O conse lheiro e o aconselhando tm que trabalhar como um time em que o conselheiro atua como um professor treinador, cujo objetivo final sair de campo. 6. E nvolvim ento em ocion al em vez d e objetividade. Existe uma fronteira muito tnue entre ser carinhoso e se tornar to envolvido a ponto de no poder prestar ajuda alguma. Isto acontece, principalmente, quando o aconselhando est muito perturbado, confuso ou enfrenta um problema semelhante quele que o prprio conselheiro est passando. O excesso de envolvimento emocional pode fazer com que o conselheiro perca a obje tividade, e isto, por sua vez, reduz a eficcia do aconselhamento. Em certo sentido, as pessoas compassivas no conseguem evitar o envolvimento emocional, mas o conselheiro cristo pode resistir a esta tendncia se vir o aconselhamento como uma relao de assistncia profissional que pode ser limitada em termos de durao, ou nmero de sesses, nmero de conversas ou interrupo do agendamento. Essas limitaes no tm o objetivo de colocar o conselheiro parte, mas sim de ajud-lo a manter a objetividade necessria para poder ajudar o aconselhando. 7. Im paciente em vez de realista. Muitos conselheiros ficam desanimados e at ansiosos quando no veem progresso imediato em seus aconselhandos. Os problemas geralmente levam muito tempo para se desenvolverem e presumir que eles desaparecero rapidamente por causa das intervenes do conselheiro no uma postura muito realista. Mudanas instantneas acontecem, mas so raras. O mais comum levar um tempo at que o acon selhando abandone sua maneira de pensar e seu comportamento anteriores, substituindo-os por algo novo e melhor. 8. A rtificial em vez d e autntico. Os conselheiros s vezes impem a si mesmos o fardo de acreditar que devem ser perfeitos, saber sempre o que dizer e o que fazer, nunca cometer erros e ter sempre o conhecimento e a habilidade necessrias para resolver qualquer problema de aconselhamento.1 Conselheiros deste tipo geralmente tm dificuldade de admitir suas 0 prprias fraquezas e falta de conhecimento. Eles ficam to ansiosos de serem profissionais 31

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bem sucedidos que se tornam artificiais, distantes e at pretensiosos. difcil, talvez at impossvel, para um aconselhando relaxar e falar de seus problemas honestamente com um conselheiro que d a impresso de ser perfeito, algum que faz tudo certinho. Na histria deste mundo, s houve um conselheiro que atingiu a perfeio, nunca cometeu erros e sempre disse o que devia. Ns, que somos seus seguidores, precisamos aprender a relaxar, admitir que todos somos passveis de errar, parar de nos esconder detrs da mscara do profissionalismo, e confiar que Jesus nos dar as palavras e a sabedoria para aconselhar da melhor maneira. 9. Ficar na defensiva em vez d e dem onstrar empatia. A maioria dos conselheiros se sente ameaada durante o aconselhamento, uma vez ou outra. A capacidade de ouvir com empatia fica bloqueada quando estamos sendo criticados, ou quando temos conscincia de que no estamos ajudando, ou quando nos sentimos culpados, ou ainda quando o acon selhando parece que vai nos agredir. Quando ameaas como estas surgem durante a terapia, devemos nos perguntar o porqu. Se no soubermos a resposta, devemos pensar em discutir o assunto com um amigo ou colega conselheiro. Quanto mais soubermos a respeito de ns mesmos, menor a probabilidade de sermos ameaados pelos aconselhandos. O conselheiro deve manter uma atitude de vigilncia se quiser evitar riscos como esses. Como ajudadores cristos devemos honrar a Deus fazendo nosso trabalho da melhor maneira possvel, pedindo perdo quando cometermos erros e encarando nossas falhas como situaes de aprendizagem e degraus na escalada do aperfeioamento. Quando assumimos papis inadequados no processo de aconselhamento, devemos reestruturar a relao, se necessrio at dizendo ao aconselhando o que tencionamos mudar (estabelecendo horrios rgidos para as sesses, por exemplo recusando-se a largar o que estiver fazendo toda vez que um aconselhando telefonar, ou se tornando menos diretivo). Fazer esta reestruturao sempre complicado porque envolve tomar de volta algo que foi dado. Mas no faz-la significa continuar com a confuso de papis e com um aconselhamento ineficiente. Erros e troca de papis no so tragdias irreversveis. Um bom relacionamento com os aconselhandos pode cobrir uma multido de erros, mas no devemos usar isso como desculpa para fazermos nosso trabalho de qualquer jeito. O conceito mais importante que devemos ter em mente que o verdadeiro Conselheiro Cristo; ns somos apenas seus agentes, fazendo seu trabalho e representando-o. Seu Santo Esprito o nosso Consolador e Guia, e nos levar a libertar aqueles que ele mesmo trouxe at ns.1 1

A VULNERABILIDADE DO CONSELHEIROAconselhar seria mais fcil se pudssemos admitir que todo aconselhando quer ser ajudado, honesto e ir cooperar inteiramente durante o processo. Infelizmente, isso nem sempre acontece. Alguns aconselhandos tm o desejo consciente ou inconsciente de manipular, frustrar ou no cooperar. Essa uma descoberta difcil para o conselheiro que quer ter sucesso, e cujo sucesso depende primordialmente da melhora do aconselhando. E sempre difcil trabalhar com pessoas que no cooperam e oferecem resistncia. Se concordarmos em tentar ajud-las, estaremos nos sujeitando possibilidade de disputas de poder, explorao e fracasso. 32QUESTES INTRODUTRIAS

Os trs mecanismos que as pessoas mais usam para frustrar um conselheiro e aumentar a sua vulnerabilidade so: 1. M anipulao. Algumas pessoas so mestras na arte de conseguirem o que querem exercendo controle sobre os outros. Conta-se a histria de um jovem e inseguro conselheiro que queria ajudar e, no desejando ser rotulado como o antigo conselheiro, que no ligava a mnima, ele estava determinado a fazer tudo para agradar. As sesses de aconselhamento se tornaram mais longas e frequentes. Em pouco tempo, o conselheiro estava dando telefonemas, entregando recados, fazendo pequenos emprstimos e at indo ao supermercado para o aconselhando, que constantemente expressava sua gratido e, com voz chorosa, continua pedindo mais. Conselheiros manipulados raramente fazem bem o seu trabalho. Pessoas que tentam manipular o conselheiro geralmente o fazem bem e sutilmente; para elas, a manipulao tornou-se um estilo de vida. O conselheiro precisa confrontar essas tticas, recusar-se a ceder a elas, e ensinar ao aconselhando maneiras mais satisfatrias de se relacionar com os outros. Pode ser uma boa ideia perguntar sempre: Ser que estou sendo manipulado? Ser que estou indo alm de minhas responsabilidades? O que que este aconselhando realmente deseja? As vezes, as pessoas pedem ajuda para resolver um problema, mas o que elas realmente querem o seu tempo e ateno, sua sano a um comportamento pecaminoso ou danoso, ou o seu apoio como aliado num conflito familiar. As vezes, as pessoas procuram um conselheiro porque esperam que seus cnjuges, familiares ou patres parem de reclamar de seu comportamento se pensarem que elas esto recebendo ajuda. Se voc suspeitar desse tipo de desonestidade ou manipulao, conveniente tocar no assunto com o aconselhando, esperar que ele discorde e, ento, estruturar o aconselhamento de modo a evitar a ser manipulado ou explorado no futuro. Provavelmente correto afirmar que pessoas que tm um desejo sincero de ser ajudadas raramente se mostram exigentes, desonestas ou manipuladoras.1 2 2. Contratransferncia. De acordo com Freud, que foi quem cunhou este termo, a contratransferncia ocorre quando as carncias do conselheiro interferem no relacionamento teraputico. Quando a sesso de aconselhamento se transforma num local onde procuramos resolver nossos prprios problemas, pouco provvel que os aconselhandos consigam alcanar uma melhora, e podemos nos sentir tentados a dizer e fazer coisas que iremos lamentar mais tarde. Suponha, por exemplo, que voc sinta um forte impulso sexual ou romntico em relao a algum que esteja aconselhando, ou que sinta vontade de ficar perto dessa pessoa e protegla, que tenha fantasias com ela entre as sesses, que fique procurando um jeito de evitar os clientes que lhe parecem desagradveis, mas faa sesses mais longas com outros, que sinta necessidade do amor ou aprovao de um de seus aconselhandos, ou ainda que se sinta to ntimo de um deles a ponto de no conseguir mais discernir entre seus prprios sentimentos e os de seu cliente. Estes podem ser indcios de que suas prprias carncias esto interferindo em seu trabalho.1 Talvez voc tenha ficado to envolvido emocionalmente com seus 3 aconselhandos que sua objetividade e, portanto, sua eficincia como conselheiro, acabaram se perdendo. Todos os conselheiros passam por perodos em que sentem essas tendncias. Reconhecer o perigo o primeiro passo para no ficar enrolado e vulnervel. Tambm pode ser til 33

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discutir o assunto com um amigo perspicaz ou um outro conselheiro, pois eles podem ajud-lo a manter as coisas na perspectiva certa e ajud-lo a identificar problemas em sua vida que podem estar interferindo com sua atividade de assistncia.1 4 3. Resistncia. Muitas vezes, as pessoas vm pedir ajuda porque querem alvio imediato do sofrimento mas, quando descobrem que o alvio permanente requer tempo, esforo e mais sofrimento, elas resistem ao processo teraputico. As vezes, os problemas trazem certos benefcios de que o aconselhando no quer abrir mo (por exemplo, ateno dos outros, compensao de uma deficincia, diminuio da responsabilidade; ou gratificaes ainda mais sutis, tais como autopunio por suas atitudes erradas, ou a oportunidade de dificultar a vida dos outros).1 Como o sucesso do processo teraputico acarretar a eliminao desses 5 benefcios, o aconselhando no coopera. H ainda as pessoas que se realizam e se sentem poderosas frustrando os esforos dos outros, inclusive dos conselheiros profissionais. Essas pessoas geralmente dizem a si mesmas eu no tenho jeito mesmo - mas tambm, se esse conselheiro no consegue me ajudar no l grande coisa. Ento, o conselheiro continua a aconselhar, o cliente finge que coopera, e nada acontece. Quando o processo de aconselhamento se inicia, as defesas psicolgicas do aconselhando podem ser ameaadas, e isto pode levar a ansiedade, raiva e falta de cooperao, que podem no ser conscientes, em alguns casos. Se a resistncia persiste, pode ser necessria uma terapia mais profunda. Contudo, quando os aconselhandos so bem ajustados, a resistncia pode ser discutida com brandura e clareza. Faa o aconselhando perceber que, em ltima anlise, o responsvel pelo sucesso ou o fracasso do processo ele mesmo, e no o conselheiro. O profissional fornece uma relao estruturada, evita ficar na defensiva e precisa reconhecer que sua eficincia como conselheiro (e como pessoa) no est sempre relacionada com a rapidez com que seus aconselhandos melhoram. possvel nos mantermos em alerta quanto a possveis problemas em nosso processo de aconselhamento, se fizermos a ns mesmos (e uns aos outros) as seguintes perguntas: Por que acho que esta a pior (ou melhor) pessoa que j aconselhei? Por que motivo eu, ou o aconselhando, sempre nos atrasamos para a sesso? Existe uma razo para que eu, ou o aconselhando, queiramos mais (ou menos) tempo de sesso do que o combinado? Ser que eu tenho uma reao exagerada toda vez que essa pessoa diz alguma coisa? Eu fico entediado quando estou com essa pessoa? Isso acontece por causa dela, por minha causa, ou por ambos? Por que eu sempre discordo (ou concordo) com essa pessoa? Eu sinto vontade de encerrar esse relacionamento, ou de mant-lo, mesmo sabendo que deveria acabar? Estou comeando a sentir muita simpatia pelo aconselhando? Eu penso nessa pessoa frequentemente fora das sesses, tenho fantasias com ela, ou demonstro um interesse anormal por ela ou pelo seu problema? Se a resposta for afirmativa, por que isso acontece?

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QUESTES INTRODUTRIAS

A SEXUALIDADE DO CONSELHEIROSempre que duas pessoas trabalham em estreita cooperao para atingir um mesmo objetivo, surgem entre elas sentimentos de companheirismo e afeto. Quando suas origens e nvel educacional so semelhantes e, principalmente, quando so de sexos opostos, os sentimentos de afeio geralmente apresentam um componente sexual.'7 Esta atrao sexual entre conselheiro e aconselhando tem sido chamada de o problema de que os clrigos no falam.1 Quer falemos sobre ele, ou no, o fato que a maioria dos conselheiros enfrenta 8 esse problema, uma vez ou outra. O aconselhamento geralmente envolve a discusso de detalhes ntimos que jamais seriam abordados em outro contexto, principalmente entre um homem e uma mulher que no so casados um com o outro, e isto pode ser sexualmente excitante para ambos. O perigo de imoralidade aumenta mais ainda se: O aconselhando atraente e/ou sedutor. As necessidades emocionais e sexuais do conselheiro no esto sendo preenchidas numa outra relao. O aconselhando d sinais de que realmente precisa do conselheiro. O aconselhamento envolve discusses detalhadas a respeito de assunto sexualmente excitante. H muitos anos, Freud escreveu que influncias sutis como essas so perigosas, pois podem levar um homem a esquecer sua tcnica e seus objetivos teraputicos para ter uma experincia agradvel. E provvel que todos os leitores conheam casos de conselheiros, inclusive pastores, que passaram por cima de seus padres morais para ter uma experincia agradvel. Por causa disso, seus ministrios, suas reputaes, a eficincia de seu aconselhamento e, em alguns casos, at seus lares foram destrudos - sem mencionar os efeitos adversos sobre os aconselhandos envolvidos.1 Sentir atrao sexual por um 9 aconselhando comum, e um conselheiro sensato deve fazer de tudo para manter o autocontrole. 1. Proteo espiritual. Meditar na Palavra de Deus, orar (incluindo-se a a intercesso de outras pessoas), e confiar na proteo do Esprito Santo so medidas de importncia crucial. Alm disso, o conselheiro deve sempre vigiar por onde anda o seu pensamento. A fantasia geralmente precede a ao e um conselheiro vigilante no d lugar a pensamentos lascivos. Concentre-se, em vez disso, em tudo o que verdadeiro, respeitvel, justo, puro, amvel, e de boa fama.' Tambm til ter um outro crente a quem prestar contas de suas aes regularmente, pois isso pode ter um impacto muito grande em seu comportamento. Finalmente, cuidado para no cair na perigosa armadilha de pensar isso s acontece com os outros; comigo no! Esse o tipo de orgulho que deixa qualquer um de ns particularmente vulnervel tentao. Pensar desse jeito ignorar o alerta da Bblia: aquele que pensa estar em p, veja que no caia.1 ' Mas, e se voc cair? Ns servimos a um Deus que perdoa22, mesmo que as cicatrizes (sentimentos de culpa, reputao arruinada ou casamento desfeito) possam permanecer pelo resto da vida. Todo pecado confessado diante de Deus perdoado, mas ns temos a obrigao

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de mudar nossa maneira de pensar e o nosso comportamento da por diante, agindo de modo condizente com o ensinamento bblico. 2. R econhecim ento dos sinais d e alerta. O psiquiatra cristo Louis McBurney afirma que em qualquer ponto da estrada florida que leva destruio possvel voltar atrs e escapar, se conseguirmos identificar o perigo e antever as consequncias desastrosas de ceder s tentaes sexuais durante o aconselhamento.-3 Os sinais de alerta podem ser externos (de outras pessoas) ou internos (dentro de ns). Entre os sinais externos, podemos citar: Aumento da dependncia - o aconselhando requer pores cada vez maiores de seu tempo e ateno. Demonstraes de apreo e elogios o aconselhando vive enaltecendo o conselheiro e seus elogios tornam-se cada vez mais frequentes. Queixas de solido - s vezes acompanhadas de declaraes sobre a compaixo do conselheiro e seu desejo de ajudar a aliviar o sofrimento. Presentes - geralmente indicam um crescente envolvimento emocional e podem gerar, sutilmente, um senso de obrigao. Contato fsico geralmente comea com leves toques que vo se intensificando e levando a um envolvimento fsico cada vez maior. Outros comportamentos sedutores. Observe, por exemplo, como uma mulher se veste; se usa perfume; se insinua, a srio ou em tom de brincadeira, que o conselheiro irresistvel; se manda recados dizendo que seu marido est fora; ou se fala cada vez mais a respeito de sexo durante as sesses. McBurney afirma que o conselheiro precisa ver essas bandeiras vermelhas e cortar o mal pela raiz. O conselheiro tambm pode apresentar sinais semelhantes: Pensar no aconselhando entre uma sesso e outra e admirar sua personalidade. Fazer comparaes entre seu cnjuge e o aconselhando, esquecendo-se de que este ltimo uma pessoa que entrou recentemente em sua vida, novidade, no exige nada e, provavelmente, est encantada com seu conselheiro. Procurar oportunidades para encontrar-se com o aconselhando em reunies sociais, ou aumentar a durao das sesses. Ter fantasias sexuais com o aconselhando. Sentir vontade de discutir seus problemas pessoais com o aconselhando, porque o considera uma pessoa sensvel e carinhosa. O perigo disso tudo aumenta bastante se o casamento do conselheiro estiver em crise. 3. Im posio de limites. Estabelecer e manter limites explcitos ajuda a evitar alguns dos perigos que rondam os gabinetes de aconselhamento. Determine claramente a frequncia e durao das sesses e no as altere; no fique pendurado no telefone com algum que voc est aconselhando; cuidado com os contatos fsicos;2' conduza as sesses num local apropriado e sente-se de maneira a evitar olhares indiscretos ou intimidades; no deixe o aconselhando 36

QUESTES INTRODUTRIAS

se estender em discusses detalhadas sobre questes sexuais. Evite toda aparncia do mal26 e nunca se esquea de que todos ns temos que tomar cuidado para no cair em tentao. 4. D isposio ?nental. No adianta nada negar nossos impulsos sexuais. Eles so comuns, muitas vezes embaraosos, frequentemente excitantes, mas podem ser controlados. Lembrese do seguinte: (a) Consequncias sociais. Ceder tentao sexual pode acabar com a nossa reputao, destruir nosso casamento e tornar nosso aconselhamento ineficaz. (b) Implicaes profissionais. Ter intimidades sexuais com os aconselhandos no ajuda os que j tm problemas e no melhora em nada nossa imagem profissional. Lembre-se de que voc um conselheiro profissional; procure tambm ser maduro. (c) Princpio teolgico. Envolvimento sexual fora do casamento pecado. O psicanalista Viktor Frankl afirma que a pessoa no est completamente condicionada e determinada; ela quem determina se vai ceder ao condicionamento imposto pelo meio em que vive ou no. [...] Todo ser humano tem a liberdade de mudar a qualquer momento.28 Podemos usar a desculpa de que foi o diabo quem nos obrigou a fazer isso ou aquilo, mas a verdade que o diabo s tenta; ele no nos fora a nada. Ns tomamos a deciso de pecar, ignorando os alertas do Esprito Santo, que habita no interior de todos os crentes e maior que Satans (ljoo 4.4). Circunstncias atuais, ou influncias do passado, podem nos tornar mais vulne rveis tentao, mas no eliminam nossa responsabilidade pessoal. Cada um de ns responde pelo seu prprio comportamento. 5. P roteo de um gru po d e apoio. Para podermos resistir atrao sexual, preciso admitir honestamente que o problema existe. Nesse sentido, ter um ou dois confidentes com que discutir o assunto pode ser de grande utilidade. O primeiro da lista o cnjuge. Um bom casamento no nos impede de sentir atrao sexual por um aconselhando, mas influi decisivamente na nossa capacidade de resistir a ela.2" As vezes, o conselheiro no discute esse assunto com seu cnjuge por medo de sua reao, por constrangimento, ou por no querer ferir seus sentimentos. Por causa disso, boas oportu nidades de aprofundar a relao conjugal, receber apoio e restaurar a confiana mtua acabam se perdendo. Se um aconselhando ameaa seriamente o casamento de um conselheiro, provvel que a relao conjugal j estivesse em crise antes que ele entrasse em cena.30 Abrir o corao com um conselheiro de nossa confiana, ou com um amigo ntimo, tambm ajuda a ver o problema sob uma tica realista. Alm disso, o fato de termos que prestar contas de nossos atos a este amigo cristo algo extremamente positivo, pois ele pode interceder por ns, pedindo a Deus que nos proteja contra as tentaes. Mas ser que a atrao sexual deve ser discutida com o prprio aconselhando? H casos em que isso pode ser feito, desde que contribua de alguma forma para o autoconhecimento e o amadurecimento dessa pessoa. Porm, os riscos envolvidos nessas discusses so imensos. Algumas pessoas podem achar que esto recebendo um convite sexual, enquanto outras, princi palmente as imaturas e convencidas, podem acabar espalhando que o conselheiro est inte ressado nelas, o que teria consequncias desastrosas em sua vida profissional. Antes de comentar seus impulsos sexuais com um aconselhando, melhor discutir a questo com um amigo, ou outro terapeuta. Quer voc decida, ou no, revelar seus sentimentos, procure aplicar as sugestes dos pargrafos anteriores. Evite toda forma de flerte e considere a possibilidade de encaminhar a

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pessoa para outro conselheiro, se perceber algum desses sinais: ansiedade durante as sesses, falta de concentrao, fantasias sexuais, medo de desagradar o aconselhando, preocupao com pensamentos e fantasias entre uma sesso e outra, desejo de que a prxima sesso chegue logo para poder rever o aconselhando, acompanhado de temor de que seja cancelada, ou de que o aconselhamento termine.'1

A TICA DO CONSELHEIROA maioria das organizaes que renem conselheiros profissionais (como o Conselho Regional de Psicologia, a Associao Brasileira de Terapia Familiar, e a Associao Brasileira de Aconselhamento Pastoral e o Corpo de Psiclogos e Psiquiatras Cristos) criaram cdigos para proteger o pblico de prticas antiticas e para orientar os conselheiros em suas decises. Em geral, os profissionais cristos procuram seguir esses cdigos, mas como, para ns, a Bblia a Palavra de Deus, a Escritura o padro supremo que rege nossas decises de ordem tica e moral. O conselheiro cristo respeita cada indivduo e reconhece seu valor como pessoa criada por Deus sua imagem, desfigurada pelo pecado, mas amada por Deus e objeto da divina redeno. Toda pessoa tem sentimentos, pensamentos, vontade prpria e livre arbtrio. Como terapeuta, o conselheiro deseja o bem-estar do aconselhando e procura no manipular nem se intrometer em sua vida. Como servo de Deus, ele tem a responsabilidade de viver, agir e aconselhar de acordo com